Download - 1 Milhão de Motivos Para Casar - Gemma Townley

Transcript

Quatro  milhões  de  libras.  Para  Jessica  Wild,  este  é  um  valor  que  ela  nunca,  nem  em  seus  sonhos  mais  loucos,  conseguiria  ter.  Porém  é  mais  ou  menos  o  quanto  ganha   quando   sua   amiga   Grace   morre   e   a   deixa   como   herdeira.   O   único  obstáculo   entre   Jess   e   a   fortuna   é   um   detalhezinho   no   testamento:   seu   nome  aparece  como  Sra.  Jessica  Milton.A  questão  é  que...  bem...  Grace  sempre  perguntava  sobre  a  vida  amorosa  de  Jess.  Ela,   por   sua   vez,   sem   acreditar   no   amor   e   na   felicidade   conjugal,   acabou  inventando   um   namorado   -­‐   que   viria   a   se   tornar   seu   marido   de   mentira.   O  sortudo  foi  Anthony  Milton,  seu  chefe.  E  agora  Jess  se  vê  em  um  beco  sem  saída:  a  única  maneira  de  conseguir  a  herança  é  se  casar  com  Anthony.  Em  cinquenta  dias.  E  sem  que  ele  saiba  o  verdadeiro  motivo.  Mas  será  que  o  casamento  seria  o  melhor  investimento  para  garantir  a  felicidade  de  Jess?

NotadaAutora

Quando eu era (infelizmentemuito)mais jovem, costumava brincar comminhas amigas de um jogo chamado O que você faria?, em queformulávamosperguntasumasàsoutras,desdeamaisbanal,como:“Oquevocêfariasedormisseeacordassenofimdosemestre,duranteoperíododas provas e não tivesse estudado nada?”; àmais interessante, como: “Oque você faria se descobrisse que é adotada e sua verdadeira mãe é arainha?”Haviatambémalgumastotalmentehorrendas,como:“Oquevocêfaria se estivesse trocandode roupapara participar da aula de educaçãofísicaeoSr...(umprofessor)entrassenovestiárioeavisse?”Eraumjogobeminteressante,noqualnãoerapermitidodarrespostas

óbvias e simples, do tipo “eu ficaria reprovada; eu daria uma ótimaprincesa; eu iria ignorar e fingir que aquilonunca tinha acontecido”.Nóstínhamosqueentraremdetalhes,responder,deformaespecíficaesincera,comoreagiríamosdiantedaquelassituações.Eaverdadeéqueeununcapareirealmentedejogá-lo.Eesseéogrande

baratodeseescreverumlivro,poisvocêpodeperguntartantosOquevocêfaria quanto quiser e responder da maneira que desejar. Foi assim quesurgiu a inspiração para criar a aventura de Jessica Wild. E se vocêherdasseumafortuna?Esetivessequeconvenceralguémasecasarcomvocê só para poder pôr a mão no dinheiro? E se esse alguém fosse seuchefe,elindo,evocênãofizesseotipodele?Quando comecei a pensar neste livro, tinha acabado de reler A

importânciadeserprudenteefiqueisurpresacomquantoelemefezrir.Agenialidade e a tolice se combinam para criar uma peça que semantémsempreatual,maravilhosamenteespirituosaesuperdivertida.Então,outraperguntadotipoOquevocêfariameocorreu.Eseeupegasseemprestadosóumpouquinhoda tramadeOscarWilde?E se eu criasseumaheroínaquefossealguémsemgrandespretensões,otipodegarotaquefoi,eesperasempreser,coadjuvantenahistóriadeoutrapessoa,eacolocasseemumasituação absurda, onde nada é simples, e a fizesse lidar com isso? Comoseria?A resposta a todas essas perguntas resultou emUmmilhão demotivos

paracasar.Esperoquevocêsgostem.

Capítulo1

PROJETO:CASAMENTO

Oproduto:JessicaWildQuerdizerqueagoraeumetorneiumproduto?Bem,foivocêquemdissequetínhamosquetransformarissoemumplanodenegócios,lembra?Tudobem.Eusouumproduto.Queseja...

Missão:reformularoprodutoparatorná-loirresistívelaopúblico-alvo,impelindo-oadeclararoseuamoreternoefazerumpedidodecasamento.

Prazo:50dias.

Público-alvo:AnthonyMilton(chefedoprodutoemquestão,umcaralindoeumdosprofissionaismaisbadaladosdomundodapropaganda).

Objetivosdanovamarca:1.Tornar-seatraenteparaAnthonyMilton.2.Tãoatraentequeelechameoprodutoparasair.3.Eemseguidapeçaoprodutoemcasamento.4.Ah,etudoissotemqueacontecerem50dias.Inclusiveocasamento.5.Esteéoprojetomaisabsurdoemquejátrabalhei.

Eomaislucrativo.Lembre-se,estamosfalandode4milhõesdelibras.Nãoéumaquantiaquedevasermenosprezada.Nãoestoumenosprezando.Sóestouplanejandooquevoufazersealgodererrado.Nadavaidarerrado.Éfácilfalar.Afinal,nãoévocêquetemquefazerisso.

Característicasprincipaisdoproduto(pontospositivos):Hmm...Cinturinha fina.Pernasbonitas.Àsvezessériademais.Ecomcertezahorrívelquandooassuntoéhomem.Ah,obrigada.Denada.

Dificuldadequantoàreformulaçãodamarca/problemasaseremresolvidos:1.Atéagoraopúblico-alvonãomostrounenhuminteressepeloproduto.

2.Nemoprodutomostrouomenorinteressepelopúblico-alvo.

AnthonyMilton?Aquelegato?Falasério,vocêtemqueestarpelomenosumpouquinhointeressada.Nemumpouquinho.Elenãofazomeutipo.Vocêtemumtipo?Vocênuncasaicomninguém.Comoéquevocêpodeterumtipo?Possonãoterumtipodefinido,masseiidentificarquemnãofazomeutipo.Bem,issoquerdizerhomensemgeral...Essaéumapéssimaideia.Talvezsejamelhorpensaremoutracoisa...Ah,não.Vocêconcordouemfazerisso.Nãopodevoltaratrásagora.Posso,sim.Não pode, não. De qualquer maneira, você não tem escolha. Já verificamos todas as alternativaspossíveisevimosqueelasnãosãoválidas.Obrigadapelolembrete.

Estratégias:

Seráqueeupoderiadelegaressatarefaaalguém?ContratarumatopmodelparasecasarcomAnthony,porexemplo?Masissoacabacomopropósitodacoisa,nãoé?Olha,nãoétãodifícilassim.Vocêsóprecisadeumcortedecabelo.Roupasnovas.Aprendera sorrirdamaneiracerta.Eumpoucodetreinonaartedasedução.Eugostodasminhasroupas.Edomeusorriso.Enãoestouinteressadanaartedasedução.Masvaiestarquandoeutiverterminadocomvocê.Vocêvaiterminarcomigo?Issoéumapromessa?

Helen,minhaamigaquedivideoapartamentocomigo,franziuatesta.—Porquetenhoaimpressãodequevocênãoestálevandoissoasério?—Nãofaçoamenorideia—respondi,inocente.—Porqueeuestou,sim.

Aliás, estou até pensando em ir à biblioteca e fazer uma pesquisa sobrecasamentos nos últimos 2mil anos. Sabe como é, para pegar umas dicasimportantes.Helenrevirouosolhosemsinaldeirritação.—Qualé,Jess?Nãoestoubrincando.Afinal,vamosfazerissoounão?Eudeiumsuspiro.—Olha,achoquenãolevamosemcontatodososaspectosdacoisa.Eu

poderia muito bem ligar para o advogado. Abrir o jogo com ele. Pedirdesculpaseesqueceressaideiaridícula.—Éissooquevocêquerfazer?Temcerteza?—perguntouHelen.Corei e neguei com um gesto de cabeça. Eu não iria telefonar para o

advogadoeadmitiraverdade,dejeitonenhum.Seriaterrível,humilhantedemais.Nãoerasequerumaopção.Helendeudeombros.— Então me diga exatamente o que você tem a perder, Jess. Falando

sério.— Minha dignidade — respondi na mesma hora. — Minha

independência.Minhas...— Dívidas?— sugeriu Helen.— Sua vida social inexistente? Ah, Jess,

qualfoiaúltimavezquevocêsaiucomalguém?— Eu não quero sair com ninguém. Encontros são supervalorizados.

Assimcomocasamentoenamoros.—Comovocêsabe?Vocênuncanamora.Edequalquermaneiranãose

tratadisso,esimdeumapropostadenegócios.Mordiolábio.— Anthony não vai saber que é uma proposta de negócios. Você está

dizendoquevaifazercomqueeleseapaixonepormim,masissonuncavaiacontecer.Épuraperdadetempo.Helensemicerrouosolhosemeencarou.—Vocênãoestáassustada,está?—Não!—respondinadefensiva.—Claroquenão.Sóachoqueéuma

ideiamaluca.— Não acredito — disse Helen, balançando a cabeça. — Você está

assustada.JessicaWild,aSrta.“OdeioCasamentos”,estácommedodeserrejeitada.Admita.— Não estou com medo de ser rejeitada— falei, revirando os olhos,

irritada.—ApenasseiqueAnthonynuncavaiseentusiasmarpor...nesseprojeto.Muitomenosseapaixonarpormim.E,para falaraverdade,nemquero que isso aconteça. Tenho coisas melhores a fazer do que ficarcorrendoatrásdeummulherengoqualquer.—Coisasmelhoresafazerdoqueherdar4milhõesdelibras?Nãoseja

boba. De qualquer maneira, acho que seria bom para você ter umnamorado.— Eu sei que você acha isso.Mas não importa. Ao contrário das suas

convicções,eunãoacreditoqueoshomenssejamarespostaparatudo.Eunão quero um namorado. Não preciso de um para me sentir completa.Estoumuitobemsozinha.—Aspalavrassaíramcomoummantra,detantoqueasdizia.Eeuacreditavanelastambém.Casamentoerabomparajovensbonitinhas que se sentiam felizes em depender de um homem, mas nãoparamim.Eusabiamuitobemdisso.

— Sozinha e falida, você quer dizer. Então, tudo bem, você está felizsozinha. Mas, se esse plano der certo, você não vai ganhar apenas ummarido lindo;vocêvaiganhar4milhõesde libras.Falasério!Valeapenatentar,certo?Deideombros.Elatinhamepegadocomessa.Quatromilhõeseramuita

grana.Davaparamudardevida.—Maseuteriaquecasar—argumentei.—Vocêpodesedivorciar.Franzi o cenho. A bem da verdade, eu não acreditava em casamentos,

mas a ideia do divórcio também nãome agradava. Dava a impressão defracasso, de uma escolha errada. Talvez Anthony e eu pudéssemos nosseparar,mepegueipensando,maslogofiqueiirritadacomigomesma.EujáestavacomeçandoacairnaconversadeHelen.Nãoiriamesepararnemmedivorciar, porque não ia sequerme casar. Eu podia até estar entretendoHelen com toda essa história, mas o Projeto Casamento nunca iria darcerto.—Divórcio.Quemaravilha.Tudooquesempresonhei.Helenseirritou.—Esqueçaodivórcio.Concentre-senocasamento.Ele resolveria tudo.

Vocêtemque,nomínimo,tentar.Euaencarei.Eraumaideiamaluca.Maisqueisso.Mastalvezelativesse

razão;talvezeudevessetentar,nemquefosseparanãopensarmaisnesseassunto;paranãoficarpensandodepois:“Eseeutivessefeito”?—Vamoslá—disseHelen,tentandomepersuadir.—Vocêsabequeéa

coisacertaafazer.PorGrace.Pelacasa.Inclineiacabeçaparatrásedeiumsuspiro.Acasa.Ah,meuDeus.Como

fuimemeternessaconfusão?—Então,vocêtopa?—perguntouHelen.—Vaiarriscar?Eupercebiqueelanão iriadesistir,oquepor si sóeraumaboa razão

parairemfrente.Cruzeiosbraçoseolheiparaelaatentamente.—Voutentar—respondisemacreditarnoqueestavadizendo.—Mas

nãovoufazernadacontraminhavontade.Econtinuoachandoquenãovaidarcerto.—Bem,senãovaidarcerto,vocênãoteránadacomquesepreocupar,

certo?—disseHelen.Suspirei.—Vocêacha issoengraçado,nãoé?—eudisseemtomdecensura.—

Vocêachaqueésóumjogo.

—Eéumjogo.—Helensorriu.—Écomoumdaquelesgameshows daTV.Eoprêmioéenorme.Falasério,Jess.Relaxa.Olhei bem para ela e franzi o cenho. Eu não queria relaxar. O que eu

queria erame livrar de tudo aquilo. Mas eu sabia que não ia conseguir.Então, em vez disso, dei de ombros. Eu sabia reconhecer quando eraderrotada.—É isso aí!—Helen bateu palmas.—Bem, então, vamos cortar esse

cabelo—disse ela, entregando-meo casaco.—Antesque vocêmudedeideianovamente.

Capítulo2

Achomelhor explicar o Projeto Casamento. E os 4milhões de libras. E oadvogado, também. Quer dizer, você com certeza deve ter algumasperguntas.Apenasprometanãojulgarantesdeconhecerahistóriatoda.E,mesmodepoisdeconhecer,euagradeceriasevocêpegasseleve.Tudocomeçouhámuitotempo,comonosbeloscontosdefadas.Nãotão

antigamente a ponto de se conviver com duendes, mas tempo suficienteparaas coisas teremsaídode controle.Doisanos,doismesese seisdias,paraserexata.Na verdade, tudo começou quando minha avó morreu. Bem, não

exatamentenodiaemqueelamorreu,masquandodecidiumoraremumacasaderepouso,porqueelaviviadizendoqueninguém—referindo-seamim— seria capaz de cuidar dela tão bem quanto ela própria cuidava.Vovóeeunãonosdávamosmuitobem.Fuideixadasobseuscuidadosaos2anos,quandominhamãemorreuemumacidentedecarro.Eunão tivepai—pelomenosminhaavónãosabiaquemeleerae,naépoca,eunãoconheciaapalavra“papai”—,oquefezcomqueelasevisseforçadaaseresponsabilizarpormim,deformainvoluntária.Eelasemprediziaque,nasuaidade,preferianãoterquecriaroutracriança.Então,quandometorneiadulta, fiz o possível para demonstrar gratidão, cuidar dela, visitá-laregularmenteeverificarquenãolhefaltassenada.Mastodavezqueeuavisitava,elaachavaumnovomotivoparamecriticar—meucabelo,meuemprego,meusamigos,meucarro...É claroqueeu jáestavaacostumada,afinal, cresci com elame provocando,mas quandomencionou a ideia dacasaderepouso,tenhoqueconfessarquefuitotalmenteafavor,nahora.Amudança pareceu ser positiva para ela também. Passou a ter outras

pessoasparacriticarenovascoisasparasequeixar.Opessoaldaclínicaaodiava;osoutrosmoradorestinhammedodela;eaaversãoquenutriaporeles fazia com que, durante minhas visitas, tivéssemos um assunto paraconversarquenãogirasseapenasem tornodosmeusdefeitos,oqueeraalgonovoeincrivelmentebem-vindo.Mas não é aí que tem início a história. Tudo começou quando Grace

Hampton, a vizinha de quarto da casa de repouso, calhou de passar pelo

quartodaminhaavóumdiaqueeuestavavisitando,eespiouládentro.EuestavacontandoavovósobremeunovoempregonaMiltonAdvertising,eexplicava que trabalhava para Anthony Milton, o queridinho do mundopublicitário. Grace entrou e nos ofereceu chá, o que achei estranho, poisminha avó só falava coisas negativas sobre a vizinha intratável que liaromances “estúpidos” e via televisão demais (vovó preferia ler livrosgrandesecomplexos,quelhedeixavamcomdordecabeça).Gracepareceuignorar o espanto de vovó e seu tom de descaso, quando voltou algunsminutos depois com três xícaras de chá e sentou no sofá, ao meu lado.Entãomeperguntoutudosobremeunovoemprego.Parafalaraverdade,paraumavelhinhaboazinha,elaerabemcaradepau.E,antesqueeumedesseconta,elaestavasemprepresentequandoeuvisitavavovó,sorrindoeperguntandosobreminhavida,comoseestivessedefatointeressada.Alguns meses depois, vovó morreu, e tudo mudou. De repente, me vi

completamentesozinha.Nósduasnãonosdávamosmuitobem,maselaeraminhaúnica família. E, então, ela havia partido. Eu ia sentir falta dela. IasentirfaltadasvisitasàclínicaSunnymead,aindaquenessasvisitasminhaavópassassetodootempocriticandotudooqueeufazia.Elaexerceraumaenormeinfluêncianaminhavida;amaior,eagora...Bem,agoraeuestavalivreenãosabiaoquefazer.Issofoioqueeupensei,masacabeipercebendoquenãoprecisavaterme

preocupado,poislogodescobrioqueiafazer:resolverdetalhesdoenterroepagarpeloserviço.Naverdade,essanãoeraaúnicacoisaqueeu tinhaquepagar.Vovóseesquecerademencionarquetinhaproblemascardíacos;etambémquehaviaficadosemdinheiroedeviamilharesdelibrasàclínicaSunnymeadpelotratamento.Graceestavapresentequandomepuseramapar do quanto ela devia, quando colocaram a conta de vovó na minhafrente,comdelicadeza.Fizopossívelparanãodesmaiarquandosegureiopapelcomforçaemeusolhosreviraramdiantedosnúmeros.Vinteecincomillibras,nototal.Naquelemomento,Graceapoiouamãosobreaminhaedisse:—Sabe,Jess,estavapensandosevocêmefariaumfavor.Parafalaraverdade,eunãoestavanemumpoucoafimdefazerfavora

ninguém.Minhavidaestavapassandorapidamentediantedemeusolhos,umavidadedívidas,deaperto.Maseunãofaleinada;apenasmelimiteiasorriredisse:—Claro.Então,elaprosseguiu:—Queriasabersevocêmedeixariaassumirasdespesasdoenterrode

suaavó.Euficariamuitofeliz.Claro que não aceitei, mas ela tinha o costume de não se conformar

quando recebia um “não”. Eu sabia que, no fundo, aquilo era apenasgentileza, mas Grace era inflexível quando contrariada. A cerimônia doenterro foibonita—bemmaisdoquese tivessesidodeixadaporminhaconta. Vovó podia ser uma presbiteriana convicta, mas Grace conseguiutransformaraigreja,tãosevera,emumbelolugar;etornouoeventoumagrande celebração à vida da minha avó. Grace apareceu usando umterninho em um tom claro de cor-de-rosa, sorriu para mim e disse queninguém deveria usar roupa preta em enterros. Segurou minha mãodurante todoo tempo, emedeuum lençoquando, paraminha surpresa,comeceiachorar.— Sua avó amava você— sussurrou ela, quando o corpo de vovó foi

baixadonasepultura.—Quandovocênãoestava,elanãoparavadefalaraseurespeito.Tinhamuitoorgulhodevocê.—EunãosabiaseGracediziaaverdadeounão,masfoibomouviraquilo.Óbvioquemeofereciparapagaroqueelahaviameemprestado.Masela

semprerecusava.Diziaquedinheironãoeratudo,oqueimportavamesmoeramaspessoas,acompanhia,asrisadaseoamor.Eentãoeladisseque,seeu não estivesse muito ocupada, adoraria que eu a visitasse de vez emquando. Respondi que é claro que tinha um tempinho, e que gostaria devisitá-la. Por isso, alguns dias depois do enterro da minha avó, voltei àclínica Sunnymead. E na semana seguinte também. Sabe, Grace não eracomo vovó, e visitá-la não parecia uma obrigação em absoluto; eramaiscomodarumpulona casadeumaamiga.De repente,mevi contandoashorasparapassarpeloscorredoresdaSunnymead,parasentaraoladodeGrace, enquanto assistíamos à televisão, líamos revistas e discutíamos osseus livros favoritos. Ela me contava da sua infância — sobre a GranjaSudbury,apropriedadeondeelahaviacrescido,queestavanasuafamíliahavia várias gerações. Era uma enorme casa no campo, que parecia seespalharemtodasasdireções,cheiadepassagensestreitasecercadaporumimensojardim,ondeelaeosirmãoscostumavambrincarnoverão.Eu escutava tudo comatenção, imaginando comodeveria ser viver em

um lugar como aquele, cercada por irmãos, cachorros e amigos; comárvores para subir emuitos esconderijos para escolher. A casa daminhaavó era pequena e entulhada mesmo sem meu avô, que a deixou umasemanadepoisquepasseiamorarcomeles.Eletinhaumcaso—algoquevovómecontounoenterrodele,quandodisse,comarvitorioso,queelesótinha conseguido sobreviver um ano longe dela, como se vovô fosse o

causadordoprópriocâncer—,masque foiaminhachegadaqueo fez irembora. Os poucos brinquedos que eu tinha não podiam sair do meuquarto,nãopodiamatravancaroespacinhodoqualvovódispunha.Nãoeraumacasaparacrianças,elamedizia,deixandobemclaroqueeueraumaintrusa. Tampouco era um local onde se permitiriam risadas, gritaria,brincadeirasoumúsicaalta.Pareciaserumlugardereflexão,paraseficaremsilêncio.Vovócostumavadizerqueasolidãoeraalgoaservalorizado.Ela também dizia que não se pode confiar em amigos e que os homensinvariavelmentenosdecepcionariam,masquesempresepodiacontarcomasprópriashabilidades. Seumapessoa fosse feliz sozinha, suavida seriasatisfatória. E vovó acrescentava que satisfatório representava umasituaçãoideal.Satisfatórioeraomáximoquesepoderiaalmejar.Grace, por outro lado, não era a favor da solidão; nem um pouco. Ela

adorava pessoas, barulho e fofoca. E eu passei a amá-la. Toda vez que avisitava, eu ia emborame sentindo um poucomais feliz, um poucomaisconfiante. Ela sempre parecia interessada no que eu tinha a dizer,lembrava-sedecoisasqueeuhaviaditonavisitaanterior,enuncamefaziasentir incompetente ou um fracasso; na verdade, me fazia acreditar quetudoerapossível.Eraumadaquelaspessoasqueacreditavamqueascoisasdariamcerto—aocontráriodevovó,queachavaquetudoacabariamal.E,seelaestavaobcecadapelaminhavidaamorosa(ouafaltadela),nãoeranadademais.Pelomenos,eraassimqueeupensava.O objeto no qual Grace estava fixada aparecia, em geral, no meio da

minhavisita,quandoelameperguntavasehaviaalguémespecialnaminhavida. Eu sorriameio confusa e, para evitar contrariá-la ao admitir que aúltima coisa de que precisava era um homem tomando meu tempo, eumudavaorumodaconversa.Nãoqueeunãogostassedehomens,masnãoqueria me envolver. Apenas não queria um namorado. Não tinha tempopara isso. Romances, na minha opinião, eram uma droga perigosa quetransformavamulheressensataseindependentesemadolescentesmelosase apaixonadas, e isso nunca iria acontecer comigo. Não se eu pudesseevitar.Eunão tinhaomenor interesseem ficarobcecadaporumhomemqueacabariamedeixando,comofezomeuavôecomoomeupaitambémdeveterfeito.Ofatodemuitoraramentemechamaremparasair—oudemostrarem qualquer interesse por mim — era, na verdade, bastanteconveniente.MasGracenãodesistia.Paraela,aúnicacoisaquerealmenteimportava

era “encontrar a pessoa certa”. Toda vez que eu aparecia, ela segurava aminhamão eme perguntava se aquele chefe lindo já tinhame chamado

parasair(seuslivrospreferidoseramaquelesemqueasecretáriatiravaosóculos e soltava os cabelos, antes de ser arrebatada pelo chefe, que atomarianosbraçosedeclarariaamoreterno),eeuachavaumabobagem,porque isso nunca iria acontecer. Eu estavamuito bem sozinha.Mais doquebem.Eracomoeugostavadaminhavida.Então, issoacaboume levandoaumbecosemsaída.QuandoGraceme

perguntava sobre minha vida amorosa, eu falava de um projeto notrabalho.Quandomeperguntavasemeuchefeaindaerasolteiro,eufalavasobre a cafeteira na qual Helen e eu tínhamos gastado uma fortuna, natentativadeeconomizarenãoprecisarmaiscomprarcaféslatte(aliás,nãotente fazer isso—essasmáquinassãocarasenósaindacompramoscafépronto todososdias).Umdia, consegui passarquaseduashoras falandosobre uma campanha em que eu estava trabalhando, e, no fim, ela meencaroucomaquelesolhosbrilhanteseperguntou:—Então, Jess, comovai a caçada aomarido?Aquele rapazdeourodo

mundopublicitáriojáreparouemvocê?Continuei achando que ela acabaria cansando, que desistiria e

reconheceria que estava dando soco em ponta de faca, mas isso nãoaconteciadejeitonenhum.Emvezdisso,elaapenasficoumaisinquisitiva,perguntando sobre cada homem solteiro com quem eu trabalhava,analisando-oscomopossíveismaridos.Então,umdia,apóspassarmesesmeesquivando,mudandodeassunto,

fazendocaradeespantoeignorandosuasperguntas,fizalgodequenãomeorgulho:inventeiumnamorado.Tudobem, eu sei o quanto isso parece horrível. Inventar namorados é

algoquesefazquandosetem13anos.Masvocêtemqueacreditarquandodigo que não tinha escolha. Ou, se realmente tinha escolha, não era algoevidenteparamimnaquelemomento.Certo,euseiqueoutraspessoasprovavelmenteteriampensadoemalgo

diferente. Mas outras pessoas provavelmente também teriam umnamorado,entãonãoconta.Mas,voltandoàhistória...Eraumdiarealmentequenteeensolarado,e

eu cheguei à casa de repouso Sunnymead um pouco mais cedo que ohabitual.Haviamédicosnoquarto,portantoespereidoladodeforaporquemédicos me deixam um pouco assustada com aquelas sondas e suasexpressõessérias.Então,láestavaeu,doladodefora,nocorredor,quandoouviumdelesdizer:— Infelizmente, Grace, as coisas não estão boas. A situação está

piorando.

Eeunãosabiaoqueestavapiorandonemquecoisasnãoestavamindobem.Mas,quandoosmédicosusampalavrasassim,osdetalhesnãosãotãoimportantes, não é? Eu estremeci. De repente, fiquei sem fôlego eapavorada, não queria que nada acontecesse a Grace. Não conseguiriasuportar.Elogoosmédicossaíram,emeesforceiparameacalmareabrirumgrandesorriso,poissabiaqueela iriaprecisarseranimadadepoisderecebernotícias comoaquelas.Elapareceu feliz emmeveredesejeiqueaquelaexpressãoalegrepermanecessenoseurostoenãofossesubstituídapormedo,desânimoouqualqueroutracoisanegativa.Aprimeiracoisaqueeladissefoi:— Então, Jess, como vai? Alguma novidade? Algum homem bonito

chamouvocêparasair?Eu estava a ponto de dizer não, claro que não, quando vi o discreto

vislumbre de esperança em seus olhos e, de repente, percebi que nãopoderiadesapontá-lanovamente.Nãonaquelemomento.Então,emvezdisso,falei:—Naverdade,mechamaramparasair,sim!Atémarcamosumencontro!Vocêprecisavatervistoaexpressãonorostodela.Iluminou-secomoum

farol: seus olhos brilhavam, seus lábios sorriam, e, mesmo me sentindoculpada,eunãoconseguiadeixardemesentirsatisfeitacomigomesmaporfazê-latãofeliz.—Queméorapaz?—perguntouela.Namesmahoracomeceiaquebrar

acabeçaembuscadeumnome,qualquernome,masnuncafuimuitoboasobpressãoenãoconseguipensaremnada,portantome limiteiasorrir,constrangida,quandoGracedeuumsorrisomaliciosoeperguntou:—Poracasoéoseuchefebonitão?Anthony?Ah,digaqueéAnthonyMilton,porfavor!Pensando agora, teria sidomuito fácil responder “não”. Depois, aome

lembrar dessa cena, percebi que poderia ter dito ummilhão de coisas, equalquerumadelas teria sidomuitomelhordoqueminha resposta.Masmeapavorei.Euacabaradeinventarumnamoradoenãotinhaimaginaçãoparainventarmaisnada.—AnthonyMilton?—mepegueidizendo.—Hmm...Exatamente.Écom

elequevousair.Aessaaltura,euprovavelmentedevomencionarquesaircomAnthony

Milton era mais ou menos como sair com o príncipe William. Ou JustinTimberlake.OuJamesBond.AnthonyMiltoneraoproprietárioeprincipaldiretor daMilton Advertising. Ele era alto, loiro, bonito, bem-sucedido eadoradoportodos.Nãosepassavaumasemanasemquefossefotografado

na Advertising Weekly, nem um ano sem que fosse indicado para algumprêmio,principalmenteporquea suapresençaemumacerimôniadessasassegurava que todos os profissionais do ramo fizessem questão departicipar.Tambémnãosepassavaumdiasemquerecebesseaatençãodetodasasmulheres,emumraiodesetequilômetros.Foi ele quem conduziu a minha entrevista de emprego na Milton

Advertising — ele e Max, seu assistente, que disparava as perguntas,enquantoAnthonysorriacomcharmeeexplicavaaimportânciadaagência,fazendocomqueeuperdesseminhalinhaderaciocíniováriasvezes.Então,quandome levantei para sair, olhei paraMax e ele sorriu, e, de repente,atravessei uma parede de vidro. Quando digo atravessei, quero dizerliteralmente.Deidecaranovidro,fiqueicomacabeçadolorida,enfim,tudooquetinhadireito.Porsorte,Anthonyviuoladoengraçadodasituaçãoe,apesar de tudo, me deu o emprego. Helen, demaneiramuito prestativa,argumentouqueele ficoucommedodequeeuprocessasseaagênciaporcomprometerasegurançacomainstalaçãodaquelasportasdevidro,alémdedanosfísicosemoraisemdecorrênciadapancada.É óbvio que os detalhes da minha entrevista se espalharam pelo

escritório, e, quando comecei de fato a trabalhar na Milton, eu eraconhecida como “a garota que atravessava paredes”. Mas isso não meincomodava—apóspassarváriosanostrabalhandoemprocessamentodedados(vovósemprediziaqueeutinhasortedeterumemprego,equeeramuito egoísmo da minha parte ficar me queixando quando algumaspessoas nunca tiveram metade das oportunidades que tive na vida), eufinalmente tinha um emprego que me dava alguma perspectiva, quepoderia me garantir um salário decente. Anthony tinha me dado umachance, e eu iria agarrá-la com unhas e dentes, mesmo sendo alvo debrincadeiras.Masmudeideassunto.AverdadeéqueAnthonynãoeraapenasmuita

areia para omeu caminhão. Ele estava em outro patamar,mesmo se euestivesseinteressada;oquenaturalmentenãoeraocaso.—AnthonyMilton!—exclamouela, animada.—Eusabia!No instante

emquevocêmecontouquebateucomacaranovidro.Portanto, foi assimque tudo começou.Apenasumencontro inventado,

apenasumahistorinhaparaanimarGrace.Eununcapenseiqueaquilosetransformarianumaboladeneve.Nuncapenseique iriaadiante.Mas,dealgumaforma,foioqueacabouacontecendo.Dealgumamaneira,ascoisasacabaram saindo de controle, pouco a pouco, somando-se, até virar umcaminhosemvolta.

Nãoquehouvessequalquerpossibilidadedevoltaratrás.Querdizer,eunãopoderia ir à clínicana semana seguinte edizerqueo encontro tinhasidocancelado.Issoadeixariatriste,oufariasuasaúdepiorar,eeuseriaaresponsável.Então,emvezdisso,eu falei sobreoencontro.Narealidade,faleidoencontrodaminhaamigaHelencomodiretordeumagravadora,usandoomeunomeeodeAnthonyno lugardosverdadeiros.Sóque,naminha história, o encontro não terminava com uma transa no escritóriodele,mascomumbeijocastonaportadecasa.Naminhaversão,Anthonysemostrouumcararespeitoso,interessanteeomaisimportante:loucopormim. Sei que parece bobagem, sei que é humilhante admitir isso,principalmenteporqueeudesdenhavademulheresque ficavamo tempotodoobcecadasemarranjarnamorado,maseugostavadecontaraquelascoisas a Grace. Livre dos constrangimentos do mundo real, aquele foi omelhorencontroqueeujátive.Tãobomqueeunãoaguentariaseelenãotivessetelefonadodepois.Portanto,telefonou.Doisdiasdepois,naverdade— exatamente como o diretor da gravadora. Só que, enquanto Helenignorouasváriasmensagensdesesperadasdocara,euaceiteiumsegundoencontro.Nosentidofigurado.Seeutinhaalgumadúvidanaocasião,conseguiignorá-la,convencendo-

me de que tudo não passava de uma brincadeirinha inofensiva. Somenteumas histórias bobas para alimentar o desejo de Grace por romance. E,paraser franca,eu tambémestavacurtindoaquilo.É claroquesabiaqueera ridículo; meu lado racional e sensato sabia que aquilo não era maisrealistadoqueBrancadeNeveeos seteanõesouCinderela.Mas esse éoproblema dos contos de fadas — eles acalentam o coração, sãoreconfortantesetemfinaisfelizes,emesmovocêsabendoqueavidanãoéassim,éagradávelfingirqueaquiloéreal,sóumpouquinho.Grace,porsuavez,nãopoderiaficarmaisempolgada.Viviadizendoque

tinhaumaboasensaçãoquantoaessenamoro.Tãoboaqueelamalpodiaesperarpelasminhasvisitasparaouvirocapítuloseguintedahistória.Deacordocomela,issodavaforçasparaelaseguiremfrente.Darforçasparaseguiremfrente.Comoeupoderiadesmentirtudo?Todavezqueavisitava,eumearmavadecoragem,determinadaacontar

a verdade, a admitir que tudo não passava de invenção.Mas, quando euentravanoquartodela,seusolhosseiluminavameeladizia:“Comoestãoas coisas? Vai, me conta tudo.” Aí eu acabava desistindo e dizia a mimmesma que a verdade poderia esperar, que aquele não era o momentoapropriadoparaconfessarequearealidadenãoeraimportantedesdequeminhashistóriasafizessemfeliz.

E,quandoeudisseaGracequeeuemeunamoradoíamosviajarjuntos(na verdade, eu ia fazer o curso de uma semana “Melhore o seu perfilprofissionalegarantaapromoçãoquevocêmerece”),elaolhouparamim,comosolhosbrilhantesedisse:— Você sabe o que ele está planejando, não é? — Franzi o cenho e

respondi que não sabia. Então, ela sorriu e acrescentou:—Ele vai pedirvocêemcasamento.É claroque fiqueiparalisadaporummomento.É claroque,namesma

hora,percebiquetalvezascoisasestivessemumpoucoforadecontrole.Aideiadecasar,mesmonomundoimagináriodoscontosdefadas,mefaziasuarfrio.MaseununcatinhavistoGracetãoempolgada.Elaestavaquasetremendodeansiedade.Eumeespanteiedisse:—Ah,duvido.— Pois eu não duvido — retrucou ela com ar melancólico. E depois

suspirou, enxugouuma lágrimaepegouaminhamão.— Jess,queroquevocêmeprometaumacoisa.—Sério?Oquê?—Queroquemeprometaque, seumapessoa lheoferecer tudooque

tem,vocêvaiaceitar—pediuela.— O quê?— perguntei, espantada.— Como assim? Não quero o que

Anthonytem.Gracedeuumsorrisotriste.—Jess,euseiquevocêéforteemuitoindependente.Masnãodesaponte

alguém que quer ajudar só porque acha que não precisa. Todos nósprecisamos de ajuda, todos nós precisamos de amor, todos nósprecisamos...Apenasprometaparamim,estábem?Mesmosementendermuitobemomotivodaquelepedido,eurespondi:—Estábem,claro.—Não—disseela,fazendoumgestonegativodecabeça.—Issoésério,

Jess.Queroquevocêprometa.—Prometer?— Exatamente — confirmou ela. — Prometa que não vai se negar a

aceitar.Quenãovairejeitarlogodecara.—Rejeitaroquê?—perguntei,confusa.—Nãoseioquevocêquerque

euprometa.—Vocêvaisaber—disseGrace,comumsorriso.—Vaisaber.—Certo—respondimaiscalma,lembrandoquenãofaziadiferença,pois

oqueeuestavaprometendoerarelacionadoaalgoquenãoexistia.—Eu

prometo.—Ótimo.Evamosveroquevaiacontecernasuaviagem,ok?Eleme pediu em casamento. É claro. Grace estava tão empolgada que

pegouemprestadoocelulardeumaenfermeiraememandoumensagens,enquantoeuestavaviajando,parasaber“comoiamascoisas”.Seeutivessevoltado e dito que o tal pedido de casamento não havia se concretizado,acho que ela ficaria de coração partido. E, afinal de contas, um noivoimaginário não era tão diferente de um namorado imaginário. Ele tinhafeito o pedido na praia. Sei que o cenário é um clichê total, mas nãoconseguipensaremmaisnada.Elejátinhaatéoanel—umajoiaperfeita,bela e delicada, com um diamante de corte quadrado (comprei um anelfalso.Éclaroqueprovidenciaromeupróprioaneldenoivadodementirafoiumasituaçãobastantedeprimente,mascompreion-line,portantonãotive que pensarmuito a respeito nem enfrentar um vendedor ao vivo. EGraceoachoua coisamais lindaque já tinhavistonavida).A luaestavacheia e brilhava, e ele tinha sugerido um passeio depois de um jantarmaravilhoso. Havia começado enaltecendo a própria sorte por ter meconhecido. Eu, obviamente, tinhaditoque eu era a sortuda. Então, ele seajoelhouepediuqueeu fosse suaesposa,eme limiteiaaceitaropedidocomumgestoafirmativodecabeça,porquenãoconseguiafalar,estavacomavozembargada.Narealidade,tireiahistóriadeumarevistaqualquerqueeu tinha lido no dentista. E realmente, a certa altura, cheguei a meperguntar se estava indo longe demais, se Grace acreditaria em tantabobagem, mas ela acreditou. E até começou a chorar. Ela disse que aposição de pessoa mais feliz do mundo não era exclusivamente minha.Disse que tinha torcido e rezado por essemomento desde o dia quemeconheceu, que eumerecia tudo aquilo emuitomais e que ela desejava amim — quer dizer, a mim e ao meu noivo — muitas felicidades, tantoquantoelatevenavida.Eclaroquemesenticonstrangida.Claroqueomeuestômago ficou embrulhado. Mas continuei dizendo a mim mesma queestavafazendoacoisacerta,mesmoque,àsvezes,parecesseocontrário.Havíamos nos casado em segredo. Essa parecia a solução mais fácil.

Graceficouchateada,éclaro—elaqueriairaocasamento.MasmudoudeopiniãoquandolheconteiquetinhasidoideiadeAnthonyrenunciaraumcasamento pomposo para doar o dinheiro a instituições de caridade, emvez de gastar uma fortuna em uma festa, e que a cerimônia no cartóriotinhasidoexatamentecomoqueríamos:íntima,simplesediscreta.Nasemanaseguinte,entreinainternetecompreiumaaliança(deprata,

25 libras), e todasemana,quando iavisitarGrace,eua colocavanodedo

junto ao anel de noivado e inventava histórias sobre a minha vida decasadacommeuPríncipeEncantado.Eagoraelaestavamorta.Tudohaviaacabado.

Capítulo3

Foi o advogado de grace que me avisou de sua morte. Ele apareceu derepenteparamedaranotícia.Aconteceuemumdomingoquenãopudeirvisitá-la por causa de um trabalho. Ele disse que ela havia morrido demanhã,eque,detodaforma,eunãoteriachegadoláatempo,masissonãomeajudoumuito.Naqueledia,eutinhachegadoemcasaàsseisdanoiteeencontreiHelen

nasala,assistindoàTopaounãotopa.Quandoenfieiacabeçanaportadasala,elafezumsinalparaqueeufizessesilêncio.—Nãotopa!—gritouelaparaateladaTV.—Nãotopa!Helen e eu nos conhecemos no primeiro ano da faculdade, nossos

quartoseramvizinhos.Nuncativeumagrandeamiganaminhavida;diziaamim mesma que não tinha tempo para amizades, mas a verdade é queminha avó acabava com qualquer chance que eu poderia ter de fazeramizadescomoutrasgarotas,desdemuitocedo,aomeproibirdeassistiràtelevisão,aocomprar roupas forademodaparamim,eaome imporumtoque de recolher rigoroso às oito da noite. Tudo isso fazia com que eufosse motivo de constrangimento para qualquer pessoa corajosa quetentasseserminhaamigaporqualquerperíododetempo.Elaviviadizendoque tinha cometidoumerro comminhamãe ao lhe darmuita liberdade,permitindo que ela ficasse obcecada por roupas, maquiagem, rapazes eprogramasdetelevisão,enãoiriafazeromesmocomigo.Quandoentreinafaculdade,viessaatitudecomoalgopositivo:medeixavacommaistempoparaestudar,maistempoparameconcentraremtirarnotasboas.MaslogodescobriqueHelennãoeracomoasoutraspessoas.Nemcomo

eu.Aliás, ela era omeu oposto emquase tudo— linda, rica, impulsiva esociável—,mas,poralgumarazãoestranha,nãorejeitouminhaamizade,nemseaproximoudemimapenasparaseafastaralgumassemanasdepois.Emvezdisso,elapassouairaomeuquartocomfrequênciaparamecontar,animada,sobresuamaisrecenteconquistaamorosa,ouaflitaporcontadealgum trabalho que estava, como sempre, várias semanas atrasado. Elaachava engraçado quando eu dizia que nunca tinha ouvido falar denenhumadasbandasqueelagostava;elamefezpassarumfimdesemana

inteiro assistindo aos episódios deFriends, quando lhe contei que nuncatinhavistoasérie;enãopareciaseincomodar,quandoeusaía,defininho,mais cedo das festas para estudar. Nós éramos uma dupla bastantedesigual,mas,apesardasminhas tentativasdemostraraelaoquantoeuera inconveniente como amiga, continuamos unidas, anos depois. Não sóunidas,maspassamosamorarjuntas.Helen trabalhava como pesquisadora para programas de televisão, ou

seja,elasededicavademaneiraintensaparaumprogramaduranteváriassemanas,depoistinhaalgumassemanasde“descanso”,antesdeconseguirumnovocontrato.Nosúltimostempos,esseperíodode“descanso”pareciaestarseestendendomaisdoqueodecostume,portantosuaúnicafontederenda era o aluguel que eu lhe pagava (o apartamento tinha sido “umpresente”deseupai.Euteriaficadocominveja,maselameconvidouparamorarláemecobravamuitomenosdoqueeupagariaemqualqueroutrolugar. Então, em vez disso, apenas fiquei imensamente agradecida), quenemdelongecobriaassuasdespesas.Mas,seeumepreocupavacomela,isso não parecia perturbá-lamuito. Pelo contrário, enquanto descansava,ela considerava seu dever assistir aomáximo de televisão possível, paraque,quandoenfimfosseprocurarumemprego,estivesseapardetodososprogramasnosquaispoderiatrabalhar.Noprograma,ocompetidordisse:“Topo”,eHelenjogouosbraçospara

cimaemsinaldedesespero.—Idiota!—gritouelaedesligouatelevisão.—Nãodáparaaguentar—

irritou-se, balançando a cabeça.—Não suporto essas pessoas. E aí, tudobem?Não tivechancederesponder.Naquelemomentoacampainha tocou,e

eumelevanteiparaverquemera.—JessicaMilton?—Avozdeumhomemperguntounointerfone,eeu

estremeci.—Quemé?—perguntei,desconfiada.Eunãocostumavarecebermuitas

visitas. Principalmentedehomens.Muitomenosnumdomingo ànoite. Ecertamentejamaisdealguémquemechamassede“JessicaMilton”.—ÉoDr.Taylor.SouoadvogadodeGraceHampton.Infelizmentetenho

másnotícias.Seráqueeupoderiafalarcomasenhora?— Grace Hampton? — perguntei, curiosa e, em seguida, aflita. Ela

descobriuahistóriadeAnthony,penseiassustada.Queera tudomentira.Entãomeirriteicomigomesma.Eladificilmenteenviariaseuadvogadoatéaqui,mesmosetivessedescobertotudo.—Hmm,podesubir.Quandoelechegou,estavampassandooscréditosdoprogramaTopaou

não topa, e Helen saiu da sala, dizendo que ia preparar o jantar. SorriagradecidaeconvideioDr.Tayloraentrar.—Desculpe—eudisserapidamente.—Porfavor,sente-se.O sofá e a cadeira estavam cobertos de revistas de Helen e dosmeus

projetosde trabalho, então logoabriumespaçopara ele, e, semdemora,mesentei.—Então,háalgoerradocomGrace?—perguntei,insegura.ODr.Taylorlançou-meumolhartriste.—SintoinformarqueaSra.Hampton...faleceu.Preciseidequaseumminutoparaabsorverainformação.—Faleceu?—Respireifundoearregaleiosolhos.—Ontemànoite.Enquantodormia.Sintomuito.Euoencareiboquiaberta,tensa.—Achoqueosenhorestáenganado—faleirapidamente.—Graceestá

bem.Estivecomelanasemanapassada.Elemelançouumolharcompreensivo.—Sintomuito—repetiu.— Sente muito? — Minha voz falhou quando tentei falar. — Bem, o

senhordevesentirmesmo,porqueissonãoéverdade.—Deiascostasparaelecomoumaadolescenteabusada.Aspessoasestavamsempremorrendoà minha volta: minha mãe, minha avó, meu avô (embora não o tivesseconhecido, fui ao enterro, portanto acho que ele conta), e eu não iriapermitirqueGracemorressetambém.Eusimplesmentenãoiriapermitir.Elefezquesimcomacabeçacomumartriste.—Infelizmenteéverdade.Creioqueasituaçãopiorouderepente.— Piorou?— repeti, sem acreditar.— Ela estámorta e o senhor está

dizendo que a situação piorou! — Lamentei ter usado a palavra mortaassimqueelasaiudaminhaboca;eracomoseusá-la tornasseasituaçãoreal. Podia sentir lágrimas surgindo nos meus olhos, lágrimas deindignação,deraiva,detristeza.Edeculpa.Eunãomesentiassimquandominha avó morreu. Recebi a notícia com uma atitude de resignação,mantiveavozbaixaesóbriaporqueéassimqueseagenessassituações.Nãosentiqueomeumundodesabava;nãoquisvoltarotempoparafazercomquetudoaquilonãotivesseacontecido.— Quer que pegue um copo d’água?— ofereceu o Dr. Taylor, ao que

recusei.—Nãoqueroágua.QueroGrace.—Então,corriatéotelefoneedisqueio

númerodaSunnymead.—Sim.GraceHampton,por favor.EugostariadefalarcomGraceHampton.

— Grace Hampton? — A voz do outro lado da linha era hesitante,preparando-separadarasnotícias.—Sim,GraceHampton—respondi,impaciente.—Querofalarcomela,

porfavor.Houveumapausa.—Eu...SintoinformarqueGrace...Desliguei o telefone antes que a recepcionista pudesse terminar, antes

queelapudesserepetiroqueDr.Taylorjátinhadito.Graceestavamorta.Eunão ia vê-la novamente.Nuncamais. Aos poucos, voltei à cadeira,mesenteinela,puxeiaspernaseasabraceicontraopeito.— Eu sei que vocês erammuito próximas. Sintomuito ser o portador

dessanotícia—prosseguiuoDr.Taylor.—Sim,éramospróximas.—Derepente,fiqueifuriosacomessehomem

queseatreviaaentrarnomeuapartamentoemumdomingoànoiteparafalarquenãohaveriamaisconversascomGrace,comchásebiscoitinhos.Não haveria mais idas à Sunnymead. E não haveria mais caso de amorimaginário. De agora em diante, era somente eu.— Muito próximas.—Sentilágrimasbrotaremnosolhoseenxuguei-as,distraída.—Eudeviaterestadolá—eumeouvidizer,vendoquearaivaestavasendosubstituídapelatristeza,pelasensaçãodevazio.—Eudeviaterpercebido.—Sintomuito.—Oadvogadoparecianãosaberoquedizer.Levanteios

olhosparaeleepercebioquantoestavasendomal-educada.Nãoeraculpadele.Nadadaquiloeraculpadele.—Não, eu é que sintomuito— consegui dizer.— É que... bem, é um

choquemuitogrande.—Defato—disseoDr.Taylordemaneirasensata.Uma imagem de Grace na cama surgiu na minha mente, exatamente

comovovótinhaficadoquandomorreu,comapelequasetranslúcida,seuespírito se esvaindo. Eu a vi sendo levada do quarto, suas coisas sendoempacotadas,outrapessoatomandooseulugar,comoseelanuncativesseexistido.Numímpeto,expulseiaquelespensamentosdacabeça.— O senhor... já sabe quando vai ser o enterro? O senhor precisa de

ajuda? Eu sei quais eram as flores que ela gostava, se isso ajuda algumacoisa.Eelaadoravaohino“IVowtoThee,MyCountry”,seosenhorestiverna dúvida quanto àmúsica...—Não consegui terminar a frase, tentandomanteravozfirme.—Obrigado, Sra.Milton. Quer dizer, Jessica. Émuita gentileza sua. Na

verdade,aSra.Hamptontinha...ideiasbemespecíficassobreofuneraldela.Deixoutudoporescrito,oquenãomepermitetermuitaliberdade.

Consegui dar um sorriso pesaroso diante daquele comentário, aoimaginar Grace detalhando suas exigências como se fosse uma lista decompras.Elatinhaumjeitomaravilhosodepersuadiraspessoasafazeremexatamente o que ela queria, sem, no entanto, parecer se impor: asenfermeiras traziam-lhenãosomentesaquinhosdechá,masosdamarcaTwiningsEnglishBreakfast,eeulevavanãoapenasmaçãs,masasdotipoCox;esódaestação.—Certo—eudisse,concordandocomacabeça,semsaberoquedeveria

dizer ou fazer. Euqueria ficar sozinha.Queriame sentir zangada e tristesemninguémporperto.—Bem,obrigadaporviratéaquimedaranotícia.E, por favor, não deixe deme avisar onde e quando será o enterro. E seprecisardealgomais...Esperei que ele se levantasse, mas em vez disso ele deu um sorriso

esquisito.—Parafalaraverdade,háalgomais—declarouele,pigarreando.—Há

aquestãodotestamentodaSra.Hampton.— Testamento? Ah, sim.— Sentei-me novamente e suspirei. Eu sabia

tudo sobre testamentos. O daminha avó tinha sido lido dois dias depoisque elamorreu. Eu não esperava nada. Eu sabia que ela tinha vendido acasa para pagar a conta da Sunnymead. O que eu não imaginava é quetestamento funcionasse demodo positivo e negativo; ou seja, em vez deherdaralgumdinheiro,euherdaratodasasdívidasdaminhaavó.—Sra.Milton—disseoDr.Taylorcomexpressãoséria,entregando-me

umapasta.—AsenhoraéaprincipalbeneficiáriadotestamentodeGrace,evaiherdarseusbens.Possopassarosdetalhesagora,seasenhoraquiser,ou a senhorapode ir aomeu escritórioqualquerdiadapróxima semanaparadarmosentradanapapelada,imediatamente.Coloqueiapastadelado.— Claro. Quer dizer, vou cuidar disso depois, se for possível. Quando

estiver...emcondiçõesde...osenhorsabe.—Asenhoranãoestáinteressadaemconhecerarelaçãodosbens?Levanteiosolhos.—Bens.Sim,lógico.Osenhorserefereaosseuspertencespessoais?—

Funguei, tentandomemanter concentrada. Ela não tinhamuita coisa noquarto,excetoalgunsquadros,algunslivros.Entretanto,seriabomguardaralgocomolembrança.—É, achoque sim— respondeuoDr. Taylormeio indeciso.—Mas a

casaéqueéamaiorpartedaherança.—Acasa?—perguntei,atônita.

ODr.Taylorsorriucomoseeufosseumacriança.—Acasaestevenafamíliaporváriasgerações.EuseiqueGracequeria

muitoqueelafossesua—disseele,entregando-meafotodeumacasadepedra,caindoaospedaços.Eudigocasa,mas,naverdade,eraumaenormemansão,nocentrodeumterreno.Ederepenteeusabiaoqueera;pudeverGrace,aindamenina,correndopeloscorredorescomseusirmãosesaindojardimafora.—AGranjaSudbury?—perguntei,perplexa.—ElamedeixouaGranja

Sudbury?— A senhora conhece a casa? Ah, que bom— comentou o advogado,

fazendoque simcoma cabeça.—Alémda casa,háalguns investimentosbastantesignificativos,etambémváriosquadros,joias,eassimpordiante.Obviamente a senhora está se perguntando sobre o imposto detransmissão,maseutenhoasatisfaçãodelheinformarqueGracetambémseencarregoudisso,deixandoumcréditodeummilhãodelibrasquedevesermaisdoquesuficienteparacobrirtodososimpostos.Fiqueiatordoada,entãosorri.—Ah, o senhor está brincando. Por ummomento, o senhor quaseme

pegou.Ummilhãodelibrasparaosimpostos.Essaéboa.Essaérealmenteboa.ODr.Taylornãosorriu.Emvezdisso,pigarreoumeiosemgraça.—Osencargossãoreduzidosporcontadeváriasescriturasdeemissão

—explicouele.—Semelas,creioqueacontaseriaaindamaisalta.—Maisalta?—repeticomoumaidiota.Aminhapelecomeçavaacoçare

eumesentiaumtantoquente.— Grace pensoumuito em você— afirmou o advogado. Ele sorria de

formabenevolente, comoseestivesse falandocomumacriança.—Comoelanãotinha...nenhumparentepróximo,achoqueconsideravaasenhoracomo...família.—Eutambém.Masdevehaveralgumengano.Elanãomedeixariaacasa.

Dejeitonenhum.—Ah,masdeixou—disseoDr.Taylorsorrindo.—Vocêrealmentesabe

quemeraGraceHampton,nãosabe?Olheiparaele,impaciente.— É claro que eu sabia quem ela era. Eu a visitei durante quase dois

anos.Elepareceualiviado.—Emrelaçãoàpropriedade—dissecomumaexpressãoséria,tirando

algunspapéisdapastaeentregando-meumafotografia—,háumcasalque

atualmente trabalha em tempo integral emora em uma das casas. Creioque ficariam felizes em continuar lá, se você quiser. Também há umaequipe de jardineiros, um cozinheiro e duas pessoas encarregadas dalimpeza,quetrabalhamquandosãorequisitadas.Observei a foto. A casa era ainda mais incrível do que Grace havia

descrito, comheras crescendo pelosmuros e hectares de terra ao redor,com jardins secretos, alpendres e lugares para se esconder, onde umapessoanuncaseriaencontrada.Quandoeumoravacomminhaavó,nacasageminadaemIpswich,eucostumavaimaginarqueminhamãenãotinhadefatomorrido; que ela ainda estivesse viva em algum lugar,morando emuma casa caindo aos pedaços, como a da foto (só que com cerca de umquartodotamanho),equeumdiaelaapareceriaemelevariaparaacasadela.Issonuncaaconteceu.Eeusabiaqueeraapenasumsonho.Masessacasadafotoeracompletamentereal.Eeraminha.—É...bemgrande—eudisse,hesitante.—É, suponho que seja— comentou o Dr. Taylor, concordando com a

cabeça. — Bem, eu tenho todas as informações aqui, assim como osdetalhesdamobília.Tudovaipermanecernacasa,portantoasenhorapodetomarpossequandoquiser,etambémdosbenspessoaisdaLadyHampton.—Lady...LadyHampton?—pergunteicomavozaguda.—Asenhoranãosabia?Neguei,balançandoacabeça.Talvezeunãoaconhecessetãobemquanto

pensava.—Então a senhora não sabia que a herança, no total, é de cerca de 4

milhõesdelibras?— Quatro milhões? — perguntei, abismada. Era como se o mundo

estivessesecomprimindoaomeuredor.ODr.Taylorcomeçouaabrirapasta,maserguiamãoparaqueeleme

ouvisse.—Desculpa—falei,comavozbemacimadotomnormal.—Seráque

podemos voltar um pouquinho? Achei que o senhor se referia a algunslivrosoualgodessetipoqueGraceteriadeixadoparamim.Eunãosabia...Digo, umapropriedade? Eu... E ela era uma lady? Ela nunca comentou. Enãoqueroodinheirodela.Issonãoé...Querodizer...— Grace achava muito importante que a pessoa que assumisse a

propriedadefossealguémemquemelaconfiasse—disseoadvogado,emtomgentil.—Alguémque cuidasse da casa, provavelmente até formasseuma família ali. Alguém para quem ela pudesse deixar as suas posses,também—continuouele.—Graceeramuito...reservada.Seiquequando

ela a conheceu, um grande peso foi tirado dos ombros dela, porque elasabiaqueasenhoraseriaumaherdeiraboaedignadeconfiança.Equeapropriedadeseriapreservada.Seiqueessacertezaafezmuitofeliz.Muitofelizmesmo.— Mas... mas... — eu disse, gaguejando. — Não existe outra pessoa?

Algummembrodafamília?Alguémalémdemim?Oadvogadofezquesimcomacabeça.—Naverdade,aSra.Hampton tinhaumfilho.Aliás, temumfilho.Mas

eles não se falavam. Ela... o deserdou há muito tempo. Ele saiu de casaquandotinha18anos.Meusolhossearregalaram.—Elatinhaumfilho?Elanuncamencionouisso.—Elajánãoachavaquetinhaumfilho—disseoDr.Taylor,franzindoo

cenho.— Eles... pai e filho discutiram, creio eu. Ele saiu de casa quandotinha18anos.Acreditoquenãomantiveramcontatodesdeentão.—Masseráqueelenãovaiquererodinheiro?Acasa?ODr.Taylornegou.—Peloquesei,eleviajouparaoexterior.Possoasseguraràsenhoraque

elenão temnenhumdireitono testamento.—Ele estavaolhandopara aminhadireita,comosenãoconseguissemeolhardiretamentenosolhos.— Certo— concordei, sentindo a cabeça girar. Grace nunca disse que

tinhaumfilho.Comotambémnuncatinhamencionado4milhãodelibras.Nemacasa.—Sra.Milton,asenhoraestáprestesasetornarumamulhermuitorica

—disseoadvogado.—Ecomariquezavemaresponsabilidade.Hámuitacoisa para apreender, portanto sugiro que a senhora pegue esta pasta,provavelmente discuta os detalhes com seumarido, e tente chegar a umacordosobreoquegostariadefazer.— Gostaria de fazer? — perguntei com a voz rouca. Eu estava com

dificuldadedeassimilara informaçãoqueacabaradeouvir.Euseriarica.Muito rica, o que significava ficar livre das dívidas. Não precisaria maisverificar, ansiosa, omeu saldonobancono fimde cadamês, quandomeaproximavadolimitedocartão.Eununcameimagineirica.Nuncasonheicom isso.Enão conseguia acreditarqueGrace realmentequisessedeixartudoparamim.—Seasenhoradesejamorarnacasaou...ousedesfazerdela.—Vender?—perguntei,descrente.Oadvogadodeudeombros.—Vender a propriedade que Grace deixou especificamente paramim,

paraqueeupudessecuidardela?—falei.ODr.Taylorsorriu.— Fico feliz que a senhora veja as coisas damesmamaneira que ela.

Gracesempreseorgulhoudeserboaemjulgarocaráterdeumapessoa.Dequalquer forma, deixarei estes papéis, se a senhora não se incomodar, etalvez possa ir ao meu escritório para discutir a transmissão dos bens,digamos,napróximasemana?Concordeiemsilêncio,aindacomacabeçagirando.—PorqueelaestavanaSunnymead?—perguntei.—Querdizer,seela

erarica,nãopoderiadispordeumaequipedemédicoseenfermeirasemcasaoualgoassim?Oadvogadopareceupensativoporummomento.—Elaerasolitária—disseele, finalmente.—Gracesempregostoude

estarcercadaporpessoas.Edepoisqueomaridomorreu,elaquisdeixarapropriedade. Disse que a casa parecia vazia demais e muito cheia derecordações.—Eelarealmentedeixoutudoparamim?—Eladiziaquevocêeraafilhaqueelanuncateve.Ouaneta.Seiqueera

muitoimportanteparaelaquevocêfossesuaherdeira,especialmenteemrelação à casa. Ela dizia que, caso isso não acontecesse, a propriedadeficaria para o governo e seria demolida por alguma construtora. Outransformadaemumcentrodeconferênciashorrível.Ele sorriunovamente,dessavez comsarcasmo,eeu retribuío sorriso.

AquiloeraexatamenteotipodecoisaqueGracediria.— Como eu estava dizendo— prosseguiu—, imagino que a senhora

prefira ir ao meu escritório para resolver a papelada. E então terei aoportunidade de esclarecer os detalhes da propriedade e acertosfinanceiros.—Papelada—eudisse,acenandovagamentecomacabeça.—Nada complicadodemais. Só preciso da sua identidade, assinaturas,

esse tipo de coisa — disse ele, sorrindo. — Há uma cláusula bastanteestranha,mas importanteno testamento, quedizqueaherançadeve serpleiteadadentrodecinquentadiasouseráanulada.—Anulada?—perguntei,espantada.ODr.Taylorfezquesimcomacabeça.—ÉumapeculiaridadedosHamptons.Todosostestamentosdafamília

têm amesma cláusula, que foi introduzida para evitar disputas entre osfamiliares.Sealguémcontestarumtestamentoalémdolimitedecinquentadias,aherançainteiraéperdida.Éummecanismobastanteeficaz.

—Cinquentadias—repeticomenormeesforço.—Parece...razoável.— É muita coisa para assimilar, não é?— perguntou o Dr. Taylor de

formaamável.Euassenticomacabeçaeengoliemsecoaomesmotempo,elancei-lhe um sorriso para que ele não pensasse que estava sendogrosseira.—Eumalconsigoacreditar—admitiinvoluntariamente.Aquiloparecia

umaexperiênciaextrassensorial.—Bem,masdeveria.Sra.Milton,asenhoraestáprestesasetornaruma

mulhermuitorica.Então,oDr.Taylorlevantou-seeestendeuamão.— Vou aguardar notícias suas. Obrigado pela atenção. Entrarei em

contato em breve para informar-lhe sobre o enterro. Será em Londres.Kensington.Algumdiadasemanaquevem.Talvezasenhoraqueira levarseumarido.—Meumarido?—Euolheiparaele, surpresa,eentão lembrei.—Ah,

sim,meumarido, claro. Bem, quer dizer, se ele tiver tempo. Ele émuitoocupado,sabe?ODr.Taylorassentiueaperteiasuamão,usandotodaaminharesolução

paramemantercalma,paranãogritar,paraagircomoseherdar4milhõesde libras fosse algo natural. Por dentro, entretanto, eu estava gritando.Gritando edançando em total confusãomental. Eu estava apontodemetornar rica. Rica além dos meus sonhos mais loucos. Não dava paraacreditarqueGracenuncativesseditonada,nuncasequertivessedadoaomenosumapista.Então,derepentemelembreideumacoisa.Algoquefezomeuestômago

embrulhar.— Hmm, o testamento — eu disse, tentando manter um tom de voz

normal.—GracedeixoutudoparaJessicaMilton,nãoé?Querodizer,paramim.Nomeunomedecasada?—OspapéiscitamaSra.JessicaMilton,exatamente.Aceneicomacabeça,conseguindodealgumaformamanterumsorriso

fixoenamesmahoraprecisandomesentar.—Éque...—Fizumapausa,acabeçaamil.—Bem,naverdade,eunão

mudei omeu nome. Portanto, continuo sendo JessicaWild. Oficialmente,pelomenos.E...eissotemalgumproblema?— Não tem problema nenhum — garantiu o Dr. Taylor, para o meu

alívio.—Sóvouprecisardealgumdocumentodeidentidadecomseunomedesolteira,passaporteoucertidãodenascimento,edepoisvocê temqueme fornecer uma cópia da certidão de casamento para que eu possa

providenciarapapelada.—Certidãodecasamento?—Exatamente.Aqualquerhoranapróximasemana,Sra.Milton.Basta

me telefonar eminha secretária podemarcar umhorário.Mais uma vez,desculpe incomodar você e a sua...—Ele olhou vagamente emdireção àcozinha.—Suacozinheira?—sugeriu.Assenticomumgestodecabeça.—Bem,desculpeincomodá-laemumdomingoànoite,masacheiquea

senhora deveria ser informada. Por favor, mande meus cumprimentos aseu marido, que é mais do que bem-vindo no meu escritório. Obrigadonovamente.Nãoprecisaseincomodaremmelevaratéaporta.Ah,haveriaalgummododeentraremcontatocomasenhora?Umnúmerodetelefone?Olheiparaeleinexpressivamente.—Sim. É... zerodois zero, setemeia zero...—Então fiquei confusa.—

Zerodoiszero,setemeia,zerotrês.Não,quatro.Setemeiazeroquatro...—hesitei,sorrindosemgraça.Nãoconseguiasequerlembrardomeupróprionúmerodetelefone.Malconseguialembrardomeupróprionome.Suandodenervoso,pegueiminhabolsaetireiumcartão.—Aqui.Omeunúmeroéesse.—Obrigado.—Ele pegou o cartão, levantou-se, e partiu; um segundo

depois,Helenapareceunaportadasala.—Eaí?—perguntou.—Oqueaquelehomemqueria?Sorri,nervosa,eestremeci.—Nada— respondi finalmente.— Ele... Ele apenas veiome informar

queGracemorreu.—Grace?Ah,quepena!Ah,Jess,sintomuito—disseHelen,apressando-

seemmeabraçar.—Puxa,quenotíciatriste.—Triste?—comentei,numsussurro.—Tristenãoénemocomeçoda

história.

Capítulo4

PROJETO:CASAMENTODIA1

Pendências:1.Entrarempânico

Acordei no meio da noite e me sentei na cama. Estava completamenteapavorada.EutinhasonhadocomGrace—emboraosonhofossemaisumalembrança,naverdade.Nosonho,euestavanoquartodelaeassistíamosaumfilmebrega,nãolembroqual,eGraceseviravaparamimediziaqueeudevia cortar o cabelo como a mocinha do filme; acho que era a DrewBarrymore. Eu me irritava, pois achava que tinha coisas muito maisimportantesafazerdoquepensaremcortesdecabelo.Emseguida,Graceme dava uma escova e pedia que eu escovasse o seu cabelo. Enquanto odesembaraçava,elasorriaediziaqueseumaridocostumavafazeraquilo,equeumdeseusmomentosfavoritoseraquandoelaserecostavanosbraçosdele e eledeslizavaa escova suavementepor sua cabeça.Entãoeladissequeesperavaque,umdia,euencontrassealguémquetambémescovasseomeucabelo.Nãoseiporque,maspercebiumapequena lágrimasurgindonomeuolho,oqueeraridículo,eusei,masquandoasequei,outraveioemseu lugar. Enxuguei as lágrimas à medida que surgiam, repreendendo amimmesmaporsertãopatética.Navidareal,querodizer.Quandodefatoessacenaaconteceu.Nosonho,não tive tempoparasecaras lágrimasoumerepreenderdemaneirasevera,poisaportaseabriuderepente,eoDr.Taylorentrou,apontouodedonaminhadireção,olhouparaGraceefalou:“É ela. É ela que andamentindo para você.” Então, eu pulava da cama eGraceolhavaparamim,perplexa,ecomeçavaachorar,compulsivamente,falando baixinho que eu a tinha desapontado, que eu era uma grandedecepção. De repente, ela não era mais Grace; era a minha avó, e nãosussurrava;gritava,berrava,dizendoqueeueraumainútil,quelamentavaodiaquebotouosolhosemmim,quequantomaiscedoeuaprendesseamevirar,melhor,poiselaestavafarta,cansadadecuidardemim.Foiaíqueeuacordei,viqueolençolestavaencharcadodesuor,efiquei

encarandoaparedeàminhafrente.Respireifundo,bebiumpoucodeágua,voltei para a cama e fiquei pensando. Não queria voltar a dormir, nãoqueriavoltaraospesadelosquemeesperavam.Efoiquandoeupercebi—opesadelonãoestavanaminhacabeça;estavaaqui,nomundoreal,eporminhaculpa.Quatromilhõesdelibraseramaisdoqueeujátinhasonhadonavida.Eraumaquantia incrível, tentadora.Maseunãopoderia receberessedinheiro.Qualquercoisaqueeufizesseseriaerrado.Bem,euqueriaadmitiraverdade.Eraacoisacertaafazer—assumiro

meuerro,dizeraoDr.TaylorqueeunãoeraquemGracepensava.Maseseissomeimpedissedereceberodinheiro?Abelacasairiaparaogoverno,para asmãos de alguma construtora, ou algo assim, e eu provavelmenteseriapresaporfalsidadeideológica.Mas a alternativa era... bem, não havia alternativa. A menos que eu

conseguisse aparecer com uma certidão provando que era casada comAnthonyMilton. Se eunão tivessedito aGraceque tinhame casado comAnthony.Seeunãotivesse...Entãomedeicontadealgo.Seeunãotivessedito que havia casado, possivelmente ela nem teria deixado a casa paramim.Afinal,elaqueriaqueumafamíliavivesselá,nãoHeleneeucriandoumalvoroçoeassistindoaDVDs.Minhacabeçanãoparouatéamanhãseguintee,porisso,quandoodia

raiouemLondres,naquela segunda-feira, eu levanteida cama semmuitaconvicção,comenormesolheiraseosombroscurvadosparaafrente.Porisso,mal conseguimedespedirdeHelenquando saípara trabalhar emearrasteiatéaestaçãodometrônamaior lerdeza.Anoite insone tambémme fazia estremecer a cada instante, quando os pensamentos e aslembrançasdasoportunidadesqueeutivedecorrigiromeuerro,decontara verdade a Grace e evitar esse pesadelo inundavam minha mente. Asoportunidadesqueeunãoaproveitei.Talvezencontrassealgumconsolonotrabalho, pensei quando me aproximei do escritório. E logo me irriteidiante da minha estupidez. O trabalho significava Anthony Milton, umalembrançaconstantedomeupequenocontode fadas idiota.Acharalgumconsololánãoseriaumaopção.AMiltonAdvertising ficavaemClerkenwell,umapartedeLondresque

costumava ser classificada como uma área sem graça e próxima, porémmaisbarata,dodistrito financeiroda cidade, epassaraa ser reconhecidacomo uma área não tão sem graça e próxima, porém mais barata, deHoxton, o novo bairro mais cool de Londres. Sob ambos os aspectos, aregião era repleta basicamente de transeuntes típicos de bairrosempresariais e de gente que trabalhava com mídia, mas, enquanto

antigamenteelesusavampseudoternosSavileRow,agorasevestiamcompseudoroupasdeestudantesdeartespunkeostentavampenteadosque,naminhamodestaopinião,ficavambememartistasde20epoucosanos,maserampoucorecomendadosparahomensumpoucoacimadopeso,nosseus30ou40anos.A agência ficava em um edifício baixinho, de dois andares, espremido

entredoisprédiosmaisaltos,fazendocomqueparecesseaomesmotempoindefeso e desafiador. Do lado de dentro, em ambos os andares, havialivres, sem paredes divisórias, e no meio do salão do térreo havia umaenormeescadariaquelevavaaosegundoandar.Notérreoficavamassalasindividuais(agrandedeAnthonyMiltoneamenordeMax)eoescritóriodopessoalencarregadodoatendimento:opessoalsênior,responsávelpelogerenciamentoecuidadoscomascontas,tambémconhecidoporpersuadirclientes a aumentar o volume de negócios com a agência; e os analistasjuniores,eumeincluíaentreeles,responsáveispor fazertodootrabalho,cumprir todos os prazos e correr de cima para baixo para falar com opessoaldacriação,eaindalevaraculpasemprequealgodavaerrado.Nãoeraomelhorempregodomundo,mashaviaperspectivasdecrescimento.Naminhaentrevistadeadmissão,Maxdissequeeupoderiachegarasêniorem três anos, se trabalhasse o bastante eme destacasse. Eu não tinha amenorideiaseestavaconseguindomedestacarounão—ninguémpareciater tempo para notar isso—, mas com certeza trabalhava bastante. Atétardedanoite,finsdesemana,enfim.Opessoalsêniorganhavamuitobeme tinha um cartão corporativo. O trabalho difícil era, na verdade, umamoleza.O departamento de criação era responsável pelo trabalho relativo a

design. Eles dispunham de todo o andar superior e utilizavamcomputadoresMac,nosquaisdesenhavamlogosediscutiamentresiseumdeterminado tom de vermelho eramais oumenos intenso do que outro,que,paramim,pareciaexatamenteomesmo.Aminhamesa ficava uns 4metros à esquerda da sala deAnthony e 3

metrosàesquerdadadeMax;ou,parasermaisespecífica,bememfrenteàmesadeMarcia,quetinhaentradonaagênciaváriosmesesdepoisdemimejáhaviarecebidomaiscontasparacuidar,emboraelafosseapenasjúnior,comoeu.Lentamente, caminhei do saguão até aminha cadeira, ondeme joguei,

pouseiagarrafadeáguaquetinhacompradonaestaçãodometrôeligueiocomputador. Se conseguisseme distrair com o trabalho, eu disse amimmesma, a resposta ao problema do testamento surgiria de repente. O

segredoeranãoseprenderaessedetalhe.Por sorte, Marcia não parecia interessada emme deixar com nenhum

tempo ocioso. Ela não gostava muito de trabalhar, nem de nada queinterferisse na sua ocupada agenda demanicures, visitas ao cabeleireiroparafazerescovaelimpezasdepele.Naminhaopinião,elahaviaentradono ramodapublicidadena esperançade conseguir produtosde graça—passavaamaiorpartedo tempo folheandorevistasdemodaesópareciaanimadacomclientesquevendiamsapatos,bolsas,roupaoumaquiagem.—Vocêestácomomanualderedaçãoquedeixeicomvocênasexta?—

perguntouela logoqueeumesentei.—Vocêsabiaqueeuprecisavadeledemanhã,portantoémelhor...Forceiumsorriso.Marciasedirigiaamimcomosefosseminhachefeou

algo assim. Eu havia recebido deMax a tarefa de terminar omanual deredação,nãoela.Maseudisseamimmesmaquenãoerahoraparadiscutirporbobagens.—Estáaqui—logofalei,tirando-odabolsa.—Voumandarumacópia

pore-mail,também.Elamelançouumolhardesconfiado.—Vocêfezissoduranteofimdesemana?—Sim.Euvimaquiontem.—Ontem.Issomefezlembraracançãodos

Beatles,“Yesterday”.Quasetivevontadedepegarumaguitarraecantaramúsica,que falasobretodososproblemasquepareciamestarbemlongenotempo.Marciaseespantou.— Caramba. E como foi seu fim de semana? Quer dizer, tirando o

trabalho?Deideombros.—Foi...ótimo.Eoseu?—Omeu?—Marcia sorriu.— Ah, foi bom, obrigada. Saí para jantar,

almoceicomalgunsamigos,deiumaolhadanaslojas.Sabecomoé,nadademais.Encarei-a intrigada. Eu sempreme admirava como empenho comque

Marcia se dedicava às compras, o quanto ela ficava empolgada diante decadanovaaquisição, embora, atéondeeupodiaver, fossem todas iguais.Cintos,bolsas,sapatos,suéteres,saias...paraquê?Dinheirojogadonolixo,comovovócostumavadizer.Dinheiroquepoderiasergastoemalgoútil.— Ah! Olha lá Anthony todo agitado— exclamou Marcia de repente,

quandoaportadasaladeleseabriueeleeMaxsaíram.Fiqueivermelhanahora e me virei para a tela do computador, enquanto Marcia acenou,

abrindoumsorrisoenormeeradiante,comosemprefazia.Elescomeçarama andar na nossa direção, e, quando ergui os olhos, viMax olhandoparamim.Anthony tambémmeolhava. Sentimeurostoempalidecer.Anthonynuncameolhava. Emgeral, ele nempareciamenotar. Será que eu tinhafeito algo errado? Será que euhavia feito algumabesteira emuma contaimportante?Eles estavam a poucos metros de distância. Max tinha uma expressão

séria;adeAnthonyeraesquisita.E logosentimeucoraçãodisparar.Nãoapenasdisparar,masquasesaltardopeito.EutinhadadomeucartãoaoDr.Taylor.Provavelmenteelehaviatelefonadoparaoescritóriopedindoparafalar com a Sra. Milton e fora transferido para a sala de Anthony... Nãopodia acreditar que tinha sido tão burra. Não conseguia crer que meucastelodeareiaestavaprestesadesabartãocedo.Sentindo-memaistensaacadasegundo,sequeiapalmadamãonacalça

emeconcentreinarespiração.Eutinhaquepensaremumadesculpa.Eraissoouiremboraantesqueelespudessemdizeralgumacoisa.PararamdiantedamesadeMarcia,aindaolhandoparamim.—Oi,Anthony—sussurrouMarcia,eelelançou-lheumsorriso.Quando

erguiacabeça,meuolhareodeMaxsecruzaram,entãovolteiaolharparabaixo,rapidamente.Maxtinhaolhosazuis.Umtomdeazulprofundo.Maseradifícilnotá-los,porqueosóculososescondiamamaiorpartedotempo.Ele era um pouco mais baixo que Anthony, o que não era muito difícil,considerando que Anthony tinha bem mais de 1,80m, e Max conseguiafazeratéternoscarospareceremmeioamarrotados.Esfregueiatesta,que,àquelaaltura,nãoparavadetranspirar.—Tudobem,Jess?—perguntouMaxaoseaproximar.—Vocênãoestá

comumaaparênciaboa.— Eu?— questionei, um pouco desapontada.— É mesmo? Estranho,

porqueestoubem.—Ecomofoioseufimdesemana?Respireifundo.Eupodiasentirmeupeitoapertando.Seráqueelesabia?

