1 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
O Dever de OPA no Quadro das Transmissões Intra-grupo
Carlos Osório de Castro
1. O Problema
No passado recente foram publicados artigos,
da autoria de Menezes Cordeiro1, de Ana
Perestrelo de Oliveira2 e de Carlos
Ferreira de Almeida3, relativos à problemáti-
ca do surgimento de um dever de OPA em cer-
tas hipóteses de circulação do controlo no inte-
rior de um grupo societário, os dois primeiros
sustentando, e o terceiro negando, a existência
de um tal dever.
Esses artigos baseiam-se nos pareceres pedidos
àqueles ilustres autores4 no quadro de um litígio
judicial decorrente da situação seguinte: uma
pessoa singular, que detinha o domínio indirec-
to de uma sociedade cotada (sociedade X),
transferiu a integralidade da sua participação
maioritária na sociedade intermédia (sociedade
Y) para uma outra sociedade também sob
o seu controlo (sociedade Z), introduzindo
por conseguinte um patamar adicional na cadeia
de domínio.
1- OPAs obrigatórias: pressupostos e consequências da sua não-realização, Revista de Direito das Sociedades, 2011, n.º 4, p. 927 e segs. 2- OPA obrigatória e controlo indireto, Revista de Direito das Sociedades, 2012, n.º 3, págs. 593 e segs.. 3- OPA obrigatória no direito português. Pressupostos do dever e efeitos civis do incumprimento, disponível em http://www.institutovaloresmobiliarios.pt/estudos/pdfs/1378738637opa_obrigatória_no_direito_português_cfa.pdf. 4- Além destes, foram juntos aos autos mais três pareceres pugnando pela existência do dever (da autoria de Engrácia Antunes, Paulo Câmara e Pedro Romano), e um quarto em sentido contrário (subscrito por Paulo Mota Pinto) — todos, ao que julgamos, ainda inéditos.
2 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
Pretendiam os autores na referida acção judicial
que, em resultado disto, a sociedade Z teria in-
corrido no dever de lançar uma oferta pública
de aquisição das acções pertencentes aos sócios
da sociedade X , por preço igual à cotação mé-
dia ponderada de tais valores nos seis meses
anteriores, implicando um investimento de vá-
rias dezenas de milhões de euros.
É que, segundo alegavam, nos termos do art.
187.º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários
("CVM")5, esse dever é imposto sobre todo
aquele cuja participação em sociedade aberta,
ultrapasse, directamente ou nos termos do n.º 1
do artigo 20.º, um terço ou metade dos direitos
de voto correspondentes ao capital social, sendo
certo que, na situação sub judice, não era preen-
chida nenhuma das hipóteses de "derrogação do
dever de lançamento" previstas no art. 189.º do
CVM, e que a Comissão do Mercado de Valo-
res Mobiliários não tem hoje em dia competên-
cia para dispensar o cumprimento do dever, ao
contrário do que sucedia no domínio do anterior
Código do Mercado de Valores Mobiliários
(“CodMVM”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º
142-A/91, de 10 de Abril.
Mas esta posição afigura-se-nos completamente
insubsistente: devidamente interpretado o art.
187.º, n.º 1, do CVM — à luz, designadamente,
da teleologia que lhe é ínsita, das garantias
constitucionais da autonomia e da propriedade
privadas, das prescrições do direito comunitário
e do sistema de imputação de votos entre enti-
dades em relação de domínio consagrado pelo
CVM — temos por seguro, ressalvado o respei-
to devido aos paladinos da posição contrária,
que desse preceito não decorre um dever de
OPA na situação examinada.
A própria CMVM o reconheceu por diversas
vezes de forma inequívoca, salientando numa
dessas ocasiões ser tal entendimento "o domi-
nante no mercado de capitais e o corresponden-
te à actuação anterior da CMVM em casos si-
milares e já na vigência do Código de Valores
Mobiliários", sem que essa actuação anterior
tivesse sido alguma vez contrariada por quem
Pessoa singular
Sociedade Y
Sociedade X
Situação anterior à constituição
da Sociedade Z
Situação posterior à constituição
da Sociedade Z
Sociedade X
Pessoa singular
Sociedade Z
Sociedade Y
>50%
>50%
>99.9%
>50%
>50%
5- Pertencem ao CVM os preceitos doravante citados sem indicação de fonte.
Graficamente:
3 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
quer que seja.
2. Sinopse
Seguidamente apresentamos um brevíssimo
resumo das razões pelas quais entendemos que
a transmissão intra-grupo de uma participação
de controlo não constitui a sociedade adquirente
num dever de OPA.
Mostrar-se-á que o art. 20.º, n.º 1, al. b), do
CVM, consagra uma imputação (i) dos votos
detidos por uma entidade, singular ou colectiva,
às sociedades dela dependentes, ii) dos votos
detidos por uma sociedade à entidade que a do-
mine, (iii) dos votos detidos por uma sociedade
a outras sociedades que sejam também depen-
dentes da entidade que a domine.
Uma imputação nesses termos já era, aliás,
prescrita pelo anterior CodMVM, sendo certo
que viria mais tarde a ser imposta aos Estados-
Membros pelo direito comunitário: a Directiva
2004/25/CE (doravante amiúde apenas
"Directiva") obriga a que, para efeitos de obri-
gatoriedade de OPA, se contem os votos ineren-
tes a acções detidas por pessoas que actuem em
concertação com o "oferente" (art. 5.º, n.º 1) e
impõe, ademais, que as pessoas controladas por
outra pessoa sejam consideradas como agindo
em concertação com essa pessoa e entre si (art.
2.º, n.º 2).
Nas alterações introduzidas ao CVM pelo
Dec.-Lei n.º 219/2006, de 2 de Novembro, que
procedeu à adaptação do nosso direito à Directi-
va, usa-se a expressão "pessoas que com o ofe-
rente estejam em alguma das situações do n.º 1
do art. 20.º" como compreendendo todas as
"pessoas que actuem em concertação com o
oferente" na acepção da Directiva, coisa que só
pode implicar uma leitura da referência às enti-
dades ligadas por um relação de domínio ou de
grupo constante da al. b) do n.º 1, do art. 20.º,
que atribua relevância tanto ao sentido ascen-
dente como ao sentido descendente.
Como a mera alteração de título de imputa-
ção jamais gera dever de OPA (se os votos
que são imputáveis a um novo título já o eram
a um outro, nunca pode, por definição, decor-
rer daí a ultrapassagem de um dos limiares de
obrigatoriedade de OPA — não há modifica-
ção do número de votos imputáveis), esta in-
terpretação do art. 20.º, n.º 1, al. b), implica
a total inocuidade, para efeitos de obrigatori-
edade de OPA, tanto das transmissões de
acções por parte de uma sociedade para a
pessoa (singular ou colectiva) que a domine,
como desta última para a primeira, qualquer
que seja a percentagem do capital da socie-
dade aberta representada pelas acções em
causa.
Daí que uma cláusula derrogatória do dever de
OPA no caso de transmissões intra-grupo não
tenha verdadeiro conteúdo útil e só possa expli-
car-se pelo propósito de prevenir dúvidas, ainda
que injustificadas.
Por outro lado, o problema em apreço coloca-se
nos mesmos termos sempre que o accionista de
controlo de uma sociedade cotada adquire o
domínio de uma qualquer outra sociedade (por
isso que sempre serão atribuídos a esta última
os direitos de voto na sociedade cotada imputá-
veis a tal accionista).
A questão de uma eventual obrigatoriedade de
OPA decorrente da circunstância de os votos já
detidos por uma certa entidade passarem a ser
imputados a uma sociedade que ela domine,
coloca-se, portanto, não no momento de uma
eventual transmissão de valores da primeira
para a segunda, mas no próprio momento em
que a relação de domínio entre ambas se
constitui, seja ou não a (nova) sociedade
dependente titular de acções da sociedade
aberta.
Seria absurdo, porém, que o legislador pudesse
ter querido impor OPAs em todos os casos em
que a um "grupo" é adicionada uma sociedade
dependente, seja esta constituída de raiz ou
4 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
adquirida a terceiros (e independentemente de
ela ter ou não acções da sociedade visada ou de
se situar num qualquer patamar intermédio en-
tre as sociedades detentoras dessas acções e a
entidade cabeça do grupo).
A lei reconhece, ao invés, uma espécie de
controlo pelo grupo: "o controlo pertence ao
grupo na configuração que tem em cada mo-
mento" com o que a inclusão adicional de soci-
edades não conduz a uma aquisição do controlo
e não obriga a OPA. Este parece ser realmente
o caminho indicado. Qualquer entidade e as
diversas sociedades que a mesma em cada
momento domine, directa ou indirectamente,
devem ser encaradas como constitutivas de
um organismo cuja identidade se mantém
enquanto for a mesma a entidade controla-
dora, não sendo afectada por alterações
ocorridas ao nível das suas células componen-
tes.
Esta leitura encontra apoio no art. 17.º, n.º 3 (o
dever de divulgação de participação qualificada
pode ser cumprido por qualquer uma das socie-
dades com as quais a sociedade participada se
encontre em relação de domínio ou de grupo),
e, sobretudo, no art. 16.º, n.º 4, que impõe que a
comunicação de aquisição ou alienação de par-
ticipação qualificada inclua “a identificação de
toda a cadeia de entidades a quem a participa-
ção qualificada é imputada nos termos do n.º 1
do artigo 20.º”, na medida em que tais preceitos
dão conforto à ideia de que o legislador olha
para as entidades em relação de domínio ou de
grupo como um conjunto, e cuida sempre de
que haja informação sobre quem ocupa o lugar
de topo na cascata de controlo, na medida em
que esse é que é o dado relevante ou crítico pa-
ra os investidores.
E, na verdade, ao longo de mais de 20 anos
nunca a ninguém ocorreu clamar por OPAs em
cada ocasião em que uma sociedade passou
a ser dependente, directa ou indirectamente, de
pessoa que detivesse mais de 50% dos votos
em sociedade aberta. Ora o valor da segurança
jurídica (que em matér ia mobiliár ia assume
particular acuidade) postula que os destinatários
de uma norma possam confiar em que os tribu-
nais a aplicarão com o sentido que generaliza-
damente lhe seja atribuído.
Como quer que seja, mesmo que a imputação
funcionasse apenas em sentido descendente,
não teria surgido qualquer dever de OPA no
caso vertente. Restruturações no seio de um
grupo não podem desencadear um dever de
lançamento de OPA, na medida em que pressu-
posto desse dever é que surja um “potencial
de influência que anteriormente não existisse”
— assim o impõem razões jurídico-
constitucionais e o próprio direito comunitá-
rio; e “isso não é o que se passa nos negócios
entre um accionista e aquelas pessoas cujos
votos lhe sejam imputáveis (ou aliás também
entre tais pessoas)”, não havendo “nenhum
interesse digno de tutela dos accionistas exter-
nos em que lhes seja feita uma (nova) oferta
obrigatória”.
A exigência de uma "absoluta neutralidade da
modificação intragrupo do controlo" (para que
não exista dever de OPA é totalmente vazia de
sentido, pois há inúmeros casos que não benefi-
ciam de uma "derrogação" e em que não é obri-
gatória a OPA, apesar de ocorrerem alterações
verificadas ao nível do controlo do ponto de
vista material (por força, designadamente, de
modificações dos títulos a que os votos são im-
putáveis a determinado participante).
O interesse dos minoritários não é o único que
está em jogo no instituto das OPAs obrigató-
rias. A sua protecção tem de manter-se dentro
de limites razoáveis e não pode ir ao ponto de
sacrificar a liberdade do accionista de controlo
de movimentar a sua participação no interior do
seu grupo empresarial; enquanto se mantiver a
cúpula do grupo, os accionistas continuarão
a confrontar-se com a mesma situação de
domínio, em termos substanciais.
5 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
Por força dessa liberdade, os sócios minoritá-
rios sabem que, cessada a relação de domínio
entre a pessoa controladora e a sociedade que
seja a titular directa da participação, apenas se
tornará obrigatória uma OPA se e quando essa
sociedade vier a tornar-se dependente de ou-
tra ou outras entidades. Assim o reconhece
nomeadamente a doutrina alemã: a empresa-
filha não fica obrigada a OPA no momento em
que cessa a relação de dependência e em que
pela primeira vez ela pode exercer de modo
independente o seu controlo directo sobre a so-
ciedade visada.
3. A ultrapassagem de um dos limiares
relevantes como facto determinante
do dever de OPA (a irrelevância
da alteração do título de imputação)
Nos termos do art. 187.º, n.º 1, do CVM, o de-
ver de OPA advém de a participação em socie-
dade aberta ultrapassar, “directamente ou nos
termos do n.º 1 do artigo 20.º, um terço ou me-
tade dos direitos de voto".
Vem daqui que quem já se encontre acima do
patamar dos 50% dos votos6 não incorre no
dever de OPA enquanto a sua participação
assim se mantiver, independentemente de
todas e quaisquer modificações que possam
ocorrer relativamente ao(s) título(s) a que os
votos lhe são imputáveis.
É o que sucede, por ex., quando uma sociedade
adquire acções a um dos seus administradores
(os votos em causa deixam de ser-lhe imputa-
dos nos termos do art. 20.º, n.º 1, al. d), para
passarem a sê-lo nos termos do corpo do arti-
go), ou quando uma sociedade dela dependente
aliena acções a um terceiro que as detém por
sua conta (os direitos de voto em causa deixam
de ser imputados à sociedade dominante sim-
plesmente nos termos da al. b) do n.º 1 do art.
20.º, para passarem a sê-lo nos termos conjuga-
dos dessa alínea e das als. i) e a)7).
No ensinamento de Christoph von Bülow, no
âmbito do direito alemão:
“Em todos estes casos mantém-se inalterado o
montante absoluto da percentagem de direitos
de voto do titular do controlo. Por isso mesmo
estas operações tão pouco conduzem a uma
(renovada) obtenção do controlo sobre a socie-
dade visada. Se em consequência da alteração,
a influência de facto do titular do controlo
aumenta ou não, é irrelevante. O que conta é,
apenas, que o montante da percentagem de
direitos de voto do titular do controlo na socie-
dade visada se mantém inalterado”8
(sublinhado nosso).
