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    CAF COM ACAR:A FORMAO DO MERCADO CONSUMIDOR DEACAR EM SO PAULO E O NASCIMENTO DAGRANDE INDSTRIA AUCAREIRA PAULISTA

    NA SEGUNDA METADE DO SCULO XIX

    Jos Evando Vieira de Melo1

    A implantao da lavoura escravista mercantil nas terras de serra acima, nasltimas dcadas da colonizao portuguesa, conectou a Capitania de So Pauloao mercado mundial, primeiramente pelo porto do Rio de Janeiro, e posteriormentepelo porto de Santos.

    A expanso dessa lavoura escravista mercantil, ao longo do perodo imperial,transformou a provncia de So Paulo num dos maiores plos de crescimento daeconomia brasileira. Canalizou para a Provncia uma grande quantidade deescravos e livres para o trabalho e gerou uma poderosa elite que se tornou o principalgrupo de poder do pas.

    Se foi com a lavoura e exportao cafeeira que a Provncia tornou-se conhecida,foi a antiga manufatura aucareira, com sua lavoura de cana e seus engenhos,que se introduziu a plantation no planalto paulista. Antes do porto de Santos setransformar no porto do caf, ele foi o porto do acar. Durante toda a primeirametade do sculo XIX, se exportou mais acar do que caf por este porto, poronde exportava a produo do Oeste paulista, regio na qual se concentrava amanufatura aucareira da Provncia.

    A expanso da lavoura cafeeira no Oeste paulista, em meados do sculo,justamente no momento de cessao do trfico internacional de escravos, levou auma diminuio e reconfigurao da manufatura aucareira. O caf passou aliderar a pauta de exportao da Provncia, enquanto o acar se converteu emartigo de consumo interno.

    Este artigo discute essa reconfigurao da manufatura escravista aucareirapaulista, voltada agora para o abastecimento do mercado provincial, ampliadopelo crescimento do complexo cafeeiro exportador, responsvel pelo grande aumentoda populao da Provncia, na segunda metade do sculo XIX. Discute tambm onascimento da grande indstria aucareira paulista, dentro do quadro da polticaimperial de financiar a implantao dos engenhos centrais no Pas.

    Em seu clssico trabalho sobre a agromanufatura aucareira em So Paulo,Maria Thereza Petrone demonstrou a importncia do chamado ciclo do acarpara o rpido crescimento da produo cafeeira nas terras do Antigo oeste paulista,na medida em que cedeu-lhe terras j ento desbravadas, forneceu capitais eescravos j concentrados e criou um sistema comercial e de transporte, com seuscaminhos de tropas de mulas, tropeiros e comerciantes, para a exportao dosprodutos da Provncia. Sem tais condies no teria sido possvel o rpidocrescimento da produo e exportao do caf pelo porto de Santos.1 Doutorando em Histria Econmica pela Universidade de So Paulo.

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    Mas o caf no apenas se beneficiou da estrutura criada pela produo doacar, pois o desenvolvimento do complexo cafeeiro e sua expanso, na segundametade do sculo XIX, garantiu a prpria sobrevivncia da agromanufaturaaucareira paulista e possibilitou a criao da grande indstria de acar e lcoolem So Paulo, no ltimo quartel do oitocentos. O complexo cafeeiro retribuiu ocomplexo aucareiro com capitais, estradas de ferro, imigrantes e um amplo mercadoconsumidor de acar, aguardente e lcool.

    bem conhecido o momento em que a exportao de caf ultrapassou a deacar pelo porto de Santos, desbancando o acar da liderana da pauta deexportao paulista de toda a rea interiorana tributria do porto santista. Foi nasafra de 1850/51, quando passaram pela barreira de Cubato 470.054 arrobas decaf e 344.904 arrobas de acar2. A regio do Vale do Paraba, desde a dcadade 1830, j tinha no caf sua principal fonte de riqueza, mas a produo cafeeiradessa regio era tributria do porto do Rio de Janeiro. Diferentemente dessa regio,no Oeste paulista as culturas da cana e do caf expandiam-se simultaneamente,da dcada de 1830 at meados da dcada de 1850.

    O acar no apenas perdeu a liderana nas exportaes paulistas, em meadosdo sculo XIX, mas retirou-se do mercado mundial e converteu-se em produto deabastecimento do mercado interno regional, alargado pelo desenvolvimento docomplexo cafeeiro. No ano financeiro de 1860/ 61, apenas 16 arrobas de acarpassaram pela barreira de Cubato3.

    A queda da exportao de acar e o aumento da de caf levou a HistoriadoraMaria Thereza Petrone a demarcar o fim do ciclo do acar paulista e decretaro declnio de sua produo, em 1850/51. Escreveu a autora:

    1846-1847 , certamente, o ano mais importante, o ano decisivo paraa cultura canavieira. Os agricultores do hinterland de Santos, a partirde ento, resolvem abandonar o cultivo da cana-de-acar para sededicarem ao caf. O quadriltero do acar vai transformar-se emzona cafeeira. O caf plantado em 1846-1847 produzir, em 1850-1851, ano em que ultrapassa, em volume, a exportao de acar pelabarreira de Cubato. Estranha coincidncia! No ano de maior exportaode acar tambm foram formados grandes cafezais, e da a poucoproduziro tanto, que o acar passar para o segundo lugar nasexportaes de Santos.4

    E prossegue a autora:

    O destino da lavoura canavieira j est decidido, portanto, a partir de1846-1847, mas torna-se mais patente a comear a segunda metade do

    2 PETRONE, Maria Thereza Shorer. A lavoura canavieira em So Paulo: expanso e declnio (1765-1851). So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1968, p. 162.

    3 SILVA, Francisco Alves da. Abastecimento em So Paulo: estudo histrico do aprovisionamentoda Provncia via barreira de Cubato (1835-1877). So Paulo: FFLCH-USP, 1985, p. 103(Dissertao de Mestrado).

    4 PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 162.

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    sculo. O quadriltero do acar deixou de s-lo, para se dedicar comverdadeira obsesso cultura do caf. 5

    Fica claro pelas citaes que o olhar da autora est completamente voltadopara a exportao, para o mercado externo, o que a levou a demarcar o declnioda agromanufatura aucareira paulista pela quantidade exportada, no pelaproduzida. A queda da quantidade de acar exportada, nesse momento, noocorreu devido diminuio da produo desse produto, mas ao redirecionamentodo mesmo para o mercado interno. Nesse ano de 1850, alguns engenhos, em algunsmunicpios, j haviam apagado seu fogo, substituindo a produo de acar pelado caf, mas no conjunto do Oeste, a manufatura aucareira no estavadecadente, como deixa claro o Presidente da Provncia, Nabuco DAraujo, em1852:

    A cultura do caf prospera cada vez mais, e promete a esta provnciaum grande futuro.A mudana da cultura do assucar para a de caf e ch, he uma tendenciaque os nossos fazendeiros manifesto, e se vae operandoinsensivelmente: esta tendencia provem, como sabeis, no s de sermais facil e vantajosa esta cultura do que aquella, como porque hemenos sujeita s avarias inherentes ao pessimo estado das nossas viasde communicaes, e impossibilidade da rodagem.Todavia no obstante essa tendencia a cultura do assucar no estdecadente.6

    Essa estranha coincidncia explicvel por dois motivos: primeiro, aimplantao da lavoura cafeeira ocorreu de forma desigual nas vilas do Oestepaulista, at a sexta dcada do sculo XIX. Enquanto declinava a produo deacar e o canavial cedia espao ao cafezal em municpios como Campinas e RioClaro, o nmero de engenhos e o conseqente aumento da produo de acarampliava-se em municpios como It, Piracicaba, Capivari e Mogi-Mirim, comoapresentaremos com dados a seguir. importante salientar aqui que a maioriadas fazendas produtoras de caf, no incio da segunda metade do oitocentos, noera formada por antigos engenhos de fogo morto, mas por novas propriedadesabertas j com o objetivo de cultivar caf. Segundo, a maior parte do acarproduzido em So Paulo era consumida internamente, abastecendo toda apopulao engajada nas outras atividades econmicas da Provncia, em especialnas lides cafeeiras.