Seráqueestavafazendoumjogocomigo?—Nãofoimuitobom—respondi,tensa.—Grace...minhaamigaGrace...

bem,elafaleceu.Maxespantou-se.—Ah,Jess.Sintomuito.Ah,meuDeus,issoéterrível.Olheiparaeleumtantoindecisa,elogosentimeucorpointeirorelaxar.

Elenãosabia.Sesoubessedotestamento,saberiaqueGracehaviamorrido.Eutinhaescapadodessa.

—Estátudobem—falei,ofegante.—Obrigada,Max.— Ei, Max— disse Anthony, erguendo uma sobrancelha. — Você vai

explicar a Jess porque estamos aqui? — Sua expressão tornou-se sérianovamenteesentiocoraçãodisparar,maisumavez.—A...razão?—perguntei,engolindoemseco.Maxsemostroudesconcertado.—Talveznãosejaumahoraapropriada—murmurouele.—Comoassimnãoéumahoraapropriada?Max,negóciossãonegócios.Olheiparaele,nervosa.—Háalgoerrado?—Muitoerrado,euacho—disseAnthonycomarsério.Osmeusolhossearregalaram.—Émesmo?Oquê?Olhe,não foi culpaminha.Eunãopretendia.Eu...

Eu...—Sentimeupeitosecomprimirnovamente.Anthonyarqueouasobrancelha.— Issopode ser verdade.Mas você se incomodaria demedizer o que

essagarrafadeáguaEvianestáfazendonasuamesa?—perguntouele.—Sério,Anthony,nãoéumaboahora...—insistiuMax,masAnthonyfez

sinalparaqueelesecalasse.Olheiparaagarrafa,ansiosa.—Aágua?É...Querodizer,ésópara...Eu...É...—Asalacomeçavaagirar.

Eunãoconseguiaenxergardireitonemformularumafrasecoerente.— É melhor escondê-la quando o pessoal da Eau Best aparecer mais

tarde, hein?—disseAnthony abrindoum sorriso enorme.—Sãonossosnovosclientes!Maxganhouacontanasemanapassada.Quetal?Marciajogouacabeçaparatráseriu.—Nãoacredito!Nossa,issoéfantástico.Realmentemaravilhoso.QuandofiteiMax,elerevirouosolhos.—Hmm...Queótimo—eudisse,sentindoocoraçãovoltaraseacalmar.

Então, coloquei a garrafa na lata de lixo. E logo depois me dei conta doquantoestavacomsede.—Voupegar...uma...água.Dageladeira...—falei,aomelevantarmeiocambaleante.—Jess?—OuviMaxatrásdemim,mechamando,masnãoparei.Sentia-

me descontrolada. Precisava jogar um pouco de água no rosto para meacalmar. Precisava ficar longe das pessoas. E logo ouvi o meu telefonetocar.Meucelular.Queestavanaminhamesa.No mesmo instante parei, tomada pelo pânico novamente. Então me

forcei a continuar andando.Não poderia ser oDr. Taylor. Com certeza onúmerodomeu celular estavano cartãoque eudera a ele,mas issonão

significavaque toda vezqueo telefone tocasse seriauma ligaçãodele. E,mesmoque fosse, ninguématenderiameu celular.A chamada iria para acaixapostal.Porém,o toqueparou.Rápidodemaispara a ligação ter caídona caixa

postal.Eumevireidevagar;entãoestremeci.Maxseguravameutelefone,encostadoaoouvido.Epareciaconfuso.Emseguida,elemeolhoucomardecuriosidade.Equasedesmaiei.Corri

emdireçãoàminhamesa,masjáeratardedemais,e,enquantocorria,sentiminhaspernasvacilarem.Estavatudoacabado.Naqueleexatomomento,oDr. Taylor provavelmente estava explicando por que tinha pedido parafalar com Jessica Milton. A Sra. Jessica Milton. A minha vida estavaarruinada. Max sabia. Anthony saberia. Todo mundo saberia. Eu seriamotivodepiadaportodaacidade.Tomadapelonervosismo,conseguichegaràminhamesaemeacalmar.

Estavacomdificuldadepararespirar;estavaarfandocomoumpeixe forad’água,sentindoopeitocomprimirospulmõeseocoração.Então,coloqueiamãonopeitoedesfaleci.—O telefone. É paramim?— consegui dizer pouco antes de aminha

cabeçacairparatrásebaternochão.—Jess?MeuDeus,oqueaconteceu?Maxmeolhavadeumjeitoestranho,maseuoignorei.—Quem... era? Eu posso explicar. Eu só...— falei num grito sufocado,

masaspalavraseramquaseinaudíveis.—Jess,calma.Tentarespirar.Respirafundo.Inspiraeexpira.Pegueum

sacodepapel.—MaxordenouaMárcia,antesdefecharomeutelefone.ElalheentregouosacodoseucroissanteMaxomantevesobreaminhaboca.Algunssegundosdepois,comeceiasufocarcomumamigalhadecroissantqueficoualojadanaminhatraqueia.— Já estou bem— disse rapidamente. — Devo ter... — Ainda estava

ofegante e senti Max me levantar. Então Anthony me fitou com arpreocupado.—Jessica...—disseele,comumaexpressãoassustada.—Elaprecisairparacasa—afirmouMax.— Não, eu... — Os braços de Max me envolviam e tinham um efeito

tranquilizador.—Euestoubem.—Viu?Elajáestábem—disseMarcia.— Não está, não — retrucou Max, olhando para mim, em dúvida. —

Vamos,Jess,vouarranjarumtáxiparavocê.—Seusbraçosmeabraçaramcommaisforçaeelemelevouemdireçãoàporta.Sótivetempodepegar

meutelefoneeminhabolsa,antesdesair.— O... o telefonema — consegui dizer, enquanto ele me ajudava a

caminharatéaruaechamavaumtáxi.—Quemera?Maxmeolhoudeformaestranha.—Ah, sim.EraumamoçachamadaHelenquequeriaperguntaravocê

algosobreasérieAssassinatoporescrito.Elapareciaumtanto...aflita.—Helen?—Entreinotáxi,esentiorostocorardealívio.—Éagarota

comquemdividoapartamento—expliquei.— E ela está em casa? — perguntou Max, ao que respondi com um

movimento afirmativo da cabeça.—Ótimo. Então seriamelhor telefonarpara ela e avisá-la de que está indo para casa. Quem sabe você chega atempodedescobrirqueméoassassino.—Euestoubem,sério—eudisse,tentandoumsorriso.—Nãoprecisoir

paracasa.—Achoqueprecisa,sim—insistiuMax,fechandoaportadocarrocom

uma expressão impenetrável. — Não podemos ter gente no escritóriodesmaiandoassim.Pegamal.Abriabocaparadizeralgumacoisa,paratentarexplicar,masnãohavia

nadaaserdito.Eantesqueeupudessefalarobrigadaouatéamanhã,otáxipartiu,Maxvoltouaoedifício,eeumeapoieinobanco,meperguntandooqueiafazer.

Quandochegueiemcasa,Helenestavaàminhaespera,assustada.Eutinhaligadoparaeladotáxi,masnãotinhaditomuitacoisa;apenasqueestavaindopara casa porquenão estavame sentindomuito bem. Ela colocou achaleiraparaesquentarefezchá.Entãonossentamos.—Vocênãoestá...doente,nãoé?—perguntouela,nervosa.—Não,nãoestoudoente.— Ah, Graças a Deus. Que bom— disse ela, aliviada.— Então, o que

aconteceu?Tenteiexplicar,masnãoconseguifalarnada.—Vocêparece doente— insistiuHelen, séria.—Para falar a verdade,

vocêparecemuitomal.Temcertezadequenãoestácomnenhumadoençagraveoualgoassim?EuviumprogramaontemnoLivingTVsobrepessoasquemorreramdedoençasqueelasnemsabiamquetinham...—Nãoestoudoente—afirmei.—Pelomenosnãofisicamente.— É algum problema mental? Ah, meu Deus. Tudo bem, qual é o

problema?Depressão?Psicose?Olha,contantoquevocênãosejaperigosa,

eu posso ajudá-la. Trabalhei em um documentário sobre psicólogos umavez,portantoseiumpoucosobre...— Não tenho nenhum problema mental — interpus, sentindo a

respiraçãoacelerada.Eu...—Sim?—OsolhosdeHelenestavamarregalados,e cadaporodoseu

corpoexalavacuriosidade.—Fizumacoisaerrada.—Umacoisaerrada?—Eagoraestoupreocupadaenãoseioquefazer.— Ah, meu Deus. Tudo bem, acho que sei o que foi — disse Helen,

levantando-sesériaefazendoquesimcomacabeça.—Vocêsabe?—perguntei,curiosa.—Temavercomosanéis,nãoé?—Osanéis?Helenfezdenovooacenodecabeça.—Euviosanéisnasuacaixadejoias,nooutrodia.Anéisdediamante.

VocêrouboujoiasdeGrace,nãoé?Ah,Jess,eutemiaqueissoacontecesse.Então,oquehouve?Oadvogadodelaveioaquiontemànoiteparabuscá-los?Olha,nãotemproblema.Nósvamosarranjarumbomadvogado.Vocênãodeveria tê-los roubado, é verdade,mas tenho certezade quenão iráparaaprisão.—Prisão?—OlheiparaHelen,espantada.—Eunãovouparaaprisão.E

nãoroubeijoiasdeGrace.— Mas, e os anéis? Eu vi os anéis — declarou Helen, de olhos

arregalados.—Edepoisaquelehomemapareceu...Ah,meuDeus,épiordoque isso?Vocêanda contrabandeandodiamantes?Grace comandavaumaquadrilhadocrimeorganizado?Euafiteicomassobrancelhasarqueadas.—Achoquealguémtemassistidoamuitatelevisão—eudisse.—Certo,entãomedigaoqueé—pediuHelen, impaciente.—Sevocê

nãoroubouosanéisnemoscontrabandeou,entãoporquetemumaneldecompromissoeumaaliançanasuacaixadejoias?Eporquesaiumaiscedodotrabalho?Vocênuncachegacedodotrabalho.—Eucompreiosanéis—confessei,apósumlongosuspiro.— Comprou? Mas você não tem dinheiro. Pelo menos, eu achava que

vocênãotinha.—Ébijuteria.Helenfranziuocenho.—Biju?Jess,nãoestouentendendo.

Entãorespireifundo.Váriasvezes.E,quandoestavacertadequepoderiaabriraboca,semqueomeupeitoacelerasse,conteitudo.Lentamente,masde maneira resoluta. Envergonhada e evitando olhar diretamente paraHelen, falei sobre a mentira que tinha saído do controle, do casamentofalso,doadvogado,dapropriedadeedodinheiro.Durante todoo tempo,Helensemanteveemsilêncio.Eu devia ter mencionado anteriormente que Helen não era conhecida

por ficar em silêncio. Ela falava no meio de um filme. Falava com atelevisão, quando eu não estava por perto (sei porque a flagrara váriasvezes emdebates ferozes como locutor). Ela ligavaparaomeu trabalhoquando estava entediada e era conhecida por me manter no telefonedurante mais de uma hora. A garota tinha coisas a dizer, o tempo todo,sobretudo.Excetoagora.Emvezdisso,Heleninclinou-se,apanhousuaxícaraetomouumgrande

goledechá.—Então,vamosverseentendidireito—disseela,porfim.—Graceera

Lady Hampton. Ela deixou para você todos os seus bens, avaliados emaproximadamente4milhõesdelibras?Fizquesimcomacabeçaemsilêncio.—Maisoumenosisso.—Maisoumenos isso—repetiuela, jogandopara tráso longocabelo

castanho,umatordoamentoexpressoemseusolhoscastanho-escuros.—Sóqueelaachavaquevocêeracasadacomoseuchefe,porissoodinheirofoideixadoparaJessicaMilton.Sra.JessicaMilton,quevocênãoé.Quenãoexistedefato.Podemecorrigirseeuestivererrada...—Porenquanto,estátudocorreto.—Evocêtemaobrigaçãomoraldereivindicaraherança,senãoabela

casa de Grace será vendida pelo governo e transformada em umcondomínio.Ounumcassino.Certo?Fizquesimcomacabeçadenovo.— É a casa mais bonita do mundo. Está na família dela há muitas

gerações.Oadvogadodissequeeraodesejodelaquealguémmorasse lá.Umafamília.—Naturalmente—prosseguiuHelen.—Umafamília.Comseumarido

imaginário,suponho.Esboceiumsorrisotenso.—EvocênãopodereclamardefatoaherançaporquevocênãoéJessica

Milton.Querodizer,acasa,todoaqueledinheiro...evocênãopodepôras

mãosemnada?—Émais oumenos isso— concordei, tentando sorrir novamente. Eu

estavamefazendodecorajosa,tentandofazerpouco-casodasituação,masaindaestavaencharcadadesuorecomdificuldadederespirarcomcalma.Helenacenoucomacabeçalentamente.—VocênãopodeapenasreivindicaraherançacomoJessicaWild?—Eledissequeeutinhaqueapresentaracertidãodecasamento.—Esevocêcontasseaverdade?Recuseiapropostacomveemência.—Nãoposso—sussurrei.—Nãoposso.Issopoderiaseespalhar.Seria

muito humilhante. E provavelmente eu não seria capaz de pleitear odinheiro,dequalquerforma.Háumaregradecinquentadias:seaherançanãoforrequeridadentrodesseperíodo,perde-seodireito.—Issosignificaqueodinheiroapenas...desaparece?—Vaiparaogoverno.Issomesmo.—Inspireprofundamente,eudissea

mimmesma.Agoraexpire.—Os4milhões?— Isso mesmo — respondi, concentrando-me na respiração, e Helen

soltouumlongosuspiro.—Cacete—exclamouela,tomandooutrogoledochá.—Querdizer,fala

sério.Cacete.Nãoconsigopensaremnadamaisparadizer.—Nãohánadaadizer—concluícomarsombrio.—Souumaidiota.—Idiotaépouco—acrescentouHelen,balançandoacabeçaespantada.

Entãoosseusolhosseiluminaram.—Vocêdissequetemcinquentadias?—Issomesmo.—Tudobem—disseHelen, empolgada.—Nesseperíodo, apostoque

vocêconseguemudaroseunomenajustiça.—Mudar de nome. É claro! Ah,meuDeus, Helen, você émeu anjo da

guarda.Mudardenome!Porquenãopenseinissoantes?—JessicaMilton.De fato,éumnomebonito.Eeuvoupodermorarna

suacasaenorme?Podemosterummordomo?Ah,porfavor,Jess,vamosterummordomo.Umbonitão.Epodemossempredarfestas...Elamepegoufazendoumgestonegativocomacabeçaefranziuatesta.—Quefoi?Qualéoproblema?Tudobem,nadademordomo.Masainda

podemosdarfestas,certo?Naquelemomento,suspirei,olhandoparaapastaqueoDr.Taylortinha

deixadonamesa.— Tem um detalhe — eu disse, desapontada. — O documento diz

especificamente:Sra.JessicaMilton.

—Entãomudeoseuprimeironomepara“Senhora”—sugeriuHelen.— Mudar meu nome para “Senhora”? Quem é que está sendo idiota

agora?Eeledissequeprecisavadepassaporteoucertidãodenascimento.Nuncavouconseguirissoatempo.Dequalquermaneira,eudisseaelequenão tinha mudado o meu nome. Se de repente eu aparecer com umaidentidadedeJessicaMilton,vocênãoachaqueelevaidesconfiar?Helensereclinounosofá.— Tudo bem, mas tem que haver outro jeito. Qual é, Jess, é muito

dinheiro.Temosquearranjarummododerequereraherança.—Elaolhouparamim e ficou pálida.— De requerer a sua herança,melhor dizendo.Mas, se pensarmos bem, vamos descobrir um jeito. Tem que haver umasaída.Então, ela assumiu um ar pensativo, apanhou o telefone e discou um

número. Quando olhei para ela, nervosa, ela fez sinal para que eu meafastasse.— Rich? Oi, é Helen... Sim...! Sei, desculpe, é que tenho andado muito

ocupada. Escuta, eu queria fazer uma perguntinha. Você entende detestamentos, não entende?... É, eu sei que você trabalha com direitobancário, mas você deve ter estudado um pouco de direito de família,certo?Ótimo. Bem, vamos supor que um testamento tenha sido feito, noqualosbensiriamparauma...ah,seilá.UmaSra.Jonesqualquer.EdigamosqueaSra.JonesnãosejadefatoaSra.Jones;seja,naverdade,SarahSmith.Só que a pessoa que deixou a herança acha que ela é a Sra. Jones. Apergunta é: mesmo assim, Sarah Smith poderia reivindicar a herança?...Sei... Certo... Entendi... Obrigada, Rich... Sim, vamos sair para tomar umdrinkumdiadesses.Meliga.Certo.Tchau.Helensevirouparamim.—EraRich.—Eupercebi.EqueméRich?—RichardBennett.Oadvogadocomquemsaíháalgumassemanas.Eumeespantei.—Eleéadvogado?Eoquefalou?Helenfezumacareta.—Ele disse que Sarah Smith poderia reivindicar a herança, desde que

conseguisse provar que era, de fato, a pessoa que o testamenteiroconsideravaseraSra.Jones.Mas,paraisso,provavelmenteteriaqueentrarnajustiça.—Justiça?Helen permaneceu em silêncio. Eu, por minha vez, puxei os joelhos

contrameucorpoeosabracei.—Nãopossoiràjustiça.E,dequalquermaneira,nãohátempoparaisso.

MeuDeus,nãoconsigoacreditarnoquantosouazarada.—Vocênãoéazarada.Querdizer,nãototalmente.Sóumpouquinho—

disseHelen,tentandomeencorajar,massemomenorêxito.—Nãoconsigoacreditar.Vocêsemprefoitãoarrogante,amulherqueodeiahomens,eotempotodotinhaumafantasiadesecasar...— Eu não odeio homens — falei, suspirando. — Só acho que

relacionamentossãoumaperdadetempo.Eeunãotinhanenhumafantasiademecasar.SófizissoporGrace.Afantasiaeradela,nãominha.—Vocêtemcertezadequetambémnãoqueriaumnamorado?Certeza

absoluta?—Tenho—respondi,impassível.—Claroquenãoqueriaternamorado.—Sóummarido?—perguntouHelencomumsorrisomalicioso.—Não!Ouça,Hel,eunãoqueronamorado,nemmarido.Vocêsabemuito

bem.—Comoéquevocêpodesaberquenãoqueralgoquenuncateve?—Eujátivenamorado—retruquei,aborrecida.—Aliás,dois.—Umna faculdadeeoutrohá trêsanos.Sei,vocêépraticamenteuma

devoradora de homens — confirmou Helen balançando a cabeça e medeixandoirritada.—Sóporqueasuavidagiraemtornodehomens,nãosignificaqueseja

assim com todomundo— repliquei namesma hora.—Eu só não estouinteressadanaquelepapofuradoquerolanosencontros,ficaresperandootelefone tocar;nemalimentaroegodeumhomempara fazê-logostardemimedepoiselemetrocarporoutra,algunsmesesoualgunsanosdepois.Romanceéummito,Hel.Amorésomenteumareaçãohormonal.Doisdecadatrêscasamentosacabamemdivórcio,eorestoprovavelmenteéumaporcaria.Todomundoterminasozinho;então,paraquepassarmetadedavidaperseguindoumaquimera?—Quimera?Vocêquerdizertipoalgoquenãoexiste?—Issomesmo.— Como um marido imaginário? — perguntou Helen com um brilho

sarcásticonoolhar,eeucorei.—QuerdizerquevocênãoestáinteressadaemAnthonyMiltonnemumpouquinho?—continuouela,emtomirônico.—Elenãoéaquelecara...tipoassim,lindo?Eleestavanaqueleartigoquevocêmemostrou.—Eleélindo.Masaindaassimnãoestouinteressada.—Temcerteza?

—Tenho— respondi com firmeza.— Pode acreditar, se eu estivesseprocurandoummarido,oquenãoestou,certamenteoescolhidonãoseriaAnthony.Eleémuito...—Franzionariz,tentandopensarnapalavracerta.—Bem-sucedido?Gostoso?—sugeriuHelen.— Inconstante — eu disse, mas imediatamente me corrigi. — Não,

inconstantenão.Muito...—Suspirei.—Ah,nãosei.Eleapenasnãoéomeutipo.Nãoésérioobastante.Saicomváriasmodelos.Garotasqueparecemmodelos.—Vocêestáquerendodizerqueelenãoéoseutipoporqueachaqueele

nãoficariaafimdevocê?—Oqueestouquerendodizer—tenteiexplicar—équeelenãoéomeu

tipoporqueeunãoestouafimdele.—Então,fizumapausae,aoperceberHelenmeolhandocomumaexpressãodesconfiada,sentimeurostocorar.—Nemdele,nemdeninguém,naverdade.Eelecertamentenãoestáafimdemim.—Nomomento—retrucouHelen.—Comoassim,nomomento?—Eu só estou tentandover as coisasdeumpontode vistaprático—

disse ela, pensativa.— Grace achava que você era casada com AnthonyMilton,certo?—Certo.— E Anthony Milton é lindo e bem-sucedido? Quer dizer, falando de

maneiraobjetiva,eleéotípico“bompartido”.—Achoquesim.Helenabriuumsorriso.—Então,asoluçãoestábemnanossacara.Vocêtemquecasarcomele

deverdade.—Ah,sei!—eudisse,apósumagargalhada.—MeuDeus,porquenão

penseinissoantes?Grandeideia.Voufalarcomeleamanhãmesmo.—Estoufalandosério.Achoquevaleapenatentar,nãoé?Leveoplano

adiante e você não só se casa com o “Príncipe Encantado”mas se tornamilionáriae,aindaporcima,salvaacasadeGrace.—Elenãoéo“PríncipeEncantado”.Evocêseesqueceudeumacoisa:eu

nãoqueromecasar.—Ah,masnãoédissoqueestamosfalando.Vocênãoquercasarporque

consideracasamentoumabesteiraeachaqueromanceéperdadetempo.Masnessecasoédiferente.—Émesmo?—perguntei,hesitante.—Éclaro.Vocênãovaicasarparaviver felizparasempre.Vocêvaise

casarparaganhar4milhõesdelibras.Éumaespéciedeanticasamento.Nofundo,éapenasumacordo.Vocêtemquepersuadiroclientee fazercomqueelefecheonegócio.—AgoraAnthonyémeucliente?—Issomesmo!—Mas...—Masoquê?Vocêtemalgumaoutraideia?Eunãotinhaumarespostaadequada,porissoabaixeiacabeça.— E você quer o dinheiro? Quer cuidar da casa de Grace como ela

gostariaquevocêfizesse?—prosseguiuHelen.—Sim,mas...—Semessahistóriade“mas”—disseHelen,levantando-se.—Anthony

Miltontemnamorada?—Nãoqueeusaiba.—Entãoestáacertado.OProjetoCasamentoacabadeserlançado.Deixeiosombroscaíremparaafrente,prostrada.— Helen, por favor, tente entender. O que você está sugerindo é... é

loucura.ÉcomodizerquevocêvaisecasarcomTomCruise.Semesqueceroprazodecinquentadias.— Tom Cruise já é casado. AnthonyMilton não é. Emuita coisa pode

aconteceremcinquentadias.—Nãopossofazerisso—eudisse,emvão.—Simplesmentenãoposso.—Nadadenãoposso.Nãomedigaqueestácommedo?—Medo?—perguntei,nadefensiva.—Claroquenão.Apenasnãosou

umamodelo,souumfracassoquandooassuntoénamoradoeachoaideiacompletamentemaluca.—Quevocêéumfracassoquandooassuntoénamoradoéverdade.Mas

podemosdarumjeitonisso.Enasuaroupa.—Minharoupa?Oquetemdeerradocomaminharoupa?—Agoraeué

queestavacomumaexpressãodesconfiada.—Tudo—respondeuelacomindiferença.—Eseucabelotambém.—Estousatisfeitacommeucabelo.—Oquevocêachanãoconta.Oque contaéAnthonyMilton, e aposto

queelenãogostadoseucabelo.—Duvidoqueele tenhanotadoalgumavezomeucabelo—repliquei,

irritada.—Exatamente.— Não vou mudar o meu cabelo por causa de um homem.— Estava

começandoamesentirtensa.—Nemaminharoupa.Nãovou...

Helensuspirou.—Porfavor,Jess.Olha,euseiquesuaavóeraumamegeraequevocêé

obcecadapor essa ideia de ser autossuficiente, e tudo isso que você vivedizendo.Mas issonão significaquevocênãopossa sedivertirdevez emquando.PassarbatomnãoreduzoseuQI.Saircomumcaranãotransformavocêemumacriaturapatéticaquenãopodeviversemhomem.—Issonãotemnadaavercomminhaavó—retruquei,irritada.—Tudobem.Sóestoudizendoquevocêprecisade roupasnovasede

um novo corte de cabelo. Esse Anthony Milton pode não notá-la agora,porque você faz tudo para não ser notada. E você não está a fim deleporquenãosepermite isso—disseHelen,demaneiraenfática.—Comoestáconvencidadequeelenuncavaidemonstrar interesse,você tratadeeliminá-lo da sua lista. Sabe, se você fosse ambiciosa em relação anamorado como é com seu maldito emprego, teria uma fila enorme dehomensquerendovocê,agoramesmo.Euriinvoluntariamente.—Ah,sei.Atéparece.—Olha,Jess.Damaneiracomoeuvejoasituação,ouvocêarriscatudo,

ou não. E se não arriscar, então vai estar dizendo adeus a ummonte dedinheiro.—Mas...—Nadadessaconversade“mas”, Jess.Penseapenasnoquevocêpode

perder,seaomenosnãotentar.—Éumacasabonita—eudisse,indecisa.—Éumacasamaravilhosa—corrigiuHelen.—Eeuconseguiriapagartodasasminhasdívidas.—Vocêseriarica, Jess.Maisricadoque jamaissonhou,oquesignifica

serautossuficiente.—Ecasada.—Tudo bem.Mas não casada damaneira romântica, cheia de sonhos.

Vocêseriarica, independentedeseumaridoeestariacuidandodolegadodeGrace.Sentiumapontadanopeitoquandoouvionomedela.—Eusei.Masaindanãovejocomoeuconseguiriaisso.—FazendocomqueAnthonyseapaixone loucamenteporvocê,é isso?

—perguntouHelen.—Bem,vocêprecisa...comoéquesefalaquandoumproduto sofre alguma modificação? Como quando lançaram o KitKatChunky?—Reposicionarumproduto—respondi.

OsolhosdeHelenseiluminaram.—Isso!Nósvamosreposicionarvocê.—ComoumKitKatChunky?—Comoamulherperfeitaparacasar.Eubufei,mal-humorada.—Edepoisagentereverteasituação,nãoé?Helenmeencarou.—Vouignoraressaparte—disseelacomardesuperioridade.—Ouça,

Jess,vocêtemqueprometerquevai levarissoasério.IssoéTopaounãotopa.Tudoounada.Então,oquevocêescolhe?Topaounãotopa,Jess?Qualéasuaresposta?—Issonãoéumjogo,Helen,éloucuratotal.Éimpossível.É...éridículo.—Topaounãotopa?—repetiuHelen,olhandobemnosmeusolhos.Euafiteiporummomento.—Vocêsabequeessaéaideiamaisestúpidaqueouvinavida?—Topaounãotopa?Simounão?Deixeiescaparumsuspirolongoedoloroso.—Nãoposso...Eu...—Vocêpode,sequiser.Vamoslá,Jess.Arrisque.Tente.FaçaporGrace.Olhei para o chão, lembrando o quanto Grace tinha ficado empolgada

quando faleiqueAnthonytinhamechamadoparasair.Eume lembreidaanimação em seus olhos, quando ela disse que ele iria me pedir emcasamentoduranteaviagem.Derepente,melembreideumdetalhe.—Oquefoi?—perguntouHelen.—Oquehouveagora?Mordioslábios.—Nada.Ésó...umacoisaqueGracedissehámuitotempo.—Eoqueé?Meu rosto se contraiu, quandome concentreinoque tinhaacabadode

lembrar.— Pensei que ela estivesse se referindo... Quer dizer...Mas talvez não.

Talvezelaestivessemesmosereferindo...—Oquê?—perguntouHelen,impaciente.—Oqueeladisse?— Ela me fez prometer... ela me fez prometer que, se alguém me

oferecessetudooquetinha,euaceitaria—faleilentamente.—PenseiqueelaestivessesereferindoaAnthony.Penseiquefosseumdosseussonhosromânticosbobos.—Eagoravocêachaqueelasereferiaàherança?—Nãosei.Talvez.—Evocêprometeuqueaceitaria?

Fizquesimcomacabeça,emsilêncio.—Entãoissosignifica...Vocêvaiaceitar?Vai?OlheiparaHelenduranteummomento,econcordei.—Topo—eudisse,tãobaixinhoquemalouviminhaprópriavoz.—Eunãoescutei.—Topo.—Meusolhosestavamarregaladosdemedo.Eunãoconseguia

acreditarnoqueestavaconcordandoemfazer.Imediatamente, Helen se jogou em cima demim eme deu um abraço

bemapertado.—Vocênãovaisearrepender,Jess.Nossa!Vaisermaravilhoso.— É uma campanha, certo? — perguntei, nervosa. — Eu vou apenas

dirigirumacampanhapublicitária?—ProjetoCasamento—aprovouHelen.—ProjetoQuatroMilhões.—Esenãodercerto,esquecemosahistóriatodaeeumudomeunome

para“Senhora”.Olhei bem nos olhos de Helen e, um segundo depois, caímos na

gargalhada,emboraaminhafosseumtantomaishistéricaqueadela.Alguns minutos depois, Helen pegou o telefone, discou um número e

piscouparamim.—Oi,éHelenFairbrother.EugostariademarcarumhoráriocomPedro.

Mastemqueserparahojeàtarde.Elepode?Ótimo.Edáparamarcarunstratamentos para hoje também? Isso. Pé, depilação, bronzeamento elimpeza de pele. E sobrancelha. Às duas horas? Perfeito, até lá. É para aminhaamigaJessica.JessicaWild.Entãoelasevirouparamim.— Certo, acho que precisamos de um esquema para o projeto, não é?

Peguelápisepapel.EstamoslançandooProjetoCasamento.

Capítulo5

Pedro,comopudeconstatardepois,eraumcabeleireiroespanhol,baixinho,que trabalhava num salão minúsculo, em cima de uma loja, perto daIslingtonHighStreet.O lugarera tãoescondidoquemal seviada rua—detalheque,segundoHelen,erasuaqualidadeprincipal;ouseja,olugareraconhecido apenas pelo boca a boca. As pessoas falavam muito bem dosserviços, dissera ela confiante, além de afirmar que ali se fazia amelhordepilaçãocomlinhadeLondres.Eunãofaziaamenorideiadoqueeradepilaçãocomlinha,enãoqueria

cortaromeucabelo,mas,aospoucos,fuipercebendoqueresistirerainútil.—Helen!Querida!Ah,meuDeus, adorei a suabota!—O taldePedro

veio correndo na direção de Helen assim que chegamos ao topo daescadaria estreita que conduzia ao salão.— Eu não sabia que você viriahoje!Oquevamosfazer?— Na verdade, marquei para a minha amiga Jessica — disse Helen,

movendo-separaquePedropudessemevermelhor.—Vamosfazerumatransformação.Pedro ficou boquiaberto e eu corei ao notar que todomundo se virou

paramim; todomundo quer dizer: três mulheres, impecáveis, que, até aminhachegada,estavamseolhandonoespelho.—Umatransformação?Adorotransformação!Dequetipo?—Umatransformaçãototal.—Sóumcortedecabelo—interrompi,tensa.—Nadamuitoradical.—

MaspudeverHelenatrásdemimfazendoumgestonegativodecabeça.Pedroabriuumsorriso epassouamãopelomeu cabelo, esfregando-o

entreosdedos.—Comovaiser?Curto?Eacor?—Loiro—disseHelenemtomfirme,noexatomomentoqueeudisse:—Nãovoutingir,obrigada.Pedroconcordoueeumeapavorei.—Loiro?—perguntei,espantada.—Nãopossoficarloira.—Éclaroquepode—disseHelencomindiferença.—Então,Pedro,o

quevocêacha?

Elefranziuatesta.—É.Achoquesim.Masloiríssimototalousóumasluzesestilosas?Helenolhouparameurosto.—Luzes—disse.—Comcaradesofisticada,parecendoquegastouuma

fortuna.—Nãosóparecendo,querida—observouPedro,comumarisadinha.—

Tudobem.Entãoficamoscomasluzesbemnaturais.Eocorte?Ambos analisaram meu cabelo com ar pensativo, ignorando, por

completo, a minha opinião no assunto. Cerrei os punhos. Eu tinhaprometidoaceitarqualquersugestãodeHelen,masloiro?Falasério!—Bastaapararaspontas,porfavor—meouvidizendo.—Corteimeu

cabelohápoucassemanas.— Acho que umas camadas ficariam bem — contestou Helen, sem

prestaratençãonomeupedido.—Camadas.É,achoquesim—concordouPedro,ajustandoaalturada

minhacadeira.—Camadaseumafranjalonga.Assim...Ele levantou a ponta do meu cabelo para conferir como ficaria uma

franja,caindoemcascata,norosto.—Perfeito!—gritouHelen,batendopalmas.—Nossa,Jessica,vaificar

lindo. Mas não se esqueça, Pedro, ela também vai fazer sobrancelha eperna. E ainda vamos fazer umas comprinhas, portanto não podemosdemorar.Pedrosorriu.—Tudobem.Senteaqui—disseele,indicandoumacadeiraaoladode

umapia.—Evamoscomeçar,certo?Senteitodatensa,agarrandoosbraçosdacadeira.Camadasloiras.Euia

ficar a cara da Lassie. Ia ficar ridícula. Ia parecer com uma daquelasprostitutas que minha avó costumava criticar, quando passavam na rua.Mulheresdeminissaia,roupacor-de-rosa,oumuitamaquiagem.“Elasvãoacabarcomosuamãe”,murmuravaela,emtomsombrio.“Evocêtambém,se não se cuidar. O homem olha para umamulher assim e vê nela umaconquista, uma vítima. Ele não lhe dá valor, trata-amal; pode escrever oque estou dizendo. Acaba indo embora quando ela menos espera.” Euconcordavacomarsério,decididaanuncacairnessa,decididaanuncamepermitirsernadadisso.Nãoqueeupensasseemminhamãedessaforma.Eu dizia a mim mesma que vovó não entendia minha mãe. Ela nãopretendiameabandonar.Nãopretendiaacabarmorrendonumacidentedecarro.Mas,mesmo semminhamãe por perto para servir como um exemplo

disso,vovóeraprovasuficientedoqueelamesmaafirmava.Apósquarentaanosdecasada,“quarentaanos”,elaviviarepetindo,vovôadeixouporumamulher comametadeda sua idade.Apenas foi embora, sem se importarcommaisnada.Foiquandovovódeixoudeusarmaquiagem.Foitambémquandodeixoudesorrir,pelomenosessaeraaminhaconclusão,poistodasas fotosdela comvovômostravamumamulherdiferente: feliz, comumaaparência alegre e de olhos brilhantes. Mas depois que ele partiu, elapassouaexibirumacarrancapermanente.Ele foiemboraummêsdepoisqueminhamãemedeixounacasadelesporum fimdesemana.Ummêsdepoisqueminhamãeentrounumcarroeacabounumacidente.“Elabemquepodianãoterentradonocarro”,eucostumavadizeravovó.“Elapodiamuitobemestarviva,senãotivessesaído,setivesseficadoemcasa.”Vovónão concordava. Dizia queminhamãe estava usandominissaia, como seissoexplicassetudo.Umamulhercomaidadedelausandominissaiaestavaprocurandoencrenca.MasantesqueeupudesseexplicarsobreluzesesaiascurtasaPedro,a

cadeira semoveu, atirandominhas pernas para cima, e ele a puxouparatrás,nadireçãodapia.Emseguida,pegoumeucabeloecomeçouaesfregaralgonosfios;nãoeraxampu,eraalgodiferente.Pareciaoleoso.Defatoeraóleo,conformedescobrialgunsminutosdepois.— Serve para hidratar e soltar os fios — explicou Pedro, com boa

vontade.—Antesdaáguaoxigenada,entendeu?—Águaoxigenada?—Foitudooqueconseguifalarantesdeserretirada

subitamenteda cadeira, jogadaemoutra, receberumaediçãodaVogue eserorientadaaolharsempreparaafrente,enquantoPedroseconcentravano meu cabelo, pegando algumas mechas, cobrindo-as com uma pastabranca, enrolando-os em papel-alumínio e repetindo o processo diversasvezes. Resolvime concentrar em um artigo da revista sobre a tendênciaatual da exclusividade no mundo da moda e tentei não pensar no meucourocabeludo,quenãoparavadearder.Assimqueminhacabeçainteiraficoucobertacompapelotesdealumínio,

fuilevadaaoandardebaixo,paraasaladaMaria,umamulherforte,mãedoPedro,quemeolhoudecimaabaixocomarsério,ordenouqueeumedespisseedeitassenumacamaestreita.Emseguida,começouaaplicarceraquente nas minhas pernas, antes de puxá-la de um jeito que pareciaarrancarjuntoumaboapartedaminhapele.Erapuraagonia,maseunãoqueriadizernada,portantomelimiteia trincarosdentese ficardeolhosfechados,parasuportarador.Depois, ela se concentrou nas minhas sobrancelhas: amarrou as duas

pontas de um pedaço de linha e as enrolou entre os dedos, commovimentos rápidos, e começou a arrancar os fios, de um jeitoaparentementetãosemcritério,queacheique,quandoelaterminasse,euficariacomosetivessesaídodeumfilmedeterror.Nofim,elameentregouumespelhoparaqueeupudesseverificaroresultadodoseutrabalho,maseuestavaapavoradademaisparaolhar,portantoapenasodevolvieaceneicoma cabeça, forçandoum sorrisoparaque elanãopercebesse aminhaaflição.Entãoelamepuxoudacamaegritou:— Pedro! Acabei!— Em seguida enviou-me de volta para o andar de

cima, para que eu lavasse o cabelo antes de ser colocada diante de umespelho.—Ah!—exclamouPedro, comosolhosbrilhando.—Agora sim.Bem

melhor,nãoacha?Olhandoparabaixo,paraosmeusjoelhos,assentiemsilêncio.Eramuito

humilhante.EumesentiacomoumperusendoregadoparaoNatal.—Bem,agoravamosaocorte—disseele,apanhandoatesouracomum

floreio;comoumtoureiro,aobrandiracapavermelha.—Agoravamosaocorte—repeti,nervosa.Assimqueouviobarulhinho

da tesoura, fecheiosolhose tenteinãopensarnasmechasdecabeloquenãoparavamdecairnomeucolo,nasminhasmãos,nomeunariz.Eupossocomprarum lenço, pensei.Oupassarausar chapéu.Ou raspar a cabeça edizeratodoomundoqueestavaestressadaeocabeloestavacaindo.Logosentiocalordeumsecadornomeucourocabeludo,easmãosde

Pedrosoltandoosfioseemseguidamodelandoasmechas.—Então...dáumaolhada.Lentamente, abri os olhos e olhei direto para o rosto de Pedro, no

espelho.—Estáótimo—falei.—Muitobom.—Masvocênemviudireito—reclamouPedro,magoado.—Ah. Está bem.—Com o rosto queimando de vergonha,me forcei a

olhar para meu reflexo, preparando-me para a surpresa, armando umsorrisopoucoconvincente,masqueaomenosmepermitiriasairdalisemmuitoestardalhaço.Sóquenãofoisurpresaoquesentiquandomeolheicommaisatenção.

Foichoque.—MeuDeus!Pedroolhouparamimassustado.—Oquefoi?Nãogostou?

Euestavaperplexa.—Pareçooutrapessoa.—Entãoolheinovamente.Pareciaaqueletipode

garotaqueandapelaKingsRoad falandoaltoaocelular.Apessoaqueeuvianoespelhoeraotipodepessoaqueeudesprezava:otipodegarotaquesentadoladodeforadoscafésaossábados,almoçandocomumbandodeamigas barulhentas, falando de homens, sapatos e coisas fúteis, que nãotinhamamenor importância.Pedrohavia feito luzescalifornianasemumlouro mel e um corte em camadas longas e repicadas, que suavizavamminhas feições. Minhas sobrancelhas não tinham desaparecido; elas sóestavam mais finas, mais altas e arqueadas, e destacavam as maçãs dorosto,deixandominhaexpressãocomarpermanentedequestionamento.—Elanãoaprovou—comentouPedro,comardesapontado.—Elanão

aprovouatransformação.—Não—disserapidamente.—Querdizer...Não...ésó...É...—Porfim,

conseguifalarcomclareza.—Équenuncapenseiquepoderiaficarassim.Sóestouachandodiferente,sóisso.—Diferentenobomsentido?—Eletinhatantaesperançanoolharque

eunãopodia dizer o quanto estava chocada, o quanto estava emdúvida.Então,abaixeiacabeçaeolheiparaminhasmãos,queestavamcobertasdecabelo.Domeucabelo.Sentia-mecomoSansão.EaomesmotempocomoCinderela.Estavacompletamenteconfusa.—Diferentenobomsentido—concordei,meioindecisa.Interpretando

comosetudoestivessebem,Pedrofinalmentesorriu.—Issomesmo!—admitiuele.—Diferenteéumbomsinal.Querdizer

queestábom.—Bom?Ficoubom?—Mariaapareceuatrásdeleeolhoumeureflexono

espelho.—Ah,sim—disse,emtomdeaprovação.—Agorameninabonita,hein?Agoramuitomelhor.Fizquesimcomacabeça,meiohesitante,aindatentandomeencontrar

naimagemquevianoespelho.— Uau! — exclamou Helen, surpresa, ao largar a revista que estava

lendo.—Você émaravilhoso, Pedro—murmurou ela, examinandomeurostonoespelho.—Evocê,Maria,éincrível—acrescentourapidamente,quandonotouqueamulherafitava.Então,Pedroapoiouasmãosnosmeusombros.—Temgentequeapelaparacirurgia—disseeleemtomtriste.—Mas

sóprecisadeumbomcortedecabelo.—Edeacertarassobrancelhas—lembrouMaria.—Sobrancelhasmais

quecabelo.

Todos ponderaram essa observação durante alguns segundos, semvontadedeargumentar,elogoHelenmepuxou.—Bem,estánahora.Temosqueiraoshopping.— Shopping? Mas eu odeio fazer compras. E, além disso, estou sem

grana.Helensemostrouimpaciente.—Pensenissocomouminvestimento.Eume levanteidevagare, emumato involuntário,puxeio cabelopara

trásdaorelha.Masnãoadiantou.Eleestavatãomacioqueimediatamentevoltouparaafranja,quecaíaemcascata.—UmcortedecabeloàprovadeJessica—disseHelensorrindoaome

puxarpelaporta.—Realmenteéquaseummilagre.

Capítulo6

—Nãosoucapazdefazerisso.Namanhãseguinte,derepenteoqueeraapenasumadas ideias loucas

deHelencomeçavaasetransformaremalgomuitorealemuitoassustador.—Vocênemimaginaoquantoécapaz.Engoliemseco.Heleneeuestávamosdiantedoespelhodela,decorpo

inteiro, enquanto ela dava uns retoques finais na minha maquiagem.Maquiagem!Eununcatinhamemaquiadoparairaotrabalho.Enãoerasóisso.Eujáestavaháumahoraemeiarecebendoorientações

delasobreaartedasedução(vocêprecisaficarnomesmoambientequeapessoaqueestátentandoseduzir);aartedesorrir(façaumpoucodebicoantesdelevantaroscantosdabocaenãomostretodososdentes);decomoreceber um elogio (olhe de maneira sedutora e diga “obrigada”, entãosorriaenãolevanteassobrancelhascomoseinsinuassequeapessoaquefezoelogiofosseidiota);edoquenãofazercomasmãos(nuncatamborileosdedosnamesa, nemgesticulemuito). Isso tudome fez lembrarqueoqueestávamosfazendonãoeraumabrincadeira;erarealidade.—Sério,nãodá—confessei,respirandofundo.—Sério,Helen.Alémdo

mais,nãoprecisododinheiro.Afinal,dinheironãotrazfelicidade.Paraserfeliz,bastateramigoseamor,certo?Helensorriuemeabraçou.—Jess,sousuaúnicaamiga.Confieemmim,vocêprecisadodinheiro.Fizumacaretae, trêmula, voltei aolharminha imagemnoespelho.Eu

estavaempoleirada sobrequasedez centímetrosde salto,minhaspernascobertasporumameia-calçacordapelefiníssima,eusavaumasaiajusta,que não chegava nem no joelho. Vestia um suéter macio de caxemira.Emoldurandoorosto,meunovocabelo,macioesedoso,brilhavacomoseeuestivesseemumanúnciodexampu.Helenpercebeuaminhaexpressão.—Oquefoi?Nãogostou?—Não.Estouparecendo...uma...—Umamulheratraente?—perguntouHelen,comosolhosbrilhando.—

Umamulherquesepermiteumpoucodediversão,devezemquando?

Olhei para ela e fiquei envergonhada. Eu ia dizer como uma piranhaidiota.—Bem,tenhoqueir—eudisse,dandoumarápidaolhadanochão,sem

saberporqueelepareciatãolonge.— Tudo bem — concordou Helen. — Não se esqueça: boca fechada

quandosorrirenadadeseesconderatrásdocomputador.Fizumacaradeespantoeelamedeuumtapinhanoombro.—Vamoslá, Jess.Vocêtemqueaparecerparasernotada.Temqueser

receptivaesimpática.— Entendi — aceitei rapidamente, compreendendo que resistir era

inútil.— Então prove. Pare de ficar inquieta e olhar-se no espelho como se

estivessediantedeumshowdehorrores.—Nãoestouinquieta—retruqueinadefensiva.—Deixeosbraçosaoladodocorpoepresteatençãonapostura.Vocêé

JessicaWild,agostosa.Quemévocê?Deideombros,meiodesengonçada.—SouJessicaWild—balbuciei.Helenseirritou.— Você é Jessica Wild, a gostosa, por quem Anthony Milton vai se

apaixonarperdidamente—replicouela,mal-humorada.—Repita.— Não. Você conseguiu me convencer com a história do cabelo e me

maquiou.Masnãovoudizerquesougostosa.—Vai, sim.Senãodisser,nãovaiacreditarnisso.Então,enquantonão

disser,nãovoudeixarvocêsair—ordenouela.—Maseunãoacreditonisso.—Ouça, Jess,nóspodemos fazeras coisasdamaneiramais fácilouda

maisdifícil.Vocêpoderepetirafraseeirtrabalhar,ou...oupodemosficaraquiamanhãtodaatévocêrepetir.—Vocênãopodemeobrigar—eudissedeformacategórica.—Tranqueiaportadafrentecomduasvoltaseescondiachave.Meusolhossearregalaram.—Vocênãotem...—Então,diga.Fitei-a com uma expressão de súplica por alguns segundos, mas ela

permaneceuimpassível.Porfim,desisti.—SouJessicaWild—resmunguei.—Gostosa.—Porquem...?Vamos,termineafrase.— Por quem Anthony Milton vai se apaixonar perdidamente —

murmurei.—Sóqueelenãovai.Helen,istoéidiotice.—Não é, não.Vamos, denovo. Sou JessicaWild, gostosa, encantadora,

impetuosaelinda.—SouJessicaWild.—Suspirei.—Gostosa.Souencantadora,impetuosa

e...—Elinda.— E linda — repeti, constrangida. Eu podia imaginar a minha avó

olhandoparamim,indignada.—Agoradigacomvontade,comoserealmenteacreditasse.OlheiparaHelen,irritada.Euiaacabarmeatrasandoparaotrabalho.—Maseunãoacredito.—Émelhoracreditar.Quehorasvocêprecisachegaraoescritório?Olheiorelógio.—Tenhoquesairagora.Nesseminuto.—Entãorepita.Fiz uma rápida comparação entre chegar atrasada ao trabalho e me

submeteràhumilhaçãoaqualHelenestavameforçando.Então,merendi.— Tudo bem. Sou Jessica Wild — repeti, jogando o cabelo com

impaciência. — Sou gostosa e Anthony Milton vai se apaixonarperdidamentepormim.—Quemévocê?— Jessica Wild — respondi, abrindo um enorme sorriso, os dentes à

mostra.—Eagoracomosorrisoquenóstreinamos.—JessicaWild—repetifazendobeicinho,paraimpressionar.—Eoquevocêé?—Umagostosaquetambéméencantadora,impetuosaelinda—assenti

rebolando,sópararatificaroqueeutinhadito;eparagarantirqueelamedeixariasair.—Equemvaiseapaixonarperdidamenteporvocê?—AnthonyMilton.—Agorasim—concordouela,pegandoachave.—Agorapodeir.Não,

nãopode,não.Vocênãovaicomessabolsa.Pegueumadasminhas.Fitei-a perplexa, enquanto ela esvaziavaminha bolsa e transferia tudo

paraumadassuasúltimasaquisições.—Comoseabolsafizessealgumadiferença—resmunguei.—Abolsa?Claroque fazdiferença.Abolsaéo seu cartãodevisita—

explicou em tom firme.—Umabolsadiz tudoque temde serdito.Bem,bolsaesapato.

— Ótimo, vou me lembrar disso — observei em tom de sarcasmo,agarrandoabolsaeesperandoqueelaabrisseaporta.Então,comomaiorcuidado(nãoháoutromododeseandarsobresaltosdedezcentímetros),desciaruaemdireçãoàestaçãodometrô.

QuandosalteidotremnaFarringdon,meuspéspareciamestarsangrando.Pelo que eu sentia, provavelmente estavam mesmo. Fosse quem fosse odesignerdossapatosqueHelenmeforçaraausar,oudetestavamulheres,oudetestavapés,oununca,realmente,usouumsapato.Irritada, sentindo-me bem longe da “Jessica Wild Gostosa”, entrei

mancando no restaurante da esquina para tomar meu café habitual(cappuccinopequeno,semchocolate);eaguardeinafila.—Café?Eusorrierespondi:—Odesempre,obrigada.Gary,oatendente,meolhoucomarindecisoeentãosorriu.—Évocê?Nossa,comoestádiferente.Nomesmoinstante,meurostocorou.Eleestavameachandoridícula.E

tinharazão.—Mudouocabelo?Estábonito!—continuouele.—Bonito.—Quenada—retruquei,envergonhada.—Estábrilhantedemais.Nãoé

nemumpoucoprático.— Não, está bom— insistiu Gary, ainda sorrindo. — Muito bom. Eu

gostei.O nome dele na verdade não era Gary, me dissera uma vez; ele era

polonêsesechamavaGerik,massemprequealguémperguntava,eletinhaque repeti-lo mil vezes, e, ainda assim, a pessoa achava que era “Gary”.Então,porfim,desistiueadotouonovonome.Eleseviroudecostasecomeçouaprepararomeucappuccino.Quando

acabou,meserviu.—Nãoprecisapagar— insistiuquando tenteientregar-lheduas libras

emmoedas.—Epodelevaressedocinho,também.Umpresentinhomeu.—Presentinho?—perguntei,assustada.Eleficoucompenademim.Era

a única explicação. — Não, não, você tem que aceitar o dinheiro, Gary.Tome...Maseleergueuamão.Episcou.Sementenderoqueestavaacontecendo,

eumevireiparaverparaquemelepiscava.Masnãohavianinguématrásdemim.E,quandoolheiparaele,piscounovamente.

—Porcontadacasa—disse,emtomfirme.—Émesmo?—perguntei,surpresa.—É. Por terdeixadomeudiamaisbonito.—Deixadoodiadelemais

bonito?Peloquemeconsta,eununcadeixeiodiadeninguémmaisbonito.Gary abriu um enorme sorriso e eumais oumenos consegui retribuir ogesto,antesdemevirar,hesitante,esair.—Voudeixaroseudiamaisbonitosemederumcroissantdegraça.—

Ouviumamulherdizendoquandoabriaporta.— Meu dia já está bonito, obrigado. — Ouvi Gary respondendo de

maneirarude.—E,secontinuarsorrindoassim,façovocêpagaremdobro.Andando com certa dificuldade, desci a rua, em direção a Milton

Advertising.Quandomeaproximeidaporta,ocelulartocou;passeiocaféeodoceparaamãoesquerda,parapegarocelular,eviquealigaçãoeradecasa.—Alô?—Me esqueci de dizer,mantenha a cabeça erguida. Você sempre olha

paraochão.Nãofaçaisso.—Vocênãodeveriaestarprocurandoempregohoje?—pergunteicom

umsuspiro.—Evouprocurar—admitiuHelen,rapidamente.—Masvocêéminha

prioridade.—Bem,obrigada.Voumanteracabeçaerguidasevocêtrabalharnoseu

currículo.—Sevocêfizertudodireitinho,nãovouprecisardeemprego.Vocêserá

milionáriaeeupossosersuaamigaremunerada—disseela.— Tchau, Helen. — Guardei o telefone no bolso. Nesse momento, vi

Anthony pela porta de vidro. Ele estava saindo. No mesmo instante,comeceiaficarnervosa.Todadesajeitada,empurreiaportaparaabri-la,masAnthonyapuxouao

mesmo tempo, e, emvezdeentrarde cabeçaerguida, caíparaa frenteeesbarreinele.Imediatamentemerecompus,masasminhaspernas,quenãosabiam se equilibrar em saltos com a espessura de um alfinete, sedesequilibraram. Quando tentei me agarrar em alguma coisa, qualquercoisa,paranãocair,solteiocopo,quecaiunochão,comoemslowmotion,bem na frente de Anthony, espirrando café nos sapatos dele e quasesujandosuacalça.Euteriacaídoigualzinho,também,seelenãotivessemesegurado.—Porra!Querdizer,ah,meuDeus.Desculpe—exclamei,todoosangue

seesvaindodomeurosto.

Anthonyme olhou por ummomento, seus olhos azuis um poucomaisarregalados que o normal, com uma expressão assustada. Então sorriu eestendeuamão,ajudando-meamerecompor.—Jessica.Sente-semelhorhoje?—Sim.Obrigada—respondigaguejando.—Edesculpe.Sobreocafé.—Nãotemproblema—disseele,aindasorrindo.—Foiculpaminha.A

propósito,belosapato.Énovo?Sentindo-me insegura, respondi com um gesto afirmativo de cabeça,

enquantoelemantinhaaportaabertaparamim.—Bem,atélogo—disseelecomumapiscadela,eseafastoucompassos

largosefirmes,deixando-meperplexa.Sapato?Porqueéqueelegostoudomeusapato?

—Jess?Quandochegueiàminhamesa,Marciamelançouumolharespantado.—Oi,Marcia.—Larguei-menacadeiraeligueiocomputador.—Vocêfez...vocêfezalgumacoisa.—Elameolhavacomardesconfiado.—Sócorteiocabelo.—Quando,ontem?Penseiquevocêestivessedoente.Meurostocorou.—Agarotaque...divideoapartamentocomigoocortou.Parameanimar

—menti.Marciafranziuatesta.—Agarotaquedivideoapartamentocomvocê?Concordei,esperandoqueelanãofizessemaisperguntas.Porsorte,ela

precisoupegarumapastadoarquivo.— Então imagino que você esteja melhor. Não vai ter mais nenhum

desmaioparachamaratenção?—perguntoueladeformamaliciosa.Fizsimcomacabeçadenovo,verificandosemeutelefoneestavaseguro,

nomeubolso.—Estouótima.—Quebom.—Elasuspirouereclinou-senacadeira.—Sabeacontado

Jarvis?Tireiossapatos.— Claro. O banco.— Jarvis era uma conta nova da agência, que tinha

ficado a cargo de Marcia, apesar de seus protestos de que não entendianadasobrefinanças.— Issomesmo.Équeprecisodeumaapresentação emPowerPoint—

explicouela.—Ecomovocêéboanisso...Poderiameajudar?Olheiparaelacomarrogância.— Marcia, já expliquei a você como se usa o PowerPoint. É muito

simples...Elasorriu.—Eusei,eusei.Masvocêfazmuitomelhor.Eusópenseique,comovocê

passouodiaforaontem,poderiamedarumamãozinha...— Tudo bem— concordei com um suspiro e peguei a pasta.— Para

quandovocêprecisadaapresentação?Elaestremeceu.—Paraàsdezhorasdamanhã.—Amanhã?—Hoje.—Hoje?Querdizer...daqui...aumahora.— Pois é — admitiu Marcia com cara de cachorrinho perdido. — Eu

deveria ter feito isso antes,masestava tãoocupada.Querdizer,eu estoupara cortarmeu cabelo há várias semanas...— acrescentou, me olhandocom ar confiante, o que me deixou sem graça. Eu sabia que o corte decabelonãoeraumaboaideia.—Podedeixar—prometi,comcalma.—Vouveroquepossofazer.— Obrigada, Jess. Você é o máximo. — Marcia deu uma piscadela,

esperouqueeuretribuísseosorrisoepegouo telefone.—Alô,éaNET-A-PORTER?Ah,sim,euqueriauma informaçãosobreumvestidoMarc Jacobsquevi...Abri a pasta. Dentro dela havia uma especificação de vinte páginas da

Jarvis Private Banking, cujo objetivo era lançar um novo fundo deinvestimento no mercado, especificamente voltado para mulheres, emespecial jovens profissionais que nunca aplicaram em fundos deinvestimento.Oclienteesperavaqueaagênciadepublicidadecriasseumnome, umamarca eum conceitoque fizesseo investimentoparecer algodivertido,novo,desejáveleatraente.Anexoàespecificação,haviaduasfolhasdetamanhoA4,naqualMarcia

tinhafeitoalgumasanotaçõespoucolegíveis.

ChesterRydall,diretor-geral.DeNovaYork.Executivoelegante.Clienteimportante,precisadevalorização.Mulher— jovem. Cores? Logo? Cores vibrantes, nada de aparência

baratanembrega.Coisacara.Desejável?Como...?Mercadodeorgânicos—descobriroqueécouve-galega??Livrodosanjos.Seráqueeutenhoumanjodaguarda?Possocontarcomele?Liquidação,KensingtonChurchStreet.Sábado.Meio-dia.NÃOPOSSOESQUECER!!!

Naoutrapágina,elatinhafeito,demaneiramuitoútil,umalistadecomprasdetodasascoisasqueesperavaadquirirnaliquidação,inclusiveumacalçapretaeumvestidodefestaquecombinassecomasuabolsanova.Litudocomatenção.Nãosetratavadenenhumaanotaçãodeestratégia

paraacampanha.Passavalonge.Seráqueeraumaespéciedepiadaqueeunãoentendi?—Trabalhandomuito?—Levanteiacabeça,viAnthonydebruçar-sena

minha mesa e logo fechei a pasta. — Achei que um desses cairia bem,considerandoqueooutrofoi...derramado.Apropósito,desculpepeloqueaconteceu.Elepousouumcopodecafédiantedemimeeuofitei,espantada.—Você...vocêtrouxecaféparamim?—Eunãosabiacomovocêgostava—continuouele,tranquilamente.—

Entãotrouxeumpoucodeaçúcar.—Açúcar— repeti, confusa. AnthonyMilton acabara demepagar um

café.Eraalgosimplesmente...inesperado.—Ótimo.Esperoquevocênãoseincomode.— Incomodar? Não, claro que não— consegui dizer, e ele sorriu. Na

mesmahora,Marciasurgiuaoladodele.— Anthony — disse ela em tom de reprovação, jogando charme. —

Jessicatemmuitotrabalhoa fazer.Epreciso falarcomvocêarespeitodacontaChesterRydall.Ele se virou e eu aproveitei paraolhar,maisumavez, as anotaçõesde

Marcia.—Claro—disseele.—Naminhasala?— Perfeito. — Marcia sorriu e se levantou, ajeitando a saia num

movimentofluido.—Vocêjávai?—pergunteiaela.—Sóumacoisinha...achoquevocême

deuasanotaçõeserradas.

—Anotaçõeserradas?—Paraaapresentação.Nãotemasinformaçõesdequepreciso.—Estátudoaí—retrucouela,irritada,antesdedispararoutrosorrisoa

Anthony.—Olha,tenteserumpoucocriativa,estábem?Afinal,essaéumaagênciadepublicidade.—Sercriativa?—perguntei,arqueandoumasobrancelha.—Tudobem,

mas... tem certeza de que é a pasta certa? Ou você quer que eu faça aapresentaçãobaseadasónaspecqueoclientenosdeu?Marciaolhouparaapastanaminhamesa.— Olha, essa é a pasta certa. E por que alguém iria querer uma

apresentaçãobaseadaemumaspecqueoclientejádeu?Tenhoumascoisasimportantes para resolver com Anthony, portanto agradeceria se vocêfizesseumaapresentaçãoconformeeupedi.Certo?— Certo — concordei, com um suspiro. — Tudo bem, então vou só

digitar.—Obrigada, Jess.—Marciame ofereceu umdoce sorriso, antes de se

afastar.—Perfeito.Eadoreiseucabelo.Ficoumuitobememvocê.

Às nove e cinquenta, Marcia estava de volta à sua mesa e eu tinhaconseguidofazerseisslides,emumdosquais,paraminhavergonha,seliaCORESVIBRANTES,NADADEAPARÊNCIABARATANEMBREGA.Euestremeci,imaginandoa cara deMarcia quando o slide fosse projetado diante de um grupo debanqueirossérios.Masnãoseriaproblemameu.Entãoverifiqueisehaviaerros de ortografia uma última vez, tentando não dar muita atenção àapresentação,salveiodocumentoeenvieiparaela,pore-mail.Emseguida,volteiaomeutrabalho.Porém, dois minutos depois, ela apareceu diante da minha mesa,

totalmentepálida.—Éisso?—perguntou,fitandohorrorizadaafolhaA4quecontinhaos

seisslides.Eumelimiteiafazerummovimentopositivocomacabeça.— Mas não há nada aqui! — exclamou ela, com a voz praticamente

inaudível.—Aapresentaçãoédaquiadezminutos.Paraodiretor-geraldaJarvis. Isto não é uma apresentação. É... é um piada! Jessica, pensei quepudesseconfiaremvocêparafazerisso.Euestavacontandocomvocê.Comamaiorcalma,pegueiasanotaçõesqueelahaviamedado.— Marcia, essas são as anotações que você me deu. Eu as usei

rigorosamente.

Marcia pegou as folhas e examinou-as. Então pousou amão naminhamesaparaseapoiar.—Putaquepariu.Quesaco!Nãoeramessasanotações.Issoera...—Os

seus olhos estavam fixos no final da segunda página, a parte onde elacomeçaraaescreveralistadecompras.—Issoéapenas...É... issoeraumesboço...—Eentão,Marcia?Prontaparaareunião?Anthonyme falouquevocê

está confiante em relação a essa campanha. Há algo que você queiracompartilharcomigo?Marciaeeuerguemososolhos,aomesmotempo,edemosdecaracom

Max bem atrás de nós. Ela empalideceu. Fiquei vermelha, o que sempreaconteciaquandoMaxseaproximava,conformeeujáhavianotado.Estavaatépensandoemprocurartratamentoparaesseproblema.—Não,não,estátudocerto—respondeuela,demonstrandoocontrário.

Então olhou para mim, com uma expressão estranha. — Para falar averdade, Max, eu acho que talvez Jessica devesse estar presente nessareunião.Querdizer,participardessareunião.Olheiparaela,surpresa.Elanuncameconvidaraparanenhumadassuas

reuniões.—Boaideia.Apropósito,ondeelaestá?Elaveiohoje?Euoencareiirritadaeforceiumsorriso.—Muitoengraçado.Maxsevirouparamimcomardeespanto.—Jess?—Entãoseaproximouemeobservoucomatenção.—Caramba.

Évocê!Oqueaconteceu?Oquevocêfeznocabelo?—Elacortou—respondeuMarcia.—Ecomprouroupasnovastambém.

Impressionante como conseguiu arranjar tempo para tanta coisa,considerando-sequepassoumalontem.— Pensei que você fosse uma nova estagiária — disse Max, ainda

surpreso,semprestaratençãoaosarcasmodeMarcia.Forceiumsorriso.—Não,soueu.Ele me olhou por alguns segundos, como se quisesse confirmar que

estavadiantedemimenãodeoutrapessoa.—Enfim,oquevocêacha,Max?—insistiuMarcia.—DocabelodaJess?Gostei.Querdizer,éprecisoumtempinhoparase

acostumarcom...—Oquevocêachadeelaparticiparda reunião?—perguntouMarcia,

sempaciência.

Maxestremeceu.—Ah,sim.Claro.Bem,achoumaótimaideia.Vocêquer,Jess?—Claro.Achoqueseriamuitoútil...— Perfeito— interrompeu-meMarcia.— Porque Jess tem trabalhado

muitocomigonessacampanhaeseriaumagrandeoportunidadeparaelafazeraapresentaçãoinicial.Preciseide alguns segundospara registraroqueMarcia tinhaacabado

dedizer.—Não...Eu...Eunãoposso...—gaguejei.—Éclaroquepode.Querodizer,vocêpraticamentearedigiu—afirmou

Marcia,evitandoomeuolhar.—Não!Nãorediginada...—retruquei,horrorizada.—Ótimaideia!—concordouMax,comtranquilidade,ignorandoosmeus

protestos.—VousóconfirmarcomAnthony,maseuparticularmenteachoque Jessica é mais que bem-vinda na equipe. Vejo vocês daqui a pouco,então.Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele desapareceu.

Imediatamente,mevireiparaMarcia,furiosa.—Nãopossofazeressaapresentação!—protestei.—Nãoexistesequer

uma apresentação. E você sabemuito bem que eu não consigo falar empúblico.Marcia,vocênãopodefazerissocomigo.Marciaseguroumeusombros.—Oqueéisso,Jess?Vocêvivemepedindoumaoportunidadeparauma

participaçãomaisativa;essaéasuachance.— Mas não posso fazer essa apresentação. Isso não é nem uma

apresentação.Éummontedebobagem!— Eu sei — disse Marcia, ajeitando a postura. — Mas a culpa não é

minha. Foi você que fez, Jess. Você tem que assumir uma parcela deresponsabilidade.—Eu?Sófizumfavoravocê.Nãotenhonadaavercom...— Olha, essa é a sua primeira apresentação — interrompeu Marcia,

impassível.—Seforumamerda,todomundovaiatribuirodesastreàsuainexperiência.Vouseraprimeiraadefendervocê.Nãosepreocupe.Masseeufizerbesteira...—Elasuspirou,comardramático.—Maxjáestáloucopara arranjar uma oportunidade para me ferrar. Ele usará qualquerdesculpaparamemandarembora.—Vocênãoserádespedida—retruquei,desesperada.—Maseusim,se

apresentarisso.Marcia,nãodá.Realmentenãodá.Vocêvaiterdefazer.—Nãovou—repetiuMarcia,enfatizandoanegativacomumgestode

cabeça.—Dejeitonenhum.Portanto,seeufossevocê,começariaatreinaragora.Certo?—Elaesboçouumsorrisoevoltouàsuamesa.Quantoamim,pelasegundavezessasemana,preferiaestarmorta.

Capítulo7

Entreinasaladereuniãocomaspernasbambas—enãoeraporcausadosaltoalto.Nomesmoinstante,Maxveionaminhadireção.A maioria das pessoas evitava Max sempre que possível; todos o

consideravamumworkaholicobsessivosemnenhumsensodehumor,masisso não era verdade. Quando ele sorria, o que de fato não era muitocomum,seurostoseiluminava,seusolhosficavamtãoespremidosquemaldavaparavê-los,eeraimpossívelnãosorrirtambém.Nãoqueeugostassedele ou algo assim. Quer dizer, é claro que eu gostava dele. Mas comocolega.E,dequalquermaneira,elecertamentenãoestavainteressadoemmim.Maxnãoestavainteressadoemninguém.— Primeira apresentação, hein!— Ele sorriu, o que normalmenteme

faria sentirmelhor,mas aquela situação não era normal.— Já estava nahora.—Pois é— eu disse, tentandome acalmar.—Qual deles é o Chester

Rydall?Maxapontouparaumhomemdecabelogrisalhoepelebronzeadaque

conversavacomAnthony.Elepareciateracabadodesairdeumiate.Aoseuredor, todos estavam alvoroçados: ofereciam-lhe café, suco de laranja,perguntavam se ele queria comer alguma coisa. Apenas Anthony e Maxpareciamtranquilosdiantedaquelegigantedomundofinanceiro.—Max!VenhaconhecerChesterRydall—convidouAnthony,surgindo

aonossolado.—Sim.Jesstambémdeveriaconhecê-lo—sugeriuMaximediatamente.

—Afinal,elavaifazeraapresentaçãohoje.—Claro!—concordouAnthonycomardesimpatia.Eraasegundavez

que ele sorria paramim naquele dia, e eume senti desconcertada.— Àpropósito, adorei o cabelo — sussurrou ele. — Combina com você. —Fiqueisurpresa,masantesqueeupudessedizerqualquercoisa,elejáhaviase dirigido a Chester. — Chester, este é Max, meu assistente. E esta éJessica.JessicaWild.—Anthony,possodarumapalavrinhacomvocê?—perguntouMarcia

aparecendoaoladodele,derepente,comumsorrisofingido.

—Claro. Semproblema—assentiuAnthony edesapareceu, deixando-mecomMaxeChester.—JessicaWild—disseChester,cumprimentando-mecomumapertode

mão.—Lindonome.Evocêtrabalhanessaagênciahámuitotempo?—Hmm,fazumtempinho—conseguidizer.—Algunsanos.—Jesséumadasnossasmelhoresdoatendimento—afirmouMax,com

umaexpressãoséria.Olheiparaele,surpresa.Elenuncatinhaditoaquiloparamim.—Émesmo?Bem,ótimo—observouChesteremtomdesatisfação.—

Nessecaso,estouansiosoparaversuaapresentação,Jess.— A apresentação. Certo.— Senti o coração disparar. Como se já não

bastasseaapresentaçãoestarumdesastre,euaindatinhaquemeesforçarpara corresponder ao alto nível de expectativa. Não poderia estar emsituação pior. Eu já conseguia ver o olhar severo de Max quando euestragassetudo,jápodiasentiropesodesuadecepção.Mas,antesqueeupudessedizerqualquercoisa,pensaremumadesculpa

parasaircorrendodasala,ouatédesmaiarnovamente,Anthonyvoltou.—Bem,pessoal,sãodezequinze.Oqueachamdecomeçarmos?Pronta,

Jess?Sentimeucoraçãobatendonopeitoefizquesimcomacabeça,receosa.Então, ele conduziu Chester até amesa, e sentou ao lado dele. Marcia

sentouaoladodeAnthony,eMaxsentoudefrenteparaeles,comosdoishomensqueacompanhavamChester.SenteiaoladodeMarciaetenteimeacalmar,emborasoubessequeaúnicacoisaquerealmentemeacalmariaseriairemboradalienuncamaisvoltar.—Configureisuaapresentaçãoparaoprojetor—disseMarcia,comum

sorriso,eeusentiumnónagarganta.—Naverdade,nãoéexatamenteminha—esclareci,aonotar todosos

olhosvoltadosparamim.—Eunãotivemuitaparticipação.—Nãosejaboba,Jess,vocêaredigiu—contestouMarciaemtomgentil,

e eu me senti enjoada. Estava sob uma daquelas experiênciasextracorpóreas,observandoasituaçãodoaltoenãodandoamínimaparaofatodeJessicaestarsentada.Todomeuesforçoetodaaminhadedicação,desde o dia que consegui esse emprego, estavam prestes a ir por águaabaixo. Qualquer dignidade que eu tinha conseguido construir estavaprestesaserdestruída.Anthonysemostroupensativoporummomento,entãoabriuumsorriso

paraChester.Algunssegundosdepois,eleselevantoueandouatéajanela.— A Milton Advertising — disse ele, após uma pausa — não é uma

agênciadepropagandaconvencional.Comcerteza,fazemosalgumascoisasconvencionais, mas acreditamos que as fazemos de um modo especial.Quando trabalhamosparaumcliente,ele se tornapartedanossa família,partedaraisond’être, sepreferiremassim.Osseusproblemassãonossosproblemas; seus êxitos, os nossos triunfos. Nós não nos limitamos adesignarumdiretorparaumcliente;nóso integramos.Trabalhamoscomnossosclientes,nãoparaeles.Nãopoupamosesforçosparamelhorarmos;estamos disponíveis sempre que necessário, não apenas quando nossoescritórioestáaberto.Eaorecebermosatarefadedesenvolverumanovamarca,nãopensamos somenteem logos e estilosde fonte.Pensamosemvalores essenciais. Pensamos no que uma companhia representa, no quesuamarcaprecisaexpressar:aosclientes,aosconcorrentes,aosacionistas,aosmeiosdecomunicação,aopúblico...Ajudamosnossoclienteadescobrirquemeleé,suascaracterísticaseseuperfil,eentãonoscertificamosdequetudo que ele faça reflita os seus valores, desde o modo como a suarecepcionista atende o telefone à forma como suas vendas on-line sãoadministradas.Asseguramosumavisãoabrangenteesomoscriteriososemrelação a detalhes. Somos incansáveis, comprometidos, criativos einspirados. Às vezes, podemos dizer coisas que o cliente não quer ouvir,mas preferimos falar a verdade a ele acabar descobrindo por outraspessoas. Em resumo, nós cuidamos do nosso cliente. Profundamente. Evocê verá esse cuidado em tudooque fazemos, desde a apresentaçãodehojeaojeitocomocuidamosdodesenvolvimentodamarca,casocontrateanossaagência.—Nessemomento,AnthonysevirouparaChester.—Oque,sinceramente,esperoqueaconteça.Ospresentespareciamarrebatados.Todososolhares se concentravam

em Anthony. Eu sabia que na verdade ele não tinha dito nada — pelomenosnadasubstancial—,massuaspalavrastinhamprovocadoumefeitoeletrizante. Até eu me peguei pensando que, se estivesse no lugar deChester,contratariaaquelaagência.Em seguida, ele se sentou em silêncio. Ninguém disse uma palavra.

Algunssegundosdepois,Chesterpigarreou,naesperançadeabrirespaçoparaoqueviriaaseguir,mas,mesmoassim,osilênciocontinuouabsoluto.Seria uma tática? Seria parte do procedimento de uma reunião parainquietar o cliente, para mantê-lo na expectativa? Foi quando senti umpontapénotornozelo.LogomevireieviMarciamefitando,irritada.—Aapresentação—sibilouela.—Éasuavez.Apavorei-me.Eutinhaquefazerapiorapresentaçãodomundo,naquele

momento?Depois daquela introdução? Sorrindo totalmente sem jeito, eu

melevanteieMarciaenfiouocontroleremotodoprojetornaminhamão.— Uma boa manhã a todos — eu disse, e quando tentei pigarrear,

comeceiatossirdesesperadamente.Umaboamanhãatodos?Quemaneiraantiquadadesecumprimentar,pareciaumvendedordoséculoXVIII.—Querdizer,bomdia—corrigirapidamente.—SouJessicaWild,ehojevoufalar,em termos gerais, sobre a nossa interpretação a respeito do novoempreendimentodoJarvisPrivateBanking.Abriumenormesorriso,tentandodisfarçaromedohumilhantequefazia

minhaspernastremeremdemaneiradescontrolada.—Vocêestásendomodesta,Jessica—disseAnthony,emtomanimador.

—Tenho certeza de que você temmais do que “em termos gerais” paraapresentaraChestereaosoutrospresentes.Nesseinstante,euempalideci.— Claro. Sim, claro.— A essa altura eu já estava redigindo naminha

mente aminha carta de demissão, e imaginando opções de carreira quepoderiamestardisponíveisparamim.Hesitante,aperteiumbotãonocontroleremoto,eaminhaapresentação

surgiunatela.Euqueriamedeteromáximopossívelnoprimeiroslide—oquecontinhaotítulo—porqueeleera,semdúvida,omelhor;enoinstanteemqueelesaíssedatela,ascoisasiriamsimplesmenterolarladeiraabaixo.— O Jarvis Private Banking — comecei, da maneira mais confiante

possível.Então,olheiparaMax,queestavalendoalistadeclientesdoJarvisPrivate comumaexpressão sériae concentrada.Desvieioolhardenovo.Meucorpointeirotremia,eeucomeceiasuarfrio.Desesperada,tenteimelembrardoqueAnthonytinhadito,buscandopensaremalgoparatornaraapresentaçãoumpoucomenosconstrangedora.Tenteipensaremqualquercoisa que pudesse usar para encher linguiça. — Que... que valoresassociamoscomoJarvisPrivateBanking?—perguntei,apósumapausa,edeixeiaperguntanoarporuminstante.Todosestavammeolhandocomansiedade,emedeicontadequenão faziaamenor ideiadaresposta,ouseja,quevaloreseramaqueles.Então,decidifazeroutrapergunta.“Que valores são essenciais, fundamentais?Eque valoresprecisam ser

estendidosaonovofundodeinvestimento?”Àquela altura, eu estava realmente suando e levei a mão à testa para

limparasgotasdesuorqueinsistiamembrotar.—Qualidade—conseguidizer.—Qualidadee...discrição.Então olhei discretamente na direção de Chester, que parecia meio

confuso.—Qualidade,discriçãoe...luxo—concluí.—Produtosluxuosos,serviço

luxuoso.Paraaquelesquebuscam...luxo.Sorri,masnãofoiumsorrisodefelicidade.Foiumdedesespero.E logo notei a expressão de Marcia. Eu podia jurar que ela sorria de

sarcasmo. Quando percebeu que eu a olhava, assumiu de repente um arsério, mas eu tinha notado seu escárnio. Ela estava, no fundo, achandograçadasituação.Divertindo-seemmeverdepé,aqui, fazendopapeldeboba.Em seguida, apertei um botão no controle remoto e surgiu o segundo

slide.