Particularmente impressivos são alguns dos
exemplos figurados por Thomas Libscher9.
Este autor, depois de explicar outrossim que
o dever de OPA, segundo o texto e o telos da
lei, depende de uma mudança de controlo
(entendido “controlo” como a detenção, directa
e/ou por via do jogo das regras de imputação,
de votos em percentagem igual ou superior a
30%), e que alterações do título de imputação
são irrelevantes para o efeito (“decisivo é se o
sujeito da imputação, ou seja, a pessoa em con-
creto relativamente à qual se coloca a questão
do dever de OPA, já anteriormente à operação
6- Brevitatis causa ao aludirmos a percentagens de direitos de voto omitiremos frequentemente a referência a que se trata dos "direitos de voto correspondentes ao capital social de determinada sociedade aberta"; pela mesma razão usaremos o termo "votos" como sinónimo de "direitos de voto". 7- Como os direitos de voto continuam a ser imputados à sociedade dependente (agora nos termos da al. a)), a imputação à sociedade continua também a manter-se, já que, por força da als. i) e b), são imputados à sociedade dominante todos os votos que sejam imputados à dependente (e não apenas os votos inerentes às acções de que a sociedade dependente seja detentora). 8- Kölner Kommentar zum Aktiengesetz, anotação 92 ao § 35 da WpÜG (sublinhado nosso). No mesmo sentido veja-se Hommelhoff/Witt, in Frankfurter Kommentar zum Werpapiererwerbs- und Übernahmegesetz, 3.ª edição, 2008, anotação 51 ao § 35, e os autores citados na nota 78, bem como, finalmente, Steinmeyer, WpÜG - Kommentar, de Steinmeyer/Häger, 2.ª edição, anotação 29 ao § 35 ("aquele que já tiver o controlo no sentido do § 29, II, não poderá mais adquirir o controlo da sociedade visada"). 9- Die Zurechnungstatbestände des WpHG und WpÜG, in ZIP – Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 2002, págs. 1014 e segs.
6 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
detinha uma posição de controlo, directa ou
indirecta, ou se não era este o caso e essa
pessoa cai pela primeira vez no âmbito de apli-
cação dos §§ 35 e segs”), ilustra o ponto com
os casos em que:
a) as acções representativas de 30% ou de mais
de 30% dos votos, na sequência da dissolu-
ção da sociedade holding que as detinha, são
distribuídas aos accionistas co-controlantes
da mesma holding, independentemente de
essa distribuição se fazer ou não na pro-
porção das suas participações na mesma
(não havendo dever de OPA inclusive na
hipótese de todas as acções detidas pela hol-
ding serem atribuídas a apenas um dos seus
accionistas);
b) é alterado o conteúdo de acordo parassocial
que, já antes dessa modificação, provocava a
imputação de pelo menos 30% dos votos a
cada um dos seus diversos intervenientes;
c) pessoas que se limitavam a agir de modo
concertado relativamente a 30% ou mais de
30% dos votos optam por outorgar um acor-
do parassocial.
Concretizando um pouco mais.
Quanto à al. a). Suponha-se que a sociedade
detentora de mais de 50% dos direitos de voto
inerentes ao capital social de uma sociedade
cotada tem apenas 2 accionistas, cada um com
50% do capital e ambos titulares de um contro-
lo conjunto sobre a sociedade cotada, por força
de um acordo parassocial. Dissolvendo-se a
sociedade dominante, não surgirá dever de OPA
sobre a sociedade cotada mesmo que a totali-
dade da participação nesta seja atribuída na
partilha a apenas um desses accionistas (ao
accionista em causa passam a ser imputados os
direitos de voto correspondentes a essa partici-
pação nos termos do proémio do art. 20.º, n.º 1;
mas não há ultrapassagem dos 50%, porquanto
a mesma quantidade de votos já lhe era anteri-
ormente imputada, em conformidade com o art.
20.º, n.º 1, al. b)).
Quanto à alínea b). Admita-se que 3 accionistas
de uma sociedade cotada, um (A) titular de uma
participação de 30% dos votos, outro (B) de
uma participação de 15% e outro (C) de uma
participação de 6%, são partes num acordo que
os obriga a votar nas assembleias gerais de uma
sociedade cotada em consonância com o senti-
do fixado em votação realizada anteriormente
no quadro do sindicato, pertencendo nessa vota-
ção um voto a cada um dos contraentes. Se o
acordo for alterado por maneira que a votação
no interior do sindicato se não faça por cabeça
mas em razão da participação na sociedade co-
tada detida por cada um dos contraentes, tão
pouco surgirá dever de OPA, apesar de A se
assenhorear de uma influência muito superior à
que possuía até então (neste caso a cada um dos
três accionistas continuarão a ser imputados
51% dos votos, tanto antes como depois da alte-
ração, nos termos da mesma alínea, a saber, da
al. c) do n.º 1 do art. 20.º). E as coisas não se
alteram se, subsequentemente, A alienar 25% a
C, embora isso tenha como efeito tornar C no
líder do sindicato.
Estas considerações são plenamente válidas no
nosso direito. Quem detiver o domínio formal
— entendido aqui, para simplificar, como a de-
tenção de votos superior a 50% “directamente"
ou “nos termos do n.º 1 do artigo 20.º" em per-
centagem superior a 50% — nunca fica obri-
gado a lançar uma OPA, por mais radicais
que sejam as alterações verificadas ao nível
desse controlo do ponto de vista material;
partindo-se de uma participação superior a
50% não se pode, por definição, ultrapassar
essa percentagem10. Isto mostra, só por si,
quão falha de sentido é a tese da "absoluta
10- Nos termos do art. 1.º, al. c), Regulamento n.º 5/2008 da CMVM (a exemplo do que constava anteriormente do art. 2.º, n.º 1, al. d), do Regulamento da CMVM n.º 4/2004), a alteração do título de imputação deve simplesmente ser objecto de divulgação pública.
7 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
neutralidade da modificação intragrupo do
controlo" (Ana Perestrelo de Oliveira):
como se acaba de demonstrar, a modificação
objectiva do controlo é completamente
irrelevante para efeitos do surgimento de
uma obrigação de OPA11.
4. A circulação de votos no seio
de entidades ligadas por uma relação
de domínio no direito comparado
A generalidade dos países da União Europeia,
por uma via ou por outra, não impõe um dever
de OPA nas hipóteses em que uma participa-
ção de controlo circula no interior de um
mesmo grupo societário. Seguidamente ana-
lisar-se-ão os exemplos italiano, alemão, espa-
nhol e francês.
4.1 O exemplo italiano
O art. 106.º, parágrafo 1, do Testo Unico della
Finanza12, estatui que "aquele que, na sequên-
cia de uma aquisição, venha a deter uma parti-
cipação superior ao limiar de 30% promove
uma oferta pública de aquisição [geral]".
No n.º 5 do mesmo artigo acrescentava-se:
"A Consob13 estabelece em regulamento os ca-
sos em que a ultrapassagem da participação
referida no n.º 1 (...) não acarreta obrigação de
oferta se for realizada entre pessoas que dete-
nham o controlo ou resultar da (…)
c) transferência de títulos (...) entre sujeitos
ligados por relevantes relações de participa-
ção".
Em conformidade, o Regolamento di Attuazio-
ne del Decreto Legislativo 24 Febbraio 1998,
n. 58, concernente la disciplina degli Emittenti
prescreve, no seu art. 49, parágrafo 1, al. c),
que não há obrigação de oferta "se a participa-
ção for transferida entre sociedades em que o
mesmo ou os mesmo sujeitos disponham, ainda
que conjuntamente e/ou indirectamente, atra-
vés de sociedade controlada no sentido do
art. 2359, parágrafo 1, número 1, do Código
Civil14, da maioria dos direitos de voto exercí-
veis em assembleia ordinária, ou seja transferi-
da entre uma dessas sociedades e aqueles su-
jeitos".
Pois bem. Como bem observa Ana Perestrelo
de Oliveira15, na Comunicazione n. DE-
M/2009909 de 13-2-2002, a Consob esclarece
que a isenção se aplica "a 2 tipologias de opera-
ções intragrupo:
a) uma em que a transferência da participação
relevante, directa ou indirecta, na sociedade
cotada tem lugar horizontalmente entre so-
ciedades controladas de direito16, ainda que
indirectamente, pelo mesmo, ou, conjunta-
mente, pelos mesmos sujeitos de direito
(entre sociedades "irmãs");
b) outra em que a transferência tem lugar em
sentido vertical, entre sujeitos ligados por
uma relação de controlo de direito, ainda
que directo ou conjunto (entre sociedades
"mãe e filha") ou entre pessoas físicas e so-
ciedades controladas".
Sinceramente não se alcança onde é que Ana
Perestrelo de Oliveira pretende ir buscar
11- Exceptua-se, claro está, o caso em que o sujeito em causa ultrapasse de novo os 50%, depois de, por um segundo que seja, ter descido abaixo dessa fasquia. 12- Decreto legislativo 24 Febbraio 1998, n. 58., tal como actualmente em vigor. 13- Commissione Nazionale per le Società e la Borsa. 14- Ou seja, “sociedade em que outra sociedade detém a maioria dos votos exercíveis em assembleia geral ordinária”. 15- OPA obrigatória cit., pág. 638. 16- O controlo de direito é o mesmo que o “controlo no sentido do art. 2359, parágrafo 1, número 1, do Código Civil” (cfr. a nota anterior) — e nada tem a ver, por conseguinte, com a noção de grupo de direito por contraposição a grupo de facto, a que se refere a nossa doutrina.
8 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
apoio para a afirmação de que "os casos excluí-
dos são apenas aqueles em que o precedente
controlo pela sociedade adquirente torna abso-
lutamente neutros os efeitos das operações su-
cessivas”17, sendo condição necessária mas não
suficiente a manutenção do ultimate beneficial
owner.
É que “a manutenção do ultimate controller ou
do ultimate beneficial owner” só “não é critério
único e exclusivo do afastamento da obrigação
de lançamento de oferta pública de aquisição”
nos casos em que a situação não se integre
numa das tipologias acima referidas e se trate
antes de proceder a uma aplicação analógica
da excepção!!!
Na hipótese que apreciamos, porém, a partici-
pação indirecta na sociedade cotada é transferi-
da em "sentido vertical" entre uma pessoa física
e uma sociedade por ele controlada. O caso in-
tegra-se, sem sombra de dúvida, na segunda das
referidas tipologias. Não há que "estender" a
lógica de isenção, nem que apurar se a neutrali-
dade é "absoluta" ou "relativa"18.
Em suma: não parece justificável qualquer dú-
vida de que a operação analisada beneficia-
ria da excepção prevista no art. 49, parágra-
fo 1, al. c), do citado regulamento italiano,
caso estivesse em causa uma sociedade cota-
da em Itália, pela razão simples de que a
transferência ocorreu entre uma pessoa física e
uma sociedade por si controlada — não se exi-
ge, nestas hipóteses, rigorosamente mais nada.
Isso mesmo é o que decorre das Comunicações
n. DEM/2009909, de 13 de Fevereiro de 2002 e
n. DEM/8093480, de 9 de Outubro de 2008,
onde o que se discutiu não foram as hipóteses
plain vanilla, e indiscutivelmente excepciona-
das, de transferência horizontal e vertical tal
como acima descritas, mas transferências de
outro tipo (no primeiro caso, diversas coopera-
tivas pretendiam transferir as suas acções para
uma nova sociedade, sem que nenhuma delas
tivesse o controlo da sociedade cotada, e no
segundo caso fundos ligados por um acordo
parassocial queriam transferir as suas participa-
ções para uma sociedade de que seriam accio-
nistas).
4.2 O exemplo alemão
O § 35 do Wertpapiererwerbs- und Übernah-
megesetz (WpÜG) impõe o lançamento de uma
OPA a quem obtenha directa ou indirectamente
o controlo de uma sociedade alvo. "Controlo",
nos termos do § 29, II, consoante se assinalou
já, é definido como a detenção de pelo menos
30% dos votos, sendo certo que às acções deti-
das pelo próprio participante se equiparam mui-
tas outras, designadamente as que sejam detidas
por "empresas-filhas" ou por entidades que,
relativamente à sociedade alvo, actuem em con-
certação com esse participante ou com uma das
suas “filhas”.
Porém, nos termos do § 36 da WpÜG, no côm-
puto da participação são desconsiderados os
votos inerentes a acções que tenham sido ad-
quiridas em 3 tipos de situações, designada-
mente através de "reestruturações no quadro de
um Grupo" (§ 36, III, da WpÜG). Esta des-
consideração ocorre a pedido do interessado
junto da entidade de supervisão (BaFin19), cuja
decisão tem carácter vinculado e não discricio-
nário.
17- Ob. Cit., pág. 639. 18- Para este efeito, note-se, as transferências ocorrem entre sociedades já integrantes do grupo, mesmo que a sociedade transmissária seja uma sociedade adrede constituída (a constituição da sociedade precede necessariamente a aquisição: cfr. Martin Philipp Heuber, Die Befreiung vom Pflichtangebot nach dem Wertpapiererwerbs- und Übernahmegesetz, pág. 143). 19- Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht.
9 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
Por sua vez, o § 37 da WpÜG admite a dispen-
sa da obrigação de OPA também por decisão do
BaFin, na medida em que tal se mostre justifi-
cado tendo em conta o tipo de obtenção do con-
trolo, o fim visado com essa obtenção, o ter-se
descido logo de seguida aquém do limiar do
controlo, as relações de participação existentes
na sociedade visada ou a possibilidade fáctica
do exercício do controlo, atendendo aos interes-
ses dos requerentes e aos dos titulares das ac-
ções da sociedade.
A doutrina alemã é consensual quanto ao fun-
damento do regime:
"por detrás da regulamentação da Secção
III [do § 26] está a ideia de que os accionis-
tas da sociedade, apesar da aquisição de
controlo realizada no decurso de uma rees-
truturação interna do grupo, não se afigu-
ram dignos de protecção, quando a socieda-
de cabeça do grupo continua a deter o
controlo da sociedade visada no sentido do
§ 29, II [detenção de pelo menos 30% dos
votos]"20. (sublinhado nosso);
"Por detrás desta regulamentação está
igualmente a consideração legislativa de
que a situação material de controlo no seio
de um grupo se mantém inalterada. Dada a
formação unitária da vontade no interior do
grupo pela sociedade de topo, as transmis-
sões dentro do grupo não tem repercussões
na possibilidade de exercício do controlo
pela sociedade de topo e, portanto, no
controlo material (último) da sociedade
visada. Os restantes accionistas não
carecem por conseguinte de tutela"21.