    Os dados recolhidos pelo Brigadeiro J. J. Machado de Oliveira, responsvelpela organizao das estatsticas provinciais, para o ano de 1854, demonstram oestado da lavoura escravista mercantil e fornecem elementos para pensar asafirmaes acima. A primeira observao a ser feita que a produo de acarno Oeste paulista est em seu auge, no em declnio, dividindo as terras da regiocom os cafezais. A produo de 851.275 arrobas de acar dos municpios do

    5 PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 163.6 AESP. Discurso com que o Illm. Sn. Dr. Jos Thomas Nabuco DAraujo, Presidente da Provincia deS. Paulo abrio a Assembla Legislativa provincial no dia 1 de maio de 1852, p. 36.

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    Oeste superior, inclusive, as 776.122 arrobas colhidas de caf, na mesma regio.Nesta regio estava concentrada a manufatura do acar, pois possua 575fazendas de cana, das 667 da Provncia, produzindo 851.275 arrobas, de um totalde 866.140. Outras 92 propriedades canavieiras espalhavam-se no Vale do Parabae no litoral Norte, abastecendo essas reas cafeeiras de acar e aguardente.

    SOIPCINUM SADNEZAF SODAGERGA SONOLOC SOVARCSE EDSIAMINA OUDNOCMEFACSABORRA

    AICNTROPMISIRME

    MEAERSAUGL

    aidnuJ 75 66 532 054.1 028 000.06 000.000.081 8

    sanipmaC 771 82 891 000.6 449 055.533 000.056.600.1 2/144

    abacicariP 61 0 083 813 022 000.03 000.000.811 8

    miriM.M 66 471 83 289 005.1 000.08 000.000.023 02

    ariemiL 56 04 249 747.1 261 008.121 000.004.563 4

    oralCoiR 56 313 132 624.1 056 076.99 000.098.932 05

    arauqararA 4 0 0 16 03 000.2 000.000.6 4

    acnarF - - - - - - - -

    abacoroS 91 21 2 577 772 057.21 000.052.83 2/141

    utI 06 06 11 957 133 207.61 000.601.05 14

    zileF.P 61 4 7 771 69 053.6 000.050.91 2

    aropariP 02 4 2 729 06 003.3 000.090.6 -

    iravipaC 41 0 0 07 051 000.8 000.000.22 -

    LATOT 975 107 640.2 296.41 042.5 221.677 000.634.343.2 691

    FAZENDAS DE CAF NO OESTE DE SO PAULO EM 1854

    Fonte: Quadro Estatstico de Alguns Estabelecimentos Rurais da Provncia de So Paulo em18547.

    SOIPCINUM SADNEZAF SODAGERGA SONOLOC SOVARCSE EDSIAMINA OUDNOC

    RACAME

    SABORRA

    AICNTROPMISIRME

    MEAERSAUGL

    aidnuJ 91 06 0 027 004 000.22 000.000.05 4

    sanipmaC 44 0 0 769.1 449 092.26 000.496.99 61

    abacicariP 15 0 0 988.1 045 000.131 000.000.262 92

    miriM.M 75 0 9 425.1 690.3 000.722 000.000.254 03

    ariemiL 31 22 0 08 004 005.3 001.36 -

    oralCoiR 03 801 0 105 012 089.33 00.006.35 72

    arauqararA 21 0 0 801 09 000.5 000.000.01 01

    acnarF 02 04 0 342 005 008.8 000.000.02 -

    abacoroS 01 3 0 904 07 523.21 000.027.91 7

    utI 461 04 0 804.3 091.4 070.951 000.215.452 214

    zileF.P 83 0 0 249 260.1 013.34 000.059.16 2/14

    aropariP 74 01 1 269 543 000.34 000.059.18 -

    iravipaC 07 0 0 005.1 004 000.001 000.000.041 -

    LATOT 575 382 01 352.41 742.21 572.158 000.625.865.1 935

    FAZENDAS DE ACAR NO OESTE DE SO PAULO EM 1854

    7 Discurso com que o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Dr. Jos Antonio Saraiva, Presidenteda provncia de S. Paulo, abrio a Assembla Legislativa Provincial no dia 15 de Fevereiro de 1855.So Paulo: Typographia, 2 dez. 1855. AESP, microfilmes, rolo 20.

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    Dos treze municpios do Oeste arrolados em 1854, oito produziam mais acardo que caf e, diga-se, em muito maior quantidade. A produo de caf dosmunicpios de It, Capivari, Piracicaba, Porto Feliz e Pirapora insignificante, emcomparao produo de acar. Mogi-Mirim, maior produtor de acar com227.000 arrobas, j colhia 80.000 arrobas de caf. A produo de caf emCampinas (335.550 arrobas) destoava daquela dos outros municpios, pois colhiaquase metade de todo caf da regio. Os municpios mais distantes, como Francae Araraquara, tinham pouca participao na lavoura escravista mercantil, o mesmoocorria com Sorocaba, na rota do gado.

    No se pode afirmar, portanto, que em meados da dcada de 1850, o Oestefosse um espao eminentemente cafeeiro, muito menos que o quadriltero doacar deixou de s-lo, para se dedicar com verdadeira obsesso cultura do caf8.A pequena exportao de caf de It (6.540 @), Capivari (9.034 @), Pirapora(503 @), Piracicaba (37.697 @), e M. Mirim (49.489 @), em comparao s175.187 arrobas exportadas por Limeira e s 640.565 arrobas exportadas porCampinas, na safra de 1859/60, demonstram a permanncia de importantemanufatura aucareira no Oeste e a grande concentrao da produo cafeeiraem Campinas9.

    Do montante de 866.140 arrobas de acar produzidas, em 1854, apenas184.049 (21,25%) foram exportadas10. Ou seja, quase 80% da produo de acardos engenhos paulistas eram consumidos internamente, o que garantia a existnciade uma importante agromanufatura escravista mercantil produtora de acar eaguardente. As tropas de mulas, em sua maioria, no mais tinham que enfrentar adescida da Serra do Mar carregadas de acar. Levavam agora um produto menosperecvel, o caf, e em maior quantidade. Tal fato foi percebido na poca, comoescreveu Jos Antonio Saraiva:

    A cultura da canna em breve se redusir as propores compativeiscom o consumo da Provincia, e o de alguns Municipios de Minas.11

    O quadro da procedncia do acar e do caf, exportados pelo porto de Santos,elaborados por Thereza Petrone, permite observar a transformao ocorrida coma exportao de acar.

    Os dados mostram como a maior parte do caf e do acar exportados porSantos procedia de um nmero reduzido de municpios. Quatro dessas localidades,Itu, Piracicaba, Capivari e Porto Feliz, respondiam por 149.394 arrobas de umtotal de 184.049 exportadas, em 1854-55. Verifica-se que o maior volume naexportao do acar ocorreu no ano de 1846-47, declinando acentuadamenteat 1855. Esse declnio d-se em todos os municpios marcadamente exportadoresde acar, com exceo de Porto Feliz que teve uma exportao muito abaixo do

    8 PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 162.9 Discurso com que o Ill. e Exm. Senhor Conselheiro Antonio Jos Henriques, Presidente daProvncia de S. Paulo, abrio a Assembla Legislativa Provincial no anno de 1861. Anexo: Quadroda exportao de 1859/ 1860.

    10 PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 163. SILVA, Abastecimento..., p. 103.11 Discurso com que o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Dr. Jos Antonio Saraiva..., p. 16.AESP.

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    seu padro, e simultaneamente ascenso da exportao do caf.12 muitoimportante frisar, para nossos objetivos, que o declnio da exportao de acar,no incio dos anos 1850, nos principais municpios exportadores de acar, noest relacionado substituio da cana pelo caf, com exceo de Campinas eJundia, pois a produo de caf naquelas localidades bem inferior ao declnioda exportao aucareira.

    mesma concluso chegaremos se compararmos os dados de produo,fornecidos pelo Brigadeiro Machado de Oliveira, aos dados de exportao. Em1854, os municpios de Itu, Piracicaba, Capivari e Porto Feliz exportam menos

    12 de se estranhar esse baixo volume de exportao de acar de Porto Feliz, em 1846-47, quandoo municpio produzia mais de 40.000 @ anualmente. Ver: PETRONE, A lavoura canavieira..., p.49-50.

