7/26/2019 1. Apostila - Mdulo 1 - Administrao Pblica
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Diretoria de Desenvolvimento Gerencial
Programa de Desenvolvimento de
Gerentes Operacionais (DGO)
Escola Nacional de Administrao Pblica
Mdulo 1
Administrao Pblica e
o Contexto Institucional
Contemporneo
Apostila
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Apostila
Braslia - 2014
Mdulo 1
Administrao Pblica e
o Contexto Institucional
Contemporneo
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Fundao Escola Nacional de Administrao Pblica
Presidente
Paulo Sergio de Carvalho
Diretor de Desenvolvimento Gerencial
Paulo MarquesDiretora de Formao Profissional
Maria Stela Reis
Diretor de Comunicao e Pesquisa
Pedro Luiz Costa Cavalcante
Diretora de Gesto Interna
Ala Vanessa David de Oliveira
ENAP, 2014
ENAP Escola Nacional de Administrao Pblica
Diretoria de Comunicao e Pesquisa
SAIS rea 2-A 70610-900 Braslia, DFTelefone: (61) 2020 3096 Fax: (61) 2020 3178
Coordenadora-Geral de Programas de Capacitao: Marcia Sera da Motta Brando
Editor:Pedro Luiz Costa Cavalcante; Coordenador-Geral de Comunicao e Editorao:Luis Fernando de Lara Resende; Reviso:Renata Fernandes Mouro, Roberto Carlos R.Arajo e Simonne Maria de Amorim Fernandes; Capa: Ana Carla Gualberto Cardoso;Editorao eletrnica:Maria Marta da R. Vasconcelos.
Ficha catalogrfica:Equipe da Biblioteca Graciliano Ramos/ENAP
C6725 COELHO, Ricardo Corra
Administrao pblica e contexto institucional Contemporneo; mdulo I / Ricardo Corra Coelho. Braslia : ENAP / DDG, 2013.
73 p.
Apostila do Programa de Desenvolvimento de Gerentes Operacionais DGO.
1. Administrao Pblica Brasil. 2. Sociedade Contempornea Brasil. 3. Agente
Pblico Brasil. I. ttulo.
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ENAPSumrio
1. Retomando o Conceito de Estado ......................................................................... 9
2. A Dicotomia Pblico/Privado................................................................................ 13
2.1. A Primazia do Pblico sobre o Privado ................................................................... 15
2.2. A Fronteira entre o Pblico e o Privado .................................................................. 15
2.3. As Prerrogativas do Estado sobre os Agentes Privados.........................................18
2.4. Os Direitos do Cidado e os Deveres do Estado ..................................................... 19
2.5. Interesses Privados e Interesses Coletivos ..............................................................20
3. O Estado e o Servidor Pblico ............................................................................... 23
3.1. O Servidor como Agente do Estado ........................................................................23
3.2. Diferentes Agentes Pblicos e suas Formas de Investidura ................................... 24
3.3. As Prerrogativas do Estado e as Garantias do Servidor ......................................... 25
3.4. Vnculo Estatutrio e Vnculo Empregatcio: Cargo Pblico
e Emprego Pblico ................................................................................................... 25
3.5. A tica Profissional e o Servidor Pblico ................................................................. 27
4. O Servidor e o Servio Pblico .............................................................................. 30
4.1. Princpios Orientadores da Administrao Pblica ................................................ 30
4.2. Poderes e Deveres do Administrador Pblico ......................................................... 33
5. A Administrao Pblica no Mundo Contemporneo ........................................... 36
5.1. Globalizao e Neoliberalismo: Desregulamentao,
Privatizao e Abertura de Mercados .................................................................... 46
5.2. Reorientao do Papel do Estado no Brasil: Criao de Mercados e
Regulao dos Novos Agentes Econmicos........................................................... 37
5.3. Mudanas Tecnolgicas e Administrao Pblica .................................................. 38
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ENAP 6. Desafios da Administrao Pblica Brasileira ........................................................... 40
6.1. O Papel das Gerncias Operacionais .......................................................................... 41
Referncias Bibliogrficas ............................................................................................ 43
Caderno de Slides do Mdulo 1 ................................................................................... 46
Caderno de Exerccios do Mdulo 1 ............................................................................. 67
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ENAPGlossrio de Siglas
Indica discurso do narrador.
Indica contedos adicionais.
Indica um tpico ou assunto para o qual o leitor deve reservar especial
ateno.
Indica uma atividade prtica ou exerccio a ser realizado em sala de aulamediante o comando do facilitador.
Indica uma observao que merece destaque ou advertncia.
Indica a sugesto de fontes para consultas, tendo em vista a situao de
dvida ou de interesse por aprofundamento em tpicos ou temas
especficos.
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ENAP
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ENAPPrograma de Desenvolvimentode Gerentes Operacionais
Objetivo do Programa
Capacitar os gerentes operacionais da Administrao Pblica Federal para o exerccio
eficiente e efetivo de suas funes, por intermdio de contedos essenciais compreenso
do contexto institucional do Estado e da Administrao, da gesto de processos, do
planejamento estratgico organizacional, do ciclo de gesto governamental e da gesto de
recursos, bem como da aplicao de conceitos e ferramentas destinados mobilizao de
equipes com foco nos resultados e na criao de valor pblico.
Estrutura do Programa O Programa de Desenvolvimento de Gerentes Operacionais estruturado em cinco
mdulos consecutivos e concatenados em funo da perspectiva complementar e integrada
dos contedos.
Mdulo 1:Administrao Pblica e Contexto Institucional Contemporneo
Mdulo 2:Planejamento e Gesto Governamental
Mdulo 3:Gesto de Processos
Mdulo :Gesto de Recursos
Mdulo :Gesto de Pessoas
Objetivos Instrucionais do Mdulo 1
Definir o Estado e a Administrao Pblica, por intermdio da anlise de sua evoluo
histrica, no que se refere s suas funes e esfera de atuao.