(sublinhados nossos)
Repare-se que também na Alemanha se observa
que a excepção do § 36, III, não intervém onde
não haja aquisição do controlo, como sucede-
rá quando os votos já fossem imputáveis ao
adquirente (ex: a sociedade-mãe não obtém o
controlo da sociedade aberta quando as acções
desta são adquiridas a uma sociedade-filha, o
controlo já lhe pertencia, a excepção do § 36,
III, da WpÜG não tem cabimento)22.
Não obstante, Ana Perestrelo de Oliveira
fala, também aqui, do requisito da "neutralidade
da restruturação operada", citando Lenz/
Linke e Braun23.
Uma parte do que dizem Lenz/Link (e Braun)
é pura constatação do óbvio: como é requisito
posto pelo preceito que a reestruturação ocorra
no interior do grupo, a hipótese não está pre-
enchida se "as acções de uma sociedade são
transferidas para uma sociedade que não esteja
dentro do grupo"24.
A isso Lenz/Link acrescentam, é certo, que,
pela mesma razão (ou seja, porque tem de tratar
-se de uma reestruturação no interior do grupo),
não podem terceiros vir a participar na empresa
no quadro da reestruturação.
Com isso, porém, Lenz/Link parece que só
querem significar que a totalidade das acções
transmitidas têm de o ser para uma ou mais
empresas do grupo, não podendo uma parte das
mesmas ser alienada directamente a um
terceiro. No mesmo sentido, veja-se Uwe
Schneider, que, louvando-se em Lenz/Link,
defende que "não existe reestruturação se
20- Christoph von Bülow, Kölner Kommentar cit., anotação 39 ao § 36. O autor refere-se nesta passagem a "sociedade controladora", mas logo a seguir esclarece que o n.º 3 abrange todos os casos em que o adquirente do controlo é uma empresa filha de um sujeito nos termos do § 2, VI ["empresas filhas são empresas sejam consideradas empresas filhas no sentido do § 290 do Handelsgesetzbuch, ou em que possa ser exercida uma influência dominante, sem que tenha relevo a forma jurídica ou a sede"], que, anteriormente à operação de reestruturação já detivesse o controlo da sociedade visada no sentido do § 29, II. 21- Schlitt/Ries, Aktiengesetz, M eterminadativo".nmada de posiç e aos quais responsabilidade civil (tirando a questünchener Kommen-tar, vol. 6, 3.ª edição, anotação 33 ao § 36. 22- Schlitt/Ries, ob. cit., anotação 165 ao § 35 (itálico acrescentado). 23- OPA obrigatória cit., pág. 640. A autora refere-se ainda a que o requisito de a reestruturação ter lugar no interior do grupo exclui as hipóteses de "transferências externas" (para empresas não controladas pela empresa controladora do transmitente), o que, sendo embora verdadeiro, não tem nenhuma relevância para a problemática em apreço. 24- "Esteja" ou "está" (steht) e não "estava", como traduz Ana Perestrelo de Oliveira.
10 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
simultaneamente forem transferidas acções a
terceiros, designadamente a quadros dirigen-
tes25". Não se afigura que algum destes auto-
res defenda que a reestruturação tem de con-
sistir na transmissão de acções para socieda-
des-filhas detidas a 100% (em que, por tanto,
não participem de todo em todo quaisquer ter-
ceiros).
De qualquer das formas, convincente é, uma
vez mais, o ensinamento de von Bülow neste
contexto: "o conceito 'reestruturação' é de inter-
pretar em sentido amplo. É suficiente que to-
dos os que em resultado das transmissões de
participações (…) obtêm o controlo da socieda-
de sejam ou empresas-filhas, no sentido do § 2,
VI, de um sujeito de direito que, antes da rees-
truturação, tivesse já o controlo no sentido do §
29, II, ou o próprio sujeito que já anteriormen-
te detinha o controlo da sociedade alvo"26
(sublinhado nosso).
E certeiramente conclui: "É irrelevante se, no
quadro da reestruturação, terceiros que não
sejam empresas-filhas no sentido do § 2, VI, do
sujeito de direito que já anteriormente detinha
o controlo adquiram uma participação directa
ou indirecta na sociedade visada, contanto que
o terceiro não obtenha ele próprio o controlo
da sociedade visada, no sentido do § 29, II, no
quadro da reestruturação. Pois não pode fazer
qualquer diferença se tal aquisição de partici-
pação tem lugar no decurso da reestruturação
ou posteriormente a ela", sendo certo que, no
segundo caso, nenhuma sanção seria aplicável
(a desconsideração dos votos não resultaria pre-
judicada)27(sublinhado nosso).
Concede-se que, segundo o entendimento do
BaFin e da doutrina dominante28, a noção de
Konzern, neste contexto, pressupõe uma coliga-
ção entre empresas; todavia, uma pessoa
singular pode valer como empresa para este
efeito, designadamente em virtude de ser
detentora de participações societárias, em dados
termos29.
Mais importante que isso é, porém, o facto de o
BaFin conceder a dispensa de OPA ao abrigo
do § 37 da WpÜG quando os votos não possam
ser desconsiderados nos termos do § 36, III, do
mesmo diploma, em virtude de o sócio domi-
nante não ter natureza empresarial.
Assim aconteceu, para dar um exemplo recente,
no caso Schaeffler30, em que se verificou a in-
tercalação de novas sociedades (a Schaeffler
Beteiligungsholding GmbH & Co. KG e outras)
na cascata do domínio sobre a Continental Akti-
engesellschaft encimada pelo casal Schaeffler.
O BaFin considerou, nomeadamente, que o in-
teresse das sociedades requerentes em serem
poupadas aos encargos inerentes a uma OPA
sobrepujava os interesses dos accionistas mino-
ritários em que fosse lançada uma oferta, consi-
derados de peso “reduzido” (gering) em virtude
de não ter ocorrido uma alteração substancial da
situação de controlo. “A mera redistribuição de
acções, directa ou indirectamente detidas, no
25- Wertpapiererwerbs- und Übernahmegesetz, de Assman/Pötzsch/Schneider, anotação 10 ao § 36. 26- Ob. cit., anotação 41 ao § 36. 27- No mesmo sentido, veja-se Schlitt/Ries, ob. cit., anotação 40 ao § 36, Martin Philipp Heuber, ob. cit., pág. 145 ("se no quadro da reestruturação terceiros adquirem adicionalmente, directa ou indirectamente, uma participação, é irrelevante. Não tem influência na neutralidade da reestruturação em termos do controlo") e Klepsch, in WpÜG - Kommentar, de Steinmeyer/Häger, 2.ª edição, anotação 23 ao § 36. 28- Que não unânime: no sentido de que é suficiente que a empresa dependente seja uma filha na acepção do § 2, VI, da WpÜG (ou seja: que sobre ela se possa exercer uma influência dominante), pronunciam-se autores tão representativos como Schlitt/Ries (Aktiengesetz, Münchener Kommentar, vol. 6, 3.ª edição, anotação 36 ao § 36) e Christoph von Bülow (Kölner Kommentar zum Aktiengesetz, anotação 40 ao § 36 da WpÜG). 29- Cfr. Christine Windblicher, AktG Großkommentar, anotações 24 e 32 e segs. ao § 15). 30-http://www.BaFin.de/cln_152/nn_720794/SharedDocs/Downloads/DE/Verbraucher/Befreiungsentscheidungen/Conti2,templateId=raw,property=publicationFile.pdf/Conti2.pdf.
11 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
seio de uma cadeia de participações (...) não
representa uma alteração relevante das relações
de participação”. “As requerentes representam
(...) apenas um elo adicional no controlo sobre a
sociedade visada que promana da Sra.
Schaeffler e do Sr. Schaeffler. A sua vinculação
ao lançamento de uma oferta ligar-se-ia a um
aspecto meramente formal, sem que lhe estives-
se subjacente uma alteração material da situa-
ção jurídica”.
Constata-se, portanto, também que não haveria
obrigatoriedade de OPA (ou seria segura-
mente concedida dispensa) se a sociedade X
no exemplo que nos serve de mote fosse uma
sociedade alemã cotada. Todas as acções da
sociedade intermédia Y, de que o respectivo
acionista dominante era titular, foram trans-
mitidas para uma única sociedade, a socieda-
de Z, também dominada por esse accionista.
Que parte do capital da sociedade Z perten-
cesse a terceiros é tão irrelevante como ser ia
se essa sociedade, começando por ser uma soci-
edade unipessoal por quotas constituída pelo
dito accionista, visse logo depois uma pequena
parte do capital ser aberto a terceiros.
4.3 O exemplo espanhol
Nos termos do artigo 5.º, n.º 4, do Real Decreto
1066/2007, de 27 de julio, sobre el régimen de
las ofertas públicas de adquisición de valores,
não há obrigação de formular uma oferta públi-
ca de aquisição nos casos de aquisições e outras
operações de que resulte uma mera redistribui-
ção de direitos de voto quanto, em virtude do
n.º 1, continuem a ser atribuídos a uma mesma
pessoa”31, sendo certo que tal n.º 1 manda atri-
buir a uma pessoa os direitos de voto detidos
por entidades pertencentes ao mesmo grupo, tal
como definido no art. 4.º da Ley 24/1988, de 28
de julio, del Mercado de Valores, e que este
artigo, por sua vez, remete para “a definição de
grupo de sociedades estabelecida no artigo 42
do Código de Comercio”, cujo n.º 1 reza assim:
“Toda a sociedade dominante de um grupo
de sociedades estará obrigada a formular as
contas anuais e o relatório de gestão consoli-
dados na forma prevista nesta secção. Existe
um grupo quando uma sociedade ostente ou
possa ostentar, directa ou indirectamente, o
controlo de outra ou outras. Em particular,
presumir-se-á que existe controlo quando
uma sociedade, que se qualificará como do-
minante, se encontre em relação com outra
sociedade, que se qualificará como depen-
dente (…)” numa de diversas situações
(detenção da maioria dos votos, da faculdade
de nomear ou destituir a maioria dos mem-
bros do órgão de administração, etc.)”.
Por último, o artigo 42.º, n.º 6, do Código do
Comercio manda aplicar o disposto na secção
em que se integra aos casos em que qualquer
pessoa física ou jurídica elabore e publique con-
tas consolidadas — donde vem que para efeitos
do art. 5.º, n.ºs 1 e 4, do Real Decreto
1066/2007, o “grupo” pode ser encabeçado
por qualquer pessoa, seja ela uma sociedade,
outra pessoa colectiva ou inclusive uma pessoa
singular32.
Não tem cabimento sustentar ser unicamente
visada a hipótese de alteração do título de im-
putação, que supõe que exista previamente uma
imputação (não podem surgir novos elementos).
Face à razão de ser do art. 5.º, n.º 1, do Real
Decreto 1066/2007 (“se o sistema de OPA
obrigatória tem por finalidade a protecção dos
interesses dos accionistas minoritários nas
situações de tomada ou mudança de controlo,
torna-se necessário considerar de forma conjun-
ta as aquisições realizadas pelas distintas socie-
dades que, por fazerem parte de um mesmo
31- “No producirán obligación de formular una oferta pública de adquisición, las adquisiciones u otras operaciones que entrañen una mera redistribución de derechos de voto cuando, en virtud del apartado 1, sigan atribuidas a una misma persona”. 32- Este entendimento é pacífico: cfr., por todos, Fernando Sánchez Calero, Ofertas Públicas de Adquisición de Acciones (OPAS), 2009, pág. 145.
12 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
grupo empresarial, actuem na verdade sob uma
direcção comum ou unidade de controlo”33), a
obrigação de OPA não nasce, por conseguinte,
onde as aquisições e outras operações se reali-
zem no quadro do mesmo "grupo", de tal forma
que os direitos de votos continuem a ser impu-
tados ou atribuídos ao mesmo sócio dominante.
4.4 O exemplo francês
Em França o artigo 234-9, 7.º, do Règlement
Général de L’Autorité des Marchés Financiers,
prevê que a AMF34 possa conceder uma derro-
gação da obrigação de OPA, no caso de uma
operação de venda de acções, ou transacção
equiparável, entre sociedades ou pessoas per-
tencentes ao mesmo grupo”.35
Não colhe argumentar não ser suficiente a exis-
tência de uma relação de controlo para que a
derrogação na obrigação de lançamento de
OPA possa ser aplicada, sendo antes necessário
que exista uma relação grupal baseada num
acordo com vista ao controlo de direitos de voto
de forma a executar uma política comum. O que
é preciso é, simplesmente, que a operação se
realize no quadro de um grupo; “o acordo com
vista ao controlo de direitos de voto de forma a
executar uma política comum” só é necessário
na medida em que a existência de um grupo
resulte da coordenação dos poderes de influên-
cia de dois ou mais accionistas, em vez de deri-
var da circunstância de diversas sociedades es-
tarem sob o domínio de uma mesma entidade.
Muito elucidativo é, a este respeito, o caso
Tharreau Industries, que sumariamente foi
apresentado à AMF como segue:
a) na situação de partida, Jacques Tharreau ti-
nha um total de 44,87% do capital da socie-
dade Tharreau Industries (parte directamente
e parte através da sociedade sua dependente
Finta) e o seu irmão Michel Tharreau
23,10%;
b) ambos os irmãos transfeririam as suas ac-
ções para a sociedade Finta (da qual o irmão
Michel era já accionista minoritário), que
passaria a deter 67,97% do capital da Thar-
reau Industries;
c) Michel Thareau passaria a ser o accionista
maioritário da Finta, com 58,06% do respec-
tivo capital;
d) Jacques Tharreau cederia os seus 41,9% da
Finta a 3 fundos de investimento;
e) entre Michel Tharreau e os fundos seria ce-
lebrado um acordo parassocial, que, designa-
damente, consagrava um direito de preferên-
cia recíproco na venda de acções, garantia
aos fundos um lugar na administração e no
conselho de fiscalização da Finta e obrigava
Michel Tharreau a não realizar, directa ou
indirectamente, qualquer operação que im-
plicasse a obrigação de comprar ou de ven-
der, no todo ou em parte, o capital da Thar-
reau Industries.