    OIPCINUM

    7381-6381 3481-2481 7481-6481 5581-4581

    RACAME

    SABORRA

    FACME

    SABORRA

    RACAME

    SABORRA

    FACME

    SABORRA

    RACAME

    SABORRA

    FACME

    SABORRA

    RACAME

    SABORRA

    FACME

    SABORRA

    sanipmaC 229.251 729.4 849.55 068.51 591.302 046.66 580.21 360.313

    utI 594.66 680.1 327.64 924 316.141 782.7 990.04 570.5

    abacicariP 312.17 785.2 287.72 880.2 336.05 795.2 707.83 312.91

    zileF.P 157.66 383 488.42 853 275.3 - 404.73 676.7

    iravipaC 210.64 63 763.52 635 974.87 285.2 472.33 687.3

    aidnuJ 641.21 018 593.6 056 275.22 666.1 260.1 157.52

    sezurCsad.M 165.7 129.41 343 078.3 419.21 023.72 108 422.73

    miriMM 054.5 - 432.5 799 064.8 45 695.4 548.12

    oluaPoS 208.2 385.1 826 498 449.91 156.4 723.2 134.8

    anagarB 23 041.2 - 016 626 995.2 951 074.41

    anubiaraP 072 621.1 - - - - - -

    arabrB.S 403 - - - 467 110.1 - -

    abacoroS 208 411.1 - - 232.1 268 967 356.3

    abanraP 291 - 011 - - - 681 -

    eracaJ 871 937.54 - 754.91 812.01 134.09 096 213.531

    saniM 981 - 692 - 420.3 723.4 - 805.1

    soJoS - 439.7 - 245.2 818.2 438.8 794.1 694.63

    ariemiL - - - 612 807.51 350.8 039.3 633.35

    acnarB.S - 144 - 911.2 - 773.1 - 726.7

    lebasI.S - 312.1 - 828 141 060.1 - 702.4

    odranreB.S - 861.1 - - 845 907 89 044

    tabuaT - 032 - 03 - - - 567.7

    orapamA - 602 303 931 915.4 - - 006.9

    sortuO - 31 594 8 695.61 025.4 363.6 424.75

    LATOT 862.334 956.78 905.491 336.15 155.795 737.632 940.481 298.377

    Fonte: PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 166.

    PROCEDNCIA DO ACAR E O DO CAF POR SANTOS (1836-1855)

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    acar do que no final da dcada anterior, mas esto no auge da produoescravista mercantil aucareira.

    Verifica-se que, com exceo de Porto Feliz que exporta 86,36% do total de suaproduo, mesmo os maiores exportadores de acar da Provncia direcionam amenor parte de sua produo para o mercado externo, exportando cerca de umquarto a um tero do acar produzido. Jundia exportou apenas 4,83% das 20.000arrobas produzidas.

    O municpio de Mogi-Mirim constitui caso diferente no quadro dodesenvolvimento da manufatura escravista aucareira no Oeste paulista, em relaoao mercado consumidor de acar. A produo de Mogi Mirim no se desenvolveuvoltada para o mercado externo, como ocorrera com os outros grandes produtoresdo Oeste. Em 1836-37, enquanto Campinas exportava 152.922 @ de acar, Mogi-Mirim exportava apenas 5.450, de uma produo de 40.520 arrobas. No auge daexportao paulista, no ano de 1846-47, este municpio vendia via Santos apenas8.460 arrobas de acar. Em 1854, o maior produtor paulista, com 227.000arrobas, mas exporta apenas 4.596, 2,03%14. Sua exportao de acar nunca foisignificativa, pois sempre abasteceu o mercado interno. Neste caso, a distncia doporto de Santos jogava papel fundamental na escolha do mercado consumidorpara o acar produzido nesta localidade, medida que os custos dos transporteseram muito elevados.

    A partir de 1855, o caf foi responsvel pela expanso da lavoura escravistamercantil tambm no Oeste, penetrando nos municpios aucareiros, causando adiminuio da produo de acar na Provncia. O aumento da escala de produo

    13 Quadro Estatstico de Alguns Estabelecimentos Rurais da Provncia de So Paulo em 1854. In:Discurso com que o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Dr. Jos Antonio Saraiva, Presidenteda provncia de S. Paulo, abrio a Assembla Legislativa Provincial no dia 15 de Fevereiro de 1855.AESP, microfilmes, rolo 20.

    14 PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 50 e p. 166.

    SOIPCINUM OUDORP OATROPXE %

    sanipmaC 092.26 580.21 04,91

    utI 070.951 990.04 12,52

    abacicariP 000.131 707.83 55,92

    zileFotroP 013.34 404.73 63,68

    iravipaC 000.001 472.33 72,33

    aidnuJ 000.22 260.1 38,4

    miriM-igoM 000.722 695.4 30,2

    Fontes: Quadro Estatstico de Alguns Estabelecimentos Rurais da Provncia de So Pauloem 185413; PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 166.

    PRODUO E EXPORTAO DE ACAR NO OESTE PAULISTA EM 1854(EM ARROBAS)

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    e exportao no Oeste, que rompeu a barreira de um milho de arrobas j no finalda dcada de 1850, levou ao aumento do setor de transporte e comercializao,com o respectivo aumento da populao, inclusive com o aumento do plantel deescravos a partir da importao de cativos do Nordeste.

    A expanso da plantao cafeeira repetiu o desmembramento dos municpiosdo Oeste, como ocorrera com a expanso aucareira, a partir do final do sculoXVIII. Antes o aumento do nmero de engenhos e da produo de acar levavaao surgimento de vrias vilas, agora era a ampliao das fazendas de caf quelevava autonomia de Parquias e Freguesias. Esse crescimento econmico edemogrfico criou o mercado de consumo que os senhores de engenhonecessitavam para a comercializao de seus produtos15.

    O que apresentamos at aqui foi com o objetivo de demonstrar como aimplantao da lavoura cafeeira de exportao em So Paulo, em especial noOeste paulista, converte a produo aucareira para o mercado interno, a partirda dcada de 1850. Agora pretendemos demonstrar a permanncia daagromanufatura aucareira em alguns municpios, a ampliao do mercadoconsumidor e a implantao dos engenhos centrais.

    Aps a implantao da lavoura cafeeira no eixo Capinas Mogi-Mirim, o cafruma em direo a Piracicaba, Itu, Capivari e Porto Feliz, transformando engenhosem fazendas de caf, fazendo declinar a produo de acar. A implantao dasfazendas de caf nesses municpios ocorreu de forma bem mais lenta do que emCampinas e nunca atingiu a escala desta. Durante toda a dcada de 1850, o volumede acar produzido naqueles municpios foi superior ao de caf.

    O levantamento feito em 1857, para a organizao do Almanaque da Provnciaaponta essa tendncia. Os dados so incompletos, infelizmente no foram arroladasas propriedades dos dois maiores produtores de acar, Itu e Mogi-Mirim, o queelevaria o nmero de engenhos a mais de 400 unidades. A maior parte da produode acar d-se nos vales do Tiet e do Piracicaba, mas j h um declnio emrelao a 1854. Esses municpios sero responsveis pelo abastecimento da regio.Em 1859 foi registrada a passagem de 12.234 arrobas de acar pela barreira deItapeva, na rota do Sul, em direo ao Paran, recm desmembrado da Capitaniapaulista17.

    A evoluo da produo de acar em Piracicaba ilustra bem o declnio daproduo aucareira e a preponderncia do caf, a partir da dcada de 1860.Aps o declnio, a partir do final da dcada de 1850, a produo aucareirapiracicabana volta a um novo perodo de expanso, na dcada de 1880, masagora no baseada nos engenhos e seus escravos, e sim na indstria moderna. Omesmo ocorreu, em menor escala, com os municpios aucareiros vizinhos.15 Sobre o desmembramento dos municpios paulistas e o crescimento demogrfico, durante osculo XIX, veja MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de So Paulo. So Paulo: Hucitec/Polis,1984, p. 25-29. MARCLIO, Maria Luiza. Crescimento demogrfico e evoluo agrria paulista(1700-1836). So Paulo: Edusp/ Hucitec, 2000, p. 71 e p. 138-146.