Identificar os direitos do cidado e os deveres do Estado nas democracias modernas,
considerando-se as relaes pblico-privado e as prerrogativas do poder pblico.
Definir o papel do servidor pblico como agente do Estado, considerando-se as formas
de investidura, os tipos de vnculos e princpios de conduta.
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ENAP Definir os princpios norteadores da Administrao Pblica brasileira de acordo com o
texto constitucional, considerando as implicaes desses princpios na atuao dos agentes
pblicos.
Listar os poderes e deveres do administrador pblico com relao Administrao e
sociedade civil. Apontar as principais transformaes sociais, polticas, econmicas, culturais e
tecnolgicas da contemporaneidade, que impactaram o papel e forma de atuao do Estado
e da Administrao Pblica no mundo e no Brasil.
Indicar os desafios a ser enfrentados pelo Estado e pela Administrao Pblica brasileira
na atualidade e o papel que os gerentes operacionais podero desempenhar no
enfrentamento desses desafios.
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ENAPMdulo IAdministrao Pblica e o Contexto
Institucional Contemporneo
Atualizao e Adaptao: Coordenao-Geral deProjetos de Capacitao
Por que comear um programa de desenvolvimento gerencial discorrendo
sobre o Estado? A resposta pode no ser to bvia, ainda que a capacitao
tenha como alvo servidores pblicos. O tema poderia ser dispensvel,
pressupondo-se que o pblico j o conhea suficientemente, ou pela simples
urgncia da abordagem de contedos diretamente ligados s prticas gerenciais e melhoria
do desempenho dos gerentes. No entanto, analisar o que o Estado, e sua evoluo histrica,
constitui a forma mais segura para entender o funcionamento das instituies,
particularmente aquelas afetas Administrao Pblica, e as opes que uma sociedade
estabelece no que se referem aos seus valores, modelos e prticas de gesto. Portanto,
por intermdio desse tipo de reflexo que os dirigentes pblicos podem contextualizar a
prpria prtica, reconhecer os desafios e o papel que podem desempenhar em funo daexcelncia das organizaes pblicas.
1) Retomando o Conceito de Estado
A extenso dos poderes do Estado e o papel da Administrao Pblica na sociedade so
temas que suscitam grandes controvrsias e em torno dos quais no se pode, rigorosamente,
falar de consenso ou da existncia de uma posio dominante. Por se tratarem de questes
que emanam da reflexo e da prtica poltica, as formulaes so geralmente afetadas por
vieses ideolgicos1, alimentadas por diferentes vises de mundo, concepes e valores
Mdulo I
1 O vocbulo ideologia um dos mais complexos em cincias sociais. Foi criado e apresentado porDestutt de Tracy em seu livro Elments dIdologie, publicado em 1801. Tracy tinha a pretenso de elaboraruma cincia da gnese das ideias. Porm, no decorrer do tempo, o vocbulo adquiriu significados osmais diversos, particularmente no contexto do pensamento sociolgico. Aparece na literatura comoexpresso das ideias de uma poca ou como o conjunto da elaborao terica dos pensadores de umdado perodo histrico (Augusto Comte); como preconceitos ou pr-noes subjetivas (Emile Durkeim);como expresso de sistemas de crenas (Vilfredo Pareto) ou como falsa conscincia das condiesmateriais de existncia e de domnio entre as classes sociais (Karl Marx). Alm desses significados, oconceito tambm adquiriu o sentido de representao da sociedade, base de orientao de programaspolticos e, no raras as vezes, tomado como sinnimo de cosmoviso (viso de mundo). O debate emtorno do conceito, portanto, no trivial. Ao mencionarmos a expresso vieses ideolgicos, pressupomosa ideologia como uma forma de justificao de valores, que pode fundamentar no s posies sociais,mas, sobretudo, discursos. Nesse caso, a ideia reporta-se a outra impossibilidade da plenaneutralidade -, condio que cabe inclusive ao discurso cientfico. Para aprofundar a discusso sobre aideologia, conferir Chau (1990), Bobbio (1997) e Boundon & Bourricaud (2001).
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ENAP dos quais todos os indivduos das sociedades contemporneas, sem exceo, so portadores,
conscientemente ou no.
A impreciso dos conceitos no se restringe ao universo do senso comum. A definio
de Estado, por exemplo, imprecisa dentro da prpria cincia poltica. No raras vezes, o
Estado tido como governo, como sinnimo de pas, regime poltico ou sistema econmico(MATIAS-PEREIRA, 2010, p.31). Porm, a polissemia e o reconhecimento da existncia de vieses
no nos devem desencorajar a enfrentar a questo, nem tampouco nos autorizam
formulaes descuidadas, em uma espcie de vale-tudo. Ao longo de sculos, a civilizao
ocidental vem recorrentemente se colocando questes a respeito do Estado, do exerccio
do poder e das relaes entre Estado e sociedade2. O acmulo dessas reflexes deve nos
servir de base para conceitos mais precisos e anlises mais apuradas, sobretudo no que se
refere ao Estado moderno.
As atuais dimenses do Estado no podem ser compreendidas de maneira dissociada
do projeto social da modernidade. O projeto de modernidade pode ser resumido, da maneiracomo o faz Boaventura de Souza Santos (SANTOS, 1997, p.77), como um projeto assentado em
dois pilares: o pilar da regulao, constitudo pelo princpio do Estado (Hobbes), pelo princpio
do mercado (Locke) e pelo princpio da comunidade (Rousseau); e o pilar da emancipao,
constitudo por trs lgicas de racionalidade: a racionalidade esttico-expressiva da arte e
da literatura, a racionalidade moral-prtica da tica e do direito e, por fim, a racionalidade
cognitivo-instrumental da cincia e da tcnica.