Parteinteressada:ChesterRydall,diretor-geral.Oquesabemossobreele: nova-iorquino,elegante, apreciadordeartigosdeluxo.

Chesterpareciaesperarque,derepente,eudessearesposta;pareciasaberqueasperguntastinhamcomoobjetivomostraralgoinusitado,emboranãoentendessebemoporquêdessatática.—Esteslideéimportante—eudisse,forçando-meaolharparaChester

com uma expressão séria—, pois, como líder damarca, os seus valoresirão, inevitavelmente,nãoapenasinfluenciar,mastambémdemonstrarosprincipaisvaloresdamarcapropriamentedita.Senósocompreendermos,estaremoscompreendendoamarcaevice-versa.Equandodigo“nós”,nãomerefirosóàMiltonAdvertising,masaomundo,comoumtodo.Acadaminutoeuficavamaistensa.Todososolharesestavamvoltados

paramim,enãodeumjeitolisonjeiro.Chester forçou um sorriso e eu estremeci de novo. Eu estava numa

estrada de mão única, num caminho sem volta. Era como se fosse umcaminhãodesgovernadoemplenarodovia.Tudoquepodiafazereraolharaestradaadianteetentarnãobater.Rapidamente,seguiparaoslideseguinte.

Fundodeinvestimentoparamulheres

—Eeste—anuncieientusiasmada—éoconceitoquedevemosdiscutirhoje.Umfundodeinvestimentodirecionadoparamulheres.Vamospensararespeito,certo?

Todosmefitaramsemexpressão.Pareciaumdaquelespesadelosemquevocê está fazendo uma prova e as perguntas continuammudando assimque você as responde. Ou um daqueles sonhos em que você aparece nobailedaescolaepercebequeseesqueceudesevestir.—Vejambem—eudisse,desesperada,tentandomelembrardedadose

númerosqueconstavamdasespecificaçõesdapastadocliente—,háummilhão de fundos de investimentos. Provavelmente mais. Fundo deinvestimentoéoquenão faltaporaí.Masnãoéalgomuito interessante,nãoé?Masumfundodeinvestimentoparamulheres?Istoédiferente.Istoéalgoespecífico.É...ousado.Inovador.Ultrapassatodasasfronteiras.OuviumresmungovindodapartedasalaondeMarciaestavasentada,e

senti um frio na espinha. Então, me enchi de coragem e passei para oquartoslide.

Perfildousuáriodefundosdeinvestimento:públicodealtarenda,investidoresexigentes

Não era muito, mas pelo menos aquele slide continha mais de quatropalavras. Li o texto, pausadamente, em voz alta. Tudo que eu conseguiaouvir era a voz de Helen ressoando nomeu ouvido, como um papagaio,dizendoqueeueragostosa.Gostosa?MeuDeus,estavaarrependidadetervindo trabalhar hoje. Há poucas horas, lá estava eu, diante do espelho,enquanto Helen tentava decidir qual de suas bolsas eu deveria usar, e odestinoarquitetavaminhatotaldestruição.Naverdade,bolsaeraumtemarecorrentenessahistóriadehorror;alistadecomprasdeMarciacitava,nomínimo,trêsqueelapretendiacomprar.—Destemodo—eudisse,hesitante, lembrandodaprimeiracoisaque

Maxme ensinara sobre publicidade:os clientes sempre esperam que vocêtenha a resposta, mas normalmente eles mesmos a têm. Então continuefazendo perguntas, porque, em algum momento, alguém vai sugerir asolução.—Quantaspessoasnestasalapossuemfundosdeinvestimento?Lentamente,Chestereosseusdoisassessoresergueramasmãos,assim

comAnthonyeMax.Naquele instante, percebi que em poucos segundos eles chamariam a

segurança.— Isso é bem interessante — continuei, respirando fundo. — Todos

homens. Todos de alta renda... — Então percebi que talvez não fosse

apropriadofazerreferênciaàfaixasalarialdoseuclienteempotencialemumareuniãodeprospecçãodecontas.—Etodos...sofisticados.Olhei para Anthony e ele ergueu uma sobrancelha, deixando-me ainda

maisnervosa.Logopasseiaopróximoslide.

Cores? Logo? Cores vibrantes, nada de aparência barata nembrega.

Fiteioslide,sentindoosanguesumirdorosto.Estavatudoacabado.Então,desligueioprojetor.Eutinhaquepedirdesculpasedesistir.Nãohaviamaisnadaadizer,nadaaapresentar.Emseguida,pegueiminhabolsa—querdizer,abolsadeHelen—,ciente

dequetodososolharesseconcentravamemmim,cientedequeemalgunssegundos, aminha carreira naMilton estaria acabada.Quanto ao ProjetoCasamento,medeicontadequeosimplesprojeto“FazerAnthonyVoltaraFalarComigo”jáseriabemdifícil.—Jess?Tudobem?—perguntouMax,preocupado.— Claro que está tudo bem — interveio Anthony, rapidamente. —

Vamos, Jess,nãonos façaesperar.Apostoquevocê temalgonessabolsa,nãoé?Hesitei por um momento. Então pensei: talvez não estivesse tudo

acabado.Anthonynão repararaquehaviaalgoerrado.Eleachavaqueeuiria tirara respostadabolsa, comoummágico tiraocoelhodacartola.Etalvez eu pudesse fazer isso. Helen tinha razão: há ocasiões em que éprecisoiràluta.Topaounãotopa.Eaqueleempregoeramuitoimportanteparamimparaqueeudesistisse.Aopçãoseria“Topa”atéofim.Numgestoproposital,pouseiabolsanamesa.— Desculpe — eu disse, e o silêncio ao redor da mesa tornou-se

desconfortavelmente mais profundo. — Mas nenhum slide conseguiriaatingiroxdaquestão.—Oxdaquestão?—perguntouChester,indeciso.—Exatamente—assenti,decididaque,apartirdali,seriatudoounada.

Eraafundarounadar.Eeuiafazeroquepudesseparaboiar,mesmoqueissosignificassenadarcachorrinho.—Eoxdaquestãoéqueumamulher,em particular a que tem dinheiro suficiente para investir em fundo deinvestimento,provavelmenteiriapreferirgastardinheiroem...

Olhei paraMarcia, emeus olhos foram atraídos para algo no chão, aoladodela.Algofeitodomaismaciocouro.Algoque,eunãotinhadúvidas,haviacustadomaisde300libras.Entãotiveumaideia.—...emumabolsa—concluíemtomfirme.—Umabolsa?—repetiuChester,surpreso.—Issomesmo—confirmei.—Ouumbelopardesapatos.—Emvezdeterumfundodeinvestimento?Fizquesimcomacabeça.Seeufossemedarmal,pelomenosirialutar

atéofim.—Porexemplo,Marcia,quantosparesdesapatovocêtem?—Jessica,nãovouresponder—disseela,olhandoaoredordamesa,a

expressãodesconcertada.—Porfavor,diga—pediuChester.EntãoelaolhouparaAnthony,quefezumgestoafirmativocomacabeça,

esuspirou.—Ah,nãosei.Trinta,talvez.— Incluindo os que você não usa com frequência? — perguntei de

maneirainsistente.Marciasorriu,constrangida.—Certo,talvezunsquarenta.Não,cinquenta.Emtornodisso.—Ebolsas?—pergunteiincisiva.—Quantasbolsas?Marcia parecia desconcertada.Nos últimos dezmeses, eu a tinha visto

usandopelomenosdezbolsasdemarca.—Quinze—respondeuela, dandodeombros.—Vinte.Quediferença

faz?Estamosfalandosobrefundosdeinvestimento,lembraJessica?—Cinquentaparesdesapatosevintebolsas.Preçomédiodecadaitem:

300 libras. Isso soma...—Fiz o cálculo, sem saberquantos zerosdeveriaacrescentar... — Vinte e uma mil libras! Vinte e uma mil libras quepoderiam ter sido depositadas em um fundo de investimento, mas essefundoteriaquefazercomqueelasentisseamesmasatisfaçãoquesenteaocomprarumnovopardesapatosouumabolsanova.—Vinteeumamillibrasem...emacessórios!—disseChester,anotando

osdadosemumpedaçodepapel.—Eissoénormal?—Claro—respondi,confiante,pensandonoguarda-roupadeHelen.—

Algumas mulheres não dispõem de um orçamento assim, naturalmente,masaproporçãoemrelaçãoaosalárioserásemelhante.—Émesmo?Entãocomopodemosfazerisso?Comopodemosfazerum

fundode investimentoser tãodesejávelquantoumabolsa?—perguntouChester,inclinando-separaafrente,comacanetanamão.Anthonysorriu,

esentimeusombrosrelaxarem.—Bem—eudisse,tentandoganhartempo.Derepente,melembreido

artigodaVoguequeeutinhalidonosalão,enquantoPedromexianomeucabelocomosepreparasseumfrangoparaoalmoçodedomingo.Oartigofalavasobrepeças-chavedaestação,artigosquetinhamimensas listasdeespera, itenspelosquaisalgumasmulheres, fanáticaspormoda, lutariam.Na hora, tinha ficado espantada ao descobrir que havia gente disposta apagarmaisdemillibrasporumsuéterverde,masagoraissomedavaboasideias.—Apenasexplicarosbenefícioseopotencialderentabilidadenãovai adiantar, não é? Porque todos os fundos fazem isso, e Marcia aindapreferegastarseudinheiroembolsas.AnthonyriueMarciafezumacareta;issoeratudoqueeuprecisavapara

mesentirencorajada.Então,fuiemfrente,metranquilizandoeacertandoopasso.—Paraqueum fundode investimento se torneumobjetodedesejo e

algotãoatraentequantoumabolsa,eleprecisaserumitemdifícildeobter,oquesignifica ter listadeespera.Eleprecisaoferecerbenefíciosvisíveis,talvez uma bolsa de edição limitada oferecida gratuitamente quando amulher aderir ao investimento, de maneira que outras que saibamreconhecerovalordetalitempossamidentificá-loeissosetransformeemumtipodeclubeprivativo.Temquesercaro,uminvestimentomínimode...nãosei,2millibraspormêsoualgoassim,paraqueoacessosejarestrito.Éimportantequeas clientesnão sejamchamadasde “clientes”mas simde“sócias”, para que tenham a sensação de propriedade. E não seriainteressante concentrar anúncios em revistas de finanças; é melhoranunciarnaspáginasdaVogueedaHarper’sBazaar.TambéméimportantequealgumascelebridadesadquiramofundoemencionemsuaadesãoementrevistasnaHello!Magazine.Respirei fundo e olhei paraChester. Peloquepareceuumaeternidade,

elenãodisseumapalavra;apenasolhouparaasanotaçõesquetinhafeitoecoçouacabeça.Entãovirou-separamim.—Adorei.Olheiparaele,insegura.—É...mesmo?—Realmenteadorei—repetiuele.—Vocêconseguiuchegarao...como

é mesmo que você chamou mesmo? O x da questão? Isso mesmo, vocêchegou ao x da questão de forma sucinta. Você está certíssima, umaapresentação formal de slides não teria nada a ver com o que foidemonstrado aqui. Tenho que reconhecer o mérito da sua agência,

Anthony. Esta foi uma apresentação espetacular. Inovadora. Diferente.Fiqueimeioconfusoporalgumtempo,masachoquefoiissoquevocêquisdizer quando afirmou que esta não era uma agência de propagandaconvencional. Certamente, o que acabei de ver não teve nada deconvencional.Comecei a ficar intrigada. Quer dizer que ele tinha adorado a minha

ideia?—Éclaroquenãotevenadadeconvencional—disseAnthony,piscando

paramim, o quedeixouMarciadesconfiada.— Jess, estamosorgulhosos.Obrigado.OlheiparaMaxparaverseeletambémsorria,semeolhavacomorgulho,

maselefitavaamesaeeufiqueidesanimada.—Obrigada—forcei-meadizer,easpalavrasmesoaramestranhas.—

Estoumuitocontentequetenhamgostado.EntãopercebiqueMarciameobservava,comumsorrisofixonorosto.—Tudo issoparecemuitobom—disseela.—Masequantoàmarca?

Penseiquefôssemosabrangeressedetalhetambém,Jess.—Eeupossoapostarqueelaseencarregoudisso—afirmouAnthony

em tomencorajador, os olhosbrilhando.De repente, elenãomepareceutão sem graça. Ele era de fato bastante atraente. Do tipo loiro, de olhosazuis.—Oquevocêdecidiuemrelaçãoàmarca,Jess?Estremeci.—Bem,amarcaprecisarefletiresses...essesvalorese...e...aspirações.—Equaisseriam?—perguntouMarcia,demaneiraincisiva.—Pensei que você soubesse,Marcia— eu disse da formamaismeiga

possível. — Os valores são: luxo, fazer parte de um grupo seleto eexclusividade.—Exatamente—concordouChester,satisfeito.—Equantoàidentidadevisual,Jess?—perguntouMaxderepente.—Eu...—Quandoolheiparaele,noteiaaprovaçãoemseurostoesenti

umaondade felicidade invadirmeucorpo.EntãomevolteinadireçãodeAnthony,quesorriadeorelhaaorelha.—Acheiqueosímbolopoderiaseruma bolsa — respondi tranquilamente, como se tivesse passado umasemaname preparando para aquilo.— Ou um par de sapatos. Algo quedigaaoshomensqueaquelenãoéumclubeparaeles.Chesteraindameencaravacomoseesperassemais,porissodecidiirem

frente.—Poderiaterumafrasequeserelacionassecomalogo—acrescentei,

olhando para Anthonymais uma vez, seu sorriso confianteme deixando

mais segura.—Algo como: “Combina com tudo” ou “Deixa vocêmais noaltoquequalquersapato”.—Combinacomtudo.Issoestáficandocadavezmelhor—disseChester,

aoselevantar.—Bem,euadorei.Infelizmentenãopossoficarmais,tenhooutrareunião.Masvouentraremcontato.Achoqueessaideiavaidarcerto—acrescentou,olhandoparamim.—JessicaWild,nãoé?—perguntou.—Foiumprazerconhecê-la.Émuitobomtê-lanonossotime.Emseguida,eleeosseussóciosseretiraram.—Marcia,vocêpoderiaacompanharoSr.Chesteratéaporta?—pediu

Anthony, ao que ela ameaçou contestar, desistindo logo em seguida, epraticamentecorrendoparaforadasala.Depois,eleseaproximoudemim,dando-meumenormeabraço.—Conseguimosa contado JarvisPrivateBanking! JessicaWild, vocêé

umtrunfoparaestaagência.—Eu?—pergunteisemfôlego.—Issomesmo,você—confirmouele.Entãodeuumtapinhanascostas

de Max.— Jarvis Private Banking— disse, com um gesto afirmativo decabeça.—Nãosetrataapenasdeumaempresadeprimeira linha.Éumaempresa de destaque entre as de primeira linha. Pense nos lucros!Acabaram-se os problemas, Max. De agora em diante, tudo vai ser maisfácil.—Assimespero—resignou-seMax,recolhendoseuspapéis.—Notodo,

podemosdizerquefoiumbomtrabalho.Anthonyfezumaexpressãodeimpaciência.—Foiumtrabalhobrilhante—corrigiu,virando-separamim.—Bolsas,

hein?Vocêestavainspirada!Quantaperspicácia.Etodaaquelaencenaçãoesuspense no início; simplesmente fantástico. Estratégia arriscada, masacertouemcheio.Ficamostodosintrigados,nãoé,Max?Elemeolhavaradiante,comosefosseumapiadainternaquesónósdois

conhecêssemos.— Com certeza— assentiuMax, embora não estivessemais sorrindo.

Entãomevireiparaeleesperandoumelogio,mas,emvezdisso,eleevitouomeuolharecaminhouemdireçãoàporta.Anthony,poroutrolado,nãoparavademeparabenizar.— Nossa nova melhor analista sênior — disse, no momento em que

Marcia reapareceu. Ela abriu um enorme sorriso, mas a sua expressãomudouquandosedeucontadequeelenãosereferiaaela.—Eparabéns,Marcia,porsugerirque Jess fizesseaapresentação—acrescentouele.—Foiumasacadasensacional.

Marciadeuumsorrisoforçado.—Bem,éverdade—disseela,apósumapausa.—Acheiqueseriauma

boaideia.Etenhocertezadequeelavaimeajudarmuitocomestaconta.—Você ainda...Querdizer... você ainda é a responsável pela conta?—

perguntei,semmecontrolar.—Éclaro—respondeuela.—Afinal,acampanhaéminha.— Pensei ter ouvido você dizer que Jess a tinha redigido— retrucou

Max,aosedeterdiantedaporta,comumsorrisoirônico.—Bem,redigiu,querdizer,tecnicamentejuntouaspartes,mascontinua

sendominhaconta.Nãoé,Anthony?Anthonyolhouparaelaporummomentoedepoisparamim.—Bem—disse,comarpensativo—,seJessredigiuacampanha,nada

maislógicoqueelaassumaaconta,nãoé?—Émesmo?—perguntei,radiante.Nossa!EuestavaadorandoAnthony.

Nãoadorartipo“querocasarcomele”.Ah,nãoimporta!Atécasarcomelecomeçavaaparecerumaboaideia.—Eu,responsávelpelacontadoJarvisPrivateBanking?Estáfalandosério?—Claroqueestou—respondeuele,imediatamente.—ProjetoBolsa.O

queacha,Marcia?Significaquevocênãovaimaisprecisaradministrara...comoémesmoquevocêchamavaessaconta?Umacontachataetécnicadeserviçosbancários?Pronto.Euestavaapaixonada.Marciaficouemestadodechoque.—ProjetoBolsa?—perguntouela,forçandoumsorriso.—Issonãotem

muito a ver com serviços bancários, não é? Quer dizer, pelo menos nãomais.—Exatamente,desdequeanossaestrela,JessicaWild,colocouasmãos

nacampanha!—retrucouAnthony.—Entãoestá tudoacertado.E tenhocertezadequevocêpodeajudarJess,seelaprecisar.Certo,Marcia?—Claro!Bem,sevocêachaqueéacoisacertaafazer,então,sim.Claro!—Nadacomotrabalhoemequipe,nãoémesmo?—observouele,dando

umapiscadela.Marciaeeusorrimos,eeladisse:—Issomesmo.Trabalhoemequipe.

Capítulo8

—Eaí?—perguntouHelen,esperandopormimnaportadecasa.—Eaíoquê?—indagueiemtomdeindiferença.—Oqueaconteceu?Faloucomele?Elenotouoseucabelo?Entãoabriumenormesorriso.—Helen,hojefoiomelhordiadaminhavida.Vougerenciarumaconta

importante!FizumaapresentaçãoparaChesterRydall,diretor-geraldeumenormebanco, e poderia ter sido o piormomento de toda aminha vida,masaíeupenseinasuabolsaetiveváriasideias.Eagorasouaresponsávelpelaconta.EAnthonydissequeeueraumadasmelhoresanalistassenioresdaagência.Helenpareceuconfusa.—Eledisseisso?Entãoaabraceie,enquantotiravaocasaco,contei-lhetudo.—Foiomelhordiadaminhavida—repeti,feliz.—E,senãofossepor

você,eununcateriapensadoemnadadaquilo.—Gerenciarumaconta—repetiuHelensememoção.—Sim,edaí?Isso

significaumsaláriomaisalto?—Muitomais.Pelomenos10millibrasamaisporano.—Uau!Entãoissorealmentefazdiferença.—Muita—concordei,mas logo fiqueiconfusa,quandoelamedeuum

tapanatesta.—Omesmoque4milhões?—Helen,issoéalgoconcreto,nãoumplanolouco—retruquei,séria.—

Virarsêniorsignificaestabilidadeparaorestodavida.—OProjetoCasamentonãoénenhumplanolouco,Jess.Esevocêherdar

4milhõesdelibras,acredite,suasituaçãoserábemmaisestável.— Tudo bem. Não precisa ficar feliz por mim. Nem ligo — disse,

impaciente.—Euestou feliz.Masmeconteoquerolounapausaparaocafezinho.

FalemaisdeAnthony.—Anthony?—repeti,umpequenosorrisoseformandoemmeuslábios.

— Bem, foi ele quem me deixou responsável pela conta. E ele foi

maravilhoso, também; quer dizer, ele realmente sabe como encantar umcliente.—Não estou interessada na conta—disseHelen, com ar de tédio.—

FalesobrevocêeAnthony.OProjetoCasamento.—Ah, certo.—Aquelahistóriade estar apaixonadapareciaumpouco

infantilagora,maspercebiqueeudeviaalgoaHelen.—Bem...—Sim?—disseHelen,inquieta.—Elecomproucaféparamim!—conteiemtomdetriunfo.—Edisse

quegostoudomeusapato.Edomeucabelo.—Jura?—perguntouHelen,empolgada.—Émesmo?— É. E também sorriu muito— acrescentei, olhando para Helen, que

pareciamaiscalma.—Alguémmaisnotouoseucabelo?—perguntouela.—Todomundo.Maxnemmereconheceu.EMarciaquissaberquemera

omeucabeleireiro.—Vocênãocontouaela,nãoé?—questionouelaacusatoriamente.—

Pedroémeusegredo.—Eudissequevocêtinhafeitoocorteeasluzes.—Eu?—perguntouela,rindo.—Eelaacreditou?— Acho que qualquer hora dessas ela vai telefonar para marcar uma

horacomvocê.—Ótimo.Elaéinimiga.Voutosarocabelodela.—Écomoeu falei—acrescentei, recostando-menobalcão,ao ladode

Helen.—Foiumdiabom.Umdiaótimo.—Perfeito—disse ela comum suspiro.—Mas você precisa ter foco,

Jess. O principal não é o trabalho, é fazer comqueAnthonyMilton fiqueperdidamenteapaixonadoporvocê.—Eusei.—Entãopegueidoissaquinhosdecháecoloqueiumemcada

xícara.—Masquantomaiseumeesforçaremedestacarnotrabalho,maisAnthony vai gostar de mim. Ele ficou muito empolgado com a minhaapresentação, aopassoqueMaxmal faloucomigodepois—comenteidemaneiracasual,enquantoferviaaágua.—Elenãosorriunemumavez.—Não?Edaí?PorquevocêsepreocupacomoqueMaxpensa?—Nãomepreocupo—retruqueinamesmahora.—Nãomepreocupo,

mesmo.—Aindabem,porquevocêtemqueseconcentraremAnthony.—Eusei.Nesseinstante,otelefonetocou,eHelenpraticamentesejogouemcima

doaparelho.

—Alô?Ah,sim.Sóummomento.Elapassouotelefoneparamim,fazendoumacareta,eatendialigação.—Alô?—Sra.Milton?ÉRobertTaylor.DaTayloreRudd.—Dr. Taylor.—Meu rosto corou comouma resposta imediata.—Oi.

Comovai?—Ésobreofuneral,Sra.Milton...Querdizer,Sra.Wild.Seránaquarta-

feira à tarde... amanhã, às três horas. Espero que seja um horárioconvenienteparaasenhora.—Ah,ofuneral—repeti,aindamaisnervosa.—Amanhã?Sim,claro.—Que bomque a senhora vai poder ir. Será naAll Saints Church, em

SouthKensington.Asenhorasabeondefica?—Sim.Achoquesim.—Etalvez,sehouvertempodepoisdacerimônia,podemosfalarsobre

osdocumentos.SobreotestamentodeGrace.Engoliemseco.—Certo.É...Bem,não seiquanto tempovoupoder ficar. Sabe comoé,

tenhoquevoltarparaotrabalho.Masvamosver,estábem?—Estábem—concordouoDr.Taylor.Emseguida,desligueiotelefoneevolteiaobalcão.—Merda.Eraele,nãoera?Oadvogado—perguntouHelen,preocupada.

—Eusabia.Assimqueouviavozdele.Deviaterditoquevocênãoestava.—Tudobem.Ele sóqueriadizerqueo enterrodeGrace é amanhã—

expliquei,maiscalma.Helenfezumaexpressãotriste.—Ah,certo.Mordimeuslábios.— Ele também queria saber se poderíamos resolver a questão dos

documentos.—Vocênãopodeir!—replicouela.—Nãopode.Vaiterquepensarem

algumadesculpa.—Eutenhoqueir—contestei,cruzandoosbraços.Derepente,mesenti

desprezível, planejandooProjetoCasamento comHelen, quando a pobreGrace ainda nem tinha sido enterrada. — Algumas coisas são maisimportantesquedinheiro.—Masvaiterqueiremboradoenterro logo—sugeriuHelen.—Tem

queevitarassinarqualquercoisa.—Nãoquero falar sobre issoagora—eudisse, ligandoa televisão.—

NãosepreocupecomoDr.Taylor.Pensareiemalgo.

Capítulo9

PROJETO:CASAMENTODIA4

Pendências:1.Iraofuneral.EvitaroDr.Taylor.Torcerparaqueoinfernonãoseabradiantedemimemesugueparaoseuinterior.

O dia do enterro foi um dia em que tudo deu errado. Começou escuro,sombrio e chuvoso, e, com o passar das horas, foi ficando cada vez pior.ApósumabrevetentativadeflertarcomAnthonytersidofrustradaquandoMaxseaproximouecomeçouafalarsobreempréstimos,desistidepôrempráticaoProjetoCasamentoe,emvezdisso,meconcentreiemiràigrejaeevitarcontatocomoDr.Taylor.AosaltardometrôeverasruasdeSouthKensingtonrepletasdepessoascomguarda-chuvaenquantoachuvacaía,como se vários baldes de água fossem virados aomesmo tempo,me deiconta de uma coisa: eu iria dizer adeus a Grace. E não sabia se estavaprontaparaisso,nãosabiacomoreagiriaaovê-lasendoenterrada.—Ah,Jessica.Quebomvê-la.Quandopasseipelaporta,imediatamentevioDr.Taylorvindonaminha

direção,efiqueitensa.—Oi,Dr.Taylor.Comovai?— Tudo bem — respondeu ele de maneira educada. — Estou muito

contentequeasenhoratenhavindo.Apósumesforço,conseguidarumsorriso.—Eunãopoderiadeixardevir.Dejeitonenhum.— Certo. Precisamos marcar uma reunião para acertar a papelada do

testamento.A senhoravai estar livredepois?Talvezpossamos ir aomeuescritório.—Sabeoqueé...—respondicomcuidado.—Hojenãoéumdiamuito

bom.PercebioDr.Taylormeolharcomardecuriosidadeeengoliemseco.—Nãoéumdiabom?—repetiuele.Suspirei.

—Poisé.Parafalaraverdade,nãoseisequerofalarsobreaherançanomesmodia emque... bem, o senhor sabe...—acrescentei olhandopara oaltar,eoDr.Taylorsorriu.—Ah, entendo.Masacredite.Gracenão se incomodaria com isso.Pelo

contrário,elairiaencorajaressaatitude.—Osenhoracha?—perguntei,hesitante.—Claro.Então,quetalfalarmosmaistarde?— Mais tarde? Bem, talvez. Quer dizer, tenho que voltar ao trabalho,

entãonão,mas...vamosver,estábem?ODr.Taylorsorriu.—Certo.EoSr.Milton?—indagouele.—Oquetemele?—perguntei,ocoraçãodisparado.—Eleveiocomasenhora?Comoéqueeunãopenseinisso?Meumaridodeveriaestaralicomigo.O

Dr.Taylorficariadesconfiado.—OSr.Milton?Ah,não.Não, elenãopôdevir, infelizmente.Negócios,

sabe como é. Ele fica... muito tempo fora de casa — acrescentei, todaatrapalhada.—Entendo—disseoDr.Taylorolhandoparaaminhamãoesquerda.Eu

nãoestavausandoaliança.—Ah,meuDeus.Euvivoesquecendodecolocarasalianças—esclareci,

nervosa, tirando o falso anel de noivado e a aliança do bolso do casaco,ondeeuoshaviaguardadonaquelamanhã,naintençãodecolocá-losantesdofuneral;oque,éóbvio,nãoaconteceu.—Esqueceu de colocar?—perguntou oDr. Taylor, curioso.—Pensei

queaspessoasestivessemsemprecomaaliançanodedo.— É verdade— concordei, tensa.— É claro. Eu também. Só que... fui

lavaralouça.Sabecomoé.—Ah,sim.—ODr.Taylorsorriudeformaamável,eeusequeiumagota

desuordonariz.—Eoseumaridoestálonge?—Está.Trabalhando.Naverdade,éumpesadelo—expliquei,torcendo

para que o Dr. Taylor me deixasse em paz, lamentando que a conversativesseatémesmocomeçado.—Anthonypassamuitotempolongedecasa.Sempreocupado,muitoocupado.ODr.Taylorfezumgestodecompreensão,eentãosorriu.—Vamos?Eleacenouemdireçãoaumbancodaigrejalogoadiante,e,aliviadapor

nãoterdefalarmaisnada,euoseguiemesenteipertodele.Oórgãocomeçouatocar,achoqueeraumamúsicadeBach.Emseguida,

ovigárioapareceuetodosselevantaram.ElefaloualgosobrepazouDeus,e todos se sentaram novamente. Então, quando ele começou a recitar afrase (Queridos irmãos, estamos hojeaqui reunidos)— que abre todas ascerimônias importantes: casamentos, enterros, batizados —, senti quealguém se espremia para se sentar ao meu lado. Virei, aborrecida, poishaviabastanteespaçoemvoltaenãohavianecessidadedesentarali.Entãofiqueiperplexa—Max?Oquevocêestáfazendoaqui?— Só pensei...— Ele apanhou um hinário.— Achei que você poderia

gostardecompanhia.Funeraléumacoisamuitodeprimente,nãoé?—É verdade.Mas você veio até aqui?Você saiu do escritório para vir

aqui?Eledisparou-meumsorrisoenigmático.—Devezemquandoeusaiodoescritório,sabia?Oórgãocomeçoua tocare, antesqueeupudessedizerqualquercoisa,

antes que eu pudesse fazer mais perguntas, todos se levantaram paracantar outro hino. Max também se levantou; imitei o gesto. Estávamosperto um do outro, e podia sentir amanga do paletó dele roçar nomeubraçoenquantolíamososhinários.Meucoraçãocomeçouabateremritmoaceleradoefizopossívelparaignoraraquelasensação.Então decidime concentrar nomais importante naquelemomento, ou

seja, tentar cantar certo.Afinalde contas, eudisseamimmesma, eunãogostava deMax. O objeto domeu desejo era Anthony. Ou ninguém.Mas,com certeza, não eraMax. Emesmo que eu gostasse dele, isso não faziadiferença.Nuncairiarolarnada.Eusabiamuitobemdissoparamedeixarlevarpelaemoção.Deixar-se levarpelaemoçãoeraumaatitudeperigosa.Acabavasempreemsofrimento,solidãoetodootipodeproblema.Euerabemesperta,bem...—Naverdade—sussurrouele—,tenhoummotivoinconfessoparavir

aquihoje.Meuestômagoseembrulhou.—Você...émesmo?—perguntei,ansiosa,olhandonosolhosdele.Elesorriue,quandocomeceiaesboçarumsorriso,acrescentou:—SabeomanualderedaçãoquevocêfezparaMarcia?Parecequeelao

perdeu.Eo clientevai à agênciahoje,portantoprecisamosdeumacópiaurgentemente.Fitei-oporummomento.Entãopigarreeiparaaliviaronónagarganta.

Bem-feitoparamim.Nossa,comoeueraburra.—Vocêpodiatertelefonado—sugeri,tensa.

—Eutentei.Masseutelefonedeveestardesligado.—Ah, sim. Claro— concordei, desconfortável.—Quer dizer que você

precisa domanual de redação. Eu... bem, eumandei para ela por e-mail.Entãoelaaindadeveriater...Maxarqueouassobrancelhas.—Seelaaindao tivesse, eunão teriadevir atéaqui—sussurrouele,

numtomaltoobastanteparaserouvidoacimadasvozesqueentoavamohino.—Temrazão.—Eumesentiumatola;queriacavarumburaconochão

para esconderminha cara.Mas consegui forçar um sorriso.—Desculpe,esqueciqueestávamosfalandodeMarcia.Estánaminhapastadeenviados.Possodaraminhasenhaparavocê,sequiser.—Obrigado,Jess.Vocêéótima.Escreviaminhasenhaemumpedaçodepapeleentreguei-oaMax,queo

guardounobolso.Emseguida,eleapanhouumhinárioecomeçouacantar,emvozalta.—Ele conseguiu dar uma escapada, não é?—perguntou oDr. Taylor,

aproximando-sedemim,parapodersussurrarnomeuouvido.Olheiparaele,confusa.— Hmm, é, acho que sim — confirmei, percebendo, tarde demais, o

significadodoqueeleacabaradedizer.—Mas...Querdizer,elenãoé...—sussurrei,desesperada,masoDr.Taylor tinhavoltadoa cantarenãomeouviu.Então,ohinoterminou,ovigáriofezumaoraçãoecomeçouafalarsobre

Grace. E, aos poucos, esqueci Max ao meu lado, esqueci o Dr. Taylor, otestamentoeaaliança.—Gracerecebeuessenomeacertadamente—disseovigário.—Elaera

uma pessoa dotada de graça, mas também, como qualquer um que aconheciasabiamuitobem,dotadadedeterminaçãoe força.—Elecontouhistórias sobreela;históriasqueeununca tinhaouvidoantes.Falouque,durantemuitos anos, ela havia sido responsável pelos arranjos de floresdaquelaigreja,ecuidavadissotodasemana,semfalta.Emseguida,quandoamarchafúnebrecomeçouatocareocaixãodeGraceapareceunaportadaigreja,eumedepareicomarealidadenuaecrua.Elahaviamorrido,enãovoltaria.MinhaqueridaamigaGracenuncamaismefalariadoprazerdeumbatom coral; nuncamaisme diria que a felicidade estava a umpasso dedistância, era só andar mais um pouquinho para alcançá-la; nunca maisririadasminhashistóriasbobasnemescreveriareceitinhasparamim.Elaestavamorta.Nãoestavadeférias,nemforadacidade.Estavamorta.Eeu

estavasozinha.Comoeusempresoubequeficaria.Agarreiobancoda igrejaàminha frentee senti lágrimas rolarempelo

meurosto.—Vocêestábem?Aomevirar,viMaxolhandoparamim,preocupado.— Estou bem— respondi na hora. — Olha, é melhor você voltar ao

escritório.Paraareunião.Eu não queria a compaixão dele;muitomenos que fingisse que estava

preocupado.—Eupossoficar—disseele,franzindoatesta.—Areuniãoésóàtarde.

Vocênãoquerficarsozinhaemumfuneral,quer?—Talvezqueira—admiti,fungando.—Talvezeuqueiraficarsozinha.—Temcerteza?— Tenho — respondi, no instante em que o hino terminou.

Imediatamente o Dr. Taylor se virou e estendeu amão paraMax, que asacudiumeioindeciso.—Conseguiuterminarlogoosnegócios,nãoé?—sussurrouele,comum

sorriso.—Negócios?—perguntouMax.— Jessica disse que você era muito ocupado e não poderia vir. Eu só

queriadizerqueachoumgestomuitosimpáticodasuaparteviratéaqui.Sentitodoosangueseesvairdorosto;Maxolhouparaele,curioso.—Eladisseisso?— Sim, mas você está aqui agora, isso é o que importa.— Ele sorriu

novamente e sentou, no momento em que o vigário mandou todos seajoelharem.Então,meajoelheinapartealmofadadadobancoeMaximitouogesto.— O que significa isso?— sussurrou ele, quando todos começaram a

rezaroPai-Nosso.— Isso o quê?—perguntei, sem jeito.—Ah, é apenas o advogado de

Grace.Nãoleveemconsideraçãooqueelefala.Eleéumpouco...maluco,euacho.Deveterconfundidovocêcomalguém.—Alguém?Quem?—Quem?—repetivagamente.—Hmm,nãotenhocerteza.Bem...—Eledissequevocêfalouqueeuestavamuitoocupadoparavir.Elenão

podeterinventadoisso.Tenteisorrir.— Ele... ele provavelmente pensou...— Eu estava quebrando a cabeça

para pensar em algo. — Ele provavelmente pensou que você era meu...

namorado.—Namorado?—Isso.Eledeveriavir,sabe?Masnãopôde.EeudisseissoaoDr.Taylor,

portantoachoqueelepensou...—Vocêtemnamorado?—Tenho—respondi,desviandooolharetorcendoparaqueotomde

beterrabaquesurgiranomeurostodesaparecesse.—Ah.Certo.Desculpe,eunãosabia.—Bem,agorasabe.Asoraçõesterminarametodossesentaram,quandoovigáriocomeçou

umadasleituras.—Bem,tenhoqueir—anunciouMax,inclinando-separaafrentepara

apanharoguarda-chuva.—Tudobem—eudisse,tentandonãomesentirdesapontada,dizendoa

mimmesmaqueeramelhorassim.—É.Tenhomuitacoisaparafazer,meprepararparaestareunião,sabe

comoé...—Claro.Podeir.Vouficarbem.—Bem,euvou...atélogo.Ouatéamanhã.Enfim.Emseguida,eleselevantouesaiu.Eumeforceianãoficarolhandoelese

afastar.Afinal,disseamimmesma,asensaçãodevazionomeuestômagonão tinha nada a ver comMax; tinha a ver comGrace. Eu estava emumfuneral,portantoeranaturalsentirumasensaçãodevazio.— Que pena — comentou o Dr. Taylor, balançando a cabeça. — Seu

maridotevequeir,nãoé?Euesperavaconhecê-lomelhor.—Poisé.Umapena.—Entãomevireirapidamente.—Maseleéassim

mesmo—acrescentei,comumsorriso.—Sempreocupado.

Após a cerimônia, não fiquei para as bebidas e os salgadinhos que o Dr.Taylorhavia encomendado—emparteporquenãopoderia arriscar queele trouxesse os documentos necessários para resolver o testamento deGrace e, em parte, porque eu precisava ficar sozinha. Então, fui dar umavoltapelo cemitério epelas ruas adjacentes, olhando tudoaomeu redor,semprestaratençãoemquasenada.Fiquei pensando na promessa que tinha feito a Grace e em todas as

históriasquehaviainventadosobreAnthony,imaginandoqueconselhoelame daria agora, se estivesse viva. Será que elame aconselharia a falar averdade?Ouseráquemediriaparalevarasmentirasadiante?Talvezesse

fosse meu castigo por contar mentiras. É o que vovó teria dito. Ficariaindignadaediriaqueeuhaviarecebidoexatamenteoquemerecia.Grace,entretanto...nãoacreditavaemcastigo.Acreditavaemgente,em

romance,emamor.Elatinhaacreditadoemmim.Semprequeeuduvidavaquepoderiafazeralgo,semprequemeviatentadaajogaratoalha,elameolhava com aqueles olhos brilhantes, e dizia que eu era capaz de fazerqualquer coisa que desejasse, contanto que eu estivesse focada e nãoduvidassedemimmesma.Eelasempreestavacerta.Nofuneraldaminhaavó,nãopenseiqueseriacapazdediscursar—pelomenosnadaque lhefizessejustiça;umafalaquenãofossepontuadaporraiva,recriminaçãoemovidapelanecessidadedesesperadadegritar:nãofoiminhaculpa,nãofoiminhaculpa—,mas,mesmoassim,euconsegui.Quandofuisurpreendidapor suas dívidas, estava certa de que nunca conseguiria pagá-las, que aminhavidaestava,emtodosossentidoseparatodososefeitos,arruinada,masnovamenteGracediscordou.Apertouaminhamãoedisse: “Sabedeumacoisa?Asuaavóeraumamulhermuitoorgulhosa.Elanãopermitiriaquevocêsoubessedasdívidas.Mastinhaorgulhodevocê,também.”Isso me surpreendeu, porque na verdade, eu era uma decepção para

minha avó — embora, até eu aparecer na sua porta, ela nem tivesseconhecimentodaminhaexistência.MasGraceapenas sorriu edisse: “Elanão sabia comodizeravocê,masdisseamim.Elamecontou tudoa seurespeito. Você foimuito elogiadanopianoquando tinha13 anos. Ela atéguardouocertificadoquevocêganhou,sabia?Elaguardoutudo.”E, como numpasse demágica, parei deme preocupar com as dívidas.

Porque eu estava orgulhosa, também. Orgulhosa de poder, finalmente,ajudarvovó,comoelatinhameajudadotodosaquelesanos.E agora... eu queria ajudar Grace. Queria retribuir sua amizade,

compensá-la por tornar o mundo um pouco mais belo. Então peguei ocelularedisqueionúmerodecasa.—Helen?Soueu.Escute.Qualéopróximopasso?

Capítulo10

—Tudobem,entãoprecisamosreforçaroataque.Eranoitedesexta-feira,Heleneeuestávamosemumbarenfumaçado,e

franzi o nariz. Apesar de seguir à risca os conselhos dela por dois dias,usando batom, jogando o cabelo e agindo como o tipo de pessoa quedetestava,eunãohaviaconseguidonemumencontro,quediráumpedidodecasamentodeAnthony.—Tudobem—concordei lentamente.—Maslembre-se:ascoisasnão

acontecemassimtãorápido.—Não espero que se case com Anthony amanhã.Mas você dispõe de

cinquenta dias, e, sintomuito em admitir isso,mas parece que você estádesperdiçandoessetempo.—Não estoudesperdiçando tempo.MasAnthonyquasenunca estáno

escritório.—Quasenunca?Issosignificaqueeleestáláàsvezes?—Achoquesim,masestásempreemreunião.—Reunião?Comquem?Suspirei.—Seilá.Comclientes.ComMarcia.Comummontedegente.—Entãomarqueumareunião.—Eu?—pergunteisurpresa.—Isso!Marqueumareuniãoparafalarsobreaqueleprojetodabolsa.Ou

parasequeixardoaparelhodefax.Qualquercoisa.—Oaparelhodefax—repeti,distraída.— Não importa o motivo da reunião — disse Helen, paciente. — A

questãoéquevocêprecisapassarumtempinhocomele.—Ah,entendi.Helenmeolhouespantada.—MeuDeus,paraumapessoaconsideradainteligente,vocêéumaidiota

quandooassuntoéhomem.—Não sou...— comecei a retrucar,mas logo desisti.— É que parece

desperdíciodetempo,quandohátantasoutrascoisasafazer.—EstásereferindoaMax?

—Max?— perguntei, surpresa e desconcertada.— Do que você estáfalando?— Estou falando que você sentia certa atração por Max, não sentia?

Costumavafalardeleotempotodo.Eelenuncachamouvocêparasair.—Issofoihámuitotempo—retorqui.—Eeunãosentiaatraçãoporele.

Euapenas...Apenasorespeitava,sóisso.Achoqueeleébomnoquefaze...—Evocêgostadele?—Não!—protestei,negandovigorosamentecomumgestodecabeça.—Nemumpouquinho?Orubornomeu rosto tornou-semaisvisível, e eunãodissenada.Não

estavaafimdeMax.E,mesmoseestivesse,issonãoeraimportante.—Tudobem,podenegar.Masimagineseelegostassedevocê.Nãoseria

legal?—Comoassim,legal?—perguntei,irritada,tentandoafastardamentea

imagemdeMaxmebeijando.—Ouça,Helen,confieemmim,eunãogostodeMax.Juro.Nemumpouquinho.—Tudobem—assentiuHelen comumsuspiro.—Só estou tentando

fazer você entender que ter um namorado não é uma coisa tão terrívelassim.Nãoéumsinaldefraqueza.Olheiparaaminhabebidanamesaeme lembreido funeral,daminha

satisfaçãoquandoMaxapareceuderepente,daimensadecepçãoquesenti,edisfarcei,aodescobrirqueelesótinhaidoatéláporcausadotalmanualderedação.Comcerteza,oamoreraumsinaldefraqueza.Afinaldecontas,nãoerafraquezasentirvontadedechorarsóporquealguémquevocêgostanãosenteomesmoporvocê?Épatético.Eeunãoiriapassarporisso.— Helen, quero deixar bem claro que essa coisa ridícula de Projeto

Casamentonãotemnadaavercomamor,romance,ouodesejodeterumnamorado.Nemummarido.Entendeu?— Tudo bem — concordou ela, dando de ombros. — Então, vamos

continuarcomoplano?Porquesetratadeumacontagemregressiva.Nãohátempopararecatonemparatentarabordá-loaospoucos.Vocêtemqueatacar.Temquedecidirojogo,daroprimeiropasso.Agoraéhoradeiratéofimefecharnegócio,comosedizporaí.— Fechar negócio?— perguntei, espantada. — Helen, você tem visto

algum outro programa além do Topa ou não topa? Parou de assistir aAssassinatoporescrito?—Temquefazercomqueeleconvidevocêparasair—continuouHelen,

impassível.—Issoépré-requisitoparaumpedidodecasamento.Nãoestoucerta?

—Achoquesim—falei,meioconstrangida.—Masnãoétãofácil.Querdizer,nãosepodeconvencerumcaraachamarvocêparasair,nãoé?Eletemquequerer.AgorafoiavezdeHelenfazerumaexpressãodeespanto.—Vocêpodetomarainiciativa—sugeriuela.—Não. De jeito nenhum.—Balancei a cabeça para darmais ênfase à

minhanegativa.—Achoque temrazão—disseHelen,pensativa.—Vocêquerqueele

corra atrás de você, quedê o primeiropasso. Certo, então temque fazercomqueeleconvidevocê.— Finalmente! — concluí de forma sarcástica. — Bem, parece que

chegamosaumconsenso.Helensuspirou.—Nossa,vocêsabeserchataàsvezes.Tudobem,olhaisso.Ela se levantou e se dirigiu aobar, jogandopara trás seu longo cabelo

escuro, que estava absolutamente magnífico, em um estilo um poucodesarrumado, meio largado. Helen media apenas 1,57cm, embora nãoparecesse,porquesempreusavasaltosaltíssimos.Paroudiantedobalcãoduranteummomento,girounaminhadireçãoe

certificou-se de que eu estava prestando atenção. Em seguida, voltou-separaobar,devagar.Nomeiodessemovimento,porém,elapareceuatraídaporalgoàsuadireita.Então,olhoupara lácomardecuriosidade, sorriu,abaixouacabeçaeolhoumaisumavez.Depois,aprumouocorpo,deformaque pudesse olhar de umaposiçãomais alta. Finalmente, ela se virou defrente para o bar. Dois minutos depois, um cara se aproximou dela,oferecendo uma bebida. Era evidente que o objeto da atenção de Helentinhasidoele.Emseguida,elafezumgestodecabeçaeapontouparamim.O rapaz chamou o barman e deu-lhe uma nota de 10 libras, antes deentregaraHelenumcartão, lançar-lheumolharsignificativoeseafastar,parandonomínimoduasvezesparasevirarefitá-la.Tenhoqueadmitir,foiimpressionante.Cinco minutos depois, ela estava de volta à nossa mesa, com nossas

bebidas.—Viu?—perguntouelacomardevitória.—Vocêconseguiuumtelefone,nãoumencontro.— Eu poderia termarcado um encontro com aquele cara— retrucou

Helencomumolharmalicioso.—Agoraéasuavez.—Vocêdeveestarbrincando—contesteicomumarisada.—Nãovou

atéobarepedir aumcaraqualquerquemepagueumabebida,de jeito

nenhum.—Vocênãotemquepedirnada.Sótemqueesperarqueeleofereça.—Helen,eunãovouatéobarparapegarotelefonedeumestranho.É

indecente.É...—ÉoquevocêtemquefazerseAnthonyolharparavocêcomsegundas

intenções.Poxa,sevocênãoconsegueflertarcomumestranhoquenuncavaivernovamente,quedirácomAnthony?—Mas...—Tenteiacharumaboarazãoparanãofazeraquilo,umarazão

queHelenaceitasse.Então,lancei-lheumolhardesúplica,maselanãopareciadispostaaser

compreensiva.—Jess,vocêtemnoçãodoqueestáemjogo,nãotem?—perguntouela,

antesqueeupudesseargumentar.—Estamosfalandodecomoasuavidapodemudar.Massenãoestánemaí,entãoachoquepodemosirparacasa...Elaapanhouabolsaecomeçouaselevantar,parecendocompletamente

enfurecidaezangada.—Helen,porfavor—implorei,puxandoseubraço.—Ouça,nãoéque

eunãoconsiga...Querdizer...bem,eufaçosevocêquiser...—Ah,bom.Porqueéexatamenteoqueeuquero.— Certo — assenti, resignada. — Certo, vou em frente. Mas se você

contar a alguém, eu saio do apartamento e nunca mais falo com você.Entendeu?—Tudobem—concordouela,erguendoopolegar,eeucomeceiaandar

emdireçãoaobar.Porém,logovoltei.—Pensandobem,vocêsaidoapartamento.—Tudobem.Comecei a andar de novo. Então hesitei e me voltei rapidamente na

direçãodeHelen.— Você não acha que émelhor eu começar com algomais fácil? Tipo

passo a passo, até chegar ao bar? Talvez eu devesse apenas sorrir paracomeçar,atémeacostumarcomessascoisas,edepois...—Vá—ordenouHelen.Volteiaobarefiqueiláalgunssegundos,agarradanobalcão.Aquiloera

loucura. Eu simplesmente não era o tipo de pessoa que davamole paraestranhos.Nemparaninguém.Eraumatotalperdadetempo.Umasituaçãohumilhante demais. E perigosa. Pelo menos na teoria. Eu poderia medepararcomumpsicopatahomicida,quecortasuasvítimascommachado.Entretanto,eutinha,pelomenos,quefingirqueestavameesforçando;paraagradaraHelen,paraqueelaparassedeficarpegandonomeupé.Elanão

viaproblemanissoporqueadoravaessejogodesedução.Odifícilparaelaeranãofazeressascoisas.Então,respireifundoemevireilentamente,atéficardefrenteparaorestantedobar.Àminhaesquerda,haviaumgrupodehomens e vários grupos aqui e acolá de homens e mulheres. À minhadireita, alguns grupos de homens e, no canto distante, um cara sozinho,tomando uma cerveja e parecendo deslocado. Ele devia ter uns 40 anos,usavaóculose,peloseujeito,eraprovávelqueestivessemaisfeliznoseubardecostumedoqueemumbarmoderninho.Namesmahora,sorriparaele.Eleolhouparamimmeiodesconfiadoeespiouaoredorparaverificarseeuestavasorrindoparaoutrapessoa.Quandovoltouameolhar,fiqueinervosaeerguioqueixo, tentando lembrarsedeveriacontinuarolhandoounão,masquandodecidiquefitá-loprovavelmenteseriaaatitudecerta,elejátinhaidoembora.Bem,eudisseamimmesma,pelomenostentei.Entãome virei para Helen, como se dissesse: “viu?eu já sabia”. Nesse

momento,sentialgonomeuombro.Aomevirar,ocaradeóculosestavaaomeulado,aindacomacervejanamão.—Oi!—disseele.—Oi.—Vocêé...Querdizer...Nãopenseiquevocêfosse...Bem,adescriçãoque

vocêfeznãolhefazjustiça.Nemdelonge.—Aminha...aminhadescrição?—Nosite.Euestavacommedodequevocêmedessebolo.Fazumahora

quecheguei.Nãoqueeuestejachateadocomseuatraso.Dejeitonenhum.Comominhaesposacostumavadizer:“issoéprivilégiodasmulheres.”Achoquenãodeveriafalardela,nãoé?—Comoassim?—Euestava completamente confusa.—Edeque site

vocêestáfalando?—Oumasegundachance.com.É...Querdizer,vocêé...Ah,meuDeus.Não

évocê.Eudeviaimaginar.Umabelajovem,eeufuiacharquevocêestavaaquiparameconhecer.Olha,desculpe.Porfavor.Eu...Ele parecia aindamais chateado e humilhadodoque eume sentira há

poucos minutos, e, de alguma forma, o constrangimento dele acaboudissipandoomeudesconforto.— Não sou eu — expliquei, com educação. — Mas não precisa se

desculpar.Você...achaquelevouumbolo?Eledeudeombros.—Nãotenhoamenordúvida.Ésóolharparamim.Nãopertençoaesse

lugar.Nãoseioquedeunaminhacabeça,realmente.FoiomeuamigoJon

quemeconvenceuafazerisso.Dissequeseriabomparaconheceroutraspessoas.Eumedivorciei...háumano.Aminhaex-esposafoimorarcomumcarachamadoKeith,nosuldeLondres,eeuvimpararaqui,comoumidiotatriste,tentandoseralgoquenãosou...Elenãoconseguiu terminara fraseeeume identifiqueiumpoucocom

ele.—Sabedeumacoisa,eunãoachoquevocêsejaumidiota triste.Acho

quevocêémuito corajoso—afirmei, estendendoamão.—Àpropósito,meunomeéJess,JessicaWild.—JessicaWild?Éseunomemesmo?Elepareceusurpreso.Todomundosempreficavasurpresoaoouvirmeu

nome, como se eu estivesse, de alguma forma, contrariando o código dedefesadoconsumidor,por terumnomequenãocondiziacomasminhasatitudes.Eunãotinhanadadeimpetuosa;nemqueriaser.Euerasensata.Disciplinada.Pelomenossemprefui...—É—confirmei.—Combinacomvocê.—Claroquenão—afirmei numato reflexo.—Querdizer, é só olhar

paramim.Nãotenhonadadeimpetuosa.— Pois eu acho que combinamuito bem com você. JessicaWild. Bem

charmoso.Umpoucoperigoso.Vocêtemsorte.Olhei para ele, espantada. Sempre achei meu nome inapropriado. A

minhaavóatribuíaarebeldiadaminhamãeaessesobrenome,queremetea algo impetuoso; e eu passei a vida inteira fazendo o possível para nãoseguirpelomesmocaminho.—Vocêachamesmo?—EumechamoFrank.FrankWerr.—FrankVerr?— Isso. Só que com som de u, como em “Wilson”. E, por conta disso,

quandoeuerapequeno,osgarotosficavammechamandodewanker,quequer dizer idiota — explicou ele. — Os meninos diziam que era umtrocadilho.—Ah,sim—eudisse,sentindoderepentepenadele.—Bem,issonão

deviasernadalegal,nãoé?Olha,você...querbeberalgumacoisa?Frankfezumgestonegativodecabeça.—Achoquevouparacasa.Apessoaqueeuestavaesperandonãovem

mesmo.E você émuita areiaparaomeu caminhãozinho.Alémdisso, vaipassar um jogona televisão e, se eu for embora agora, talvez chegue emcasaatempodeassisti-lo.

—Muitaareia?Nãosou,não—retruquei.—Dejeitonenhum.Frankmelançouumolharindeciso.—Vocêémuitaareiaparaomeucaminhãozinho.Vocêé linda.Écomo

umanota...9.Euprovavelmentesou...5.Talvez5,5.Querdizer,todomundogosta de pensar que está um pouquinho acima damédia, não é? Eu nãoestouforadeforma.Nãotenhobarrigadecervejanemnada.Portantoachoqueissomedámais0,5ponto,concorda?—Eutedariaum7—anunciei,convicta.Frankbalançouacabeça.—Não.Achoquenãomereçoum7.Talvez6,nomáximo.—Tudobem.Seis—concordei.Entãoolheiparaelecomcuriosidade.—

Vocêmedariamesmonota9?— Na verdade, 9,5. Quando eu disse 9, estava tentando ser mais

indiferente.Sorri.—Vocêélouco.Masolha,nãováembora.Venhasentarnanossamesa.

Estoucomumaamiga.—Posso?—perguntouele,comumsorrisonervoso.—Temcerteza?—Claro.Quando nos aproximamos da mesa, Helen olhou para ele com uma

expressãoesquisita.—EsseéoFrank—eudisse.—Frank,essaéHelen.Frank enrubesceu e estendeu amãomeio indeciso, antes de perceber

queissopoderiaparecermeioantiquadoepuxouobraçodevolta.—Éumprazer...Querbeberalgumacoisa?—Adoraria—aceitouHelen,sorrindo.—Vinhobranco,porfavor.—Vinhobranco—repetiuFrank.—Sim,claro.Éparajá.Você,também,

Jess?Concordei, sorrindo, e notei que suas costas estavam um pouco mais

aprumadasenquantoelesedirigiaaobar.—Bem,vocêdemorou—disseHelen.—Masconseguiubebidaparanós

duas,portantoachoquepassounoteste.

Duashorasdepois,eumpoucobêbada,leveiumsustoaodescobrirquejáeramonzeemeia.Eunãotinhaolhadoorelógionemumavez,etambémnãofiqueitentadaadarasdesculpashabituaiseiremboracedo.Eutinhadefatomedivertido.Frankeraengraçadoeinteressante,e,emboraeunãoestivesse interessada nele (nem ele emmim), nós três ainda estávamos

rindoquandosaímosdobarparaenfrentaroarfriodarua.—Bem, foiótimoconhecervocês—disseFrankquandoparamos,por

umbrevemomento,nacalçada.—Idem—falouHelen.—Comcerteza—concordei.Essabrincadeiradeconhecergentenãoera

tãodifícilquantoeupensava.Aliás, tinhasidoatédivertido.TalvezHelentivesserazão.Talvezeudevessemedivertirmais.NósnosdespedimosdeFrankedescemosa rua.Obar ficavanoSoho,

portantoprecisávamosiratéaOxfordStreetparatentararranjarumtáxi.Arua estava cheia de pessoas bêbadas que trabalhavam em escritórios daregião, que riam e falavam alto; garotas com pouca roupa, e grupos derapazesocupandoaruainteiraeolhandocommalíciaparaqualquercoisafemininaquepassassediantedeles.Masessanoiteissonãomepreocupavamuito;essanoiteeumesentiaquaseoutrapessoa,comosefizesse jusaomeunome.— Eu apenas comecei a conversar com ele — comentei com Helen,

dando-lheobraço.—Eelenãopareciaesquisitonemnadaassim.Pareciabemlegal.—Émesmo—concordouHelen.—Muitolegal.—Emedeunota9,5.Bem,seiqueelenãoestavafalandosério,masfoi

legalmesmoassim.Helenparouemelançouumolharatípico.—Vocêé9,5,Jess—afirmoucomarsério.—Juroqueé.Sorritimidamente.—Nãosou,não.Masobrigadadequalquermaneira.Eobrigadaporme

levarparasair.Foi...—Divertido?—perguntouHelen.—Decertomodo.—EagoravocêvaiseduzirAnthonyMilton?—Vou—concordei,acenandocomacabeçanovamente.—Euvou,Hel.

Vousimplesmentechegarpertodele,sorrire...Nessemomento,fuiinterrompidapelaaproximaçãobruscadeumcarro

quepassoupormim,fazendo-meperderoequilíbrioecair.—Jess!Estátudobem?—perguntouHelen,indignada,pulandoparame

ajudar.—Quemaluco!Minhapernaestavaatédoendo,masosustotinhasidopiorqueador.— Seu babaca estúpido!— gritouHelen, correndo atrás do carro, que

tinhaparado,cantandopneu,nosinallogoadiante.—Porquenãoolhaporondeanda?

—Evocêdeviaandarnacalçada;nãonomeiodarua—gritoudevoltaavoz de umamulher, no interior do veículo. Era óbvio que os amigos domotoristaeramtãogrosseirosemal-educadosquantoele.EnquantoHelencontinuavadiscutindo,eumelevanteicomdificuldadeepuxeiobraçodela.—Deixapralá—sugeri.—Nãovaleapenaficarbrigando.— Vale, sim — retrucou Helen de forma rabugenta. — Ele quase

atropelouvocê.Eledeviatermaiscuidado.Enquantotentavaconvencê-laairembora,resolvi,porcuriosidade,dar

umaolhadanointeriordocarro.Haviaumagarotadecabeloescuroelisono banco do carona. Seu rosto estava praticamente escondido atrás deenormes óculos escuros. Algo que, tendo em vista o horário, achei meioridículo.Emseguida,olheiparaomotorista.Efiqueidequeixocaído.— Vamos embora, Hel — eu disse imediatamente, ainda surpresa,

quandoomotoristaolhouparamim.— Ir embora?— questionou ela em tom de desafio.— Só quando ele

pedirdesculpas.Enquanto...—Vamos agora— insisti, puxando-apara longedali.—Quero ir para

casa.Então,viumtáxivazioefizsinal;assimqueocarroparou,puxeiHelen

paradentro.—Oqueaconteceu?—perguntouela,irritada,quandonosafastamos.—

Vocêpodiaprocessaraquelemotorista.Elecomcertezaestavabêbado.—É— falei, indecisa.—Masnão sei se isso seria convenientepara o

nossoplano.—Plano?—indagouHelen,confusa.—Doquevocêestáfalando?—Do Projeto Casamento— respondi calmamente.—Omotorista era

AnthonyMilton.

Capítulo11

Na manhã seguinte, quando acordei e entrei na cozinha, Helen estavadiantedofogão,fritandoovos.—Oqueéisso?—perguntei,curiosa.—Combustível—respondeuHelen,sorrindo.—Àpropósito,comoestá

aperna?Deideombros.—Boa.Ficouumhematomaacimadojoelho,sóisso.Eessecombustível?

Éparaquê?— Para as atividades de hoje — respondeu ela com convicção. —

Portantocomatudo,vocêvaiprecisardeenergia.—Nãovoufazercompras—anunciei,nervosa.—Estousemgrana,Hel.

Nãopossocomprarmaisnada.—Nãoédecomprasqueestoufalando.AnthonyMiltondeveumfavora

você. Um grande favor. E, quando ele se desculpar muito pelo que fezontem,vocêtemqueestarpreparada.Temqueestarbemafiadanaartedasedução,apontodedeixá-locaidinhoemsegundos.Sentiospelosdanucaseeriçaremdemedo.Eutinhaumasensaçãoruim

sobreoqueHelenestavaplanejando.—Hel,vocêsabequeeunãosouummachadonemeleumaárvorease

derrubar,nãosabe?—perguntei,tentandosorrir.—E,mesmoassim,elevai ficarcaidinho.E tenhoalguémparaensinar

vocêafazerisso.—Helensorriu.—Agorasimelenãovaiterescapatória.—Meensinar?Helenfezquesimcomacabeça,empolgada.—Penseinissoontemànoite,acaminhodecasa.Elaéótima.Trabalhava

emumdosbaresonderodamosaqueleprogramaLondonUncovered, quefiznoanopassado, lembra?Enfim,onomedelaéIvana,eelasabetudooqueháparasesabersobresedução.Eelanãovaicobrarnadapelasaulas.Bem,porenquanto.Eudissequevocêpagariamillibrasquandorecebesseodinheirodaherança.Expliqueiaelaqueeraumaespéciedeinvestimento.OlheiparaHelendesconfiada.— Ivana? Você está falando da Ivana que você entrevistou para o

documentáriosobrelapdance?—Sim,maselanãoeraadançarina.Elaeraacompanhante.Édiferente.

Essasgarotasnãodançam,elasapenas flertam, seduzeme convencemoscarasapagarem50librasporumdrink,sóparapassaremmaistempocomelas.—Elaéumaprostituta!—exclamei.—Vocêpediuaumaprostitutaque

meensinasseaseduzir?Vocêélouca.Esqueça.Pornadanessemundo...— Ela não é prostituta — interrompeu Helen, irritada. — Ela é

acompanhante.—Quetransacomosclientes.— Que, eventualmente, pode transar, mas não é esse o objetivo. O

objetivoéseduzir.Minhanossa,Jessica,acheiquevocêfossegostar.NãofoimuitofácilconvencerIvana,sabe...PercebiqueHelentinhaficadodecepcionada,entãopedidesculpas.— Eu não pretendia ser tão negativa.Mas... Não sei se ela é... correta.

Entende?—Elaécorreta,Jess,acredite.Seexistealguémquepodefazercomque

Anthonypeçavocêemcasamento,essapessoaéIvana.Agoracoma,porquetemosquechegarnacasadelaantesdasonze.

Ivana morava em um apartamento na Old Compton Street, no Soho.Chamaraquilodeapartamentoeraumexagero.Naverdade,eraumasala,no segundo andar de um prédio, onde havia um enorme colchão, umarmário que, quando aberto, revelava uma cozinha minúscula, e outroarmárioquedisfarçavaumbanheiro.Suabelezaeradeumaespécie“exótico-devassa”:lábioscarnudos,olhos

intensos,cabeloscastanhossedososeumcorpoaomesmotempopequenoecurvilíneo.Seusolhoseramverdes,seucabelotinhaumcortechanelcoma parte da frente mais comprida, e ela estava usando um vestido preto,justo,esaltoalto,denomínimodezcentímetros.ApósmuitainsistênciadeHelen, eu havia concordado em vestir minha melhor roupa de sedução:sapatos pretos de salto alto e uma saia lápis, tudo comprado depois daminhatransformaçãonosalãodePedro.Noentanto,aindamesentiabregaedesengonçada.Ela e Helen trocaram beijinhos e mantiveram uma conversa rápida e

animadasobreoprogramaquetinhamfeito,emeespanteidiantedeseusotaqueprovenientedoLesteEuropeu,carregadonos“erres”enos“efes”(“Euconseguirtantotrabalhodepoisdaquelaprograma.Apolícia,elesvêm

paramever.Maselesnãofazernada.Elessóvêmparamever,sabeoquequerodizer?”)Elogoelasevirou,meolhoudecimaabaixoecruzouosbraços.— Você não saber como ser sexy? — perguntou, e eu fiquei

envergonhada.—Vocêprecisarseduzirhomemefazerelepedirvocêemcasamento?Fizquesimcomacabeça,envergonhada, sentindoo rostoadquirirum

atraente tommarrom-arroxeado. Expostadaquele jeito, aminha situaçãodesagradávelpareceucompletamentepatética.— Então precisamos de café— disse ela, olhando para Helen.— Vou

tomar um espressomacchiato, que você vai pedir no Café Boheme aquiembaixo,eesperarpormim.Euláemcincominutos.Cerrrto?Helenolhouparamim,econcordei.—Certo.Nosvemos...lá.Em seguida, descemos a escada estreita e, ao chegarmos na rua,

passamos por cima de dois homens que dormiam na entrada. Então,seguimos, sem perder tempo, para o Café Boheme, onde pedimos café eficamosesperando.Esperando.Eesperamosumpoucomais.Umahoradepois,Ivanafinalmenteapareceuesesentouaonossolado.— Bem— disse ela, olhando paramim, como se eu tivesse feito algo

erradoeelanãotivessedemoradonemumpoucoachegar.—Comovocêseduzumhomem?Oquevocêfaz?Ela olhou com desagrado para o seumacchiato frio e, imediatamente,

Helenpediuoutrocafé.— Não sei — respondi meio encabulada. — Quer dizer, não sei. Não

muitobem.—Quandonamoroupelaúltimavez?Senti-mehumilhada.—Tenhoandadomaisconcentradanaminhacarreira.—Quando?—repetiuIvana.—Hádoisanos,talvez—respondi,baixinho.Derepente,aminhadefesa

habitual“queeumeconcentravanaminhacarreira,quenãoprecisavadehomemnaminhavida”pareceupatética. Ivanaestavacerta:eunãosabiasersexy.Nãosabiasequerporondecomeçar.—Doisanos?—Talveztrês—confessei,tentandodisfarçaroconstrangimento.IvanaolhouparaHelencomimpaciência.—Entãoeutermuitotrabalhopelafrente,certo?Emseguida, olhouparamim, e eu concordei tentando sorrir,mas logo

mudeideideiaquandoviqueseusolhosestavamfumegando,masnãodeformaprovocante.Ocaféchegoueelaotomourapidamente.Logosevirouparamim.—Muitobem—disseelacomumprofundosuspiro.—Digacomovocê

falarcomhomens.—Comoeufalocomumhomem?—perguntei,confusa.Ivanafezquesimcomacabeça.—Bem,achoquedamesmaformaquecomqualquerpessoa.Querdizer,

depende do contexto, mas eu apenas... — Olhei para ela, incapaz deprosseguir.—Nãosei.Realmentenãosei.Ivanaacenoucomacabeçadenovo.—Comoeuimaginava.Tudobem,entãodevesaberunsdetalhesbásicos:

em primeiro lugar, não se fala com um homem como se fala com umamulher.Homens,elesgostamdefalar.Egostamquevocêouça.Tudoqueelefazéfascinante,tudoqueelefaz,vocêacharsexy.Certo?—Masequantoaoqueeutenhoadizer?—perguntei.Ivanalançou-me

um olhar furioso e na mesma hora corei. — Fascinante — repeti. —Fascinanteesexy.OolharfuriosodeIvanasetransformouemumaexpressãodedúvida.—Vocêdiscordadoqueelediz,eleseafasta.—Mas aí ele vai pensar que sou superficial— retruquei, inquieta.—

Alémdomais,nãovouconcordarcomumcarasóparaelegostardemim.Você nunca ouviu falar de feminismo? Da emancipação feminina? Nãoestoupreparadaparafingirquesouburra.—Oshomenspreferemasburras—declarouIvanacategoricamente.—

Enfim,concordecomohomem,elevaiacharquevocêéinteligente.—Mas...mas...—Masnada—replicouelacomfirmeza.—Confieemmim.Bem,depois,

precisaumpoucodecontatofísico.Demaisnãoébom;muitopouco,eelenemprestaatenção.Sóumlevetoquenobraço,ounorosto,quandovocêseinclinarparadizeralgumacoisa.Umleveroçaraqui,umaencostadinhaali.Vocêquerqueeleseconcentreemvocê.Nãoemoutrapessoa.Certo?Desse modo, você escuta com muita atenção cada palavra, e depois seinclina.Assim.—Elademonstroucomofazer,curvando-sedelicadamenteporcimadeHelen.—Achoqueessedeveserodesafiomaiorparavocê,não?Revireiosolhos.— Ah, que ótimo! E onde vou fazer isso? Quando estivermos no

bebedouro?Bemprofissional.

Otomdaminhavozfoidistintamentesarcástico,eIvanaseirritou.—Vocêvai acharomomento certo—disse elademaneirabrusca.—

Massuavozéproblema.Vocêtemquemudarsuavoz.—Minhavoz?Oquehádeerradocomaminhavoz?—Nãoésexy.—Bem,nãopossomudá-la—retruqueideformadecisiva.—Éaminha

vozenãotenhocomomelivrardela.Ivananãoconcordou.—Vocêsemprepodemudaravoz.Ouça.—Elatomououtrogoledecafé

ecomeçouafalarnumidiomaque,ameuver,eraodeseupaísdeorigem.A voz dela parecia grossa, zangada, bruta e gutural. Então ela fez umaexpressão diferente e começou a sussurrar em inglês, com a voz suavecomoocantodeumasereia.—Viu?NaRússia,eunãoterqueseduzir.Aqui,euterqueseduzir.Aqui,

eutervozmelhor.Entendeu?Concordeicomumacenodecabeça,admirada,elogopenseicomoseria

tentarfazeromesmo.—Agorasuavez—exigiuela.—Nãoconsigo—eudisse,envergonhada.—Tenta—disseHelenparameencorajar.—Tudobem—concordei,resignada.—Masnãovalerir—acrescentei,

antesdepigarrear.—Oi—falei,tentandoimitarotomabafadodeIvana.—Oi,meunomeéJessicaWild.— Wild? Seu nome é Wild? É sério? — Ivana sorriu, revelando uns

quatrodentesdeouro.—Eumatariaparaterumnomecomoesse—disseela, balançando a cabeça, e eu torci para que ela só estivesse usando apalavra “matar” em sentido figurado. — O seu nome Wild, você tiraproveitodele,certo?DigaW-i-l-d.Ela “ronronou” o meu nome de forma tão maliciosa, que eu olhei ao

redorparaversealguémtinhaouvido.—Wild—repeti,semamenorsensualidade.—Wiiild—repetiuIvana,meolhandobemnosolhos.—Wiiild— repeti outra vez, agora emum tomumpoucomenos frio,

masaindalongedeparecersexy.Ivanasemostrouimpaciente.— Precisamos do exercício de respiração — disse ela. — Vamos ao

parque.—Parque?—Parque.

VinteminutosdepoisestávamosnoRegent’sPark.—Agora—disseIvanaemtomdecidido—,vocêcorreegritaaomesmo

tempo.Nósficamosolhando.—Nãovoucorreregritar.Aquiéumlugarpúblico.—Vocêqueromarido?Querodinheiro?Nãoseesqueçadaminhaparte,

claro.Examineiseurostoparaverseelaestavabrincando,mas,pelovisto,não

estava.—Não—respondi.—Querdizer,não temnadaavercomodinheiro.

Temaver...bem,essaamigaminhaquemorreu,Grace.Elaachavaqueeueracasada,mas...Desistideprosseguir,quandoviseuolharfixoeinflexível.—Vocêquercasamento,entãocorreegrita “Wild”,estábem?—disse

elabruscamente.LanceiumolhardesúplicaparaHelen,maselameignorou.—Vocêpodepelomenostentar—sugeriuela,semolharparamim.—

Afinal,quemaltem?—Mal?Aforaahumilhaçãodegritaremumlugarpúblico,incomodaros

turistaseatéserpresa?Ivanaolhouorelógio.Emseguida,ordenou:—Rápido.Estáficandotarde.Sua expressão era impassível, e eu me dei conta de que não iria

conseguirsairdessa.Deumjeitooudeoutro,teriadecorrerpeloRegent’sPark, gritandomeu próprio nome. Então, respirei fundo e comecei ameafastardeHelenedeIvana;ou,maisprecisamente,docasalsentadoemumdos bancos do parque e do homemque passeava com o cachorro. Entãocorri e gritei “Wild”.Talvezgritei seja um leve exagero,mas com certezadissemeunomeemvozalta.—Estáummerda—gritouIvana.—Nãoouvivocê.Vocêterquegritar.Trincandoosdentes,comeceiacorrernovamentee“rosnei”:—Wild.—Corrermaisrápido.Vocênãocorrerbastanterápido—advertiuIvana

aproximando-se e começando a correr ao meu lado. Seus saltos altosafundavam na grama, então ela parou e depois continuou descalça.Intrigadapornãoterpensadonissoantes,imediatamenteimiteiseugesto.Aoperceberqueelaestavaapontodemeultrapassar, corrimais rápido.Era até um pouco divertido tentar ficar à frente dela, sentindo o ventoenchermeuspulmões.—Wild—gritouela.—Vamos,Jessicaaa.Wiiild.—Enquantocorria,ela

abriu os braços e berrou com uma força tão gutural que afugentou ospássaros.—Wild—gritei,dessavezmaisalto.—Wild.—Vocêéimpetuosa,eusouimpetuosa—esbravejouIvana.— Somos todas impetuosas — gritei, fechando os olhos e inspirando

profundamente. Para minha surpresa, percebi que estava mesmocomeçandoamedivertir.Nãoestavame incomodandoseaspessoasnosolhavam ou se meus pés estavam me matando. Era libertador correr egritar num parque tranquilo de Londres; emocionanteme comportar deforma tão escandalosa, como uma criança que ainda não aprendeu a ternoçãodelimite.—Wild—berrouIvanaaplenospulmões.—Wild—griteitambém,abrindoosbraçosejogandoacabeçaparatrás.