Ora a AMF concedeu a derrogação do dever de
OPA a Michel Tharreau e à sociedade Finta36,
com fundamento em que a operação não punha
em causa o controlo maioritário da Tharreau
Industries por parte da família Thareau, apesar
da circunstância de, em consequência da mes-
ma, entidades externas (os 3 fundos) passarem a
deter (indirectamente) uma participação muito
expressiva na Tharreau Industries.
33- GARCÍA DE ENTERRÍA/ ZURITA SÁENZ DE NAVARRETE, Comentario Sistemático del Rd 1066/2007, de 27 de julio 2009, pág. 160. 34- Autorité des Marchés Financiers. 35- Opération de reclassement, ou s'analysant comme un reclassement, entre sociétés ou personnes appartenantà un même groupe. 36- http://www.amf-france.org/inetbdif/documents/bdif/dop/2001/201C1190.htm.
13 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
4.5 Balanço
Liquida-se do exposto que, suposta uma hipóte-
se como a que apreciamos:
na Alemanha, o Bafin estaria obrigado a re-
conhecer a desconsideração dos direitos de
voto, ou não deixaria de conceder dispensa
do dever de OPA, consoante a pessoa singu-
lar controladora fosse ou não equiparado a
uma empresa;
em Itália, não surgiria dever de OPA, inde-
pendentemente de qualquer acto da Consob,
por se tratar de uma transmissão em sentido
vertical entre uma pessoa singular e uma
entidade controlada de direito;
em Espanha, não surgiria dever de OPA,
também independentemente de qualquer ac-
to da CNMV, por se tratar de uma operação
de que decorre uma mera redistribuição de
direitos de voto no contexto de um mesmo
grupo;
em França, a AMF concederia seguramente
uma dispensa em virtude de estar em causa
uma transmissão entre pessoas pertencentes
ao mesmo grupo.
5. A circulação de votos no seio
de entidades ligadas por uma relação
de domínio no direito português
5.1 A situação na vigência do Código
do Mercado de Valores Mobiliários
Na versão inicial do CodMVM estabelecia-se
que:
"ficam igualmente obrigados a lançar uma
oferta geral da aquisição nos termos deste
artigo as pessoas singulares ou colectivas
que, após entrada em vigor do presente di-
ploma, venham a deter (…) valores que, por
si sós ou adicionados, se for o caso, aos que
devam considerar-se como pertencendo-lhes
nos termos do artigo 530.º, lhes confiram
mais de metade dos votos correspondentes
ao capital da sociedade em causa"37.
Nos termos do art. 530.º do CodMVM eram,
designadamente, contados como pertencentes
ao "oferente", sendo este uma pessoa singular,
os valores detidos por sociedades que dele de-
pendam, e bem assim por quaisquer outras soci-
edades que se encontrem, directa ou indirecta-
mente, em relação de domínio ou de grupo com
aquelas, e sendo o “oferente” uma sociedade,
“as sociedades que com ela se encontrem em
relação de domínio ou de grupo e bem assim
quaisquer outras sociedades que se encontrem
em relação de domínio ou de grupo com estas
últimas”.
Nesta altura, chegámos a sustentar que a impu-
tação funcionava só no sentido ascendente (os
votos detidos por uma sociedade dependente
eram imputados à dominante, mas não vice-
versa), embora contra o entendimento já então
dominante e reconhecendo que a letra da lei não
favorecia essa interpretação38.
A verdade, porém, é que, com as alterações ao
art. 525.º do Código do Mercado de Valores
Mobiliários introduzidas pelo Decreto-Lei
n.º 261/95, de 3 de Outubro, a imputação
passou a funcionar indiscutivelmente não só
no sentido descendente, como nos sentidos
ascendente e lateral. De facto:
sendo o oferente uma pessoa singular ou
uma pessoa colectiva que não seja uma soci-
edade, passaram-lhe a ser imputados os vo-
tos derivados de valores mobiliários detidos
por "sociedades que dele dependam, [por]
sociedades que com estas se encontrem,
directa ou indirectamente, em relação de
domínio, e, bem assim, [por] sociedades que
se encontrem, directa ou indirectamente, em
37- Por uma questão de simplicidade raciocinaremos apenas à vista de uma das hipóteses legais de OPA obrigatória — a da OPA geral sucessiva. 38- Carlos Osório de Castro, Os casos de obrigatoriedade do lançamento de uma oferta pública de aquisição, in Problemas Societários e Fiscais do Mercado de Valores Mobiliários, Edifisco, Lisboa, 1992, págs. 55 e segs. Note-se que na pág. 58 se deve ler art. 525.º, n.º 2, al. d) em vez de art. 525.º, n.º 2, al. e).
14 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
relação de grupo com qualquer das antes
referidas” (art. 525.º, n.º 1, al. c)),
e, caso o oferente fosse uma sociedade, os
votos derivados de valores mobiliários deti-
dos por "sociedades que com ela se encon-
trem, directa ou indirectamente, em relação
de domínio ou de grupo, [por] quaisquer
outras sociedades que se encontrem, directa
ou indirectamente, em relação de domínio
ou de grupo com estas últimas, e ainda, se
for o caso, [pela] pessoa singular ou pessoa
colectiva de que a sociedade oferente depen-
da, directa ou indirectamente, nos termos
das alíneas b) ou d) do n.o 1 do artigo
346” (art. 525.º, n.º 1, al. d)) (ascendente,
descendente e lateral). A parte final da al. d)
não consentia, insiste-se, outra leitura senão
a de que a uma sociedade se imputavam os
votos detidos pela entidade que a domi-
nasse, directa ou indirectamente.
Adicionalmente, o Decreto-Lei n.º 261/95 veio
introduzir um novo artigo — o 528.º-A — que
estabelecia diversos casos de derrogação ao
dever de OPA, entre os quais figurava a hipóte-
se de a obrigatoriedade resultar da "aquisição
por uma sociedade de valores detidos por outra
sociedade que com ela se encontre em relação
de domínio ou de grupo ou que seja dominada
por uma terceira sociedade que domine igual-
mente a sociedade adquirente".
E assim, após 1995, enquanto o Código do
Mercado de Valores Mobiliários se manteve
em vigor, era absolutamente consensual a
interpretação, aliás antes disso já larguissi-
mamente dominante, no sentido de que a
imputação funcionava no triplo sentido atrás
referido, assim como o era também o
entendimento de que a circulação de parti-
cipações no seio do mesmo grupo societário
(encabeçado fosse por uma pessoa singular
fosse por uma pessoa colectiva) não acarreta-
va um dever de OPA.
5.2 A situação na vigência do CVM.
O CVM, aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99,
de 13 de Novembro, manteve, como não podia
deixar de ser, a imputação de direitos de voto
baseada na existência de uma relação de domí-
nio. Substituiu, porém, a redacção algo prolixa
usada no Código pretérito por uma fórmula te-
legráfica. Diz-se agora, no art. 20.º, n.º 1, al. b):
"no cômputo das participações qualificadas
consideram-se (...) os direitos de voto detidos
por sociedade que com o participante se encon-
tre em relação de domínio ou de grupo". Por
outro lado, a norma do art. 528.º-A do Código
do Mercado de Valores Mobiliários acima men-
cionada, que acolhia uma derrogação ao dever
de OPA no caso de transmissão intra-grupo,
não tem correspondência no CVM.
5.2.1 O estudo por nós publicado em Abril
de 2000
Mal o CVM tinha acabado de entrar em vigor,
publicámos um artigo em que desenvolvemos o
raciocínio seguinte39:
a) literalmente o art. 20.º, n.º 1, al. b), do CVM
é compatível com a atribuição de relevo ape-
nas à situação de dependência, apenas à situ-
ação de domínio ou a ambas essas situações
(ou seja, é compatível com uma imputação
só em sentido descendente, só em sentido
ascendente ou em ambos os sentidos);
b) é injustificado impor-se um dever de OPA
no caso de reestruturações no interior de um
grupo empresarial, incluindo no caso de
"circulação dos votos em sentido descenden-
te", uma vez que "a estrutura de controlo
mantém-se a mesma, vistas as coisas em
termos substantivos";
39- Imputação de direitos de voto no Código dos Valores Mobiliários, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 7, 2000, págs. 161 e segs.
15 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
c) dir-se-ia, pois, que a eliminação da hipótese
de derrogação da obrigatoriedade do lança-
mento de uma OPA prevista no art. 528º-A,
n.º 1, al. e), do CodMVM (“aquisição por
uma sociedade de valores detidos por outra
sociedade que com ela se encontre em rela-
ção de domínio ou de grupo ou que seja do-
minada por uma terceira sociedade que do-
mine igualmente a sociedade adquirente”)
só pode ter ficado a dever-se à circunstância
de o legislador a reputar completamente dis-
pensável — o que, por seu turno, implica
que o art. 20.º, n.º 1, al. a), seja objecto da
leitura mais ampla, que abarque a imputa-
ção em ambos os sentidos;
d) porém, a conjugação dessa leitura ampla
com a inexistência de cláusula derrogatória
do dever de OPA para os casos em que a
uma nova sociedade dependente passam a
ser imputados votos imputáveis à sua entida-
de dominante, levaria a que sendo o controlo
de uma pequena sociedade adquirido por
uma holding de um vasto “grupo” empresa-
rial, aquela se teria de considerar obrigada a
lançar uma OPA sobre as inúmeras socie-
dades abertas relativamente às quais a ho-
lding disponha de mais de metade dos votos;
e) a melhor solução, de jure condendo, seria,
por um lado, interpretar o art. 20.º, n.º 1, al.
b), do CVM de forma tal que a existência de
uma relação de domínio fosse determinante
de uma imputação apenas em sentido ascen-
dente, ao mesmo tempo que, por outro lado,
se daria assento na lei a uma hipótese adicio-
nal de derrogação do art. 187.º, capaz de
abarcar os casos em que uma sociedade de-
pendente adquire votos já imputáveis à sua
entidade dominante.
f) de jure constituto, a leitura restritiva do art.
187.º (imputação só em sentido ascendente)
é menos má do que a leitura ampla, porquan-
to evita o resultado absurdo referido em d),
apesar dos inconvenientes referidos em b).
5.2.2 A interpretação triunfante
Sucedeu, todavia, que a interpretação que veio a
triunfar foi outra: a imputação ex vi do art. 20.º,
n.º 1, al. b), opera não só no sentido ascendente
ou upstream (os votos detidos pela sociedade
dependente contam como da entidade dominan-
te), como em sentido descendente ou downstre-
am (os votos detidos pela dominante contam
como da entidade dependente), como ainda
(agora em articulação com o art. 20.º, n.º 1, al.
i)) lateralmente ou sidestream (os votos detidos
por sociedades dependentes de uma mesma en-
tidade são imputáveis reciprocamente). A uma
imputação com este alcance referir-nos-emos
doravante como "imputação múltipla".
No fundo, a CMVM e os agentes de mercado
optaram por atribuir ao art. 20.º, n.º 1, o mesmo
sentido e alcance que competiam ao art. 525.º,
n.º 2, als. c) e d) do Código do Mercado de Va-
lores Mobiliários (os quais operavam como fac-
tores de imputação de votos por força da remis-
são feita pelo art. 530.º, n.º 1, al. b), do mesmo
diploma), quiçá entendendo que se o legislador
tivesse querido romper com a solução anterior
não poderia ter deixado de o fazer de uma for-
ma inequívoca.
E não foram sensíveis ao receio por nós mani-
festado, entendendo que, mau grado o CVM
não ter consagrado disposição idêntica à do art.
528.º-A, n.º 1, al. e), do Código do Mercado de
Valores Mobiliários, a leitura "ampla" do art.
20.º, n.º 1, al. b), não poderia implicar que
qualquer nova sociedade "incorporada" no seio
de um grupo tivesse de lançar uma OPA sobre
todas as sociedades abertas integrantes do
mesmo40.
40- E de facto, como se verá melhor adiante, a derrogação consagrada pelo 528.º -A, n.º 1, al. e), do CodMVM nada tem a ver com estas
situações.
16 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
A referida "leitura ampla" — insiste-se —
foi, desde 2000, e é-o ainda hoje, objecto de
um vastíssimo consenso.
Designadamente em todos os prospectos de
ofertas públicas de aquisição lançadas após a
entrada em vigor do CVM, a percentagem de
direitos de voto que, nos termos do n.º 1 do arti-
go 20.º, pode ser exercida pelo oferente na soci-
edade visada (cuja divulgação é prescrita pelo
art. 138.º, n.º 1, al. c)), é invariavelmente calcu-
lada assumindo uma imputação múltipla (ou
seja, relembra-se, uma imputação nos sentidos
ascendente, descendente e lateral). E o mesmo
se diga quanto à generalidade das comunica-
ções da aquisição e alienação de participa-
ções qualificadas.
5.2.3 A imposição da imputação múltipla
pela Directiva 2004/25/CE
O art. 5.º, n.º 1, da Directiva 2004/25/CE deter-
mina que os Estados Membros devem adoptar
regras que obriguem uma pessoa singular ou
colectiva que, na sequência de uma aquisição
efectuada por si ou por pessoas que com ela
actuam em concertação, venha a deter valores
mobiliários de uma sociedade cotada que, adici-
onados a uma eventual participação que já dete-
nha e à participação detida pelas pessoas que
com ela actuam em concertação, lhe confiram
directa ou indirectamente uma determinada per-
centagem dos direitos de voto nessa sociedade,
permitindo-lhe dispor do controlo da mesma, a
lançar uma oferta a fim de proteger os accionis-
tas minoritários dessa sociedade.
A definição de "pessoas que actuam em concer-
tação" consta do art. 2.º, n.º 1, al. d), da Direc-
tiva: são as "pessoas singulares ou colectivas
que cooperam com o oferente ou com a socie-
dade visada com base num acordo, tácito ou
expresso, oral ou escrito, tendo em vista, res-
pectivamente, obter o controlo da sociedade
visada ou impedir o êxito da oferta".