De acordo com essa perspectiva, o Estado moderno um fenmeno histrico, cujo
surgimento coincide com mudanas estruturais nas sociedades europeias a partir da segunda
metade do sculo XV, que culminaram com a superao da suserania feudal e secularizao
dos fundamentos da poltica3. Nesse contexto, no so mais
homens que imperam sobre os outros homens, mas poderes
pblicos que agem sobre o arbtrio das pessoas privadas. O Estado
moderno nasce associado ideia de soberania, segundo a qual o
governante (soberano) tem o direito de fazer valer suas decises
frente aos governados (sditos).
Nos primrdios, o Estado moderno ser marcado pelas formas
absolutistas de poder, em que a figura do monarca se confunde
com o prprio Estado. O folclore consagrou como exemplo, nesse
sentido, o rei francs Lus XIV de Bourbon (1638-1715), que teria
afirmado em algum momento: Letat cest moi. Contudo, em
2 Essa reflexo no exclusiva da civilizao ocidental, tendo tambm sido desenvolvida em outrasculturas. No entanto, a tradio ocidental j to ampla e as do Oriente nos so to desconhecidasque a prudncia nos aconselha a nos restringirmos ao nosso prprio universo cultural.3 De acordo com Norberto Bobbio (1990, p.67) possvel admitir a descontinuidade histrica entre oque se denomina Estado Moderno e as formas de organizao antigas, a exemplo das organizaes
greco-romanas e feudal. A acepo de Estado com referncia ao ordenamento poltico nas sociedadesmodernas se deve principalmente aos estudos de Nicolau Maquiavel (1469-1527), em particular OPrncipe escrito em 1513.
Lus XIV de Bourbon
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ENAPvirtude das presses evolutivas que afetam a ideia de soberania clssica, os titulares da
soberania se modificaro: passaro da pessoa do monarca (soberania absolutista) para o
povo (soberania popular) e, depois, para a nao e para o Estado, com a teoria jurdica da
soberania4. Neste sentido, o Estado moderno apresenta dois momentos marcantes em sua
histria: o Estado absolutista (soberano, monrquico e secularizado) e o Estado de direito
(liberal, constitucional e representativo).
O Estado moderno, em sua verso absolutista, lanou mo de dispositivos que se tornaram
traos caractersticos do Estado como o conhecemos ainda hoje. Para exercer o poder, os
monarcas constituram burocracias administrativas, organizaram foras militares,
estabeleceram a unidade de leis e formas de justia pblica, estruturaram sistemas
tributrios e promoveram a unidade idiomtica5. medida que a organizao poltica evolui
em direo s formas do liberalismo burgus, que se evidencia a partir do sculo XVII,
acentua-se a distino entre o pblico e o privado, e o Estado passa a ter o monoplio da
criao e produo do direito. O poder institucionalizado e transferido da pessoa dos
governantes para o Estado (a unio da potncia com a autoridade), um artifcio mediante o
qual vontades humanas so imputadas a uma entidade (B URDEAU, 1977, p.35-49).
Posteriormente, as noes de Estado e de nao se aproximam, e isso resolver dois
problemas do Estado moderno: a legitimao dos poderes e a integrao social. A conscincia
de pertencer mesma nao faz com que pessoas diferentes e distantes se sintampoliticamente responsveis umas pelas outras, emergindo uma sociedade legalmente
mediada entre os cidados, ou seja, baseada na coeso social. Por fim, com a ideia de um
direito emanado pelos representantes dos cidados, a declarao da vontade popular (o
direito da cidadania) servir para legitimar os poderes do Estado (HABERMAS, 1995, 91-92).
Evoluo do Estado Moderno
Estado Moderno
Estado Absolutista
Estado Liberal
Estado Social
Estado de Direito
Estado
Intervencionista
Estado Democrticode Direito
4 Essa teoria afirma que o Estado possui duas qualidades soberanas: uma qualidade interna e outraexterna. No primeiro caso, o Estado supremo quando capaz de impor as suas decises e, nosegundo, quando demonstra independncia em relao aos demais Estados e atores da ordem
internacional.5 Esses traos passaro, inclusive, Teoria do Estado como elementos materiais do Estado, ou seja, oterritrio, o povo e o governo (soberano) como elemento formal.
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ENAP H, ainda, quem receie que possam levar a um controle excessivo, ou aqueles que
simplesmente no querem se responsabilizar. Por ltimo, podem-se levantar questes a
respeito do valor da avaliao em um ambiente onde o desempenho continuamente
mensurado e tomado como base contratual.
Esses argumentos podem ser contestados. A avaliao pode preencher uma importantelacuna quando utilizada apropriadamente e devidamente integrada a um arcabouo geral
de gesto de desempenho. Pode aumentar a eficincia e a eficcia do setor pblico e, por
conseguinte, fortalecer a base para as atividades da iniciativa pblica. As qualidades da
avaliao de programas podem complementar e desenvolver esforos de mensurao,
monitoramento e auditoria de desempenho. O estabelecimento de expectativas realistas
em relao a problemas de avaliao, bem como o uso destas de forma pragmtica e objetiva,
pode permitir aos governos melhorar em seu desempenho, sua responsabilidade e
capacidade para prestar contas. Os exemplos apresentados neste artigo do alguma
orientao nesse sentido.
Estado Intervencionista
As crises econmicas, a exemplo da grande crise de 1929, evidenciaram a
incapacidade da economia regular-se por si s. Tornou-se necessria a presena
mais efetiva do Estado para minimizar os efeitos e prevenir novas crises. O Estado
passa a intervir diretamente na esfera produtiva e associa sua funo de defesa
do territrio e dos cidados novas competncias no que se refere conduo de
polticas econmicas capazes de garantir o equilibrio e regularidade das atividades produ-
tivas. Ademais, nos pases em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, o Estado assume o papel
de motivador do desenvolvimento social e econmico.
Estado Social
Resulta da busca de superao da contradio existente no Estado Liberal entre igualdade
poltica e desigualdade social. Fundamenta-se no pressuposto de que a liberdade no pode
restringir-se liberdade poltica, que pode, inclusive, ser limitada devido s desigualdades
sociais. Por conseguinte, o Estado passa a ter a incumbncia da formulao de polticas que
garantam o bem-estar social, minimizando as desigualdades entre os cidados. Ele passa a
incorporar no rol de seus deveres a manuteno de sistemas de sade, educao e segurana
social de carter universal e plena acessibilidade a todos os cidados.