    16 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Provincia de S. Paulo para o anno de 1858.Organizado e redigido por Marques & Irmos. 1 anno. S. Paulo: Typographia Imparcial, de J. R. deAzevedo Marques, 1858.

    17 Discurso com que o Illm. Exc. Senhor Conselheireiro Antonio Jos Henriques, Presidente daProvncia de S. Paulo, Abrio a Assembla Legislativa Provincial no anno de 1861. AESP.

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    Von Tschudi, em viagem por So Paulo, nos anos de 1860-61, nos relata asituao da manufatura aucareira nessa regio. Capivari, Itu e Piracicabaaparecem como os centros produtores mais importante. O viajante no passoupor Porto Feliz e Tiet, municpios nos quais predominava a cultura da cana. SobreCapivari escreveu: Esta Vila o centro principal de um rico municpio agrcola,no qual se encontram nada menos de 63 engenhos de acar, 32 fazendas de caf e11 de ch19.

    Para Campinas apontou a existncia de 22 engenhos, que produziam de 55 a60 mil arrobas. Limeira contava com 9 engenhos e Rio Claro com 6, o que garantiao abastecimento desses municpios, ou parte dele. Em Piracicaba, no distrito dacidade, havia quatro engenhos de acar - no municpio existia um numero bemmaior - e 29 propriedades de caf e seis de ch20. Sobre Itu no forneceu nmerosde propriedades com engenhos, mas demonstrou a existncia de uma importanteproduo aucareira. No distrito da cidade de Itu, escreveu Tschudi: cultiva-se

    18 SAMPAIO, Slvia Selingardi. Geografia industrial de Piracicaba: um exemplo de interao indstria-agricultura. So Paulo: IG-USP, 1976.

    19 TSCHIDI, J. J. Von. Viagem s provncias do Rio de Janeiro e So Paulo. So Paulo: BibliotecaHistrica Paulista/ Publicaes Comemorativas sob o Patrocnio da Comisso do IV Centenrio daCidade de So Paulo, 1954, p. 198.

    20 PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 174-198.

    FAZENDAS DE CAF, ACAR E CRIAO NO OESTE PAULISTA

    SOIPCINUM RACA FAC OAIRC LATOT

    aidnuJ - 02 9 92

    sanipmaC 82 981 - 712

    abacicariP 94 92 5 48

    miriM-igoM - - - -

    ariemiL 41 47 82 611

    oralCoiR 6 53 5 64

    arauqararA - - - -

    acnarF - - - -

    abacoroS 2 7 1 01

    utI - - - -

    zileFotroP 53 23 - 76

    aropariP 35 91 - 27

    iravipaC 36 23 - 59

    LATOT 442 734 74 827

    Fonte: Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Provincia de S. Paulo para o annode 185816.

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    em vrios fazendas a cana de acar, sendo algumas destas fazendas otimamenteinstaladas, no ficando a dever aos melhores engenhos de Pernambuco21.

    Ao apontar o municpio de Rio Claro como o ponto mais afastado no qual sepodia produzir caf para a exportao com preo lucrativo, o viajante aponta aexistncia da produo aucareira para o abastecimento do mercado interno, emespecial dos municpios produtores de caf. Alm de Rio Claro, nos demaismunicpios somente os engenhos de acar conseguiam ser rendosos, trabalhandopara o consumo interno. Uma vez concluda a estrada de ferro at Campinas, dese supor que estes engenhos possam suprir as necessidades de consumo alm domunicpio de Rio Claro 22. As reas alm de Rio Claro, tiveram que aguardar asferrovias para se conectarem ao mercado externo.

    O declnio da produo aucareira paulista e o constante crescimento dapopulao, graas a ampliao da lavoura cafeeira, no final da dcada de 1850,fez com que a produo paulista no mais tivesse capacidade de abastecer sozinhao mercado provincial, que pelos dados da produo e exportao de 1854 deveriaconsumir cerca de 10.000 toneladas, o que daria cerca de 25 quilos por habitante.Em poucos anos So Paulo passou de exportadora a importadora de acar,consumindo parte da produo nordestina.

    No incio da dcada de 1860, So Paulo importava de 1.000 a 2.000 toneladasde acar, importao que foi progressivamente crescendo at o anno de 1872,em que foram importadas 18.000 toneladas, decrescendo de ento para c23. Nessemomento, a maior parte do acar consumido em So Paulo j era importado deoutras Provncias. O desenvolvimento da produo algodoeira em vrios municpiosdo Oeste paulista, na dcada de 1860, devido guerra civil nos Estados Unidos,tambm contribuiu para a reduo da produo aucareira paulista, mas criounovos consumidores de acar. Entre os anos de 1867 e 1876, a Provncia exportavaanualmente de 7 a 8 mil toneladas de algodo, declinando desde ento24.

    Em ofcio de 13 de janeiro de 1869, ao Governo provincial, a Cmara municipalde Capivari descreve o estado da lavoura do municpio, que produz caf, algodo,acar, aguardente, milho, sendo que s o caf e o algodo so exportados para omercado de Santos, e os demais so vendidos neste mesmo municipio, a compradoresdaqui mesmo ou de outros municipios que aqui venho comprar. O valor dosproductos regurlamente 5.000 rs por arroba de caf, 4$000 rs por arroba de assucar,2.500 rs por arroba de algodo, 20$ rs por 32 canadas de aguardente, 1$000 por

    21 PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 200.22 PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 188.23 Relatrio da Comisso Central de Estatstica. So Paulo: Typographia King, 1888, p. 253.24 PETRONE, A lavoura canavieira..., p. 253.

    EVOLUO DA PRODUO DE ACAR E CAF EM PIRACICABA(ACAR EM ARROBAS)

    Fonte: SAMPAIO18, Geografia industrial..., p. 65.

    SOTUDORP 8281 6381 4581 7581 6681 8881 6981

    racA 934.29 906.511 000.081 000.001 004.93 000.05 864.521

    faC 31 996.4 005.21 000.08 058.211 051.952 000.741

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    alqueire de milho, 2$000 por alqueire de arros, 2$500 por alqueire de feijo, e3$000 por alqueire de farinha de milho25. Dois anos depois, repete a Cmara:Este municipio essencialmente dedicado a lavoura. Produz assucar, aguardente,caf, algodo e generos alimenticios. Exporta seus productos pela Estrada de ferrode Jundiahy ao porto de Santos: a exportao faz-se do caf e do algodo; o assucar,agoardente e generos alimenticios so vendidos nas fazendas, para o consumo domesmo Municipio e dos circunvizinhos26.

    O mesmo ocorria com os municpios vizinhos, caf e algodo eram remetidospara Santos, destinados exportao, enquanto o acar, a aguardente e os gnerosalimentcios eram comercializados no mercado provincial. Os municpios comgrande produo cafeeira tornaram-se importadores de acar de outros, poisno conseguiam se auto abastecer. O algodo, no final da dcada de 1870, teve omesmo destino do acar.

    A populao paulista dobrara no perodo de meados do sculo XIX at orecenseamento de 1872, auge da importao de acar. O nmero de 417.149habitantes, em 1854, alcana 837.354, em 1874, o fizera praticamente dobrar oconsumo de acar27. A construo das ferrovias ligando o porto de Santos aCampinas empurrou a fronteira agrcola de exportao. A quantidade de cafexportado pelo porto de Santos alcanou 1.936.903 arrobas no ano financeiro de1871-7228. O valor da exportao de caf pelo porto de Santos, neste mesmo ano,foi de 13.004.567$000, contra 3.750.590$000 em 1858-5929. O caf garantia umainjeo constante de recursos monetrios na economia de So Paulo, o quepossibilitava o investimento em outros setores, em especial na construo da redeferroviria paulista, levada a cabo pelos fazendeiros e comerciantes.