E o n.º 2 do mesmo artigo prescreve-se: "para
efeitos do disposto na alínea d) do n.° 1, as
pessoas controladas por outra pessoa, na acep-
ção do artigo 87.° da Directiva 2001/34/CE 41,
são consideradas pessoas que actuam em con-
certação com essa pessoa e entre si".
A Directiva 2004/25/CE obriga, portanto, a que
os Estados Membros consagrem regras que de-
terminem a imputação dos votos detidos por
determinada entidade tanto às sociedades que
ela domine (imputação downstream) como à
entidade de que seja dependente (imputação
upstream) como às outras sociedades também
dominadas por esta última entidade (imputação
sidestream)42/43. Talvez a letra do art. 2.º, n.º 2,
da Directiva, apenas seja totalmente inequí-
voca quanto à imputação lateral ("as pessoas
controladas por outra pessoa são consideradas
pessoas que actuam em concertação entre si"):
"mas como o fundamento da imputação das
participações de sociedades-irmãs só pode ser
o poder de direcção da mãe comum, a imputa-
ção downstream é forçosa44".
41- “Qualquer empresa em que uma pessoa física ou uma entidade jurídica tenha (a) a maioria dos direitos de voto dos accionistas ou
sócios, ou (b) o direito de nomear ou de destituir a maioria dos membros do órgão de administração, de direcção ou de fiscalização e seja
simultaneamente accionista ou sócio dessa empresa, ou (c) seja accionista ou sócio e, por força de um acordo celebrado com outros
accionistas ou sócios dessa empresa, tenha o controlo exclusivo da maioria dos direitos de voto dos seus accionistas ou sócios".
42- Entendido "domínio" na acepção do artigo 87.° da Directiva 2001/34/CE, correspondente à do art. 21.º, n.º 2, do CVM.
43- Confira-se, neste sentido, Wackerbarth, in Aktiengesetz, M eterminadativo".nmada de posiç e aos quais responsabilidade civil
(tirando a questünchener Kommentar, vol. 6, 3.ª edição, anotação 30 ao § 30, Hommelhof/Witt, ob.cit., anotação 28 ao § 35, Hilmer,
Die Übernahmerichtlinie und ihre Umsetzung in das deutsche Recht, 2007, pág. 93, Hopt/Mülbert/Kumpan, Reformsbedarf in
Übernahmerecht, in Die Aktiengesellschaft, 2005, pág. 111.
44- Wackerbarth, ult. lug. cit..
17 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
5.3 A lição do direito comparado:
a experiência alemã na vigência
da redacção do § 30, 1, da WpÜG
introduzida em Julho de 2006
A transposição da Directiva 2004/25/CE tinha
de ser efectuada pelos Estados-Membros até 20
de Maio de 2006. Com algum atraso, em 14 de
Julho de 2006, entrou em vigor na Alemanha a
lei destinada a proceder a essa transposição.
Para assegurar a conformidade do direito ale-
mão com os arts. 5.º, n.º 1 e 3.º, n.ºs 1, al. d) e
2, da Directiva, o § 30, I, 1, da WpÜG passou
a imputar ao "oferente" os "direitos de voto
pertencentes às empresas-filhas do oferente
[imputação ascendente], à pessoa controladora
do oferente [imputação descendente] e às
outras empresas-filhas da pessoa controladora
do oferente [imputação lateral]", e, por outro
lado, na definição de "pessoas actuando em
concertação", constante do § 2, V, da WpÜG
incluiu-se a frase "as empresas-filhas conside-
ram-se pessoas actuando em concertação com
a pessoa que as controla e umas com as
outras".
Rapidamente os alemães se deram conta das
consequências da alteração legislativa, nomea-
damente no que concerne ao seu impacto sobre
o mecanismo da desconsideração de direitos de
voto ao abrigo do § 36, III (aquisição de acções
em resultado de reestruturações no interior do
grupo)45.
Desde logo, a utilização desse mecanismo dei-
xou de fazer sentido nos casos de transmissão
da participação igual ou superior a 30% para
uma empresa dominada pelo transmitente, ou
realizada entre sociedades controladas pela
mesma entidade — o que é o mesmo que dizer
que deixou de fazer sentido nem mais nem me-
nos do que em todos os casos a que anterior-
mente se aplicava. A razão disto é simples:
como nessas hipóteses os votos já eram imputá-
veis ao adquirente (por força da imputação múl-
tipla), a todas as empresas do grupo já eram
afinal imputáveis direitos de voto acima do li-
miar relevante para efeitos do controlo, pelo
que, aconteçam as transferências que acon-
tecerem, nenhuma delas pode já ultrapassar (de
novo) esse limiar e adquirir o controlo46.
As hipóteses abrangidas passaram a ser outras,
a saber, os casos em que ao "grupo" é adiciona-
da uma sociedade, seja ela constituída de raiz
ou adquirida a terceiros (e independentemente
de a mesma ter ou não acções da sociedade vi-
sada ou de se situar num qualquer patamar in-
termédio entre as sociedades detentoras dessas
acções e a entidade cabeça do grupo).
Consoante refere Andreas Nelle47:
"esta regra de imputação conduz à situação
absurda em que qualquer nova empresa-
filha constituída por M2 [no topo do grupo]
preencherá a hipótese do § 35, I, da §
WpÜG, e portanto ficaria obrigada ao lan-
çamento de uma oferta pública de aqui-
sição dirigida a todos os accionistas da so-
ciedade visada. O mesmo valerá quando
uma das empresas-filhas (…) adquirir uma
nova sociedade-filha ou neta, uma vez que a
estas será imputada a globalidade dos direi-
tos de voto detidos pelo grupo. A uma nova
empresa-filha ou empresa-neta de M2, para
se furtar ao de-ver de oferta, apenas resta a
possibilidade de apresentar ao BaFin um
requerimento de desconsideração dos direi-
tos de voto imputados nos termos do § 36,
III, da WpÜG".
45- Cfr. Arnold, Die neue konzernweite Stimmrechtszurechnung gemäß § 30, Abs. 1, Satz 1 Nr.1 WpÜG, in Die Aktiengesellschaft,
2006, pág. 569.
46- Cfr. supra o que dissemos acerca da irrelevância da alteração do título de imputação dos votos. 47- Stimmrechtszurechnung und Pflichtangebot nach Umsetzung der Übernahmerichtlinie, in ZIP – Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 2006, pág. 2059.
18 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
O que sucedeu foi que, conforme previsto, se
seguiu uma avalancha de tais requerimentos. A
situação era insustentável, tendo o legislador
alemão optado por uma solução radical: repris-
tinou a anterior redacção do § 31, Nr. 1, da
WpÜG (!), considerando as exigências da
Directiva 2004/25/CE cumpridas mediante a
mera qualificação das empresas-filhas como
pessoas actuando em concertação com a pessoa
que as controla constante do § 2, V —- que per-
maneceu intocado —, para outros efeitos que
não o de espoletar o dever de OPA.
5.4 A contrariedade à Directiva
da solução alemã, e a sua inviabilidade
no quadro do direito português constituído
Parece indiscutível que a Directiva 2004/25/CE
obriga a que, onde houver uma relação de do-
mínio ou de grupo, os votos detidos pela socie-
dade dependente sejam imputados à entidade
dominante e vice-versa48.
O legislador alemão, inicialmente dessa opini-
ão, mudou depois de ideia; mal, do ponto de
vista de diversos dos autores mais representati-
vos49, alguns dos quais consideram, inclusive,
que para assegurar a conformidade com a Di-
rectiva, a ultrapassagem do limiar de 30% dos
votos, para efeitos do dever de OPA, terá de
continuar a ser aferida na base de uma imputa-
ção múltipla, nos termos expostos50.
Como quer que seja, a via alemã não é segura-
mente trilhável em Portugal, de jure constituto.
É que ela consiste em distinguir entre a noção
de "pessoas que actuam em concertação com o
oferente", para efeitos do apuramento da exis-
tência de um dever de OPA, e a noção homóni-
ma usada pela Directiva para diversos outros
efeitos, e em sustentar seguidamente que apenas
para estes últimos se imporia a qualificação
tanto de uma empresa-filha como pessoa actu-
ando em concertação com a entidade que a con-
trola como vice-versa (e bem assim das empre-
sas-filhas de uma mesma entidade como pesso-
as actuando em concertação umas com as ou-
tras), procedendo depois a uma transposição da
Directiva de modo diferenciado, em consonân-
cia com essa distinção51.
Esses “outros efeitos” são as exigências:
a) de que o “preço equitativo” a que a OPA
obrigatória deve ser lançada atenda ao preço
mais elevado pago pelos valores mobiliários
pelo oferente ou por pessoas que com ele
actuem em concertação ao longo de deter-
minado período (art. 5.º, n.º 4, da Directiva);
b) de que se exija uma alternativa em dinheiro
se o oferente ou pessoas que com ele actuem
em concertação tiverem adquirido contra
numerário valores mobiliários que represen-
tem 5% ou mais dos direitos de voto da soci-
edade visada ao longo certo período (art. 5.º,
n.º 4, da Directiva); e
c) de que dos documentos da oferta conste in-
formação detalhada sobre os valores mobi-
liários que o oferente e as pessoas que com
ele actuam em concertação já detenham na
sociedade visada" (art. 6.º, n.º 3, al. g), da
Directiva), bem como a identidades dessas
pessoas (art. 6.º, n.º 3, al. m) da Directiva).
O CVM dá satisfação a essas imposições da
Directiva mediante utilização do conceito
"pessoas que estejam com o oferente em algu-
ma das situações previstas no artigo 20.º": cfr.,
respectivamente, o art. 188.º, n.º 1, al. a)), o n.º
5 do mesmo artigo e os art. 138.º, n.º 1, al. e) e
183.º-A, n.º 1, al. i).
48- Além de ser também obrigatória a imputação lateral, que para o caso sub judice não tem interesse. 49- Vide, por todos, os autores citados na nota 43. 50- Assim Wackerbarth, ob. cit., anotação 31 ao § 30. 51- Daí que, como se referiu, o legislador alemão tivesse repescado a redacção anterior do § 31, 1, da WpÜG, mas não a noção de pessoas actuando em concertação consagrada no § 2, VI, da WpÜG.
19 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
Todas estas normas foram introduzidas pelo
Dec.-Lei n.º 219/2006, de 2 de Novembro, jus-
tamente destinado, conforme se assume no res-
pectivo Preâmbulo, a transpor "para o ordena-
mento jurídico interno a Directiva n.º 2004/25/
CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de
21 de Abril, relativa às ofertas públicas de
aquisição", sendo certo que o mesmo Preâmbu-
lo faz expressa referência a que "o dever de lan-
çamento de uma oferta pública de aquisição
surge assim que uma entidade ou grupo de enti-
dades actuando em concertação detenham va-
lores mobiliários da entidade visada em tal per-
centagem dos direitos de voto que lhes permi-
tam, directa ou indirectamente, dispor do con-
trolo da visada".
Ora o conceito de "pessoas que estejam com o
oferente em alguma das situações previstas no
artigo 20.º" usado no art. 188.º, n.ºs 1, al. a)), e
5 e nos art. 138.º, n.º 1, al. e) e 183.º-A, n.º 1,
al. i), tem, necessariamente, de abranger, sendo
o “oferente” uma sociedade, a pessoa, singular
ou colectiva, que domine o “oferente” (e todas
as demais sociedades igualmente dominadas
pela pessoa que domine o “oferente”) — assim
o impõe uma interpretação conforme com a
Directiva 2004/25/CE. Mas, como essa noção é
também a que é usada no art. 187.º, n.º 1, do
CVM, sobre o dever de OPA ("directamente ou
nos termos do art. 20.º"), é mister concluir que
os votos detidos por uma qualquer entidade são
também imputados a toda e qualquer sociedade
que ela domine para efeitos de se apurar se foi
ultrapassado por esta última algum dos limiares
de obrigatoriedade de OPA.
Por outras palavras:
sabendo-se que o legislador português, no
diploma destinado a adaptar o nosso direito à
Directiva, usou a locução "pessoas que este-
jam com o oferente em alguma das situações
previstas no artigo 20.º" nos lugares em que
a Directiva indiscutivelmente obriga a que
sejam abrangidas todas as pessoas agindo
em concertação com o oferente,
não há como deixar de concluir que a locu-
ção "pessoas com o oferente em alguma das
situações previstas no artigo 20.º" compre-
ende todas as pessoas que a Directiva consi-
dera como em concertação com o oferente,
sem excepção;
sendo certo que a Directiva 2004/25/CE
obriga a que as empresas-filhas e a
entidade que as domine sejam considera-
das como actuando em concertação
(independentemente de qual delas seja o
“oferente”).
5.5 A irrelevância da previsão
de uma cláusula derrogatória idêntica
à consagrada no art. 528-º-A, do Código
do Mercado de Valores Mobiliários;
o absurdo de se considerar inapelavelmente
obri-gada a OPA qualquer sociedade
que passe a inte-grar um grupo
de que façam parte sociedades cotadas.
Entre 2000 e o tempo presente muita água cor-
reu por debaixo das pontes.
Hoje em dia deveria ser incontroverso que o art.
20.º, n.º 1, al. b), do CVM, acolhe uma impu-
tação dos votos da sociedade dependente à
dominante e vice-versa. Essa é, de resto, a tra-
dição do nosso direito, pois assim sucedia já
no domínio do Código do Mercado de Valores
Mobiliários. Essa foi a interpretação que cedo
se generalizou, que mais não seja em conse-
quência justamente dessa tradição.
20 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
E, para rematar, essa é a solução imposta pela
Directiva 2004/25/CE em matér ia de OPA
obrigatória, ou quando menos, a solução que o
legislador português confirmou, em 2006 (no
âmbito do diploma precisamente destinado a
transpor para o nosso direito a referida Directi-
va), ser a resultante das palavras "nos termos do
art. 20.º" constantes do art. 187.º, n.º 1, ao em-
pregar a locução "pessoas que com o oferente
se encontrem em alguma das situações do art.
20.º" como (pelo menos) equivalente à noção
de "pessoas actuando em concertação com ofe-
rente" em domínios em que a Directiva fora de
toda a dúvida obriga que entre essas pessoas se
contem sempre as empresas-filhas e a respecti-
va entidade dominante.