Estado Democrtico de Direito
Pode ser compreendido como a fuso de duas acepes de Estado: Estado de Direito e
Estado Democrtico. No primeiro caso, deve-se entender como Estado de Direito aquele em que
h a hegemonia do respeito lei, cuja maior expresso seria o texto constitucional. No segun-
do caso, o conceito de Estado Democrtico envolve a noo de cidadania, de respeito digni-
dade humana, de respeito diversidade, ao pluralismo poltico e livre iniciativa.
Saiba Mais
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ENAP2. A Dicotomia Pblico/Privado
Da tradio ocidental deriva uma dicotomia, que remonta ao Direito Romano, que
central no debate sobre o Estado e a Administrao Pblica: a dicotomia entre pblico e
privado. Geralmente definies dicotmicas carregam elevado grau de arbitrariedade, na
medida em que se pretende dar conta de todo o universo de possibilidades. Dessa forma, muito comum admitir-se a contraposio rgida, e excludente, entre a esfera pblica e a
esfera privada. Um termo exclui o outro, e ambos recobrem a totalidade do existente e do
imaginvel. No mundo real, nem sempre as definies so to claras quanto no mundo dos
conceitos. Intuitivamente, associa-se, sem dificuldade, o Estado esfera pblica, e a empresa
capitalista esfera privada. No entanto, medida que se vai distanciando dos casos
extremos, a classificao parece no ser to bvia. Por exemplo, em que esfera deve-se
situar a empresa pblica? E os partidos polticos? Antes de nos precipitarmos em responder
a essas perguntas, examinemos os componentes de cada um dos termos, tentando
identificar o que fundamental em um e em outro.A definio da esfera pblica uma construo, ao mesmo tempo, intelectual e coletiva.
Na substncia ou na materialidade das coisas, no h nada que inequivocamente situe um
bem ou um servio na esfera pblica. Esta , na verdade, resultado de uma conveno
social especfica. Integra a esfera pblica aquilo que o conjunto da coletividade, e no
apenas uma parte dela, pactua, explcita ou implicitamente, ser de interesse comum a toda
coletividade. Tudo aquilo que uma coletividade, tambm chamada de povo, em um
determinado momento de sua histria, estabelecer como interesse ou propriedade comum
integrar a esfera pblica, ficando todo o restante adstrito esfera privada. Conclui-se,
portanto, que no h nada que seja intrinsecamente pblico nem intrinsecamente privado,j que um e outro resultam de convenes coletivas.
A construo da esfera pblica tambm historicamente delimitada. O que em um
momento histrico considerado indubitavelmente pblico pode no o ser em outro
momento. Tomemos alguns exemplos para explicitarmos esse aspecto. Atualmente,
considera-se a defesa externa um bem claramente pblico, que se encontra sob a
responsabilidade de uma instituio igualmente pblica: o Exrcito nacional ou, mais
genericamente, as foras armadas nacionais, regulares e profissionais. No entanto, nem
sempre foi assim. Durante a maior parte da histria do Ocidente, essa funo foi delegada
a exrcitos de mercenrios, isto , a grupos privados contratados pontualmente pelos
governantes para a defesa dos seus territrios. De forma anloga, considera-se hoje a
coleta de impostos uma funo eminentemente pblica e executada por agentes pblicos.
No entanto, durante a Idade Mdia, os impostos eram cobrados por particulares daqueles
que utilizavam estradas ou pontes situadas em terras particulares.
A clara separao entre esfera pblica e privada , na atualidade, a marca distintiva das
sociedades ocidentais em relao s sociedades tradicionais. Dessa separao decorrem todas
as demais diferenciaes relevantes: a existncia de um Direito Pblico e de um Direito
Privado; a separao entre Estado e sociedade civil; a delimitao dos poderes dos governantes
em relao ao conjunto do Estado e aos cidados. Nessas sociedades, a forma de administrao
do Estado tambm substantivamente distinta da forma de administrao nas sociedades
tradicionais, onde predomina a administrao patrimonialista. Esse tipo de administrao
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ENAP implica uma forma de gesto dos negcios pblicos
como se fossem negcios privados dos governantes.
Nas modernas sociedades contemporneas, a forma
de administrao predominante a burocrtica,
caracterizada por uma srie de procedimentos
administrativos, estudados exausto pelo socilogo
alemo Max Weber (1864-1920), baseados na
legalidade dos atos, na impessoalidade das decises,
no profissionalismo dos agentes pblicos e na
previsibilidade da ao estatal6.
A esfera pblica por excelncia a esfera de ao
do Estado, ao passo que a esfera privada a de ao da
sociedade civil. O Estado moderno exerce diferentes
funes de interesse da sociedade, as quais so funcionalmente distribudas entre diferentes
instituies. De acordo com Montesquieu, o Estado possui trs funes fundamentais, sendo
todas as suas aes decorrentes de uma, ou mais, dessas funes: a funo legislativa,que
a de produzir as leis e o ordenamento jurdico necessrios vida em sociedade; a funo
executiva, que a de fazer cumprir as leis; e a funo judiciria,que a de julgar a adequao,
ou inadequao, dos atos particulares de execuo das leis existentes. Tendo em vista evitar
que o Estado abusasse do seu poder, tornando-se tirnico com os seus sditos, o filsofo
francs Charles de Montesquieu (1689-1755) formulou a teoria da separao funcional dos
poderes, que deu origem separao entre os poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, tal
como os conhecemos hoje.
Na esfera pblica, os indivduos so sempre concebidos como cidados, seja na posio
de agentes pblicos7 dentre os quais os servidores pblicos , seja na condio de simples
usurio dos servios pblicos ou sujeito submetido s leis e normas impostas pelo Estado.