    O Almanak de So Paulo para o anno de 1873 traz o quadro da agromanufaturacanavieira que sobreviveu em So Paulo, aps a expanso cafeeira das duasdcadas anteriores, abastecendo o interior paulista de acar e aguardente. Osvales dos rios Tiet e Piracicaba continuam sendo a principal rea de produo deacar da Provncia. Em Tiet contam-se 46 fazendas de cana e mais 8 com canae caf, s quais se somam 26 de caf e oito de algodo; em Capivari, 39 fazendasde cana, 39 de algodo e 51 de caf. Em Porto Feliz predomina o algodo, com 64lavradores, mais 11 de cana e 6 de caf. Para Piracicaba e Itu o Almanak nodistingue as propriedades pelo artigo produzido, listando 63 e 35 propriedades decaf e cana, respectivamente. Itu contava com mais 18 fazendas de algodo e 12de ch. Santa Brbara, que se desmembrara de Piracicaba, aparece com 5425 Ofcio de 13 jan. 1869. Ofcios diversos de Capivari. AESP, Cx. 187, Ordem 0982.26 Ofcio de 15 jan. 1871. Ofcios diversos de Capivari. AESP, Cx. 187, Ordem 0982.27 SAES, Flvio Azevedo Marques de. As ferrovias de So Paulo: 1870-1940. So Paulo: Hucitec/INL-MEC, p. 44. MARCLIO, Crescimento demogrfico..., p. 71. Computando a populao doParan fornece os nmeros seguintes: 1854, 480.608; 1872, 964.076.

    28 Relatrio apresentado ao Presidente da Provincia de So Paulo, Dr Joo Theodoro Xavier, peloInspector do Thesouro Provincial. AESP, 1873.

    29 MONBEIG, Pioneiros e fazendeiros..., p. 96. SINGER, Paul. Desenvolvimento econmico eevoluo urbana. So Paulo: Editora Nacional, 1977, captulo 2: So Paulo.

    30 Almanak da Provncia de So Paulo para o anno de 1873. 2. ed. Organizado e publicado porAntonio Jos Baptista de Lun e Paulo Delfino da Fonseca. So Paulo: Imprensa Oficial do Estado,1985, p. 358-359, p. 367-372, p. 462-467, p. 470-479.

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    fazendas mistas de cana e algodo30. Quatro anos depois, em 1877, Moraes Barrosapontou a existncia de 25 engenhos em Piracicaba, produzindo cerca de 50.000arrobas31.

    Os municpios de Casa Branca e So Joo da Boa Vista, no caminho de Gois,apresentam importante nmero de propriedades canavieiras. O primeiro contacom 31 fazendas de cana, uma mista com cana e caf e outra com cana, caf ealgodo. O segundo, com 17 propriedades de cana e mais 5 nas quais a canadivide as terras com caf. Mogi- Mirim, que contava com 57 engenhos em 1854,apresentava 11 fazendas de cana, 5 mistas de cana e caf e 2 que plantavamcana, caf e algodo, totalizando 18 propriedades32. Em Araraquara contavam-se16 fazendas de acar, em Serra Negra 11, em Descalvado tambm 11, em RioClaro 9, em Limeira 6, So Carlos do Pinhal 10, em Jundia 9, em Pirassununga 6.Os principais centros produtores de acar e aguardente eram os municpios maisafastados do porto de Santos. Formavam uma espcie de cinturo abastecedor dazona central produtora de caf, em especial os municpios de Campinas, Rio Claro,Limeira e Indaiatuba33.

    A dcada de 1870 representativa, pois marca um momento de mudana nalavoura paulista. A construo das primeiras ferrovias, que rasgaram o Oeste apartir de ento, possibilitaram a expanso da lavoura de exportao, diga-se ocaf, para alm das encostas da depresso perifrica, caminhando para o centro enorte da Provncia. A produo de algodo declina, cedendo espao a novasculturas, deixando o mercado externo para abastecer as fbricas de tecidos quesurgiro no ltimo quartel do sculo. A produo de acar e aguardente, como naprimeira metade do sculo, volta a se expandir. O aumento da produo e circulaode mercadorias aumenta o setor urbano e de transporte. Todo esse crescimentoeconmico s foi possvel graas ao crescimento da populao, que gera ummercado consumidor cada vez maior. Para o acar, estimado um consumo anualde 25 quilos por habitante, o mercado paulista necessitaria pouco mais de 20.000toneladas para ser abastecido.

    Mais da metade desse acar provinha do Rio de Janeiro e de Pernambuco, orestante era produzindo internamente. No por acaso que quando o Governoimperial lana a poltica de modernizao atravs dos engenhos centrais, em 1875,os produtores paulistas lanam mo de concesses e so dos primeiros no Pas ainstalarem as modernas unidades produtivas, os engenhos centrais. Em So Pauloexistiam, nesse momento, um mercado que alcanava um milho de almas, umaj secular manufatura aucareira, uma rede ferroviria em expanso e capitaispara serem investidos. Possua, portanto, as condies necessrias para aimportao da moderna tecnologia inventada pela revoluo industrial europia.

    Os engenhos centrais representavam a revoluo industrial aplicada na produodos derivados de cana. Ele veio reinventar e superar a manufatura colonialprodutora de acar, mecanizando todo o processo produtivo. Seu desenvolvimentoteve incio com a inveno da moenda a vapor, logo depois seguido da inveno31 BARROS, M. Moraes. Piracicaba: estado presente. Agosto de 1877. In: Almanach Litterario deSo Paulo para o anno de 1878, p. 159-164.

    32 Almanak da Provncia de So Paulo, 1873.33 Almanak da Provncia de So Paulo, 1873.

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    do cozimento a vcuo nos chamados trplices efeitos e das turbinas centrifugadoras,que substituram os tendais de purgar. No Brasil, para se obter os subsdios doEstado para a instalao de engenhos centrais (especialmente a garantia de jurosde 7% e a iseno de taxas de importao) as Companhias no poderiam produzira matria-prima necessria para seu abastecimento nem utilizar mo-de-obraescrava34.

    O primeiro engenho central de So Paulo foi inaugurado em outubro de 1878,s margens do rio Tiet, municpio de Porto Feliz. A Companhia Aucareira dePorto Feliz, proprietria do engenho central, fora incorporada em 1876 e teve seusestatutos aprovados pelo decreto 6.355, de 11 de outubro do mesmo ano. Por essedecreto, o Governo Imperial concedia garantia de juros de 7% ao ano sobre ocapital de 300 contos de ris.

    O municpio de Porto Feliz foi um dos principais produtores de acar daprimeira metade do sculo XIX, mas a partir da dcada de 1860 seus lavradores sededicaram com maior afinco lavoura de algodo, apresentando apenas 11fazendas de cana, em 1873. O preo do algodo, entretanto, despencou na dcadade 1870, com a reorganizao da produo do Sul dos Estados Unidos, o quelevou ao abandono da lavoura algodoeira por partes de vrios produtores.Respondendo ao questionrio emitido pelo governo provincial, a respeito daproduo de algodo, escreveram os vereadores:

    Quanto ao 1 (pouco desenvolvimento da cultura do algodo) entendeesta Camara que devido a baixa em que est, e seu producto liquidono compensa aos agricultores, as despezas que fasem comparandocom outra qualquer cultura.35

    Quatro anos depois, no ano da inaugurao do engenho central, lemos emoficio da Cmara municipal: o estado geral da agricultura pssimo devido aescasses de braos e decadencia da lavoura do algodo, havendo esperanas demelhoras, se tomar a cultura da canna as propores que se espera com oestabelecimento do Engenho Central36.

    A instalao do engenho central de Porto Feliz aparecia como a salvao dalavoura do municpio, pois a mesma enfrentava grave crise. A lavoura do algodo,em pouco tempo, deixou de ser promissora e agora os lavadores necessitavamfazer a converso para outra cultura, no caso, a cana de acar. A primeiraexperincia de instalao de uma grande indstria do acar, em So Paulo, noocorreu, portanto, nos principais municpios aucareiros, nem em um municpioem expanso agrcola.