—Wiiiiiiild.Continueifazendoissopormaiscincominutose,aovoltarparapertode

Helen, percebi que amaior parte do tempo estivera correndo e gritandosozinha; Ivana havia calçado os sapatos e fumava um cigarro ao lado deHelen.Imediatamentevolteiamesentirburraeolheiparabaixo.—Dessavez sermelhor—elogiou Ivana, jogandoo cigarrono chãoe

amassando-osobseusalto.—Masvocêterlongocaminhoantesdeseduzirhomemparacasarcomvocê.— Acho que você se saiu muito bem — disse Helen, notando minha

expressãodedesânimo.—Fezjusaonome.Foitotalmenteperigosa.Comcerteza.—Certo—disseIvana,indoemdireçãoàentradadoparque.—Euter

que ir agora.O seudeverde casa é repetir diantedo espelhoquevocê éJessicaWild,quevocêémulhersexy.Digaparasuaamiga,também.—Só isso?—perguntouHelen.—Nenhumaoutradica?Équetemos...

muitopoucotempo.Ivanaparou.—Vocêpraticaissohoje.Nosvemosdenovoembreve.Vocêmefalado

contatofísico.Olheiparaela,insegura.—Mas...masnãoposso.Querdizer,nãoseicomofazerisso.Vouparecer

ridícula—protestei.—Sefizerdireito,vaiparecersexy—resumiuIvanaseafastando,como

seoproblemaestivesseresolvido.—Mascomofaçodireito?Vocênemmemostrou—contestei,elogome

arrependiaoperceberqueelahaviaparado.Comumsuspiro,Ivanaolhouorelógioe,aospoucos,sevirou.— Eu ter horamarcada— disse ela, irritada.—Mas tudo bem. Duas

coisinhas.Lamberlábiosassim.Elacolocoualínguaparaforaelambeuoslábios,comlanguidez.—Viu?Agoravocêfaz.Morrendo de vergonha, tentei imitá-la. Ivana ficou impassível e olhou

paraHelencomardeespanto.—Fazer no espelho— sugeriu ela.—Émelhor ver seu rosto quando

estiverfazendo.Agoraocontatofísico—continuou.—Émelhormostrardeperto.Venhaaqui.Euobedeciemeaproximei.—Agoracomeceaconversar—ordenou.Semamenorconvicçãodoqueestavafazendo,comeceiabalbuciaralgo

sobreotempo.Enquantoeufalava,Ivanatocounaminhamão,deleve.—Sabedeumacoisa—sussurrouela.—Foimuitobomconhecê-la.—

Em seguida se inclinou e segurou a minhamão. Seusmovimentos erambem suaves, e de repentemedei conta de que, por trás daquela fachadaagressiva,Ivanaeranaverdademuitodelicada.Emeiga.Então,aperteisuamãocomcarinho.—Obrigada,Ivana.Foimuitobomconhecê-la,também.—Paraondeestáolhando?—perguntouela.—Hmm...—eudisse,semquereradmitirque,naqueleexatomomento,

meusolhostinhamsidoatraídosparaseudecote,quedeixouaparecerseuseioquandoelaseinclinou.Entãoelaseafastou,eeumeespantei.Eunãoqueriaqueelaseafastasse.—Vocêdeveriaestarolhandoparameupeito—disseela,levantandoos

olhos para verificar se eu estava fazendo isso. Nem eu nem Helenconseguíamosolharparaoutra coisa.—Eo toquenamão. Foi bom,nãofoi?Assentisempalavras.—Vocêestavarepresentando?Aquilofaziapartedasedução?—Claro—respondeuela,disparandoumolharfulminanteparamim.—

Teratençãodeumhomeméumjogo,entende?Vocêchegarperto,eleficainteressado,aívocêseafasta.Fazeledesejareentãoficainacessível,aíelequermais,entendeu?Bem,pratiqueisso.Etambémcomoseabaixar,paraajeitarosapato,apanharalgonochão,nãoimporta;oqueimportaéparaondeelevaiolhar,certo?— Certo. — Eu não podia acreditar que jogos assim realmente

funcionassem.Achavaqueamoredesejofossemumaquestãodequímicaedeatração,quando,naverdade,ambostêmavercomamaneiracorretadesetercontatofísicoeumdecote.Lamenteinãotertrazidoumcaderno,poishaviamuitainformaçãoparadecorar.—Obrigada,Ivana—disseHelenrapidamente.Ivana olhou para ela e depois para mim, com uma expressão

impenetrável.—Issonãovaisernadafácil—disse,comumsuspiro,fitandomeuspés,

como se nunca os tivesse notado.Àquela altura, eles estavam totalmentedoloridosdentrodossapatospretosdesaltoalto.—Vocêprecisardesapatomelhor—concluiuela,seca.—Sapatomelhor?Masesseénovo.— Você não acha que Anthony merece uma namorada com sapato

bonito? Ou acha que ele tem que tolerar sapato feio? É isso o que estáquerendodizer?Nãosabiaoqueresponder.Parafalaraverdade,depoisdanoitepassada

eunãosabianemseAnthonymereciaumanamorada,quediráumacomsapatobonito.—Essenãoestábom?—perguntei,indecisa.—Nãoser sexy—disse Ivana comardedesprezo.—Saltomais fino.

Cor.Seurostoprecisardecor,também.Nadadepreto,euacho.— Nada de preto? — Engoli em seco. Todas as minhas roupas eram

pretas.Helensóhaviaconseguidomepersuadiracompraressasaialápis,ridiculamente apertada, porque ela era preta, e eu me convenci de queninguémnotariaoquantoelamarcavameucorpo.Mas Ivana não estava prestando atenção. Ela já tinha se despedido, e

olhei,emsilêncio,elaseafastarcompassoslargos,seusapatoaltofazendobarulhoquandobatianochão.—Estou ferrada, não é?—perguntei aHelen enquantoobservávamos

Ivana.Elatomouaminhamão.—Venha.Vamosfazerumascomprinhas.

Capítulo12

PROJETO:CASAMENTODIA9

Pendências:1.OuvircomardedeslumbradaoqueAnthonydiz.2.Usartodasasartesdasedução.3.SerJessicaWiiiiiiiiild.

Marcia estava na sala de Anthony quando cheguei ao trabalho segunda-feira demanhã. Eu a vi saindo tranquilamente cincominutos depois quesenteiàminhamesa.Elaparounaminhafrenteemeolhoudecimaabaixo.Euestavausando

umcasacodelãverde-limãoqueHelentinhainsistidoparaqueeuvestisse,e que me fazia sentir como um ciclista que se previne para não seratropeladoànoite.—Seucasacoébemchamativo—observouela.— É mesmo— concordei, tentando suprimir o impulso de tirá-lo na

mesmahora.Emvezdisso,deiumaolhadanaagenda.Nãohavianenhumcompromissoamanhã inteira.ReuniãocomMaxàsduashoras.—Então,comofoiseufimdesemana?Elapareceusurpresa.—Ótimo,obrigada.Eoseu?—Ah,muitobom.—Forceiumsorriso,tentandomesentircomoJessica

Wiiild,masatentativaresultounumdeplorávelfiasco.—Émesmo?—Marciapareceucuriosa.—Ah,antesqueeumeesqueça,

umapessoatelefonouparavocê.UmtaldeDr.Taylor.—Dr.Taylor?—Sentiosanguedesaparecerdomeurosto.—Quando?—Demanhãcedo.Háumameiahora.—Eeledisse...oquequeria?Marciameolhoucomosolhosarregalados.— É claro que não. Eu não perguntei. — E me lançou um sorriso

carregado de curiosidade.—Mas ele deixou umnúmero— acrescentou,entregando-meumpedaçodepapel.

—Enãodissemaisnada?—indaguei,ansiosa.— E deveria?— perguntou ela, desconfiada.— Ele me pareceu meio

velhoparavocê.Nãosabiaquevocêgostavadehomensmaisvelhos.—Enãogosto—esclareci,quaseexplicandoqueoDr.Taylornãoera,de

jeitonenhum,umadmiradorempotencial,masdecidinãome incomodaremprestaresclarecimentos.Eutinhaoutrascoisascomquemepreocupar.Coisasmuitomaisimportantes.—Bem,obrigada.Tentando respirar normalmente, liguei o computador. Marcia tinha

falado comoDr.Taylor.Masnãohavianecessidadedepânico.Eraóbvioque ele não tinha dito nada, senão ela teria contado a todo mundo noescritório, e estaria rindo, agora, na minha cara. Estava tudo bem. Tudocerto.Momentosdepois,Marciasaiudepertoefoiatéacozinha,e,nomesmo

instante,ligueiparaoDr.Taylor.—Bomdia,Taylorfalando.—Dr.Taylor!Oi,éJessicaWild.—Oi,Jessica.Obrigadoporligardevolta.Euestavapensandoemmarcar

umareunião.— Pois é. Acho que vai ser difícil. Vou estar... muito ocupada nas

próximassemanas.—Naspróximassemanas?Emboranervosa,fuiemfrente.—Narealidade,vouviajar.Paraforadopaís.—Vaisairdeférias?—Sim.Maisoumenos.Trabalhoeférias.Porissovouficarforadurante

algumtempo.—Quepena!Evocênãoteriaumtempinhohoje?— Não. Não, eu... Viajo hoje à tarde — respondi, sentindo o rosto

queimar. — Coisa de última hora. Mas vou telefonar quando voltar.Imediatamente.—Issoémuitosimpáticodasuaparte.Ebonvoyage.—Obrigada.Muitoobrigada,e...enosfalamosdaquiaalgumassemanas.Pouseio telefone, solteiumprofundosuspiroedeixei a cabeçapender

paratrás.—Jess?TiveumsobressaltoaoperceberqueAnthonysurgiaatrásdemim.—Desculpe,nãoqueriaassustá-la—disseeleemtomformal.—Éque...

achoquedevoumpedidodedesculpasavocê.—Desculpas?

Comtodaaelegância,eleapoiouosbraçosnaminhamesa,olhandobemnosmeusolhos,comumaexpressãodesolada.—Era você sexta à noite, não era?Quandomedei conta do que tinha

acontecido, jáeratardedemais,edepoisvocêesuaamigacorreram...Porfavor,meperdoe.Vocêsemachucou?— Não — respondi logo. — Não, de jeito nenhum. Sério, não tem

problema.— Tem problema, sim — retrucou ele, com um gesto afirmativo de

cabeça, e seus olhos azuis brilharam diante dos meus. Pude ver Marciavoltaràsuamesa,e ficartentandoouviroquefalávamos.Nesse instante,pude sentir a inesperada satisfação de ser a pessoa com quem Anthonyqueriafalar.—Egostariademeredimir.—Émesmo?—Leveiamãoà testaparaajeitarumamechadecabelo

quetinhacaído.— Eu estava pensando, talvez um almoço. Você acha que aguentaria

almoçarcomigo?—Almoçar?—perguntei,surpresa.—Vocêqueralmoçarcomigo?—Sevocênãoestivermuitozangada.Vocênãoestámuitozangada,está?—Não,não,achoquenão.—Ótimo.Podemosmarcarporvoltadeumadatarde?Elesorriade formamaliciosa,eeusorri também.Minhaopinião inicial

era totalmente equivocada. Anthony não era grosseiro. Na verdade, eramuitogentil.Estavaarrependido.Eaindaqueriaalmoçarcomigo.—Hmm,tudobem.Porvoltadeuma.—Ótimo.Bem,nosveremosentão.Elefezumbreveacenoefoiparasuasala,enquantoeumalacreditavano

queacabaradeouvir.EuiaalmoçarcomAnthonyMilton.Sónósdois.— Bem, parece que Anthony já falou com você, não é? — perguntou

Marcia,acomodando-senasuamesa.—Eletinhaditoqueprecisavafalarcom você. Era sobre a conta do Jarvis? Algo a ver com a campanha? Seprecisardealgumaajudaésófalar,estábem?Afinal,seitudosobrebolsas.— Era mais ou menos isso que ele queria— respondi meio indecisa,

procurando o celular para enviar umamensagem aHelen.—E obrigadaporseoferecerparaajudar.Qualquercoisa,eufalocomvocê.

***

Anthony me levou a um restaurante pequeno, a poucos metros doescritório, onde fomos levados a umamesa de canto. Se eu tinha ficadoinibida ao sair do escritório, estava aindamais constrangida quando nossentamos.Amesaeratãopequenaquenossosjoelhosquasesetocavam.EueAnthonyMilton.Assimquenossentamos,elepegouumcigarro.—Vocêseimporta?—perguntouele,chamandoaminhaatenção.—Por

queseforincômodo,eudeixoparadepois.—Não—respondiimediatamente.—Dejeitonenhum.—Quealívio!—Anthonyacendeudois cigarros,meentregouume se

reclinou na cadeira.— As pessoas são tão esquisitas com essa coisa decigarro,nãoé?Querdizer,emalgunsmesesvouacabarsendoproibidodefumar.Ninguémtemmaisodireitodesedivertir.Porexemplo,ofilmePulpFiction teriaalgumagraçaseospersonagensnão fumassem?Camus teriaescritoobrastãofabulosassenãopudessesentarnoscafésdaRiveGaucheinalandonicotina?Fiquei tão surpresa pela referência a Camus quanto pelo cigarro, que

jogueiforademaneiradiscreta.—VocêgostadeCamus?Eleesboçouumlevesorriso.—Depende.Vocêgosta?— Gosto. Eu considero O estrangeiro um dos melhores textos

existencialistas.— Bem, nesse caso terei que confessar que nunca li nada de Camus.

Estavacontandocomapossibilidadedevocêtambémnuncaterlido.Aíeudiriaqueli.Elesorriueperguntei:—EPulpFiction?—Esseeuvi.Eadorei.—Eutambém—concordei,nervosa.— Então temos algo em comum. Bem, Jessica, o que você gostaria de

comer?Vocênãoévegetarianaoualgodotipo,é?—Vegetariana?Não,de jeitonenhum—respondiaopegarocardápio,

sentindo-meumpoucomaisrelaxada.—Quebom.Ofiléaquiémaravilhoso,sevocêquiserexperimentar.—Pareceumaótimaideia!Anthonychamouogarçomefezopedido,acrescentandoumagarrafade

vinhotintoapósummomentodeindecisão.Entãoelesevirouparamimesorriu.

—Vocêvaiterdemeajudarabeber—disseele.—Ninguémquerqueoespetáculodanoitedesexta-feiraserepita,certo?Sorri.—Não.Ninguémquerisso.Anthony fez que sim com a cabeça e um silêncio um pouco

constrangedorseseguiu.—VoumereunircomMaxmaistardeparadiscutirmosacontaJarvis—

comentei,animada,apósummomento.—Vocênãoimaginaoquantoestouempolgadaporestarcuidandodessaconta.Éumagrandeoportunidade.—Émesmo.Masissoétrabalhoeestamosaquiparaalmoçar,portanto

nãovamosfalardissoatévoltarmosaoescritório.Certo?—Certo.Nadadetrabalho.Houveoutrapausasignificativa.—Hojefezmuitofrio,nãoé?—mencionei,demodoinvoluntário.—Frio?—perguntouelecomardeespanto.—Nempercebi.Fiqueisemgraça.MeuDeus,eueramesmochata.Massenãopodiafalar

sobretrabalho,entãooquemaishaveriaparafalar?Apanheio cardápiodenovo,passandoosolhospelaspalavras sem,no

entanto,lernada.Então,derepente,ouviumavoznaminhamente.Vocêterquefazerperguntas.Vocêterqueachartudoqueeledizfascinante.Nervosa,oencarei.Issonuncairiadarcerto.Nememummilhãodeanos.

Eunãoqueriaquedessecerto.Essejogofaziacomqueeumesentissecomouma aeromoça dos anos 1960. Mas não tinha muitas opções. Então,pigarreeidenovo.— É... você... Você deve se sentir orgulhoso com o que conquistou na

Milton Advertising. Eu adoraria ouvir como você abriu uma agência detantosucesso.Anthonysemostrouadmirado.—Sério?— Claro — respondi, ciente de que meu pedido soara falso. Muito

ridículo. Anthony iria pensar que eu era esquisita, e provavelmente iacomercompressa,e...—Bem,nessecaso,euadorariacontar.—Jura?—perguntei,surpresa.—Querdizer...Temcerteza?Anthonymelançouumolhardesconfiado.—Vocêestámesmointeressadaemouvir?—Claro.Querdizer,comcerteza.—Bem,entãovamoslá—disseele,acomodando-senacadeira.—Você

pediu.Começamoshácercadedezanos.Masissovocêjásabe.Oquevocê

não deve saber é que, durante os três primeiros meses de existência, aMilton Advertising ficava no andar de cima de um restaurante cujaespecialidadeerafishandchips...—Fishandchips?— Pois é. Ficávamos com um cheiro horrível. Tínhamos de pendurar

nossos ternos do lado de fora da janela antes de cada reunião com umcliente,paranãoaparecermoscheirandoafritura.Eu ri ao ouvir aquele comentário. Nesse instante, o vinho chegou e

Anthonycontinuouahistória.—Max e eu trabalhávamos para firmas concorrentes, e estávamos em

buscadenovosdesafios.Entãoconvencemosomaiornúmeropossíveldeclientes a embarcar na nossa ideia, nos instalamos na sala acima dorestauranteetentamosganhardinheirosuficienteparasobreviver.Semprefizemos questão de vender a imagem de uma agência de qualidade,entende? Uma agência publicitária que levava a sério o que fazia.Promovendo os nossos clientes, mas de uma maneira verdadeira,trabalhandoaessênciadoprodutoeusandoosdetalhescorretamente.—Querdizer,comogramática—sugeri.—Gramática?—perguntouAnthony,confuso.—Usar a gramática corretamente— expliquei com ar sério.— É que

saiuumartigonaAdvertisingToday,hámaisoumenosummês,quefalavadoquantoos anúnciosdehoje são cheiosde errosdegramática.Comoacolocação de apóstrofes no lugar errado, ou o uso de duzentas gramasquandodeveriaserduzentosgramas,essetipodecoisa.—Issomesmo!—confirmouAnthony,batendoocoponamesa.—Isso

mesmo, Jess.Gramática.Detalhes.Fazerascoisascemporcentocorretas.Centoedezporcento.Garantirasatisfaçãodocliente.—Easuaestratégiadeucerto?—Claro.Creioqueanossacarteiradeclientesfalaporsi.Crescemosaos

poucos, e não demorou muito até conseguirmos um espaço maisapropriado,bemaoladodeumbordelnoSoho.—Umbordel?—perguntei absolutamente chocada, entãome lembrei

doconselhodeIvana.—Querdizer,queincrível!—Eramesmo;atécertoponto—disseAnthony,sorrindo.—Asgarotas

erammuito divertidas. E, para falar a verdade, isso acabou virando algopositivo.Umdosmeusantigoscolegasdetrabalhoameaçounosprocessarpor aliciar clientes, e nós... descobrimos, como posso dizer... que elefrequentava o bordel. Uma vez, fiz ele saber que eu tinha conhecimentodisso...bem,foiofimdoproblema.

—Nãoacredito!—Ésério.Estoufalando,bonstemposaqueles.Puraadrenalina,todosos

dias.Cadacontratoeratudoounada.—Vocêfezumexcelentetrabalho—observei,sentindoocalordovinho

atingiroestômago.—HojeaMiltonéumadasmaioresfirmasdeLondres.Anthonysorriu.—Achoquesim.A comida chegou e, enquanto comíamos e bebíamos, Anthony falou de

comoaagênciacresceu,decomoelesconseguiramosmaioresclientesedecomo fizeram sucesso. Por fim, prestar atenção a cada palavra que elefalava tornou-se a coisa mais natural do mundo; e cada vez que euexclamava, ele pareciamais descontraído.No fim, eu já nem estavamaisfingindo. Estava animada e à vontade, e os olhos azuis dele brilhavam,olhandobemnosmeus.—É impressionante!—exclameiquandoacabamosdecomer.—Quer

dizer, tanta gentepensaemabriropróprionegócio,maspoucaspessoaslevamoplanoadiante.— Bondade sua — disse ele antes de me olhar com uma expressão

admirada.—Sabe,foibemdivertidoconversarcomvocê,Jess.Vocêéumapessoamuitointeressante.Temmuitasqualidadesquenãoaparecemtantonodiaadia.— Você acha?— Sorri timidamente, pensando em confessar que não

tinhadito nadaque indicasse algoprofundodurante todo o almoço,masmudeideideia.—Tem,sim.—Elemefitouporummomento,umpoucomaislongodo

queseriaconsideradoconfortável,eeuruborizei.Entãoelepediuacontaeabriuumsorriso.—Muitoobrigadoporsertãocompreensivaemrelaçãoàsexta-feiraànoite.Agimuitomalepeçodesculpas.—Ah,nãoprecisa—retruqueinamesmahora.—Nãofoiculpasua.Eu

estavaandandonolugartotalmenteerrado.—Vocêémuitogentil—disseAnthonysorrindo.—Afinal,vocêestava

noSoho.Issosignificaquevocêmorapertodocentro,ouoSohoéapenasseupointfavoritoparaumanoitedesexta?—Meupoint favorito?— perguntei, surpresa, e forcei um sorriso.—

Parafalaraverdade,éopointdaminhaamiga.NósmoramosemIslington.—Islington!—repetiuele,pensativo.—Temmuitosbarzinhosbacanas

emIslington.Euvivopensandoemdarumavoltaporaquelasbandas.—Éumlugarbacana.Bem,paraquemgostadessetipodecoisa.—Eoqueseria“essetipodecoisa”?

Orubornomeurostoficouvisível;elemeolhavademodosedutor,ederepente eu me senti como uma adolescente. Se ele tivesse contado umapiadaruim,euteriameacabadoderir.—Ah,vocêsabe.Querdizer,émuitomovimentado.Temmuitagente.—Adoromuitagente—disseAnthony,sorrindodeformamaliciosa.—

Vocênão?—Claro.Querdizer,sabecomoé,nadadeexcesso...AcontachegoueAnthonyaexaminouporummomento.—Sabedeumacoisa?—perguntouele finalmente,osolhosbrilhantes

comosetramassealgo.—Oquê?—Estoumedivertindobastante.Oquevocêmedizdetomarmosoutra

garrafa de vinho? Podemos ficar aqui, eu posso fumar e você pode falartudoarespeitodaspessoasdeIslington.—Mais vinho?—Meus olhos se arregalaram.—Ah, não.Não, eunão

posso. Já bebi demais. Além disso, tenho uma reunião comMax às duashoras, para discutirmos o planejamento do meu projeto. Para falar averdade,eudeveriavoltaragora.—Max pode esperar. Afinal, não se deve colocar o trabalho acima de

tudo. Sucesso não depende de trabalho. É um segredo que poucosconhecem, Jessica Wild: quem trabalha demais acaba trabalhando paraquemsabesedivertir.—Émesmo?—Você está diante de uma prova viva. Então?Mais vinho? Confie em

mim,seráumadecisãoprofissionalmaisacertadadoque ficarnasaladeMaxrevisandodetalhesdoseuprojeto.Olheiparaele,mordendooslábios.Eusabiaquedeveriairembora.Sabia

queMaxestariaesperandopormim.Poroutrolado,seriaumaatitudetãoerradadeixá-loesperando?Tudoqueeusemprefaziaeratrabalhar.Agoraestavaaqui comAnthonyMilton.Estavamedivertindo.Enãoqueriaqueessemomentoterminasse.—Maisvinho—concordei,sentindo-metomadapelaadrenalinademe

comportarmal.—Boaescolha—disseAnthony,piscando,antesdechamarogarçom.

Capítulo13

Max saiu da sala no instante em que Anthony e eu voltávamos para oescritório, nos arrastando. Pelo que me lembro, eu nunca tinha mearrastado por causa de bebida antes, mas não havia dúvida: evitávamosolhar nos olhos dos outros, tínhamos uma expressão despreocupada,ficávamosdandorisadinhassemmotivoalgum,eeuestavaadorandotudoaquilo.Percebiquetinhametornadoumapessoasériademais.Eprecisavamesmoficarumpoucomais leve.Conhecerpessoaseradivertido.Flertareradivertido.Ebeberduranteoalmoçotambémeradivertido.—Então, como foioalmoço?—perguntouMax,eoencareicomcerto

sentimentodeculpa;Anthonysedespediuefoiparaasaladele.— Almoço? Foi bom— respondi, enrolando um pouco as palavras, e

sorri.OcabelodeMaxestavadesarrumado,comosempreficavaaessahoradodia,poiselepassavaosdedosentreosfiosdiversasvezesenquantoseconcentrava, puxando-os de um lado para o outro, até deixá-los quasetodosparacima.Eleusavaumacamisalistradaeumsuéterazul-marinhocomgolaV,quedestacavaseusombroslargos.Penseiemmencionaressedetalhe,masacabeidesistindo.Maxeramuitosério.— Ótimo — disse ele sem convicção. — Pensei que tivéssemos uma

reuniãoàsduashoras.Assenti em silêncio, vagamente. Eu queria estender o braço e ajeitar o

cabelo dele, e decidir se ficava melhor jogado para a direita ou para aesquerda.Mas,emvezdisso,respondi:—Etínhamosmesmo.Mastrabalhonãoétudo,Max.Pelomenosquando

se trata de muito trabalho. Pessoas bem-sucedidas... — Franzi o cenhotentando me lembrar das palavras de Anthony. — As pessoas bem-sucedidasnãotrabalhamdemais—concluí.—Não?—perguntouMax,aborrecido.—Temcerteza?— Claro. — Então, cambaleei até a minha mesa. Eu não estava me

sentidotãobêbadanorestaurante.Mesmoaocaminharpelarua,euestavarazoavelmente bem. Cheguei a esbarrar emAnthony algumas vezes,maspenseiquetinhasidoculpadele.E,comoelepareceuacharengraçado,nãome preocupei. — Você tem que aprender a se divertir, Max. Esse é o

segredo.Elemeseguiuatéminhamesaeperguntou,fazendoumacareta:—Vocêandoufumando?Estácomumcheirohorrível.—Fumar...Fumaré...—tenteiargumentar,masesquecioque iadizer.

Eunãotinhaexatamentefumado;Anthonymeofereceraoutrocigarroeeuoexperimentei,sóisso.Apenasdeialgumastragadas.Parafalaraverdade,nãoentendiaomotivoparasefazertantoestardalhaçoarespeitodisso.— Certo. Bem, embora eu aceite seu conselho para me divertir mais,

infelizmente temosmesmo trabalhoa fazer.Pode iràminhasaladaquiacincominutos?Levantei a cabeça, mas não conseguia focar os olhos; então liguei o

computador.—Marcianãoestáaqui—comentei,aonotarasuaausência.—Enão

estánamesadela.— Não — admitiu Max, com o olhar estranho. — Ela está em uma

reuniãocomumcliente.Nãoseesqueça,cincominutos.—Cincominutosnãoéproblema—respondi,concentrando-meemcada

palavra.—Ficofelizdeouvirisso.Assim que ele se afastou, corri até a cozinha e bebi um copo d’água.

Depoisfuiaobanheiro.Emseguida,prepareiumcafé,bebimaisumpoucode água, por via das dúvidas, apanheimeu caderno, e fui,meio insegura,paraasaladeMax,ondemesenteiàsuamesadereunião.— Bem — disse Max, sentando-se ao meu lado. — A situação é o

seguinte: faltam menos de duas semanas para a próxima reunião comChesterRydall,queviráaquiparaveroquejáfoifeitoemrelaçãoàsnossaspropostas; o que significa que, nesse dia, teremos que apresentar aidentidadevisual,umconceitofechadoparaacampanhaeosresultadosdaanálisedopúblico-alvo.Fizquesimcomacabeça,séria.—Eentão?—perguntouMax,ansioso.—Pareceótimo—eudisse,imaginandooqueAnthonyestariafazendo,

bemdooutro ladodaparede.Duranteoalmoço,eu tinhanotadoqueeletinhaumapequenarugaacimadosolhosqueficavamaisprofundaquandosorria.—Sabedeumacoisa?Vocênãosorrimuito,nãoé,Max?—Nãosorrio?—perguntouele,surpreso.— Não muito — corrigi. — As pessoas gostam de gente que sorri.

Emboravocênãodevamostrarmuitoosdentes.— Ah, sei— disseMax, desconfiado.— Vou tentarme lembrar disso.

Bem,euandeiconversandocomopessoaldacriaçãosobreasuaideiaparaalogo.—Abolsa—interpus,felizporconseguirmelembrar.—Exatamente.Abolsa.Eelestêmótimasideias.Dêumaolhada.Ele mostrou algunsmock-ups, e eu fiz o possível para me concentrar

neles.—Aqueleélegal—afirmei,apontandoparaummodelocor-de-rosa.—Jess,vocêestásesentindobem?Vocêestáagindoestranho.—Estranho?—Fizumgestonegativodecabeça.—Nãoestouestranha.

Dequalquermaneira,vocêdeveriaterditodemaneiraestranha.Gramáticaémuitoimportante.—Acomodei-menacadeiratriunfante.Issomostrariaaelequeeuestavaabsolutaeperfeitamentebem.EntãopercebiqueMaxolhavaparamimedispareiumsorrisorápido.—Gramática—disseele.—Certo.Aceiteasminhasdesculpas.Enfim,

issoéapenasumprimeiroesboço.Assimquetivermosonossoconceitoumpoucomaisdefinidopoderemosavançarmais.Eaíentraasuaparte.—Minhaparte?—Nessemomentomedeicontadequeeudeveriafazer

perguntas. Deveriamostrar que estavamuito interessada nele. Então eleficaria lisonjeado e esqueceria tudo sobre conceitos ou sobre qualquercoisadequeestivessefalando.—Oconceito.Eapesquisa.Jess,oquehádeerradocomvocê?Essaéa

suaconta.Vocêtemideiadoquantoissoéimportante?Paraagente?Eparavocê?—Claro—respondi.Elepareciaaborrecido.Irritadodeverdade.Talvez

eudevessefazeralgumasperguntas;colocarempráticatodoocharmedeJessicaWiiild.—Sóestou satisfeita, porqueera sobre issoqueeuqueriafalarcomvocê.—Sorri,tentandofazerbiquinho.—Aidentidadevisualeoconceito. A propósito, Anthony me contou como vocês dois abriram aagência.Acheimaravilhoso.Vocêé tão talentoso.Euadorariaouvira suaversãodahistória.—Oquê?—perguntouele,curioso.—Estoufalandodoiníciodaagência,dasdificuldades,docheirodepeixe

ebatatafrita,decomovocêsconvenceramclientes...—Bem,vocêfaztudoparecerbemromântico,masnaverdadefoiapenas

muitotrabalho.— Muito trabalho e lábia para persuadir as prostitutas a prestarem

alguns favores — acrescentei, sorrindo e tentando expressar um brilhomaliciosonoolhar.—Persuadirprostitutasafazeroquê?—indagouele,perplexo.—Pelo

queeusaiba,nuncahouvenenhumaprostitutanosprestandofavores.—Nãoavocês,masaocaraqueiaprocessá-los—esclareci,impaciente.

—Anthonymecontoutudo.—Ah, contou? Bem, então ele também deve ter contado que a garota

entendeutudoerrado;quedescobrimosqueelasereferiaàoutrapessoa;eque,depois,areuniãoque fizemoscomohomemcerto foiumdospioresmomentosdaexistênciadaMiltonAdvertising.—Elenãodisseisso.—Claroquenão,porque issoarruinariaumaboahistória—disseele,

comardedeboche.—Masnãovamosperderofoco.CreioquevocêiafalarsobreapesquisaeoconceitodoProjetoBolsa.—Eu?—Exatamente.Então?— Então — repeti, percebendo, irritada, que nenhuma das táticas de

Ivana funcionaria com Max. — Então, suponho que estou analisando oconceito sob todos os ângulos. Sabe como é, examinando os possíveisresultadosdapesquisa...—Sobtodososângulos—repetiuMaxcomarcético.—Issomesmo—disse,demaneiradefensiva.—Oqueestouquerendo

dizer équeestou considerandoos aspectosmais amplos.Examinandoasquestõesprincipais.—Equaissãoelas?Mudeideposiçãonacadeirademaneiraestranhaetireiocasaco.Estava,

outravez,apertadaparafazerxixi.—Sãooscomponentescruciaisnessacampanha—respondi,hesitante.—Euesperavamaisdetalhes—observouMax.A frustraçãoeranítida

emseurosto.—Detalhes?—perguntei,cruzandoaspernas.—Quetipodedetalhes?Eleselevantou.— Tudo bem, eu não sei o que está acontecendo, mas sei que não

estamoschegandoalugarnenhum.Quetalseeusugerirasquestões,evocêdizseconcordaounão?—Boaideia—concordei,tentandonãomostrarmeualívioe,aomesmo

tempo,meesforçandoparameconcentrarnoqueeledizia.—Bem—disseMaxderepentecomumaexpressãoséria.—Temosque

encomendar uma pesquisa completa, feita à base de levantamento dedados secundários e, talvez, uma ou duas discussões em grupo, também.Temosqueesclareceraproporçãodegastosnapropaganda impressaemcomparaçãocomapropagandanainternet;definirsequeremosresultados

diretosou sequeremos construir amarca; decidir a identidade visual damarca;estabeleceraaceitaçãoesperada...ÀmedidaqueMaxfalava,eucontavaatédez,repetidasvezes,torcendo

paraqueotempopassassemaisrápido.—Omaisimportanteéfazercomqueopúblicocontrateoserviço,certo?

—concluiuele,enfim.Concordei,hesitante,sentindoatestacobertadesuor.Emseguida,cruzeiedescruzeiaspernasmaisumavez.Nessemomento,

percebi que não tinha nem tocado no caderno. Então o abri e comecei afazer anotações.Mas, por alguma estranha razão, era como se eu tivesseduas mãos escrevendo duas coisas diferentes. Ao perceber que tambémnãoconseguiaescreveremlinhareta,pouseiacaneta.—Exatamente.Fazercomqueopúblicocontrateoserviço.—Temosquedefinir quando iremos anunciarnas revistasdemoda, e

analisaramelhorformadealcançarpossíveisclientesapósolançamento,parapodermosgerar interessepeloproduto—continuouMax, franzindoumpoucoatesta.—Mala-direta,patrocínio,essetipodecoisa.Temosdepensaremumaestratégiaparausaraimprensaespecializadaemparalelo,ao mesmo tempo da campanha. Também precisamos de consultoresfinanceirospararecomendaremofundoaosseusclientes,nãoacha?Concordeidistraidamente.Osmúsculosquecontrolavamaminhabexiga

trabalhavamalémdonormal.—Ótimo—prosseguiuMax.Eupercebi,desapontada,queeleaindanão

haviaterminado.Alguns minutos depois, ele parou e me lançou um olhar inquisitivo.

Concordeiefusivamente, semfazeramenor ideiadoqueele tinha falado.Eu havia passado o tempo todo usando cada milímetro do cérebro meconcentrandoemmeseguraratéchegaraobanheiro.—Tudobem—eudisse.—Bem,seissoétudo,achomelhorcomeçara

pôramãonamassa.—Comoassim?Agora?—Nãohátempoaperder.QuandofoimesmoquevocêdissequeChester

viriaparaseinteirardacampanha?—Semsernapróximasegunda-feira,naoutra.Vocêanotounaagenda,

nãoanotou?Porquevaiserumareuniãomuitoimportante.—Entãoémelhornãoperdertempo—eudisse,forçandoumsorrisoe

cerrandoospunhos.Maxmeolhoudemodoimpassível.—Temcertezadequeestátudobem?Vocêestámuitoesquisita.

—Nãoestouesquisita.Sóestoumenosséria,éisso.Menoschata.Avidaéparaseviver,Max.—Avidaéparaseviver.Esseéoseunovomantra?—Éomeunovojeitodeser.—Achoqueprefiroojeitoantigo—disseele,demaneiracategórica.—Bem,édireitoseu.Masnaverdadenão temnadaavercomvocê.E

quanto ao Projeto Bolsa, está tudo sob controle— assegurei, sentindo osuor gotejando na nuca. Se não fosse imediatamente ao banheiro, nãoconseguiriamaisme segurar.— Trabalhar émuito bom,mas também éimportantesedivertir,Max.Muitoimportantemesmo.—Naminhaopinião,diversãoéalgosuperestimado—concluiuelecom

arpreocupado.—Bem,seprecisardealgumacoisa,meavise,estábem?—Estábem.—E,lembre-se,nãotemosmuitotempo.— Não se preocupe — prometi, começando a me afastar. — Vou

providenciartudosuper-rápido.Elemeseguiuatéaporta.— Ah, só mais uma coisinha — acrescentou. Eu estava tão perto do

banheiro que já estava quase tocando a porta, mas me forcei a virar esorrir.—Oqueé?—Quandovocêdissequevaiprovidenciartudosuper-rápido,vocêquis

dizer rapidamente, não é?— perguntou ele, com um sorriso irônico.—Gramática,lembra?Émuitoimportante.

Capítulo14

PROJETO:CASAMENTODIA10

Pendências:1.Tomarremédioparadordecabeça.Água.Maisremédioparadordecabeça.2.Nuncamaisserchata.Diversãoéoseunovosobrenome...3.Lembre-se,aspessoasbem-sucedidasnãotrabalhammuito.Oualgodogênero...

Quando acordei nodia seguinte comumador de cabeça terrível, pareciaque alienígenas tinham se instalado na minha cabeça durante a noite,extraído omeu cérebro e substituído por umamáquina de ferro pesada,com garras que pressionavam meu crânio. Estava bêbada demais paraconseguir comer quando cheguei em casa, e agora sentia um buraco noestômago;umaolhadarápidanoespelhorevelouumrostopálido,dandoaimpressão de que eu estivera escondida por vários meses. Mal melembravadodiaanterior.Lembrava-medeteralmoçadocomAnthony,deter feito perguntas e de perceber seus olhos brilharem. Lembrava-me deter sentido leves pontadas de excitação percorreremmeu corpo, sempreque eleme fitava com armalicioso.Mas, depois disso, aminhamemóriapraticamenteseapagou.TinhavagaslembrançasdeumareuniãocomMax—emboranãomerecordedoassuntonemoquediscutimos.Alembrançameio indefinida de chegar em casa, dos gritinhos de alegria de Helenquandoeufaleidoalmoço,demearrastaratéacama...esó.— Você não vai — declarou Helen com firmeza. — Está com uma

aparênciahorrível.—Tenhoqueir—resmunguei.Euqueriair.QueriaverAnthony,queria

queelesorrisseparamimdenovo.—Masvocêestádoente.—Ressacanãoédoença.—Atéoseucabeloparececansado.— E está cansado.— Suspirei. — Mas você pode fazer uma pequena

mágica,nãoé?—Vocêquerdizerummilagre?Olha, não vá.Telefone edigaque está

doente.—Eutenhoqueir.Euquero.Mantivemosessaconversaevasivaporunsquarentaminutos,duranteos

quaisconseguitomarbanho,beberduasxícarasdecafé,comercerealcomleite—oquepareceu ter aliviadominhadorde estômago—, tomarumpoucomaisdoqueadoserecomendadadeparacetamolememaquiar.Naverdade,Helenmemaquiou,poisasminhasmãosnãoparavamdetremer.—Contei do almoço comAnthony?—perguntei enquanto ela passava

corretivosobmeusolhos.—Váriasvezes.—Chegueiafalarqueeledissequeeutinhamuitasqualidadesquenão

aparecemtantonodiaadia?—Achoquevocêmencionou,sim.—Helensorriu.—Emboravocênão

estivesse falando commuita coerência. Nunca vi você tão bêbada. Aliás,nuncavivocêbêbada.—Etambémfumei—declareicomorgulho.—Vocêdissequedeuduastragadasetevequeselivrardaquilo.Deideombros.—Dánomesmo.Aquestãoéexperimentar.Anthonydissequesevocê

nãoexperimentarcoisasdiferentes,nãochegaalugarnenhum.—Interessante.Eununcateriapensadonisso.Deiumarisadaeacabeigemendoporcausadadordecabeça.—Bebemosduasgarrafasdevinho.—Pronto.Acabei.Escuta,temcertezadequetemqueir?—Tenho—confirmei,convicta,acenandocomacabeça.—Tudobem.Pelomenossuaaparênciaestáumpoucomelhoragora.Conseguidarumsorrisoesaí,balançandoocabelo.Namesmahorame

arrependidogesto,poisminhacabeçacomeçoualatejar.Umahoradepois,apóspegarotremerradoduasvezes,finalmentechegueiaotrabalho.Assimquemesentei,Maxseaproximou,eeuolheiparaelesemomenor

entusiasmo.— Tive outra ideia— disse ele logo, abrindo mão de sutilezas, como

cumprimentarcomumBomdia,aoqualeuteriarespondido:Não,nãoéumbomdia. Entãopercebiqueesse comportamentoera típicodeMax: sériodemaisotempotodo.—Émesmo?—perguntei,enquantoligavaocomputador.—Sobreapesquisa.Temosquesaberapercentagemdemulheresque

ganhamacimade50mil librasporano.OJarvis jádeveteralgunsdados,mas também seria bom saber quem ganha ainda mais; mulheres que

ganhammaisde500mil. Issopodeestabelecerumarelaçãopositivacomasclientes,como:“essassãoasmulheresquetodasqueremser”,essetipodecoisa.—Claro—falei,procurandomaisanalgésicosnabolsa.—Achoótimo.—Vocêseimportadefazerisso?Olheiparaele,irritada.— Não. Não me importo — respondi, de maneira curta e grossa. Eu

precisavadecafé.Muitocafé.—Certo.Entãovoudeixá-laencarregadadessaparte.Maxseafastouesuspirei,deixandoacabeçacairentreasmãos.Analisei

oqueelehaviadito.Oqueémesmoqueeleiriadeixarparamim?Mulheresque ganham mais de 50 mil? O que ele esperava que eu descobrisse arespeitodelas?Aospoucos,mevireiparaencararocomputador.—Tudobem?—perguntouMarcia ao surgir dianteda suamesa, com

umsorrisomeigo.—Tudobem—respondi,semlevantarosolhos.—Tudomuitobem.—EusoubequevocêalmoçoucomAnthony.—Poisé—disse,sorrindo.—Almocei.—Aoqueparece,elegostou.—Émesmo?— indagueiempolgada,e logomecontive.—Querdizer,

quebom.—Ah,é?Marciameolhavacomcuriosidade,efiqueitensa.—Algumproblema?—Não!Dejeitonenhum.Elaobservavameurosto,eeumesentiaindamaisnervosa.—Oquefoi?—perguntei.Elamedirigiuumolharinocente.—Nada.Quer dizer, se você arranja tempopara almoçar e beber com

Anthonyeaindaadministrarumacontaimportante,ficofelizporvocê.SeoProjetoBolsaestásobcontrole,entãotudobem.—Está.OProjetoBolsaestácompletamentesobcontrole.—Entãoótimo.Fazendoopossívelparanãomeirritar,apanheimeucadernoevireias

páginas para procurar as anotações da reunião com Max. Por que, derepente,todomundoestavatãoobcecadoportrabalho?Seráqueelesnãosabiam que havia outras coisas na vida? Passei os olhos pelo caderno,enquantoviravaaspáginas,elogomeassustei.

PulpFiction, descobri, escrito coma caligrafiadesleixada. Só trabalho enenhumadiversãofazdeMaxumbobão.Umpoucomaisabaixo,eutinhadesenhadoumabolsa.Esó.Essaseramasminhasanotaçõesdareunião.Certo,talvezeunãoestivessetãoconcentrada.EntãofuiatéasaladeMaxe,hesitante,abriaporta.—Sim?—perguntoueledeformadireta.—Oi,Max.Euestavapensando.Sabeareuniãodeontem?Elefezumgestoafirmativodecabeça.— Você compilou a pesquisa? Não se esqueça de que estamos

trabalhandocontraotempo,Jess.—Eusei.Bem...Eusóestavapensando...—Pensandoemquê?—perguntouMaxcomar sério.—Vocênãovai

pedir que eu passe a sorrir mais, não é? Ou dizer que algumas pessoasvalorizamotrabalhodeformaexagerada?—Não—respondinamesmahora.—Eusóqueria informá-lodeque

estátudosobcontrole.—Ótimo—disseele,voltandoaotrabalho.—Ficofelizemouvirisso.Saídasala,aindainsegura.AsaladeAnthonyficavaaoladodadeMax.

Eu poderia perguntar a ele. Ele não era sisudo como Max. E, afinal decontas, era a agência dele. Ele saberia o que estava acontecendo. Então,hesitante,batiàporta.—Podeentrar.Assim que abri, me senti melhor ao ver Anthony sorrindo para mim.

Retribuíosorriso.—Jess!JessicaWild.Comoestáhoje?—Bem,estoubem—respondi,contente.—Quebom.Maxveioaquimaiscedo.Estavapreocupadocomvocê.—Preocupado?Comigo?—Ah,nadasério.Eleachouvocêumpouco...estranhaontem.Óbvioque

faleiqueeleestava imaginandocoisas.Dissequenossoalmoçotinhasidoabsolutamentesóbrio,sembebidas.—Jura?—Claro.—Elepiscou.—Paraomeubemeparaoseu.OqueMaxnão

entendeéqueépossívelbeberduranteoexpediente,voltareexecutarastarefas com perfeição. Aliás, fiz uma ótima compra de uma impressoraontem à tarde, o que comprova a minha tese. E tenho certeza de que areuniãocomMaxfoimuitomenoschatadoquepoderiatersido.

—Ah,sim—concordeisemconvicção.—Emquepossoajudá-la?— Hmm, bem... — Talvez aquele não fosse o melhor momento para

perguntar o que eu deveria estar fazendo em relação à conta da JarvisPrivateBanking.Então tenteipensar emalgumaoutra razãopara ter idoatésuasala.—Éque...vocêdissequegostariadeiraIslington.Portanto,eusóqueria dizer que se você realmente quiser, a qualquer hora, eu ficariafelizem...servirdeguia.Então,sorri,comosetivessecumpridoaminhamissão,emevireipara

sair.—Quetalsábado?Entãopareie,lentamente,mevireiparaele.—Sábado?—Estoulivresábadoànoite.—Está?—perguntei,perplexa.—Querdizer...está?—repeti,abafando

otomdesurpresa.—Evocê?Sentiumnónagarganta.— Hmm, acho que sim — respondi, fingindo verificar mentalmente

minha agenda inexistente. Eu não estava preparada para isso. Não sabiacomoreagir.—Entãoestámarcado.Pegovocêàsoitohoras.—Marcado.—Jess?Parei, sentindo uma ponta de alívio. Claro. Ele devia estar apenas

brincando.—Vocêvaiterquemepassaroseuendereçopore-mail.Olheiparaele,desconfiada.—Paraqueeupossabuscá-la.— Para me buscar em casa— eu disse, atônita. — Está bem. Já vou

mandaroe-mail.—Certo.AopassarpelasaladeMax,viqueaportaestavaabertae,semquerer,

acabeichamandosuaatenção.—Tudobem,Jess?—perguntouele.—Tudobem?—repeti,orostosemdemonstrarnenhumaexpressão.—

Claro.Ascoisasnãopoderiamestarmelhores.

Capítulo15

—NãopossoacreditarquevocêchamouAnthonyparasair!Simplesmentenãoacredito!OlheiparaHelen,preocupada.Eutambémnãoconseguiaacreditar.Aliás,

nãoconseguiaacreditarqueeletivesseaceitado.Nosúltimosdias,euvinhaoscilandoentreafelizperplexidadedequeiriasaircomAnthonyMiltoneomedoedesesperoabsolutosdequetudonãopassassedeumabrincadeira,dequetudoacabariadandoerrado,detê-lo induzidoafazer isso,eele jáestarreceoso.Mesmoagora,sábadoànoite,diantedeumaenormepilhaderoupasobreacama,edepoisdetermetrocadoquinzevezes,euaindanãoconseguiaacreditar.— Eu não planejei nada. Apenas... aconteceu. Ah, meu Deus, ele deve

acharqueeuestoudesesperada,nãoé?— Desesperada? Não! De jeito nenhum. Ele deve achar que você é

confiante,umamulherquesabeoquequer.Sónãoconsigoimaginarvocê,detodasaspessoas,chamandoAnthonyparasair.Ivanaémesmogenial.—Nãofoibemassim...Querdizer,foielequemdisse:“quetalsábado?”

Eusófaleiquepoderialevá-loparaconhecerIslingtonumdiadesses.—É issoqueestouquerendodizer.Vocêmontouoataquedemaneira

perfeita, e aindapor cimaabriu espaçoparaqueelemarcasseo gol. Issorequerumverdadeirotalento.Então, me permiti sorrir. Nos últimos tempos, Helen tinha passado a

assistir a futebol pela televisão por causa de um programa esportivo deperguntaserespostas,doqualelaestavapensandoemparticipar.—Então,comoestou?— Não sei... Acho que é a saia — ponderou Helen. — Não é justa o

suficiente.—Estábemapertada.Nãoconsigonemandardireito.—Oobjetivodeumasaianãoéconseguirandar.Oimportanteécomose

ficaquandovocêévistadecostas.—Talvezumasaiamaiscomprida—sugeri,ansiosa,virandodecostas

paraoespelho.Nãomesentiaconfortávelcomumaroupatãoreveladora.—Não,precisamosmostrarsuaspernas.

—Minhaspernas?Não,não,elasficammelhorescondidas.—Nadadisso.Qualé,Jess.Lembre-se:JessicaWiiiiild.Elacorreuatéseuquartoetrouxeumasaiavermelhagodê,combotões

pretos. Era curta — demais, na minha opinião —, mas pelo menos euconseguiriasentar.Euavestieentãoolhamosnoespelho.—Achoqueficoubom—eudisse,aindaemdúvida.—Ficouótimo!Quemdiria!Rapidamente,elapegouumbatomvermelhoepassounosmeuslábios.

Entãoseafastou,paraverificaroresultado.—Agorasimvocêestápronta—disse,orgulhosa.—Temcerteza?—Ponhaosapato.Calceiosapatoalto,preto,debicofino.—Agoravire-se.Obedeci.—Dêumsorriso.Fizumacareta.—Nãosounenhumamodeloidiotadeestandedecarro—resmunguei,

semconvicção.—Sorriaparamim—exigiuela,eeuobedeci.EntãoHelenergueuum

espelho e fiquei de queixo caído. Meus olhos maquiados estavamabsolutamentesedutores,minharoupatinhaumdecotemarcanteeminhacinturapareciabemfina.—Então,oquevocêtemquefazer?Franziatestaparamelembrar.—Fazermuitasperguntaserirdaspiadasdele.—Eoquenãopodefazer?—Falardemim,discordardeleeiremboracedo.Helenabriuumsorriso.—MeuDeus,achoquevocêestápronta—disseela,fingindolimparuma

lágrima.—Nãopossoacreditarqueaminhameninacresceu.Nesse instante, a campainha tocou e nós duas ficamos paralisadas por

ummomento.Helenpegoumeucasaco.—Vaidartudocerto.Apenassorriaearrase.Enãoseesqueçadequeele

devesedespedircomumbeijo.— Você acha que ele vai me beijar?— O pensamento foi, ao mesmo

tempo,divertidoehorripilante.—Bem,esperoquesim—ponderouela.—Querdizer,esseéoobjetivo

deumencontro,nãoé?—Maseu...Éque...Eu...

— Vai dar tudo certo. É como andar de bicicleta — disse Helen comdesdém.—Nuncaaprendiaandardebicicleta—conseguidizer,masela jánão

estavaprestandoatenção.—Lembre-se:vocêémaravilhosa.VocêéJessicaWild.Ela fezumapequena imitaçãode Ivana aodizer omeunome, e eume

esforceiparasorrir.—JessicaWild—repeti, tensa.—Sóesperoquevocêsaibaoqueestá

fazendo.

Quandodesci,Anthonyestavaapoiadonaparede.— Então, Jessica Wild. Aonde você vai me levar? — perguntou ele,

sorrindo.— Bem, Islington — respondi. Eu me sentia nervosa, idiota. A

autoconfiança que havia construído durante os anos tinha como base oprincípio de que eu era uma pessoa inteligente e séria; um serindependentequesabiaoquequeriadavida.Saindocomumasaiagodêemum encontro me fazia sentir um peixe fora d’água, como se a qualquermomentofosseserdesmascaradaeridicularizada.Anthony,entretanto,nãopareciainclinadoazombardemim.Seusorriso

erademalícia,nãodezombaria,esentimeusombrosrelaxarem.Eleriucomaminharesposta.— Isso eu já imaginava— disse, estendendo o braço.— O que quero

saberésevamosaalgumlugarespecíficoousevamosapenasficarparadosemumaesquinaqualquer?Olheiparaeleesentimeurostocorar.— Ah, sim. Bem, tem um barzinho interessante na Upper Street.

Podemosirlá.Sevocêquiser.—Interessante?Fiqueicomorostoaindamaisvermelho.Eunãofaziaamenor ideiade

comoeraobar.Helentinhamedadoumalistadelugares,emcujamaioriaeununcatinhaido.Enuncaquisir.—Devesermuitobom.Minhaamigamerecomendou.Maspodemosira

outrolugar,sevocêpreferir...—Não!Vamos testaraopiniãodasuaamiga—disseele,aindacomo

braçoestendido.Acheiqueelequeriaqueeuosegurasse,portanto,assimofiz,eumfrissonatravessoumeucorpo.Segundosdepois,descíamosarua.EueAnthonyMilton, comose fossea coisamaisnaturaldomundo.—A

propósito, adorei sua saia. Nada como um pouco de vermelho, não é?Remeteaumatourada.—Émesmo?Vocêgostou?É...obrigada.Querdizer...Eunãosabiaoquedizer.EratãodifícilmelembrardeseranovaJessica

Wild,agarotaquesabiacomoreceberumelogio.—Acheimaravilhosa—confirmouAnthony.—Édaminhaamiga—esclareci,elogotivevontadedemedarumsoco

nacarapelocomentárioestúpido.— Pelo visto temos uma dívida de gratidão com sua amiga por esse

encontro—disseele,comumapiscadela.—Eondeficaobarzinho?Vocêéquemvaimeguiar.

Adívidadegratidãofoiesquecidanomomentoemqueentramos.Olugarestava lotado,amúsicaeraaltademaisenãohaviaondesentar.Tambémnãodavapara ficardepé,porqueaspessoasempurravam, comosevocêestivesse obstruindo o caminho. Depois de levar vários empurrões porvinte minutos, deixamos nossas bebidas para lá e fomos embora. Helentinha sugerido um restaurante chamado Figos, que era consideradomoderninho; o típico “lugar para ver e ser visto”,mas, ao olharmos pelajanela,vimosquetambémestavalotado.Alémdisso,haviaumporteironaentrada, que analisava as pessoas de cima a baixo, como um leão dechácara.— Essa também é uma das sugestões da sua amiga? — perguntou

Anthony,afastandooolhardajanelacomardeespanto.—É.Acontecequeelaémais...bem,elacostumasairmaisdoqueeu—

expliquei.—Vocênãosaicommuitafrequência?—Eu...Nem sempre tenho tempo— respondi sem convicção.—Quer

dizer,tenhomuitacoisaparafazernotrabalhoe...— Muito trabalho e nenhuma diversão deixa qualquer um bobão —

lembrouAnthony,sorrindo.—DigoissoaMaxotempotodo,maselenãomeouve,eveja sóo resultado.Elenãosaberia sedivertirnemsevocêolevasseaumclubedestrippereempurrasseváriasnotasde50 librasnamãodele!Olheiparaele,surpresa.—Um...clubedestripper?Elepiscou.—Éapenasumaforçadeexpressão,sóisso—logocorrigiu-se.—Odeio

esseslugares.MasvocêentendeuoqueeuquisdizersobreMax?Ocaraéumtotalworkaholic.Eseapessoatrabalhaemuma indústriadecriação,como a nossa, além de trabalhar, precisa curtir a vida. Ela precisa deestímulosexternosparaobterinspiração.Precisaverpessoassedivertirempara saber o que elas estão buscando, para aprender como venderprodutosaessaspessoas.—Entãoparavocêsairéumaespéciedepesquisa?—perguntei,séria.Eleriu.—Exatamente.Pesquisa.Aliás,eudeveriacolocarnacontadafirmaesse

nossoencontro!Eu não sabia se ele falava sério ou não, por isso não disse nada. Ele,

entretanto,olhouaoredor,comarpensativo,eperguntou:—Quetal...seformosaumlugarzinhoaquiperto,queeuconheço?Pelo

que eu saiba não há nenhum DJ, mas a comida é excelente e a carta devinho,extensa.Concordei,sentindo-mealiviada,maslogopercebialgoestranho.—PenseiquevocênãoconhecesseIslington.—Enãoconheço.Querdizer,nãomuito.Masvimaquiumavez,comuma

garota... uma amiga. — Ele se corrigiu imediatamente. — Tenho quasecertezadequeorestauranteficaporaqui.—VocêtinhaumanamoradaemIslington?Anthonydeudeombros.—Nãoerabemumanamorada.Nadasério.Efoihámuitotempo.É claro que ele havia tido uma namorada em Islington. Ele

provavelmente tivera uma namorada em cada bairro de Londres. Nãodemoreiamelembrardagarotaqueestavacomele,nocarro;adeóculosescuros,masme esforcei para evitar pensar nela. Não valia a pena ficarremoendo isso; o que importava é que, naquele momento, ele estavacomigo.—Porquenãoerasério?—Aspalavrassaíramantesquepudesseme

conter.—Porquê?SóDeussabe.Achoqueelanãoeraomeutipo.Fizque simcoma cabeça, ehouveumbreve silêncio.Fazerperguntas,

lembrei.Fazermaisperguntas.—Equaléoseutipo?—Omeutipo?—Anthonysorriu.—Boapergunta.Sabedeumacoisa,

achoquenãosei.Querdizer,nãoseisepoderiaexpressarempalavras.Eàsvezesaspessoassurpreendemagente.Vocênãoimaginaqueelassãooseutipo,atéquealgoaconteceevocêmudadeopinião.

—Mudadeopinião?—Issomesmo.—Obraçodeleestavasobreomeuombro,esentiocalor

daquelecontato.Pormaisqueeuvissecomdesdémocomportamentodealgumas mulheres que depositavam em um homem a razão de suafelicidade, consegui entender claramente a força desse magnetismo. —Esperoquevocêestejacomfome,porqueacabamosdechegar.Ele abriu a porta do restaurante e nós entramos. O lugar era bem

pequeno,tinhaapenasumasdezmesas,quaseencostadasumasnasoutras,eos garçonsdeslizavamentre elas.Epareciahavermais funcionáriosdoqueclientes.Imediatamente,umhomembaixinhoveionanossadireção.—Nãotemosreserva—declarouAnthony,desarmandoohomemcom

um sorriso. — Mas eu estava justamente dizendo a Jess o quanto seurestauranteémaravilhoso.Estiveaquihámaisoumenosumano.Sefossepossívelarranjarumamesa,issosalvariaanossanoite.Ohomemsorriuesevirouparaexaminarolocal.— Não será fácil — respondeu ele com um sotaque italiano. — Mas

vamosveroquepodemosfazer,estábem?—Nãofalei?ÉomelhorrestaurantedeLondres—disseAnthonyemvoz

alta, de propósito, piscando para mim. Segundos depois, uma mesa foitrazidaeacomodadaaoladodajanela.—Porfavor—disseomaître,puxandoaminhacadeira.Então eu me sentei e me lembrei do conselho de Ivana. Demonstre

gratidão;valorizeoqueelefaz.Faça-osentir-seomáximo.—Nossa!Issofoiincrível!Anthonysorriu.—Pode-seconseguirmuitacoisaelogiandoaspessoas—disseele,com

sabedoria.—Nuncaseesqueçadisso.—Nãovouesquecer—falei,comumlevesorriso.—Jamais.Oscardápiosforamtrazidose,enquantoeutentavadecidiroquepedir,

meusolhosvagarampelo restaurante.Erao tipode lugarondevocêmaltoma um gole do seu vinho e o garçom enche a taça novamente; onde ocliente é tratado por “senhor” e “senhora” e elogiam sua escolha quandovocêpedeumvinhosóporquegostoudonome.Quandofizemosospedidos,Anthonydisse:— Fale sobre JessicaWild. A verdadeira, não aquela que se comporta

comoaVelhaJessicanotrabalho,todaquietinhaereservada.—AVelhaJessica?—perguntei,confusa.—É,a Jessicaqueeuconhecia.—explicouele.—Vocêparecesempre

tão séria, tão preocupada. Mas agora estou começando a conhecer umaoutraJessica,eestouadorando.—QueoutraJessica?—EssaNova Jessica.—Ele sorriu.—A Jessica que faz apresentações

excepcionais,quebebeumagarrafa inteiradevinhonoalmoço,quefingenão ser uma baladeira de primeira, mas conhece os bares maismoderninhosdeIslington.Falemaissobreela.—Ah,bem,nãosei...—balbuciei,constrangida.Euprecisavamudarde

assunto, pois aquele era um barril de pólvora.Não fale sobre você. Nãodiscordedele.—Bem,nãohámuitooquedizer.Masvocê...vocêdevetermuitashistóriasparacontar.Paracomeçodeconversa, sobre todasessasnamoradas.Eleriu.—Vocênãoestáinteressadaemsaberdasminhasnamoradas.Naverdade,não,pensei.—Claroqueestou—retruquei.—Estou,sim.— Tem certeza?— perguntou ele, incrédulo. Então resolveu falar. —

Muitobem,voucontar—disseele,comosolhosbrilhando.—Masissosóreforça aminhaopinião a seu respeito,Nova Jessica.Você édiferentedequalquermulhercomquemjátiveoprazerdejantar.Bem,devocomeçardo começo até chegar os dias de hoje, ou pelo caso mais recente eretroceder?—Comovocêquiser—respondi,sorrindo,mas“semmostrarosdentes”.

—Paramimtantofaz.

Ele passou todo o jantar falando de suas aventuras amorosas. Parei decontarquandochegueinaquadragésimasegunda,masdevoterdeixadodecontarumaouduas.—Evocênuncaquisficarcomnenhumadelas?—perguntei,começando

aficarinteressada.—Nemmesmoparavercomoseria?Anthonynegou.— Eu ficava enquanto achava que o relacionamento valia a pena.Mas

paraqueassumircompromisso?Vocêfariaisso,Jess?—Assumir compromisso?Eu... não, querdizer, eu...—Comecei a ficar

nervosa. Eu sempre tive a certezadequenunca assumiria compromisso;sempreestivedecididaanuncamecasar.Elemeolhoucomatençãoepegouminhamão.—Vocêaceitariaassumirumcompromissocomalguémmesmosabendo

queessealguémnãoeraperfeito?Ouesperariapelapessoacerta?Engoliemseco.—Achoqueeuesperaria—respondi, comumapertonopeito.Nossa!

Ele era lindo.Não que eu fossemederreter por um rosto bonito. Eu eraforteobastantepara esse tipode coisa. Ia apenas tentar seduzi-lo, comotinhaprometidoquefaria.Entãoelesorriuesoltouminhamão.—Exatamente.Aspessoaspodemmeolharedizerquesoumulherengo.

Mas não sou. Sou um romântico incurável, isso sim. Tudo que quero é amulhercerta.— É mesmo...? — perguntei, curiosa. — Você não quer pegar todo

mundo?Acontachegouenamesmahoraelepegouumcartãoefezumsinalpara

queeunemapanhasseminhabolsa.—De jeitonenhum—respondeuele,olhandobemnosmeusolhos.—

Eusóquerooquetodomundoquer.Alguémespecialparaamar.Vocêachaissobobagem?—Não sei. Hmm... não, claro que não— respondi, indecisa, e pensei:

Claroquesim.Bobagemtotal.Pelomenoseraoqueeuachava...Opa!Espereummomento.Claroqueerabobagem.Euestavacomeçandoameempolgardemais. A ideia de que havia um alguém especial, em algum lugar, à suaespera,eratotalmenteirracional.Algumaspessoasinsistiamemconstruirsuas vidas com base nessas teorias, depois não entendiam porque sedecepcionavam.— Eu também — disse ele sorrindo. — Embora eu saiba que um

terapeutadiriaquesouumcasoperdido,equeestoutentandosubstituiroamordaminhamãe.—Comoassim?—Elafaleceu.—Ah,meuDeus,sintomuito.Eunãosabia.Anthonydeudeombros.—Porquedeveriasaber?Nãoénadademais.Meuspaismorreramhá

muitotempo.Parafalaraverdade,nãoéramosmuitopróximos.—Porquê?—Eles eram ambiciosos. Achavamque eu deveria crescermais, sob o

pontodevistaprofissional.—Mais?—perguntei,perplexa.—Masvocêétãobem-sucedido...—Gentileza sua—disseAnthony, pensativo.—Mas infelizmente eles

não chegaram a presenciar o crescimento da Milton Advertising. Eles...

morrerammuitoantesdisso.De repente, senti uma afinidade com ele; como se em algum nível, eu

pudesseentendê-lo.— Meus pais também morreram. Pelo menos minha mãe morreu.

Quandoeuerapequena.Eu...Nuncasoubequemeraomeupai.—Sério?—perguntouele,comardecompaixão.—Coitadinha!Sentiumnónagarganta.—Nãosoucoitadinha—retruqueinamesmahora.—Tiveumaavóque

mecriou.Naverdadefoibom.Tivemuitasorte.—Comoelamorreu?Suamãe,digo.—Acidentede trânsito—respondi comcalma.—Aoque tudo indica,

um caminhão bateu no carro em que ela estava, na rodovia. Minha avócostumavadizerqueelanãotinhaamenorchancedesobreviver.Anthonyficoucomumaexpressãoséria.—Sintomuito,Jess.Quecoisaterrível.—É.— E quanto a relacionamentos? Você encontrou a pessoa certa, Nova

Jessica?Fiquei meio constrangida, sem saber o que dizer. O foco da conversa

estavavoltadodemaisparamim,paraomeugosto.Eutinhaquemudardeassunto,esemdelongas.—Não—respondi,embuscadeoutroassunto.—Vocêquerdizerqueseunamoradonãoéocaracerto?Leveiumsusto.—Namorado?Anthonymelançouumsorrisotranquilizador.— Max me contou. Tudo bem, não estou querendo julgá-la. Aliás, até

gostodofatodevocêterumnamoradoeestarjantandocomigo.AchoquefazpartedaaurademistérioqueenvolveaNovaJessica.—Maxdissequeeutinhanamorado?—perguntei,indignada.—Enãotem?—Não!Porqueelediriaisso?Porqueele...—Derepente,melembreido

funeral. O namorado que eu tinha inventado. Por que será que eu viviainventandonamorados?—Oqueeuquerodizer—acrescenteidepressa—équenãotenhomais.—Não?—Não.Nósterminamos.—Quepena!—Tudobem.Foiapenas...sabecomoé...coisasqueacontecem.

—Entãovocêestálivre,leveesolta?Sorri,meiosemjeito.—Totalmente.—Bem,issotornaascoisasaindamelhores—disseAnthony,esboçando

umsorriso.—Quandosairmosdaqui,vocêquerirparacasa?—perguntoueleemtomdeexpectativa.—Ouparaalgumoutrolugar?Sorri,nervosa.—Hmm...paracasa—respondi,comoseestivesseparticipandodeum

gameshow:Topaounãotopa?Ovencedorlevatudo.—Tudobem.Oquemedizdepegarmosumtáxi?Seussapatossãomuito

bonitos,entãosuponhoquenãodevamsernadaconfortáveis.— Você acha? Mas não precisa se preocupar, quer dizer, dá para

caminhar—eudisse,emboraelesestivessemmematando.—Podepegarumtáxi,euvouandando.—Dejeitonenhum.Vamosjuntos.Eudeixovocêemcasa.— Mas é completamente fora do seu caminho — protestei sem

convicção.—Vaificarmuitocaro.— Ainda bem que tenhomeu próprio negócio, não é?— disse ele, os

olhos brilhando. Então, se levantou, agradeceu o maître pela refeiçãodeliciosa,meconduziuparaforadorestauranteefezsinalparaumtáxi.—Sabedeumacoisa?Adoreiesseencontro—falou,apoiando-senoestofadode couro do carro, alguns segundos depois.— Espero que você tambémtenhagostado.—Comcerteza.—Aoolhardiscretamenteparaele,percebiqueestava

me olhando.Nossa! Como ele era lindo. Senti um arrepio de expectativa.Masexpectativadequê?Euestavamesmoachandoqueeleiriamebeijar?—Estoumuitocontente—murmurou.Entãome acomodei no banco, sentindo cadamúsculo e ligamento em

estadodealerta.Éclaroqueeuesperavaqueelemebeijasse,disseamimmesma, fazendo o possível para encarar a situação demaneira racional.Queria que ele me beijasse porque esse era o plano. Era o objetivo doencontro,aetapaseguintedoProjetoCasamento.Eofatodeexperimentaruma ansiedade estranha, uma sensação esquisita de profundo desejo,significavaqueeuestavarepresentandoopapeldireitinho;ouseja,estavalevandooprojetorealmenteasério.Porfim,sorrimeioindecisa.Anthonyretribuiuosorriso,porémsevirou

para olhar pela janela, deixando-me decepcionada. Mas, de repente,descobri o que deveria fazer: respirei fundo, torcendo para que Ivanaestivessecerta,eroceiminhamãonadele,deleve.

—Sabe de uma coisa— sussurrei, tentando não pensarmuito no queestavafazendo.—Adoreisair...comvocê.—Aindasemconseguirrespirardireito,pegueiamãodeleeimitei,otantoquantopude,otoquesutilqueIvanademonstraranoRegent’sPark.Entãoolheiparaele,ansiosa,eviqueeleencarava,demaneirafixa,meusseios.MeuDeus!Estavadandocerto.—Oprazer—disseele,comavozbaixaerouca—foitodomeu,Nova

Jessica.Lentamente, seu outro braço, que estava sobre o banco, tocou o meu

ombro.Emseguida,elemeenvolveuemepuxouparajuntodele.Antesqueeupercebesse,oslábiosdeleestavamcoladosnosmeus,eelemeabraçoucommaisforça,esóentãomelembreiderespirar.Derepente,ocarroparoue,parameudesânimo,Anthonyseafastou.—Chegamos—sussurrouele.—Possosubir?—Subir?—É—confirmouele,antesdemebeijarmaisumavez.—Nãoqueroir

embora.—Não...nãoquer?—perguntei,surpresa.—Não,nãoquero.Foiumamáideia.Eusabiaqueseriaumamáideia.Eunãoeraessetipo

degarota.Dejeitonenhum.Iadizer“não”.Eraaúnicarespostasensata.Sóquenãoestavamesentindosensata.Aliás,nuncahaviamesentidotão

insensataemtodaminhavida.—Vocêquertomarumcafé?— Café. Tudo bem... — concordou ele com um sorriso e, em um

movimentoúnicoecontínuo,pagouotáxi,saiudocarroefezsinalparaqueomotoristanãoseincomodassecomotroco.Nãotomamoscafénenhum.Parafalaraverdade,nemchegamospertoda

cozinha. Fomos direto para omeu quarto. Eminhas roupas tambémnãoficarammuitotemponomeucorpo.Nemasdele.Eracomose,derepente,eu realmente fosse Jessica Wild — não só no nome, mas na essência.Anthony Milton me beijava, e eu o beijava, como se fosse a coisa maisnormal do mundo. Ser autossuficiente era muito bom, mas ser desejadaassimera,defato,inebriante.—Uau!—exclamoueleumahoradepois,aoserecostarnacabeceirada

camaepegarumcigarro.Elemeofereceuum,masrecusei.Entãoacendeuodeleesuspirou,aoexalarafumaça.—Foidemais.—Demais?—repeti,ansiosa.Afinal,elequisdizerbomdemaisouruim

demais?—Comcerteza.Epensarquevocêiasedespedirdemim.

—Querdizerquevocê...gostou?—perguntei,indecisa.Anthonyriu.—Vocêémuitodivertida,NovaJessica.Éclaroquegostei.Sabedeuma

coisa,achoquevocêéumadaspessoasmaisimprevisíveisquejáconheci.—Eissoébom?Eu gostaria de não me sentir tão insegura. De não me sentir tão

vulnerável, de repente. Eu nunca tinha transado daquele jeito na vida.Havia sido simplesmente incrível, como os filmes ou os livros sempreretratavam:ummomentointensoeemocionante,emvezdealgoumpoucodecepcionante. Mas agora tudo que eu ouvia era a voz da minha avóecoandonaminhacabeça:ninguémamaumavagabunda,diziaelasemprequeeufalavaqueumagarotadaescolatinhanamorado;ousemprequeeuinsinuava que talvez saísse com alguém. “Se você não acredita, basta selembrardoqueaconteceuà suamãe: acabousendoabandonadagrávida.Não é de admirar que ela não tenha aguentado. Provavelmente jogou ocarro contra aquele caminhão de propósito.” Eu odiava quando ela diziaaquilo, sugerindo queminhamãe haviame deixado de propósito. Mas amensagemficougravadanaminhamemória:asvagabundastinhamumfimtriste.—Muitobom.—Então,elesedebruçousobreomeucorpoemebeijou,

antesdeacenderoutrocigarro.Franzi o nariz, me esforçando para não tossir quando me aninhei no

peito dele. Disse amimmesma que não havia necessidade deme sentirvulnerável.Minhaavóestavaenganada.Elaeraumavelhaamargaquenãosabiadoquefalava.—Adoreinossoencontro—sussurrouele.—Eutambém.Eledeuoutra tragadanocigarroeacaricioumeucabelo;meapoieiem

seu ombro e deslizei a mão por seu peito largo e seu abdome firme. Oabdome firme de Anthony Milton. Se isso não estivesse realmenteacontecendo,eununcateriaacreditado.— Onde fica o banheiro? — perguntou ele de repente. — No fim do

corredor?Fizumgestoafirmativocomacabeça,desejandoqueelenãoprecisasse

semexer,quepudesseficaraliparasempre.—Logodepoisdacozinha.Entãoelese levantouepegoumeuroupãoqueestavapenduradoatrás

da porta. Fiquei observando e achando engraçado: Anthony Milton commeuroupão.Quemdiria?

Depois voltei ame deitar, desfrutando aquelemomento. As coisas nãopoderiam ter sidomelhores. Eunão conseguia acreditar quenunca tinhanotado o quanto Anthony era atraente. O cara era maravilhoso.Maravilhoso e encantador. Maravilhoso, encantador e divertido. OcontráriodeMax.Bemmaisbacana.Muitomelhor.Otoquedeumcelularperturbouomeudevaneio,emeassustei.Parecia

o meu telefone. Logo pulei da cama e peguei minha bolsa. Mas, quandoverifiquei o aparelho, não havia nada; nenhuma mensagem, nenhumcorreiodevoz.Deiumsuspirodealívioevolteiparaacama.Eouviotoquedenovo.Lentamente,saídacamaecomeceiaandarnadireçãodosom.Podesero

alarme de incêndio, pensei preocupada. Ou algum outro alarme. Entãopresteiatenção.Estavaquasecertadequeobarulhonãovinhadoquarto.Acabei me enrolando com um lençol e fui para o corredor. Era dali quevinhaosom.Deimaisalgunspassoseacendialuz,curiosa.Eentãodescobridoquesetratava:eraocelulardeAnthony,namesinha

dohall,ondeeleotinhadeixado,aproximadamenteumahoraantes.Pegueioaparelhoecomeceiaandardevoltaaoquarto.Masalgochamouminhaatenção;umnomepiscavanapequenatela:MARCIA.Achei estranho. Talvez fosse uma emergência de trabalho. Não podia

pensaremoutrarazãoparaMarciamandarumtorpedoparaAnthonynomeiodanoite.Nãoqueeufosseolhar,afinal,otelefoneeradele.Imediatamente, decidi colocar o aparelho de volta namesa. Assimque

elesaíssedobanheiroeuoavisariaquetinhaouvidootoque.Nãoeradaminhacontaquemmandavamensagensparaele.Ecertamenteeunãoeraotipodepessoapatéticaqueliaasmensagensdonamorado.NãoqueAnthonyfosseomeunamorado.Ouera?O problema é que, sendo ou nãomeu namorado, eu queria descobrir.

Tinha que descobrir por queMarcia tinha o número do celular dele. Porqueelahavialigadoàquelahora?Nunca,emtodaaminhavida,quistantodescobrirumacoisa—preciseitantodescobriralgo.Mas logo tentei tirar essa ideia da cabeça. Provavelmente era outra

Marcia;umaprima, talvez.Ou,quemsabe,umaamiga?Comumacamadade suor cobrindomeu rosto, fui até a cozinha e sentei em uma cadeira.Marcia. Só podia ser aMarcia do escritório.Não havia tantasMarcias nomundo.OuviAnthonypigarrear no banheiro, e, de repente, sempensar, abri o

telefonedele.NamesmahoraamensagemdeMarciaapareceu.Tenteinãoolhar,masmeuesforço foiemvão.Eutinhadever.Era impossívelvoltaratrás.Quandoacabeideler,quasemearrependi.Oi,querido.Tudobem?Estouloucaparaouvirosdetalhesescabrosos.BjsFitei a tela do aparelho por alguns segundos. Querido? Anthony era

queridoparaela?Equehistóriaeraessadedetalhesescabrosos?Seráqueelasereferiaamim?Meucoraçãoseapertou,e,quandopercebi,tinhadeixadootelefonecair.

Detalhesescabrosos.Claro.Tudonãotinhapassadodeumaarmação.Umaarmaçãoemqueeueraapiada.—Jess?Estátudobem?LevanteiacabeçaeviAnthonymeolhando,preocupado.Entãoabaixeia

cabeçanovamente.Minhaavóbemque tinhamealertadoemrelaçãoaoshomens,elaestavacerta.Nãopodiaacreditarquehaviasidotãoestúpida.—Seutelefone—comentei,abatida.—Estavatocando.E...—Ah,meutelefone.Obrigado.—Eleseabaixou,apanhouoaparelhoe

franziuocenhoao leramensagem.—Você...você leu?—perguntouele,nervoso.Fizquesimcomacabeçaemsilêncio.—Vocêdevialigarparaela—eudisse,tensa,sentindo-meretraircomo

ummoluscosefechando.Epensarquechegueiaimaginar...Pensarqueeutinharealmenteacreditado...Comoeueraidiota.Comoerapatética.—Sóqueeuachomelhorvocêiremboraantes.—Telefonaragora?Nomeiodanoite?—Tenhocertezadequeelanãovaiseincomodar.Anthonyempalideceu.—Jess,issonãotemnadaavercomoquevocêestápensando.Puxeiosjoelhosatéopeitoeosabracei.—Oqueeuestoupensando,Anthony?—Nãosei,maspossogarantirquenãohánada...deimpróprioquantoa

essamensagem.— Impróprio? — repeti, furiosa, sentindo todas as minhas defesas

desmoronarem.—Suponhoquedependedoquevocêconsideraimpróprio.Paramim,rirdealguémpelascostasé impróprio.Eeugostariaquevocêfosseembora,porfavor.—Rirdealguém?Dequem?—perguntouelecomumolharpreocupado.

— Marcia... — continuou, indignado — ... queria saber os detalhesescabrososdeumareuniãoqueeu tivehoje comumcliente.Deumadas

contasdela.—Ah,claro—retruqueiemtomsarcástico.—Tenhocertezadequefoi

isso.—Mas foi isso—insistiuele.—Jess,eu juro,não temnadaavercom

você.Marcianemsabiaqueiríamossairhojeànoite.—Maselasabiadonossoalmoço.Edeuumsorrisinhoirôniconasexta-

feiraquandomedesejouumbomfimdesemana.— Um sorrisinho? — perguntou ele, com uma expressão irônica que

fingiahorror.—Comcerteza,nãofoiumsorriso.—Eletentousorrir,maseuoignorei.—Elasabia—afirmeicategoricamente.—Tenhocerteza.—Certo.EntãoMarciaécuriosa.Sóisso.Balanceiacabeçaemnegativa.—Váembora.Porfavor.—Tudobem,euvou.Inconformado, Anthony foi até meu quarto. Alguns minutos depois,

reapareceuvestido,comacamisaabotoadadequalquermaneira.— Bem, então nos vemos na segunda-feira...— disse ele.— Você vai

trabalharsegunda-feira?Eumelimiteiaconcordarcomumacenodecabeça,emsilêncio.—Tudobem—falouele,dandodeombros.—Até segunda— consegui dizer,mas ele não ouviu. Já havia saído, e

estavacomeçandoadescerasescadas.SemdúvidairialigarparaMarciaecontar que eu havia descoberto tudo. E eu não dava a mínima. SempresoubequeessahistóriadecasarcomAnthonyMiltoneraumaloucura.Eunãotinhalevadoissoasério.Nemumpouco.