Na esfera privada, os indivduos so concebidos como pessoas fsicas procura da satisfao
de seus interesses particulares. Nessa esfera, os indivduos podem associar-se e constituir
pessoas jurdicas com a finalidade de perseguir os mais diferentes objetivos: econmicos,
polticos, religiosos, culturais, entre outros. A personalidade coletiva resultante dessa
associao segue, no entanto, sendo privada, e no se confunde, em momento algum, com
Max Weber
6 Na dcada de 1990, o conceito de administrao gerencial foi amplamente divulgado e adotado noBrasil, em contraposio ao conceito de administrao burocrtica. Em verdade, defendia-se o conceitocomo forma de administrao mais condizente com as necessidades da sociedade contempornea.No entanto, a administrao gerencialope-se ao conceito weberiano de burocracia apenas na aparncia.Na contraposio entre administrao gerencial e administrao burocrtica,confere-se ao termo burocraciao sentido consagrado pelo senso comum, que o de papelada e de excesso de formalismosdisfuncionais administrao, e no o sentido que lhe confere Weber (1994). Na verdade, o conceitode administrao gerencial fundamenta-se fortemente na concepo weberiana de burocracia,incorporando caractersticas conceitualmente secundrias das teorias da administrao mais recentes.Sobre a contraposio entre administrao gerencial e administrao burocrtica, consultar o artigo de LuisBresser Pereira (1996) arrolado na bibliografia de referncia.7 Toda e qualquer pessoa que exerce uma atribuio pblica, em sentido amplo, na condio deocupante de funo, cargo ou de emprego pblico.
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ENAPa associao e coletividade pblicas. A associao pblica uma associao nica e, portanto,
substantivamente diferente de todas as demais. O Estado o resultado por excelncia
dessa associao e representaa totalidadedos cidados, que a ele se encontram sujeitos.
Todas as outras formas de associao observadas na sociedade so parciais, ou seja,
envolvem parcelas dos cidados.
2.1. A primazia do pblico sobre o privado
O Estado e suas instituies so as nicas instncias de representao do todoem uma
determinada sociedade. As demais instituies representam apenas partes. Da a primazia
do pblico sobre o privado. A relao entre Estado e sociedade civil , portanto, uma
relao entre desiguais. O Estado tem primazia sobre a sociedade civil. Isso no quer dizer
que ele possa, sob qualquer pretexto, intervir na sociedade civil. O conceito de primazia
significa assimetria respaldada pelo Direito, e no arbitrariedade.
A primazia do pblico sobre o privado revela-se tambm na precedncia do primeirosobre o segundo. O Estado determina, por intermdio do exerccio de sua funo legislativa,
a esfera do poder pblico; depois, por excluso e residualmente, determinada a esfera
privada. Uma vez determinada a esfera privada, os indivduos e suas associaes particulares
podem nela fazer tudo aquilo que a lei no proibirou deixar de fazer tudo aquilo que a lei
no obrigar. A essa autonomia dos indivduos na sociedade civil chama-se liberdade
negativa.O Estado e os agentes pblicos, contrariamente aos cidados na sociedade civil,
no gozam de liberdade negativa. A rigor, a expresso liberdade de aono aplicvel ao
Estado e seus agentes, que s podem e devem fazer aquilo que a lei obrigar. Normativamente,
a primazia do pblico sobre o privado funda-se na contraposio entre interesse coletivo e
interesse individual. O bem comum no resulta da soma dos bens individuais, razo pela
qual os interesses individuais (privados) devem ser subordinados aos interesses coletivos
(o bem pblico).
2.2. A Fronteira entre o Pblico e o Privado
A primazia e precedncia do pblico sobre o privado fazem com que a fronteira entre
um e outro seja mvel. Ora o Estado avana sobre a esfera privada, ora recua. Existem,
porm, algumas atividades consagradas como exclusivas do poder pblico, outras em torno
das quais no existe consenso e outras ainda que suscitam os mais vivos embates. Entre as
aes consensualmente consideradas como exclusivas do Estado encontram-se, por
exemplo, as atividades legislativas e judicirias. No seria imaginvel que a elaborao de
leis, que determinaro as obrigaes e delimitaro a esfera de liberdade de todos, fosse
conferida a mos privadas. Tampouco seria admissvel que a funo de dirimir os conflitos
entre as partes fosse conferida a uma delas. Por isso, a elaborao legislativa normalmente
conferida a corpos coletivos, em que estejam representados todos os interesses da
sociedade, de forma a que as leis por eles produzidas venham a representar a vontade
coletiva. Por isso tambm que a atividade judiciria conferida a tribunais, compostos
por magistrados com formao jurdica adequada e situados acima dos interesses das partes.
Na esfera de atuao do Executivo, algumas atividades tampouco suscitam controvrsias.
No se contesta que a defesa das agresses externas deva caber s foras armadas nacionais
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ENAP e que a segurana e manuteno da ordem pblica internas devam ser asseguradas pelas
foras policiais. Tambm no se questiona que a representao dos interesses de um Estado
no exterior deva ser encargo de diplomatas profissionais, mas, se por uma razo qualquer,
um Estado no contar com representao diplomtica prpria em outro pas, admite-se
que os seus interesses sejam representados por terceiros. A partir desse ponto, os consensos
vo desaparecendo e as divergncias emergindo. A coleta de impostos considerada, no
Brasil, como atividade eminentemente pblica e executada por servidores pblicos, mas,
na Argentina, chegou-se a admitir a terceirizao da coleta de impostos como forma de
aumentar a arrecadao. No Brasil, o sistema penitencirio pblico, e geralmente dirigido
por servidores pblicos, mas nos Estados Unidos, por exemplo, h casos de privatizao no
setor carcerrio baseada no full-scale management (gesto total do presdio)8. Outras
atividades so consideradas de interesse pblico, mas no exclusivamente providas pelo
poder pblico. Entre essas se encontra a maior parte dos servios sociais, como os de
educao e de sade, que so oferecidos tanto por instituies pblicas quanto privadas.