    A instalao de um engenho central requeria um grande investimento de capitalna construo dos edifcios, na importao da moderna maquinaria, na construode estradas de ferro agrcolas e importao do material rodante. Esse montante derecursos necessrio ao investimento estava fora do alcance dos proprietriosisoladamente. A soluo era a organizao de sociedades por aes, o que

    34 Decreto 2.687, de 6 nov. 1875. Leis do Imprio do Brasil.35 Ofcio de 27 mai. 1874. Oficios diversos, Porto Feliz. AESP. Cx. 386, Ordem 1181.36 Ofcio de 12 jan. 1878. Ofcios diversos de Porto Feliz. AESP. Cx 386, Ordem 1181.

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    possibilitaria o levantamento do capital. A elite paulista, formada por fazendeiros,comerciantes e banqueiros, j desenvolvera a experincia na incorporao deempresas por aes para a construo das estradas de ferro.

    Assim foi organizada a Companhia Aucareira de Porto Feliz, sob a lideranado Desembargador Bernardo Gavio Peixoto, Baro de Trs Rios, Antnio dePaula Leite de Barros (maiores aciocistas com 50 aes cada), Joaquim Antnioda Silva Camargo, Antnio Manoel de Arruda Abreu, Dr. Joaquim Carlos Travassose outros, somando mais de 90 acionistas37. A Companhia, no entanto, noconseguiu levantar todo o capital atravs da emisso de aes, realizando apenas192:400$000. Foi necessrio emprstimo bancrio de 128:600$000. A instalaocompleta do engenho custou cerca de 460 contos, sendo cerca de 198 com omaquinrio importado da Brissoneau Frre de Nantes, qual a Companhia deviacerca de 60 contos38.

    Na pequena safra experimental de 1878, Em 20 dias de moagem, que poremequivaler a 10 dias de um servio regular, a fabrica fez cerca de tres mil arrobas deassucar.(...) O produto inferior tem sido vendido a 3.500 por 15 kilos; o superior,que optimo, a 6.00039. Os engenhos tradicionais tinham agora a contribuioda primeira grande indstria aucareira paulista no abastecimento do mercadoconsumido do interior de So Paulo.

    A vizinha cidade de It passa a comercializar acar do central de Porto Feliz,como podemos ler no jornal Imprensa Ytuana, durante o ano de 1879:

    Assucar - Manoel Martins de Padua Mello, tem para vender assucarcrystalisado do Engenho Central de Porto Feliz, pondo a disposio dopblico qualquer quantidade deste genero, o melhor que pde serfabricado, por preos mais que commodos, vende as saccas, uma oumuitas.40

    Em casa de Manoel Martins de Padua Mello, rua do Commercio, gradede ferro, continua-se vender assucar crystalisado do Engenho Centralde Porto Feliz.41

    Em outubro, a mesma casa comercial anuncia a venda de assucar do que hde melhor do Engenho Central de Porto, ao preo de 5.500rs por 15 kilos, porems vende de uma sacca para mais42. Manoel Martins era distribuidor atacadista doacar produzido pelo engenho central de Porto Feliz.

    37 ACCIONISTAS da Companhia Assucareira de Porto Feliz. Estatutos da Companhia Assucareira dePorto Feliz. Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger & Filhos, 1877.

    38 Ofcio do Director Gerente da Companhia Assucareira de Porto Feliz, Jos Manoel de ArrudaAlvim, 13 dez. 1878. Ofcios diversos. Cx.386, Ordem 1181. SOUZA, Jonas Soares de. O EngenhoCentral de Porto Feliz: uma empresa pioneira em So Paulo. So Paulo: USP/ Museu Paulista,1978, p. XXIV-XXV.

    39 Ofcio do Director Gerente da Companhia Assucareira de Porto Feliz, Jos Manoel de ArrudaAlvim, 13 dez. 1878. Ofcios diversos. Cx.386, Ordem 1181.

    40 Imprensa Ytuana, 05 fev. 1879, p. 3. MRCI.41 Imprensa Ytuana, 24 jun. 1879, p. 4. MRCI.42 Imprensa Ytuana, 12 out. 1879, p. 4. MRCI.

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    Aps a experincia pioneira de Porto Feliz surgiram mais trs engenhos centraisem So Paulo, no incio da dcada de 1880. Dois nos municpios vizinhos deCapivari e Piracicaba e outro em Lorena, no Vale do Paraba. Todas as concessesforam obtidas em 1881 e seus concessionrios foram: Estevo Ribeiro de SouzaRezende, Antonio Corra Pacheco e Joaquim Eugnio do Amaral Pinto, emPiracicaba; Henri Raffard, em Capivari e Antnio Moreira de Castro Lima, JosJoaquim Moreira Lima, Arlindo Braga e Francisco de Paula Vicente de Azevedo,em Lorena43.

    Diferentemente de Porto Feliz, Piracicaba e Capivari, na mesma regio, passavampor um momento de prosperidade econmica graas especialmente expansoda lavoura cafeeira, mas tambm produo de acar. Enquanto a CmaraMunicipal daquela localidade informava ao Governo Provincial que o estado dalavoura era pssimo, as Cmaras de Capivari e Piracicaba afirmavam aprosperidade da lavoura nas mesmas.

    Em 1882, lemos em ofcio de Cmara Municipal de Capivari:

    O municipio riquissimo de terras de superior qualidade= roxas,massaps, vermelhas, barrentas, que do abundantemente todos osgeneros de cultura conhecidas na provincia, exportando j 1.800.000kilos de caf commum e geralmente conhecidos; 1.125.000 kilos deassucar feitos ainda pelos antigos e custozos processos, das seguintescannas, roxa, roza, branca e caninha criolla.44

    Alm dessa produo de acar, que superava mais de 1.000.000 de quilosanualmente, Capivari fabricava cerca de 8.000 cargueiros de aguardente,demonstrando a grande importncia na economia do municpio. Capivari era umdos principais produtores de acar e aguardente da Provncia. Piracicaba, nestemomento, exportava em mdia 4.500.000 quilos de caf45.

    O engenho central de Piracicaba foi inaugurado em 1883, os de Lorena eCapivari, no ano seguinte. A exemplo do central de Porto Feliz, os dois primeirosforam montados com maquinrio francs da Brissonneau Frres, enquanto o centralde Capivari foi montado pela J & T Dale de Kiredy e Mirrlees Wats & Cia, deGlasgow. A capacidade instalada dessas fbricas era de 240 toneladas dirias decana e produo mnima de 16.000 sacos de 60 quilos de acar por ano46.

    A inaugurao dessas fbricas trouxe para So Paulo um novo padro tcnico,o da grande indstria totalmente mecanizada, que produzia em grande escala eproporcionava rendimento dobrado, acima de 8% cana/acar, em relao aos43 Piracicaba: Decreto 8.089 de 07 mai. 1881. Lorena: Decreto 8.098 de 21 mai. 1881. Capivari:Decreto 8.123 de 28 mai. 1881. Leis do Imprio do Brasil.

    44 Ofcio da Cmara Municipal de Capivari. 13 abr. 1882. AESP, Ofcios diversos, Cx. 187, Ordem0982.

    45 Ofcio da Cmara Municipal de Piracicaba, mar. 1883. AESP, Ofcios diversos, Cx. 378, Ordem1173.

    46 SAWYER, Frederic H. Estudo sobre a indstria assucareira no Estado de So Paulo. So Paulo:Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, 1905, p. 30-49. SOUZA, O EngenhoCentral..., p. XX. BRAY, Slvio Carlos. A formao do capital na agroindstria aucareira de SoPaulo: reviso dos paradigmas tradicionais. Rio Claro: UNESP, 1989 (Tese de Livre Docncia), p.72-74.

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    engenhos tradicionais. Seu acar era de qualidade bem superior, com alto ndicede polarizao, pronto para o consumo direto. Os municpio onde estavamlocalizados transformaram-se nos maiores produtores provinciais e suas fbricaseram exemplos nacionais de modernizao do setor no Imprio.