Capítulo16

PROJETO:CASAMENTODIA15

Pendências:1.Arranjaroutroemprego

Na manhã seguinte, eu queria morrer. Não era ressaca; era depressão.Sentia-me humilhada.Haviame deixado levar pela ideia de queAnthonyMilton poderia, de fato, gostar de mim. Dormi com ele porque acrediteinisso, e agora sabia que minha avó estava certa, que eu tinha sido tãoestúpidaquantotodasaquelasgarotasidiotasqueeuviviaridicularizando.Fui uma imbecil. E nunca conseguiria encarar Anthony de novo. NemMarcia. Nem ninguém. Arrasada, saí do quarto vestida apenas com umacamiseta.Eutinhaapanhadomeuroupão,masnãoconseguivesti-lo.Desanimada, fui atéa cozinhae,paraminhasurpresa,medeparei com

umambientedomésticotípico:Helenestavadiantedofogãonovamente,ehavia sobreamesa caixasde cereal, ao ladodepotinhos, colhereseumajarradeleite;tudoarrumadocomcapricho.—Bomdia!—saudouela,animada.—Estoufazendoomeletes.Quer?Olheiparaelacomdesconfiança.—Equaléarazãodissotudo,exatamente?—Fizumaarrumaçãonacozinhaontemànoite—respondeuela,antes

devoltaraprepararasomeletes.—Eentão,comofoiontem?—Vocêarrumouacozinha?Porquê?Helensuspirou.—Porqueestavaprecisando.Nossa,nãoénadademais,ok?—Não.Sóachoque,sevocêestácomtempodesobra,deveriaprocurar

umemprego,emvezdeficarlimpandoacozinha.EuestavadescarregandoaminharaivaemHelenesabiadisso,masnão

conseguiamecontrolar.— Eu procuraria emprego se houvesse algum queme interessasse—

justificou-se.—Afinal,vaitomarcaféounão?— Claro. — Então suspirei. — Olha, desculpa. Se minha opinião vale

algumacoisa,acozinhaestálinda.—Muitoobrigada.—Helentrouxeaomelete,colocouapanelasobrea

mesaeprocurouumacadeira.—Comofoiontem?—Foibom.Querumatorrada?—pergunteienquantomelevantavapara

pegaropão.—Torrada?Não.Querosabertudosobreontem.—Ontem...—Coloqueiduasfatiasdepãonatorradeira.—Foi...—Senti

umnónagarganta.—Foi...—Foi...?—repetiuHelen,instigando-meafalar.—Nãofoimuitobom.—Vocêsnãoseentenderam?—perguntouela,preocupada.— Não é isso. Nós nos entendemos muito bem. Pelo menos... Olha, a

verdadeéque tudonãopassoudeumaarmação.OProjetoCasamento jáera,Hel.Acabou.—Comoassimacabou?—questionouela,confusa.—Vocêvaiterdeme

explicartudodireitinho.Docomeço.Hesitei por um instante. Quando as torradas ficaram prontas, eu as

retireidatorradeira,passeimanteiganelasevolteiamesentar.—Tudocomeçoubem—expliquei,mantendoumtomdevozneutroe

tentandocontarahistóriademaneiraindiferente.—Querdizer,tomamosalgunsdrinquesedepoiselemelevouaumrestaurantezinho...—Restaurantezinho?Nãorecomendeinenhumrestaurantezinho.—Eraumlugarqueeleconhecia,umpoucomaistranquilo.—Ah,bom.—Elaseconformou,emboraumtantochateada.—Enfim,ojantarfoibom...Não consegui terminar a frase, ao me lembrar da noite anterior, do

encantoquepareceunosenvolveranoitetoda,até...então,fizumacareta.—E?—perguntouHelen.—Entãopegamosumtáxie...—E?—Osolhosdela estavamquasepenetrandoosmeus, e eu fiquei

tensa.—Eeleveioparacá—acrescenteicalmamente.—Veioparacá?—perguntouela,perplexa.Aceneicomacabeçadaformamaisimperceptívelquepude.—Suasafadinha!—exclamouela,esfregandoasmãos.—Edepois?Sentiorostoarderdeconstrangimento.— Nós... — Abaixei a cabeça e olhei para minhas mãos, que estavam

entrelaçadasnomeucolo.—Nãomedigaquevocêstransaram!

Fizquesimcomacabeçaemsilêncio.— Ah, meu Deus. E como foi? Não foi bom? Quer dizer, supondo que

vocêsfizeram...ouhouvealgumproblema?—Não,nãoteveproblemanenhum.Osexofoibom.—Engoliemseco.—

Aliás,muitobom.—Entãoqualéoproblema?Oqueaconteceu?— O que aconteceu é que... — Eu me esforcei e contei a ela sobre a

mensagemdeMarcia.Helenmelançouumolharsério.—Vocêdissealgoaele?—Eudisseparaeleirembora.—E?—Ele tentoumeenganardizendoqueelahaviamandadoamensagem

parasaberdetalhesdeumareuniãocomumcliente.Maseusabiaqueeramentira.Eelefoiembora.Eagoraestáacabado.Tudoacabado.Helen digeriu essa informação por alguns segundos, e então respirou

fundo.—Achoqueomaisimportanteénãoentrarempânico—ponderouela,

apósalgumtempo.— Não estou entrando em pânico. Só estou acabando com a Jessica

Wiiiild.ÉmaisfácilseraantigaJessica.—Ah,coitadinha.—Nãosoucoitadinha—retruquei,aborrecida,lembrandoqueAnthony

tinhausadoamesmaexpressão,e lembrandotambémoquantoelehaviaenfraquecidominhasdefesas.—Euestoubem.Estoumuitobemsozinha.NãoprecisodeAnthonyenãoprecisododinheirodeGrace.Játomeiminhadecisão.— Você não pode desistir agora — contestou Helen, balançando a

cabeça.—Oquevocêestásentindoésó“ansiedadedamanhãseguinte”.Éperfeitamentenormal.—EumamensagemdaMarciatambéméperfeitamentenormal?Helenficousemresposta.—Talveznão.Masissonãosignificaquetemosdedesistirdoplano.— Claro que significa. Tanto Anthony quanto Marcia, obviamente,

pensaramqueseriamuitoengraçadoseelesaíssecomigo.Elesdevemestarrindoagora.Helennãoseconformou.—Vocêestáfazendotempestadeemumcopod’água.—Emseguida,se

levantoueapanhouotelefone.

—Vocênãoestavaláparasabercomofoi.— Tudo bem, mas fala sério, Jess, tem muita coisa em jogo para ser

descartadaassim—replicou,discandoumnúmero.—Precisamosdeumaajudinha,sóisso.— Por favor, não ligue para Ivana — pedi, na mesma hora. — Não

consigovê-lahoje,apenasnãovouconseguir.—Setiverumaideiamelhor,desligoagoramesmo.—Precisodemaistorrada—falei,apósumapausa.—E,comcerteza,de

maiscafé.

Cercadeumahoradepois,HeleneeuolhamosdajanelaevimosumMiniCooperamassadopararemfrenteànossacasaeIvanasaltardobancodocarona. Um vestido dourado de lamê realçava suas curvas generosas.Estavausandoumbatomvermelhobrilhante,damesmacorqueosapatode verniz, de salto de couro. Logo depois, um caramagricelo, de uns 30anos, saltou do lado do motorista e a seguiu em direção à nossa porta.Nesseinstante,ocelulardaHelentocou.—Alô?Sim,claro.Vouabriroportão.Ergui os olhos, prostrada, quando Ivana entrou, acompanhada de seu

amigo magricela. Ele tinha uma mecha de cabelo loiro que caía sobre orostoecobriaseusolhosazuis.ElesorriumeiosemgraçaeIvanamefitou,comumaexpressãoconfusa.—Vocênãoparecebem—disseela.—Obrigada—respondi,aborrecida.— De nada. Você precisar de mais conselho? Conselho para

“cassamento”?—Euprecisoéesquecertudosobrecasamento—retruquei,masHelen

fezumgestoparaqueeuparassedefalarelogocontestou:—Sim,elaprecisadeconselhos.Precisamosdeumanovaestratégia.Ivana fez que sim com a cabeça e empurrou o cara magricelo para a

frente.—Bem,esteseromeuamigoSean.Elefaz“cassamento”.Elesabercomo

homemsecomporta,entende?—Seanesboçouumsorrisotímidoepôsasmãosnobolso.Concordeinovamente,dessavezumpouco insegura.SeráqueelaquisdizerqueSean faziacerimôniasdecasamentoparaganharavida,ouqueeleiriafazeromeucasamentoserealizar?Eoqueelesaberiasobrehomens?Sóporqueeleeradosexomasculino?—Bem,alguémquerchá?—ofereceuHelen,apressando-separapegar

asjaquetasdeIvanaedeSean.—Café....Sucodelaranja?—Caféprrreto—disseIvana.—Chá,por favor—pediuSean.—Com leiteedois torrõesdeaçúcar.

Obrigado,querida.Osotaquedeleeraumamisturaestranha:umterçodoLesteEuropeue

doisdeManchester.Elesorriunovamenteeeuretribuíogesto;depoisosconduziatéasala,ondeSeansentounosofá,comseucorpodesengonçado,enquanto Ivanapermaneceudepé,examinandoaestantede livros,comoseprocurassepistas.—Bem—disseelaquandoocháeocaféforamdevidamenteservidos.

—Vamoscomeçar.Lanceiumolharapreensivoparaela.—Começar?—Issomesmo.Vocêterquecontartudooqueaconteceu.Eucontei tudo.Edepois, atendendoa seupedido, falei sobreMarcia.E

nãoadescrevideformamuitolisonjeira.Quandoterminei,eladeuumassobioesevirouparaSean.—Quevocêachar?—perguntou.Elefezumaexpressãoconfusa.—Difícildesaber.— Não é difícil. Aliás é bem fácil — retruquei. — Anthony deve ter

contado a Marcia que ia sair comigo, como se fosse uma piada ou algoassim.Nuncamesentitãohumilhadaemtodaaminhavida.—Émesmo?—perguntouSeandandodeombros.—Épossívelqueele

tenhaditoaverdadeeela tenhamandadoumamensagempara saberdealgumacoisadetrabalho.Ou,podeserqueMarciativesseficadosabendodo encontro e achou que fosse brincadeira, mas Anthony não. Ela podeapenasestarcomciúmes.—Você acha?—perguntei comumvislumbrede esperança,mas logo

tenteiignorá-lo.—Osexofoibom?—perguntouSean.Sentimeurostocorare,apesardetodososolharesvoltadosparamim,

nãoconseguievitarosorrisoquecomeçavaasurgirnomeurosto.—Sim.Querdizer,achoquesim.—Eelenãoqueriairembora?— Não, mas... — Não consegui terminar a frase. — Olha, eu vi a

mensagem.Elaochamoudequerido.—Sim.Sim,euouvi.Presteatenção,achoquevocêtemquedarumade

difícilporumtempo—sugeriueledemaneiracategórica.—Achoqueas

coisaspodemseguirpordoiscaminhos.—Quaisexatamente?—Agoraeuéqueestavaconfusa.Sean olhou para mim de ummodo estranho, achando completamente

óbviooquehaviaacabadodedizer.— Bem— disse ele lentamente, como se estivesse falando com uma

criança—,mesmo se ele estiver saindo com essa tal deMarcia, ele, comcerteza,gostadevocê.Certo?—VocêachaqueeleeMarciaestãosaindo?—perguntei,perplexa.Eu

nãotinhasequerconsideradoessahipótese.Ah,meuDeus!Provavelmenteera verdade. Ele deve ter transado com todas asmulheres do escritório.Afinal,eletevequarentaeduasnamoradas.Seanbalançouacabeça,esuafranjafrouxafoideumladoparaooutro.—Talveznão—disseeledeformatranquilizadora.—Mas,dequalquer

maneira, você tem que agir com inteligência, com naturalidade, e ele vaiesquecerdela.Temque se fazerdedifícil paraqueeledeseje vocêaindamais.Estáentendendo?—Nãomuitobem.—Vocêtemquemostrarquenãodáamínimaparaele—explicou,com

umsorrisocomplacente.—Fazerjogoduro.—Jogoduro?—Eununcaimagineiqueamorerelacionamentofossem

tãocomplicados.—Mascomoelafazisso?—perguntouHelen.Seansorriu.—Bem, issoé fácil.Vocêo ignoraporumtempo.Depoisdámolepara

ele;ouseja,seaproximaeseafasta.—Vocêquerdizer... ignorarAnthony?Masnãoposso.Eutrabalhocom

ele.—Melhorainda.Émaisfácilignorarumapessoaquandoelaestábemà

suafrente.Nãofalenadasobreoencontro.Saiacomoutrocara.Façacomqueelevejaquenãodevebrincarcomvocê.—Comoeupossofazerisso?—perguntei,confusa.—Sejadifícil.—Menosquandoeuestiverdandomoleparaele,certo?—Exatamente.—Seansorriu,ignorandoomeusarcasmo.Olheiparaele,desconfiada.—Ecomovocêsabedetudoisso?Querdizer,oqueémesmoquevocê

faz?— Sean sabe das coisas — replicou Ivana na hora. — Trabalha com

cassamentos.Masnãoéporissoqueelesabedascoisas.Elesabeporqueé

homem,porquesabetudosobreamorecassamento.—ElaolhouparamimeparaHelen,entãodeudeombros.—Elesabeporqueécassadocomigo.—Comvocê?—perguntei,espantada.Ivanaergueuassobrancelhas.—Ocarrodeleprecisadeconserto—prosseguiuela, impassível.—O

radiadornovocusta800libras.Eumepergunteiseissofaziapartedaexperiênciadelecomcasamentos,

e,casocontrário,qualseriaarelevânciadessainformação.—Vocêquerdizerqueesseéovalorqueelecobra?—perguntouHelen.—Isso.Senãoconseguiroobjetivo,nãoprecisapagar—esclareceuela,

comumsorriso.—Senãoentrarna igrejavestidadenoivae treparcomessehomem,nadadeconsertodecarro.Entende?— Certo — concordou Helen com firmeza. — Então, Sean, vamos

repassartudosómaisumavez...

Capítulo17

PROJETO:CASAMENTODIA16

Pendências:1.Mostrartodoomeucharme.2.Serdifícil.3.ColocarprodutoparalimparcomputadornasplantinhasdeMarcia.

Segunda-feira, cheguei cedo ao trabalho. Parameu imenso alívio, Marcianãoestavanasuamesa,e,pelovisto,Anthonytambémnãoestavanasaladele.Mastodavezqueeuouviaaportaseabrir,estremecia.Etodavezquenotavaalguémseaproximando,ficavatensa.— E aí, tudo pronto para a reunião na próxima segunda-feira? —

perguntouMax, surgindodiantedaminhamesa,de repente,mepegandodesurpresa.—Está tudo certo— respondi, nervosa, temendo que ele soubesse de

algo.—Estátudosobcontrole.— Ótimo, porque, como você sabe, essa vai ser uma reunião muito

importante. Para você e para a agência. É a sua chance, Jess. Então, seprecisardaminhaopiniãoparaqualquercoisa,ésófalar.Suspirei. Anthony estava certo em relação a Max. Ele era um total

workaholic.—Podedeixar—eudisse,demaneiraseca.—Ótimo!—Elesorriu,eeuofiteidesconfiada.Maxnuncasorria.Será

queMarciatinhamandadoamensagemparaeletambém?Seráqueagoraeueramotivodechacotaparatodomundo?—Oquefoi?—perguntei.—Oquehádetãoengraçado?—Nada!—OsorrisodesapareceudorostodeMaxnamesmahora.—Só

estava sorrindo. Você tinha me falado que eu deveria sorrir mais, selembra?—Não.Nãomelembro.Maxpareceuumpoucodecepcionado.—Bem,entãovouvoltarasercomoera.Você temcertezadequeestá

bem?—Porquê?Eupareçotãomalassim?—perguntei,desolada.—Não.De jeitonenhum.Apenasumpouco... cansada, talvez.Diferente

doseucomportamentohabitual.—Bem, talvezeunãoqueiramais termeucomportamentohabitual—

retruquei, furiosa. — Talvez eu já esteja farta do meu comportamentohabitual.—Émesmo?Eporquê?—Maxpareceucompletamenteconfuso.—Seu

comportamentoé...legal.—Bem,issoémuitogentildasuaparte,masnãoévocêqueéobrigadoa

aturaromeu“comportamento”otempotodo,nãoé?Maxpensouporummomento.— Bem, estamos falando sobre comportamento como uma espécie de

ego,sobaóticadeDurkheim?Ouestamosfalandodateoriametafísicado“comportamento”?Eu achei interessante a forma comovocê separou seucomportamentodevocê,comosefossemduaspartescomponentesdeumtodo.Ouvocêtemumatremendateoriaarevelaraomundo,ouestáàbeiradaesquizofrenia.—Esquizofrenia?—repetiuMarciaderepente,aparecendoao ladode

Max.— Sabe de uma coisa, se vocês dois se concentrassem no trabalhodurante o expediente, em vez de ficarem discutindo psicologia, nãoprecisariam trabalhar até tarde, nem nos fins de semana. Já pensaramnisso?Nervosa,fiteiateladocomputador.Maxsevirouparaela.—Semdúvida,Marcia.Esevocênãopassasseodiatodomarcandohora

parafazerlimpezadepele,poderiavislumbrarumacarreirabrilhante.Marciadeuumsorrisoamarelo.—Eutenhoumacarreira,nãosepreocupecomisso,Max.Evocê,Jess—

disseela,olhandoparamim—,comofoioencontro?Euaencarei,perplexa.—Encontro?Foibom,obrigada.Massuponhoquevocêjásaibatodosos

detalhesescabrosos.Elamelançouumolharinocente.—Detalhes escabrosos?Querdizerquenão foibom?Falei ontemcom

Anthonyporacaso,sobreumareuniãocomumclientedaRightFoods,eelepareciatergostadobastantedoencontro.OsolhosdeMaxsearregalaram.—EncontrocomAnthony?

— Pois é — respondeu Márcia, sorrindo. — Você não sabia? Jess eAnthonyestãosaindojuntos.—Não,nãoestamos—negueiapressadamente.—Apenastivemosum

encontro. Só isso.— Entãome virei paraMarcia.— Você falou com elesobre...aRightFoods?— Falei. Aliás, que pesadelo de clientes — disse ela, com ar de

impaciência.—Anthonyestevecomelesnasexta-feiraànoiteeeuqueriasabercomotinhasidoareunião,porquetenhoquetelefonarparaeleshoje.Tenteicontrolarmeuespanto.—Ah,sei.—MasnãoconseguifalarcomAnthonyporqueeletinhasaídocomaJess

— prosseguiu Marcia, sorrindo de maneira inocente para Max, e fiqueidesconfiada.— Bem, a conversa está boa, mas tenho que ir. Tenho trabalho me

esperando...—justificou-seMax,ansioso.— Eu também— disse Marcia com ar de resignação. — Aliás, muito

trabalho,naminhaopinião.— E você tem certeza de que o Projeto Bolsa está sob controle? Tem

certezadequenãoprecisadeajuda,oudeumaopinião?—Não,Max,estátudocerto—respondi,seca.EntãoAnthonyestavafalandoaverdade?Amensagemtinhasidomesmo

sobretrabalho?—Ótimo.Muitobem—disseele,antesdeseafastar,eeusentiocoração

dispararquandoolheiparaMarcia.—Eentão...comofoi?—perguntouela.Euqueriasorrir,pulardealegria,masconseguimecontrolar.—Foibom.—Sóisso?Enfim,voutomarcafé.Vocêquer?Fitei-a indecisa.Marcia nuncame ofereceu café. Nunca tinha feito isso

antes.—Café?—repeti.—É.Aquelabebidaquenteque contémcafeína.—Marciaergueuuma

sobrancelhaejogouocabeloparatrás.—Olha,Jess,euseiquenãosomostãoíntimas,masgostariadeser...suaamiga.—Você?—Observei-a,espantada.—Porquê?Elariu.— Bem, em primeiro lugar, porque trabalhamos juntas. Em segundo,

porque, pelo visto, nosso chefe é louco por você, portanto é do meuinteressequetenhamosumaboarelação.Eterceiro...—Elapensouporum

momento.—Terceiro,porqueachovocêumapessoalegal.Sabe,quandoagentepassaaconhecervocêmelhor...— Certo. Entendi. — Anthony era louco por mim. Eu tinha ouvido

direito?Comoéqueelasabia?Seráqueeletinhaditoalgumacoisa?Entãoesbocei um sorriso tímido. — Bem, nesse caso, acho que podemos. Seramigas.—Ótimo.Então,quercafé?—Não.Obrigada.Masagradeçoporoferecer.— Tudo bem.— Assim que ela foi para a cozinha, vi que Anthony se

aproximava.Naqueleinstantecomeceiadigitarfeitoumalouca,sentindoorostoficarcadavezmaisquenteàmedidaqueelechegavamaisperto,atéele parar bem do meu lado. Louco por mim. Marcia achava que ele eraloucopormim.—Eu...hmm...Queriasabersevocêtemumtempinho—disseeleemvoz

baixa.—Paraconversar...Respireifundo.—Conversar?—perguntei,semparardedigitar.Eratudoqueeupodia

fazerparanãomejogarnosbraçosdeleebeijá-lo.Darumadedifícilseriaquase impossível.—Tudobem.Masestouumpouco...ocupada.Podeserdepois?—Vocênãotemumtempinhoagora?—Asuavozerasuaveeséria,ao

mesmo tempo. Eu quis tomar a mão dele, pedir desculpas por tê-loexpulsado daquela forma e sugerir que fôssemos direto para o meuapartamento,pararetomarmosdopontonoqualhavíamosparado...Mas,emvezdisso,pigarreei.— Desculpe — consegui dizer. — É que eu tenho muita coisa para

acabar.Talvezmaistarde,sevocêpuder.—Maistarde—repetiuele,indeciso.—Achoquepodeser.—Quebom.Entãoagentesefaladepois.Volteiadigitar.—Àquehorasexatamente?Eufitavaateladocomputadoromaisconcentradapossível,esforçando-

meparanãoolharparaele.—Bem...Porém, antes que eu pudesse terminar a frase, Gillie, a recepcionista,

entrouderepente.Elacarregavaumbuquêtãograndequecobriaseurostoporcompleto.—Jess!—exclamouela.—Issoacaboudechegar.Paravocê.Agorinha!Fitei-aconfusa.

—Paramim?—É!Quemaravilha!Éobuquêmaisbonitoque jávi.Evoudizeruma

coisa: você deveria ficar como cara quemandou essas flores.Devem tercustadoumafortuna!— É. Obrigada, Gillie — falei, pegando o buquê; e me assustei ao

perceberoquantoerapesado.HaviasidoideiadeAnthony.Tinhaqueser.—Querqueeupegueumjarroparavocê?—perguntouGillie,tentando

lerocartãopresoaobuquê.—Sim, por favor. Obrigada.—Fitei Anthony comum enorme sorriso,

masseusemblanteerainexpressivo.Gillie estalou os dedos eMarie, a outra recepcionista, chegou com um

jarrocheiod’água.—Játínhamosumprontinho—explicouGillie,sorrindo.Nesseinstante,

Marciavoltouparadescobriromotivodetantoalvoroço.—Vamos,abraocartão.Queremossaberquemmandou.— Ah, claro. — Com as mãos um pouco trêmulas, abri o pequeno

envelopebranco,deondetireiumcartãoigualmentepequeno.Napartedafrente,haviaumcoração.Então,lentamente,sentindo-meemocionada,euoabrielioseguinte:Jess, você émuito especial. Por favor, reconsidere aminha proposta. Eu

nuncamaispermitireiquefundosdehedgecontrolemminhavida—vocêéaúnicacoisaqueimportaparamim.Sean.Olheiparaocartãosementendernada.—Sean—suspirouGillie,lendoobilhete,porcimadomeuombro.—É

oseunamorado?—Hmm...—Euaindaestavacompletamenteconfusa.—Vocêtemnamorado?—perguntouMarciaaoretornarcomseucafé.

—Eu não sabia que você tinha namorado— acrescentou com um olharhostil.— Ex-namorado— corrigiu Marie. — Ele quer que ela reconsidere o

relacionamento.—Issomesmo—confirmouGillie,nahora.—Ex-namorado.EaJesséa

únicacoisaqueimportaparaele.Ahhh!Quelindo!Concordei,meioencabulada.— Fundo de hedge é coisa de gente que tem muita grana, não é? —

perguntouMarie, com um suspiro.—Anthony, você entende disso. É ounãoécoisadegenterica?Anthonypareciaconfuso.—É.Achoquesim.

—Umexcheiodagranaquesósepreocupacomvocê—disseGilliedemaneiraromântica.—Édeumnamoradoassimqueestouprecisando.—Vocêeeu—acrescentouMarie.—Ah,todomundosabequegerentedefundodehedgeémuitochato—

contestouMarcia.— Bem— ponderei, tentando esconder minha decepção. Claro que o

buquênãotinhasidoenviadoporAnthony.Queideiamaluca!—Issotudoémuitobacana,masachomelhorvoltaraotrabalho.Enfim...obrigada.Pelojarro. Vou... colocá-lo aqui. — Desloquei o buquê à direita do meucomputador,deformaqueelebloqueassemeuângulodevisãoemrelaçãoaAnthony.— Tem razão. Melhor voltar para a recepção — disse Gillie com

relutância, ao se afastar acompanhada de Marie, virando diversas vezesparaadmirarasflores.—Nãoseesqueça.Hojeàtarde,certo?—lembrouAnthony.Fizquesimcomacabeçaesorritimidamenteparaele.—Certo.Então...conversaremosdepois—disseele,antesdevoltarpara

aprópriasala.

Capítulo18

PROJETO:CASAMENTODIA17

Pendências:1.Continuarexibindomeucharme.2.FazeropossívelparareanimarasplantinhasdeMarcia...

SeguioconselhodeSeanàriscaenãoarranjeiumminutosequerparafalarcomAnthonynasegunda-feiraàtarde.Todavezqueeleseaproximava,euinventava uma desculpa para me levantar da mesa. Mesmo quando nãoconseguia escapar, nossas curtas conversas eram invariavelmenteinterrompidaspelotoquedomeutelefone,eeupediadesculpasaele,antesdedizerao“Sean”queprecisavadetempoparapensar.“Sean”podiaserHelen,IvanaouopróprioSean.Pelovisto,elestinham

decididonãomefalardasfloresporquequeriamqueeuficasserealmentesurpresaaorecebê-las,nãoconfiavammuitonaminhacapacidadedeatuar.Nem eu. Toda vez que desligava o telefone, olhava ao redor, nervosa,achando que todomundo sabia que não havia ex nenhum, que tudo nãopassava de uma encenação ridícula.Mas eu estava errada. Gillie eMariecontinuavamaviratéaminhamesa,sóparaadmirarasflores,eMarciasemostravacompletamentechocadasódeolharparaelas;porfim,euestavaquaseacreditandoqueo“Sean”erareal.Terça-feirafoidiadereuniãogeralnaMiltonAdvertising,quandotodos

os funcionários se reuniam no saguão para discutir sobre os pontospositivos (novos clientes), os negativos (clientes perdidos, reuniões deprospecçãodecontasque furaram)equestõesadministrativas(adecisãode substituir as duas chaleiras da cozinha por um aquecedor de águaembutido estava causando muita consternação e debate). Em geral, euaproveitava essas reuniões para anotar tudo e elaborar pelomenos umapergunta inteligente e relevante, e ficava preparada para fazê-la, massempre acabava desistindo ao pensar que, se fosse em frente, todosolhariam para mim. Também porque, provavelmente, eu gaguejaria; ouquandoafizesseemvozalta,elanãopareceriatãoimportanteassim.Hoje,

entretanto,eunãotinhanenhumaperguntapronta.Emvezdisso,eufariaumaapresentação,algoque,emcircunstânciasnormais, teriamedeixadoempolgada e ansiosa, com um misto de emoções. Porém, eu me sentiaalheiaatudoameuredor.Anthony abriu a reunião, com sua energia e seu entusiasmo habituais,

enumerandoos clientes conquistados, os clientesperdidos e aspróximascampanhas.EntãofoiavezdeMaxdiscutiroproblemadachaleira,alémdarecentemudançadasregrasdoplanodeaposentadoriadaagência,e,comoera de se esperar, todo mundo deixou de prestar atenção e começou averificarmensagensnocelular.Porfim,chegouaminhavez.Nervosa,eumelevanteiecomeceiafalar:—Naverdadeeu sóqueriadizerquea conta Jarvis, oProjetoBolsa, é

uma campanha realmente importante para a Milton Advertising — eudisse,forçandoumsorriso.—Eeladefatonosdáachancededeixarmosanossamarcanomercadopublicitário.Hámuito trabalhopela frente,masmuitas possibilidades também. Então, se alguém tiver qualquer ideia ousugestão,adorariaquemeprocurassem.Olhei ao redor, para ver se alguém queria perguntar algo. Diante do

silênciogeral,volteiamesentar.—Perfeito.Obrigado,Jess—disseAnthony.Nossosolharessecruzaram

por um momento, e, quando notei sua hesitação, me forcei a sorrirnovamente.— Bem, e agora — prosseguiu ele —, temos ótimas novidades no

departamentodecriação.FomosindicadosparaoprêmiodeMelhorDesigndePropagandanaAdvertisingToday.Acerimôniasóvaiacontecerdaquiaseis meses, mas considero isso uma imensa conquista, que realmentedemonstraonossocompromissodeestarmossempreàfrente...Eleparounomeiodafraseeenrugouatesta.—Àfrente...Anthonyestavaolhandoparaaentrada,paraaportaprincipal.—Desculpe—disseele,confuso—Possoajudá-los?Todomundo virou de costas: quatro homens com paletós listrados de

brancoeazul-marinhotinhamacabadodeentrarnosaguão.—JessicaWildtrabalhaaqui?—perguntouumdeles.Nomesmoinstante,estremeci.—Sim—respondeuAnthony.—Vocêquerfalarcomela?—Naverdade,viemoscantarparaela.Totalmenteenvergonhada,eumelevantei.—Sou... Sou JessicaWild.Nomomentoestounomeiodeumareunião.

Vocêspoderiamvoltarumpoucomaistarde?—Infelizmentenossaagendaestálotadaodiatodo.—Bem,olhe,talvezvocêspossamcantardepois,portelefone—sugeri.

Todomundoestavameolhando,eeusentimeurostoficarcadavezmaisvermelho.Entãorespireifundoeforceiumsorrisopoucoconvincente.—Somospagosparafazerapresentaçõesaovivo—explicouohomem.

—Temosquefazerascoisasdireitinho,senãonossareputaçãovaiparaobrejo.Nãoénadademorado.Prometo.—Quantotempo?—perguntouAnthony.Aspessoascomeçavamadar

risadinhaseasminhasmãosestavampegajosas.—Trêsminutos,nomáximo.— Tudo bem. Um pouco de entretenimento para o pessoal — disse

Anthony.Elesorria,maspercebiquenãoestavamuitoàvontade.Éramosdois.—Ótimo.Obrigado,amigão.Jessica,issoédeSean.Dofundodocoração

dele.O homem cantarolou uma nota, em seguida os outros começaram a

cantar.

—...DumdumdumdumMinhaJessqueridaDumdumdumdumAh,essabrigaAcabacomminhavidaMinhaJessqueridaDumdumdumdumDumdumdumdumVocêéoamordaminhavidaNãoconsigosuportarsuapartidaMinhaJessqueridaDumdumdumdumNãofiqueaborrecidaDumdumdumdumSuaausêncianãomepassadespercebidaPorfavor,sejaamimcomprometida,MinhaJessqueeeeeriiiiida!

Porummomento,houveumsilêncio constrangedor.Algumaspessoasdodepartamentodecriaçãocomeçaramaaplaudir,elogooutrassejuntaramao coro. E, antes que eu me desse conta, todos estavam aplaudindo oscantores.Atéouvialguémgritar“Bis”.Anthonymefitousemcompreenderoqueestavaacontecendo.Olíderdogruposorriu.—Desculpe,nãopodemoscantarmais—justificou-se.—Masobrigado

porouvirem.—E,apósumgestodeagradecimento,seretirou,seguidodosoutroscantores,deixando-mesempalavras.— Bem — disse Anthony, olhando para mim por um momento e

desviando o olhar. — Isso foi muito... divertido. Alguém mais tem umabandaeplaneja fazerumaapresentação?—Apesardo seu sorriso,noteiumaleveirritaçãoemseutomdevoz.Ninguémsemanifestou.—Certo—prosseguiu.—Então,comoeudizia,oeventodaAdvertising

Today é daqui a seis meses e nós teremos uma mesa na cerimônia,portanto,aguardempormaisnotícias.Agorasófaltaasituaçãodachaleirapara ser resolvida. Como Max acabou de explicar, o novo aquecedorembutidoestádentrodasnormasdesaúdee segurança,e realmentenãodevefazernenhumadiferençanaqualidadedocháquepodeserfeito...—Eledeuoutraolhadaemdireçãoàporta.—Sim?—disse,comumsuspiro.—Possoajudá-lo?—EntregaparaJessicaWild.Eu—assimcomotodasasoutraspessoas—mevirei,eviumhomem

comumenormebuquêdeflores.— Obrigado. Você poderia deixá-lo na recepção, por favor? — pediu

Anthony,comumsorrisoamarelo.—Precisadeumaassinatura—retrucouohomem.Namesma horame levantei e fui até a porta. O entregador tinha uma

enormefranjadesengonçadaquecobriaquasetodoseurosto.Umaenormefranja desengonçada que eu jurava ter visto antes. Então olhei commaisatenção. Eu tinha visto esse homem antes! Era Sean, que vierapessoalmentetrazerasflores.—Bem,devoltaaoaquecedor.Achoque, sepudermosexperimentá-lo

porcercadeummês,estaremosemmelhorposiçãoparaavaliar...—Foiseunamoradoquemandou,nãofoi?—perguntouSean,comum

sorrisoportrásdocabeloirregular,emumtomdevozqueecoounotetoaltodosaguão.Fizquesimcomacabeça,emsilêncio,segurandoumarisada.

—Naverdade,ex-namorado—conseguidizer.—Ex?Nossa!Nadamalparaumex.Eleestátentandoreconquistarvocê,

nãoé?Anthonypigarreou:—Bem,ummêsseráosuficienteparaavaliarmosospróseoscontras.

Achoqueissoencerraareuniãoporhoje...—Eleestátentando—eudisse,baixinho.—Evocêvaivoltarcomele,nãovai?PercebiqueSeanfalavaaltodepropósito.Anthonypodiaterencerradoa

reunião,masninguémtinhaidoembora.—Eu...Estoupensando—respondi,inibida.—Eleéumcarabonito—continuouSean,apresentandoumrecibode

uma lojademotosparaqueeuassinasse.—Seéo caraque foina loja...Alto.Moreno.Éesse?Aceneicomacabeça,sorrindoinvoluntariamente.—Pelovisto,éelemesmo—respondi.—Equecarrão!—disseSean,comumassobio.—Qualeramesmo?Um

AstonMartin?—Provavelmente—respondi,séria.Estavacomeçandoamedivertir.—

Éofavoritodele.—Bem,parabénspelas flores—concluiuSean,comumapiscadela.Eu

sorriepegueiobuquê,antesdevoltaraosaguão.Na mesma hora, como se tivessem sido pegos em flagrante, todos

começaramavoltaràssuasmesas.— Seu ex-namorado tem um Aston Martin? — perguntou Marcia,

aproximando-sesorrateiramente.—EleachaqueéoJamesBond?Sorri.—Achoquesim.Algodogênero.—Oproblemaéque—disseMarcia,balançandoacabeçaemsinalde

reprovação— ele pode querer voltar agora,mas é um pouco tarde, nãoacha?Elasentouepergunteiconfusa:—Vocêachamesmo?—Claro.Seelenãoestavaprontoparaassumirumcompromissoantes,

seeuestivessenoseulugarnãoiaquerermaisnadacomele.—Sóporquevocêoquerparavocê—interpôsGillie,aoseaproximar

comumjarronasmãos.—Toma.Acheiquetalvezvocêfosseprecisardisso—disseela,sorrindo.—Obrigada,Gillie.Vocêéumamor.

—Então,vaivoltarcomele?—perguntouela,comosolhosbrilhando.—Eu...—Hesitei.Anthonyestavavindonaminhadireção,eencareias

flores.—Nãodecidiainda—concluí,apósummomento.—Seráqueelemesmoescreveuaquelamúsica?—indagouelacomum

suspiro.—Talvez.Eletemmuitotalentomusical.— É mesmo? — perguntou Gillie em tom sonhador. — Nossa! Ele é

bonito, rico, tem talento musical e não tem medo de compromisso. É ohomemperfeito.—Duvido—contestouMarcianamesmahora.—Floresemúsica,tudo

muitobonito,mas,cáentrenós,achotudoissobastantebrega.— Você não acharia brega se fosse para você — retrucou Gillie,

aborrecida.—Váemfrente, Jess,voltecomele.Oupelomenosoconvideparaviraquiparaquepossamosconhecê-lo!—Anthonyestavabempertodenós, eeupercebiqueelepodiaouvir.Entãoolheiparaela, indecisa, efalei,séria:—Aquestãoéquenãoseisepossoconfiarnele.Essedesejodeassumir

compromisso é recente. Quer dizer, esse foi omotivo principal da nossaseparação:elenãoqueriacompromissosério.—Mas agora ele percebeu o erro que estava cometendo— ponderou

Gillie,empolgada.—Eleamadureceu.E issoé tãogracinha.Sabe, sempresentiatraçãoporhomenscasados.—Gillie!—exclamei,surpresa.—Mashomemcasadoé...casado!— Exatamente— confirmou Gillie. — Comprometido. Leal. O tipo de

pessoaidealparaseterumcaso...—Gillie,vocênãodeveriaestarnarecepção?ElasevirouedeudecaracomAnthony,bematrásdela.Logomevirei

paraocomputador.— Tudo bem — respondeu ela. — Mas me mantenha informada —

sussurrouemedeuumapiscadelaantesdeseafastar,rebolando.— Oi, Anthony — disse Marcia, sem parar de piscar e cruzando os

braços, como sempre fazia quando queria exibir o decote. Nos últimostempos eu havia começado a prestar atenção a esse tipo decomportamento. — Vou deixar vocês para que possam conversar, estábem?—Ela levantou-seesorriu.—Ah,quandovocê tiverumtempinho,gostaria de mostrar uns recursos visuais que estou fazendo para oTheSupermarket.com.—Certo—disseeletranquilamente.—Podeiràminhasala,jávoupara

lá.

—Ótimo!—Elaapanhoualgunspapéiseseafastou.—Então—disseAnthonyolhandoparamim.—Floreseumgrupode

cantores,hein?Sorri,constrangida.—Sim,desculpe.VoufalarcomSean.—Estábem.E...Elenãoterminouafraseeeuofitei,ansiosa.—Sim?— Olha, nós não tivemos oportunidade de conversar. Eu estava

pensandosepodíamossairhoje,maistarde,parabeberalgumacoisa.Elemeolhoucomatenção.Entãomefizdedurona.—Hoje...ah,desculpe.Nãoposso.—Amanhã,então?Hesitei.“Vocêtemdedarmoleedargelo”,insistiraSean.Bem,eutinha

sidobemenfáticanapartededargelo.Comcertezaerahoradedarmole.—Quetalsexta-feira?—sugeri.—Achoqueestareilivre.—Perfeito—concordouele,sorrindoderepenteemefazendoruborizar

deprazer.—Agentesevêentão.

Capítulo19

Existeuma leimuitoestranhadanaturezaquedizque,quantomaisvocêrepelealgo,maisvocêoatrai.Nodiaseguinte,ganheiumaorquídeanumvasinho,eAnthonysugeriuque trocássemosodrinqueporum jantar.Naquinta-feira à tarde, ganhei vinte cupcakes, que dividi com o pessoal doescritório; Anthony passou pela minha mesa quinze vezes e me enviounadamenosquevinteeseise-mails,sendoapenasametaderelacionadaatrabalho.Eu,porminhavez,estavafinalmentecurtindoessabrincadeiradedarmoleedargelo.Todavezqueelecomeçavaumaconversacomigo,eusorriacomcharme, respondiaaoqueele tinhaditoe logoarranjavaumadesculpaparameafastarquandoeleestava falando.Aliás,adesculpaeraquasesempreamesma,e,porfim,atéMarciaperguntouseeutinhaalgumproblemanabexiga.Masaestratégiaestavafuncionando.Pormaisqueeunão conseguisse acreditar. E não era só Anthony que de repente pareciainteressadoemmim.Metadedoshomensdoescritóriopassouaconversarcomigo.Homenscomquemeumalfalavaantesapareciamnaminhamesaperguntandodetalhessobreaconta Jarvis,oumeconvidandoparabeberalguma coisa depois do trabalho. Eu era a gostosa da vez, o sucesso domomento.Eradesejada.Pelovisto,euestavametornandoJessicaWiiiild.—Vamos?—Eramseisemponto.Sexta-feira.Anthonyestavadiantede

mim,comumsorrisoansioso.— Claro.— Sorri.— Só preciso de umminutinho para terminar uma

coisa.Encontrovocênaporta,daquiacincominutos.Elenãopareceumuitosatisfeito,masacabouaceitando.—Cincominutos—advertiu.Rapidamente voltei ao computador e ri com a página que Helen tinha

feitoparamimnoFacebook.GarotaPerigosa.Aúnicafotoeradeumpardesapatosdesaltosaltíssimos.Eujátinhacinquentasolicitaçõesdeamizade.Cliqueiemumadasmensagens.DanKelly.Oi,GarotaPerigosa.Adoraria

conhecê-la.Ameiosapato.Adoraria me conhecer. Alguém chamado Dan adoraria me conhecer.

Tudobemqueelesódispunhadeumnomefictícioeumafotodeumpardesapatos,masnãotinhaproblema.Oimportanteéqueeueradesejada.Era

popular.Era...—Facebook?Estáfalandosério?—Eumevireiapressadaedeidecara

comMax olhandopor cimadomeu ombro.—Por favor, diga que isso éparaapesquisa.Senti o rubor tomar conta do meu rosto. Max e eu sempre

concordávamos sobre a futilidade das redes sociais, como Facebook;semprecompartilhávamosa irritaçãodiantedo tempodesperdiçadocomessascoisas.—Ah,sim,querdizer...—Tenteiacharummodode justificarapágina

abertabemnaminhafrente.—Francamente, alguémque tem tempo para desperdiçar com amigos

virtuaisnãomereceterumemprego—declarouMax,semmedartempoparaexplicar.—EqueméessataldeGarotaPerigosa?Quetipodenomeestúpido é esse? Se ela fosse realmenteperigosa, você acha que ela teriatempoparaficardiantedocomputador?—Elebalançouacabeça,comumsorrisoirônico.— Na verdade, a Garota Perigosa é bem popular — retruquei,

semicerrando os olhos.— E você só odeia o Facebook porque não terianenhum amigo, caso se cadastrasse. — Eu sabia que tinha sido ríspida;sabia que estava irritada.Mas já estava farta da constante superioridadedele,dasuaatitude“Souoúnicoquelevaotrabalhoasérionesseescritório”.Eleeratãosisudootempotodo,tãocertoarespeitodetudo.Eraoúniconoescritório que não tinha ficado impressionado com as minhas flores ecupcakes; o único que interrompera minhas histórias sobre Sean paraperguntarcomoestavaoProjetoBolsa.Comosenãohouvessecoisasmaisimportantesdoquefundosdeinvestimentoparamulheres.—Nossa—disse ele, erguendo uma sobrancelha.—Bem, talvez você

estejacerta.Mas,parasersincero,achoqueamigosreaisvalemmaisqueosvirtuais.Ourealidadeécoisaqueultimamentenãointeressaavocê,Jess?Nossos olhares se cruzaram eme senti desconfortável. O que ele quis

dizer?Seráquesabiadealgumacoisa?Porqueeletinhasemprequesertãocomplicado?—Jess,cincominutos jásepassaramhámuito tempo.Vocêvemoueu

tereiquearrastá-ladaí?Anthony vinha na minha direção. Aliviada, levantei e desliguei o

computador.—Nãovaiserprecisomearrastar—eudisse,olhandoparaMax.—Seé

paracurtirbebidarealecomidareal,estouprontaparair,agoramesmo.—Bebidae jantar—disseMaxemtommalicioso.—Pareceótimo.—

Então olhou para Anthony. — E isso vai entrar na conta do Chestertambém,ouéapenasumjantardediversão?Anthonyestremeceu,emseguidafezumacaretadeimpaciência:—Max,vocênãotemnenhumacampanhaparaexaminaroualgoassim?

—perguntouele,estendendoobraçoparamimcomumfloreio.—Jesseeuestamosatrasadosparaumcompromissomuitoimportante.—Tudobem—falouMax,afastando-se.—Desculpepor isso—disseAnthonyquandosaímosdoprédio.—Às

vezes,Maxétãoobsessivo,tãofixadopelosdetalhes,quenãoconsegueverotodo.—Eusei.—Eleprecisamuitosesoltarumpouco.Querdizer,écomoseelenão

tivessevidadoladodeforadoescritório.Eleéumamigão,masdevezemquando tenho vontade de sacudi-lo e avisá-lo que está se tornando umfracassado.— Isso mesmo — confirmei. Fracassado. Por passar muito tempo no

escritório.Totalmentediferentedemim.—Vocêeeu.Somospessoasquesabemsedivertir,nãoé?Trabalhamos

muito,mas nos divertimosmuito, também. Temos vidas. Damos risadas.MasoMaxnão.Ocaranuncasai.Nunca!Sorri,semmuitaconvicção.—Comcerteza.Éprecisosedivertir,nãoé?—Claro.Senãoqualéagraçadavida?Vocêsetornaumchato.Comoo

Max.—Certo—concordei,começandoasentirumapontadadeculpadiante

desse ataque injusto. — Embora ele seja um excelente profissional. Etrabalharmuitonãoéalgonegativo...Anthonymeabraçouenquantoandávamos.—Vocêémuitobondosa,Jess,masvamosserfrancos.Vocênãoiaquerer

ficarpresanoelevadorcomMaxnemporumminuto,nãoé?UmabreveimagemdeMaxveioàminhamente.Eumelembreidenossas

longasconversas;defazê-lorir,algoqueeutinhafeitopoucasvezes,mashaviaficadosatisfeitajustamenteportersidotãodifícil;derecostarnoseuombro para um cochilo, no dia seguinte após ter ficado até tarde noescritório...Entãoexpulseiessasimagensdacabeça.Helentinharazão:Maxeraumchatoeeusómeapaixoneiporeleporquenãomeatreviaasonharumpoucomaisalto.Agoraeuoviacomoeradeverdade.Agoraeu tinhaAnthony.EagoraeueraJessicaWiiild.—Vaiquererchampanhe?—perguntouAnthonyaoentrarmosemum

restaurantepertodoescritório.Aceiteifelizemedirigiàumamesavazia.— Cá está — disse ele ao voltar do bar, alguns minutos depois,

carregandocomdificuldadeumagarrafadechampanhe,umbaldedegeloeduas taças. Então ele abriu a garrafa e piscou quando a rolha pulou. Emseguida,encheuastaçasemeentregouumadelas.—Aperdadocaradofundodeinvestimentosdehedgeéomeuganho.—Comcerteza—admiti,erguendoaminhataça.— Então está tudo acabado? Quer dizer, não teremosmais grupos de

cantoreseflores?A voz de Anthony era despretensiosa, mas sob aquele tom superficial

haviaumardeseriedade.— Você está se referindo ao Sean? Bem, não posso fazer nenhuma

promessa,mas...—Mas vaimandá-lo para algum lugar, caso ele tente se aproximar de

você,nãoé?Vaideixarbemclaroquetemoutrosobjetivosagora?Olheiparaele,confusa.Aindanãoconseguiaacreditarqueeleestivesse

mesmo tão interessado em mim. Afinal, ele podia ter a mulher quequisesse.—Bem—comeceiaresponderdevagar.—Euacho...— Acha? — Anthony pousou sua taça na mesa e se serviu de mais

champanhe.—Oquevocêquerdizercom“acho”?—Quero dizer...— Enquanto tentava lembrar das instruções de Sean,

tomei um gole do meu champanhe.— É... bem, Sean e eu tínhamos umrelacionamento sério. Até terminarmos. Então, quero agir com cuidado,antes...achoquequerotercerteza,éisso.—Ameurespeito?—Earespeitodassuasintenções.— Minhas intenções — repetiu ele com um sorriso malicioso. — As

minhasintenções,JessicaWild,nãosãonadarespeitáveis.Meurostocorou.— Era isso que eu imaginava — eu disse, pousando a taça. Nada

respeitáveis?Atéqueponto?—Masquantoaomeucompromisso—continuouele—,étotal.—Comoassim,total?—Estoumesmonessa—respondeucomumgestoafirmativodecabeça.—Estámesmonessa?Emmim?—Euestavameafastandodoroteirode

Sean, mas precisava saber o porquê.— Quando você pode ter qualquergarotaemLondres.

— Por que eu iria querer outra garota? — Os olhos de Anthonybrilhavameamãodeledeslizousobreaminhaperna.—Mas...—Fitei-o,perplexa,divididaentreodesejodeentenderporque

ele estava interessadoemmimeodesejodeque suamãonãoparasseoqueestavafazendo.—Porqueeu?—Porqueninguémmaismedeixaassimtãodescontrolado,JessicaWild

— disse, deslocando sua cadeira para mais perto da minha. — Porque,diferentemente desse tal de Sean, não pretendo desperdiçar as minhaschances.A voz dele era um sussurro; sua boca avançou até o meu pescoço,

provocando descargas elétricas por todo o meu corpo. Parecia que euestavavibrando.Entãopercebiqueerameucelularnobolso.—Desculpe—eudisse,meafastandocomumsorriso.Era uma mensagem de Helen. Tá tomando um drinque agora? Sean

telefonoupara lembraroquevocê temque fazer:darmoleedarGELO.Váemboracedo,bjsEunãoqueriairemboracedo.Estavamedivertindo.— Enfim — continuou Anthony, voltando a explorar meu pescoço,

enquantoeucolocavaocelularnabolsa.—Vocêmefascina, JessicaWild.Tenhoaimpressãodequenãoseinadasobrevocê.Vocêéummistério.Eeugostodisso.—Você...gosta?—perguntei,melembrandodeinspirareexpirar.—Gosto.Medeixasemprealerta.—Certo.Semprealerta.—Vamosparaomeuapartamento?—Sim...Querdizer...Quando?Agora?Anthonyolhouparamim,sorrindo.—Tenhocomidanageladeira.Emaischampanhe.Vamos?Pigarreei.Darmole e dargelo. Achoquedeviame concentrar somente

em dar mole essa noite. Talvez o gelo pudesse esperar até amanhã. Oudepoisdeamanhã.Ou...— Anthony? — Alguém o chamou. Procurei a pessoa e Anthony se

afastoudemim.—Tamara.—Elesorriucomartranquilo.—Comovai?—Bem.Obrigada.—Tamaraeraumaloiraaltaeelegante,quesedirigiu

amimdemaneiraumtantoantipática.Entretanto,paraAnthony,ofereceuumenormesorriso.—Nãovejovocêháséculos.Ondetemseescondido?Elesorriu.

—Ah, sabe como é.Muito ocupado.— Ele tomou amão dela de umaformabrincalhona.—EssaéJessica.JessicaWild.Jess,estaéTamara.Sorri comeducação.Apesardobreveencontro,decidiquenãogostava

dela;oquepareciaserrecíproco.—Prazer—disse ela, comuma expressão que sugeriu tudo,menos o

quehaviadito.—Evocê,Tam?—perguntouele,evidentementeignorandoaantipatia

entrenósduas.—Oquetemfeito?Tamarabalançouocabelo.—Nadadeespecial. Saindo, ficandoemcasa, fazendoalguns trabalhos

aquieali.Enfim,estouindoaumafestanacasadaSelina,sevocêquiserir...Vaitodomundo.—Festa?—OsolhosdeAnthonyseiluminaram,eelesevirouparamim.

—Oqueacha,Jess?—Festa!—repeti, tentandoparecerentusiasmada,masdesejandoque

Tamara desaparecesse num piscar de olhos.— Acho legal. Mas não sei.Querdizer,achoqueseriamelhoreu...nós...Anthonyfezumacaradeculpado.—Nãoprecisamosficarmuitotempo.Sódarum“oi”aopessoal...Esboceiumsorriso.—Euacho...—Ótimo!Tam,porquenãonosajudaaterminaressechampanhe?—Claro—concordouela,agindodemaneiracalorosapelaprimeiravez,

enquantose sentavaao ladodeAnthony,quemeofereceuumsorrisodotipo:“oquesepodefazer?”eacenouaumgarçompedindomaisumataça.—Bem,Gill,nãoseprendaporminhacausa.Sevocêtemqueiraalgum

lugar... — disse Tamara com um sorriso amarelo, e eu senti meu rostoqueimarderaiva.—Jess.MeunomeéJess—conseguidizer.Emseguidatoqueiamãode

Anthony,da formacomo Ivana tinhameensinado, e cruzeiosbraços.Namesmahoraeleolhou,interessado,parameudecote.—Elanãovaialugarnenhum—disseele,apertandoaminhamão.—Sabe— comentouTamara, inclinando-se para a frente.—Marcme

contouque você está comunsplanos bemousados.Umplanode ganharmuitagrana.Émesmo?Fiqueicuriosa.Anthonysemostrousurpreso.—Ah,nãoénada.Apenastrabalho,sabecomoé.—Ah,é?—disseela,decepcionada.—Eleachavaquevocêtinhaalgum

planomuitoengenhoso.

—Bem, sintomuito,masvocêvai ficardesapontada—disseAnthony,comumapiscadela.—Nãoénadadisso.Apenasumnovonegócio.—Umnovonegócio?—perguntei.Eutinhaquefazerperguntas.—Que

tipodenegócio?Algumprojetodeexpansão?Anthonydeudeombrosesorriu.—Algoparecido.Olha,eurealmentenãodeviaestarfalandosobreisso.

Nãoénadademais.É...— Trabalho é sempre chato— disse Tamara, fingindo um bocejo. —

Comoesselugar.Vamosembora?—Nãoachoquetrabalhosejachato—retruquei,depropósito.—Aliás,

achobeminteressante.—OlheiparaAnthonyesperandoumaexpressãodeapoio,mas,emvezdisso,elereagiucomimpaciência.— Não tem nada de interessante. De jeito nenhum. Mas Tamara tem

razão,esselugartambémnãoéinteressante.Vamosàfesta.—Agora?—perguntei,hesitante.Eunãoqueriairàfesta,aindamaisse

osconvidados fossemcomoaTamara.—Porquenão ficamosumpoucomais?Nósnemterminamosochampanhe.— Ah, não!— contestou Tamara, arregalando os olhos. Então ela deu

umarisadairônica.—Achoquesevocêolharagarrafamaisdeperto,vaiverqueissonãopassadeespumante.Nãoseiseestoudispostaaficaraquisóporunsgolinhosdesselixo.—Certíssima—confirmouAnthony,levantando-se.—Vamossairdaqui.

QuetalpegarmosumtáxiatéacasadaSelina?—Já?Querdizer,nesse instante?—perguntei,ansiosa.Oqueseráque

Ivanafarianestasituação?PartiriaparaumaquedadebraçocomAnthony?— Claro que podemos pegar um táxi — respondeu Tamara, me

ignorandoporcompleto.—Vocêsabequedetestoandar,amenosquesejaabsolutamente necessário. — Ela me olhou de cima a baixo quando melevantei.Enãopareceumuitoimpressionada.E não fiqueimuito impressionada quandoAnthony ofereceu o braço a

ela.Derepente,decidiqueestavanahoradedargelo.Melhorque isso:um

iceberg.Edessavezeunemestavafingindo.—Achoquevouparacasa.Eu...tenhoalgumascoisasparafazer.—Paracasa?—Anthonysevirouparamimcomosolhosarregalados.—

Por quê? Estamos indo a uma festa. E depois da festa...— Ele sorriu deformamaliciosa.—Temosplanos,nãoé?Hesitei. Talvez eu tivesse reagido de forma exagerada. Talvez ele

estivesseapenassendogentilcomTamara.

—Olha—falei,puxando-oparamaisperto.—Quetalesquecermosessahistóriade festa epartirmosparaosnossosplanos?—sugeri comavozmaissedutorapossível,ecomolharexpressivo.—Vocênãopodeperdera festa—retrucouTamara.Eraevidenteque

elatinhaumouvidoapuradíssimo.—Todomundovaiestarlá.Forceiumsorriso.—Nãoseiseconheçotodomundo—justifiquei.—Vai passar a conhecer, se for— insistiuAnthony, comuma cara de

cachorrinhoabandonado.—Vamos,Jess.Vocêvaigostar.—Vaigostarmuito—enfatizouTamara,demonstrandoqueeunãoiria

gostarnemumpouco.— Não estou muito em clima de festa — expliquei. Eu queria que

AnthonydissesseaTamaraquedeixaríamosparaumapróximavez;estavatorcendoparaqueelefosseemboracomigo,nãocomela.—Masnãovaitergraçanenhumasemvocê—lamentouele.Querdizer

que ele iria. Independentemente de eu ir ou não. Mas é claro. Como fuipensarqueelerecusaria?—Bem, vamos combinar assim— eu disse, respirando fundo.— Vou

deixarparaumapróximaoportunidade. Podemos retomarnossosplanosoutrodia.Estábem?—Então,antesqueeupudessemudardeideia,deium“tchauzinho”paraeleemeafastei.Quandochegueiàporta,ouvialguématrásdemim,e,aomevirar,deide

caracomAnthony,comumaexpressãoconfusa.—Jess,oquefoi?Nãofujaassim.Fique.Fizumgestonegativodecabeça.— Anthony, pensei que fôssemos jantar essa noite, não que iríamos a

umafesta.Entãoestouindoparacasa.—Masnós...Eu...Olha,nãovoumais—disseele rapidamente.—Vou

falarcomaTamaraque...Bem,voupensaremalgumadesculpa.Seéoquevocêquer.Vocêéquemmanda.—Seissofosseverdade—falei,calma,enquantoabriaaportadiantede

mim—,vocêjáteriaditoaela.Tchau,Anthony.Desci a rua com meu salto alto, o mais rápido possível. Percebi que

estavaquasemetornandoaJessicaWiiild.—Jess?—Eumevireinadireçãodavoz,assustada,epareiquandovi

quemhaviamechamado.EraMax.EutinhaesquecidoqueestavaapoucosmetrosdaMiltonAdvertising.—Oi,Max.Saiuagoradotrabalho?Eudeveriaestartrabalhandoessanoite,pensei.Aindanãotinhasequer

começadoatrabalharnoProjetoBolsae,dojeitoqueascoisasiam,talvezelefossemaisimportantequeoProjetoCasamento,pelosimplesfatodeoProjetoBolsateralgumachancededarcerto.—É,acabeidesair.Evocê?Penseiquefosse jantarcomAnthony.—A

expressãonorostodeleeraincompreensível.— É, nós estávamos num restaurante. Eu... Enfim, uma tal de Tamara

apareceu.Elesvãoaumafesta—expliquei,semconseguiresconderotomdeirritação.—Ah,aTamara—comentouele,mostrandoquejáaconhecia.—Éuma

alta,burraechataparacaramba?Sorri.—Vocêaconhece?—Conheçoepossoentenderporquevocênãoficoulá.Asamizadesde

Anthonysãomeioduvidosas,naminhaopinião.—É...Vocêéamigodele—lembrei.— Acho que sim. E para onde você está indo? Para casa? Posso

acompanharvocêatéometrô?Olheiparaeleemdúvida.Maxeeurealmentenãotínhamosconversado

muito nos últimos tempos. Pelo menos, desde que comecei a sair comAnthony. Desde que eu tinha decidido que Max era antissocial eworkaholic.—Claro.Obrigada.Começamosacaminhare,namesmahora, fez-seumprofundosilêncio.

Umsilêncioconstrangedor.— E a campanha, como está indo?— perguntou ele depois de alguns

segundos.—OProjetoBolsa?Ah,tudobem.—Averdadeéquehádiaseumalme

preocupara com o projeto; tinha andado muito ocupada dando mole edandogelo,erecebendopresentesde“Sean”.—Quebom.Continuamos caminhando; a tensão tornava-se cada vez mais

desconfortável.Enfim,chegamosàestação.—Você...vaipegarotrem?—perguntei,hesitante.—Não,euvou...—Elefezumsinaldequeseguiriaadiante,econcordei

comumacenodecabeça,emsilêncio.—Tudobem,entãoagentesevê—falei,tentandosorrir.—Estábem—concordouele.Então,mudoudeideia.—Anãoserque...—Anãoseroquê?—Olheiparaacatraca,emseguidaparaele.— A não ser que você... queira beber alguma coisa— sugeriu ele de

repente.— Se não tiver que ir para casa. Quer dizer, rapidinho, se tiveroutrascoisas...Refletiporummomento.—Eugostaria.Muito.—Quebom!—OrostodeMaxseiluminou.—Que...bom.—Sóumacoisinha—eudisse,tombandoumpoucoparaolado.—Oquê?—Maxfezumaexpressãoséria.—Vocêseimportadedarumapassadinhanoescritórioparaeutrocar

desapato?Essessaltosestãomematando.— Claro que não — respondeu, aliviado. — Não entendo por que as

mulheresinsistememusaressascoisas.—Fazcomquenossaspernaspareçammaislongas—expliquei,quando

começamosafazerocaminhodevolta.—Massuaspernasjásãolongasobastante—disseele,envergonhado.

—Paraandar—emendou,nahora.—Ocomprimentodelaséprático,naminhaopinião.É...Bem,oqueeuquerodizeréquesuaspernas...—Obrigada,Max—falei,satisfeita,mancandoaoladodele.—Euseio

quevocêquisdizer.Então,aondeiremos?—Temumbarzinholegalvirandoaesquina—respondeuele,sorrindo.

—Nãoénadasofisticado,maselesservemumótimobitter.—Bitter?—perguntei, com implicância.— Issonãoébebidadevelho

careta?—Émesmo.Evocê?Pelovistonãogostamuitodebitter,nãoé?—Prefiroumataçadevinho,obrigada.Ele fezque sim coma cabeça enquanto andávamos. Então, de repente,

parou.—QuerdizerqueahistóriacomAnthonynãoénadasério?Eu parei, também. Não estava preparada para aquela pergunta. Ainda

maisvindodele.—Nadasério?Comoassim?Elenãoolhavaparamim;continuavaolhandoparafrente.—Querdizer,vocêsestãoemumrelacionamentosério?Algoquepossa

iraalgumlugar?Sóseforàigreja,pensei.Masissonuncaaconteceria.Nãonomundoreal.— Acho que não — respondi com calma. — Não, eu diria que não

estamosnumrelacionamentosério.—Issoébom.—É?—perguntei,ansiosa.— Não, não que seja bom. Bem, mais ou menos. Quer dizer... — Max

passou a mão pelo cabelo, meio sem graça. — É bom para osrelacionamentos no trabalho. Sabe como é, sem nenhuma complicação.Políticadacompanhia,essetipodecoisa.— Ah, sei — concordei com um aceno de cabeça, um pouco

decepcionada. Decepção era um sentimento que parecia me atormentarsempre que Max estava por perto. A essa altura, eu já deveria teraprendido.Entãoeleparou,denovo.—Parafalaraverdade,nãofuisincerocomvocê.—Não?—Eu...Marciajátinhamedadoomanualderedação—confessou.— Manual de redação? — perguntei, confusa. — Que manual...? — E

entãopercebioqueelequisdizer.Doqueachavaqueelequisdizer.—Ah,sei.Entãovocêfoi...—Isso.Paravervocê.—Porquê...?—Eumalconseguiarespirar.— Porque eu esperava ter coragem, talvez, para... Mas não consegui,

claro. Como sempre, acabei guardando paramim.Mas às vezes a pessoatemquesercorajosa,vocênãoacha?—Acho—respondi,comavozquaseinaudível.—Achoquesim.—Porissoestoufeliz.ComessahistóriaentrevocêeAnthony.— Certo — eu disse. Ele voltou a andar e eu o segui, com a cabeça

agitada.Eleestavafeliz.EletinhaidoaoenterrodeGraceparamever.Esóadmitiuagora.Porquê?Porqueelenãofalouantes?Entãoentendi.Elenãodisse nada pelamesma razão que levara Anthony a ficar interessado emmim:porqueoutrapessoatambémestava.AnthonyestavacomciúmesdeSean;Max estava com ciúmes deAnthony. Embora ciúmenão fosse umacoisaruim,nemsempre.Maxparoudenovo.—Euqueriasabersevocê...se...Eu parei também. Nossos olhares se encontraram, e nenhum dos dois

conseguia desviar o rosto. Os lábios dele estavamperto dosmeus; se euinclinasse um pouquinho a cabeça nós nos beijaríamos. Era o que eudesejavadesdequeoconheci;desdequeovinaMilton,nodiadaminhaentrevista.De repente percebi uma coisa: aquilo não era o que eu desejava, não

exatamente. Se nós nos beijássemos, tudo iria mudar. Eu perderia aherançadeGrace.Eomaisimportante:ficariavulnerávelamaisdecepções.Muito vulnerável. E tudo por um homem que, provavelmente, só estava

interessadoemmimporciúmes.Entãomeenchidecoragememeafastei.—Não—eudisse,comavozquase inaudível.—Não...—E, reunindo

todasasminhasforças,mevireiecorripelarua,emdireçãoaometrô.

Capítulo20

PROJETO:CASAMENTODIA21

Pendências:1.Hmm...

Namanhãseguinte,acordeicomumbarulho.Coloqueiotravesseirosobrea cabeça e fiz o possível para ignorá-lo. Sonolenta, na minha confusãomental,percebisetratardacampainha,e,portanto,pouquíssimoprovávelque fosse paramim. Eu já estava voltando a um sono delicioso, quando,algunsminutosdepois,sentiotravesseirosendopuxadodaminhacabeça.—Éparavocê—disseHelen,comavozestranhaefraca.—Paramim?Oqueéparamim?—Acampainha.Vocêtemvisita.—Paramim?—pergunteidenovo,parecendoumaidiota.—Quemé?

NãoéoDr.Taylor,é?—perguntei,ansiosa.Então,emummovimentoagitado,coloqueiaspernasparaforadacama

eabaixeiacabeçasobreosjoelhos.—Digaquenãoestouaqui.Falequeaindaestouforadopaís.— Fora do país? Quando você viajou, para começo de conversa? —

perguntouHelen.—Eudisseaeleque ficaria foraumaouduassemanas.Por favor,Hel.

Digaquenãosabeondeestou.Nãoconsigolidarcomeleagora.Realmentenãoconsigo.—NãoéoDr.Taylor—disseela,mepuxandodacamaeajeitandomeu

cabelo.—Masvistaalgoprimeiro—sugeriu,enquantoexaminavaomeuarmário.Emseguida,pegouumaspeçasderoupa.—Aqui,coloqueisso.Helenmeentregouuma calça eumbonito casacode lãde caxemira, e

olheiparaela,desconfiada.—Porquê?—Apenasobedeça!—disse,irritada.—Rápido!—SeforIvanacomalgumanovaatividade,eunãovoufazer—retruquei

demauhumor.—Nãovoumesmo.Aliás,tenhoquefalarcomvocêsobreo

ProjetoCasamento.Euandeipensandoeachoquenãovaidarcerto.Sério.—Tudobem.Massearrume.Eváatéaporta.—Vocênãoseimporta?—perguntei,surpresa.—Nãoseincomodase

eudesistirdetudo?—Dejeitonenhum—disseHelendeumamaneiravaga.—Tudooque

vocêquiser.Masfaçaumfavoreatendaàporta.Curiosa, saí do quarto e abri a porta. Nesse momento, senti meu

estômagoembrulhar,porquetalvezfosseMax.Talvezelenãoaceitasseumnãocomorespostaetivessedecididometomaremseusbraços...Ocorredorestavavazio.NaturalmentenãoeraMax,oqueeraumbom

sinal.Bem,nuncaseriaelemesmo.Nãoseiporqueimagineiisso.—Nãotemninguém!—Suspireiconfusa,olhandoparaHelen.— É na porta da rua. Lá embaixo— explicou ela, me empurrando na

direçãodaescada.Hesitante,desciosdegraus.PodeseroMax.Querdizer,erabempossível.

Então,abriaportaaospoucos.Eleveiumsusto.—Anthony?Ele sorriu meio sem jeito e me entregou um buquê de flores, que

apanhei, indecisa. Ele tinha o hálito de vinho. Também poderia serchampanhe.—Seiquevocêjátemummontedeflores,masnãosabiaoquecomprar.Euofitei,perplexa.—Vocêcomprouissoparamim?—Sim.Éque...Elenãoterminouafrase.— Acontece — começou ele novamente — que eu pensei no que

aconteceuontemànoite.Depoisquevocêfoiembora.—Ah,é?Elesorriu.—É.Bem,afestaestavahorrível,comosempre,eeucomeceiarefletir

sobreaminhavida.— Sua vida— repeti, apertando os olhos contra o sol damanhã.—É

semprebomfazerisso.—Exato!E,parafalaraverdade,sobreasuavida,também.—Comoassim,sobreaminhavida?—Você não quis ir à festa ontem e apenas foi embora.Nunca consigo

fazerisso.Sehouverumafesta,eutenhoqueir.Éumafraqueza.—Talvezvocêgostedefesta—sugeri.—Eugosto!—admitiu,comosolhosbrilhando.—Masnenhumaatende

àsminhasexpectativas.Essaéaquestão.Nadamecompleta.Excetovocê.—Eu?—pergunteidesconfiada.—É.Vocêémelhordoqueeupensava.Entendeu?Melhor,nãopior.—Ah,sei—eudisse,semsaberseficavalisonjeadaouofendida.—EntãoeupenseiemSean.Ocaradormiunopontoeagoraestátodo

arrependido.Echegueiàconclusão:diadesseseupossoacabarsendoessecara.Correndode festa em festa, dormindonopontoe aíperderobarcoqueestábemnaminhafrente.Nãoentendioqueelequisdizer.—Vocêestáfalandodeperderumafestanobarco?—Estoumereferindoaoseubarco—explicouele,emocionado.—Maseunãotenhobarco.Souumapessoacomum.Olha,Anthony,por

que você não vai para casa? Por que não liga para a Tamara, ou para aSelina,econversacomelas?—Nãoqueroconversarcomelas.Queroconversarcomvocê.Elemefitavacomcaradebobo,semconseguirficarempé.—Vocêestábêbado?—Umpouco.Bêbadodeamor.—Vocêestáapaixonado?Suspirei. É claro. Ele tinha vindo aqui para dizer que estava tudo

acabado.Melhorassim.Euqueriamesmoqueestivessetudoacabado.Seriaumalívio.—Estou.Porvocê!—Certo.Nessecaso,adeus...—Entãopercebioqueeletinhadito,edei

umpassoparatrás.—Vocêoquê?—Estouapaixonadoporvocê.Derepentetudoficouclaro.—Pormim?Masporquê?—Porquê?—perguntouele,confuso.— Sim. Por quê? Afinal, não sou nenhuma top model e não gosto de

festas.OntemtínhamossaídoparajantarevocêpreferiuiraumafestacomaTamara.— É isso mesmo! — confirmou ele, como se eu tivesse acabado de

resolver uma equação matemática difícil. — E foi terrível. Bebi demais,fiqueitempodemais...Seeutivesseficadocomvocê,estariaemcasaagora,mesentindobem,emvezdeestarsofrendocomessaressaca.—Temcertezadequenãoestábêbado?Elenãoestavasendomuitocoerente.Enãoestavaapaixonadopormim.

Aquilotudoeraapenas...esquisito.—Preciso demais uma bebida—disse ele, piscando os olhos.—É a

melhorcoisaparacurarressaca.Enfim,oquevocêacha?—Oqueeuacho?Sobreoquê?—Eujáestavacomeçandoaacharque

precisavadeumabebidatambém.—Sobrenós?Sobreaminhaproposta.—Queproposta?Atéondeeumelembro,vocênãopropôsnada.—Proposta?Ah,meuDeus.Elepediuvocêemcasamento?Vocêsvãose

casar?—Aomevirar,deidecaracomHelencorrendonaminhadireção,debraçosabertos.—Não— consegui dizer antes que ela se jogasse sobremim.— Não

vamos...— Mas poderíamos! — completou Anthony de repente, os olhos

brilhando.—Oquê?—pergunteihorrorizada.—Casar—repetiuele.—Éumaexcelenteideia!—Não,nãoénão—contestei.—É, sim!—retrucouHelen, tampandoaminhaboca.—Éumaótima

ideia.Uau!Quemaravilha!— Mas... mas... — balbuciei, tentando me desvencilhar do abraço de

Helen.—Nãovouaceitar“mas”comoresposta—disseele,meagarrandonum

abraçodeurso.—Suaamigaestácerta.Éumaótimaideia.Nãovoumaisperderobarco.Vouentrarnessebarco,issosim.—Querdizerqueagoraeusouobarco?—perguntei,confusa.—Nóssomosobarco—corrigiuele.—Casamentoéobarco.Aliás,não

ébarco,éumnavio.Fiqueidequeixocaído.—Eu...Eu...Vocêquermesmosecasarcomigo?—Claroqueelequer!—gritouHelen.—VocêvaiseraSra.Milton.Ah,

malpossoesperarparacontaraIvanaeaSean.— Sean? — perguntou Anthony. — Isso, pode contar a ele. Diga que

agoraelaestácomprometida.—Nãoestoucomprometidacoisanenhuma.Evocênãovaicontarnadaa

ninguém.—Vocêestácomprometida,simsenhora.Anthonyacaboudepedirvocê

em casamento. Eu ouvimuito bem— disse Helen, na hora. Então ela sevirouparaAnthonyeestendeuamão.—Apropósito,souHelen,evouseradamadehonra,certo,Jess?—Achoqueestá faltandoumpequenodetalhenessahistória:euainda

nãodissequesim.

Ambosseviraramparamim,ansiosos.Fizumgestonegativodecabeça.—Nãoposso...—comeceiadizer.—Nãoposso...—Nãopodeoquê?—perguntouHelen,impaciente.—Vocêpode,Jess.

Falasério,aceiteaverdade,peloamordeDeus.— Mas... — Sentia meu coração disparar. Nesse instante, Helen me

agarrouemepuxouparaumcanto.—Qualéoseuproblema?—perguntouela,baixinho.—Vocêestácoma

facaeoqueijonamão.AnthonyMiltonestápedindovocêemcasamento.Você vai ficar como cara, coma grana, coma casa, e vai cumprir comapromessaquefezaGrace.Porquenãovaiaceitaropedidodele?—Porque...—Respirei fundo.—Porque isso tudo é umamentira. Eu

nãosouJessicaWiiild.—Não,nãoé.JessicaWiiildéqueévocê—sussurrouela,emtomfirme.

—Jess,vocênãopoderecusar.Temcertezadequequerperder4milhõesdelibras?—Não!—respondi contrariada.—Eusónãoquero...Nãoquero fazer

umacoisaparamearrependerdepois.— Arrepender? Jess, você só vai se arrepender se recusar. Casar com

Anthony,queporsinaléumgato,éamelhorcoisaquepoderiaacontecer.Evocêvaisermilionária.Oqueháparasearrepender?Helentinharazão.—Nada,acho.—Exatamente—disseela,cruzandoosbraços.—Então?OlheiparaAnthony.— Eu não posso... — Em seguida olhei para Helen, que me encarava,

furiosa. — Eu não posso acreditar — corrigi a tempo. E não conseguiamesmo acreditar. Anthony Milton tinha acabado de me pedir emcasamento.Nãohavianadaplanejadonoprojetoquemeensinassealidarcomisso.— Pois pode acreditar— disse ele, tomando a minhamão.— Jessica

Wild,queroquevocêsejaminhaesposa.—Suaesposa—repetiaspalavras,maselasaindasoavamestranhas.A

qualquer momento, eu esperava que um dos dois pulasse e gritasse:Surpresa!Ésóumabrincadeira!Masissonãoaconteceu.Pelomenos,nãovininguém pulando. Então olhei para ele, desconfiada. — Você realmentequercasarcomigo?Temcerteza?—Absoluta.Vaiserumgrandeevento.Todomundovaificardequeixo

caído.Eu,casado.Maravilha.

Fitei-oporalguns segundos,depoisolheiparao céudamanhã.Eunãopodiacasar.Simplesmentenãopodia.Ouseráquepodia?Talvez.EuseriaaSra.Milton,afinal,comotinhaditoaGrace.Eissoporiaumfimaqualquerpensamentoromânticoeperigoso,deumavezportodas.Eunãooamava;nãotinhanenhumaexpectativaemrelaçãoaele.Eraauniãoperfeita.Seelemedeixasse,eunãoficariaincomodada.Estariaresguardadadedecepçõesparaorestodavida.—Tudobem—fizquesimcomacabeça,osolhosbrilhando.—Sejao

queDeusquiser.Vamosemfrente.Vamosnoscasar.