Não tem razão, por ex., Engrácia Antunes,
quando afirma, no parecer inédito a que acima
nos referimos, que "à ausência de previsão de
qualquer cláusula derrogatória semelhante no
atual CVM apenas poderá ser atribuído o senti-
do de o legislador português vigente ter preten-
dido recusar relevância às chamadas transmis-
sões intragrupo em sede da isenção de OPA
obrigatória", se com isso pretende significar
que a alienação de uma participação de mais de
50% a uma sociedade dependente do transmi-
tente constitui aquela num dever de OPA.
Efectivamente, tendo presente que o art. 20.º,
n.º 1, al. b) (aplicável ex vi do art. 187.º) consa-
gra uma imputação múltipla, os votos em causa
já eram imputáveis à sociedade dependente
anteriormente à transmissão, e, por via disso,
se a mesma não estava já constituída num de-
ver de OPA, tão pouco incorrerá nessa obriga-
ção em consequência da transmissão52.
A questão da obrigatoriedade de OPA coloca-
se em momento anterior, a saber, no momento
em que uma sociedade passa a estar na de-
pendência de uma entidade a quem sejam
imputáveis mais de 50% dos votos em socie-
dade aberta.
Se certa pessoa já detinha mais de 50% dos vo-
tos no momento em que a sociedade visada ad-
quiriu a qualidade de sociedade aberta, todas as
sociedades que a mencionada pessoa já domi-
nasse nesse momento não terão de lançar OPA
(tal como não tem a pessoa que as controla)
nem nessa altura nem na data ulterior em que
eventualmente venham a adquirir a titularidade
da participação em causa.
Segue-se daqui que uma cláusula como a que
constava do art. 528.º-A, n.º 1, al. e), do Código
do Mercado de Valores Mobiliários, inserida no
quadro de um sistema que consagre uma impu-
tação múltipla dos votos no seio de um grupo
societário, tem quando muito a utilidade limita-
da de eliminar dúvidas injustificadas quanto
à inexistência de um dever de OPA nos casos
de transmissões intra-grupo, tanto em senti-
do ascendente, como nos sentidos descenden-
te e lateral53.
52- O raciocínio é exactamente o mesmo que leva a considerar que a entidade dominante não fica constituída num dever de OPA pelo facto de adquirir a uma sociedade dependente uma participação superior a 50% em sociedade aberta (tais votos já lhe eram imputáveis e, portanto, a ultrapassagem do limiar dos 50% já tinha ocorrido anteriormente à transmissão). 53- Cfr., aliás, Ana Perestrelo de Oliveira, ob. cit., pág. 636: "no anterior regime jurídico, a regra privilegiadora do grupo havia sido aditada ao CMVM pelo decreto-lei n.° 261/95, de 3 de outubro para resolver dúvidas suscitadas no âmbito da versão original do Código" (sublinhado nosso).
21 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
Repare-se, com efeito, que a dita cláusula só
cobria as hipótese de "aquisição por uma socie-
dade de valores detidos por outra sociedade
que com ela se encontre em relação de domínio
ou de grupo ou que seja dominada por uma
terceira sociedade que domine igualmente a
sociedade adquirente" — casos esses em que,
por força da imputação múltipla, repisa-se, os
votos já eram atribuídos à sociedade adquirente
e a transmissão nunca poderia, et pour cause,
importar na ultrapassagem de nenhum limiar54.
Falta faria uma norma diferente (if any...), que
esclarecesse antes não haver dever de OPA no
caso em que os votos de uma pessoa passarem a
ser imputados pela primeira vez a uma socieda-
de dela dependente, coisa que ocorre no mo-
mento em que a relação de domínio entre am-
bas se constitui (seja ou não a sociedade de-
pendente detentora a essa data de quaisquer
acções da sociedade visada).
O certo, contudo, é que essa norma também não
existia no Código do Mercado de Valores
Mobiliários, e nem por isso ocorreu alguma vez
a alguém, na vigência desse Código, clamar por
OPAs em cada ocasião em que uma sociedade
passou a ser depen-dente, directa ou indirecta-
mente, de pessoa que detivesse mais de 50%
dos votos em sociedade aberta. Isso terá levado
o legislador do Código dos Valores Mobiliários
a entender que uma tal norma se limitaria a
estatuir o óbvio.
Cabe aqui salientar dois pontos.
O primeiro é este: se, em lugar de ter constituí-
do a Sociedade Z, a pessoa singular do nosso
exemplo tivesse transmitido a sua participação
na Sociedade Y para uma qualquer sociedade
que ele já detivesse maioritariamente desde o
momento em que a Sociedade X adquiriu a qua-
lidade de sociedade aberta e lhe desse uns esta-
tutos iguais aos da Sociedade Z, a situação se-
ria em tudo igual à actualmente existente, sem
que, mesmo de acordo com a tese que rejeita-
mos, nenhum dever de OPA tivesse de ser cum-
prido. Isto porque os direitos de voto inerentes
à participação na Sociedade X na titularidade da
Sociedade Y já seriam imputáveis a essa outra
sociedade anteriormente à transmissão.
O segundo é que o problema trazido a juízo se
colocaria nos mesmos termos se a pessoa singu-
lar se tivesse mantido como titular da partici-
pação do capital social da Sociedade Y e tives-
se realizado o capital da Sociedade Z em di-
nheiro: na verdade, sendo esta uma sociedade
dominada por aquela pessoa, sempre lhe seriam
atribuídos os direitos de voto na Sociedade X
imputados àquela (mau grado não possuir uma
única acção da Sociedade X ).
Em duas palavras: a imposição de OPA nos
casos em apreço seria tão absurda que, de facto,
o argumento que usámos no nosso escrito de
2000 acaba por não passar de um argumentum
ad terrorem, que não procede. Sem rebuço se
estende aqui a mão à palmatória55.
5.6 A um sistema de imputação múltipla
subjaz uma consideração grupal unitária
Está fora de cogitação que, ao impor uma impu-
tação múltipla, tivesse sido propósito do legis-
lador comunitário obrigar ao lançamento de
OPAs nos casos a que nos vimos referindo.
Na Alemanha, onde a imputação múltipla, en-
quanto durou, era sobretudo fonte de inconveni-
entes burocráticos (necessidade para a nova
sociedade dependente de requerer ao BaFin a
desconsideração dos votos) Arnold sugeria
como saída uma interpretação do § 31, I, 1, da
54- Como se adverte no artigo A imputação de direitos de voto no Código dos Valores Mobiliários, assumindo uma imputa-ção múltipla, "a eliminação da hipótese de derrogação da obrigatoriedade do lançamento de uma OPA prevista no art. 528º-A, n.º 1, al. e), do CodMVM (...) só pode ter ficado a dever‑se à circunstância de o legislador a reputar completamente dispensável". 55- Não será caso, julga-se, para citar Emerson: "A foolish consistency is the hobgoblin of little minds, adored by little statesmen and philosophers and divines (…). Speak what you think now in hard words, and tomorrow speak what tomorrow thinks in hard words again, though it contradict everything you said today”.
22 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
WpÜG que o reduzisse ao limite do razoável,
entendendo-se a imputação múltipla dele decor-
rente como traduzindo uma espécie de controlo
pelo grupo: "o controlo pertence ao grupo na
configuração que tem em cada momento" com
o que "a inclusão adicional de sociedades não
conduziria a uma 'obtenção do controlo'", e
não obrigaria a OPA56.
Este parece ser realmente o caminho indicado.
A imputação múltipla assenta numa considera-
ção unitária do todo formado por uma entidade
e pelas diversas sociedades que a mesma em
cada momento domine, directa ou indirecta-
mente; esse grupo é encarado como um organis-
mo cuja identidade se mantém enquanto for a
mesma a entidade controladora, não sendo
afectada por alterações ocorridas ao nível das
suas células componentes.
Nas palavras de Paulo Mota Pinto, no seu
parecer inédito a que tivemos acesso: "o domí-
nio relevante para efeitos de imputação deve
compreender todo o potencial de influência reu-
nido no seio desse grupo, e sob o controlo de
uma mesma entidade-cúpula — seja ela uma
pessoa singular ou colectiva, em face das re-
gras, bem assentes, sobre o âmbito pessoal de
aplicação. E deste modo, a inclusão adicional
de uma ou mais sociedades na cadeia de um
mesmo grupo, que não deixa de ser o mesmo
grupo por causa disso (uma vez que não surge a
partir dessa inclusão um novo controlador, um
novo potencial de influência), constitui-a em
mais um vaso comunicante de imputação dentro
do grupo (…). As regras de imputação de direi-
tos de voto, ao atuarem nos sentidos ascenden-
te, descendente e lateral, criam um sistema de
vasos comunicantes do controlo que torna des-
de logo irrelevantes, sem que a lei o tenha que
expressamente dizer, as 'realocações' intragru-
po de direitos de voto, fazendo com que se não
possa dizer que, por força de tal 'realocação', ou
de uma interposição de um novo elo na mesma
'cadeia de domínio', se passou a superar um li-
miar relevante para o dever de lançamento de
OPA (com uma 'mudança de controlo')".
5.7 A inexistência de interesses
dos accionistas minoritários dignos de tutela
A mera alteração de título de imputação, já o
vimos, não é constitutiva de um dever de
OPA, por maior e mais profundo que seja o
seu impacto dessa alteração sobre as
“condições de investimento” dos accionistas
minoritários — sendo certo que esse impacto
pode efectivamente ser bastante significativo,
como o ilustram algumas das hipótese por nós
figuradas supra sob 3.
Acompanhamos, neste passo, Thomas
Liebscher57: “em tais constelações os interes-
ses dos accionistas externos da sociedade visa-
da não são tão carecidos de protecção como
nos casos em que um terceiro que vem de fora
adquire uma participação de controlo. O risco
de transferências de participação dentro do
grupo das entidades domi-nantes na situação
de domínio anterior é intrínseco a essa situa-
ção e os accionistas externos encontram-se
[depois das transferências], como se encontra-
vam antes, diante de um dos anteriores titulares
do domínio, de tal forma que não parece exigí-
vel uma reapreciação da sua decisão de investi-
mento, tanto mais que o direito das tomadas de
domínio pura e simplesmente não pode oferecer
uma protecção completamente isenta de bre-
chas”. (sublinhado nosso).
Aqui é que bate o ponto: quem adquire acções
numa sociedade cotada já sabe de antemão
que a transmissão de acções dentro do círcu-
lo de accionistas a quem determinada parti-
cipação seja imputável não gera dever de
OPA e, portanto, não pode deixar de aceitar
56- Ob. cit., pág. 517. 57- Ob. cit., págs. 1015.
23 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
arcar com o risco correspondente (aliás inex-
pressivo), incorporando-o na sua decisão de
investimento.
6. Da inexistência do dever de OPA
mesmo pressupondo-se uma imputação
dentro de um grupo apenas em sentido
descendente
Admitamos, for the sake of argument, que a
imputação de votos decorrente do art. 20.º, n.º
1, al. b) operava apenas em sentido ascendente
e que a nossa lei não reconhecia o tal controlo
pelo grupo (ou seja, que " o controlo pertence
ao grupo na configuração que tem em cada
momento" com o que, logo por isso, "a inclusão
adicional de sociedades não conduziria a uma
'obtenção do controlo'", e não obrigaria a
OPA); mesmo assim não é legítimo sustentar
que a sociedade Z do nosso exemplo incorreu
num dever de OPA, em virtude da inter-
pretação restritiva de que, nessa hipótese, o art.
187.º, n.º 1, teria de ser objecto. Vejamos uma
vez mais.
6.1 Necessidade de uma interpretação
teleológica do art. 187.º, n.º 1, do CVM
Como bem salienta Paulo Mota Pinto no seu
citado parecer "nenhum dado (legislativo, da
prática do mercado de capitais ou qualquer ou-
tro) pode infirmar a necessidade de interpreta-
ção das normas jurídicas em causa à luz da res-
petiva teleologia, à luz do respetivo fim sócio-
jurídico, tendo aliás de, no quadro da interpreta-
ção dessas normas, ser atribuída proeminência a
tal 'elemento teleológico' (...). A interpretação
da norma do art. 187.º, n.º 1, à luz da teleologia
que lhe é ínsita, não dispensa que se indague, de
modo decisivo, em que medida alterações na
estrutura de domínio devem ou não ter conse-
quências ao nível da vinculação ao lançamento
de uma OPA obrigatória"58.
Hoje em dia é largamente dominante a opinião
que recusa uma interpretação literal e uniforme
dos critérios de imputação dos votos nos termos
do artigo 20.º do CVM (para os quais remete o
art. 187.º, n.º 1), e que conclui que, para efeitos
do dever de lançamento de OPA, as diversas
alíneas daquele preceito devem apenas ser con-
sideradas se, e na medida em que, à imputação
de direitos de voto corresponda uma situação de
efetivo domínio ou controlo da sociedade visa-
da. A CMVM afina pelo mesmo diapasão.
Não perfilhamos esta opinião. Mesmo a ser ver-
dade, porém, que se tem de interpretar as regras
sobre a imputação de direitos de voto sob a égi-
de da respetiva teleologia ou consequência —
no caso, por força da remissão do artigo 187.º,
n.º 1, a constituição de um dever de lançamento
de OPA —, “isso não dispensa, em rigor, que se
identifique a ratio legis (o surgimento do dever
de lançamento de OPA) que deva justificar a
consideração deste ou daquele aspecto de facto
e/ou de direito como integrante ou conducente
ao domínio para efeitos jurídico-mobiliários,
conforme computado por via das regras de im-
putação de direitos de voto"59.
Na Alemanha, diga-se en passant, a doutrina
divide-se sobre se o apelo ao telos do dever de
OPA para efeitos restritivos deve ser atendido
aquando da fixação do sentido das regras de
imputação de direitos de voto ou antes subse-
quentemente, quando se trata de apurar se a
ultrapassagem do patamar de votos relevante
(30%) é efectivamente geradora de um dever de
OPA60.