    Os trs primeiros centrais de So Paulo foram obra do capital nacional,acumulado na lavoura canavieira, cafeeira, algodoeira, no comrcio e transporte.A Companhia aucareira de Porto Feliz, incorporada em 1876, tinha como seusmaiores acionistas os seguintes senhores: Bernardo Avelino Gavio Peixoto(capitalista e empresrio, residente em So Paulo, 50 aes); Baro de Trs Rios(capitalista e fazendeiro, residente em Campinas, 50 aes); Antonio de PaulaLeite de Barros (fazendeiro de cana, residente em So Paulo); Jos Antonio daSilva Camargo (fazendeiro de Cana de Porto Feliz, 25 aes); Luiz Teixeira daFonseca (fazendeiro de algodo de Porto Feliz, 25 aes); Salvador Corra de Moraes(fazendeiro de cana de Porto Feliz, 25 aes); Antonio Manoel de Arruda Abreu(fazendeiro de cana de Porto Feliz, 25 aes); Dr. Joaquim Carlos Travassos (mdicoe capitalista, residente no Rio de Janeiro, 25 aes); Frederico Brand (engenheirotopgrafo alemo, 25 aes); Francisco Antonio da Fonseca (fazendeiro de canade Porto Feliz); Baronesa de Limeira (capitalista e fazendeira, residente em SoPaulo, 20 aes); Baro de Souza Queirs (capitalista, empresrio, fazendeiro decaf, algodo e cana, residente em So Paulo, 20 aes); Baro de Porto Feliz(capitalista e fazendiro de caf, residente em Rio Claro, 20 aes)47. A lista nosapresenta a diversidade das atividades econmicas das pessoas envolvidas nessaprimeira grande indstria aucareira paulista, indivduos de negcios que investiamseus capitais em vrias atividades econmicas, entre os quais o engenho central.Alguns acionistas tinham capitais aplicados em ferrovias, como so os casos doBaro de Souza Queirz e Bernardo Gavio Peixoto48.

    A Companhia Engenho Central de Piracicaba foi incorporada pelos senhoresEstevo Ribeiro de Souza Rezende, depois Baro de Rezende (fazendeiro de cafe cana em Piracicaba), Antonio Correa Pacheco (tambm fazendeiro de caf ecana no mesmo municpio) e Joaquim Eugnio do Amaral Pinto49.

    Em Lorena, a Companhia proprietria do engenho central era dominada pelafamlia Moreira Lima, a mais rica famlia da cidade, liderada pelos irmos Viscondede Moreira Lima e Baro de Castro Lima. Os seis maiores acionistas, dentre ototal 42, concentravam, em 1885, 1849 aes, 73,96% das 2.500 existentes50.

    O engenho central de Capivari foi construdo com capital ingls, que comproua concesso de Henrique Raffard, recebida em 1881, e incorporou a The SoPaulo Central Sugar Factory of Brazil. Este engenho foi instalado s margens doRio Capivari, em terreno do Conselheiro Gavio Peixoto, acionista do engenho de

    47 SOUZA, O Engenho Central..., p. XXIV. BRAY, A formao do capital..., p. 70.48 BRAY, A formao do capital..., p. 49.49 BRAY, A formao do capital..., p. 72. TERCI, Eliana Tadeu. A agroindstria canavieira de Piracicaba:relaes de trabalho e controle social (1880-1930). So Paulo: PUC, 1991 (Dissertao de Mestrado),p. 70.

    50 Relatrio da Companhia Engenho Central de Lorena de 15 de janeiro de 1886, Anexo 8, APL.MELO, Jos Evando Vieira de. O Engenho Central de Lorena: modernizao aucareira e colonizao(1881-1901). So Paulo: FFLCH-USP, 2003 (Dissertao de Mestrado), p. 68-88.

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    Porto Feliz. A Companhia inglesa pouco durou, pois um dficit de 130 contos alevou a falncia. Os credores assumiram a fbrica, constituindo a CompanhiaEngenho Central de Capivari, em 26 de Junho de 1886, presidida pelo Dr. AlbanoPimentel, fazendeiro de cana da regio51.

    Esses engenhos centrais nasceram para competir com outras Provncias peloabastecimento do mercado paulista e a entrada em operao dessas unidadesprodutivas fez baixar a quantidade de acar importada, como mostram os dadosda Comisso Central de Estatstica. Os produtores paulistas tinham a vantagemda proximidade do mercado, o que garantia menores gastos com o transporte dasmercadorias.

    51 SAWYER, Estudo..., p. 36-37. BRAY, A formao do capital..., p. 73-74.52 Relatrio da Comisso Central de Estatstica, 1887-1888. So Paulo: Typographia King, 1888, p.326, p. 424-425, p. 443-446, p. 478, p. 574-578.

    IMPORTAO DE ACAR POR CABOTAGEM EM SO PAULO - 1882-1887

    Fonte: Relatrio da Comisso Central de Estatstica, 1887-1888. So Paulo, TypographiaKing, 1888, p. 26.

    SONA 38-2881 48-3881 58-4881 68-5881 78-6881

    RACA)sadalenot(

    698.41 567.61 963.11 582.5 909.21

    A importao caiu de 16.765 toneladas, no ano de 1883-84, para 11.369, em1884-85, e para 5.285, no ano seguinte, justamente nos anos das primeiras safrasdesses trs novos engenhos centrais paulistas, voltando novamente para o patamarde 13.000 toneladas, em 1886-87.

    A comisso de estatstica calculava a produo provincial de acar em cercade 6.000 toneladas, sendo seus principais produtores os municpios de Piracicaba,Capivari, Lorena, Porto Feliz, Monte-mr, Itu, Araraquara, Cajuru, Jaboticabal,Santa Brbara, Tijuco Preto e Santa Cruz do Rio Pardo. A relao exposta confirmaa persistncia da produo aucareira realizada no antigo padro daagromanufatura dos engenhos tradicionais, pois apenas nos quatro primeirosmunicpios existiam os grandes engenhos centrais. Alguns desses engenhos erammovidos a vapor, transformando-se em unidades semimecanizadas.

    Dos 18 engenhos de Santa Brbara, cinco eram movidos pela fora do vapor,trs pela da gua e trs pela trao animal. A produo alcanava 225.000 quilosde acar e 147.000 litros de aguardente. Monte-mr fabricava 150.000 quilos deacar em seis engenhos, sendo trs movidos a vapor, um a gua e dois pelosanimais. Itu aparece com uma produo de 700.000 quilos de caf e 550.000 deacar e 200.000 de algodo. O municpio de Cajuru, a 369 km da capital, aparececomo o maior produtor da Provncia, com 3.000.000 de quilos de acar, maiordo que a produo de caf, de 2.000.00052.

    Com a inaugurao dos engenhos centrais, Porto Feliz e Piracicaba voltam aproduzir acima de um milho de quilos anualmente. So 1.200.000 e 1.050.000quilos, respectivamente. O central de Piracicaba produzia cerca de 450.000 quilos,

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    o de Lorena, cerca de 430.000, em 188553. Pelos dados levantados, a produo deacar em So Paulo ultrapassava as 6.000 toneladas, apontadas pela Comissode estatstica.

    A partir desse momento de instalao da grande indstria do acar, aguardentee lcool em So Paulo, a populao do territrio paulista passar por uma grandeexpanso, com a entrada de milhares de imigrantes, a partir de meados da dcadade 1880, ampliando ainda mais o mercador consumidor provincial. Em 1887,entraram em So Paulo mais de 32.000 imigrantes; no ano seguinte, cerca de92.000. Na ltima dcada do sculo entraram cerca de 750.000 imigrantes naProvncia e em 1900 a populao da mesma alcanou a soma de 2.609.415habitantes54. S a populao da capital saltou de 64.934, em 1890, para 239.820,em 1900, crescimento de 268%55.

    A produo paulista de acar em expanso no consegue abastecer essemercado, importando grande quantidade de acar do Nordeste e do Rio de Janeiro.No ano financeiro de 1887-88, a Companhia Santos Jundia transportou11.338.600 quilos de acar56. Henri Diamanti, em estudo de 1898, calcula que omercado interno brasileiro consome cerca de 350 mil toneladas, ou 5.830.000sacos de 60, avaliando consumo individual de 25 quilos, para uma populao de14 milhes de pessoas. Mas escreve o autor: Considerando-se o imenso consumode caf e de doarias que se faz em todas as classes sociais, este nmero parecerepresentar uma avaliao pessimista57.