Capítulo21

—Entãoeleapediuemcasamento.Simplesassim!—Helenseserviudemais champanhe e olhou, triunfante, para Ivana e Sean, que estavampraticamente deitados no sofá. Era domingo à noite e, após um fim desemanabebendochampanhecomAnthonyeexperimentandoalianças,euestavaexausta.—Elepediuparacasar?—perguntouIvana,surpresa.— Tudo graças a vocês dois — logo observou Helen. — Vocês são

incríveis.—Sim—concordouIvana.—Sim,verdade.— E agora — prosseguiu Helen em tom receoso — só falta nos

assegurarmos de que o casamento aconteça logo; tipo... em vinte e setedias.—Umpoucomenosdequatro semanas—acrescentei, antesdebeber

outro golede champanhe.Eu sentia que aminha convicção em relação aessa história de casamento era equivalente à quantidade de champanhequeeuconsumia,ouseja,seesperassemuitoantesdetomarumgole,todasasdúvidaseosdemônioscomeçavamavoltar.Ivanaergueuumasobrancelha.—Nãosermuitotempo.—Nãomesmo—confirmei,pensativa.—Aliás,équaseimpossível.—Impossívelnão—retorquiuIvana.—Daremosumjeito.—Digaaelequeestágrávida—sugeriuSean.—Elevai severcoma

armaapontadaparaacabeça.— Arma? — repetiu Ivana, confusa. — Nós ter casamento assim na

Rússia.Masoqueadiantatergentemortaaqui?—Não é armade verdade—explicouHelen.—Se ele pensar que ela

estágrávida,émaisprovável...vocêsabe,queeleaceitecasarmaisrápido.Ivananãopareceuconvencida.Entãomelevantei.—Nãovoudizeraelequeestougrávida,dejeitonenhum.—Tudobem,masvocêtemoutraalternativa?—perguntouHelen.Fizumgestonegativodecabeça.—Digaqueé romântica—sugeriu Ivana,de repente.—Digaquenão

queresperar.—Romântica?—repeti,indecisa.—Achoquenãovaifuncionar.Ivanadeuoutrasugestão:—Bem.Vocêpodedizer:“Nadadesexoatéocasamento.”Seanfitouamulhercomardeespanto:—Vocêquepodiatentardizer“nadadesexoporumtempo”.—Secontinuarcomciúmes,nãovaitersexo—retrucouIvana,irritada.

EntãosevirouparaHelen.—Eleconhecermeutrabalho.Porqueagoraterqueserciumento?Helensorriu,compreensiva.—Tudobem—disse Sean, resignado.—Bem, Jess, tenteperguntar a

Anthony.Vejaoqueelediz.—Certo.Vouveroquepossofazer.—Isso.Mas,senãodercerto,precisamospensaremumplano—disse

Ivana, séria. Em seguida sorriu, mostrando seus dentes de ouro quepareciampequenasestrelas.—Sabedeumacoisa?Vocênãoestásesaindomuito mal — disse ela em tom gentil. — Melhor do que eu imaginava.Então,parabéns.Depois, olhou ao redorda sala e levou àboca a garrafade champanhe

quetinhanamão.—Émesmo.Parabéns—concordouSean.—Umbrinde a JessicaWild—disseHelen, sorrindo.—Oumelhor, a

JessicaMilton.

Nasegunda-feirademanhã,assimquepasseipelaportadoescritório,Gillieveio correndo na minha direção (pude comprovar que ela era capaz denotarumaaliançaadoismetrosdedistância),edeuumgrito:—Sean!VocêvaicasarcomSean!Eleconseguiureconquistarvocê!Ah,

meuDeus!Foiogrupodecantoresqueajudouvocêasedecidir?Ouforamasflores?Ah,olhasóotamanhodessediamante.Marie,venhaaqui.Rápido!Obediente,Marieapressou-se,eambassuspiraram,enquantoeuerguiaa

mãoparaqueasduaspudessemexaminaroanel.—Naverdade,nãoécomoSean—esclareci.—Nãoé comoSean?—OsolhosdeGillie se arregalaram.—Parede

escondero jogo.Quemdeuoanelavocê,então?Evocê temalgumoutropretendente rico escondido para repassar para mim? Eu não meincomodariadereceberflorestododia,garanto.Euestavanervosa.Desdedomingodemanhã,quandoAnthonyfoipara

casa(elepretendiapassarofimdesemanacomigo,masdeiumadesculpa;comoHelenbem tinha lembrado, noivadonão era casamento, e eu aindaprecisava da orientação experiente de Ivana e de Sean), eu estava mepreparandopara,aqualquermomento,elecancelartudo.Imagineiqueeleolhariaparamimenvergonhado,diriaqueestavabêbadoquandomepediuem casamento e acabaria sugerindo darmos um tempo.Mas ele já haviamandado uma mensagem hoje, perguntando como estava sua noivafavorita.Então,supondoqueotermofavoritafosseumabrincadeiraequeelenãotinhaumbandodefuturasesposasescondidasporaí,pareciaqueocasamentoestavadepé.—Querida!—Anthonysaiudasalaemetascouumselinho.—Então,o

queachoudoanel?—perguntouaGillie,comumenormesorriso.—Lindo,nãoé?PercebiorostodeGilliesetransformaremumacaretadeperplexidade.—Você?Evocê?—perguntouela,olhandoparamimeparaAnthony.Nãomeatreviafalar,emelimiteiafazerquesimcomacabeça.—Sério?VocêeAnthony?Repetiogesto.—Vãocasar?—Issomesmo—confirmouAnthony,sorrindo.Gilliebalançouacabeça,atônita.—Mas...Eununca...Querdizer,vocênunca...Eunãosabia!—Fazpoucotempoqueestamosjuntos—tenteiexplicar.—Masjáétemposuficiente—completouele,enquantoGillieadmirava

meuanel.Eu.Noiva.Aindaprecisavameacostumarcomaideia.Nesse momento, Marcia passou pelas portas duplas. E se mostrou

curiosaquandopercebeuaexpressãoentusiasmadadeGillie.Eentãoviuoanel.Umaexpressãodeincertezasurgiuemseurosto,porémelasorriuepegouminhamão.—Vocêvaisecasar?—Nósvamos—corrigiuAnthony,feliz.—Queromântico!Foiumnamorobemrápido.Olheiparaela,surpresa.—Foibemrápidomesmo—concordei.—E,acredite,foidifícilconvencê-la—observouAnthony.—Vocêsabia?—perguntouGillieaMarcia.—Sabiaqueelesestavam

juntos?Marciasorriu.

—Claro que sabia. Ah, querida. Nãome diga que foi a última a saber,Gillie?Quecoisaterrível.—Eusabia—contestouGillie.—Pelomenos,imaginava.—Émesmo?Équeparecequevocêfoipegatotalmentedesurpresa—

disseMarcia.—Dequalquermaneira,suponhoqueaetiquetanosmandadarosparabéns.Nessecaso,parabéns.Ela sorriumais uma vez, e a fitei. Eu não sabia bem o que esperar de

Marcia,mascomcertezaessanãoeraareaçãoqueesperava.— Sim, parabéns — acrescentou Gillie, na hora. — Isso é tão

emocionante!Masprecisacomeçarospreparativos.Vocêquerumafestaaoarlivreouvaisecasarnoinverno?Sabequeasreservastêmqueserfeitascom antecedência, né? Ah! Você devia fazer como Liz Hurley. Casar emlugares diferentes. Usar três vestidos diferentes. E damas de honra? Jápensou em tudo, não é? Ah, eu adoro casamentos. Se precisar de ajuda,podecontarcomigo.—Obrigada, Gillie!—eudisse,mantendoum sorriso fixono rosto.—

Mas ainda é cedo. Quer dizer, ainda não tivemos tempo para pensar emnada.Nãoé,Anthony?Elemelançouumsorrisobenevolente.— Acho que não.Mas isso não quer dizer que não podemos começar.

Vocêdizcomoqueracerimôniaepartimosdaí,estábem?Quercasarnoverãoounoinverno?Eumesentiocentrodasatençãoemeurostocorou.Agoraeraaminha

chance.Mascomopoderiasugerircasaremmenosdeummês?—Bem— falei, tentando conservar um tom casual e descontraído.—

Podemosesperareplanejaralgoparaumfuturodistante,oupoderíamos...talvez...fazeralgomaisrápido.—Maisrápido?—perguntouAnthony,surpreso.—Marcar uma data próxima— acrescentei imediatamente.— Afinal,

paraquecomplicarascoisas?Vamosfazerlogodeumavez.—Fazerlogodeumavez.ComooanúnciodaNike,“Justdoit”?—Eleriu

efiqueiconstrangida.—Achoumaótima ideia—afirmouMarcia, de repente.—Casamento

muitoplanejadoéentediante.SurpresaaoverqueMarciameapoiava,sorriparaela.—Exato.Émuitomelhor...aproveitaroímpetodomomento.— Agir por impulso? — disse Anthony, com os olhos iluminados de

entusiasmo.—Manteroelementosurpresa?—Issomesmo—concordouMárcia,animada.

—Masequantoaoplanejamento?—perguntouGillie.—Querdizer,dequantotempoestamosfalando?Algunsmeses?—Ou...—sugeri,hesitante.—Oualgumassemanas?Anthonypensouporummomento,esorriu.—Algumas semanas. Perfeito. Podemos reservarum cartório, oferecer

umjantarzinhodepois...serámaravilhoso.— Um jantarzinho?— repetiu Gillie, indignada.— Anthony, você não

pode casar e fazer apenas um jantarzinho. Tem que fazer as coisas damaneiracorreta.Falasério!VocêéAnthonyMilton.Aspessoasvãoquererverfotografias.ApostoqueaAdvertisingTodayvaicolocarvocênaprimeirapáginanovamente.—Vocêacha?—Anthonypareceuconfusoporummomento,entãofez

que sim com a cabeça.— Sabe de uma coisa? Acho que você tem razão.Talvezfossemaisapropriadopensargrandeemrelaçãoaessecasamento.Quemsabedivulgarnamídia.—Mídia?—perguntei,contrariada.—Temcerteza?Nãovaificarmuito

caro?Achoqueumjantarseriasuficiente...—Dejeitonenhum—retrucoueleemtomfirme.—Enãosepreocupe

com os custos. Eu pago quanto for preciso. Será um investimento. Gillie,minhaquerida,vocêéumgênio.Mascomovamosorganizarumcasamentodessesempoucassemanas?—Poucassemanas?—Maxestavasaindodasuasalaeseaproximou.—

Oquevaiacontecerempoucassemanas?Sentiocoraçãodisparar.—Ocasamento—anunciouGillie,comimpaciência.—Acorda,Max.—Casamento?—perguntouele.—Dequem?Anthonypiscouparamimefiqueiaindamaisnervosa.—Acabeidemelembrardeumacoisa—disseeleemtomconspirativo.

—Sóumsegundo.EntãoeleentrounasuasalaeGillie,irritada,sedirigiuaMax:—Ocasamentode JesseAnthony,éóbvio.Vocêestá semprepor fora,

Max?Elesorriu.—Gillie,umdiaesperomesmoentenderseusensodehumor.Enquanto

isso,devoconfessarqueestoucompletamentedesnorteado.—Maseunãoestoubrincando—retrucouGillie.—Podeperguntara

ela.—Ésério,Jess?—Maxmefitavaconfuso,eeuengoliemseco.—Nós... vamos casar— respondi, tentandodarmenos importância ao

fato.—Anthonymepediuemcasamentonosábado.— É verdade, Max— assegurou Marcia de um jeito capcioso.— Eles

escondemojogodireitinho,sãobemdissimulados,nãosão?— Olha o anel— confirmou Gillie, apressando-se em erguer a minha

mão.—Lindo,nãoé?Maxolhouoanel,epareciaqueestavaprestesadizeralgumacoisa,mas

desistiu.— A notícia pegou todo mundo de surpresa — acrescentou Gillie. —

Menoseu,claro.Nadamesurpreende.Nadamesmo.— Você... você vai casar? Com Anthony? Sério? — perguntou Max

olhando bem nosmeus olhos. Senti o rosto arder, tive vontade de dizer:não,nãovoucasarcomele,masmemantivefirme.—Vou.—Evocêachamesmoqueéumaboaideia?—OsolhosdeMaxestavam

cravadosnosmeuseexpressavamumadesaprovaçãotãoprofundaquemeatingiaemcheio.—Acho—respondideformadefensiva.—Achoqueéumaótimaideia.— Certo. — Fez que sim com a cabeça, com uma expressão sisuda e

desinteressada. — Certo. Bem, parabéns. Tenho certeza de que vocêsserão...muitofelizes.—Emseguida,sevirouparavoltarasuasala,masfoiinterceptadoporAnthony,queseaproximava.—Muitobem,soldados.Seráqueconseguimosorganizarumcasamento

emtrêssemanas?—Eledirigiu-seamim,comumenormesorriso.—Nãosejaridículo—respondeuMaxnahora.— Três semanas? — perguntou Gillie, atônita. — Onde você está

planejandofazeracerimônia?Noparquinhodaesquina?—Parafalaraverdade,estavapensandonoHiltonParkLane.Temuma

igreja linda ali perto, para a cerimônia, e depois podemos reunir todomundonoHiltonparaumagranderecepção.—Hilton?—perguntei,admirada.OHiltoneraumdosmaioresemais

eleganteshotéisdeLondres.—Temcerteza?—Tenho!—disseele,radiante.—Elessãoclientesdaagência.Eacabei

defalarcomodiretor-executivo.—Eelestêmdatasdisponíveis?—perguntouGillie.—É claroquenão.As reservasnormalmente se esgotamcomanosde

antecedência. Mas houve um cancelamento. Ao que parece uma noivadesistiudecasar.Masadesgraçadonoivofoianossasorte!—Mastrêssemanas?Ummêsjáseriapouco,imaginetrêssemanas.Não

dáparaorganizarumcasamentonememummês!—exclamouGillie.—É

impossível!—Nadaéimpossível—afirmouMarcia.—Nãoé,Anthony?—Claro—respondeuele,dandoumapiscadela.Maxoencarou.—Anthony,vocêenlouqueceu?Trêssemanas?Vocênãoachaquetalvez

esteja apressando um pouco as coisas? Não acha que casamento é umcompromissosérioquedeveseranalisado,planejado,preparado?—Sentiocoraçãodisparar.Euestavatãoperto, tãopertoderesolvertudo.Entãopor que queria que Max convencesse Anthony de que ir em frente comaquilonãoeraumaboaideia?— Não se deve perder uma chance quando ela aparece, é o que eu

sempredigo—respondeuAnthonyprontamente, afastando-sedoamigo.Nessemomento,euolheinosolhosdeleepercebiumardepreocupação,masele logo sorriu, ededuziqueapreocupaçãoeraminha.— Jess, vocênão acha que estamos apressando as coisas, acha? Não tem medo deencararodesconhecido,nãoé?—De jeitonenhum—respondi, lamentandonãome sentir tão segura

quantodemonstrava.—Umcasamentoàspressas—disseMarcia.—Queromântico!— Não poderia haver uma definição melhor — comentou Anthony

sorrindo.—Bem,Jess,vocêquerqueocasamentosejalogo.Trêssemanasestábomparavocê?—Daquiatrêssemanaséumaótimadata—conseguidizer.—Tudobem—disseMax,tenso.—Estoumuitocontenteporvocês.Ese

trêssemanaséobastanteparaorganizarumcasamento,entãocomcertezatrês minutos devem ser o bastante para você se preparar para a nossareuniãodoProjetoBolsa.Fiqueimeioconfusaeolheiparaorelógio.Eramoitoecinquentaesete.—Ah,semproblema—balbuciei,aolembrarquetínhamosumareunião

àsnovehoras.—Ótimo,semproblema—disseMaxantesdevoltarparasuasala.

Capítulo22

Sentei à minha mesa e liguei o computador. Tudo estava acontecendoconforme o planejado. Tudo na minha vida estava se desenrolandoperfeitamente. Eu estava feliz. A sensação estranha que eu sentia noestômagoerafelicidade,sópodiaser.— E então, está pronta para a reunião?— Ergui os olhos e viMax se

aproximando a passos largos.— Porque vamos começar agora. Para sermais exato, nesse minuto. — Ele me lançou um olhar de expectativa edisfarcei.—Claro.Seéqueépossívelestarprontaparaumareunião.— Como assim? O que você quer dizer? É claro que você pode estar

prontaparaumareunião.Nossa!Elenãotinhamesmonenhumsensodehumor.—Querodizerqueestátudocerto—esclareci.—Relaxe.— Relaxar? — O rosto dele se contorceu de espanto. — Temos uma

reuniãocomChesterRydallevocêestápedindoqueeurelaxe?—Max,peloamordeDeus,aJesstemcoisasmaisimportantescomque

se preocupar—disseMarcia, levantando-se de repente.— Sabe de umacoisa,Jess?Ignore-o.Maxaencarou.—Achoquevocêveráqueelajásabefazerissomuitobem—disseele

comcalmae seafastou, indoemdireçãoà salade reunião.Entãodeiumsuspiroe,resignada,osegui.—JessicaWild!—Chester,queestavaao ladodeAnthony,sorriupara

mimlogoqueentrei.—Peloqueouvi,devodarmeusparabénsavocê!—disseeleaose levantar.Emseguida,meenvolveuemumforteabraço.—Tenhocertezadequevocêsdoisserãoumcasalmaravilhoso.Forcei-meaabrirumlargosorriso.—Obrigada,Chester.Muitoobrigada.— De nada. E preciso admitir que estou muito empolgado com a

apresentação de hoje. O pessoal lá do escritório está esperandoansiosamenteparaveroquevocêsprepararam.—Ah,é?—pergunteifeliz,disparandoumolhartriunfanteparaMax.—

Bem,ficocontentedeouvirisso.— Podemos começar?— perguntou-me Anthony e fez um gesto para

todossesentarem.—Bem,Jess,futuraSra.Milton,apresente-nostodososemocionantespassosdoProjetoBolsa!Elesorriuparamimeeusentimeurostoficarumpoucorosado.—Claro.Obrigada,Anthony— falei, animada.—Oque eu gostariade

fazerhojeérevisarasnossasideiasparaacampanhaeestabelecerdeumavezportodasoquepretendemosfazer.Chestermelançouumolharconfusoelogodepoisriu.—Ah,éumapiada—disseele.—Piada?—Agoraeuéquepareciaconfusa.—É.Claroquevocênãomefariaviratéaquidepoisdetodoessetempo

sópararecapitularoquejáfoidecidido.Vamoslá,Jess.Seiquevocêgostadeumcertoefeitodramáticoquandoestáfazendoumaapresentação,masvamos direto ao ponto: pesquisas, estratégias. Estou ansioso para ouvirtudoisso.—Irdiretoaoponto.Certo.—Vamos,Jess—disseAnthonyemtomanimador.—Podenoscolocara

pardetudo.— Claro! Está certo. Bem, estamos aqui para discutir o Projeto Bolsa,

então vamos ao que interessa. Tenho alguns logotipos aqui para seremavaliadosemuitasideiasarespeitodacampanhaemsi...Conseguiencher linguiçapormaisoumenosdezminutos,distribuindo

os logotiposqueMaxhaviamemostrado,sendoevasivaaomáximo.Edefatopenseique tudoestava indobem.Afinal, eu era JessicaWiiild.Entãosorri(semmostrarosdentes),jogueiocabeloeconseguiparecer,naminhaopinião,pelomenos,bastanteconvincente,mesmonãotendonadaadizer,mesmonãotendofeitoabsolutamentenadaarespeitodacampanha.—Então—eudisse,ansiosa,medirigindoaChester,quandoterminei.

—Vocêtemalgumaopinião?Chesteresfregouoqueixo.—Na verdade, tenho— respondeu ele, franzindo a testa.— Para ser

franco,nãoestoumuitocertosobreoqueconseguiapurarhoje.—Apurar?—Comeceiasentirmeuestômagoseembrulhar.—Acho—disseChester, comumaexpressãoumpoucoangustiada—

queeuesperavamais...detalheshoje.Sabe,estatísticaseresultados.—Estatísticaseresultados—repeti,nervosa.—Certo.Entãomedigao

quevocêgostariadesaber.UmaexpressãodealíviosurgiunorostodeChester.

— Ah, perfeito. Você poderia dizer, em termos de gastos, qual é aproporção da publicidade impressa que está sendo planejada, emcomparação com a propaganda on-line? E se há alguma perspectiva deresultado direto a partir dessa estratégia, ou se é somente um trabalhoparaconstruiramarca?—Bem,essaéumaboapergunta—conseguidizersorrindo.—E quanto à aceitação?— continuou Chester.—Quais os resultados

financeiros que se espera para os dois primeiros meses, e qual seria ovolume de investimento? Porque isso vai nos ajudar a reduzirdrasticamenteoscustos.—Hmm,outraperguntainteressante...—Eutambémgostariadeumaatualizaçãoquantoaocachêdealgumas

celebridades que você mencionou na reunião anterior. Quais são ascondições para que isso aconteça?—Todosme olharam, e eu sentimeurostoarderdenervosismo.—Certo,essaéumaquestãobemrelevante.— Para a qual você tem uma resposta? — acrescentou Chester com

interesse.— Sim, com certeza — falei, engolindo em seco. — Claro que tenho.

Talvezeupossamandarpore-mailparavocêdepois?— Mandar por e-mail? — Chester fez uma careta. — Pensei que o

objetivodessareuniãofosseparadiscutirmosissoagora.— E é. Quer dizer, era. Mas... — Olhei ao redor da sala. Anthony me

olhavacomumsorriso ligeiramente fixo;Marciarabiscavanobloco.Nemme atrevi a olhar para Max. Podia sentir sua irritação do outro lado damesa.Derepente,Maxempurrouacadeiraeeumeviforçadaaencará-lo.— Chester, você levantou algumas questões importantes— disse ele,

sério. — Questões que temos tentado resolver nas últimas semanas,emborasemchegarmosaconclusõesconcretas.Averdadeéque,antesdeapresentarmos os detalhes a vocês, seria muito mais proveitoso se nósouvíssemosoqueaJarvisPrivateBankingpretendealcançaremtermosderesultadosfinanceiros;eentão,apartirdaí,poderemosplanejarotargetdapropaganda. Sabemos, por exemplo, que a Jarvis busca uma curva decrescimento para os primeiros seis meses como construção da marca.Afinal,nãoestamostratandodeumcartãodecréditocomjurosreduzidos,mas de um produto financeiro sofisticado que vai levar tempo para serassimilado pelo público. Mas precisamos mesmo de uma orientação, deumasugestãoemrelaçãoaquerumoseguir,emnúmerosexatos.

Chesterfitou-oporalgunssegundos.—Certo— concluiu ele, parecendo umpouco satisfeito.—Bem, acho

que isso faz sentido. Podemos fazer uma estimativa, determinar algunsnúmerosedeixá-loapardetudo,sevocêachanecessário.—Eentãoteremosinformaçõesmaisdetalhadassobreologotipoesua

utilização—acrescentouMax,nahora.—Ótimo.Perfeito—concordouChester.— Podemos marcar outra reunião para daqui a algumas semanas?—

sugeriuMax.Chesterconcordou.—Tudobem.Achoqueestáótimo.Imediatamente Anthony se levantou e conduziu Chester para fora da

sala,seguidodepertoporMarcia.Maxeeunosolhamos,amboshesitantes.—Bem, isso foi umbocado intenso—comentei, tentando esboçarum

sorriso. — Graças a Deus você conseguiu convencê-lo de que ele nãoprecisavadetodasasrespostasagora.—Eunãoo convenci denada.Apenas consegui demovê-loda ideiade

dispensarnossosserviçosdecara—argumentouele,nervoso.—Dispensarnossosserviços?Nãosejaridículo.—Eu,ridículo?Aúnicacoisaridículahojefoiasuaapresentação.Noque

vocêestavapensando,Jess?— A apresentação não foi ridícula. Tudo bem que não entrei em

detalhes...—Vocênãotinhafeitonada—contestouMax,aoselevantar.—Oque

fezfoideixaraagênciainteiranumasituaçãodelicada.—Quemdeixouaagênciainteiranumasituaçãodelicada?—perguntou

Anthony,aovoltarparaasala.—Max,meuamigo,cuidadocomoquediz.— Não vou ter cuidado nenhum — retrucou Max, furioso. — A

apresentação de hoje foi um desastre e ela sabe muito bem disso. Vocêtambém.Eeunãotenhomedodefalarisso.— Há diferentes recursos para se atingir um objetivo— argumentou

Anthony,emvozbaixa.— Então você também acha que a apresentação foi um desastre? —

indaguei,encarandoAnthony.MalditoMax.MalditoMax.—Não,claroquenão—respondeuAnthonydepronto,aproximando-se

e me abraçando. — Você foi maravilhosa. As expectativas de Chesterforam...—Não foram correspondidas, isso sim— interrompeu-oMax.— Isso

tudopassoulonge.—Max,poracasovocêpercebequetalvezJesstivesseoutrascoisasem

mente?— Levantei os olhos e viMarcia voltando para a sala. Ela sorriuparamim.— Entende que ela poderia estar preocupada, com Sean, comAnthony,comocasamento...—Todosnóstemosvidapessoal—retrucouMaxseco.—Émesmo?—perguntouMarciaemtomsarcástico.—Nãopenseique

vocêentendessedessascoisas.— É por isso que sua apresentação foi uma embromação total? —

perguntouMax,ignorandooscomentáriosdeMarcia.— É — respondi de maneira defensiva. — Tenho tido muitas

preocupações. Acho que não consegui fazer as pesquisas como esperava,mas...—Comovocêesperava?Vocênãotinhanada—vociferouMax.—Max, dá um tempo a Jess, pelo amor de Deus. Marcia tem razão, é

esperardemaisquealguémgerencieumacontae façaospreparativosdeumcasamento.—Ah,não—contestei.—Querdizer,eupossofazerambos.Eusó...—Exatamente— interveioMarcia.—Émuita coisa para umapessoa.

Podedeixarqueeuajudo.—Grandeideia—disseMaxcomumsuspiro.—PorqueMarcianãofica

responsável pela campanha e assim todos podemos dormirtranquilamente?Afinal,estamosfalandoapenasdacontamaisimportantequeconseguimosemumano.— Ótimo — concordou Anthony, entusiasmado. — Marcia assume o

projetoeJesspodeseconcentrarnaescolhadobufê,dasflores,enfim,doqueforprecisoparaocasamento.—Oquê?Não!Querdizer,nãoprecisa,realmente...—Precisa,sim—retrucouAnthonycomfirmeza.—Jess,nãoqueroque

você fique estressada antes do casamento. Quero você deslumbrante etranquila.Marcia,vocêpodeassumiracampanha,nãopode?—Claroqueposso—respondeuela,resignada,mascomumlevebrilho

nosolhos.—Issosignificamaistrabalhoparamim,mastenhocertezadequevaivalerapena.—Mas...—Eutenteicontestar.Ascoisasnãoestavamseencaminhando

como deveriam. Esse projeto erameu;Marcia iria pôr tudo a perder. Eupossoterandadoumpoucoocupadanasduasúltimassemanas,masMarcianãotinha feitonadaeponto final.OlheiparaMaxcomumaexpressãodesúplica.Eledeviaconcordarqueaquilonãoeraumaboa ideia.Eleodiava

Marcia.Chegavaaconsiderá-laumainútil.Porém, ele não olhouparamim; apenas fez que sim coma cabeça, em

silêncio.— Está decidido— resolveu ele, antes de sair da sala.— Como você

mesmadisse, Jess,vocêtemandadomuitoocupada.Agoraestá livreparaseconcentrarnoqueéimportante.Paravocê,pelomenos.

Capítulo23

Éclaroquenãofiqueimuitochateadaporperderacampanha.Querdizer,éclaroqueeraaminhaprimeiraconta;claroqueoProjetoBolsatinhasidoideiaminha;claroqueteriasidoótimoacompanharoprocessoatéo fim.Mas, de ummodo geral, isso não era o que importava, afinal, eu estavaprestes a me tornar a Sra. Milton. Iria me tornar umamilionária feliz ecasada. Ou somente milionária. Uma milionária feliz que também eracasada.Deummodooudeoutro,asituaçãoeraboa.Realmentemuitoboa.Alémdisso,nodiaseguinte,quandoMarciamencionoupelaquintavezo

quanto estava feliz por me ajudar com a campanha, comecei a notar aquantidadededetalhesqueenvolviamospreparativosdeumcasamento.Haviaosconvites,obufê,asflores,alistadepresentes,ovestido,acordosguardanapos;eissonãoeranemametade.Determinada,folheeiasrevistasque Gillie tinha colocado na minha mesa e li artigos do tipo “Contagemregressiva para o seu casamento” e “Planejamento em apenas dezoitomeses”.Oproblemaéqueeudispunhadealgumassemanas,nãomeses.Euiaficarmuitíssimoocupada.—Vejaisso...floresparaanoiva!Aomevirar,viGilliecomumenormebuquê,queelacolocounocentro

daminhamesa.—NãosãodeAnthony—observouelacomumbrilhonosolhos.—Eu

verifiquei.—Vocêfezoquê?Elaficoupálida.—Sódeiumaolhadinha,sóisso.Da sua mesa, Marcia, que parecia decidida a tornar-se minha nova

melhoramiga,seesticoutodaparaolhareperguntou,intrigada:—Entãosãodequem?Lentamente,abriocartãoeliobilheteemvozalta:—Paraminhaquerida Jess. Umhomemmelhor conquistou seu coração.

Desejoquevocêsejasempre feliz,Sean.—Conseguiconterumarisada.—Obrigada,Gillie.Marciameolhou,irritada.

—Bem,pelomenoseleestáapardasituação.Sério, Jess,vocêprecisatomarcuidadocomessecara.Achoquepodeacabarperseguindovocê.Concordeicomardeprudência.—Temrazão.Obrigada,Marcia,voutomarcuidado.— Olha só o que eu trouxe!— anunciou Gillie, animada. Então exibiu

maistrêsrevistasdenoivasqueescondiaatrásdesi.—Temosmuitacoisaparadecidir.Vestido,damasdehonra,localdacerimônia,bufê,agrados...—Agrados?—perguntei,nervosa.—Masissonãoéparaa...vocêsabe...

aluademel?Gilliemeolhouporummomento,elogocaiunagargalhada.—Ah,Jess,vocêémuitoengraçada—disseela,secandoaslágrimasdos

olhos.—Agradossãoaslembrancinhasparaosconvidados.Eprecisamosdeumbomfotógrafo.Vocêvaifazerfestadenoivado?Fitei-a,confusa.—Hmm...—Tenteidizeralgumacoisa,masGillienãoestavaprestando

atenção.—Vocêtemqueterumafestadenoivado—afirmouela.—Eachoque

deveriaserblack-tie.Adorohomemdesmoking,evocê,Marcia?— Com certeza. Festa de noivado é obrigatório hoje em dia. Não é,

Anthony?Eume virei e vi Anthony se aproximando, e Gillie nomesmo instante

assumiuumarmaiscomportado.—Oi,Anthony—disseela, sorrindo.—Estávamos justamente falando

sobre seu casamento! É tão emocionante. Jess tem muita coisa pararesolver.Eeuqueriasabersevocêspretendemfazerumafestadenoivadoblack-tie.—Umafestadenoivadoblack-tie?—Anthonysorriu.—Grandeideia!E

euconheçoaempresacertaparaprepararumafestaassim,aPartyPartyParty.—PartyPartyParty?—repetiumtantoapática. Issoéalgummantra?

Umafilosofia?—SãoosmelhoresorganizadoresdeeventosdeLondres—esclareceu,

animado.—São responsáveis pelos casamentosmais badalados. Falei demanhãportelefonecomFenella,umadasorganizadorasdeeventos,eelamegarantiuqueelespodemcuidardetudo.Querdizer,sevamosmesmodarumafesta,temosquefazertudodireitinho,nãoacha?—Elesvãocuidardospreparativosdonossocasamento?—perguntei,

pálida.— Que ideia fantástica!— exclamouMarcia.— Eles são os melhores.

Realmentemuitobons.Minhaprimausouoserviçodelesnoanopassado.—Émesmo?—OsolhosdeAnthonybrilharamdeentusiasmo.—Bem,

essaéumaótimarecomendação.—Emseguida,elemeolhouesorriu.—Ao que parece, eles também organizaram o casamento do Elton, emboranãopossamadmiti-looficialmente.Éperfeito, afinal, se vamos fazerumagrandefesta,temosquenoscertificardequetudosejabem-feito,nãoé?Oquevocêacha?—Maseufariatudobem-feito—retruquei,indecisa.Nesseinstante,tive

umaideiaelogoacrescentei:—Emboratalvezsejamesmoumaboaideiacontrataroserviço.Querdizer,seelescuidamdetudo,euficarialivreparameconcentrarnoProjeto.Marciariu.—MeuDeus, Jess,vocêéumafigura—disseela,emtomirônico.—É

claroquenãoterátempoparaoProjeto.Mesmocontandocomaempresade eventos, você ainda vai ter muita coisa a resolver. Para começo deconversa, terá que supervisionar tudo que eles fizerem. Ou seja, vocêcontinua sendo a principal responsável pela cerimônia; eles são a suaequipe. Além disso, você precisa tomarmuitas decisões, como a lista depresenteseoseuvestido.— Lista de presentes e vestido— repeti, dizendo amimmesma, pela

décimaveznaqueledia,quemeucasamentoeramais importantequeumprojetobobodotrabalho.—Easflores—acrescentouAnthony,namesmahora.—Achoquevocê

deveriafazerobuquê.Paraacrescentarumtoquepessoalàcerimônia.—Obuquê.—Forceioutrosorriso.—Éissoaí!Fenellapegouosseusdados,porissonãofiquesurpresase

elaligaraqualquermomento—disseAnthonydandoumtapinhanomeuombro,no instante emqueMax se aproximoudamesadeMarcia.Minhareaçãoimediatafoidesviaroolhar.—Então,Max—disseAnthony.—Vaiànossafestadenoivado?Acabei

de contratar a Party Party Party para cuidar de tudo. Inclusive docasamento.—PartyPartyParty?Pareceumserviçocaro—observouMax.—Está

planejandohipotecaraagênciamaisumavez?Marciaergueuosolhos,curiosa,eAnthonysemostrouirritado.—Max,Max—disseelecomdesdém.—Nãosepreocupecomdinheiro.

Vaidartudocerto.—Tenho certeza de que sim— replicouMax em tom irônico.—Mas

dessavez tentenãocolocarosgastosda festacomosendodaagência.Os

fiscais não gostammuito disso, por mais inconveniente que seja. Enfim.Marcia, você teria um tempinho mais tarde para falarmos sobre aapresentação?Porvoltadastrêshoras?Marcia fezumdiscretomovimentode sim coma cabeça, eMax foi em

direçãoàsescadas.— Não dê ouvidos a ele— disse Anthony, irritado.— Ele sempre se

prendeaosdetalhes.—Emseguida,deuumapiscadelaevoltouparasuasala.

Fenellatelefonouvinteminutosdepois.Suavozmeintimidoulogodecara.Omodocomofalavaeraeleganteeconfiante,quesópessoasmuitobonitas,comsobrenomecomposto,ligadoporhífen,parecemter.Emesmosabendoque ela estava prestando um serviço paramim,mesmo após ela afirmarváriasvezesqueocasamentoerameu,equeseutrabalhoeraapenasode“agentefacilitadora”,aofimdanossaconversa,eutinhaprometidocumprira lista proposta por ela e garantido que não a desapontaria nospreparativos.Doissegundosapósdesligarotelefone,recebiume-mail:

Jess,FoiMUITObomfalarcomvocêagorahápouco.TenhocertezadequeessevaiserocasamentoMAISMARAVILHOSO DE TODOS, e realmente estou empolgada por participar dos preparativos. MeutrabalhoéfazercomquetudosejaperfeitoparavocêeAnthony,entãoqualquercoisaqueeupossafazer para ajudá-la, é só avisar. Enquanto isso, se vocême enviar, omais rápido possível, a listaabaixoseráÓTIMO!Umbeijo,Fen.

1.Festadenoivado—oquevocêachadefazerafestanoBoasters?Éumclubenovo,exclusivoparasócios,naStJames.Alémdemuitolegal,estálivrenopróximosábado(!)—Elesestãosegurandoanossa reserva. Imagino que a bebida vai ser liberada, certo? E suponho que os convites serãomandadospore-mail.Étudomeiodeúltimahora,nãoé?!2. Esquema de cores: conforme combinamos, verde e vermelho vão ser as cores básicas dessecasamento.EuestavapensandoemusarPantonenúmeros1805e3435—vocêpoderiaconfirmarsegostadessestons?Porfavor,verifiqueissocomcuidado,porqueumavezconfirmadasascores,vai serextremamentedifícilmudarqualquercoisa.Masseiquevocê iráadoraresses tons.Tenhocertezadisso!3.Paraoshomens,gravataplastrãoougravata-borboleta?OuvocêpreferequeeuvejaessedetalhecomAnthony?4. Seu vestido: você poderia me mandar uma amostra de tecido? Preciso me certificar de quecombina com o tema da festa. Se quiserme enviar algumas opções, ficarei feliz em fornecer umfeedback.5.Véu—simounão?Longooucurto?Precisosaberparapoderreproduzi-lonoenfeitedobolo.6.Ojantardeensaio—vocêpreferequesejatrajearigoroutrajepasseio?

7.Flores:Anthonydissequevocêiráfazerobuquê.Sóparaesclarecer:vocêvaiutilizarosserviçosdeumflorista,certo?Mandareipore-mailalgumasrecomendações.Porfavor,nãoseesqueçadedaraeleosnúmerosdostonsPantone,epedirqueentreemcontatocomigo.

***

Olhei a lista e sentimeu coraçãodisparar.Eunão fazia amenor ideiadoqueresponder.EunãotinhaincluídonadadaquilonoProjetoCasamento.NamesmahoratelefoneiparaHelen.— Devo escolher gravata plastrão ou gravata-borboleta?— perguntei

semfôlego.—Oquê?—Paraocasamento.Fenellaquersaber,eeunãotenhoamenorideia,

Hel.Eelaquerumaamostradetecidodomeuvestido.—Fenella?—Aorganizadoradocasamento.—Vocêtemumaorganizadoradecasamento?—Tenho— respondi, impaciente.—E ela está fazendo ummonte de

perguntasenãoseioquedizer.Vocêtemquemeajudar.Gravataplastrãoougravata-borboleta?Equantoaamostrasdetecido?— Mas você não escolheu o vestido ainda. Nós só vamos fazer isso

semanaquevem.— Eu sei. Mas ela quer tudo agora. E está organizando uma festa de

noivadoparasábadoànoite.—Sábado?—Poisé.NoBoasters.Nemseiondefica.—Ah,relaxa,Jess.Tenhocertezadequeelavaimandarummapa.Enfim,

lembre-se, daqui a poucas semanas você vai ser milionária. Precisa seacostumaraterpessoastrabalhandoparavocê.—ElaquerqueeuescolhaumtomdePantone.—Relaxa!Vocêdeveriacontratá-laparadecoraracasadeGrace,depois

docasamento.—Vocêacha?—Comcerteza,paradeixaracasacomasuacara.Sofásnovos,cortinas

novas.Jess,vaisertãolegal.—Sofásnovos...—Minha voz foi sumindo conformeminhamente era

tomadaporumaimagemdemimeAnthonymorandonacasadeGrace.—Jess?Estátudobem?

—Sim,claro.Tudobem.Euapenas...—Apenasoquê?—Vocêachaqueocasamentovaidarcerto?—sussurreiaotelefone.—

Euvoumecasardeverdade.—Sóagorasedeucontadisso?—disseHelen,rindo.—Não,mas...—Vaidartudocerto.Eleélindo,vocêélindaetudovaisermaravilhoso.—Temrazão—eudisse, fazendoumgestoafirmativocomacabeçae

olhandoalistaqueFenellahaviamandado.Anthonyestavagastandotantodinheiro como casamento; eunãopoderiadesapontá-lo.—EuvouseraSra.Milton—declareiemtomfirme.—Evousermuitofeliz.—Assimque se fala!—disseHelen, animada.—Ah, antesqueeume

esqueça.—Oquê?—Gravataplastrão.Gravata-borboletaécoisadoséculopassado.

Capítulo24

PROJETO:CASAMENTODIA28

Pendências:1.Iràfestadenoivado.2.FalarcomFenella.3.Serfeliz...

OBoasters não era apenas um “clubenovo, exclusivopara sócios”. Era olugar mais moderno e mais original de Londres. Era tão super,hiperdescolado que eu e Helen levamos meia hora para encontrá-lo; sóquando Ivana chegou e apontou para a porta preta, lustrosa e semnenhumasinalizaçãoqueagentesedeucontadequeeraolocal.Bem,tenhoqueadmitirqueconvidarIvanatalveznãotenhasidoumdos

momentos de que mais me orgulho. Porém, quando Fenella ligou,desculpando-sepornãopoderencontrar-secomigopessoalmenteantesdafesta,poishaviamuitacoisaparaorganizar,masqueestavaempolgadaequetomaríamosumcafé“assimquepossível”,elapediuquemandassepore-mail a minha lista de convidados. E embora eu imaginasse que todomundo no escritório seria considerado meu convidado assim como deAnthony,eunãopodiaenviarsóumnome:Helen.Elapoderiapensarquenãotenhomuitosamigosoualgodogênero.Portanto,acabeimandandoonomede Ivana, também. E o de Sean. Pior que isso,me senti intimidadaconversando comFenella e acabei dandoumadesculpa esfarrapadaparajustificaraminhacurta listadeconvidados.Faleiquetodomundoqueeuconheciadeviaestarforadopaísesquiandoouaproveitandoosol.Eupodiajurarqueelasabiaqueeuestavamentindo,emboraFenellatenhadito:“Ah,meuDeus,euseibemcomoéisso.Todomundoqueconheçotambémvivefugindonasférias,eeusóconseguiiraGstaadduasvezesesseano,oqueémuitoinjusto,masoquehádesefazer?”Quandonosaproximamosdaporta,Ivanameparoucomumaexpressão

confusa.—Estasersuafestadenoivado—disseela,comasmãosnomeuombro.

—Vocênãoparecerfeliz.—Não?—perguntei,ansiosa.—Oseuombroestámuitocurvadoparaafrente.Vocêdeviaestarmais

empinada.Revireiosolhos.— Se eu não me inclinar um pouco para a frente, meus peitos ficam

parecendoduasespiraispontudas—expliquei,disparandoumolharparaHelen, com quem eu tinha argumentado por várias horas a respeito daminharoupa.Apósumalongadiscussão,elatinha,enfim,permitidoqueeuusasseumvestidinhopretodiscreto,masinsistiraemmeenfiarnumsutiãquepareciaalgosaídodeumafantasiasadomasoquista.—Deixaver—exigiu Ivana, e eu, obediente, lhemostrei.—Hmm.Eu

gostar do sutiã— disse ela, examinandominha roupa.—O vestido nãomuito.Masvocê...Não.Nãoestábom.—Nãoestábom?Porquê?Temcomidanosmeusdentes?Ivanaarqueouassobrancelhas.—Não,masvocêteralgonoolho.Eureconheço.Émedo.—Não estou commedo. Apenas estou um pouco nervosa. Afinal, vou

conhecer todososamigosdeAnthony.Tenhocertezadequeele tambémdeveestarnervosoemconhecer...você.—Nerrrvosa—disseIvana,forçandoo“r”umpoucodemais,naminha

opinião.—Porquenervosa?Ésuafesta.Vocêtemdebotarrrnacabeçaqueéamulhermaissexydaqui.—Certo.—Fizumpequenomovimentodesimcomacabeça,pensando

nas Tamaras e Selinas que, sem dúvida, estariam me avaliando.— Semproblema.IvanabalançouacabeçaemsinaldeinsatisfaçãoeolhouparaSean,que

deudeombros,compactuandocomodescontentamentodela.— Isso não está bom— insistiu ela.— Nãomesmo. Fique ereta, está

bem?Suspireie,relutante,alongueiocorpoomáximoquepude.—Estábom.Podemosentraragora?— Você me diga quem é — pediu ela em tom firme, bloqueando a

entrada.Encarei-acomoseelafosselouca.—SouJessicaWild—respondinotommaisbaixopossível.—Eestou

atrasadaparaaminhafestadenoivado.—Entãoolheiorelógiodemaneiradeliberada; já havia se passado vinte minutos da hora combinada comAnthony.

—Jessicaquem?—Seusolhosemanavamumbrilhoameaçador.—JessicaWild—sussurrei, sentindoorostocorar.—Olha,por favor,

nãopodemosapenasentrar?Euestoubem,juro.—Vocênãoestábem.Vocêparecergarotinhaassustadaquevaiparaa

própria festadenoivado.Queroquemedigaquemvocêé.Repita:vocêéJessicaWiiild,mulhersexyelouca.Olhei ao redor, nervosa. Não havia ninguém por perto. Resignada,

respireifundo.—SouJessicaWild—repetilentamente,lançandoumolhardesúplicaà

Ivana.—Umamulhersexyelouca.—Agora,digadofundodocoração.Ounãovaientrar.Elaarqueouasobrancelhaemeusombrosdespencaram;namesmahora

eladesviouoolharnadireçãodelesatéqueeuendireitasseapostura.—Certo— falei. Em seguida, joguei a cabeça para trás.— Sou Jessica

Wild—disseemvozalta, confiante.—Tãoperigosaquantovocêquiser.SouJessicaWild,amulhersexy,loucaqueéperigoooosa.Estábomassim?Ivanasemanteveemsilêncio.—Oquefoi?Nãoestáperigosaobastante?Loucaosuficiente?—Então,

remexiosquadris,numaimitaçãodedança.—SouJessicaWiiild—gritei.— Perigosa, desvairada e sexy, de Islington. Cuidado com seus filhos,porqueJessicaWildestánaárea.Agorapodemosentrar?—Jessica.Quebomvervocê—disseumavozderepente;eaomevirar,

deidecaracomMaxseaproximando.Tenteiesboçarumsorriso—Max.Oi.É...essessãomeusamigos.Helen,Ivanae...Sean.—Eelestambémsãoperigoooosos?—perguntoueledeformairônica,

com um leve brilho no olhar. Fiquei furiosa. Isso era tudo o que euprecisava:Maxzombandodemim.—Ah,aquilofoisó...—Tenteijustificardandoumarisada.—Aquilo,é...

eusóestava...— Ela estava fazendo exercícios vocais— explicou Ivana, abrindo um

enormesorrisoparaMax,antesdeestenderamãoparacumprimentá-lo.—Prazer. — Ela piscou algumas vezes, e seus enormes cílios pareceramfecharalgunssegundosdepoisdaspálpebras.Maxsorriu.—Ivana—disseele,cumprimentando-a.—Olha—disseIvana,emtombaixoegrave.—Vamosentrar?A porta preta lustrosa abria-se para uma escadaria íngreme, cujo topo

tinhacincomorenasdepernasbonitasrecepcionandoosconvidados,cadaumasegurandoumapranchetacomumalistadenomes.Elasnosolharam

de cima a baixo com desdém, enquanto subíamos as escadas, mas logosorriram,amáveis,quandofaleimeunome.—Parabéns—disseumadelascomumsorrisoafetado.—Tenhaumaótimanoite—desejououtra.Sorri,maslogoestremeciquandoelasabriramumacortinaparapermitir

anossaentrada.NahoraavisteiAnthony,depé,aoladodeMarcia,rindodealgumacoisa.Hesiteiporummomento,maselemeviu.—Querida!—Eleapressou-senaminhadireçãoemebeijounorosto.—

Vocêchegou!—É,eu...— Venha conhecer todo mundo — disse ele, puxando-me pela mão.

Consegui dar uma rápida olhada para Helen enquanto me afastava, e,momentosdepois,euestavadiantedeumenormegrupodedesconhecidos.—EssaéAmanda—apresentouAnthony,sorrindoparaumagarotaalta,

devestidovermelho.—EsseéJosh,onamoradodela.EsseéSaffron,eesseéAlexis.EMeg.Charlotte.Clare.Tatiana.Olheiemtornodomarderostoseforceiumsorriso.—Eessaéaminhanoiva,JessicaWild—concluiueleemedeuumbeijo

nacabeça.—Voltoemumsegundo—murmurouparamim.—Tenhoquecumprimentaralgumaspessoas.Nãoseiondeestavacomacabeçaquandoresolviconvidarummontedeclientes...Eledesapareceunamultidãoemeesforceiaomáximoparasersimpática

comSaffron,Alexis,Tatianaecomtodososoutros.—Oi!—eudisse,sentindo-memaisconstrangidadoquefiqueinomeu

primeiro dia na escola. Todos me olhavam com ar de curiosidade e, derepente, me peguei desejando que Tamara aparecesse. Pelo menos eupoderiaperguntá-lacomotinhasidoafesta.— E então... como vocês se conheceram?— perguntei algunsminutos

depois.—Ah,achoquefrequentamosasmesmasfestas—respondeuumadelas.—Asmesmasfestas—repeti,acenandocomacabeça.—Éclaro...—EvocêconheceuAnthonynotrabalho,certo?—AchoquefoiTatiana

quemfalou.—Issomesmo.EusouanalistasêniornaMil...—Pessoal, vamos todospara a casadoHenrydepois?— interrompeu

ela,antesqueeupudesseterminardefalar.—Henry?—pergunteiconfusa.—Elevaidarumafesta—explicouela,aparentandoestarsurpresapor

eunãosaberdisso.

—Ah,sim.—Claro que vamos—disse outra garota. Acho que foi a Saffron,mas

tambémpoderiatersidoMeg,CharlotteouClare.—Afinal,nãovamosficaraquianoitetoda.Elaolhouparamimepareceuumpoucoconstrangida.—Nósadoraríamosficar,éclaro—logoacrescentou.—Massabecomo

é,nãopodemosabandonaropobreHenry.—Claroquenão—concordeiemtomsarcástico.—Vocêpodeiràfesta

deleahoraquebementender.—Oi,linda—disseAnthonyaparecendoatrásdemim.—Vocêsestãose

entendendodireitinho?— Com certeza — respondi, sentindo-me culpada pelo último

comentário.TalvezoHenrytivesseplanejadoessafestahámeses.—Quebom.Mas,dequalquerforma,eusabiaquevocêssedariambem.

Osmeusamigosfavoritoseaminhagarotafavorita!Deiumsorrisoamarelo.Nessemomento,Tatianasevirouparamimeperguntou:— Diga a verdade, Jess. Você está grávida? Quantosmeses? Não pode

estarcommaisdoquecinco,porquenãodáparasevernada.Masimaginoque você já esteja procurando uma bucólica casa de campo paramorar,ondeosseusfilhinhospossamcorrerlivremente;afinalvocênãopretendecriarfilhosemLondres,nãoé?Fitei-aperplexa.—Grávida?Nãoestougrávida.— E nós não vamos nosmudar para o campo. Como vocês sabem, eu

detestoocampo—retrucouAnthony,depronto.— Você não está grávida?— perguntou Tatiana, desconfiada. — Mas

pensei...Querdizer,quandoAnthonynosdisse...Deuaimpressãodeque...— De que eu estava grávida? — perguntei, olhando para Anthony,

indignada.—Equehistóriaéessadequevocêodeiaocampo?Elemelançouumsorrisocomplacente.— Tati não é uma figura? — Em seguida se dirigiu a ela. — Não há

nenhum bebê a caminho e nós também não vamos mudar para lugarnenhum.Trata-seapenasdeumapaixãorepentina.—Repentina, comcerteza,éo termoexatoparaessasituação—disse

Tatianaemtommalicioso.—Penseiquevocêaindaestivessecomaquelaoutragarota.Qualeramesmoonomedela?—Não,nãoestoucommaisninguém—esclareceuAnthonynomesmo

instante,antesdemeabraçaremearrastarparalongedali.—Vamos,Jess,

queroqueconheçaoutraspessoas.—Vocêodeiamesmoocampo?—perguntei,confusa,enquantoeleme

puxavaemdireçãoaumhomemmagro,calvoecomóculosenormes.—Detesto—confessouele,sorrindo.—Élamacentoenãotementrega

emdomicílio.—Mas se fosse uma casa grande— insinuei, pensando namansão de

Grace.—Vocêmorarianela?—Nememummilhãodeanos—respondeuele, tenso.—Mas,venha

conhecer uma pessoa. Ian, essa é Jess. Jess, esse é Ian, um velho amigo.TrabalhanoNewsoftheWorld,masnãooodeieporisso.Euvoupegarumabebidaparavocê,Jess.Querchampanhe?AceiteieAnthonydesapareceu.Então,hesitante,olheiparaIan.Eleusava

um terno com lapelas largas, o queme levou a pensar: ou ele eramuitoestilosoeusavaaquilodeformairônica,oueramuitoantiquadoeignoravaofatodequeamodahaviamudadodesde1970.Eunãoconseguidescobrirqualdasduashipóteseseraacorreta.—AnthonydissequevocêsreservaramoParkLaneHilton—comentou

ele,balançandoacabeçaenquantofalava,igualaumamarionete.—Éverdade.EquerdizerquevocêtrabalhanoNewsoftheWorld.Que

tipodenotíciavocêcobre?Ian sorriu, balançando a cabeça de novo. Aquilo era um gesto quase

hipnótico,penseiaoencará-lo.—Namaiorpartedotempo,celebridades,quandoalgumafamosaépega

comacalcinhaaparecendo,essetipodecoisa.—Ah,sim.—Sorri,meiosemjeito.—Bem,deveserbem...interessante.— Não muito — admitiu, resignado. — Mas é bem lucrativo, não é

mesmo?—É?—perguntei,emedeicontadequetambémestavabalançandoa

cabeça.Aqualquermomento,íamosdarumacabeçada.—Poisé.Foioqueeuacabeidedizer—disseele,parecendoumpouco

constrangido.— Claro. Desculpe.— Fitei-o por alguns segundos, esperando que ele

acrescentassealgumacoisa,maspercebi,umpoucotardedemais,queeletambémesperavaqueeudissessealgo,sóquenãotinhanadaparafalar.—NewsoftheWorld—comentei,distraidamente.— É. Bem, adorei conhecê-la. E boa sorte — acrescentou, logo

balançandoacabeça,antesdesevirarefugir.Porcausadesituaçõescomoessa,penseidesesperada,équeeununcavouafestas.Derepente,umcopoapareceunaminhamão.

—Querida!CadêoIan?Anthonymeabraçoueeurecosteinoseuombro.—Ian?Ah,ele...eletevequefalarcomalguém—respondi,calma.—Quegrosseria!Bem,vocêviuFenella,nãoviu?—Não.Elaestáaqui?—Vocênãoaviu?Fiqueaqui.Euvouatrásdela.— Não — pedi, um tanto rápido demais. — Eu posso falar com ela

depois.Vamosconversarumpouquinho.—Nadadisso.Vocêvaiadorá-la.Espereaqui.Ele logo desapareceu na multidão. Cinco minutos depois, decidi ir à

procura dele. E não demoreimuito para achá-lo; estava no bar, bebendochampanhe.—MeuDeus,euiatentaracharFenellaparaapresentá-laavocê,nãoé?

Desculpe,équefuiabordadopor...—Eleolhouparaocopo,constrangido.—Porisso.Desculpe.—Tudobem—logorespondi,emboramesentissemagoada.Meurosto

estava vermelho e o meu cabelo começava a ficar com volume. — Nãoprecisomesmofalarcomelaagora.Vamosficaraqui.Voupegarumbanco.—Perfeito.—Anthonysorriu.—Venhasentar-seaomeu lado. Jessica

Wild.AfuturaSra.Milton.Ecomoestãoospreparativosparaocasamento?Seráquevamosbrigarsobrecomoosguardanaposserãodobrados?Euri,esquecendomeunervosismoporummomento.— Para falar a verdade, não sei se temos direito a escolha. Acho que

Fenellaéquemvaidecidircomoelesdeverãoserdobrados.—Ótimo.Umabrigaamenos.Contratarumaorganizadoradeeventosé

mesmouminvestimentononossofuturo,vocênãoconcorda?Concordei. Ele não tinha percebido que eu estava brincando. Não que

issofizessediferença,eudisseamimmesma.Segundosdepois,umhomemdeternolançou-senadireçãodeAnthony.—Anthony?Ah,évocê!Eujáestavameperguntandoondevocêestaria

escondido.VenhaconhecerGareth,ocaradequemeutinhafalado.Anthonydisparou-meumolharde“oqueeupossofazer?”eselevantou.—Richard,vocêjáconheceaJessica?Minhanoiva?Ohomemestendeuamãoparamecumprimentar.—Prazeremconhecê-la.Parabéns.Belafesta.—Emseguida,sedirigiua

Anthony.—Eleestábemali,nocanto.Quermuitoconhecervocê.Elesseafastarameeumevireiparaobar.Haviadecididoqueaquelenão

eraopiorlugarparaseficar.Afinal,euestavaprecisandodeumabebida.—Jess!

LevanteiosolhosdemávontadeedeidecaracomMarcia.—Quefestamaravilhosa!—disseela.—Vocêestásedivertindo?—Ah,muito.Muitomesmo.—Anthonyéumcaraincrível.Vocêtevesorte.Fitei-apensativaeelaseassustou.—Oquefoi?Vocênãoestáindecisa,está?—Não.Dejeitonenhum.Éapenas...Osamigosdele.Essagarota,Tatiana,

pensouqueeuestivessegrávida.Achouqueporisso...—Tatiana?—Marcia semicerrouos olhos.—Nãodê ouvidos a ela. É

apenasumabruxaciumenta.—Vocêaconhece?Marciaempalideceu.—Euavialgumasvezes.Vocêsabe,emalgumasfestas.Festas,pensei.Seráqueaspessoaspassavamotempotodoindoafestas?— Jess! Até que enfim encontrei você!— exclamouHelen, aparecendo

diantedemim.—Nãosabíamosondevocêestava.Marciaaolhoudecimaabaixo.—Bem,émelhoreuvoltarparaopessoal—disse,disparando-meum

brevesorriso.—Atélogo.Helen a observou enquanto se afastava, em seguida olhou para mim,

desconfiada.—Nãomediga.ÉaMarcia?— A própria — confirmei, pousando minha bebida no balcão. — No

fundo,elaatéqueélegal.Eentão,estágostandodafesta?—Achoquesim.IvanaeSeanestavamdiscutindoeeuresolvivirparao

bar.Quemsãotodasestaspessoas,afinal?Todastrabalhamcomvocê?Eumevireiparaanalisaramultidão.Haviaalguns rostosdosquaiseu

tinha uma vaga lembrança. Entre eles, avistei umas duas pessoas dodepartamento de criação e alguns clientes que eu tinha visto, algumasvezes,nosaguãodaagência.—Bem,aqueleéoIan—eudisse,indicandoele.— O baixinho calvo que parece um joão-bobo? — perguntou Helen,

arqueandoassobrancelhas.Euri.—Issomesmo.Hmm...—Aponteiparaalgunscarasdodepartamentode

criação e para Gillie.— E aquela é Tatiana, uma amiga de Anthony. Elaachouqueeuestavagrávidadecincomeses.—Quevaca!—vociferouHelen.Emseguida,disse:—Olhalá,Max!—E

acenouparaele.Levanteiosolhosefiqueitensaquandoelenosavistoue

veionanossadireção.—Oi,Jess.EessaéHelen,certo?Elafezquesimcomacabeça,animada,eelesevirouparamim.—Estásatisfeitacomafesta?Embora estivesse sorrindo, ele estava estranho. Exibia uma expressão

formal,amesmaquedemonstravanasreuniõescomclientes.—Claro.Estáótima.—Que bom.— Então ele olhou para Helen e semicerrou os olhos.—

VocêmoracomJess,nãoéisso?Helenfezquesimcomacabeçaejogoutodooseucharme.Nahora,Max

piscou os olhos algumas vezes, como se estivesse se esforçando pararefrescaramemória.Enfimdisse:—OseriadoAssassinatoporescrito.Eravocêqueestavaassistindo,não

era?Helenrepetiuomovimentodesimcomacabeçaedeuumarisada.—Eusóestavaassistindocomoformadepesquisa,entende?Eutrabalho

comprogramasdetelevisão.—Televisão?Queinteressante.Emqueárea?Comecei a ficar desconfiada. Afinal de contas, televisão não era tão

interessanteassim.— Bem, trabalhei como pesquisadora para aquele programa sobre

direitosdoconsumidor,oWatchdog,durantealgunsanos.Depoistrabalheiemumdocumentárioquecontavahistóriassobreos londrinose,por fim,fizumprogramadedieta.—Eagora?—Agora estou emumperíododedescanso— falou sorrindo.—Sabe

comoé,àesperadoempregocerto.— Por isso assiste a televisão durante o dia. Parece um modo bem

sensatodegastaroseutempo!Noteiqueosolhosdeleaindabrilhavam,comoseestivessepaquerando

Helen.EununcatinhavistoMaxassimantes.Ele,comcerteza,nuncatinhamepaquerado.—Maxéovice-diretordaMilton.EleabriuafirmacomAnthony.—Ah,é?—perguntouHelendebocaaberta,deum jeitoqueeuachei

muito irritante. — Uau! Isso significa que você é um empresário deverdade?—Dejeitonenhum—retrucouMax,constrangido.— Na Rússia, só chamamos alguém de empresário se ele for

multimilionário—interrompeuIvana,aparecendoderepente.

—Oqueconfirmaminhatese—disseMax,nahora.—Souapenasumcaraquetrabalhacompublicidade,sóisso.—Jess,porfavor,paredefalarsobretrabalho—pediuHelen,revirando

osolhos.—Essaésuafestadenoivado,nãoumafestadoescritório.Max,peçaparaeladarumtempo.Maxpareceuconfusoporummomento,e,porfim,sorriu.—Você está certa,Helen. E a culpa éminha. E você? Por que nãonos

contacomoseriaseuempregodossonhosnatelevisão?Helensequerteveaoportunidadedecomeçararesponder,porquenesse

instante uma morena de pernas compridas de repente se aproximoucorrendoeaabraçou.Seucabelodespenteadodesciapelascostasebateunomeurostoquandoelapassoupormim.—VocêéaJess?—perguntouelaaHelen,rebatendooscíliospostiços

endurecidos por grossas camadas de rímel. Ela usava umvestido emumtom claro de cor-de-rosa que realçava braços e pernas longos ebronzeados; e as unhas estavampintadas comesmalte damesma cor dovestido.—Évocê?Nossa, eu sabiaque você era linda.Todomundoestámorrendode inveja, e comtodarazão.—Então,elapuxouHelenemsuadireção e beijou-a no rosto.— Oi, sou Fenella. Podeme chamar de Fen.Estou tão felizemconhecê-la.Anthonymemandouviratéaqui.Aliás, foimuitagrosseriadaminhapartenãoteresperadovocênaporta,eusei.Masvocênãofazideia!Estoufazendomilcoisasaomesmotempoaqui.Agora,precisamos marcar uma data na agenda, o mais rápido possível. Temostanta coisa para resolver. Tenho umas ideiasmaravilhosas, algumas beminusitadas.Masagora,vendovocê,seiquevaiadorá-las...—Naverdade—disseHelen,conseguindosesoltardoabraçofirmede

Fenella—,eusouHelen.AmigadaJess.—Helen?— Fenella olhou para ela, confusa, e jogou o cabelo que, de

novo, bateu no meu rosto, e dei um passo para trás. — Mas Anthonyapontouparavocê.Elemepediuparaviraquiconhecera...—Achoqueeleapontouparamim—interrompieducadamente.Confusa, ela franziu a testa, pelomenos tentou.Mas seu rosto assumiu

mesmoumaexpressãoumpoucoaflita.—ElaéaJess—disseHelennumgestoclaro.—A...—Porfim,afichacaiueFenellasevirouparamim,jogandomais

uma vez o cabelo; só que, dessa vez, atingiu o rosto deMax.— Jess!—exclamou, em tom bemmais alto e com um enorme sorriso plantado norosto, mas seus olhos permaneceram frios. — Ai, que horror. Erroimperdoável. Bem, prazer em conhecê-la, também. — Ela me deu dois

beijinhos, um pouco encenados demais, e, por alguns segundos, nosfitamos, sem graça. — Bem — disse após um momento —, não vouaborrecê-la com o mesmo discurso: “Adorei conhecê-la e tudo mais.”Vamostomarumcafé,assimquepossível—acrescentou,séria.—Temosmuitascoisaspararesolver.Vaiserumacerimônia—entãomeolhoudecimaabaixo—maravilhosa.Simplesmenteincrível.Ah,vocêvaiseruma...noivinhalinda.Creioqueéagarotamaisfelizdomundonessemomento.Etem que ser mesmo. Agora eu preciso ir... — Ela disparou um olhardecepcionadoaHelen,esumiunamultidão,deixando-mesemação.—Queporrafoiessa?—perguntouMax.Elepareciatãoindignadoquemeacalmei.—ÉFenella.Aorganizadoradeeventos.—Fenella?MeuDeus, coitada de você. Vai ter que passarmais tempo

comela?— É a melhor agente de eventos de Londres — argumentei, de mau

humor.— Tão boa que não sabe sequer quem são os próprios clientes? —

observouelecomsarcasmo.—Ah,elatemmuitacoisanacabeça.—Muitocabelo,vocêquerdizer—disseele,sorrindo;eeuri.Poralguns

minutos, ficamosemsilêncio;nossosolhares se cruzaramalgumasvezes,massemprequeissoacontecia,desviávamosoolhar.—Queriapedirdesculpaspeloqueaconteceunareunião—falei,enfim.—Nãotemimportância.Nãomesmo.—Temimportância,sim.Eudecepcioneivocê.Esintomuitoporisso.—Não,vocênãomedecepcionou—retrucouele,deimediato.—Euagi

de formaexagerada.Eu... Équeeumeempolgodemais...—Eleme fitou,acanhado.— Com o trabalho. Eume deixo levar pela emoção quando oassuntoétrabalho.—Issoébom—afirmei,nervosa.—Trabalhoéimportante.—Querdizerque jánão concorda coma ideiadeque trabalharmuito

nãolevaaosucesso?—AexpressãodeMaxera ilegível.Eusorrie,nesseinstante,sentialguémmeabraçar.Aomevirar,medepareicomAnthonyameulado.—Voltei,amor.Voupedirumfavoravocê:melembredenuncaconvidar

clientes para coisa alguma. Exceto para o casamento, é claro! Soube quevocêconheceuFenella—disseele,entusiasmado.— Oi!— Embora um pouco constrangida, eu também o abracei.— É

verdade,estávamosconversandoaindahápouco.

—Então,oqueachou?Elanãoéincrível?Sorrisemmuitaconvicção.—Fenella?Eu...hmm...—EncareiMax,maselelogodesviouoolhar.—

Claro!Querdizer,elaparecesermuitosimpática.Umapessoamaravilhosa.—Nãotãomaravilhosaquantovocê—acrescentouAnthony.—Elanão

émaravilhosa,Max?Nãoéapenasumanoivinhalinda?—Elecambaleoueeuofitei,aborrecida.—Comcerteza—respondeuMax,sememoção.— Faltam menos de duas semanas — prosseguiu Anthony. — Duas

semanas!—Ele ergueu três dedos, em vez de dois, para enfatizar o quetinhaacabadodefalar.—Eusei—concordouMax.—E você?—perguntouAnthony, virando-se para Ivana.—Acho que

nãonosconhecemos,nãoé?—perguntouelecomavozarrastada.Diantedessecomportamento,tenteitirarataçadechampanhedamãodele,maseleacenouparaumgarçomvoltaraenchê-la.Ivana,entretanto,ofitouejogouocabelo.—EusouIvana.Prazerconhecer.— Prazer conhecer, também— falou ele, jogando charme. — Você é

amigadaJess?Ivana fezquesimcomacabeçaecruzouosbraços,oquerealçouseus

seioseatraiuparaelesaatençãoimediatadeAnthony.—Elatemrosto,sabia?—Nessemomento, leveiumsustoaoverSean

surgiraoladodeIvana,comosolhosfaiscando.—Euseiquetem—concordouAnthony,logolevantandoacabeça.—E

quemévocê?—Nãoimporta—respondeuSean,mal-humorado.Anthonyoolhoudecimaabaixoesevirouparamim.—Elenãomeéestranho.Éamigoseu?Euforceiumsorriso.—Ah,sim,maisoumenos.Nessemomento,Gillieapareceuofegante.—Jess!Anthony!Vocêsnuncairãoadivinharquemestáaqui.Euestava

falando com um cara e... — De repente ela parou de falar e ficouboquiaberta.—Ah,vocêsjásabem.—Sabemoquê?—perguntouAnthony.—Dequemvocêestáfalando?—DoSean—respondeuGillie.ElaapontouparaSeaneAnthonyofitou.—VocêéSean,ogerentedefundoshedge?

Sean, que tinha puxado Ivana para longe dali, sem dúvida para brigarcomelapelaatençãoquehaviarecebido,sevirouparaAnthony.—Sim.Soueumesmo.— Ele estava dando em cima demim— declarou Gillie.— E quando

faloucomosechamava,junteidoismaisdoise...—Elasevirouparamimeperguntouatônita:—Vocêconvidouoseuex-namoradoparasuafestadenoivado?Éissomesmo?—Vocêdaremcimadela?—perguntouIvana.—Vocêficacomciúmes

demimedaremcimagarotainglesa?—Não—respondeuSean,irritado.Apesardeconfusa,falei:—Euoconvidei,sim.Maisoumenos.Éque...—Eleaforçouaconvidá-lo—logointerveioHelen.—Elegostamuito

dela,eachoqueapenasnãoconseguesemanterlonge.—Nãoconsegue,é?—disseAnthony.—Poiselepodedaroforadaqui

agoramesmo.Seanofitouaborrecido.—Você é quem vai dar o fora— retrucou, furioso.—Estou tentando

resolverumproblemaaqui.— Eu? Não vou dar fora porra nenhuma — vociferou Anthony. E se

corrigiu:—Daroforaporranenhuma.—Certo.Façaoquequiser—disseSeanantesdesevoltarparaIvana.—Éissomesmoqueeuvoufazer—replicouAnthony.E,antesqueeu

percebesseoqueestavaacontecendo,oupudessefazeralgoparaintervir,elepegouimpulso,levandoamãoparatrás,edeuumsoconacaradoSean.Querdizer,naverdadefoimaisumempurrão.MascomcertezapegouSeandesprevenido,porqueelecaiunochão,assustado.—Issovaiensinarumaliçãoavocê—disseAnthony,satisfeitoconsigo

mesmo.— Mas como você se atreve! — De repente, Ivana lançou-se sobre

Anthony,deu-lheumsoconoqueixoeumpontapénojoelho.Eletambémfoiaochão.—Comovocêseatreve!—repetiuelaaosejogarsobreeleecontinuaresmurrando-o,enquantoeuassistia,perplexa.—Ivana!Não!—gritei.—Helen!MeajudeatirarIvanadecimadele.Nósduasnosabaixamosetentamospuxá-la,maselanãocedia.Segundos

depois, entretanto, ela estava imobilizada. Para minha surpresa, Max atinhaimobilizado.— Certo — disse ele em tom firme. — Acho que algumas pessoas

precisamirembora.EcomoessafestaédeAnthonyeJess,creioquenão

devamsereles.Concorda?Vocêconcordaounão?Ivanaofitoufuriosa.—Euqueriamesmoirembora—falouela,comosolhossoltandofaísca.—Eutambém—concordouSean,levantando-se.—Festademerda!MaxsoltouIvana,eelaselevantounumímpeto, limpandoaroupacom

as mãos e dirigindo a Anthony um olhar de repugnância. Em seguida,agarrouSeaneambossaíramdafesta.—Queromântico!—foiocomentárioimediatodeGillie.—Vocêbotouo

carapracorrer,Anthony.Masquemeraaquelamulher?Eranamoradadeleoualgoassim?—Novanamorada—respondi,olhandoparaHelen,quefezquesimcom

umgestofrenéticodecabeça.—É issomesmo— confirmou ela.—Eles... eles começaram a sair há

poucosdias.— Bem, eles se merecem — disse Anthony enquanto se levantava,

limpandoaroupacomasmãos.—Louco idiota.Seumdelesaparecerdenovonaminhafrente,euvou...vou...— Vai o quê? Permitir que ela jogue você no chão mais uma vez?—

perguntouMax,comumsorriso.Anthony o fitou furioso. Em seguida, espanou o terno com as mãos e

anunciou:—Precisodeumabebida—Querqueeuvácomvocê?—sugeri,nervosa.—Não—respondeuelesemmeiaspalavras.—Sevocênãoseimporta,

prefiroirsozinho.

***

Algumas horas depois, Anthony havia desaparecido; minha cabeça doíaapós a ingestão de várias doses duplas de vodca, que eu havia encaradocomoelementosindispensáveisparafazercomqueeusobrevivesseàquelanoite;eHelenestavanocauteadaemumapoltronadecouro.Euestavaemumamesapertodela,aoladodeMax.Nãosabiaseporefeitodabebidaouofatodequeeletinhaevitadoumabriga,mastodoodesconfortoquehaviaentre nós parecia ter se dissipado, e tínhamos voltado a conversar comonos velhos tempos, deixando de lado assuntos triviais e falando sobretrabalhoou,parasermaisespecífica,decidindoseoProjetoBolsadeveria

se valer de uma celebridade como representante da marca ou de umaexecutivadedestaque.— O produto é dirigido às mulheres inteligentes, determinadas —

argumentou Max.— Elas não seriam influenciadas por uma celebridadefútil. Essasmulheres querem se espelhar em uma pessoa determinada erica,comoelasdesejamser.—Mas—eudisse,erguendoumdedoepercebendoqueviadoisdedos

— as pessoas desejam ser como celebridades, não como mulheres denegócios.Digaonomedeumaexecutivafamosa.Umasó.—AnitaRoddick—respondeuele,depronto.—Certo.Hmm,digaoutronome,mencioneumamulherviva.—NicolaHorlick.Tomeioutrogoledaminhabebida.—Viu?Sóconseguecitardoisnomes.—Vocênãopediumaisnenhum.QuetalMarjorieScardino?—Que tal?— repeti, sem saber como argumentar.— Bem, são todas

maravilhosas. Prefiro ser igual a elas a me espelhar em uma atrizdesempregada. Mas ninguém compra uma revista porque tem umaexecutivanacapa,nãoé?—Compra,seestivernacapadaBusinessWeek.Revireiosolhos.—QuemlêBusinessWeekprovavelmente jáestápreocupadoemcuidar

deseus investimentos—retruquei.Emseguida,olheiparaminhabebida,desconfiada.—Oquetemnessacoisa?Eupossoacabarficandobêbada.—Eutambémacho—concordouele,entãosorriucomtimidez.—Sabe

queeuestavasentindofaltadessasnossasconversassobretrabalho?—Émesmo?— É. Eu gosto das suas ideias. Gosto do modo como reage, de forma

dogmática,quandoachaquetemrazão.Eurimeiosemgraça.—Dogmática?Issonãoésinônimodeteimosa?Elesorriu.—Vocêficaconvencidadequetemrazão.Eissoébom.—Vocêachaissomesmo?—Claro.Seucasamento,porexemplo.Poucaspessoasmergulhariamde

cabeçanumacoisadessas.Masvocê,não.Édestemida,sabeoquequerenãotemmedodeapenasiremfrente.Euficariaapavoradodeassumirumcompromissodessaforma.—Você...?—pergunteiindecisa.

—Comcerteza.Casamentoéalgomuitosério.Quandomecasar,queroumcompromissoverdadeiro,umauniãoparaavidatoda,amarerespeitar,todosaquelesprincípios.Euteriaquesaberqueestavacomapessoacomaqual quero envelhecer, ao lado de quem vou querer acordar todas asmanhãs,quevai rirdasminhaspiadas,quevaimeprovocarequenuncavoumecansardeadmirar.Masvocê...vocêapenasmergulhoudecabeça.Euadmiroisso.Pigarreei.Derepente,comeceiamesentircomosemeucorpoestivesse

quenteedesconfortável.—Masnemsemprecasamentoéumacoisa tão importante.Àsvezesé

apenasalgocomoumcontratodenegócios.— Contrato de negócios? — perguntou Max, perplexo. — De jeito

nenhum.Evocêsabequenãoé.Masé justamente issoqueeuadmiroemvocê. Está assumindo um risco enorme e não está nem um poucopreocupada,oqueacho fantástico.Se fosseeu,estariaconvencidodequeestavamecomprometendocomalgo,comalguém,paraavidatoda.Eaflito,cobrandodemimmesmoaconvicçãodeestarfazendoacoisacerta.Paramim,paraaoutrapessoa...—Vocêestariaaflito?—Claro!Maseusouassim—acrescentouelelogo.—Nãotenhoasua...

asuacoragem.Asuaautoconfiança.—Entendo—falei,semconvicção.—Autoconfiança.—E de qualquermaneira, quem sou eu para falar sobre essas coisas?

Tenho35anosesousolteiro.Os nossos olhares se cruzaram e, pela segunda vez, nenhum de nós

conseguiudesviar.—Jess!Atéqueenfimencontreivocê.Andeiàsuaprocura.—Maxeeu

nosviramosevimosAnthony,queseaproximava,debraçosabertos.Então,mevolteiparaMax—Émelhor...—Sim,émelhor—concordouele,baixinho.—Atélogo.AbriumsorrisoparaAnthonyaomelevantar.Emseguida,mearrumeie

fuiaoseuencontro.AoencontrodeAnthonyMilton.Meufuturomarido.Eestava muito feliz. Independentemente do que Max havia dito sobrecasamento e compromisso, eu estava fazendo a coisa certa. Dentro depoucas semanas eu seria a Sra.Milton. ComoFenella tinha dito, eu era amulhermaisfelizdomundo.