Nas sociedades capitalistas, considera-se que as atividades produtivas sejam,
eminentemente, incumbncia dos agentes privados. A deciso de produzir um
determinado produto para venda no mercado seria privada e independente do Estado,
assim como tambm seria privada a deciso dos indivduos de adquirir, ou no, um
determinado produto no mercado. No entanto, consideraes orientadas pelo interesse
coletivo podem levar o Estado a intervir nessa esfera tipicamente privada. Na primeira
metade do sculo XX, at mais ou menos a dcada de 1970, a expanso da ao do Estado
sobre reas at ento consideradas privativas da sociedade civil foi notvel. Essa
interveno do Estado se deu sob trs formas: a regulaopblica de relaes at ento
consideradas exclusivas da esfera privada; a prestao de serviossociais; e a produode bens considerados essenciais ou de interesse coletivo.
A regulao das relaes de trabalho entre empregadores e empregados pelo Estado
foi, possivelmente, a interveno do Estado que maior impacto causou nas sociedades
ocidentais do incio do sculo passado, at ento culturalmente orientadas pelo liberalismo
econmico9. Essa doutrina considerava que o mbito das relaes econmicas, entre as
quais as relaes de trabalho, era esfera exclusivamente privada. Com a organizao do
8
Registra-se no Brasil o sistema pblico-privado, com a terceirizao de parte dos servios carcerrios.A terceirizao abrange geralmente servios operacionais e de reabilitao pelo trabalho. Entre asprimeiras experincias brasileiras, destacam-se a Penitenciria Industrial de Guarapuava no Paran,inaugurada em 1999, e a Penitenciria Industrial Regional do Cariri no Cear, implantada em 2000. NosEUA o sistema full -scale envolve a construo e todo o processo de gesto das penitencirias porempresas. Nesse caso, destaca-se a atuao da CCA (Correction Corporation of America), empresa norte-americana que abriga mais de 80.000 detentos em mais de 60 instalaes, entre as quais 44 so depropriedade da CCA, com capacidade de alojamento total de mais de 90.000 presidirios. A empresamantm presdios no territrio norte-americano, em Porto Rico e nas Ilhas Virgens (conferir informaesem www.cca.com).9 Tambm conhecido como doutrina do laissez faire, contrao da expresso em lngua francesa laissezfai re, lai ssez all er, lai ssez passer , que significa literalmente deixai fazer, deixai ir, deixai passar. Aexpresso foi criada no contexto da ideologia econmica predominante no sculo XVIII, que se baseavana defesa do mercado livre nas trocas comerciais e condenao do protecionismo orientado porelevadas tarifas alfandegrias. A criao da expresso atribuda ao pensador iluminista Vincent deGournay (1712-1759). Ela foi popularizada pelos defensores do liberalismo econmico, que apreconizaram como sinnimo da no interveno do Estado nas relaes econmicas.
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ENAPmovimento operrio e intensificao da ao sindical e das lutas sociais na Europa,
alimentadas pelas ideologias socialistas e comunistas do sculo XIX, gradualmente a rigidez
liberal foi cedendo espao interveno do Estado at o estabelecimento do que se
convencionou chamar de Estado de Bem-Estar Social (Welfare State)10. Aps a grave crise
econmica de 1929 e o perodo de depresso que se seguiu, os Estados passaram, tambm,
a intervir na regulao de outras esferas das atividades econmicas como forma de evitar
outros perodos de crise to profundos. A prestao de servios sociais pelo Estado outro
componente importante do Estado de Bem-Estar Social. At ento, os servios sociais, hoje
considerados eminentemente pblicos, como sade, educao e assistncia social, eram
prestados por organizaes privadas, geralmente, por instituies filantrpicas
confessionais ou laicas11. Ao longo do sculo XX, outros servios sociais passaram a ser
oferecidos pelo poder pblico, como transporte, habitao e lazer.
A interveno direta do Estado na produo de bens outro componente importante
do avano da esfera pblica sobre a privada, sobretudo em sociedades capitalistas em
desenvolvimento, que comeavam a industrializar-se tardiamente, como o Brasil. Partindo
do diagnstico de que os capitais nacionais privados no eram suficientemente fortes
para fazer os investimentos produtivos necessrios industrializao do Pas, ento
considerada um bem comum e a nica via de desenvolvimento nacional, o Estado
brasileiro passou a atuar como produtor de bens em reas consideradas estratgicas,
como a siderurgia, a minerao, a produo de motores, de energia e de combustveis,
alm do financiamento das atividades produtivas privadas. Podem ser citados como
exemplos: a criao da Companhia Siderrgica Nacional (CSN), em 1941; da Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942; da Fbrica Nacional de Motores (FNM), em 1943; da
Companhia Hidroeltrica do So Francisco, em 1945; do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econmico (BNDE), em 1952, posteriormente transformado em Banco
Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES); e da Petrobrs, em 1953.
Em tempos recentes, a participao do Estado na regulao, prestao de servios e
produo de bens refluiu no Brasil e no mundo, refluxo esse que ser objeto de anlise em
outra seo deste texto. Para efeito do que nos interessa neste momento, que a fronteira
entre o pblico e o privado, o que importa reter que ela flexvel, mutvel no tempo e no
espao, de acordo com o que uma determinada coletividade nacional julga ser de interesse
coletivo, ou no. A formulao do filsofo suo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) a esse
respeito permanece plenamente vlida:
(...) perguntar at onde se estendem os direitos respectivos do soberano e dos cidados
perguntar at que ponto estes podem comprometer-se consigo mesmos, cada um perante todos
e todos perante cada um (ROUSSEAU, 1987, p.50).
10 O Estado do bem-estar ou Estado assistencial, pode ser definido, grosso modo, como Estado que
garante tipos mnimos de renda, alimentao, sade, habitao, educao assegurados a todo cidado,no como caridade, mas como direito poltico (WILENSKY, 1975 e BOBBIO, 1997, p. 416).11 A nica notvel exceo era a oferta de educao em escolas pblicas, desde o sculo XIX.