Não se pode é querer matar a discussão com o
argumento de que a situação examinada não é
subsumível a nenhum dos casos de derrogação
do dever de OPA previstos no art. 189.º do
CVM. Pois, como nota uma vez mais Paulo
Mota Pinto no seu parecer, "a eventual
58- Na mesma linha cfr. Carlos Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 8: "Seguro é, pelo menos, que não existe no sistema jurídico qualquer princípio de in dubio pro opa e que a interpretação das normas sobre ofertas públicas segue os cânones hermenêuticos comuns". 59- Paulo Mota pinto, parecer citado. 60- Vide, por todos, Wackerbarth, ob. cit., anotações 5 e segs. ao § 30.
24 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
aplicação da exceção taxativa só pode ser discu-
tida no pressuposto de que antes a regra geral,
em momento lógico prévio, atuou no caso con-
creto, impondo pela sua previsão e teleologia
uma vinculação a um dever de lançamento de
OPA obrigatória (...). Ou por outras palavras:
não vale a pena, nem faz sentido, discutir a ex-
ceção se e quando é logo a regra geral que nem
sequer se aplica ao caso (e só se esta se aplicas-
se, num primeiro momento lógico, é que have-
ria, num segundo momento, que verificar se
essa aplicação cessaria ou não, em virtude das
exceções que lhe dizem respeito)”.
6.2 Os fundamentos do dever de OPA
Há no essencial acordo sobre os fundamentos
da consagração de um dever de OPA — a ratio
legis, aliás, é de uma "simplicidade cristalina";
trata-se de, havendo uma modificação do con-
trolo da sociedade, assegurar uma distribuição
equitativa do prémio que seja pago e de possibi-
litar que o accionista discordante com a altera-
ção possa sair da sociedade em condições jus-
tas.
A experiência mostrou que, tanto no caso de
passar a existir pela primeira vez um accionista
de controlo, como no caso de alteração desse
accionista, ocorre frequentemente uma mudan-
ça da política e da estratégia empresariais, po-
dendo tais eventos afectar negativamente a co-
tação das acções ou a política de distribuição de
dividendos; daí a necessidade de tutelar os acci-
onistas minoritários, assegurando-lhes a oportu-
nidade de reapreciarem e reverem a sua decisão
de investimento.
Por outro lado, "é ponto assente, na análise fi-
nanceira empresarial e mobiliária, que uma par-
ticipação social que permita ao seu adquirente a
obtenção do controlo não vale apenas tanto
quanto a soma do valor de mercado de cada
ação que a compõe: vale, sim, esse montante
somado a um valor acrescido, um plus que re-
presenta o chamado prémio de controlo"61: o
dever de OPA geral provê a que esse valor
acrescido seja repartido igualitariamente entre
todos os accionistas, em vez de ser apropriado
pelo titular da participação de controlo.
6.3 Os limites ao dever de OPA impostos
pelas garantias constitucionais da liberdade
negativa de contratar e da autonomia
privada
"O dever de lançar oferta pública, na medida
em que efetivamente tenha de conduzir a final a
aquisição forçosa de valores mobiliários por
determinado preço, fixado nos termos do CVM,
põe o oferente numa posição em que a sua auto-
nomia privada se encontra comprimida próxi-
mo do mínimo imaginável: não pode furtar-se à
celebração de contratos tendentes à aquisição
dos valores mobiliários, quer queira, quer não
queira"; ora configurando a imposição do de-
ver de lançamento de OPA uma significativa
restrição à liberdade negativa de contratar do
oferente, protegida também no plano constituci-
onal, ela só poderá ser justificada, também nes-
te plano, em situações em que se encontrem em
concreto interesses de acionistas/investidores
minoritários que, efectiva ou potencialmente
afectados por uma real aquisição ou transmis-
são do controlo, careçam desde já de ser tute-
lados, pelo surgimento de tão extenso e gravoso
dever jurídico".62
Mais: a protecção da posição jurídica e do patri-
mónio daquele a quem se queira impor um de-
ver de OPA não podem ser simplesmente obnu-
bilados, e o seu interesse inteiramente desconsi-
derado, em favor de uma irrestrita protecção
dos accionistas minoritários e dos investidores,
na hora de interpretar o artigo 187.º, n.º 1.
Razões jurídico-constitucionais, de respeito
pelo princípio da proporcionalidade na previsão
de restrições ou limitações legais a valores tão
61- Paulo Mota Pinto, parecer citado. 62- Paulo Mota Pinto, parecer citado (itálico acrescentado).
25 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
fundamentais como a liberdade negativa de
contratar e a garantia da propriedade privada
exigem que o dever de OPA se contenha dentro
dos limites do que seja adequado e exigível pa-
ra protecção dos interesses dos accionistas mi-
noritários em operações de tomada de controlo
das empresas.
6.4 Os limites ao dever de OPA impostos
pelo direito comunitário
As regras do CVM relativas às ofertas públicas
de aquisição têm hoje em dia de interpretar-se
em conformidade com a Directiva 2004/25/CE,
que os Estados Membros estavam obrigados a
transpor até 20 de Maio de 2006.
A Directiva tem indiscutivelmente como
finalidade a protecção dos interesses dos accio-
nistas nos casos de mudanças de controlo
(Considerandos 3 e 9). Mas a essa finalidade
junta-se outra, qual seja a criação de um merca-
do eficiente para a tomada de controlo de
empresas63. A protecção dos accionistas minori-
tários constante do art. 3.º, n.º 1, al. a), parte
final, da Directiva, não pode fazer-se a expen-
sas desse outro objectivo, tendo de recuar onde
o interesse de que exista um mercado de capi-
tais eficiente se lhe sobreponha de forma não
despicienda64.
A isto importa ajuntar que quaisquer intromis-
sões (provindas tanto dos direitos nacionais co-
mo do direito comunitário) na liberdade de cir-
culação de capitais e de estabelecimento — co-
mo é indiscutivelmente o caso da que se traduz
imposição de um dever de OPA — só são ad-
missíveis se preencherem quatro condições:
aplicarem-se de modo não discriminatório, jus-
tificarem-se por razões imperativas de interesse
geral, serem adequadas para garantir a realiza-
ção do objectivo que prosseguem e não ultra-
passarem o que é necessário para atingir esse
objectivo (vide o Acórdão do Tribunal de Justi-
ça de 30 de Novembro de 1995, Proc. C-55/94).
6.5 No domínio multi-escalonado,
só a entidade de topo é verdadeiramente
dominante, em termos substantivos
É incontrovertida a possibilidade de que a um
domínio directo venha juntar-se um domínio
indirecto (se B domina C, mas é por sua vez
dominada por A, C será dependente tanto de A
como de B); do ponto de vista substantivo, po-
rém, nessas hipóteses, só há na verdade uma
influência dominante (a de A). Assim, designa-
damente, Koppensteiner: “nos casos de depen-
dência indirecta a vontade de domínio decisiva
é em última instância formada por um único
sujeito de direito, e não por vários: a empresa-
mãe pode determinar os termos da influência da
empresa-filha sobre a empresa neta”65.
No mesmo sentido se pronunciou a CMVM:
"(…) numa cadeia de imputação quem domina,
em última análise, é “o respetivo ultimate bene-
ficial owner […] que tem o poder fáctico e jurí-
dico de determinar o sentido em que são exerci-
dos os direitos de voto na sociedade aberta, in-
dependentemente do número de entidades que
entre si e a sociedade aberta se interponham
[…]".
6.6 A razão de ser ou teleologia
do art. 187.º, n.º 1, do CVM, não está
presente nas hipóteses de restruturações
intra-grupo
A este respeito, há uma nota muito importante a
reter: na circulação intra-grupo que aqui se tem
em vista não podem entrar novas pessoas que
passem a partilhar com outras o domínio anteri-
ormente existente (pessoas a quem não eram
63- Vide Martin Philipp Heuber, ob. cit., pág. 66 e segs: essa finalidade deduz-se, designadamente, de alguns dos preceitos da Directiva (assim, por ex., do art. 3.º, n.º 1. al. d), que proíbe a criação de "mercados artificais"), e do próprio facto de esse acto ser emanado ao abrigo do art. 44.º, n.º 1, do Tratado da Comunidade Europeia (correspondente ao art. 50.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), segundo o qual a adopção de directivas se destina a "realizar a liberdade de estabelecimento". 64- Martin Philipp Heuber, ob. cit., pág. 72. 65- Kölner Kommentar zum Aktiengesetz, vol. I, 3.ª edição, anotação 32 ao § 17).
26 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
anteriormente imputados quaisquer direitos de
voto). Exige-se, pelo contrário, que em conse-
quência dela, os votos inerentes às acções trans-
mitidas não sejam imputáveis senão à pessoa
que estiver no vértice da pirâmide societária e
às sociedades integrantes desse grupo (e, por-
ventura, a outras entidades a quem já fossem
atribuídos, mas não a qualquer outra nova enti-
dade). "Está em causa a mera introdução de um
elo societário suplementar, inócua do ponto de
vista da prévia influência dominante, que se
mantém.
Pois bem. Na Alemanha, Fuhrman e
Oltmanns defendem que restruturações no seio
de um grupo assim entendidas não podem de-
sencadear um dever de lançamento de OPA,
na medida em que pressuposto desse dever é
que surja um “potencial de influência que
anteriormente não existisse”; ora “isso não é o
que se passa nos negócios entre um accionista
e aquelas pessoas cujos votos lhe sejam imputá-
veis (ou aliás também entre tais pessoas)”, não
havendo “nenhum interesse digno de tutela dos
accionistas externos em que lhes seja feita uma
(nova) oferta obrigatória”66.
O BaFin e a grande maioria dos outros autores
alemães recusa esse entendimento, mas com o
único argumento de que a sua adopção tornaria
“vazio” o § 36, III, da WpÜG, o qual justamen-
te, como se viu, permite que, mediante requeri-
mento formulado àquela entidade, não sejam
contados os votos inerentes às acções adquiri-
das em resultado de reestruturações no seio de
um grupo.
Este argumento, à primeira vista irrespondível,
não chega para desarmar os Fuhrman e
Oltmanns:
“esta concepção do BaFin é dificilmente
compreensível. Numa reestruturação no seio
de um grupo não há alteração prejudicial
aos accionistas externos. A influência decisi-
va continua a ser exercida como dantes pela
empresa mãe do grupo em causa. Nem o
valor nem a natureza da participação dos
accionistas externos na sociedade é substan-
cialmente alterada (…). A fundamentação
do BaFin, segundo a qual a regulamentação
do § 36, nr. 3, ficaria na prática esvaziada,
afigura-se não ser muito convincente diante
destas considerações baseadas nas finalida-
des da WpÜG”.
Convém não perder de vista que, na Alemanha,
o ponto não tem importância prática por aí
além: trata-se apenas de saber se a sociedade
do grupo adquirente está isenta do dever de
OPA sem mais, ou se tem de requerer a descon-
sideração dos votos ao BaFin (que não a pode
recusar). Entre nós, onde não existe regra seme-
lhante à do § 36, III, da WpÜG, não há nenhum
argumento para não retirar da razão de ser da lei
a consequência preconizada por Fuhrman e
Oltmanns. Como referem Noack/Zetsche, a
exigência de obter a desconsideração de votos é
totalmente inadequada, porque uma reestrutura-
ção na prática não muda em nada o controlo por
parte da sociedade de cúpula, e os accionistas
não carecem de protecção67.
Não são dignos de tutela, pelo menos, em ter-
mos que justifiquem um dever de OPA, ou seja,
uma restrição tão significativa à liberdade nega-
tiva de contratar do oferente, protegida também
no plano constitucional, e à liberdade de estabe-
lecimento e de circulação de capitais, protegida
no plano comunitário.
Assim o comprova a lição do direito compara-
do. Tem toda a razão quem afirme que "a análi-
se do Direito comparado permite compreender
que nesses ordenamentos o entendimento é o de
que a circulação entre pessoas relacionadas por
laços de domínio ou sociedades em relação de
66- Pflichtangebot bei konzerninternen Umstrukturierungen? Praktische Erfahrungen mit § 36 Nr. 3 und § 37 WpÜG, in NZG - Neue Zeitschrift für Gesellschaftsrecht, 2003, pág. 18. Em sentido idêntico Seibt/Heiser, Übernahme und Umwandlungsrecht, in Zeitschrift für das gesamte Handelsrecht und Wirtschaftsrecht, 2001, págs. 492 e seg.. 67- KapitalmarktrechtsKommentar, de Schwark/Zimmer, 4.ª edição, anotação 13 ao § 36 da WpÜG.
27 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
grupo recai (…) na previsão da obrigação de
lançamento de OPA, de forma que se preveem
exceções em determinados casos, o que de ou-
tra forma não faria sentido".
O que acontece, simplesmente, é que, pressu-
pondo embora a obrigatoriedade de OPA, do
ponto de vista da ratio legis, uma alteração ma-
terial do domínio, a maioria das legislações
socorre-se de uma noção formal para delimitar
o âmbito dessa obrigatoriedade (a ultrapassa-
gem de um certo número de votos, contados de
determinada maneira) — e daí precisamente a
necessidade de restringir o âmbito de aplicação
da norma que acolhe essa noção, de modo a
assegurar a conformidade entre o regime aplicá-
vel e o telos do dever de lançamento. As
"excepções" (recte: "restrições") são necessárias
porque a letra da lei vai além do seu espírito (é
por isso que elas surgem nas diversas legisla-
ções); se o próprio legislador não as prevê
caberá ao órgão aplicador do direito restringir o
teor literal, segundo os cânones hermenêuticos
gerais.
Não se objecte que a tese de que "a alteração do
domínio efetivo constitui um limite imanente
do dever de lançamento de OPA, que, por isso,
não tem de considerado como exceção a esse
dever"68 significaria a abrogação da presunção
legal inilidível de “alteração de domínio efecti-
vo” quando é ultrapassado o limite de 1/2, re-
sultante do artigo 187. n.º 1 do CVM, a abroga-
ção da presunção legal inilidível do domínio,
resultante do artigo 21.º n.º 2 al. a) do CVM, e a
equiparação dos regimes da ultrapassagem do
limite de 1/3 e 1/2, regimes que o legislador
quis expressamente distinguir".