Capítulo25

PROJETO:CASAMENTODIAS29e30

Pendências:1.Escolherumvestidodenoiva.2.Escolheradobraduradosguardanapos.3.Nãopensarmuito...

Na manhã seguinte, acordei na cama de Anthony com uma sensaçãodesagradável.Elaeraimensa(acama,nãoasensação)—tinha,nomínimo,doismetrosdelargura—,e,aomeespreguiçar,nemtoqueinocorpodele,oqueacabousendoconveniente.Olheiorelógio.Eram9horas.Afestatinhaacabadoporvoltadasduasda

manhã,edepoisAnthonytinhadecididoirà festadeHenry(peloquemefoidito,Henryeraum“caragenial”,otipodepessoaqueeusimplesmenteadoraria conhecer), e eu estava com um pressentimento de que ocasamento era um grande erro. Mas quando, ao chamar um táxi, eletropeçou e caiu na calçada, acabou reconhecendo que talvez fosse maissensatoirparacasa.Entãodeixeiminhasdúvidasdeladoeoacompanhei.Saída camadevagar.O apartamentodeleparecia saídodaspáginasde

revista:tudodecoradodemaneiraharmoniosaemtonsdemarrom,marfimepitadasdebege.Tenteimeimaginarmorandoali,visualizeimeusobjetosnasprateleiras.Mas,dealgumaforma,nãoconseguia.Meuslivros,minhasfotografias,meusquadros, o telefone cor-de-rosaque ganhei depresentede Helen no meu último aniversário — nada combinaria com aqueleambiente. Fui até a sala, uma área integrada com a cozinha.Na parte da“sala”, suntuosos sofás de camurça rodeavamumbelo tapete em tom demarfim;acozinha,naoutraextremidade,eraumacombinaçãoharmônicadeaçoinoxidávelevidro.Sentindo-meumpoucoperdida,tenteiacharumachaleira.Aoencontrar

umaelétrica, liguei-aecomeceiaprocurarchánosarmários.Percebiquenão sabia onde meu futuro marido guardava o chá. Aliás, havia muitascoisasqueeunãosabiaarespeitodele.

Por fim, encontrei duas xícaras, saquinhosde chá, umas torradas e atéumpoucodegeleia.Coloqueitudoemumabandejaevolteiparaoquartopara acordá-lo. Eu queria falar com ele, ter uma conversa séria, meassegurardequeestávamosfazendoacoisacerta.—Bomdia!—eudisse, antesdepousarabandejana camaeabrir as

cortinasparadeixarentrarluznoquarto.—Porra,quehorassão?Resolviircomcautela,porqueavozdelepareciaumgrunhido.—Hmm,umasnove,euacho.Trouxechá.Etorrada.—Novedamanhã?Oquevocêpensaqueestáfazendomeacordandoàs

novedamanhã?MeuDeus!Irritado,elepegouumtravesseiroparacobriracabeça,masesbarrouna

bandeja,entornandochásobreoedredombrancoimaculado.—Merda!—gritei,tentandominimizaroestrago.Nessemomento,elese

virou para ver o que havia acontecido, e a bandeja virou por completo,fazendoatorradatambémcairsobreoedredomeorestantedochápingarnocarpetemarfim.—Merda!Putaquepariu!—resmungouele.— Vou pegar uma toalha. E depois podemos colocar o edredom na

máquina...— Ele só pode ser lavado a seco — disse Anthony, forçando-se a se

sentar.—Certo—falei.Aexpressãodeleerasombriaeraivosa.Eununcaovira

assim antes. — Desculpe. Só queria... Só achei que seria uma boa ideiatrazerocafédamanhã.—Teria sido.Umpoucomais tarde.—Em seguida, ele se reclinou na

cabeceiradacamaesuspirou.—Desculpe—repeti,nervosa.—Nuncamaisfaçoisso.—Não—disseelevoltandoasedeitarepuxandoumtravesseirosobre

acabeça,denovo.—Nãovaimesmo.—Certo—faleinovamente,dessavezparamimmesma.—Bem,euvou

embora,estábem?—Entãocomeceiamevestir.Osutiãquedeixavameuspeitosem formadeconepareciamaindamais ridículosàsnovehorasdamanhã,masconcluíque,considerandotudooquehaviaacontecido,aquilonãotinhaamenorimportância.— Olha, você não precisa ir embora — ponderou ele, tirando o

travesseirodorosto.— Preciso, sim— insisti, tentando passar o vestido pela cabeça, sem

conseguirfazercomquedescesseparameutronco.

—Nãoprecisa.Nãofiqueaborrecida.Euestoucomdordecabeça,estoucansado. Só isso. Desculpe se fui grosseiro. — Ele estendeu o braço,segurouaminhamãoemepuxouparajuntodesi.—Dequalquermaneira,vocênãopodemesmoir.Nãocomovestidoassim.Vaiacabarsendopresa.Contiveumsorriso.—Acontecequeusarovestidonacabeçaéaúltimamoda—retruquei

comsarcasmo.— Interessante. É bom saber que você está na vanguarda damoda—

observouele,comumsorrisotímido.Sorritambém.— Sabe de uma coisa?— comecei meio indecisa.— Casamento é um

grandepasso.Vocêtemcerteza... temcertezadequedesejamesmoiremfrente?Equeéacoisacertaparanósdois?—Sabiaqueestavacorrendoumrisco,masnãoconseguiaevitaressasperguntas.—Acoisacerta?Claroqueé—respondeuele,tranquilo.—Escute.Ese

eulevarvocêparatomarcafédamanhãemalgumlugar?Euaceitei,emboraumpoucohesitante.Issoeratudo?Essatinhasidoa

nossabrigaséria?—Tudobem.—Tudobem?Nãoparecemuitoanimada.Talvezsejamelhoreuvoltara

dormir—disseele,pestanejando.—Eu estou animada, sim— retruquei, esboçando um sorriso. Concluí

queumabriga,àsvezes,eraalgosupervalorizado.Enãosedizporaíqueumgestovalemaisquemilpalavras?—Paratomarcafédamanhãouparavoltarparaacama?—perguntou

elecomosolhosbrilhando.—Achoquepossoserpersuadidaafazerqualquerumadasduascoisas.—Equetalseforumaedepoisaoutra?—Ocafédamanhãprimeiro?—sugeriinocentemente.— Acho melhor abrir o apetite para o café da manhã — propôs ele,

enquantomepuxavaparadebaixodascobertas.—Concorda?

Não tomamoso cafédamanhã. Porém,mais tarde, saímospara almoçar;um almoço demorado e regado à bebida. Depois, fui para casa,cambaleando,conseguiassistiraoprogramaAntiquesRoadshowcomHelene caí na cama, exausta. Era inacreditável como o fim de semana tinhapassadotãorápido.Eraigualmenteinacreditávelaformavergonhosacomoeutinhamecomportado:nãotinhafeitonenhumtrabalho,nenhumatarefa

doméstica—nada.Eeramaravilhoso.Eu ainda experimentava uma sensação deliciosa na manhã seguinte,

quandochegueinotrabalhovinteminutosatrasada.— Jess! — exclamou Anthony, sorrindo. — Como vai a minha noiva

favorita?Retribuíosorrisoebeberiqueimeucafé.—Nadamal—eudisseemtomdeindiferença.— Jess! — chamou Max, saindo de sua sala. — Escute, você tem um

minuto? Eu queria falar com você um momento sobre o Projeto Bolsa.Talvezvocêtenhaalgumasideias...Ele interrompeua frasenomomento emque asportasda recepção se

abriram,eumavozfamiliarnosdeixouperplexos.— Anthony! Jessica! Desculpe o atraso. Tenho que me registrar para

entraroualgoassim?EraFenella, comseucabelocastanhoebrilhantepresoemumperfeito

rabodecavalo,carregandoumapastaenorme.—Atrasada?—perguntei,confusa.—Eunemsabiaquevocêviriaaqui.— Não sabia? — Ela me fitou, em seguida olhou para Anthony,

desconfiada.—MaseucombineicomAnthonynafesta.Nosábadoànoite.Vocêselembra,nãoé?— Combinamos? — perguntou ele. Então fez que sim com a cabeça,

lançandonaminhadireçãoumolhardedesamparo.—Ah,sim.Claro.Nafesta.Comcerteza.—Depoisfezumacareta,comoumalunodesobediente.—Nessecaso,vamosàminhasala,certo?—Certo—concordouFenella,desconfiada.—Nós...conversamosdepois?—perguntouMax.—É.Achomelhor—disse,devagar.FenellaestavaarrastandoAnthony

paraasaladele.Quandoentrei,logodepois,elajáestavasentadanamesadereuniãocomardeexpectativa.—Bem—disseelasempestanejar.—Sobreoquevocêqueriafalar?—Eu?Nada.Querdizer,qualquercoisaquevocêqueirafalar.—Ah,mas não depende demim— retrucou ela, séria.—O que você

tiveradizer,devedizeragora.Nãopodemosternenhumasurpresadepois.Estamos trabalhando com um cronograma apertado, portanto, qualquercoisaquepreciseserdiscutidadeveseragora.Seusolhospenetravamosmeuse,nabuscadealgumtipodeapoio,fitei

Anthony,quedeudeombrosepareceuconterumarisada.—Certo—concordei.Entãopigarreei,tentandopensaremalgumacoisa,

qualquercoisa,parafalar.—Certo.Bem...

—Sim?—disseFenella,ansiosa.DepoisselevantoueandouatéamesadeAnthony.—Vocênãoseimportaseeuderumaolhadapelasala,nãoé?— perguntou ela, sem esperar por uma resposta. — É que ajuda se euconhecer o cliente a fundo, entende. Preciso de uma inspiração paradescobriroquevocêestábuscando.Desculpe,Jess.Vocêdizia...Fiquei em silêncio enquanto ela examinava, rapidamente, o que estava

sobreamesa,arregalandoosolhosdiantedasváriaspilhasdepapel.Comcerteza a mesa dela não é assim, pensei. Ela era provavelmente umadaquelaspessoasquearrumavatudo,todasasnoites.— Bem— comecei, hesitante. — Tem muita coisa. Sabe como é... os

preparativosparaocasamento...— Procurando uma casa, é?— perguntou ela, de repente, apanhando

uma foto que estava sobre a mesa. — É linda. Parece perfeita para umrefúgionocampo.—Entãoaergueuparaquepudéssemosvê-la;afotoeradeumacasacordemel,caindoaospedaços,emolduradaporumcéuazulintenso.Anthonyselevantoue,namesmahora,seaproximoudeFenella.—Estáfalandodisso?Ah,sim.Éapenasumacoisaqueeuandeivendo—

disfarçouele,tentandoencerraroassunto.Atônita,perguntei:—Comoassimandouvendo?Penseiqueodiasseocampo.Eleficoudesconcertado.—Masvocêadora.Entãopensei:porquenãodarumaolhadaemuma

casa?— É mesmo? — Fitei-o com sentimento de culpa. Mal conseguia me

segurarparanãolhecontarqueseríamosproprietáriosdeumamansãoemalgumas semanas.—Me deixe ver!— pedi, estendendo amão para queFenellamepassasseafotografia.Porém,Anthonyfoimaisrápido.—Querver?Dejeitonenhum.Nãoantesde...—disseele,tomandoafoto

das mãos de Fenella. — Era para ser uma surpresa — acrescentou,guardando-anobolso.—Surpresa?—Mordiolábio.—Quefofo!É...mesmoalgoinesperado.—Façoqualquercoisaporvocê—disseelecomumsorrisocarinhoso.—Bem,enfim—ponderouFenella,voltandoàmesaepegandoseubloco

de anotações.— Preparativos. Você tem razão, hámuito o que resolver.Podemos começar? Tenho uma lista enorme de coisas que precisam serdecididas, e, sem dúvida, você tem uma lista também. Gostaria de falarprimeiro?— Ah, não, acho melhor você falar — insisti. — E depois eu posso

acrescentaralgumacoisaqueestejafaltando.Sehouveralgumacoisa...Fenellaconcordou,séria.— Bem pensado. Então, em primeiro lugar, eu gostaria de saber sua

opinião a respeito daminha ideia: lírios. Milhares de lírios por todos oscantos. O que você acha? Quer dizer, o perfume, por si só, já seriamaravilhoso,nãoé?—Lírios—comentei,vagamente.Anthonynãoparavade fazercaretas

paramimetivedemeesforçarparamemanterséria.—Perfeito.—Lírionãoéaquela florqueseusaementerro?—perguntouele,em

tomdecensura.—Não—disse Fenella.—Bem, às vezes.Mas eu realmente achoque

hojeemdiacadaumpode...Nesse instante, a porta se abriu, e a cabeça deMarcia surgiu por uma

fresta.—Anthony—chamouela, abrindoumdocesorriso.—Precisodasua

ajuda.Podeviraquiumminuto?—Temqueseragora?—Tem,sim.Desculpe.MasésobreoProjetoBolsa.Eugostariamuitode

ouvirsuaopinião.—Tudobem.Achoqueassenhoritasvãoterquemedarlicença.ElesorriuparamimeolheiparaMarcia.— Se você quiser— sugeri hesitante—, posso ajudar também. Tenho

certezadequeFenellanãoiriaseimportardeesperarunsminutos...— Não seja boba, Jess!— exclamou Marcia.— Não quero incomodar

vocêdejeitonenhum.—Issomesmo—concordouAnthony.—VocêficaaquicomFenella.Não

voudemorar.—Estábem—concordeienquantoseretiravam.—Nãotemproblema.—Então, ficamoscomos lírios?—perguntouFenella,comacanetana

mão.—Possoeliminaresseitemdalista?Fiz um pequeno movimento de sim com a cabeça. Lírios. Então

perguntei:—Hmm...lírioéumtipodeflor,nãoé?Fenellaolhouparamim,confusa.—Sim,issomesmo.—Certo.Maspenseiqueeuficariaencarregadadasflores.—Ah,sei—disseela,séria.—Evocêsereferiaa...tipo...todasasflores?

Nãosomenteaobuquê?—Issomesmo—respondi,nomesmotomdeseriedade.

—Équeasfloressãoumpouco...bem,umdetalheessencial.—Eusei.Masacheiquehavíamoscombinado...queeuiriacuidardessa

parte — esclareci, sentindo a tensão surgir na minha voz. Não queentendessemuito de flores, mas, de repente, ter controle sobre isso eracomo se fosse a coisa mais importante do mundo para mim. Já tinhaperdidooProjetoBolsa; senão cuidassedos arranjos,minha vida ficariasemqualquersentido.Semqualquersentido.HouvesilêncioenquantoFenellaanalisavasualista.—Evocêtemcertezadequequerfazertodososarranjos?Dacerimônia,

damesa,dosbuquês,tudo?—Tudo—respondi,agarrandoamesacomforça.—Semexceção.Fenellapigarreou.—Bem,estácerto.Mas,porfavor,memantenhainformada.Quantomais

euestiverapardetudo,maispossomeassegurardequenenhumdetalhepassedespercebido.—Não se preocupe— afirmei, cruzando os braços, contrariada.—Os

arranjosvãoficarperfeitos.Perfeitos.—Ótimo—disseela,forçandoumsorriso.—Entãopossoriscaroitem

flores.Opróximodalistaéobufê.Tenhoalgumassugestõesdecardápioedestaqueiemcor-de-rosaosqueeuachoqueseriammaisapropriados.Éclaroqueaescolhaésua,masosqueselecioneiirão,nomeupontodevista,funcionarmelhor,comoumtodo.E,enquantoolhaoscardápios,játemumesboçodoseuvestidoparamefornecer?— Ainda não — respondi, examinando os cardápios. — Mas vou

providenciar.VouàscomprashojecomaminhaamigaHelen.—Hoje?—perguntouela,espantada.—Vocêaindanãoencomendouo

vestido?—Aindanão—falei,deprimidaaoolharalistaeverqueoitembufêera

apenas o número dois de vinte e cinco itens. — Mas, quanto antesacabarmosessa reunião,mais tempo tereiparavero vestido, entãoachoqueissonãoseráumproblema.— Tudo bem — disse Fenella sem muita convicção. — E quanto à

decoraçãodamesa...

A Wedding Dress Shop ficava perto da Oxford Street, e era paradaobrigatória para toda noiva, segundo Helen. Seus anúncios prometiam ovestido certo para cada noiva, eminha amiga estava decidida a pôr essaafirmação à prova. Eu ainda estava ofegante depois de subir correndo a

escada rolante do metrô; Fenella tinha conseguido falar sobre bolos decasamento durante mais de quarenta e cinco minutos, me obrigando achegaratrasadaaoencontrocomHelen.—Edepoiselapegoualista,Hel.Eratãolonga!Euquasetiveumataque.—Masnãoteve—disseHelen,abrindoaportadaloja.Ficamosdiante

deumgrossocarpeteeparedesrepletasdevestidoslongosbrancos.—Eagora estamos vendo vestidos de noiva, portanto você tem que parar depensarnaquelataldeFenella.— Eu sei. Mas achei que nunca fosse conseguir me livrar daquela

reunião.— Agora tente se concentrar no que interessa — mandou Helen, no

instanteemqueumamulherantipáticaapareceu,derepente,enosolhoudesconfiada.Pelovisto,suafunçãoerachecarsehaviaumaaliançanamãoesquerda, intimidar intrusos e assegurar-se de que apenas noivas deverdade,comhoramarcada,pudessematravessaraquelasportassagradas.—Vocêtemhoramarcada?—perguntouelaprontamente.—Sim.JessicaWild.Helen passou direto pela mulher, deixando bem claro que não dava

importânciaàsnormasdolugar.Amulhermefitouconfusa.—EqualdevocêséaSrta.JessicaWild?Sorriconstrangida.—Eu.Elafezquesimcomacabeçaemedeixoupassar.Emseguida,umaoutra

mulher, mais gentil, de uns 50 anos, se aproximou, abrindo um enormesorriso.—Datadocasamento?Retribuíosorrisoerespondi:—Daquiaduassemanas.Vinteetrêsdeabril.Osolhosdamulhersearregalaram.—Daquiaduassemanas?—Issomesmo.A... cerimôniavai sernoHiltonParkLane—expliquei,

nervosa.—Houveum...cancelamento.— Ah, sei — disse a mulher fazendo com a boca um som de

desaprovação.—Bem,meunomeéVanessa,eestouàssuasordens.Éumprazerconhecê-la.AquinaWeddingDressShopnóstransformamossonhosemrealidade.Bem,Jessica,vocêtemalgumaideiaquantoaotipodevestidoqueprocura?Olhei para ela completamente apática. Eu queria um vestido de noiva,

nãoeraosuficiente?—Hmm,umbranco,talvez.Oucreme.Vanessamefitou,indecisa.— Saia rodada? Reto? Tomara que caia? De renda? De seda? —

perguntou,oferecendováriasalternativas.—Ah,entendi.Hmm,parafalaraverdade,achoquenãoseimuitobem.—Nadaqueadeixe igualaumsuspiro—exigiuHelen,aparecendoao

meulado,derepente.— Um suspiro? — disse Vanessa, virando-se para Helen com uma

expressãoimpassível.—ComoaBruxaBoadoMágicodeOz—esclareceuHelen.—ABruxaBoa—repetiuVanessa,parecendobastantedesconfiada.—

Claro.— Então elame examinou de cima a baixo.— E seu tamanho é...quarenta?Quarentaedois?—Poraí.Dependedomodelo...Elaolhoumeupeitogrande.— Sim, sim. Entendo.— Ela foi em direção às araras e pegou alguns

vestidos,empilhando-osnobraço.Algunsminutosdepois,quaseescondidaatrás damontanha de vestidos que carregava, nos levou a um suntuosoprovador,ondehaviaumestrado.—Paraanoivasevermelhor—explicouelaquandoHelenolhouaestruturacomcuriosidade.Comextremahabilidade, Vanessa pendurou todos os vestidos emuma

araraesorriu.— Experimente-os e veja se gosta de algum deles. A partir desses

modelosvamospoderdeterminaroestiloquemelhorcombinacomvocê.Concordeiesufoqueiumbocejoquandoelanosdeixou.—Bem,esteprimeiro—sugeriuHelenpuxandoumvestidoenorme,que

pareciateramesmaquantidadedetecidoqueumacortina.Hesitei.—Esse?—É.Sem muita convicção, me despi e me enfiei no vestido; dez minutos

depois,Helentinhafinalmenteacabadodefechartodososcolchetes,eeumevireiparaolharnoespelho.Namesmahoracomeceiarir.—Oquefoi?—indagouHelen,irritada.—Oquehádetãoengraçado?— Está ridículo — respondi decididamente. — É grande demais,

espalhafatoso demais... Olha só essas mangas... — Balancei os braços,demonstrandoafaltadepraticidadedosenormes“marshmallows”.—Elasencostariam na comida. Um passarinho poderia entrar aqui e não

conseguiriasair.Elefariaumninhoeeunemperceberia.—Vocêestáexperimentandoumvestidode3millibras,Jess.Podiapelo

menosvalorizarisso,certo?Sentiosanguesumirdorosto.—Trêsmil libras!Vocêestá falando sério?Dápara comprarumcarro

com 3 mil libras. Isso cobriria o meu aluguel por seis meses. Três millibras?Helensuspirou.—Éopreçodeumvestidodenoiva.—Maseunãotenho3millibras—falei,semforças.—Não,maslogovaiter—lembrouHelen,impaciente.—Nãovougastar3millibrasnisso.Éhorrível.—Tudobem.Experimenteoutro.O outro era o tipo de coisa que Paris Hilton usaria: um vestido reto,

minúsculo,quesalientavaobustoe tinhaunsrecortes,comoobjetivodeexibirumabarriguinhasarada.Sóqueeunãotinhaabarriguinhasarada;eutinhaaminhabarriga.AtéHelenfezumacaretaassimqueeuovesti.Emseguida,elapegouumlongorendado,masfranziuonariz.—Estecustasó200libras,edáparaseverqueébarato—disseelacom

desdém.—Arendaéáspera.Tomei-odasmãosdela.—Duzentaslibrasnãoébaratoearendanãoéáspera—retruquei,mal-

humorada,mas,no instanteemquetoqueiotecidocomasmãos,percebiqueelatinharazão.Arendaeradefatoásperaepinicava.Passeiovestidopelacabeçaeelafechouozíper.—Ficoubom,euacho—comentouela,hesitante.—Querdizer,ofeitio.

Masnãoénadaespecial.Afinal,éapenasumvestido,não...“ovestido”.Olheimeureflexonoespelho.Helen tinharazão.Eupareciaanoivade

umcatálogodevendaporcorrespondência.—Tudobem,podeabrirozíper.Quantosfaltam?Elacomeçouacontá-los.—Dez.Entãomeentregououtro.Edepoisoutro.Nenhumcaiubem.Quandonão

medeixavamcomumarpálido,meengordavam,oumedeixavamcomcaradequemiafazerumtesteparaumapeçainfantil.—Eununcavouacharumquesirva—eudissedesesperada.—Talvez

eunãotenhaoperfilparausarvestidodenoiva.—Nãoexiste isso—replicouela, impaciente.Emseguidameentregou

outrovestido, feitodeorganza,macioesuaveao toque.Emboracansada,

eu o vesti. Era tomara que caia, acinturado, e a saia descia num corteenviesado.—Eunãoficobemcomsaiadecorteenviesado—resmungueienquanto

elafechavaosbotões.—Sóserveparaaumentarmeuquadril.—Entãodeiumpassoparatrás,diantedoespelho,massemolhar.—Ah,meuDeus!—exclamouHelencomosolhosarregalados.—Oquefoi?—perguntei,ansiosa.—Ficoutãoruimassim?—Nãoficouruim.Dejeitonenhum.Entãome obrigou a virar de frente para o espelho, e quando ergui os

olhos, suspirei. Era lindo. Realmente me deixou linda. Como uma noiva.Umaverdadeiranoiva.Nesseinstante,acortinaseabriueVanessadeuumaespiadanointerior

dacabine.—Ah,essesim.Vocêachouomodeloideal—sussurrouela.—Ah, eu adoro esse momento. Você não escolhe um vestido de noiva,entende?Eleéqueescolhevocê.—Ah,meuDeus!—exclamouHelenmaisumavez.Voltei a olhar para o espelho. Ele era maravilhoso. Maravilhoso, de

verdade.Masquandoencareimeureflexo,percebimeurostoempalidecer.De repente notei que estava tremendo. A sensação começou pelasmãos.Entãosubiuparaosbraços,atéseespalharpelorestodomeucorpo.—Oquefoi?—perguntouVanessa,assustada.—Oquefoi?Eu estava passando mal. Tinha a impressão de que iria desmaiar. As

paredescomeçaramagirar;tudoficouescuro,excetoa imagemdiantedemim: uma noiva de vestido branco, tão cheia de esperança, tão cheia deexpectativa.Tãoingênua,tãovulnerável.— Por favor, me ajude a tirá-lo — pedi, puxando a parte de cima;

Vanessaapressou-separaabrirozíper.—Estátudobem?Querumcopod’água?Aceiteiesuspireialiviada,aoconseguirtirarovestido.—Água—sussurrei.—Quero,sim.VanessasaiudacabineeHelenmeencarou,preocupada.—Qualéoproblema?Vocêestálinda.—Eu...Nãosei—respondicomavozbaixaehesitante.Estavaapenasde

calcinhae sutiã, e, aospoucos,meucorpoescorregouatéo chão, e entãopuxeiosjoelhosjuntoaopeito.—Comoassimnãosabe?—Eu...eseissoforumerro?Esenãodercerto?— Não seja boba— disse ela com firmeza.— Você está nervosa por

causadocasamento.Todomundoficaassim.Sóprecisaserecompor.

— Está bem. Eu vou. Eu... — murmurei, sentindo um bolo em minhagarganta.—Jess?Tentei sorrir,mas, em vez disso, lágrimas grossas brotaram nosmeus

olhosecomeçaramarolarpormeurosto.—Jess,oquefoi?—perguntouHelen,preocupada.—Oqueaconteceu?—Nada...Nadamesmo,está tudobem—respondi, esfregandoo rosto

comascostasdamão.—Aspessoassecasamotempotodo,nãoé?Nãoénadademais,certo?— Não para você. Qual é, Jess... Esse casamento é uma transação

financeira.Sedercerto,éumavantagemextra.—É.Vantagemextra.Temrazão.—Alémdomais,eleéumcaramuitobonito.Evocêgostadacompanhia

dele,portantotudoestáafavor,nãoé?—Achoquesim.Entãovocêachaquecasamento...querdizer,vocênão

achaquesejaalgotãoimportante?—Claroquenão—assegurou-me,tentandomeacalmar.—Noseucaso,

não.—Vocêinsistecomessaideia—resmunguei,nervosa.—Porquenãoé

importante,nomeucaso?—Porquevocênãoligaparacasamento!—respondeu,irritada.—Você

sempre jurouquenuncaabririamãodasua independência.Sempredissequesecolocariaemprimeiro lugar.Eé logo issooqueestá fazendo.Nãoestamosfalandodeumcasamentonosentidoconvencional,por issovocênãotemqueencará-lodeumjeitoconvencional.Entendeu?—Entendi—faleisemmuitaconvicção.Elaestavacerta.Nãosetratava

de um casamento normal. Todas aquelas coisas que Max havia ditosimplesmente não eram relevantes. E, de qualquer maneira, eu nãoacreditava em amor verdadeiro. Eu era lúcida demais para crer numabesteiradessas.Nãoprecisavameapaixonareficarcomalguémnosbonsenosmausmomentos,na saúdeenadoença.Nãoprecisava saberqueeraamada,comcerteza.Eraverdade,nãoprecisava.—Então,tudobem?—indagouHelen.—Claro—respondi,tentando,acimadetudo,convenceramimmesma.—E,senãodercerto,vocêpodesedivorciar—acrescentou,noinstante

emqueVanessareapareceu.—Divorciar—repeti.—Certo.—Eucomeçavaamesentirmaldenovo.

Divorciar. Minha avó costumava dizer que divórcio era sinônimo defracasso.Afirmavaqueeramelhornemcasar.

—Divórcio?—perguntouVanessa,hesitante.—Quemvaisedivorciar?—Ninguém—respondeuHelen,deimediato.—Eu—respondi,sempensar.—Senãodercerto.Seforumcasamento

infeliz.—Casamentoinfeliz?Quejeitoéessedefalar?—retrucouVanessa.—Ojeitorealista—repliquei,semrodeios.—Sabedeumacoisa?—disseela,olhandobemnosmeusolhos.—Os

diasqueantecedemocasamentopodemsermuitoestressantes.Masvocêvaiverquenofimdátudocerto.Dirigi-lheumolhardedúvida.—Nãotenhotantacerteza.— Pois posso afirmar que não é tão ruim quanto pode parecer —

acrescentou,comamãonomeuombro.Emseguidafoiatéasararasparaseparar os vestidos que eu havia experimentado. — Todo mundo temdúvidasemalgummomento.—Issomesmo—concordouHelen.—Vocêsóprecisaparardepensar

tantonascoisas.—Nãoéisso—contestei.Todosospensamentoseasdúvidasqueantes

não estavam clarosmas que dominavam aminhamente agora pareciammuito reais. — A verdade é que Anthony só me pediu em casamentoporque eu estava seguindo instruções; porquemudei o cortede cabelo ecomeceiausarsaltoalto.PorcausadoSean,queéapenasumamentira.Vanessasevirouemeolhouconfusa.—Sean?—Oexdela—explicouHelen.—Nãoémeuex.ÉomaridodeIvanaquefingiuseromeuex—eudisse,

cruzandoosbraços.—Ivana?—perguntouVanessa,comardeespanto.—Entendi.Bem,na

verdade,nãoentendi.Masachoqueissonãoimporta.Equantoaseufuturomarido?Eleamavocê?—Achoquesim—faleisemconvicção.—Querdizer,elechegouatéa

procurarumacasadecampo,emboraodeieavidarural.Elafezquesimcomacabeça,eperguntou:—Evocê?Vocêoama?Deideombros.—Gostodele.Eleélegal.Querdizer,éumcaraagradáveleeugostoda

companhiadele.Masissoéamor?Nãosei.Achoquenãoseimuitobemoqueéamor.—Nãotemproblema—disseVanessaemtomtranquilizador.—Oamor

émuitosuperestimadoquandosetratadecasamento.—É?Fitei-a surpresa, e ela concordou, como se estivesse revelando um

segredo.—Olhe, você não vai achar isso em artigos de revista,mas, naminha

opinião,seéquevocêvailevá-laemconsideração,nocasamentovocêtemduasopções:ouvocêamacompletamenteapessoa,ounãosentenadaporela. Se ama completamente, vai relevar tudo; senão sentenada, não criaexpectativas.Nãoamarooutroforneceumabasesólidaparaocasamento.Principalmenteseooutroamavocê.Émelhorassim.—Émesmo?—perguntei, confusa.—Não foi isso queMaxdisse. Ele

dissequeseriaadecisãomaisimportantedavida.—Max?— É... um amigo — expliquei, envergonhada, e Helen arqueou uma

sobrancelha,desconfiada.—Sei.Eesseamigo...écasado?—perguntouVanessa.—Não.—Éconselheiromatrimonial?—Tambémnão.Elesabedecasamentotantoquantoeu.—Bem,então—disseVanessacomarsério.—Presteatençãonoque

estoudizendo.Viveremumafelizignorânciaouemumrealismosensato,aescolhaésua.Ambosfuncionam,masporrazõesdiferentes.Sóaspessoasque não estão seguras se dão mal. Aquelas que pensam que estãoapaixonadas e depois percebem que não estão. Elas não conseguemcontrolarasprópriasexpectativas,entende?—Issomesmo!—concordouHelen,batendopalmas.—Nãohámotivo

parasepreocupar,Jess.Dejeitonenhum.Masnãomeconvenci.— Eu achava que casamento tivesse a ver com paixão, amizade

verdadeira,indestrutível.Vanessariu.—Esseéoproblemadoslivrosedosfilmesromânticos.Elesconfundem

aspessoas—dissede formasimples.—Antigamente,casamento tinhaaver com dinheiro, posse de terra, fundo genético, até diplomaciainternacional.Naqueletempo,aspessoassabiammuitobemoqueesperardeumcasamento,concorda?Agoratodomundoesperaestrelasearco-íris;nãoédeseadmirarquetodosacabemtãodecepcionados.Euestavaconfusa.—É, acho que sim. Então, casar com alguémpor razões erradas... não

significa,necessariamente,fazeracoisaerrada?—Casarporrazõescertaspodesertãoarriscadoquanto—respondeu

Vanessa.Concordei,pensativa.—Eentão,vaiquererexperimentarmaisalgunsvestidos?—perguntou

elaemtomgentil.Euafiteiporummomento.—Não,achoquejáfizaminhaescolha.—O de organza?— perguntou Helen, com os olhos brilhando.— Ah,

escolheele.Élindo.Éomaisbonitodetodos.—Não.Odeorganzarequerumcasamentoromântico.Vouficarcomo

derenda.—Oderenda?—perguntouHelenfazendoumacareta.—Temcerteza?—Tenho.—Oderenda...—disseVanessa,tentandoescondersuadecepção,antes

de se afastar em direção à arara. Então pegou o vestido; o vestido queserviria a uma noiva qualquer; o vestido que me pinicava. — Esse? —perguntoucomumsorriso.— Exatamente — respondi, decidida, tomando-o das mãos dela para

experimentarumaúltimavez.—Achoqueessevestidoébemoquequero.Achoqueéperfeito.

Capítulo26

PROJETO:CASAMENTODIA34

Pendências:1.EvitarFenella.2.EvitarMax.3.EvitaroDr.Taylor.

Não consigo imaginar comoalguémconsegue cuidardospreparativosdeumcasamentosemaajudadaPartyPartyPartyoutrabalhandoemhoráriointegral.Osimples fatodeacompanharoritmodeFenellaeatendersuasconstantes demandas por informação já era um trabalho de horáriointegral; eumal via Helen emal tinha tempo para falar comGillie sobresuasváriasideiasparaograndedia(pombostinhamsidoaúltima.Muitospombos brancos. Fiquei indecisa; Fenella semostrou temerosa diante dapossibilidadedecocôno local,e,por fim,ogerentedohotelbateuopéedissequeanimaisnãoerampermitidosnoprédio).Aúnicamaneiraqueeutinha de manter contato com as pessoas era por meio de mensagens.Inclusive comAnthony.Quanto aMax, bem, eunão tinha temponenhumpara falar com ele; não que o evitasse, apenas andava muito ocupada.ConformeVanessahaviaditodemaneiratãosábia,operíodoqueantecedeocasamentoémuitoestressante.Eestaratarefadaerabom.Conseguirorganizar tudoeraumasensação

boaeprodutiva,comoseeuestivessechegandoaalgumlugar,comoseocasamentonão fossenadademais, apenaso fimdeumaenorme listadetarefas.Eu játinhameacostumadocomose-mailsdeFenellanacaixadeentrada, cobrando respostas, confirmações, aprovações. E não mepreocupava tantocomocasamentoemsi,porqueestavaocupadademaispensandoemformas,cores,estilos,votosdecasamento,cardápios,opçõesvegetarianas,aprimeiradança...—VocêviuMarcia?Levantei os olhos distraidamente e vi Max com uma expressão

preocupada.

—Marcia?Não.—Emseguida,volteiaocomputador,eviume-maildeFenellaquetinhaacabadodechegar.—Vocêsabequandoelavaivoltar?—Nãofaçoamenorideia—respondi,semtirarosolhosdatela.Fenella

queriasaberseeugostariadechegaràcerimônianumJaguar,numBentleyou num dos típicos táxis londrinos pretos, porém um pintado de brancopara a ocasião. E com quem eu chegaria. E se o motorista deveria usarchapéuounão.—Tudobem—disseMax.Contudo,elenãosemoveu.Apósummomento,conseguidesviaroolhar

daúltimalistadeexigênciasdeFenellaeolheiparaele.—Desculpe,Max—falei,comumpequenosuspiro.—Eunãoseimesmo

ondeelaestá,masvocêconheceMarcia.Algumproblema?—Sim.Querdizer,não.Achoquenão...—Vocênãoparecemuito segurodisso—comentei,mearrependendo

logoemseguida.Eujátinhanotadoquequantomenostempopassavacomele,mais felizme sentia em relação àsminhas iminentesnúpcias, e vice-versa.Conversarcomelerealmentenãoeraumaboaideia.Eunãodeveriaterpuxadoassunto.Deveriaterdeixadobemclaroquenãomeinteressavaseestavaounãotudobem.—Chesterviráaquiparaumareunião.Daquiacincominutos.Anthony

nãoestáaquieeunãoconsigoencontrarMarcia.—Tenhocertezadequeelavaiaparecer—falei,nomomentoquerecebi

outroe-mail.Dessavez,Fenellaqueriasaberqualseriaacordasgravatasdospadrinhos.Eseeujátinhadestinadotarefasdiferenciadasacadaum,ousepreferiaqueelacuidassedeles.Maxfezquesimcomacabeça,emsilêncio,emeolhoucomarsério.— Se você quer saber— disse ele—, acho que fezmuito bem em se

concentrarnospreparativosdocasamentoemvezdesepreocuparcomoProjetoBolsa.—É,tambémacho—concordeicomumsorriso,maslogofranziocenho

quando li o final da mensagem de Fenella. E as flores estão definidas,suponho. Você pode me enviar por fax os projetos sugeridos para que eupossamecertificardequetudocombina?Namesmahorafiqueipálida.—Eospreparativosestãoindobem?Tiveumsobressalto.Asflores.Tinhaesquecidoasmalditasflores.Eusó

tinha uma função. Uma única função, e me esqueci completamente deexecutar.—Ospreparativos?—Opânicocomeçouatomarcontademim.—Claro

quesim—conseguidizer.—Estátudomuitobem.Estátudoótimo!Elefezumgestoafirmativodecabeça.—Bem,ficofelizcomisso.Casamentoésempre...bem,é...— Um grande compromisso, uma enorme responsabilidade, já sei —

falei, na defensiva, enquanto abria o Google e digitava: flores paracasamentoLondres.—E tambémdá um enorme trabalho para organizartudo,portanto,sevocênãoseincomoda...—Claro,desculpe.VoucontinuartentandoacharoseunoivoeMarcia...— Anthony ia passar a manhã inteira em reunião com clientes— eu

disse, clicando em um link para GILES WHEELER, O FLORISTA DAS ESTRELAS. Sualistadeclientespareciaumarelaçãodaspessoasmaisbadaladasdomundodas celebridades. Na mesma hora, comecei a digitar uma mensagemdesesperada para ele.—Mas, como eu disse, não faço ideia de onde elapossaestar.—Tudobem,dequalquermaneira,obrigado—agradeceuele,elogoem

seguida olhou para a recepção e perguntou: — Aquele homem não é oadvogadodofuneral?Oqueseráqueeleestáfazendoaqui?—Advogado?—pergunteivagamente,clicandonobotãoENVIAR.—ÉoDr.Taylor,nãoé?Meu coração disparou e eu me virei para olhar. Então meus olhos se

arregalaram. Max estava certo. O Dr. Taylor estava bem na recepção.FalandocomGillie.Nahora,puleidacadeiraecorriatéele.—Jess?—Maxmechamou,masnãolhedeiatenção.—Dr.Taylor—eudisse,quaseesbarrandonele,tomadapelopânico.—

Oque...oqueosenhorestáfazendoaqui?— Ah, Sra. Milton. Eu queria falar com a senhora. A senhora é muito

difícil de ser encontrada.Penseique talvez fossemelhor amontanha ir aMaomé,comodizoditado.—Montanha?—perguntei, aomesmo tempo em que negava com um

gestodecabeça,desesperado.—Não.Maoméiráaoseuencontro.Euvou.Logoque...Assimque...—EntãovireidiscretamenteacabeçaeviGilliemefitando, curiosa. Eu tinha que tirá-lo do prédio o mais rápido possível.Porém, o mais importante era afastá-lo de Gillie e de outros olhosbisbilhoteiros.—Hmm,olha,porquenãovamos...paraasaladereunião?—sugeridemaneiraapressada.—Ótimo—respondeuele,empolgado,apanhandoumamaletarobusta

para a qual olhei assustada. Talvez a sala de reunião não fosse uma boaideia.Eseelemepedissedocumentos?Esealguémentrasse?—Jess?—ErguiosolhoseviMax,vindonaminhadireção.

—Agoranãoposso—falei,ansiosa.—Euestou...Nãovoudemorar.Vouparaasaladereunião.—Maseuvouprecisardasalade reunião—disseele, contrariado.—

Chestervaichegaraqualquermomento.— Ah, Anthony. Que bom vê-lo novamente — disse o Dr. Taylor,

animado, estendendoamãopara cumprimentarMax,queolhouparaele,desconfiado.—Não.Eusou...—Muito ocupado— interrompi, puxando o braço do Dr. Taylor. Essa

situaçãoeraquaseumpesadelo.Piorqueissosóseeuestivessenua.—Eleémesmomuito ocupado— acrescentei fitandoMax, nervosa. Então tiveumaideia.ODr.TaylorachavaqueMaxera,naverdade,Anthony.Achavaque éramos casados. Eu estava tão perto de conseguir alcançar meuobjetivoquenãopoderiapôrtudoaperderagora.—Hmm,amor,porquenãotentafalarcomMarciadenovoevêseelaestáacaminho?—Amor?—disseMax,confuso.—Agoranão,benzinho—eudissenumtommaisalto,esentiasmãos

pegajosasdesuor.—Falocomvocêassimquepuder.—Elepareceumtantoaflito—disseoDr.Taylorcomarpreocupado.—

Eleestábem?— Quem, Anthony? Ah, está muito bem. Está ótimo — respondi,

enquantooconduziaparaasaladereunião.Mas,nesseinstante,ouviumavozconhecidaecongelei.—Oi, pessoal. Émuito bom vê-los de novo. Oi, Jessica, como estão os

preparativos?Anthonydissequevocêestáfazendoumexcelentetrabalho.EumevireibruscamenteedeidecaracomChester,quetinhaacabadode

chegaràrecepção.—Chester!—Maxesboçouumlargosorriso.—Oi!Meucoraçãodisparou.—Chester!Prazeremvê-lo.—Preparativos?—perguntouoDr.Taylor,atrásdemim.—Paraquê?— É... um lançamento — respondi logo. — Um projeto que estamos

fazendo. É... desculpe, mas agora não é mesmo uma boa hora paraconversarmos.Talvezfossemelhoreutelefonarparaosenhormaistarde,podeser?—Maistardepodesertardedemais,esseéoproblema.— Não será. Eu vou telefonar o mais rápido possível. O mais rápido

possível,deverdade.Ele olhou para mim, relutante, enquanto eu o arrastava de volta à

recepção.—Asenhora temnoçãodequeoprazoestáacabando, Sra.Milton?—

perguntou, quandopassamosporChester.—A senhoradispõedepoucomais de duas semanas para preencher toda a papelada. Sabe disso, nãosabe?—Sra.Milton?ElaaindanãoéaSra.Milton—contestouChesteremtom

amável,apósterouvido,aparentementeporacaso,oqueoDr.Taylorhaviadito.—Aindafaltamaisoumenosumasemana,nãoéJess?Esboceiumsorriso.—É,maisoumenos—conseguidizer.— Ainda não? Como assim?— perguntou o Dr. Taylor, olhando para

Chester,confuso.—Éque...—tenteiexplicar, fazendoopossívelpara levaroDr.Taylor

logoemdireçãoàportaprincipal—Eu... nãomudeiomeunome.Ainda.Masvoumudar.—Vai?—Sim.—Entendi—disseoDr.Taylor,pensativo.—Bem,vouligarparaosenhornasemanaquevem,certo?—prometi,

abrindoaportaparaele.—Eobrigadaporviratéaqui.Desculpenãoter...— Jess!—Nessemomento, Anthony entrou, acompanhado deMarcia.

Amboscarregandosacolasdecompras.—Oi,minhalinda!Fitei-oaborrecida.Eleestavafazendocompras?Penseiqueestivesseem

reuniãocomclientes.Entãovolteiameconcentrarnoqueeraimportante.O Dr. Taylor estava a um passo de descobrir toda a verdade e eu mepreocupavacomAnthonysaindoparafazercompras?PuxeioDr.Taylorpelobraçoe tentei evitarqueAnthonyolhassepara

mim.Maselemeagarroueme tascouumselinho.E,quando levantouosolhos,viuChester.Namesmahoramesoltouefoicumprimentá-locomumtapinhanascostas.—Chester.Queprazeremvê-lo!Comovãoascoisas?Os olhos do Dr. Taylor se arregalaram e Marcia passou por ele, meio

titubeante,evitandoolharparamim.—Equeméesse?—perguntouoadvogado,parecendocompletamente

confuso.— Hmm, é o melhor amigo de Anthony — respondi, buscando,

desesperada, uma justificativa para o beijo e o tratamento carinhoso.—Ele... ele sempre me chama de linda. Ele é... gay— falei, arrematando aexplicação.

—Gay?—perguntou oDr. Taylor, num sussurro.—Émesmo?Quemdiria!— Pois é. — Tentei sorrir. — Bem. Então o senhor já pode ir, e nos

veremosembreve.—Assimespero—falou,quandoeupraticamenteoempurreiparafora

doprédio.—Assimespero.—Ele pensouque seunome fosse JessicaMilton—disseGillie alguns

segundosdepois,quandopasseipelarecepção,devoltaàminhamesa.—TenteiexplicaraelequevocêaindaeraJessicaWild,masachoqueelenãoentendeu.— Eu sei— falei, limpando algumas gotas de suor da testa. — Ele é

meio...surdo,euacho.Meiogagá,também.Àsvezes,ficaconfuso.Gillieconcordoucomacabeça.—Ah,agoraestáexplicado.—Explicadooquê?—perguntei,nervosa.— O fato de ele ter estranhado quando eu perguntei se ele ia ao

casamento.—Você...vocêperguntouissoaele?—Porquê?Fizmal?Euengoliemseco.—E...vocêdissequandoseria?— Claro que não. Não sou estúpida. Deduzi que, se ele não sabia, era

porquevocênãoquisconvidá-lo.—Issomesmo—concordeicomumsuspiro.—EntãofingiqueestavafalandosobreocasamentodaLizHurley.—Jura?—É,maseletambémnãosabiaquemelaera.—Gilliedeudeombros.—

Parafalaraverdade,achoqueeletemumparafusoamenos,seéquevocêmeentende.Eume debrucei namesa da recepção e beijei-a no rosto. Ela deu uma

risadaemeafastouparaatenderotelefone.— Boa tarde, Milton Advertising. Sim, está. Só um momento. — Ela

ergueuumasobrancelha.—Jess,éparavocê.Queratenderaquimesmo?Umpoucorelutante,eumevirei.—Paramim?Quem...quemé?—Umhomem—sussurrouela.—Gilesalgumacoisa.—Giles?NãoconheçonenhumGiles.Eu...—Dissequequeriafalarcomvocê—acrescentou,dandodeombros.Com o coração acelerado, tomei o telefone das mãos de Gillie. Com

certeza,oDr.Taylornãosedeixouenganarpelashistóriasfantasiosasdela.Provavelmenteeraeleparamedizerquesabiatodaaverdade,paradizerqueo testamentodeGrace tinhasidoanuladoequeeu iriaparaaprisãoporfalsidadeideológica.—Alô?—Minhavozeraquaseinaudível.—JessicaWild.— Jessica Wild. Aqui é Giles Wheeler. Recebi sua mensagem. É

lamentável que o outro florista tenha deixado você na mão. Não possoacreditar que alguémpossa fazeruma coisadessas.Apenasnão combinacomonossocódigodeéticaprofissional.Era o florista. Claro. O florista que acreditava que eu havia contratado

outroprofissionalcommesesdeantecedência,masquetinha fugidoparaas Bermudas com uma cliente, me deixando na mão. Ei, eu estavadesesperada.—Vocêdissecódigo?Floristastêmumcódigodeéticaprofissional?—Claroquetemos.Bem,infelizmentevouestarocupadonessadata.Já

tenho dois casamentos e uma festa agendados nomesmodia.Mas possodar um jeitinho de encaixar um horário, se pudermos trabalharrapidamente.Então,vocêteriaumtempinhoparaencontrarcomigoaindahoje?Pensei por um momento. Fenella havia mandado uma mensagem

pedindoparaqueeureservassealgumashorasparaestaràdisposiçãodela,naparteda tarde.Amensagemdizia apenas:Por favor, deixe seuhoráriolivre.Voufalarcomumpessoaldebufêevouprecisarentraremcontatocomvocê.—Àtarde,ótimo—respondilogo.—Ondeficasualoja?—Loja?Não,euvouatésuacasa.Queroverondevocêmora,quemvocê

é,oquevocêqueremtermosdeflores.Certo?—Hmm,certo.EumoroemIslington.—Islington—repetiueledevagar.—Sim,sim,achoquevaidar.—Acha?—Ocasamento—disseele,ignorandominhapergunta.—Tambémvai

seremIslington?—Não,não.OcasamentovaisernoParkLaneHilton.— Hilton. Entendi. O encontro da metrópole com o savoir faire de

Islington.Eu consigover issodando certo.Naverdade, estouadorandoaideia.Bem,quetalnosencontrarmosàstrês?Elepareciatãoempolgadoquesómerestouconcordar.—Tudobem!Emseguida, lhepasseimeuendereço,concordeiquehavia“muitoaser

decidido”,edepois,umpoucomaiscalma,olheiparaGillie.—Tenhoqueirparacasa—falei,aliviada,diantedaperspectivadesair

doescritório.—VocêpoderiadizeraAnthonyqueeufuiveroflorista?— Claro, sem problema — respondeu ela num tom gentil. Voltei ao

computador,canceleiahoramarcadacomFenellaeapanheimeucasaco.

Capítulo27

Quando voltei para casa, meu coração ainda estava acelerado e minhamente, repleta de perguntas. Entretanto, como repetia a toda hora paramim mesma, tudo estava indo bem. Enquanto Anthony não descobrissenadaa respeitodoDr.Taylor, oDr.Taylornãodescobrissenada sobreocasamento, Max não descobrisse que esse casamento não era bem ocompromissoromânticoqueelepensavasereFenellanãodescobrissequeeutinhaesquecidoporcompletodasfloresatéhojedemanhã,tudoestariabem.Tudoestariaótimo.Porisso,quandoGileschegou,meolhoudecimaabaixo,adentrouasala

de estar e anunciou que se conectou com o fundo da própria alma edescobriu—apenasdescobriu—queseguirumestilogregoeraamelhoropção para o casamento, concordei na hora. Depois, percebi que estilogregoprovavelmentenãoeraoqueFenellatinhaemmente;aliás,eutinhaquase certezadeque issonãocombinariamuito como temaminimalistapropostoporela,mas compreendique,no fundo,não faziadiferença.Eleprometia flores, e isso representava um item amenos daminha lista decoisasafazer.—Quandovocêdiz“estilogrego”,vocêserefereàstogas?—perguntei

curiosa, servindo-lhe uma xícara de chá. Ele estava no apartamento háapenas algunsminutos,mas já estava espalhando fotografias no chão dasaladeestar.Eramuitobaixinho,comcercade1,50m,bemmagro,eusavaumternoderiscadegiz,umacamisarosa-shockingebotasdecaubóiqueofaziamparecerumpoucomaisalto.Então,naverdade,elenãodeviachegara1,50m.Elemefitou,impaciente.—Querida, isso não é os anos 1980. Eume refiro a folhas de videira,

decadência. Eume refiro amaximalismo. Uvas. Vinho. Arranjos demesaenormes transbordando e paredes sóbrias. Eu quero galhos finos, galhosaltosefinos,comoárvores,emvoltadohall,compequenasluzesdefadasqueacendemàmedidaqueosolsepõe.Comoumaflorestaencantada.Umaatmosferamágica.TipoSonhodeumanoitedeverão.Meusolhosseiluminaram.

—Euadoroessapeça.Eadoroaideiadeumaflorestaencantada.—Umaimagem surgiu na minha cabeça, na qual me via como uma rainha dasfadas, numa imagem etérea, como num sonho. Percebi que Giles meobservavaefiqueisemgraça.—Masnãoéexatamente...grego,é?Elemeolhoucomarderepreensão.— Você tem de abrir sua mente — disse ele, indignado. — Estamos

falandodeestiloclássico.Mágico.Afrodite.Titânia.Elessãoamesmacoisa.—E isso faz demimoBottom, o personagemque é transformado em

burro?—indagueicomumarisada.—Ouesseseriaomeufuturomarido?Gilesficouconfuso,entãovoltouaassumirumaexpressãoséria.— Há muito que fazer, mas, antes de começarmos, tenho umas

perguntas.Porquevocêprocurouaminhaajudaparacuidardadecoraçãoda cerimônia quando o outro profissional deixou você na mão? Isso meajudaacompreenderoquevocêestábuscando,entende?Vocêmeescolheupor minha preocupação com detalhes, pela minha perspicácia? Ou foi aminha criatividade, o meu faro? E quem me recomendou? Foi AntoniaHarrison?OuIsabellaMarchant?Sorri, sem saber se deveria admitir que o tinha encontrado noGoogle.

Mas não podia fazer isso agora, pois ele ia construir a minha florestaencantada,umpalcodesonhodeumcasamentoirreal.—Muitagente—respondi,apósummomento.—Todavezqueeufalava

comalguémsobreosarranjosdeflores,seunomevinhaàtona.—Certo—disse ele, osolhos comumbrilhodegratidão.—Sim, isso

acontece. É uma responsabilidade muito grande, sabe? Eu transformosonhos em realidade, e isso não é o trabalho mais fácil do mundo. Massempreacerto.Podemoscomeçar?—Claro.Vamosdefiniressadecoraçãodefloresemestilogregoclássico

shakespearianomitológico.Gilesolhouparamimdesconfiadoporummomento,entãoprosseguiu.— Bem. Vamos falar de cores. Me conte quais são as cores que você

adora,quevocêqueraoseuredor.Pensei por um momento. Eu ia dizer laranja. Laranja é a minha cor

favorita. Ela é instigante, quente e acolhedora, sem ser dominante ouautoritária, nem passiva ou fraca. Mas, em vez disso, peguei a tabela decoresPantonequeFenellatinhameenviado.Eudeviaaomenosissoaela.— Estávamos pensando em tons de vermelho e verde — falei, sem

entusiasmo.—EscolhemosnatabelaPantone.—Tabela Pantone?—perguntou ele, desconfiado.—Você sabe que a

cordeumaflornuncaéexatamenteigualaostonsdatabelaPantone,não

é?—Eusei...apenas...—Vocêtrabalhaempublicidade,certo?—perguntou,sorrindo.—Sim.— É tudo que eu preciso saber — acrescentou, pegando a tabela de

cores.— Farei o possível para que os tons fiquem parecidos. E enviareialgunsdesenhos.Agora,mefalesobreacerimôniaeafesta.Euprecisodasdimensões dos ambientes, de fotografias, do número de convidados. Edepoisprecisoveroseuvestido.Eosapato.Tenhoquemedirseusbraços.Tenhoquesaberquebatomvocêvaiusar.Voutransformarvocêemumaprincesa,JessicaWild.—Paraqueeupossaviver felizparasempre?Teromeu final feliz?—

perguntei, forçando um sorriso, fazendo o possível para ignorar o nó nagarganta.—Paraquevocêpossaviverfelizparasempre.Aliás,terumcomeçofeliz

—corrigiu-me.—Casamentonãoéofim,éoinício.— Início — repeti, baixinho e devagar. — É claro. Eu... vou pegar o

vestido.Corriatéomeuquartoepegueiovestidoderendabranconoarmário.

Gilesfezumacaraestranhaquandoomostreiaele.—Éeste?Esteéoseuvestido?—perguntoucomdesdém,comamesma

expressãoqueeudemonstrei,quandoovipelaprimeiravez.—É—respondi,chateada.—Bem,ébonito,nãoé?—Claro!Adorei!—disseele,nahora.—Sónãoébemoqueeuestava...

esperando.Maséumagraça.Umagraça...mesmo.Eleotomoudasminhasmãoseopendurounoganchodaparededasala

deestar.Aoolharparaovestido,eumelembreidarendaquepinicavaedaminhaimagemnoespelhoquandooexperimentei,mesentindoumanoivaqualquer,parecendoumaanônima.—Bem,haviavestidosmaisbonitos—tenteijustificar.—Masesteera

bonitoe...—Ecomcertezavestebem—acrescentou, comumsorrisoumpouco

exagerado.—Émuitobonito.Enfim,éoseucasamento,certo?Eéoúnicodiadasuavidaquevocêpodetertudodojeitoquequiser.—Evocêachaquepossoparecerumaprincesadasfadascomele?—Deverdade.Em seguida, elemediumeus braços e examinou o conteúdo daminha

bolsa demaquiagem. Depois, lhe entreguei uma pasta que Fenella haviamandado,ondese lia:PARKLANEHILTON—DETALHES,que,alémdemedidase

fotos do local, continha o nome de todos os funcionários, as regras emrelação à música e dança e os cardápios de cada um dos restaurantes.Depois,passamoscercadeumahoravendo fotosde floresegalhos, e euavalieicadaumacomum“sim”,“não”e“talvez”.E,pelaprimeiravez,viqueestavaapreciando tudoaquilo. Fiquei interessadanosdiferentes tiposdeluzesdecorativas;presteiatençãoquandoGilesdefiniuosdiferentestiposdegalhoseseussignificados.E,quandoeleestavaarrumandosuascoisasparairembora,eurealmentenãoqueriaquefosse.—Estoumuitofelizporvocêterentradoemcontatocomigo—disseele,

me abraçando e dei um relutante adeus. — Tenho uma sensaçãomaravilhosasobreessecasamento.Vaisermágico.Fantasiapura.— Fantasia—murmurei, permitindo-me um sorriso.— Sabe de uma

coisa?Achoquevocêtemrazão.

Capítulo28

PROJETO:CASAMENTODIAS35,36,37,38...

Pendências:1.QualquercoisaqueFenellamande.

Asemanaseguintepassouvoando.Quandomedeiconta,faltavamapenasdoisdiaspara a cerimônia eGiles foi aomeuapartamentopara entregarumbuquêparaoensaio.Eraumbuquêenormeformadoporrosasbrancasde caules longos, muitas folhas e galhos, algumas rosas vermelhas quetinhamumperfumedivinoeumamarradodeoutrasflores,cujosnomeseunãosabia,masquenuncaconfessariaissoaGiles.—É...lindo—faleicomumsuspiro.—Tãoperfeito.Gilessorriu.—Ficoumuitobom,massoususpeitoparafalar—disseele,empolgado.

— Agora, lembre-se: mantenha o buquê à sua esquerda quando estiverentrandonaigreja.—Certo—confirmei,séria.—Buquêàesquerda.Entãoelemelançouumolharesquisito.— Você está magra. Por acaso andou perdendo peso? Você não está

fazendoumadaquelasdietasridículasdenoiva,está?—Dieta?Não,claroquenão—respondide imediato.—Ésóestresse.

Estressedecasamento.— Saquei. Bem, talvez isso não seja tão ruim. Você sempre pode

recuperar o peso na lua de mel. Comer, transar, dormir, transar, comer.Para issoserve luademel,nãoé?—indicouelecomumapiscadela,e fizquesimcomacabeça,daformamaisentusiásticaqueconseguia.Eletinharazão, a lua de mel seria ótima. É óbvio que eu e Anthony andávamosocupados ultimamente; que nunca tínhamos tempo para conversar, masisso era normal. Planejar um casamento em poucas semanas eraestressante,eAnthonyestavamuitoatarefadonotrabalho.Nãoeranadademais.—Eparaondevocêsvão?—perguntouele.

—Paraondevamos?—Naluademel.—Ah,sim.—Entãorecosteinaparede,tentandolembrardoqueFenella

tinhaescritonoe-mailintituladoLUADEMEL.—Hmm,França.SuldaFrança.—Maravilha— comentou ele em tom de aprovação.— Nada estraga

mais umas boas férias do que jet lag. Fazendo as coisas simples, vocêspodemcurtirumaooutro.—Issomesmo.Estouansiosa.Vaiserapenas...maravilhoso.—Vocêestábem?—perguntouele,preocupado.—Estápálida.— Eu? Não, estou bem. Ótima. — Forcei um enorme sorriso para

demonstraroquantoestavabem,oquantoestavatranquila,nemumpoucocansada.—Oiiiii.—Ouviachavenaportaelogodepois,Helenapareceu.Eladeu

umlongosuspiroesentounosofá.EntãoolhouparaGiles, intrigada.—Eesse,quemé?—EsteéGiles.Vocêsabe.Ofloristaencarregadodadecoraçãodaigreja.

Giles,estaéHelen,quemoracomigo.—Não, eunão sabia—disseHelen sem rodeios.—Achoque você se

esqueceudemecontar.Empalidecidevergonha.—Jura?—Vocêtemandadomuitoocupada—falouela,minimizandoasituação.

—Nãoesquenta.—Bem,prazeremconhecê-la—disseGiles,colocando-sedepé,nahora,

e,numgestoformal,tomandoamãodeHelen.—Igualmente—murmurouHelen,antesdeselevantar.—Bem,alguém

querumabebida?Chá?Gim-tônica?Gilesarqueouassobrancelhas.—Gim-tônica.Ótimo.Obrigado.Apósservirasbebidas,HelensedirigiuaGiles:—Bem,conte-metudosobreosarranjos.—Pudesentirumalevetensão

emsuavoz,masnãodeiimportância.Sealguémestavatenso,essealguémeraeu,nãoHelen.OsolhosdeGiles se iluminarameele começouaexplicaraHelen tudo

sobreosbuquês,osarranjosdemesa,aflorestaencantada.—Elevaiusarpequenasluzesdecorativasnosgalhos—acrescentei.—

Elasvãoacenderquandoosolsepuser.—Legal—disseHelen,emtomdeaprovação.—Vaificarbemlegal.—Vaificarmaisdoquelegal—corrigiuGilesimediatamente,antesde

sorrir.—Bem,vocêvaiver.Depoisdeamanhã.Helenfungou,comoseestivessechorando.—Émesmo, aliás, Jess, eu queria falar com você sobre isso. Eu tenho

umaentrevista.Devochegaratrasadaparaacerimônia.—Atrasada?—Sentiosanguesumirdorosto.—Maséumsábado.Helenficouenvergonhada.—Sim,eusei,maséparaumemprego...Vocêmesmavivedizendoque

devo me concentrar na minha carreira. Farei o possível para não meatrasarmuito.Sónãopossogarantirqueestareilánoinício.—Tudobem.Não temproblema.Afinal, éumaentrevistadeemprego.

Issoéimportante.—Poisé.Porém,resolviinsistir:—Mas tem certeza de que você não pode apenas faltar? À entrevista,

querodizer?Helenfezumgestonegativodecabeça.—Éumempregomuitobom,mesmo.Evocêsemprefalaquetrabalhoé

importante.Gilespareciaconfuso.—Mas...—Entãoolhouparamim,intrigado.—Elanãoésuamadrinha?Helennegou.—Não...nãosou,não.—MasJess—disseGilesnumtommaisaltodoqueohabitual,enquanto

folheava suas anotações. — Há algo errado. Você falou que queria umbuquêpara...para...—Entãoeleexaminouapáginaeacrescentou:—Sim.Aquiestá.Helen.Helenmefitou.—Émesmo?Achei que vocênãoquisesse que eu fosse suamadrinha.

Atéchegueiadarumasindiretas,masvocênuncadissenada...Euolheiparaela,semjeito.—Eunãotinha...É...—Escuta,nãotemproblema—esclareceuela,namesmahora.—Não

fazmal.Ealémdisso,eutenhoessaentrevista,então...— Você tem que ir. Hel, eu não vou conseguir fazer nada se você não

estiverlá—insisti,comavozembargada.—Claroquevai—retrucouela.—Quemvaiserasuamadrinha?Sópor

curiosidade?—Ninguém.— Ninguém? — perguntou Giles, assustado. — Mas por quê? Temos

floresparaamadrinha.Issocriaumasimetria.Semmadrinha,oestilo...nãovaiteromesmoefeito.Nãovaificarharmonioso!—Nãovoutermadrinha—acrescentei,olhandotimidamentebemnos

olhos deHelen.—Eu ia pedir a você para... para...—Respirei fundo.—Parameacompanharatéoaltar.—Vocêquerqueeuacompanhevocêatéo altar?—perguntouHelen,

surpresa.Fizquesimcomacabeça.—Ésério?Vocêjuraquequerisso?—Massevocênãopuder,nãotemproblema—logoacrescentei.—Quer

dizer,sevocêvaiestarocupada...—Eunãopodia imaginar—disseela,emocionada.—Penseiquevocê

contariacomFenellaequenãoprecisavamaisdemim.Fitei-a,perplexa.—Fenella?Helenruborizou.— Você só fala dela, o tempo todo. Fenella isso, Fenella aquilo... Bem,

vocênãoprecisadeduasmandonaschatasnasuavida,nãoé?Deiumarisada.— Você é a única mandona chata que quero por perto! — exclamei,

segurandosuamão.—Sério,Hel,vocêtemqueestarlá.—Bem,entãoparecequeeuvou—concordouelaemedeuumlevesoco

nobraço,debrincadeira.—Nãopossoacreditar.Porquenãofalouantes?— Eu devia ter falado. Mas vivia me esquecendo, com tanta coisa na

cabeça...—Eeuiaaumamerdadeentrevistadeemprego,temnoçãodisso?— Eu sei, desculpe — admiti. — Você sabe que tudo isso só está

acontecendograçasavocê.—Nãoénão.Égraçasavocê,Jess.Vocêorganizoutudo.—Bem,vocêaindaprecisadobuquê?—indagouGiles,indeciso.—Claro.Umbemgrande—respondeuHelen,comosolhosbrilhando.—

Omelhorquevocêtiver.Querdizer,depoisdodaJess...Gilesacenoucomacabeçaelimpouosolhos.— Bem, meninas, isso está ficando um pouco comovente para mim.

Tantoqueeuadorariaficarmaisumpouquinho,mastenhomuitotrabalhoafazer—declarouele,comaramoroso.—Jess,vouchegaraohotelàsseishoras da manhã, no sábado, para fazer a decoração; depois, farei osarranjosparaafesta.Começaàsonzedamanhã,certo?—Issomesmo.

—Depoisdeamanhã,nãoé?—perguntouHelen,derepente.—É.—Gileseeurespondemosaomesmotempo.—Certo—disseela.—Éque,peloquesei,vocênãotevedespedidade

solteira.Eufiqueidesconcertada.—Despedidadesolteira?Ah,não.Nãoquero,obrigada.—Mastemqueterdespedidadesolteira—insistiuela.—Daquiadois

diasvocêvaisemudar.— Vou? — Senti o coração acelerar. — Ah, sim, tem razão. — Não

entendi por que aquilo me atingiu como uma bomba; Anthony e eu játínhamos decidido. Eu iria morar no apartamento dele depois docasamento.Fenellatinhainclusiveseoferecidopararedecorá-lo,mastudoparecia meio surreal, como se eu estivesse falando sobre outra pessoa,sobreaSra.Milton,nãosobreJessicaWild.— Portanto essa é a sua última noite no apartamento— acrescentou

Helen,comavozembargada.—Hmm,émesmo.—Sentiumnónagarganta.— Temos que fazer uma festa. Giles, você pode ser menina por uma

noite?Gilesolhouparaelameioindeciso,entãodeudeombros,sorrindo.—Claro. Precisa perguntar? Eu sou umamenina. Afinal de contas, sou

florista.— Jess? Alguma objeção? Não que eu vá aceitar, mas, de qualquer

maneira,podereclamarcomovocêquiser.Fitei-aporummomentoesorri.— Tudo bem. Mas eu não posso ficar muito bêbada — anunciei

determinada.—Enadadestrippers.—Nadadestrippers—concordouela,séria,edeuumapiscadelapara

Giles.Sorrindo,falou:—Giles,achoqueprecisamosdemaisgim.

A festa não teve nenhum stripper. Mas teve Ivana. E Sean. Emuito gim,Kylie Minogue e dança. Muita dança. Eu cheguei até a dançar usando ovestido de noiva. Para falar a verdade, adormeci sem tirá-lo, ao lado deIvana. Nós duas acordamos aomesmo tempo e, quando abrimos o olho,demosdecaraumacomaoutra,comnossosrostosquasese tocando.Nahora,pulamosumaparacadaladoenosentreolhamos,desconfiadas.Logodepoisdescobrimosoquehavianosacordadoquandoouvimosointerfonetocardenovo.Sonolenta,corriparaatendê-lo.

—Alô?—Oi, Jess, sou eu— disse uma voz familiar, sem rodeios.—Aqui no

carro.Estápronta?Olheiparaorelógioassustada.Jáerammaisdetrêsdatarde.—Fenella!Oi!Precisodeumminutinho,estábem?—Umminuto? Jess, nós não temos umminuto. Temos ummontão de

coisasafazer,listasparaverificar...—Espere aí.—Desliguei o interfone eme virei. Comolhar sonolento,

Helencambaleavanaminhadireção.—Quemera?—perguntouela,bocejando.—Fenella.Oensaioéhoje.Eudeveriaestarpronta.Elameolhoudecimaabaixo.—Vocêestáusandooseuvestidodenoiva.Achoquenãodeveriausá-lo

noensaio.Olheiparaelaefizumacareta.—Sim,obrigadapormelembrar.Meajudeatirá-lo.Vinteminutos depois, com o vestido devidamente guardado, hálito de

gim,aroupanamala,banhotomadoeIvanaseguranacozinha,medespedideHelencomumabraço.—Tem certeza de que não pode ir ao ensaio?—perguntei com ar de

súplica.Elahaviaconseguidoadiantaraentrevistadeempregoemumdia.— Desculpe— respondeu ela, desolada.—Mas prometo chegar cedo

amanhã.Evocêvaisesairmuitobem.Podetercerteza.—Obrigada,Hel.Por...portudo.—Ah,nãosejaboba.Nãoprecisameagradecerporcoisaalguma.—Vocêpodemorarcomagente.Sabedisso,nãoé?—Minhavozestava

umpoucoembargada,eHelenseespantou.—Euesqueçoquevocênãovaimaismoraraqui—sussurrou.—Você

vaisecasar.VaiseraSra.Milton.Comcertarelutância,nósnosafastamosedesciasescadas,aoencontro

deFenella,queestavacomocelulargrudadonoouvido.Elamelançouumolharirritado,maslogoforçouumsorriso.— Bem, temos que nos apressar, senão vamos chegar atrasadas! —

anunciou,comavozestridente.— Desculpe. É que... sabe como é, tem sempre umas coisas de última

hora—desculpei-meenquantocolocavaassacolasnoporta-malas,antesdemesentarnobancodocarona.— Jess!—Eumevirei e viHelen correndonaminhadireção,pálida e

nervosa.—ODr.Taylorquer falar comvocê—avisou, comavozquase

inaudível.—Eledissequeéurgente.Tiveumsobressalto.—ODr.Taylor?Elaconfirmoucomumgestodecabeça.—Diga que saí— sussurrei.—Diga que vou passar o fim de semana

fora.— Já fiz isso—esclareceu ela, assustada.—Mas ele apenasdisseque

precisavamuitofalarcomvocêhoje,equeeuprecisavaarranjarummeiodeacharvocê.ElemencionouapalavraquecomeçacomC.—C?—perguntei,confusa.—Casamento!—sussurrouHelen.Sentiocoraçãodispararetenteime

afastar,paraqueFenellanãoouvisseanossaconversa.Elesabia.Elesabiadetudo.—Você temque fazeralgumacoisa—sussurrei,desesperada.—Tem

quemantê-lolongedaqui.Elepodepôrtudoaperder.—Deixa comigo.Eu vou... Voudizer a ele queo casamentovai ser em

Manchester.Issodevemantê-loocupado.—Ótimo.Manchester.—Então lhedeiumúltimoabraço.—Ou,sei lá,

Escócia.Escóciaéaindamaisdistante...—Boaideia,Escócia.Claro.Podedeixar.Nãosepreocupe.

Capítulo29

PROJETO:CASAMENTODIA42

Pendências:1.NãopensarnoDr.Taylor.2.NãopensaremMax.3.Nãopensaremnada.

Osalãodefestasestavacheiodegentetrabalhando,eestavalindo.Váriasmesas com toalhas de linho, branquíssimas, e cadeiras forradas devermelhoedourado.—Bem,precisoencontrarAnthony—disseFenellaassimquechegamos.

—Háunsproblemascomalgumasfaturasqueprecisoesclarecer.— Está bem— concordei, sem prestar muita atenção, quando ela se

afastoucomocelularnoouvido.Euestavaimóvelnaentrada,absorvendooque acontecia diante de mim. O meu casamento. O meu casamento comAnthonyMilton.Amanhã.Sentiquepoderiadesmaiaraqualquermomento.— Jess!Oi!—Virei-meeviMarcia seaproximando.Elaestavausando

umpardeóculosescurosenormesnacabeçaetinhaumsorrisoplantadono rosto.—Que emoção! Aposto que você nunca imaginou que este diachegaria.—Émesmo—eudisse, torcendoparaque,naqueleexatomomento,o

Dr.TaylorestivesseacaminhodaEscócia.—Últimodiacomosolteira,hein?—comentouela,comumapiscadela.— Pois é. — Para onde quer que eu olhasse havia gente carregando

coisas,mudandooutrasdeposição,falandosobreoeventododiaseguinte,em vozes baixas e tensas. Tudo paramim. Tudo para omeu casamento.JessicaWild,agarotaquesempreinsistiuquenuncacasaria,eolhasóisso.—Depoisachoquetudoserádiferente—prosseguiuMarcia.—Afinal,

vocêvaiserumamulhercasada.SeráaSra.Milton...—Elaparoudefalaraospoucos,maslogosorriu.—Bemcomovocêsemprequis,tenhocerteza.—Temrazão—concordei,fitando-adesconfiada.—Nãoestánervosa,está?Nãovaifugir,hein?—Seusolhostinhamum

brilhoestranho.—Claroquenão—respondirápidaeenfaticamente.—Porqueeufaria

isso?—Ah,bom.—Entãoelameencarouporalgunssegundos.—Bem,vejo

vocêmaistarde.— Certo. — Será que eu estava mesmo nervosa? Talvez essa fosse a

causada sensaçãoesquisitaqueeu sentianoestômago.Depoiseu ficariamelhor,claro.Sóestavapreocupadacomaperdadaminhaindependência.Issoeraperfeitamentenormal.—Jessica!—Voltei-meemdireçãodavozederepenteviMaxaomeu

lado.—Eaí,vamosparaaigreja?—Igreja?—Paraoensaio—respondeuele,comardesconfiado.—Vocêestábem,

Jess?Sentiaspernasumpoucobambas.—Eu?Estou.Estouótima.Igreja.Vamos.Sóachoqueeudeveriaesperar

porFenella.—Fenella?Agarotaquevivejogandoocabelonacaradosoutros?Deiumarisadaepercebiquemesentiamelhor.—No fundo,elaémaravilhosa.Nomínimo,umapessoabacana.Tema

melhordasintenções.—Émesmo?Temcerteza?—Tudobem,vamos—falei,sorrindo.—Achoqueelameencontraráse

precisardemim.—Nãotenhodúvida—afirmouele,oferecendoseubraço.Aigrejaficava

logodepoisdaesquinadaruadohotel.—Eaí,estáanimada?—Apavorada—respondi,sempensar.Eleriu.—Nãodevesertãoruimassim.—Não,não, claroquenão.Euquisdizerqueestouapavoradanobom

sentido.Sabecomoé,comoqualquernoiva.—Énormalficarnervosa—disseelecomternura.—Casamentoéum

passomuitoimportante.— Eu sei — concordei, desejando que não fosse algo tão importante

assim.—Evocê...nuncapensouemcasar?—Não,issonãoéparamim.Então me lembrei de que costumava dizer a mesma coisa. Antes de...

Bem,apenasantes.—Vocêquerdizerquenunca...?

—Nuncadiganunca—retrucou.—Eu...bem,teriadeestarsegurodequetinhaencontradoapessoacerta.Achoquecasamentonãoéumacoisaparasefazerdequalquermaneira.Elemefitouefiqueienvergonhada.—Nãoestouquerendodizerquesejaoseucaso—acrescentou,nahora.