    O mercado do Rio de Janeiro, alm de grande consumidor, era grandedistribuidor de acar, no final do sculo XIX, fornecendo acar para os Estadosde Minas Gerais, So Paulo, Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O fatose explica pela dificuldade das relaes comerciais diretas entre os portos do Nortee as cidades de Sul58. Os dados seguintes mostram a entrada de acar no mercadodo Rio de Janeiro.

    53 Relatrio da Comisso Central de Estatstica, 1887-1888, p. 443-446. SAMPAIO, Geografiaindustrial..., p. 72. MELO, O Engenho Central..., p. 103.

    54 HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o caf: caf e sociedade em So Paulo, 1886-1934. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 68. MARCLIO, Crescimento demogrfico..., p. 71.

    55 SINGER, Desenvolvimento econmico..., p. 47.56 Relatrio do Presidente da Provncia de So Paulo, Pedro de Azevedo, 1889. AESP.57 DIAMANTINI, Henri. Nota sobre a indstria aucareira no Brasil. In: PERRUCI, Gadiel. ARepblica das usinas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, Parte IV, p. 235. A estimativa de consumode 25 quilos por habitante feita por Henri Raffard e pelo Centro dIndstria e Commercio deAssucar.

    58 DIAMANTINI, Nota sobre a indstria..., p. 239.

    ENTRADAS DE ACAR NO MERCADO DO RIO DE JANEIRO (1891-1897),EM SACOS DE 60 KG

    Fonte: DIAMANTINI, Nota sobre a indstria..., p. 239.

    SONA 1981 2981 3981 4981 5981 6981 7981

    RACA 017.868 - 386.329 908.443.1 259.291.1 612.902.1 612.910.1

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    Ao trmino do sculo XIX, mais seis usinas de cana haviam surgido em SoPaulo, interessadas em atender o sempre crescente mercado interno paulista, todasfora da poltica de engenhos centrais, iniciada em 1875 e, portanto, sem garantiade juros nem subsdios. A primeira delas foi a pequena usina Monte Alegre, montadana tradicional fazenda que lhe deu o nome, em Piracicaba, em 1887. Depois vieramFreitas, em Araraquara (1889), Indai e Cachoeira, em Franca (ambas em 1898),London, em So Simo (1899)59.

    Essas usinas foram fundadas por homens que acumularam capitaisprincipalmente na atividade cafeeira, que dinamizava a economia paulista comsua exportao. A maquinaria era comprada frequentemente no Rio de Janeiro,em especial da regio campista, como foi o caso da usina Cachoeira, montadapor Manuel Dias do Prado. O Comendador Freitas montou sua usina commaquinaria importada da Cail60.

    A London foi montada pelo grande cafeicultor da regio de Ribeiro Preto, Dr.Henrique Dumont, que comprou todo o maquinrio do engenho central Rio Branco,que fora instalado no municpio da Barra do Pira, na antiga Provncia fluminense,em 188661.

    A maioria do acar consumido em So Paulo no final do sculo XIX noprovinha destas grandes indstrias, mas dos engenhos bangs que sedesenvolveram na antiga Provncia. Levantamento realizado pela Secretaria daAgricultura, em 1900, apontou a existncia de 2.494 engenhos e engenhocas, dosquais 123 para a produo de acar, 72 de rapadura e 2.299 de aguardente62.Estes e aquelas no davam conta de abastecer o mercado paulista, carecendoimportar uma boa quantidade de acar nordestino. Os dados a seguir demonstramessa realidade.

    59 DIAMANTINI, Nota sobre a indstria..., p. 128-138, p. 155.60 DIAMANTINI, Nota sobre a indstria..., p. 130, 136-137.61 DIAMANTINI, Nota sobre a indstria..., p. 128. Slvio Carlos Bray mostrou o processo deacumulao do Sr. Henique Dumont e a fundao dessa usina. BRAY, A formao do capital..., p.129-132.

    62 BRAY, A formao do capital..., p. 91.

    PRODUO E CONSUMO DE ACAR EM SO PAULO EM 1901 (SACOSDE 60 QUILOS)

    Fonte: BRAY, A formao do capital..., p. 92.

    OUDORP SOHNEGNE SANISU OMUSNOC OATROPMI

    853.490.1 634.349 229.051 310.169.1 556.668

    A lavoura canavieira paulista produzia 57% do acar que consumia e 86,20%dessa produo era realizada nos engenhos, agora no mais com o trabalho escravo,enquanto as usinas produziam 13,80%. Essa produo era mais de cinco vezessuperior realizada no auge da exportao paulista de acar, em meados dosculo XIX. No houve, desta maneira, um ciclo da lavoura canavieira paulista,extinto pelo rpido crescimento da cultura do caf; mas uma regressomomentnea, logo superada e expandida por novas tcnicas de produo e detransportes.

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    Os quatro engenhos centrais instalados em So Paulo, entre 1878 e 1884,passaram por vrias crises financeiras e foram vendidos para investidores franceses,no alvorecer do oitocentos, que passaram a controlar as maiores unidadesprodutoras de acar, aguardente e lcool do Estado. Antes mesmos dareorganizao feita pelos franceses, essas unidades evoluram para a estruturausineira, integrando a produo agrcola e fabril, sem deixar de manter, pelo menosem parte, o fornecimento de cana de terceiros.

    A Provncia/ Estado de So Paulo, com o crescimento econmico e demogrficoda segunda metade do sculo XIX, no qual a implantao das ferrovias e aimigrao desempenharam papel fundamental, transformou-se no principalmercado consumidor para os derivados de cana, em um momento crucial no qualo acar brasileiro, diga-se a produo nordestina, perdia seus mercados no exterior,necessitando converter sua produo para o mercado nacional. Esses engenhoscentrais fundaram a grande indstria aucareira em So Paulo e foram parteintegrante da formao da moderna agroindstria canavieira no pas, que marcariato fortemente a nossa histria do sculo XIX.

    Em So Paulo, na Segunda metade do sculo XIX, no houve a substituiototal da lavoura canavieira pela cafeeira, pois ambas conviveram juntas. Em algunsmomentos, a lavoura canavieira cedeu espao para a lavoura cafeeira, mas oinverso tambm verdadeiro. O desenvolvimento e expanso do complexo cafeeirode exportao criou um mercado consumidor para a indstria nascente, entre asquais a moderna agroindstria canavieira.

    RESUMOA manufatura escravista aucareira passou por grandeexpanso no planalto paulista, durante toda a primeirametade do sculo XIX, conectando a Capitania/Provncia deSo Paulo ao circuito do comrcio mundial. A partir dadcada de 1830, a manufatura do acar passou a sofrer aconcorrncia da lavoura cafeeira, em franca expanso noVale do Paraba e na regio de Campinas. Na segundametade do oitocentos, a exportao de caf ultrapassou ade acar pelo porto de Santos. A manufatura aucareirarestringiu-se a alguns municpios, abandonou o mercadoexterno e converteu sua produo para o mercado paulista.Este se ampliava rapidamente, acompanhando a expansocafeeira no oeste paulista, aumentando a base econmica edemogrfica da Provncia. A existncia desse mercadopaulista para o acar local e tambm de outras Provncias,criado pelo desenvolvimento do complexo cafeeiro,possibilitou o surgimento de quatro engenhos centrais, dandoorigem grande indstria do acar em solo paulista.

    Palavras-Chave: Indstria Aucareira; Provncia de SoPaulo; Sculo XIX.

    ABSTRACTThe slavery sugar manufacture had great expansion in SoPaulo plateau, during the whole first half of 19th century,connecting this Province to the sugar world trade circuit.Starting from the decade of 1830, the manufacture of thesugar started to suffer the competition of the coffee farming,in large expansion in Paraba River valley and in Campinasarea. In the second half of that century, the coffee exportsurpassed sugar in Santos harbour. The sugar manufacturewas limited to some municipal districts, and abandoned theexternal market converting its production to So Paulo market.This was quickly enlarged, accompanying the coffeeexpansion to the west, increasing the economical anddemographic base of the area. The existence of that marketfor the local sugar and also of other provinces, created bythe development of the coffee sector, made possible theappearance of four central mills, creating the great sugarindustry in So Paulo province.

    Keywords: Sugar Industry; So Paulo Province; 19th

    Century.