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ENAP 2.3. As prerrogativas do Estado sobre os agentes privados
O Estado goza de diversas prerrogativas sobre os agentes privados, todas elas derivadas
da assimetria existente entre Estado e sociedade civil. Existe toda uma hierarquia de
prerrogativas que, exercidas pelos devidos agentes, vo do poder soberano, que tudo
pode, constitudo por representantes de todos os cidados reunidos em assembleiaconstituinte, ao poder limitado em diferentes graus.
A Constituio brasileira de 1988 previu alguns mecanismos para a alterao dessa relao
e da prpria forma do Estado. No Ato das Disposies Transitrias, foi previsto um plebiscito
e uma reviso do texto constitucional em 1993. Neste ano, o eleitorado, em plebiscito,
decidiu-se pela manuteno da Repblica e do Presidencialismo, ocasio em que poderia
ter escolhido a Monarquia e o Parlamentarismo. Fora desses mecanismos, o Poder
Legislativo pode alterar a Constituio, respeitando as chamadas clusulas ptreas que no
so passveis de supresso, como a forma federativa e republicana do Estado brasileiro.
As Emendas Constituio so possveis mediante a sua aprovao por maioria
qualificada, isto , 3/5 dos deputados federais e 3/5 dos senadores, em votaes em dois
turnos em cada uma das duas casas do Congresso Nacional. A elaborao e alterao das
Leis Complementares, que so previstas pela Constituio, requerem a aprovao da maioria
absoluta dos representantes da Cmara dos Deputados e do Senado Federal, isto , 50%
mais um de todos os seus membros. As Leis Ordinrias, por sua vez, requerem aprovao
por maioria simples, isto , 50% mais um dos presentes, em cada Casa, nas sesses com
quorum(50% mais um de todos os representantes).
A prerrogativa de criar normas infralegais do Poder Executivo. O Presidente da Repblica
pode emitir Decretos, regulamentando as disposies legais. Os Conselhos, criados por Lei,normatizam por Resoluo, e os ministros e secretrios de Estado, por sua vez, podem
exercer seu poder normativo com efeitos externos, isto , sobre a sociedade, por Portarias.
At o fim da linha hierrquica, o servidor pblico, na qualidade de agente do Estado, exerce
um conjunto de poderes com efeitos sociais que sero objeto de anlise detalhada em
outra sesso deste texto.
O Estado pode estabelecer contratos com os agentes privados, mas, mesmo em relaes
contratuais, conceitualmente uma relao entre iguais, o Estado conserva certas
prerrogativas. O Estado tem o poder de alterar os seus contratos unilateralmente, se assim
requerer o interesse pblico. Em contrapartida, deve compensar o agente privado peloprejuzo que a alterao contratual eventualmente lhe impuser. Em caso contrrio, o Estado
estaria sendo arbitrrio com os agentes privados, e a unilateralidadeno significa, de forma
alguma, arbitrariedade. A unilateralidade prerrogativa do Estado porque s ele age no
interesse pblico, agindo os demais agentes, todos privados, lcita e legalmente, na defesa
dos seus interesses privados. Na sociedade civil, os contratos estabelecidos entre partes
juridicamente consideradas como iguais s podem ser alterados mediante a vontade
expressa de ambas as partes contratantes. Como cada parte defende, legitimamente, seus
interesses privados, os contratos no podem nunca ser alterados unilateralmente.
O Estado tem ainda a prerrogativa de interferir em um dos direitos mais caros ssociedades capitalistas, que o direito propriedade. O Estado pode, sem cometer qualquer
arbitrariedade, operar a transferncia compulsria de um bem de um indivduo ou de uma
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ENAPempresa particular para o domnio pblico, em carter permanente, se for o caso, sempre
que houver um motivo de interesse pblico legalmente sustentado. Essa interveno na
propriedade privada imposta de forma discricionria com nus para o Estado, que deve
indenizar o particular objeto da expropriao. O Estado poder desapropriar um particular
quando houver: necessidade pblica, isto , quando a administrao pblica se defrontar
com situaes de emergncia que para serem satisfatoriamente resolvidas exigem a
transferncia urgente de bens de terceiros para o seu domnio e uso imediatos; utilidade
pblica, quando a transferncia de bens de terceiros para a administrao for conveniente,
embora no imprescindvel, como no caso de expropriao de terras, urbanas ou rurais,
para a construo de vias pblicas; e por interesse social, quando as circunstncias impuserem
a distribuio ou o condicionamento da propriedade para o seu melhor aproveitamento,
utilizao ou produtividade em benefcio da coletividade ou de categorias sociais que
forem objeto do amparo especfico do poder pblico, como nos casos de reforma agrria.
Em suma, as prerrogativas do Estado so muitas, mas todas exercidas dentro da legalidade e
em benefcio pblico. Se assim no fosse, no caberia falar de prerrogativas, mas de arbtrio,
que o abuso do poder pblico.
2.4. Os Direitos do Cidado e os Deveres do Estado
Todo servio prestado pela Administrao Pblica obrigao do Estado e direito do
cidado e, portanto, no devem ser categorizados como servios voluntrios. A prestao
voluntria de servios restrita esfera privada e proibida na Administrao Pblica e aos
servidores pblicos, a no ser nos casos previstos por lei. Todo servio pblico, seja ele
gratuito ou pago, sempre prestado como dever do Estado e ser sempre direito do cidado,
tambm conforme a lei que determinar quem ter acesso a um determinado servio ou
no. norma do Direito Pblico, derivada da assimetria entre Estado e sociedade civil, queao Estado s cabe fazer aquilo que a lei mandar. Portanto, todo servio prestado pelo
Estado no ser nunca caridade ou benevolncia, mas obrigao. Frequentemente confunde-
se gratuidade com caridade ou filantropia, assim como muito comum confundir-se servios
pblicos com servios gratuitos e servios pagos com servios privados. Essas so noes
equivocadas e conflitantes com o conceito de cidadania e, por isso, devem ser devidamente
esclarecidas. A gratuidade no constitutiva do servio pblico. O setor privado tambm
pode oferecer servios gratuitos, porm isso no os torna necessariamente pblicos.