—SeiquevocêeAnthonyestãofazendoacoisacerta.—Vocêacha?—perguntei,insegura.—Acho.Achoquevãosedarmuitobem.—Émesmo?Confirmou comum gesto de cabeça e apertoumeu braço. Eume senti

tranquilaesegura,comohámuitotemponãomesentia.ComAnthony,àsvezesmesentiaimpetuosa,comoJessicaWiiild,masnãonecessariamente...confortável.Nãorelaxavacomfacilidade.—Vocêsvãosedarmuitobem—continuouMax.—Irãoapoiarumao

outro. Ajudar um ao outro. Sabe como é, todas as coisas que os casadosfazem,equeossolteiroscomoeufingemquenãosãoimportantes.Massão.Emuito.—Poisé.—Sentiumapertonopeito.EueAnthonyiríamosnosdarbem,

repetiparamimmesma.Iríamosapoiarumaooutro.—Jess?Tudobem?Jess?—Maxmeolhava,muitopreocupado,epercebi

queestavaapertandodemaisoseubraço.Soltei-oimediatamente.—Estátudobem—respondinamesmahora.—Mas...—Masoquê?—Nemtodososcasamentossãoiguais,nãoé?—Achoquenão—respondeuele.—Bem.Entãonãoexistecertoouerrado.— Claro que não. Contanto que vocês se amem, as coisas vão se

ajeitando,comotempo.—Amor.Certo.—Meucoraçãoestavadisparado,entãorespireifundo.—Jess?—Eleparoudeandar.—Oqueestáacontecendo?Oquehouve?Elemeolhavacomatençãoeeumesentiperdendoasforças.— O que estou querendo dizer... — murmurei, cabisbaixa— ... é que

alguns casamentos são baseados em... outras razões. Entende? — Emdinheiro,pensei.Emmentiras.EntãopenseiemGrace.Emnãodesapontarumapessoaporquemagentetemtantocarinho.—Achoquesim—concordouelemeiohesitante.— Então — continuei, tentando convencer a mim mesma, acima de

qualquer coisa.—Os fins justificam osmeios, não é? Pelomenos de um

modogeral?—Talvez.—Poisé,àsvezesapessoafazalgoquepodenãopareceracoisacerta,

mas no fundo é, porque se ela não fizer, aí sim estará agindo errado.Entende?Olheiparaele,naesperançadeterconseguidoexplicarasminhasrazões,

enoteiqueMaxestavaconfuso.—Nãoseibemseentendi.Dáparasermaisespecífica?—Euquerodizerque...certoeerradopodemserumacoisasó.—Engoli

emseco,esforçando-mepara falardemaneiraclara.—E,àsvezes,oquepareceacoisacertaédefatoacoisaerrada,eoquepodeparecererradoédefato...—Émesmo?—Maxpareciaespantado.—Jess,vocêestátendodúvidas?Balanceiacabeçaemumgestonegativo.—Não,claroquenão.Mas...—Oquê?—perguntouele,fitando-mecomatenção.—Nada...Bem,talvez...—Jess?Ah,graçasaDeus,atéqueenfimencontreivocê.Olha,oensaiojá

vaicomeçarenãoseiondeestáAnthony.EraFenella.Aoouviravozdela,leveiumsusto.—Fenella!Oi!—Minhavozestavaaltademaisparaparecernatural.— Estou atrás dele para resolver uns pagamentos; ao que parece, as

faturasdohotelnãoforampagas.Eledissequeialigarparaobanco,masdesapareceu—explicouela,tensa.—Vocêsabeaondeelefoi?—Eunãoovi.Desdequecheguei.—Erasóoquemefaltava!—Suspirou.—Umensaiosemnoivo.Nessemomento,olhouparaMax.—Quemévocê?—Esse éMax— expliquei, forçando um sorriso.—Eu o apresentei a

vocênafestadenoivado,lembra?— Max— repetiu ela, verificando sua lista. — O padrinho, o melhor

amigo?—Eugostodepensarquesou—disseMax,brincando,masFenellanão

esboçousequerumsorriso.—Bem,Max,seráquevocêpoderiatentaracharAnthony?Talveztenha

maissortedoqueeu.—Eupoderia...—respondeuele,devagar,olhandoparamim.—Mas...—Mas?—perguntouela,irritada.Osolhosdelepenetravamosmeus.

—Oquevocêestavadizendomesmo?—Euestavadizendoqueestouótima—assegurei-lhe,sentindo-metola

porquerersuaaprovação,porterummomentodetamanhafraqueza.Nosúltimos tempos, eu vinha tendo muitos momentos de fraqueza, semprerelacionados a Max. — Pode ir. Veja se consegue encontrar Anthony. Eobrigada.—Temcertezadequeestábem?—Tenho.—Minhanossa,issoestáficandomaisdifícildoquepensei—exclamou

Fenellaquandoeleseafastou,indoemdireçãoaohotel.AausênciadeMaxeracomoseumamantaquentinhativessesidoarrancadademim.—Agoravenhaconheceropadre.Ele...nãoéoqueeutinhaemmente,masachoquenãotemosescolha.Elamelevouatéaigreja.— Bem, chegamos — anunciou. — Dê uma volta por aí para se

familiarizarcomo lugar.Aquiéocorredor,éclaro;oaltar, láadiante.HáumasalanosfundosparaAnthonyeopadrinhoseprepararem,amanhãdemanhã.Vocêvaientrarporestaportae,então,oórgãocomeçaráatocar.Ela me mostrou, sem perder muito tempo, a igreja toda. Eu estava

fazendoopossívelparairemfrente,opossívelparaprestaratençãoaoquedizia.Por fim, elame levouatéumhomembaixinho, agachado, comumaenormebarba espessa, usando jeans e uma camisade colarinho romano.Não parece um padre, pensei, quando ele estendeu a mão para mecumprimentar.—Padre,essaéJess.Jess,esteéopadre.—Jess.Prazeremconhecê-la.—Oi!—cumprimentei-oinsegura.—Vocêéopadre?—PodemechamardeRoger—anunciou, sorrindo.—Prefirooestilo

informal,sevocênãoseimporta.— Não, de jeito nenhum. — Notei a expressão de Fenella; dava a

impressãodequeinformalnãoerabemoqueelaqueria.—Pormim,tudobem!— É óbvio que ele vai usar batina amanhã — explicou ela, com um

sorrisotenso.—Nãoé,Roger?—Bem,vereioquepossofazer—disseeleemtomdebrincadeira.—

QuemsabepossoatémencionaraBíblianomeusermão.Oqueacha?Fenellaseassustoueolhouparaaporta,porondeMaxentrava,ofegante.—Eu...Nãoconseguiencontrá-loemlugarnenhum.—Comoassim?—perguntouFenella,irritada.—Vocêoprocurou?

Maxfezquesimcomacabeça.—Elenãoestánobar,nemnarecepção,nemnoquartodele.Fenellapegouocelularediscouumnúmero.—Anthony?ÉFenella.Estamosesperandoporvocênaigreja.Porfavor,

me ligue assim que ouvir essa mensagem.— Em seguida se virou paramim,comarderepreensão.—Vocêsabeaondeelesemeteu?Sabe?—Não.—É claro que não sabe!—disse ela, nervosa.—Bem, parece que eu

mesmavouterquevoltaraohotelparaprocurá-lo.—Boasorte—disseMax,impassível.—Porqueeugarantoavocêque

procureibem.—Emtodososlugares?—perguntouFenellademonstrandoincerteza.—Emtodososlugares—garantiuele.— Bem, pessoal, acho que temos que pensar em um Plano B, porque

temos que deixar a igreja livre para a missa— interrompeu-nos Roger,batendoasmãosparachamaraatençãodetodos.— Plano B? — Fenella olhou para ele, assustada. — Não há nenhum

PlanoB.Precisamosensaiar.TemosqueesperarporAnthony.Rogerfranziuatesta.—Ocasoéoseguinte—disseele,desculpando-se.—Amissanãopode

atrasar,seéquevocêmeentende.—Masprecisamosensaiar—insistiuFenella,comatensãoevidentena

voz.—Temosquedarumapassadarápidapelascoisas.Rogerdeudeombros,diantedoimpasse.—Certo—disseFenella,debraçoscruzados.—Max,vocêvai terque

substituí-lo. Eu vou ficar do lado de fora e, se o vir, vou mandá-lo seapressar.—Max?SubstituirAnthony?—perguntei,espantada.—Sóparaoensaio—esclareceuFenella,irritada.—Nãoénadademais.

Vamos,pessoal.Maxolhouparaela,indeciso.—Temcerteza?—Achoqueéamelhorcoisaasefazer—disseRoger.Emseguidaolhou

paraMax.—Éfunçãodopadrinhosubstituironoivoseelesumir,sabia?Maxolhouparamimemeurostocorou.—Estábem,então.Seeutenhodefazerisso.Bem,eoquedevofazer?—Fiquenoaltar—disseRoger.—E,Jessica,vocêvaiparaaporta.Isso.

Certo.Agora,aosinaldamúsica...—Elecomeçouaassoviar,desafinado,aMarchanupcial,enquantoosoutrostomavamseuslugares.

—Eudevo...—comecei,indecisa.—Venhacaminhandoatéoaltar,isso—disseRogeremtomanimador.—Atéoaltar.—Concordeie fuiemdireçãoàporta.QueriaqueHelen

estivesse aqui, agora, para que pudesse me apoiar nela. Queria que ocorredor não fosse tão longo. Respirando fundo, comecei a andar,concentrando-me em pôr um pé à frente do outro, de maneira lenta esuave. Max estava virado de costas; poderia ser Anthony. Amanhã seriaAnthony,pensei,esentiasmãosencharcadasdesuor.Entãoelesevirouenossosolhossecruzaram.Elemelançouumsorriso

confiante e a situação pareceu menos assustadora. Continuei andando elogooalcancei.Rogercomeçouafalar:— Prezados fiéis, estamos aqui reunidos...— Nessemomento, me dei

contadeque,afinal,ascoisasnãoseriamtãocomplicadas.“Depois—prosseguiuRoger—vocêtemquerepetirosvotos.Nósnão

vamos dizer todos agora, mas vamos ensaiar o primeiro, para noscertificarmosdequenãoestoufalandorápidodemais,estábem?”—Certo.—Vamoslá.Eu,Jessica...—Eu,Jessica...—repeti.—AceitoAnthony.—Rogerfranziuocenho.—Bem,comoelenãoestá

aqui,omitiremosestaparte.Nasaúdeenadoença...—Nasaúdeenadoença...—Naalegriaenatristeza...Eu sentia os olhos deMax pousados emmim, emeu rosto começou a

arder. Eunãopoderiadizer essaspalavras amanhã.NãoparaoAnthony.Poderia?—Naalegriaenatristeza...—Amando-teerespeitando-te...—Amando-teerespeitando-te...Virei-meparaMaxapenasporummomento,tenteidesviaroolharmas

volteiafitá-lo,quaseimediatamente.Eletambémpareciaconstrangido.—Eassimpordiante.— E assim por... — Parei de repetir o que o padre tinha dito, bem a

tempo.—Certo—disseRoger, satisfeito.—DepoisAnthonydiz apartedele.

Então,seeuestivermesentindogeneroso,direiqueelepodebeijaranoiva.Eume imaginei beijandoMax e o rubor nomeu rosto tornou-semais

intenso.Maxtambémficoucorado.Queriasaberseeleestavapensandoamesma coisa, mas afastei essa ideia da cabeça. Claro que ele não estava

pensandonadadisso.Eraprovávelapenasqueestivesseconstrangido.Eraprovávelqueestivesse seperguntandooquehaviadeerradocomigo.Eumeindagavaamesmacoisa;minhasmãosestavamencharcadasdesuor,emeurostopareciaumafornalha.Max,porsuavez,afrouxouocolarinho.—E,depois—prosseguiuRoger—,vocêssentamaliadianteeassinam

ospapéisdocasamento,enquantoeudeixoacongregaçãoassustadacomomeu sermão. — Ele riu. Porém, ao perceber que ninguém mais haviaachado graça da piada, deu de ombros. — Bem, depois disso, estáterminada a cerimônia. Vocês caminham pelo corredor, já casados e,espera-se,teminícioabebedeira.Certo?Conseguiacenarcomacabeçaconcordando.—Ótimo,entãovocêeMaxpodemsairdescendooaltar.Maxmeolhoumeioinseguroeestendeuobraço;euotomei,igualmente

insegura.Osimplesfatodetocaramangadoternodeledisparoupequenascorrenteselétricasportodomeucorpo;quandodeiobraçoaele,sentiseusmúsculos se contraírem.Caminhamosemsilêncio até chegarmosàporta,ondeparamoseesperamos,emboraeunãosoubessebemoquê.Sósabiaquenãoqueriameafastardele.—Perfeito!Ótimo.Bem,creioquepodemosdaroensaioporencerrado

—anunciouRoger.—Sevocêestiversatisfeita.—Sim.Sim,claro—falei.— Foi ótimo!— disse Fenella, vindo na nossa direção.— Bem, agora

vocêsprecisamvoltaraohoteletrocarderoupaparao jantar.Vaisernosalão de conferências, e começa daqui a quarenta e cinco minutos. Estábem?Ambosassentimosemsilêncioe seguimosandando.Saímosda igrejae

contornamos a esquina. Sóquandonos aproximávamosdohotel, percebiqueaindaestavadebraçodadocomele.—É, acho que tudo correu bem—disse ele, ao passarmos pela porta

principal.—Tenhocertezadequeamanhãvaidartudocerto.— É.— De repente, algumas lágrimas começaram a brotar nos meus

olhoseeunãosabiaoporquê.Entãolimpeiorosto,irritada.—Seéoquevocêquer—acrescentouele,hesitante.—Comoassim?—Seérealmenteoquevocêquerfazer.—Éoquevocêquerqueeufaça?—Eu?—Eleparoudeandar,esóentãomedeicontadoquehaviadito.—Você?Não—logotenteimecorrigir.—Não,eunãoquisdizer...—Oquevocêquisdizer,Jess?—Maxmefitava,eseuolharpareciacada

vezmaissombrio,maisintenso.Pudesentirocalordoseucorpo,emboraelenãoestivesse tãopertodemim.Derepente, eunãoqueria ser JessicaMilton.QueriaserapenasJessicaWild,ali,aoladodele.Enãoseibemquemseaproximouprimeiro,masderepentenossoscorpossetocaram,decimaa baixo. E antes que eu pudesse ter qualquer pensamento coerente, oslábios dele tocaram osmeus,meus braços enlaçaram seu pescoço e issopareciainacreditavelmentecerto.Entãodescobri,semamenorsombradedúvida,quenãoqueriacasarcomAnthony.Enãotinhanadaavercomaaversãoqueeusentiaemrelaçãoacasamento,nadaavercommeudesejode independência. Mas porque eu estava apaixonada por Max. Estavaapaixonada, damesma forma comoaminhamãe se sentiu antesdomeunascimento,damesmaformacomotodasaquelasgarotasbobasqueminhaavócostumavacriticar,comoeucostumavacriticar.— Não posso fazer isso— declarou Max, afastando-se, e eu senti um

baque.Emseguidamerecompus.Éclaroqueelenãopodiafazerisso.Nemeu.— É, tem razão — eu disse na mesma hora, com a voz um pouco

estridente.—Nãopossofazerissotambém.Nãoconsigoentenderoque...—Vocênãoentende?—AexpressãodeMaxeraindecifrável.—Não—meapressei emdizer.—Deve sernervosismopor causado

casamento.Desculpe.Émelhoreuir...Nessemomento,ouviumavozfamiliardooutroladodohall.—Jess!Max!—EraAnthony.—Atéqueenfimencontreivocês.Desculpe

terfaltadoaoensaio.Estavaaotelefone.Umapendênciadoescritório.Bem,vamosbeberalgumacoisa?Achoqueprecisodealgobemforte.—Anthony—eudisse,comsentimentodeculpa.—Oi!—Procureivocêportodaparte—disseMax.Eletentavasorrir,masseu

olhartraíaseuslábios.—Tivemosquefazeroensaiosemvocê.—Bem,contantoquevocênãofaçaomesmonodiadocasamento,acho

quevousobreviver.—Anthonysorriu.—Fenelladissequehouveumproblemacomopagamento—continuou

Max.Suavozestavainexpressiva,comosenadativesseacontecido,comosenãotivéssemosgrudadosumnooutrohápoucossegundos.Entãorepareiemuma enorme sensação de vazio no estômago,mas fiz o possível paraignorá-la.Eraapenasfraquezadaminhaparte.Euiriasuperartudoisso.Anthonydeuumsorrisotranquilo.—Max,émuitagentilezasuaseincomodar,mas,acredite,estátudosob

controle.Eentão,vamosbeber?EueMaxnosolhamos.

EambosolhamosparaAnthony.—Para falaraverdade,nãoposso—recusouMax.—Achoque tenho

que preparar o discurso do padrinho, se você não se importa. Vocês...fiquemàvontade.Seisso...—Seusolhossevoltaramparamimedesvieioolhar.— Tem razão! Vá treinar o seu discurso — consegui dizer após um

imensoesforço.—Agentesevêdepois.— Claro — concordou Max, cabisbaixo, antes de se afastar, indo em

direçãoaoselevadores.—Vamos,Jess—disseAnthonyemtomcarinhoso.—Parecequesomos

sónósdoisnessa.—É—concordei,olhandoparaele.—Achoquesim.

Capítulo30

PROJETO:CASAMENTODIA42

Pendências:1.Casar.2.Ah,meuDeus!3.Voucasar.Voucasardeverdade...

Namanhãseguinte,quandoHelenchegoutrazendoSeaneIvanaareboque,euaindaestavanacama.Aquelaseria,conformemedeiconta,aúltimavezque acordaria sozinha; a última vez que teria a cama toda só paramim,mesmo se fosse num hotel; e queria aproveitar ao máximo. Além disso,estavacomdordecabeça—oqueeraparaserapenasumadoseacabousetransformadoemvárias,nanoiteanterior.Dealgumaforma,pareciaumaatitude apropriada, e Anthony, com certeza, tinha achado uma boa ideia.Eleficouotempotododizendoqueodiaseguinteseriaumgrandedia,quetodososproblemasdesapareceriam.Emboraeunãosoubessemuitobemsobreoqueelefalava,melimiteiaconcordardemaneiraenfática,ediziaamimmesmaqueeletinhatodaarazão.Ivana inspecionou o quarto e demonstrou aprovação, quando viu a

modernatelevisãodeplasma,opapeldecartatimbradodohotel,oenormechuveiroeaimensacama,daqualeunãoconseguiasair.—Oquarrrtoébonito—afirmouela.—Camaboa.Masagoraéhorade

se aprontar. — Ela sentou-se na cama e acendeu um cigarro. Na hora,levanteieabriumadasjanelas.—Ecomofoioensaio?—perguntouHelen.—Ah,foiótimo.—Tenteisorrir.—Vocênãopareceumanoivafeliz—disseIvana,emtominexpressivo.

—Nenhumsorrisonemgritinhosdeempolgação.Deideombros.—Estougritandopordentro.Ivanameolhou,confusa,apanhouocontroleremotoeligouatelevisão.

Em seguida, ela e Sean ocuparam a cama, recostando-se na cabeceira e

esticandoaspernas.— Ah! — exclamou ela. — Ah! Filme perfeito. Filme de casamento.

Vamosverrr.Olhei a tela e vi Hugh Grant e Andie MacDowell em um restaurante,

falandosobreonúmerodeamantesdecadaum.—TalvezNoivaemfugaestejapassandoemoutrocanal—sugeri,com

umsorriso.Helenolhouparamim,desconfiada.—Vocênãoestá...insegura,está,Jess?IvanaaumentouovolumedaTV.—Porque...—Helen se aproximou demim e tomou aminhamão.—

Olha, quero que saiba que se estiver em dúvida, tudo bem. Eu estivepensando... sabe... Casamento é umgrandepasso. Sei que não costumavafalarisso,masreconheçoqueéumpassoimportante.Eodiariapensarquefuiaresponsávelporforçá-laafazeralgoque...nãoquerfazer.—Nãotemnadaaver—logoretruquei.—Essasituaçãofuieuquecriei,

nãovocê.Vocênãome forçouanada.Apenasmeajudou,só isso.Eestouagradecida,vocêsabedisso.Agradecidadeverdade.—Temcerteza?— Tenho. Ah, qual é? Amanhã, a essa hora, serei uma milionária! —

Forceiumsorrisoetenteimesentirfelizeempolgada.—Ah,graçasaDeus.—Elasorriualiviada.—Bem,medeixeperguntar

umacoisa.Comovocêsesentiriaaparecendonatelevisão?—Televisão?—Olheiparaelaconfusa.— Sabe minha entrevista de emprego de ontem? — perguntou ela,

sorrindo.—Oprodutormepediuumaideiadeumprogramadetelevisãoeeupenseiemvocêenocasamentoe,quandosugeri,elesadoraram!—Sugeriuoquê?—Comotransformarasuavidaemcinquentadias.—Oquê?Helensuspirou.—Comovocêfez—explicou,compaciência.—Éoseguinte:euestava

na entrevista e tive umadaquelas experiências extracorpóreas, e percebiquenãoqueriatrabalharnumprogramasobrepesca,equetinhadeixadodeiraoseuensaio.—Sei—eudisse,hesitante.—Querdizer, pensei noquanto ahistóriadoProjetoCasamento tinha

sidoincrível.Sabe,fazertodososseussonhosserealizarem.— Os meus sonhos... — repeti, pensando em Max, e logo afastando

aquelepensamento.—E?— E sabe qual foi a conclusão que cheguei? Tudo é possível —

prosseguiuHelen.—Vocênãoestáentendendo?—Tudoépossível?—Contiveumsuspiro.—Nãotenhocertezadisso.—É,sim!Jess,nósdemosumaguinadatotalnasuavida,nãofoi?—Temrazão.Demos.Afinal,conseguiuoemprego?—Não— respondeu ela, empolgada.—Mas depois da entrevista, fui

tomarumcaféeacabeisentandonamesmamesadeumprodutor.Efaleiaeledaminhaentrevistademerda,devocê,esobreaminha ideiadeumasérie baseada em pessoas que mudam suas vidas por completo. E eleadorou!Fechoucomigo,nahora!Eomelhordetudoéquevocêpodeseraprotagonista do nosso primeiro episódio, portanto é sucesso garantido.Quer dizer, o ideal seria filmar o casamento,mas não houve tempo paratrazerumaequipeatéaqui.—Vocêiatrazerumaequipeaqui?— Não sem antes perguntar se você queria, é claro — esclareceu,

contrariada. — Mas foi tudo graças a você. Portanto sua presença éimportantenoprograma.Nãoé?—Possopensar?—pergunteiindecisa.—Talvezdepoisdocasamento.—Estácerto.Quandoforbomparavocê.Deiumsorrisoamarelo.—Bem,éhoradesearrumar.—Esseéovestidodeverdade?— Ivana tinha saídoda camaeestava

esfregando,entreosdedos,o tecidodovestido,queestavapenduradonaporta—Vestidonadabom.Tecidoáspero.Respireifundo.—Bem,éomeuvestido.Foioqueescolhi.Ivanadeudeombros.—Escolhaestranha,naminhaopinião.—É,maseunãopedisuaopinião—retruquei.— Não tem nenhum cinzeiro aqui— continuou Ivana, aparentemente

ignorandoatensãonaminhavoz.—Ondeeuapagoocigarro?Helenresolveuagirdeformaprecavida.—Ouça—disse,aproximando-sedeIvana.—Porquevocêsnãodescem

paraorestaurante?Vocêpodefumarláenquantoeuficoaqui,comaJess,paraajudá-laasearrumar.—Láembaixo?—perguntouIvana,hesitante.—Issomesmo—confirmouHelen,puxandoSeandacama.—Agentese

vênaigreja,ok?Ivanaabriuabocaparafalaralgumacoisa,masdesistiu.— Vamos colocarrr o café na sua conta. Talvez até café da manhã

completo.QuandoHelenfechouaporta,sevirouparamim,constrangida.—Nofundo,elanãoémápessoa—disse,semconvicção.—Eletambém

não.—Eusei—falei,calma.—Masobrigadapormelivrardeles.— Tudo bem. Vamos fazer sua maquiagem antes de você colocar o

vestido.Concordeiemsilêncio,olhandoparaaTV,queexibiaQuatroCasamentos

eumfuneral,enquantoHelenespalhavacremesnomeurosto.Quandoelaterminou, peguei meu vestido. Demorou um pouco para fechá-lo, masenfimmevireiparameolharnoespelho.Eueraumanoiva.Eraumanoivacom um vestido que não valorizavameu corpo, desconfortável ao tato equeatéumaprostitutadoSohotinhaachadofeio.Mas,paramim,pareciaaroupa ideal. O vestido errado para o casamento errado com o homemerrado.—Compreiissoparavocê—disseHelenmeentregandoumacinta-liga.

—Éazul.E,sevocêadevolver,significaquefoiemprestada.Alémdisso,énova. Portanto já completa três dos quatro itens para dar sorte nocasamento.Abracei-aelevanteiovestidoparavestiraliga.—Asuacalcinha—comentouHelen.—Oquetemaminhacalcinha?—Évelhanãoé?Querdizer,nãoénova?Fiquei envergonhada. Eu tinha comprado algumaspeçasde lingerie de

seda, algumas semanas antes, emuma loja que Fenella recomendara (naverdade,elahaviainsistido;acertaalturapenseiqueelamearrastariaatélá). Mas não sei por que, acabei esquecendo de vesti-las hoje demanhã.Umacalcinhadealgodãovelha,acinzentada,mepareceumaisapropriada.—Ninguémvaiveraminhacalcinha—retruquei.—Comoassim,ninguém?—perguntouHelen,intrigada.Deideombroseabribemosolhos,pois sentiuma lágrimabrotandoe

tenteievitarqueelarolassepelomeurosto.— Jess, você está bem?—Helen pôs amão nomeu ombro, com uma

expressãopreocupada.—Temcertezadequequeriremfrentecomisso?—Tenho.—Jura?

—Juro.Sóestou...emocionada,sóisso.— Certo. Queria apenas me certificar.— Ela ofereceu o braço e eu o

tomei.—Então,estápronta?Olhei de esguelha para a televisão e vi Hugh Grant levar um soco da

noiva,diantedeumgrupodefamiliareseamigos.—Pronta—sussurrei.Lentamente e em silêncio, saímos do quarto, descemos as escadas e

chegamos ao hall do hotel. Em seguida, viramos a esquina até a igreja.Emboraestivessefazendocalor,euestavatremendo.— A futura Sra. Milton— disse Helen, dando uma piscadela. E, nesse

instante, as portas da igreja se abriram, o órgão começou a tocar e, derepente,estávamoscaminhandoemdireçãoaoaltar.—Timingperfeito!—EumevireieviFenella,bemaomeulado.—Eu

vouparaohotelparadeixartudopronto.Boasorte!Ela saiu apressada; olhei para a frente, insegura, e vi Anthony de pé

diantedo altar. Ele se virou episcouparamim.Max estava ao ladodele.Nossosolhossecruzaramporumbreveinstanteesentiummal-estar.Eledesviouoolhar.Àmedidaquenos aproximávamosdo altar, pudeverdeumladoIvanaeSean,queergueramospolegaresemsinaldeboasorte,edooutro,MarciaeGillie.Helendeuumleveapertonomeubraço,seafastouefoisesentar.Roger,

que,conformeprometera,estavausandootrajecompletodepadre,abriuumlargosorriso.Oórgãotocououtramúsicaelogotodosficaramdepéecomeçaramaentoarumhino.Emseguida,fez-sesilêncio.— Caríssimos fiéis — anunciou Roger. — Ou melhor, senhoras e

senhores. Bom dia. E que dia! Um dia de celebração. Um dia para seagradecer a generosidade de Deus, para o amor, para a devoção, para aamizade,paraoapoio.Paratodasascoisasque,defato,compõemumbomcasamento. Porque, como todosnós sabemos, casamentonão é algoparaserfeitosemreflexão,nemalgoaserfeitoparasefugirdotédioouporquepareceumaboaideia.Casamentoéumcompromissoparaavidatoda,aosolhos de Deus. E requer fidelidade, confiança, amor, compromisso,honestidade e muita dedicação. Significa usufruir dos bons momentosjuntos, mas também saber lidar com os maus momentos, quando énecessárioapoiomútuo.Afrasequetodosnósconhecemosé:nasaúdeenadoença,mascasamentoémaisdoqueisso.Énapobreza,naincerteza,nashorasdifíceis,quandoaúnicaluznofimdotúneléacertezadequealuzexiste.Esseéoverdadeiroamor.Eistoéoquevamoscelebraraquihoje.O

casamentodeJessicaWildeAnthonyMilton.Elesorriuparamimeeutenteisorrirtambém,massentiaomundome

sufocando.—Eassim—prosseguiuRoger,queparecianão ternotadomeuolhar

inexpressivo e meu rosto pálido—, deixando as formalidades de lado eindo direto ao ponto, vamos dar início à cerimônia. Entretanto, emprimeirolugar,e,porfavor,desculpeafrasetradicional,devopedirque,sealguémaquisouberdealgoqueimpeçaestematrimônio,faleagoraoucale-separasempre.Involuntariamente,eumevireiparaversealguémtinhaalgoadizer.Mas

ninguémsemanifestou.Namesmahora,voltei-meparaoaltar.Rogersorriu.—AnthonyeJessica,osvotosquevocêsestãoprestesafazerdevemser

feitosemnomedeDeus,queéojuizdetodosnósequeconhecetodosossegredos de nossos corações: por isso, se um de vocês sabe de algumarazão que impeça legalmente este matrimônio, deve declará-la nestemomento.Euengoliemseco,eAnthonysorriu.—Certo!—disseRoger.—Bem,ésempreumalívioquandoacabaesta

parte,nãoé?—Umarisadadiscretaecoouemtodaaigreja.—Eagora,aparteimportante:Anthony,vocêaceitaJessicacomosuaesposa?Prometeamá-laerespeitá-la,nasaúdeenadoença,naalegriaenatristeza,todososdiasdesuavida?—Sim—afirmouAnthonycomarsério.—Comcerteza.Mais uma vez, ouviu-se uma risada discreta por toda a igreja. Então,

Rogersedirigiuamim.—Jessica,vocêaceitaAnthonycomoseulegítimoesposo?Prometeamá-

loerespeitá-lo,nasaúdeenadoença,naalegriaenatristeza,todososdiasdesuavida?Ele olhou paramim comum sorriso animador, e eume forcei a sorrir

também.—Eu... Eu...—Minhamente estava confusa e ouvia algumas vozes na

minha cabeça. Podia ouvir Grace falando da importância do verdadeiroamor,HelengritandoTopaounãotopa,Ivanarepetindo,aosberros,JessicaWiiiiild.Ediantedomeusilêncio,opadredirigiu-seaosconvidados:— Isso émedodepalco.Aconteceo tempo todo.—Ele voltou a olhar

paramimesorriu.—Todososdiasdasuavida?—repetiu.—Eu...—Entãorespireifundo.Eutinhadeiremfrente.PorGrace.Devia

isso a ela. Então, me forcei a pensar em toda a confiança que ela havia

depositado em mim; forcei-me a imaginar a casa que eu iria herdar, apropriedade que ficaria sobmeus cuidados, a casa que... De repente, umpensamentome veio: a casa. Eu tinha visto aquela casa em outro lugar.Quebrei a cabeça tentando me lembrar onde eu a tinha visto, mas meuesforçopareceuseremvão.—Jess?—perguntouAnthony.—Tudobem?Aceneicomacabeçaetenteiprosseguir.—Eu...—Nãoconseguiterminarafrase.Eusabiaondeatinhavisto.Na

mesa de Anthony. A foto. A casa que ele disse que tinha pensado emcomprar,afotoqueFenellahaviaencontrado.EraacasadeGrace.Eutinhacerteza.Olheiparaele,desconfiada.—Afotonasuamesa—sussurrei,comavozumpoucoembargada.—É

acasadeGrace.Rogerpigarreou.—Todososdias...—Ele começoua falardenovo,mas eunão lhedei

ouvidos.—Acasa—exigi.—Faledacasa.Anthonyseassustou.—AcasadeGrace?Nãoseidoquevocêestáfalando—dissebaixinho,

com um sorriso estranho. — Nem sei quem é essa tal de Grace. Jess,estamosnomeiodonossocasamento,amor.Seráquenãopodemos falardissomaistarde?Penseiporummomento.Eleprovavelmentetinharazão.Eudeviaestar

imaginandocoisas.Haviamuitaspropriedadescomoaquela,nocampo.Euestavasomenteprocurandoumadesculpaparanãoiremfrente—Claro—concordei.—Claroquepodemos.—É issoaí, garota—disseAnthony.—Desculpe,padre—continuou,

antesdesevirarparaosconvidadose,comumsorrisoforçado, tentarsejustificar.—Foisóumapequenadiscórdiaporcausadasflores.Tudocertoagora.Ouviu-seumarisadageral,eRogersedirigiuamim,maisumavez.—Bem,então—disseele,comumlargosorriso.—Jessica,vocêaceita

Anthonycomoseulegítimoesposo?Prometeamá-loerespeitá-lo,nasaúdeena doença, na alegria e na tristeza, todos os dias da sua vida?—Olheiparaele,eemseguidaparaAnthony.—Eu...—Nesseinstante,olheiparaMax,quemefitavae,derepente,me

sentifrágil,comosefossepartiraomeio.EunãoamavaAnthony.Emedeiconta de que não era esse o desejo de Grace. Ela queria que eu me

apaixonassee fosse feliz, nãoqueeu casasse comalguémsóparaherdarsuapropriedade.Eissotambémnãoeraoqueeuqueria.Dejeitonenhum.Enãomeincomodavaseissofaziademimumaromânticaridícula;nãomeincomodava seminha avódissesse, contrariada:Eu sabia! Sabiaque vocêacabaria cedendo. Eu estava apaixonada por Max, e, mesmo se ele nãoestivesseapaixonadopormim,eunãopodiacasarcomAnthony,nemportodoodinheirodomundo.Então,mevireiparaAnthonyerespireifundo.—Nãotopo.—Nãotopa?—perguntouRoger,confuso.—Comoassim?—Quero dizer que não topo. Quero dizer que não vou seguir adiante

comisso.Nãovoucasar.

Capítulo31

Amelhorcoisaemrelaçãoaosfilmeséquealgoimpactantepodeacontecer—porexemplo,HughGrantlevarumsoconoaltar—,masacenacortae,emseguida,elereaparece,noconfortodacasadealguém,sendoconsoladopelosamigos.Navidareal,asituaçãoimpactanteacontece,porém,algunsminutos depois, você continua no lugar, sendo observada por todas asoutras pessoas, que estão em choque absoluto. Anthony e Roger meencaravam,epresumiquetodososoutrostambémdeveriamestar.Entãocomeceiasentirumdesconforto,eomeuvestidodenoivabaratopareciafeitodeespinhos.— Não pode?— perguntou Roger após um momento, e fiz um gesto

negativo com a cabeça. Após revelar minha intenção de não casar, mesentia indiferente, como se tudo aquilo estivesse acontecendo com outrapessoa.—Éclaroquepode—disseAnthony,comairritaçãoevidentenavoz.—Não,nãoposso—repeti,determinada.—Talvezsejamelhorirmosparaosfundosdaigreja—sugeriuRoger.—

Achoquetemosqueconversar,nãoé?Sentindo-mealiviadae gratapela sugestão, concordei;Roger sedirigiu

aosconvidados,comumsorrisonorosto:— Houve um pequeno problema. Só precisamos esclarecer umas

coisinhas,jávoltamos.Emsilêncio,euosegui, fazendoumenormeesforço;ocaminhoparecia

não ter fim.Anthonyandavaàminha frente, compassosapressadoseosombrostensos;Maxialogoatrásdele.—Muitobem—disseRoger,apósabriraportadasacristiaedepoisde

todosentrarem.—Porque,exatamente,vocênãopodeiremfrentecomocasamento?Haviaumacadeirapertodaparede,naqualmesentei.—Porquenãoestouapaixonadaporele—respondiemvozbaixa.—E

elenãoestáapaixonadopormim.EleamaJessicaWiiild.Anthonymefitou,intrigado.—MasvocêéJessicaWild—falouele,semconvicção.

—Não.EusouJess—retruquei,derepentemesentindotranquila.—Agarotaporquemvocêseapaixonoufoiumacriação.Elanãoexiste.Sean,otaldoex-namorado,tambémnãoexiste.Apenaseuexisto.SóaJess.Anthonyfranziuatesta,confuso,epassouamãopelocabelo.— Certo. — Respirou fundo. — Olha, Jess, não sei o que está

acontecendo.Talvezvocêprecisedeumpsiquiatra.Talveztenhamúltiplaspersonalidadesoualgoassim.Masvamos,aomenos,finalizaracerimônia.Depoislidaremoscomsuas...dificuldades.Estábem?NãoconcordeieAnthonysuspirou,exasperado.—Putaquepariu—disse,irritado.—Jess,paredesertãoimatura.—Nãoestousendoimatura.— Ouçam— pediu Roger, tentando sorrir.— Vamos ver se podemos

buscarumasoluçãoparatudoisso.— Ou continuar com a maldita cerimônia — exclamou Anthony,

descontrolado.—Hápessoasesperandoláfora.—Elasqueesperem—interveioMax.—Olha, se Jessestáemdúvida,

nãoseriamelhoradiaracerimônia?Nãoháporqueapressarascoisas.Olhei para ele, grata, mas ele não retribuiu o gesto; embora nossos

olharestenhamsecruzadoporuminstante,elelogovirouorosto.— Sim, há— retrucou Anthony, em tom firme.— E ela não está em

dúvida.—Nãoestouemdúvida—confirmei,sentindo-mederepentemaisleve,

como se tivesse, enfim, tirado um enorme piano das costas. — É ocontrário.Tenhocertezadequenãoquerocasarcomvocê.Evocênãoquercasarcomigo.Pelomenosnãoparavaler.—Euquero—replicouAnthony,aborrecido,e logo forçouumsorriso.

— Jess, amor, o que é isso? Não faça um escândalo, está bem? Vamoscontinuarcomacerimônia.—Não.Nãoamovocê,Anthony.—Asensaçãoeramaravilhosa:poder

finalmentefalaraverdade,comoseumpesofossetiradodosmeusombros.—Tudobem—disseRoger,espantado.—Vocêestácerta.Temrazão.Vocênãomeamaeeunãoamovocê.Mas

quediferençafaz?Oamornãotemnadaavercomisso—disseAnthony,semicerrandoumpoucoosolhos.—Issonãoimporta.Aindapodemosnoscasar.Fiqueiperplexa.Querdizerqueelenãomeamava?Nahoramedeiconta

dequeagoraissonãofaziadiferença.— Eu pensava que não tinha importância, Anthony. Mas tem, sim —

contestei,falandocomtranquilidade.—Emuita.Isso...—Nessemomento,

olhei paraMax,mas de repente, o barulho de um salto alto chamou suaatenção; segundos depois,Helen e Ivana surgiramdetrás de uma coluna,comSeanareboque,ejuntodeles,Marcia.Nahora,Helenseaproximouesegurouminhamão.—Vocêestábem?—sussurrouela,aoqueeufizquesimcomacabeçae

aperteisuamão.—Oqueaconteceu?—perguntouIvanademaneiraincisiva.—Viemos

aquiver casamento.Porquevocênãodisse sim?— Elaolhavaparamimcomuma expressão de crítica, e Anthony acenou com a cabeça, como seapoiasseocomentáriodela.—Issomesmo—disseele.—Porque,Jess?—Acabeideexplicar—respondiaomelevantar.Então,sentiaspernas

bambasemearmeidecoragemparacontinuar:—Anthony,escute.Eunãosouquemvocêpensa.E casamentonãoéalgopara ser feitodequalquermaneira,àspressas...—Vocênãoseimportouemapressaradataantes—lembrouele,com

osolhos cheiosde raiva.—Aliás, sebemme lembro, foi vocêquemquiscasarcomtantapressa.Oquemudou?— Eu mudei. — Em um movimento lento, levantei meu braço para

alcançar o dele. — Anthony, estou fazendo um favor a você, juro.Casamento deve ser baseado no amor. E nós não nos amamos. De jeitonenhum.—Amor?—repetiuelecomsarcasmoeseafastoudemim.—Ah,não

sejatãoingênua.Casamentonãotemnadaavercomamor.Temavercomconveniênciaetédio,comdinheiro,propriedade,acordoentrefamílias...—Talvez para alguns,mas nãoparamim—contestei.Nesse instante,

algo me ocorreu. — Propriedade? — repeti, mas tentei afastar opensamentodacabeça.Eudeviaestarimaginandocoisas.— Sim, propriedade— afirmou ele, com uma expressão cruel que eu

nuncatinhavistoantes.—Afoto—eudisse,eumasensaçãodemal-estartomoucontademim.

—Afotodacasanasuamesa.ÉacasadeGrace,nãoé?VocêtinhaumafotodacasadeGracenasuamesa.—Claroquenão—respondeueledesviandooolhar,comoseeufosse

umacriançachata.—Vocêestáfalandoummontedebobagem.—Era,sim.Eraacasadela.Porquenãomedeixouverafoto?— Não sei do que você está falando. Não era a casa de ninguém. Era

apenasumacasaqueeutinhaaintençãodecomprar,enãoquisquevocêavisse porque era para ser uma surpresa — esclareceu, furioso. — Meu

Deus, Jess, o que há com você? Você está deixando todo mundoconstrangido.—Elanãoestádeixandoninguémconstrangido—retrucouMax,emtom

sério.—Anthony,oqueestáhavendo?Quehistóriaéessadecasa?Anthonycruzouosbraços.— Não faço a menor ideia — respondeu, tenso. — Nenhuma ideia

mesmo.—Entãome fitou,poralgunssegundose,de repente, seusolhosazuis já não pareciam tão atraentes. Eles eram frios, insensíveis. E, aoobservá-los,percebiumacoisa.Algoquepiorouaindamaismeuânimo.—Vocêsabia.Sabiadotestamento.Porissoquiscasarcomigo.— Testamento? — repetiu Anthony, fingindo não entender minha

acusação,masseunervosismotraíasuaspalavras.—Quetestamento?—Elenãosabiadetestamentonenhum—interpôsMarcia.—Digo,não

sabe—logosecorrigiu.Euafitei,intrigada.—Afinal,oquevocêtemavercomessahistória?— Eu? Nada. Só estou dizendo que ele não sabe nada de testamento

nenhum—respondeuela,comardeculpa.Derepente,algonotopodesuacabeçaatraiuminhaatenção.—Seusóculosescuros.Eujáosviantes.— Óculos escuros? Jess, que história é essa? Acho que você está

enlouquecendo—disseela,jogandoocabeloparatrás,maspudenotarsuapreocupação.Porfim,alembrançaqueeutentavarecuperarmeveio,efiqueiperplexa.—Nocarro.NocarrodeAnthony.Nanoiteemqueelepassoupormim.

Eramvocêsdois.Marciaempalideceu.—Nãoseidoquevocêestáfalando.— Era você no carro — insisti, desesperada. — Era você. Você e

Anthony...Euafiteiatônita,maselacontinuouemsilêncio.EntãomedirigiaAnthony,aconfusãometomandoporcompleto.—Mascomovocêsabe?Comopoderiasaberque...—Saberoquê?—perguntouMax,maseuoignorei.Minhamenteestava

amil.—Marcia!— chamei-a em tom de acusação.— Você falou com o Dr.

Taylor.—Épossível. Eu falo commuita gente, Jess.Nãopossome lembrarde

todomundo.

—VocêfaloucomeleecontoutudoaAnthony.—Euestavacomacordatoda.Finalmentetinhaconseguidodecifrartudo.—Sópodeser.—Querdizerqueelesabia?—perguntouHelen,espantada.—Issotudo

foiumaarmaçãoparapegarodinheiro?—Quedinheiro?—perguntouMax,totalmenteconfuso.—Doquevocês

estãofalando?—DeGrace.—Aminhavozestavaquaseinaudívelquandopercebiqual

eraasituação.—Gracemedeixousuapropriedade.Odinheirotambém.EAnthonysabia.Elesóqueriacasarcomigoporque...Anthonymelançouumolharfrio.—Porquevocêseriarica?Maséóbvio.Porquemaiseumecasariacom

você?—Seucretino!—gritouHelen,derepente.—Seucretinomanipulador.Maxseaproximou.—Anthony, não posso acreditar— disse ele, indignado.— Todo esse

tempo, você só estava usando Jess. Imagino que esse fosse o seu grandeplanoparaganhardinheiro.— Ah, qual é, Max? — retrucou ele, furioso. — Pelo menos eu

proporcionei bons momentos a ela. Transei com ela. E ela se divertiubastante.—Você...você...émesmoumcanalha—acusouMax, avançandosobre

ele,osolhosinjetadosderaiva.— Não consigo acreditar— disse Helen, revoltada.— Quer dizer que

vocêsdoisbolaramesseesquemajuntos?— O quê? Algo como o esqueminha que vocês armaram, é isso? —

perguntou Anthony, com um sorriso cruel. — Como é mesmo? ProjetoCasamento,nãoé?Sentiosanguesumirdorosto.— Projeto Casamento? Que negócio é esse de Projeto Casamento? —

perguntouMax,masninguémdeuouvidosaele.—Estavanoseucomputador—disseMarcia, cruzandoosbraçoscom

umaexpressãodevitória.—Vocênãooescondeumuitobem.Aminhavidaestavaarruinada.Eununcatinhasidotãohumilhada.—Penseiquevocê...Euachei...—Nãoconseguicompletarafrase.— Achou que ele estava perdidamente apaixonado por você? —

perguntouMarcia comumarisada.—Ah, Jess, caina real.PorqueéquealguémcomoAnthonyseapaixonariaperdidamenteporvocê?Querdizer,naboa.—Suavaca!—vociferouHelen.—Vocênãopassadeumavaca!Porque

elenãoseapaixonariaporJess?—Porqueeleestáapaixonadopormim—respondeuMarcia.—E,por

favor,vamosmanteronível.—Apaixonadoporvocê?—repetiuAnthony,balançandoacabeçacom

desdém.Esevirouparamim:—Eutransocomela,sóisso.—Sóisso?—Dessavez,foiMarciaqueolhouparaele,espantada.—Eu

armeitudoparavocêherdartodoaqueledinheiroeagoravocêdizquesótransacomigo?Seucretino!HeleneMaxtêmrazão.Vocênãopassadeumcanalha.— Vamos esquecer quem está transando com quem, está certo? —

sugeriu Anthony, olhando para mim, com atenção.— O fato é que vocêainda tem de casar comigo para herdar o dinheiro. Não importa o queaconteceu.Sãoáguaspassadas,agora.Apenasdigasimepodemosdiscutiradivisãodebensdepois,estábem?—Divisãodebens?—Eunãopodiaacreditarnoquetinhaacabadode

ouvir.—Eunãovoudeixarvocêherdar tudo sozinha,nãoé?—Emseguida,

esboçouumsorriso.—Agora,pelaúltimavez,vamosvoltaraoaltareouvirJessdizersim.Umapalavra,Jess.Apenasumapalavra.Vocêconsegue.Então,respireifundoeoencarei.—Nunca—declarei,demaneirafirmeecalma.—Nememummilhão

deanos.—Issomesmo—confirmouMarcia.—Nememummilhãodeanos.—Vai,sim—retrucouAnthony, ignorando-a,comavoztensa.—Você

nãotemescolha.Temosmuitoaperdernessahistória,Jess.Enenhumdosdoisganharásevocêdesistir.Pensenisso.Pensemuitobem.—Estoupensandomuitobem.—Entãoajademaneirasensata.—Ah,masestouagindodemaneirasensata.Estoudesistindodecasar.

Sabedeumacoisa,Anthony,euachavaqueamoreromantismofossemumdesperdíciode tempo,umsinalde fraqueza.Masnãoénadadisso.Amorfalsoéqueéfraqueza.Casarporrazõeserradaséfraqueza.—Enganarosoutrostambém—completouMarcia.—Não—negouAnthonyemtomsarcástico.—Decepcionarosoutrosé

fraqueza.E,Marcia,caleaboca,estábem?E,Jess,vocêépatética.—Elanãoépatética—defendeu-meHelen,revoltada.—Elaapenasnão

amavocê.E,depoisdoqueouvi,estoualiviada.Felizporelanãocasarcomvocê.—Nada disso—disse Ivana, irritada.—Nada de casamento, nada de

dinheiro,nãoseesqueçadisso.—Chega, estou cheiodisso tudo. Seráquealguém,por favor, podeme

explicaroqueestáacontecendo?—ordenouMax,derepente.—EutinhaentendidoqueAnthonypretendiacasarcoma Jessporcausadodinheirodela.Masporqueelaprecisasecasar?—Nãopreciso.Pelomenos...Nãoquero.Nãomais.—Nãomais?—Maxmefitoueeuolheiparaele,constrangida.—Eu...— Grace, a senhorinha que era amiga de Jess, pensava que ela fosse

casadacomAnthony—explicouMarcia.—EntãodeixouaherançaparaaSra. Milton. Assim, Jess tinha de casar para tomar posse da herança —acrescentou,lançando-meumsorriso,queignorei.OsolhosdeMaxsearregalaram.—MasporqueelaachavaqueJesseracasadacomAnthony?Sentiosanguesumirdorosto.—PorqueelacontouaGracequehaviacasadocomele,simplesassim—

disseMarciacomumsuspiro,comosefossedoconhecimentodetodos.—Acorda,Max.—Mas...mas... isso é ridículo—disse ele, estupefato.—Você não fez

isso, fez, Jess?— perguntou com ar de súplica, e lamentei, do fundo docoração,nãopoderjustificarminhaatitude,darumaexplicaçãoquenãomefizesseparecerumaperfeitaidiota.Masnãoconsegui.— Fiz — assumi, com ar de derrota. — Mas só porque Grace fazia

questãoqueeufossefeliz.Porqueoconceitodefelicidadeparaelaera...Nãoconseguicompletarafrase.Marciatinharazão.Eueraumaperfeita

idiota.— Bem, quer dizer que o dinheiro foi deixado para a Sra.Milton, e aí

você...—Elefranziuocenhoparaseconcentrar.—Eaívocêdecidiucasarcomeledeverdade?—perguntou,deolhosarregalados.—Ah,meuDeus.—Nesse instante,deuumpassoparatráseolhouparamim,depoisparaAnthony e para mim de novo, balançando a cabeça em sinal deperplexidade. — Toda aquela bobagem de ontem à noite, sobre fazer acoisaerradaparafazeracoisacerta...Penseiquevocêestivessefalandodealgoimportante.Maseraisso.Sobrecasarcomalguémpordinheiro.—Nãosejamoralista,Max—disseAnthony, impaciente.—Dinheiroé

umarazãoperfeitamenteválidaparasecasar,nãoé,Jess?—perguntoudeforma intencional. — Quatro milhões de libras. É muita grana para seignorar.— Tem razão— concordou Ivana, em voz alta.— Quatromilhões de

librasérazãomuitoválidadecasarrr.Digasimdeumavezedepoisvamosbeberrr.Eunãoconcordei.—Hmm,desculpe,pessoal—interrompeu-nosRoger,hesitante.—Mas

nãoseiseestouentendendoessahistória.Olheiparaele,suspireieexpliquei,comcalma:—Euherdeiumafortuna.SóqueGrace,amulherquedeixouaherança

paramim, achava que eu havia casado comAnthony. Então ela deixou aherançaparaJessicaMilton.ParaaSra.JessicaMilton.Rogeresfregouatestaeinsistiu,nervoso:—Aindaachoquenãoestouentendendomuitobem.QueméGrace?—Minhaamiga—sussurrei.—Eraminhaamiga.Elamorreu.— Sua amiga? — perguntou Anthony com desdém, antes de falar

devagar:—Graceeraminhamãe.Setemalguémquedeveficarcomacasadela,soueu,nãoJess.Todosficaramatônitos.—Elaera sua... suamãe?—perguntei, avoz tremendo.—Mas como?

Querdizer...oque...Vocênãotemmãe.Suamãemorreu.Vocêdissequeelahaviamorrido...EseusobrenomeéMilton.OdelaeraHampton...—Omeu tambémera—disseele, contraindoos lábios.—Atéelame

deixar sem um centavo, só porque penhorei alguns quadros dela paraconseguiralgumdinheiro.Depoisdisso,paramimeracomoseela tivessemesmomorrido.Atémudeidesobrenome,poismerecusavaaterqualquertipode ligação comela.Nemsabiaque ela tinhamorrido até ler sobreofuneral. E quando você disse que ia a um funeral, achei aquilo beminteressante.EMarciafaloucomseuamigo...—ODr.Taylor?—perguntei,semconseguirrespirardireito.—Issomesmo—confirmouele, fazendoquesimcomacabeça.—Ela

mecontouoconteúdodaconversaedecidimosdarumaforcinhaavocê.—Forcinha?—perguntei,indignada.—Issomesmo—disseele,agarrandomeubraçocomforça,mefazendo

estremecer.—Olha,estaéumasituaçãovantajosaparanósdois.Eprecisodessedinheiro. Senãopuserasmãosneleomais rápidopossível, vamostercredoresbatendonaporta.Émeudinheiro.Eusouodevidoherdeiro.Vamoslá,Jess,façaacoisacerta.Ésóiremfrenteepronto.—Eu...Nãoposso.Nãopossomaiscasarcomvocê.Masvouressarci-lo

pelosgastoscomocasamento.Voufazerumempréstimo...—Empréstimo?—Anthonybufou.—Jess,nãosãoapenasosgastoscom

ocasamentoqueestoudevendo.Tenhodívidasatéopescoço.

— A agência — disse Max em tom enérgico. — Está com dívidas,também?Anthonysuspirou.—Penseiqueficariatudobem.Quandominhamãemorreu...Penseique

eladeixaria tudoparamim.—Então sevirou, seguroumeusbraços comforça e insistiu, com a fala repleta de amargura:— Você tem que casarcomigo.Temquecasar.Vocêmedeveisso.— Ei, relaxa. Ela não parece disposta a dizer sim — disse Sean,

aproximando-seetentandoafastá-lodemim.—Desista,estábem?Deixe-aempaz.Anthonylevouumsusto,mesoltouesevirouparaSean.— Cacete, é você? O ex-namorado.— Então Anthony perguntou para

mim:—Vocêoconvidou?Vocêoconvidouparaonossocasamento?—Sim,eesseétodoomotivodoproblema.SenãofosseoSean,ascoisas

estariamótimas,nãoé,Anthony?—Aindaassim—disseAnthony,franzindoatestaemrespostaaomeu

sarcasmo.—Não tenhoque tolerar apresençadele.—Então se colocoudiantedeSeaneordenouemtomameaçador:—Saiadaqui.Saia,antesqueeuponhavocêparaforacomminhasprópriasmãos.Seanarqueouasobrancelha.—Quefoi,vaimebaterdenovo?—É.Talvez.Talvezeusó...—Elechegouacerraropunho,masantesque

pudessefazeralgumacoisa,Ivanalançou-sesobreele,jogando-oaochão,edeuváriossocosnoseurosto.—Ninguémbatenomeumarido—disseela, furiosa,comasunhasno

rostodeAnthony.—Ninguém.— Seu... marido? Mas ele é o ex-namorado da Jess... — Anthony

conseguiudizer,antesdeIvanaarranhá-lo.—Nãoénadadisso—confesseienquantoRogereMaxtentavamsepará-

los.—Eleé...eleapenasfingiusermeuex-namorado.Masnaverdadenãoé...—Outramentira—comentouMax em tomamargo, enquanto tentava

livrar Anthony das garras de Ivana. — Você gostaria de aproveitar aoportunidade para confessarmais alguma coisa? Seu nome verdadeiro éJessicaWild,ouissoéoutramentira?—Não.Querdizer, sim.Bem...—Euestavadesesperada.Masantesde

decidir qual seria amelhormaneira de explicar, o barulho de passosmedeixouparalisada.Quandolevanteiosolhos,sentiumfrionaespinha.—Desculpe interromper— disse o Dr. Taylor com ar preocupado.—

Gostaria de ter chegado antes,mas acabei indo parar na Escócia. Queriasaberseseriapossívelatrasaracerimôniaalgunsminutos.EuprecisofalarcomaSrta.JessicaWild,comurgência.Rogerolhouparaele,emseguidaparaMaxe,enfim,paramim.—Outroassunto?OuésobreGrace,também?—SobreGrace?—perguntouoDr.Taylor, intrigado.—Bem,acredito

quesim.—SuponhoqueosenhortambémqueiraimpediraJessdesecasarcom

essejovem?—perguntouRoger,hesitante,apontandoparaAnthony.ODr.Taylorficouconfuso.—Casarcomessejovem?Masesserapazégay.Não,queroimpedi-lade

casar com aquele homem— disse ele, apontando paraMax—, AnthonyMilton.—Eu souAnthonyMilton— retrucouAnthony, irritado.—E não sou

gay.—Não?—ODr.Taylorarregalouosolhos.—Temcerteza?Sabedeuma

coisa?Agoraolhandodeperto,achoqueconsigoverasemelhança.Équefoihátantotempo...AnthonyameaçouavançarsobreoDr.Taylor,porémMaxlogooconteve.— Desculpe interromper — disse Roger. — Mas devo supor que o

casamento está cancelado? Porque, nesse caso, acho melhor avisar aosconvidados.—Está.Está,sim—afirmei.—Sóumsegundo—pediuHelen,aoseaproximaresegurarminhamão.

—Jess,façaoquebementender.Masselembredeque,senãocasarcomele,nãovai receberaherança.Querdizer, sevocê casar,pelomenos ficacomcinquentaporcento.Jáéalgumacoisa,nãoé?— Não — respondi, trêmula. — Se eu não casar com ele, perderei o

dinheiro e a casa. Eu sei disso.Mas, se casar, vou perdermuitomais.—OlheiparaMax,queduranteumsegundomefitoucomatenção,mas logovirouorosto.—Paramimchega—disseele,irritado.—Vouembora.—Não!Nãová!Max,medeixeexplicar— implorei.—Max, só fiz isso

paraprotegeracasadeGrace.Eupenseique...Mas minhas palavras foram à toa; ele não me deu ouvidos. Apenas

continuouandandoigrejaafora.Pude sentir lágrimas brotarem em meus olhos e esfreguei o rosto,

perturbada.Estavatudoacabado.Enfim,medeicontadequeestavatudoacabado.EntãomedirigiaoDr.Taylor.

—AchoquenãopossoreceberaherançadeGrace.Eladeixouseusbensparaalguémque julgavaserdeconfiança,quecuidariadapropriedade,eprovei que não sou essa pessoa. Portanto— acrescentei, com um nó nagarganta —, acho que não vou conseguir preencher devidamente osdocumentos.Comoosenhorpodever,eunãosouaSra.Milton.Nuncafui.Nuncaserei.DecepcioneiGrace.Esintomuitoporisso.ODr.Taylorbalançouacabeça,emsinaldedesaprovação—Ah,meuDeus!Eusabiaqueissonãodariacerto.Eusabia...—Claroquesabia—assenti,comavozembargada.—Osenhorsempre

desconfiou, não é? Nossa, como fui idiota. Fui uma perfeita idiota... —acrescentei, deixando a cabeça tombar entre asmãos, enquanto lágrimascomeçavamarolarpormeurosto.—Issotudoéculpaminha.Tudoculpaminha.Esintomuito.Sintomuitomesmo.—Para falaraverdade—disseoDr.Taylor,hesitante—,eunãoacho

quesejaculpasua,Srta.Wild.FaleiaGracequeeraumamáideia,maselanãomedeuouvidos.Elaadoravaelaborarseusprópriosplanos,entende?Adoravainterferir...

Capítulo32

Precisei de alguns segundospara registrar o que oDr. Taylor havia dito.Então,aospoucos,levanteiacabeçaelimpeiaslágrimascomasmãos.—Grace?Oqueosenhorquerdizer?—perguntei.—Querodizerquetiveasensaçãodequeissonãoacabariabem.Tentei

avisaraLadyHampton,maselanãoligou.—Avisá-la doquê?— indagouHelen, franzindoo cenho.—Oque ela

nãoligou?—Elanão ligouparaobomsenso—respondeuele,olhandoaoredor,

devagar.—Osenhorgostariadesesentar?—Ofereci-lheminhacadeira.Eleaceitouagradecido.—Obrigado.Eu... sevocênãose importa.Sim,achoqueseriaumaboa

ideia.Eucreio...Elesentou-se, inclinou-separaa frenteemeolhoucomumaexpressão

séria.—Quandovocê falou sobreAnthonyMiltonpelaprimeira vez, elanão

conseguiusecontrolar—explicou.—Nãotinhanotíciasdelehaviamuitosanos,ederepenteviuumaoportunidadedesabertudosobreavidadele.Euoencareisementenderoqueeledizia.—Osenhorestádizendoqueeleédefatofilhodela?ODr.Taylorfezquesimcomacabeça,umolhartristenorosto.— Portanto, o senhor está afirmando que... a amizade entre mim e a

Graceetudomaisnãopassou...deumardilparaqueelapudesseficarapardetudosobreAnthony?—perguntei,atônita.—Não. Pode ter sido assim no início,mas não depois. Ela gostava de

você.Adoravavocê,dissoeunãotenhodúvida.Mas,noinício,elatambémestavamuitocuriosa.E,então, começoua ter ideias.Fazerplanos.Planosdosquais,euacho,vocêacabousedeixandoenvolver.—Planos?Nãoestouentendendo.—Nemeu—disseAnthony,irritado.—Doqueéquevocêestáfalando?ODr.Taylorlevantouumasobrancelha.—Poisé—comentou,olhandoAnthonydecimaabaixo.—Agoraposso

veroqueGracequeriadizerquandofalavadevocê.—Entãosevirouparamim,denovo.—Elaachavaquesevocêsdoisficassemjuntos,você, Jess,seriaumainfluênciapositivanavidadele,capazdeacabarcomoseumaucomportamento.Eficouobcecadaporessaideia.—Anthonyeeu?O Dr. Taylor fez que sim com a cabeça mais uma vez, e tentei

compreenderoqueescutava.—Equandoelaachouquetínhamoscasado...?ODr.Taylorsorriu.—Acho que ela sabia que vocês não tinham casado. Afinal, o Anthony

quevocêdescreveueramuitodiferentedoAnthonyqueelaconhecia.Elamepediupara...verificar.Eeufizisso.Engoliemseco.—Edescobriu...— Que você não havia casado? Sim, descobri. Mas Grace não se

incomodou.Elaencarouasituaçãocomoumgrandedesafioromântico,noqualelapoderiadesempenharopapeldecupido.—Querdizerqueelasabia?—indagueicomavozquase inaudível.—

Elasabiaqueeratudomentira?— Não exatamente mentira. Sonhos, como ela preferia chamar —

corrigiuele,comsuavidade.—Sonhosqueelaesperavaquesetornassemrealidade, com uma... ajudinha. Era o sonho dela também, entende? Quevocêe...quevocêsdoispudessemserfelizesjuntos.— Quer dizer que ela deixou a herança para Jess para me obrigar a

casar?—perguntouAnthony,perplexo,esboçandoumsorriso.—Otempotodoelaquisqueeuficassecomaherança?— Não. Ela deixou claro que a Srta. Wild deveria herdar os bens —

esclareceu oDr. Taylor, lançando um olhar de repreensão a Anthony.—Mas supôs que ela estivesse apaixonada por você. E queria que vocêsfossem felizes.E tinhaaesperançadeque, soba influênciadaSrta.Wild,você...vocêpudessemudar.—Émesmo?Poisnãoéassimquevejoascoisas.Oucomoumtribunal

verá—disseAnthony comdesdém.—Aherança foi deixadapara a Sra.Milton.Porisso,qualquermulherquecasarcomigoherdaráosbens,certo?Euvoudesafiarotestamentoevouganhar.— Você pode ficar com o dinheiro — anunciei, sentindo os ombros

pesados.—Nãooquero.Nãoomereço.—Ah,masclaroquemerece.ASra.Hamptonqueriaquevocêfossesua

herdeira—disseoDr.Taylordeformagentil.

—Mas...maseunãosouJessicaMilton—retruquei,hesitante.—EnãoestouapaixonadapelofilhodaGrace.—Não,tudobem.Eporissoháumacláusulanotestamentoqueafirma

que,seJessicaMiltonfor,narealidade,aindaJessicaWild,entãoodinheiro,assim como a propriedade, devem ser passados para ela, de qualquermaneira.— Mas isso é um absurdo! Isso é vingança — vociferou Anthony

dirigindo-seaoDr.Taylor.—Vocêpodemeculparportentarreceberoqueerameu antecipadamente? Eu sabia que ela ia armar para cima demim.Aquelavaca.ODr.Taylorolhouparaelecomfrieza.—Hátambémumfundode2milhõesdelibrasquedeveráserpassado

para o filho, desde que ele não tente impugnar o testamento —acrescentou,calmo.— Dois milhões de libras?— perguntou Anthony, o rosto de repente

mudando de expressão. Seus olhos azuis voltaram a brilhar, e todos osindíciosderaivahaviamdesaparecido.—Doismilhõesdelibras.— Bem, por que você nãome disse antes?— perguntou, sorrindo.—

Poderíamosterevitadotudoisso.—Sim,poderíamos—afirmouoDr.Taylor,compaciência.—Masesse

nãoeraodesejodeGrace.ElagostariaquevocêcasassecomaSrta.Wild.Equesótomasseconhecimentodos2milhõesdepoisdacerimônia.—Certo. Entendi— concordou Anthony, sério.—Bem, isso é... isso é

muitointeressante.Afinal,quandopossopegarodinheiro?Precisoassinaralgumdocumento?ODr.Taylorcolocouamãonobolso,deonderetirouumcheque.— Você tem que assinar esse formulário— disse ele, entregando um

papel a Anthony, que o agarrou gananciosamente, assinou tudo e odevolveu. Então, o Dr. Taylor dobrou o papel, guardou-o no bolso eentregouochequeaAnthony.Ele pegou o cheque, na mesmo hora, enquanto eu ainda fitava o Dr.

Taylor,semconseguiracreditarnoqueacontecia.—Masporqueosenhornãomecontou?Osenhorafirmouqueelanão

tinhadeixadonadaparaafamília.Disseque...—EudisseoqueGracepediuqueeudissesse—interpôsoDr.Taylor,

desculpando-se. — Eu a aconselhei a não fazer isso. Implorei, mas elaestavaconvencidadequeseuplanoeravantajoso.Sobaperspectivadela,ouvocêdescobririaoamor,oualgumaoutracoisatãoimportantequanto.

—Eladisseisso?ODr.Taylorfezquesimcomacabeça.—Eissoaconteceu?—perguntouele,hesitante.—Vocêdescobriualgo?—Nãosei.Nãoseimesmo.—Descobriu,sim—interrompeu-nosHelen,derepente.—Afinal,não

se casoucomAnthony.Descobriuquenãopodia levaressa farsaadiante.Chegou à conclusão de que acredita de verdade no casamento comoinstituição,emsecasarpelasrazõescertasetudoomais...— Eu... Acho — comecei, indecisa — que ainda não sei se mereço a

herança.—Achoquevocênãomereciaépassarportodoessedramaqueminha

cliente tinha engendrado. Quanto à herança, creio que ela sabia o queestavafazendo.—Bom, issoé tudomuito interessante,masdevomesmo irembora—

disseAnthony,derepente.—Tenho2milhõesdelibrasparagastareumaluademelparaaproveitar.Marcia,gostariadefazerumaviagemparaosuldaFrança?Marcialhelançouumolharderepugnância.—Agoraesperaqueeuvácomvocê?—Estátudopago.Enãoestavafalandosérioantes.Sóestavabrincando.

Euteadoro.Vocêsabedisso,nãoé?—Eleestendeuamão,comosolhosbrilhando, demaneira sedutora;Marcia o observoupor alguns segundos,entãojogouocabeloparatrás.— Tudo bem — cedeu, tomando a mão dele. — Mas quero quartos

separados.Camasseparadas,pelomenos...—Tudooquevocêquiser.Jess,vejovocênoescritório,quandovoltar?Marciasorriu.—Ah,evocêpoderiaassumiroProjetoBolsanomeulugar?Prometia

Chesterque teriaalgunsmock-upsprontosnapróximasemana,masachoquenãovoutertempoparaisso.Fitei-aperplexa,emseguidaolheiparaAnthony.—Vocêachaquevoucontinuartrabalhandoparavocê?Achaquequero

terqualquercoisaavercomaMiltonAdvertising?—Francamente,paramimnãofazamenordiferença—respondeuele.

—Nemeuseisequero,agoraquesourico.Maxnãovaiseincomodar.Dêlembrançasaele,estábem?—Masequantoaosdocumentos?—perguntouoDr.Taylor,confuso.—

Vocêvaiassinarorestantedapapelada?—Claro—respondeuAnthonyenquantoseafastava,seguidodeMarcia.

—Envieparamim,naFrança.Rogercoçouacabeça.—Bem,creioqueémelhoreuexplicartudoaosconvidados—disseele,

nervoso,indoemdireçãoaoaltar.—Medesejemsorte.—Sim—disseoDr.Taylor,distraído.—Eutambémvouembora.OSr.

Miltonprecisa assinar... Eu... entrarei em contato, Srta.Wild. Entrarei emcontatoembreve.—Obrigada—falei,lentamente.—Muitoobrigada.Noinstanteemqueelesaiu,Helenmeabraçou.—Vocêconseguiu,Jess—disseela,sorrindo.—Vocêconseguiu!—É,achoquesim.—Edeveriaestarmaisalegre—acrescentou, intrigada.—Afinal,você

ficoucomodinheiroeacasa,enãotevenemquesecasarcomAnthony.—É.—Entãovamoscomemorar!OsolhosdeHelenbrilhavam,eesboceiumsorrisodesanimado.—Vávocê.Nosvemosdepois,estábem?—Porquê?—perguntouela,preocupada.—Vocêestábem,Jess?—Estou.Sóprecisoficarumtemposozinha.—Sozinha—repetiuela,comoseeuestivesselouca,entãodesistiu.—

Bem,seéoquevocêquer.AchoquevoucontaraFenellaoqueaconteceu—disse ela com um olharmalicioso. E pegou Ivana pelo braço.—Achomelhor vocês virem comigo, posso precisar de ajuda quando Fenelladescobrirqueocasamentofoicancelado.—Se forrr preciso, eu posso contê-la—disse Ivana, com a voz grave.

Então sevirouparamim.—Afinal, vocêvai ficarrr comodinheiro? Semcasarrr?—Achoquesim.—Muito inteligente—disseela, comumaexpressãodedeferência.—

Dinheirosemsexo.Gosteidaideia.— Entretanto, dinheiro com sexo é ainda melhor — observou Sean,

dandoumapiscadela.—Desdequesejacomapessoacerta.Ivanadeudeombros.—Talvez.—Emseguida,agarrouomaridoeobeijou.—Porvocê,eu

topariatransarrrenenhumdinheiro.Massóporvocê.—Obrigada—dirigi-meaosdois.—Obrigadaportudo...—Nenhumproblema—disseSean.—Foitudo...surreal.Eu os segui até a porta da igreja, mas, em vez de voltar ao hotel,

permaneciumtempinhodoladodefora.Haviaumapequenaáreagramada

à direita da entrada, onde resolvi ficar alguns minutos. Então, decidida,peguei a bolsa cremequeHelen tinhamedado comopresente de últimahoranaquelamanhã,tireiocelularedisqueiumnúmero.—Alô?—Soueu,Jess.—Jess?—Issomesmo.—Respireifundoeacrescentei:—Eu...bem,tenhouma

coisaadizerequeroquevocêpresteatenção,estábem?—Vocêestámedandoordens?Eumearmeidecoragemecontinuei:—Olha,eumecomporteidemaneiraterrível,imperdoável.Tãomal,que

achoquevocêdevemesmomeodiar.Mastenhoumacoisaaconfessar,esim,estoudandoordens,sevocênãoseimporta.—Émesmo,vocêsecomportoumuitomal.Eeumeimporto.Muito.Mas

vououviroquevocêtemadizer.Podefalar.Respireifundomaisumavez.Minhasmãosestavamtãosuadasquetive

medodedeixarotelefonecair.—Obrigada—eudisse,indecisa.—Bem,éoseguinte.—Hesiteiefechei

osolhos.Nãopodiaacreditarqueestava fazendomesmoaquilo.Masnãotinhanadamaisaperder.—Eugostodevocê,Max.Gostomuitodevocê.Sempre gostei. Desde que nos conhecemos. Sei que romance e amor sãocoisasilusóriaseperigosas,equesófazemvocêsofrer.Querdizer,eu.Soueu que... Ah, deixa para lá. O que importa é... Bem, eu só queria declararisso.Porqueachavaquenãoassumir,atémesmonãosentiralgoassim,erauma prova de determinação. Mas agora, acho que, provavelmente,determinaçãoé fazero completooposto.É se arriscar.Mesmoquepossadartudoerrado.Comoagora.Euestoucorrendooriscodedartudoerrado.—Errado?Vocêserefereaocasamento?Ouao“nãocasamento”,melhor

dizendo.Engoliemseco,envergonhada.— Isso, sim, acho que eu consideraria algo totalmente errado —

concordei.—VocêdisseaGracequetinhacasadocomAnthony.Avozdeleeraenigmática,impassível.—Foiumaidiotice,admito.Masnuncapensei...Querdizer,eunãosabia

queelamedeixariaseusbens.Eusóqueriaqueelaficassefeliz...—Masnãoécomissoqueestoupreocupado.— Não? — perguntei, curiosa. — Bem, eu sinto muito sobre todo o

resto...

—Eusótenhoumapergunta.—Qual?—Vocêiamesmocasar?Estavamesmodecididaalevarissoadiante?—

disse ele, com a voz um pouco mais suave. Apertei o telefone contra oouvido.—Não,bem,sim,mas...Euachavaquetinhaquefazerisso.PorGrace.E

depoispenseiqueelequisessemesmo...—Masvocênãoconseguiuiratéofim?— Não. Não consegui. Eu não acreditava no casamento como uma

instituição, mas não penso mais assim. Eu considero algo importante,quandoéverdadeiro.Quandosignificaalgumacoisa.—Entendo.—Etudonãopassoudeumaarmação.—Suspirei.—Gracetinhatudo

planejado...—Eusei.—Sabe?Como?—Euescuteitudo,naigreja.—Vocêestavalá?—Aindaestou.—Nessemomento,sentialguémaomeulado;então,me

vireidevagaredeidecaracomMax.—Foramduasciladas,narealidade,sevocêpensarbem—acrescentouele.—PrimeiroadeGraceedepoisadeAnthony.Ambosarmaramparacimadevocê.Euconcordei,desolada.— Duas ciladas. — Senti o rosto ruborizar e minhas mãos úmidas

fizeramotelefoneescorregar.— Sabe de uma coisa? Cair numa dessas uma vez, bem, é quase

compreensível.Masduasvezes?Eleestavatãopertodemim,queeupodiasentirsuarespiração.Masserá

queelemeodiava?Seráquemeachavaidiota?Eunãofaziaamenorideia.—Afinal, qual é a pergunta que você ia fazer?— indaguei, com a voz

embargada.—Ah,apergunta.Sim,tenhomesmoumapergunta.—Oqueé?Eleseafastouumpouco.—PorqueAnthony?PorquevocêdisseaGracequeestavaapaixonada

porAnthony?Engoliemseco.— Porque não era verdade. Porque, na minha mente, isso tornava a

históriaaindamais ridícula,mais fácilde sercontada,poiseraóbvioque

erafictícia.— Quer dizer que você não estava apaixonada por ele? Nem um

pouquinho?—Nemumpouquinho—respondi,minhavoztremendoumpouco.—Ah,sim—disseele,pensativo.—Nemquandopensouqueeleestava

apaixonadoporvocê?— Não. Eu sabia que ele nunca tinha sido apaixonado por mim. Eu

achavaqueeleestivesseapaixonadopelaJessicaWiiild,agarotadecabelobrilhante, que usava salto alto e tinha um ex-namorado chamado Sean.Nossa!Malpossoacreditarquetenhasidotãoboba.—Nãoachoquevocêtenhasidoboba.Elepoderiaperfeitamenteterse

apaixonadoporvocê.—Pormim?Não—comentei,semjeito.—Eunãosouotipodele.Enem

eleéomeu.—Eeusou?—Não— respondi, e logo tentei esclarecer.— Eu não tenho um tipo

definido.Euapenasgostodevocê.—Eunãosoufalso.Nossosolhosseencontrarameeusentiquemeucorpoestavafervendo.—Comcerteza,não.—Evocêgostamesmodemim?Confirmeicomumgestodecabeça.—Mastudobem,sevocênão...Querdizer,ontemànoitevocêdisseque

nãopoderia...Tudobem...— Ontem à noite você não me deixou terminar de falar. Você estava

ocupadademaismedizendoqueiriacasarnodiaseguinte.—Eu...eunãodeixeivocêterminardefalar?—perguntei,prendendoa

respiração.—Não. Eu ia dizer que não podia acreditar que você ia se casar com

aqueleidiota.Euiadizerquenãopodiaaguentarvervocêentrarnaigrejanodiaseguinte.—Eraisso?—Meusolhossearregalaram.—Jura?Eleabraçouminhacintura.—Juro.—Entãovocêgostademim?Elefezquesimcomacabeça.—Mas você soube fingirmuito bem estar apaixonada porAnthony—

disseeledeformamaldosa.—Eujáexpliquei,foisó...umprojeto—tenteijustificar,constrangida.

— Não estou me referindo ao projeto. Antes disso. Pensei que vocêestivesseapaixonadaporeledesdequecomeçouatrabalharnaagência.—Émesmo?—Todomundo achava isso. Você atravessou uma porta de vidro logo

depoisdaentrevista.—Aparede...—Perdio fôlego.—Foiporsuacausa,nãoporcausade

Anthony.—Minha?—Vocêsorriuparamim.—Eu?Confirmeicomacabeça,tímida.—Assim?—Elesorriu,comosolhosbrilhando,emepuxouparaperto

desi.— Assim mesmo. — Naquele momento, me senti sem ar, como se o

mundogirasseemslowmotion.—Bem,vamosverseentendidireito:vocêgostademim,ésolteiraerica.Atéeumeespanteiaopercebertudoaquilo.—É,achoquesim.Maxficoucomumarpensativo.—Nessecaso,talvezvocêpossaaceitarjantarcomigo.Vocêpagaaconta.—Jantar?—Talvez queira trocar de roupa primeiro, é claro.Mas sim, jantar. Se

vocêestiverlivre.Meus olhos se iluminaram. Aliás, meu corpo inteiro parecia estar

radiante.—Eu...achoqueprecisoverificarminhaagenda—respondi,sempressa.—Eujáconsulteisuaagenda—falouele,comavozrouca.—Tinhaalgo

programado para hoje, tipo um casamento, mas acho que não era nadaimportante,certo?Seusbraçosmeenvolviameconcordeicomacabeça,feliz.—Casamento?—Conseguidizer,antesdeseus lábiosseaproximarem

dosmeus.—Claroquenão.Sabe,Max,hácoisasmaisimportantesdoquesecasar.Comoeuestavatentandodizer,pensandobem,casarnãoémesmoomaisimportante.

FIM