Efectivamente, o que se alega para subtrair ao
campo de aplicação do art. 187.º, n.º 1, os casos
de restruturações intragrupo em que uma socie-
dade adquire da pessoa que a domina uma parti-
cipação que lhe confere mais de metade dos
votos numa sociedade aberta não é que a mes-
ma não lhe proporciona o domínio desta última
sociedade, antes que a influência dominante
veiculada por essa participação verdadeiramen-
te não pertence ao respectivo titular jurídico-
formal, sujeito que está, por sua vez, ao domí-
nio de outrem; não pode figurar-se sequer um
domínio conjunto, na medida em que para tanto
seria imprescindível que o seu exercício depen-
desse de uma vontade comum da entidade do-
minante e da sociedade dependente, para cuja
formação ambos pudessem contribuir de manei-
ra autónoma.
Dito de outro modo, a não obrigatoriedade de
uma OPA nestes casos não decorre de não ha-
ver aquisição do domínio, mas de este ser mera
correia de transmissão de um outro que lhe pré-
existia e que subsiste, não cobrando por isso
relevo, assim, no plano material ou dos interes-
ses em jogo.
Como quer que seja: o art. 187.º, n.º 1, do
CVM, interpretado como consagrando um de-
ver de OPA em casos em que não há alteração
substancial da situação de controlo, como ocor-
re no caso sub judice, seria inconstitucional, por
violação dos arts. 26.º, n.º 1 (que consagra um
direito ao desenvolvimento da personalidade do
qual decorre a tutela de uma liberdade geral de
acção), 61.º e 62.º da Constituição, e ilegal por
violação dos arts. 49.º e 63.º do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia.
6.7 A inexistência no caso sub judice
de uma alteração significativa da situação
de domínio
O certo, porém, é que se invoca que a situação
de domínio da Sociedade X se modificou, e em
termos essenciais.
Engrácia Antunes, por ex., no seu parecer,
escrevia: "Em face do exposto, julgamos ter
68- Carlos Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 11.
28 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
ficado claro que a situação de domínio preexis-
tente se alterou: no lugar de um domínio de na-
tureza individual (exercido por uma pessoa sin-
gular) e solitário (exercido por um único sujei-
to), a [Sociedade X] é hoje objeto de um domí-
nio de natureza societária (exercida através de
pessoa jurídica societária) e coletiva (em cuja
conformação participam vários sujeitos, na
qualidade de acionistas e membros dos órgãos
sociais dessa mesma sociedade)".
Esta asserção e os argumentos em que se es-
triba só fazem sentido no impecável
"legalês" em que são escritas. O domínio últi-
mo, “na cadeia de domínio” que já existia antes
da constituição da Sociedade Z, competia, co-
mo continua hoje a competir, à mesma pessoa
singular. E esse domínio era já então complexo,
na medida em que, embora a sua detenção últi-
ma coubesse a essa pessoa, o seu exercício exi-
gia já a passagem intermédia pelo outro elo do
domínio: a Sociedade Y .
Paulo Câmara, no parecer junto aos autos,
contrapõe que, com a criação da Sociedade Z,
"passa a existir um domínio conjunto da
[Sociedade X], exercido quer pela [Sociedade
Z], quer pelo accionista dominante desta últi-
ma69. Mas a tese é totalmente improcedente,
com o devido respeito.
Se a Sociedade Z tivesse sido constituída em
termos tais que o seu controlo fosse objecto de
uma partilha com alguma outra pessoa (a quem
não fossem anteriormente imputados os direitos
de voto) não se questiona que esse outro accio-
nista co-controlante estaria obrigado a uma
lançar uma OPA.
Só que não é isso o que se passa. A influência
dominante sobre a Sociedade Z pertence exclu-
sivamente à pessoa singular que anteriormente
já detinha o domínio indirecto da Sociedade X.
Essa pessoa tem a maioria suficiente para asse-
gurar a prevalência da sua vontade; parafrase-
ando Engrácia Antunes, graças à participação
quase totalitária do capital e votos que detém na
Sociedade Z, a referida pessoa singular está
“em condições de imprimir, de um modo juridi-
camente estável e permanente, o cunho da res-
pectiva vontade no seio da estrutura organizati-
va desta última sociedade, determinando o sen-
tido das decisões da respectiva Assembleia Ge-
ral e, mediatamente (em virtude do poder de
eleição, destituição e remuneração dos seus
membros), das decisões dos respectivos órgãos
de administração” — e nisso consiste precisa-
mente a influência dominante no quadro das
sociedades comerciais.
Se uma pessoa detém o poder de influência do-
minante sobre uma sociedade, não pode haver
mais ninguém com esse poder. Só uma influên-
cia pode ser dominante ("perante duas influên-
cias distintas, ou uma é dominante e desaloja a
outra, ou ambas se excluem mutuamente70"); na
hipótese de um controlo conjunto, o que aconte-
ce é que, havendo embora também uma só in-
fluência dominante, a mesma assenta na coor-
denação dos poderes de influência de 2 ou mais
sócios — o que, contudo, nada tem a ver com o
caso que analisamos.
Em suma: o poder de influência dominante
sobre a Sociedade X pertence hoje, em última
instância, à mesma pessoa singular que o deti-
nha anteriormente à constituição da Sociedade
Z. Improcede em absoluto a tese de que houve
“introdução na cadeia de controlo de nova hol-
ding em que um antigo accionista (…) partilha
o controlo com novos accionistas” — afirmar
isso é desconhecer em que consiste a figura da
partilha de controlo ou do controlo conjunto.
O preenchimento dos denominados requisitos
de “neutralidade e de coincidência das partes”
69- Segundo Paulo Câmara, à semelhança de Engrácia Antunes, a constituição da sociedade Z "inaugura (…) um processo de transferência do domínio sobre a (Sociedade X), de domínio individual, para co-domínio vertical". Não se chega a entender, na lógica destes autores, por que é que, anteriormente, a situação era de domínio individual da pessoa singular, e não de co-domínio vertical da pessoa singular e da sociedade Y. 70- Geßler, in AktG Kommentar, de Geßler, Hefermehl, Eckardt e Kropf, vol. I, anotação 71 e segs. ao § 17.
29 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
— se com isso se pretende significar que não é
suficiente a manutenção do mesmo accionista
último de controlo, e, designadamente, que é
necessário que este detenha 100% do capital da
sociedade que é adicionada à cadeia de domínio
— não se justifica no quadro do sistema erigido
pela nossa lei que apenas cuida de proteger os
accionistas minoritários no pressuposto de que
a situação de controlo se altera em termos
tais que surge um novo sócio controlador
(recorde-se que a mera alteração de título de
imputação não é constitutiva de um dever de
OPA, por maior e mais profundo que seja o seu
impacto dessa alteração sobre as “condições de
investimento” dos accionistas minoritários), e,
mais a mais, não serviria absolutamente para
nada: como a questão de obrigatoriedade ou não
obriga-toriedade de OPA se tem de resolver no
momento em que é ultrapassado um dos pata-
mares de direitos de voto legalmente relevantes,
nada impediria que o capital, detido integral-
mente naquele momento, fosse, sem obrigatori-
edade de OPA, transmitido parcialmente a ter-
ceiros no instante seguinte, de par, já agora,
com a atribuição a esses terceiros de “direitos
consagrados estatutariamente"; única condição
é que, por via disso, o terceiro não adquira o
domínio ou o co-domínio da sociedade (o que
não é o caso sempre que os votos inerentes às
acções da sociedade-alvo detidas pela tal socie-
dade adicionada à cadeia de domínio não se
tornem imputáveis a esse terceiro).
Não tem nenhum sentido não usar este mesmo
critério no próprio momento em que a socieda-
de passa a integrar a cadeia de domínio: não
haverá dever de OPA desde que o terceiro ou
terceiros que sejam sócios dessa sociedade in-
terposta e tenham direitos estatutários não parti-
cipem no domínio dessa sociedade, cabendo
antes esse domínio a quem já era, e continua a
ser, o accionista de controlo da sociedade aberta
em causa.
6.8 A certeza e segurança jurídica
Estamos plenamente convictos de que a inter-
pretação da lei que rejeitamos é completamente
errónea, mesmo que fosse possível desenvolver
a actividade hermenêutica fazendo abstracção
do modo como a lei tem sido uniformemente
entendida e aplicada ao longo de muitos anos.
O facto, porém, é que não é. O valor da segu-
rança jurídica (que em matér ia mobiliár ia
assume particular acuidade) postula que os des-
tinatários de uma norma possam confiar em que
os tribunais a aplicarão com o sentido que gene-
ralizadamente lhe é atribuído, salvo casos
excepcionalíssimos.
Isto é particularmente assim quanto a normas
que permanecem intocadas depois de o instituto
em que se integram ter sido objecto de uma in-
tervenção legislativa (como aconteceu com o
art. 187.º, n.º 1, do CVM, aquando designada-
mente da reforma do instituto das OPAs levada
a cabo pelo Decreto-Lei n.º 219/2006, de 2 de
Novembro), pois é legítimo ver nessa circuns-
tância um sinal de concordância do legislador
com a interpretação prevalecente (sinal esse
tanto mais forte quanto maior for o grau da pre-
valência: a lei não é lei se não encarnar na vida
que é suposta regular).
É pelo menos inusitado que, em nome da
certeza e da segurança jurídica — é dizer, da
previsibilidade das decisões —, se defenda
uma leitura literal da lei que, a ser acolhida e
aplicada, apanharia totalmente de surpresa o
nosso mercado de valores mobiliários e a ge-
neralidade dos seus agentes, lançando ondas
de choque sobre uma experiência pacata de
mais de dez anos sem notícia de qualquer inci-
dente relacionado com a questão em apreço e
criando no mercado um verdadeiro caos, pelas
repercussões daí decorrentes sobre um amplo
leque de operações transactas.
30 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
Inúmeras operações que implicaram a
"adveniência de novos sujeitos" à cadeia de
controlo tiveram lugar desde Abril de 2000 sem
que ninguém — positivamente ninguém — ti-
vesse aventado a obrigatoriedade de uma OPA.
Podem citar-se, sempre a título de meros exem-
plos, o que aconteceu com a Sonaecom em Ja-
neiro de 2007 (a Sontel BV passou a constituir
um elo adicional na cadeia existente entre o
Eng. Belmiro de Azevedo e a sociedade sua
dominada Sonaecom) e, ainda muito recente-
mente, com a Jerónimo Martins SGPS, S. A. (o
domínio directo que sobre ela exercia a Socie-
dade Francisco Manuel dos Santos, SGPS S.A,
passou a ser indirecto, mercê da interposição da
Sociedade Francisco Manuel dos Santos B.V.).
Isto para já não falar das dezenas ou centenas
de casos em que novas sociedades passaram
simplesmente a integrar grupos de que fazem
parte sociedades abertas, e a quem, por força da
imputação múltipla, passaram por esse mero
facto a ser imputáveis votos em percentagem
superior aos limiares de obrigatoriedade de
OPA.
Perante um consenso tão vasto, em que par-
ticipa a própria CMVM (a entidade a quem a
lei comete a supervisão e a regulação do merca-
do de valores mobiliários!), não é mini-
mamente admissível uma interpretação feita
em redoma de vidro — para mais, insiste-se,
em nome de “exigências imperativas de segu-
rança e de previsibilidade”. Estas exigências
postulam, sim, que se respeite a interpretação
prevalecente e não se introduza uma feroz litigi-
osidade onde tem imperado total harmonia71.
Essa harmonia é possível porque a interpretação
restritiva propugnada não abre a porta a discus-
sões a propósito de situações concretas, passí-
veis de minar a segurança na aplicação do direi-
to, pretendida pelo legislador. Nada há para
discutir: a recomposição de grupos que impli-
que a "adveniência de novos sujeitos" à cadeia
de controlo nunca gera obrigação de OPA, sem-
pre que se mantenha a cabeça do grupo e os
votos não se tornem imputáveis a qualquer enti-
dade alheia ao grupo (não é, pois, que umas
vezes a determine e outras não, de acordo com
uma qualquer ponderação das circunstâncias do
caso concreto que pudesse ser fonte de dúvidas
e incertezas).
6.9 Considerações finais
Não se pode falar de deveres de OPA, passe a
expressão, como quem bebe um copo de água!
A tutela dos accionistas minoritários consubs-
tanciada na imposição de um dever de OPA
representa um encargo tão oneroso para o obri-
gado que tem de ser reservada para os casos de
verdadeira alteração material do controlo (e,
aliás, nem para todos); trata-se de um remédio
poderoso e dispendiosíssimo para uma doença
grave, não de um placebo para pacientes hipo-
condríacos ou com a síndrome de Münchausen.
Tal tutela tem, por outras palavras, de ser man-
tida dentro de limites razoáveis. O interesse dos
minoritários não é o único que está em jogo. A
sua protecção não pode ir ao ponto de sacrificar
a liberdade do accionista de controlo de movi-
mentar a sua participação no interior do seu
grupo empresarial; enquanto se mantiver a
cúpula do grupo, os accionistas continuarão a
confrontar-se com a mesma situação de domí-
nio, em termos substanciais.
Mas, por força dessa liberdade, os sócios mino-
ritários sabem que, cessada a relação de domí-
nio entre a pessoa controladora e a sociedade
que seja a titular directa da participação, apenas
se tornará obrigatória uma OPA se e quando
essa sociedade vier a tornar-se dependente de
outra ou outras entidades. Assim o reconhece a
71- Como refere Paulo Mota Pinto (Parecer PMP, pág. 92): "E quanto à certeza jurídica ou segurança do mercado de valores mobiliários no seu todo, basta-nos remeter para a circunstância, suficientemente eloquente, de, em vários anos de aplicação do Código de Valores Mobiliários, em operações idênticas (ou pelo menos semelhantes em todos os aspectos relevantes) à que está agora em causa, nunca se ter concluído pela necessidade de lançamento de uma OPA geral — nem a CMVM a ter exigido, nem a doutrina ter reclamado a sua consagração, nem sequer o legislador, apesar de ter revisto o CVM, nunca ter vindo contrariar esta prática com uma alteração legislativa correspondente”.
31 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
a doutrina alemã: a empresa-filha não fica
obrigada a OPA no momento em que cessa a
relação de dependência e em que pela primeira
vez pode exercer de modo independente o seu
controlo directo sobre a sociedade visada72.
72- Ekkenga, in WpÜG - Kommentar, de Ehricke/Ekkenga/Oeschsler, anotação 27 ao § 27.
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