Os servios privados e pagos no apresentam qualquer problema de compreenso: so
pagos para os que os prestam (que arcam com os seus custos) por aqueles que deles usufruem.
Assim funcionam os consultrios mdicos particulares, as escolas privadas no subsidiadas e
todas as empresas privadas que comercializam bens e servios. Os servios gratuitos j so
de mais difcil compreenso, pois nem sempre fica claro para o usurio quem arca com os seus
custos: se o Estado, por intermdio do recolhimento de impostos, como no fornecimento de
ttulo de eleitor e nos servios mdicos em postos de sade e hospitais pblicos; se o setor
privado, por filantropia, como nos servios prestados por instituies de caridade; se ambos,
como o caso de diversas organizaes no governamentais (ONG), que recebem dinheiro
do Estado e do setor privado; ou se por meio de contribuies sociais, que so oferecidas pela
Previdncia Social, como as aposentadorias e penses.
Existem ainda servios que so parcialmente pagos pelo usurio e oferecidos pelo setorpblico, que arca com os demais custos no cobertos pelas taxas cobradas, como os exames
vestibulares e as matrculas nas universidades pblicas. E existem ainda servios pblicos
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ENAP inteiramente pagos, como os de inspeo feitos pelas diferentes agncias reguladoras nas
empresas e instituies reguladas pelo Estado. No existe, portanto, qualquer relao
entre gratuidade e servios pblicos, uma vez que servios privados podem ser gratuitos e
servios pblicos podem ser pagos. O que faz com que o poder pblico decida-se por
oferecer um determinado servio gratuitamente a convenincia pblica ou a necessidade
social. De qualquer forma, necessrio considerar que todo servio pblico prestadopelo Estado porque obrigado por lei, e a mesma lei que obriga ao Estado prest-lo a que
garante ao cidado o direito de acesso a ele. Essa a ideia central da noo de cidadania.
2.5. Interesses Privados e Interesses Coletivos
A distino entre o pblico e o privado, a delimitao da fronteira entre essas esferas, a
determinao da extenso dos poderes e das prerrogativas do pblico sobre o privado
derivam do reconhecimento da diferena entre interesses privados e interesses coletivos.
Se esses interesses fossem totalmente coincidentes, dificilmente poderamos admitir a
existncia do Estado, da Administrao Pblica, do Direito Pblico ou do Direito Privadocomo os conhecemos na atualidade. A rigor, no haveria nem mesmo a distino entre
pblico e privado. Se essas distines existem atualmente, elas devem ser compreendidas
no contexto das transformaes histricas que viabilizaram as sociedades modernas, onde
se verifica maior complexidade na diviso social do trabalho e no sistema de estratificao
social12, e a consequente diversidade de interesses e de vises de mundo. O Estado ,
portanto, um artifcio de unificao em um mundo orientado pela individualizao e
crescente diversificao de interesses. Deixado merc dessa tendncia, os conflitos seriam
de tal ordem que afetariam a prpria possibilidade da sociabilidade.
Thomas Hobbes (1588-1679) matemtico,
filsofo e terico poltico ingls que publicou a
obra Leviatem 1651, onde defendeu a tese de que
os homens em estado natural encontram-se em
uma situao de incertezas, onde prepondera a lei
do mais forte ou da guerra de todos contra todos
(bellum omnia omnes). Para fugir dessa situao e
garantir uma vida de paz e felicidade, os homens estabeleceram por
intermdio do pacto social a sociedade civil. Nesse ato, eles trans-
feriram os seus direitos a um soberano ou governo absoluto para proteg-los da arbitrariedade
e violncia. O governo central (ou Estado) imaginado por Hobbes, de forma figurativa, como um
Leviat, uma criatura mitolgica temida pelas grandes propores e fora.
12 Os conceitos de diviso social do trabalho e estratificao social so amplamente utilizados nascincias sociais. A diviso social do trabalho, grosso modo, designa as diversas formas por intermdiodas quais, em diferentes formaes sociais e perodos histricos, os seres humanos produzem ereproduzem os bens e servios necessrios sobrevivncia ou reproduo da vida. A estratificaosocial, por sua vez, compreende a estrutura de ordenamento ou diferenciao hierrquica entreindivduos e grupos em uma dada sociedade. Esse ordenamento pode ser orientado por fatores deordem religiosa, poltica ou econmica e ser mais ou menos restritivo mobilidade social. A sociedadeindiana, por exemplo, ordenada pelo sistema de castas, fundado em bases religiosas, onde ospapis sociais e a posio dos indivduos so determinados por sua ascendncia. Esse sistema de
estratificao fechado e impede a mudana de posio social (mobilidade). Nas sociedadescapitalistas modernas predomina o sistema baseado em classes sociais, que se fundamenta nasrelaes econmicas ou de produo. Nessas sociedades a mobilidade social mais acentuada.
Saiba Mais
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ENAPJohn Locke(1632-1704) Filsofo ingls, idelogo do libera-
lismo, que publicou a obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil
em 1690, onde defendeu a tese de que os homens em estado natu-
ral encontravam-se livres e usufruindo de liberdade absoluta.
No se submetiam a governo de espcie alguma. A nica lei vigen-
te era a lei da natureza, qual cada indivduo recorreria por suaprpria conta a fim de proteger os seus direitos naturais, os quais
compreendiam: a vida, a liberdade e a propriedade. No entanto,
os homens perceberam que os inconvenientes do estado natural
superavam as vantagens, porque havia o risco permanente de
que cada um tentasse impor seus prprios direitos sobre os outros, o que causaria confuso
e a insegurana. Por essa razo, os homens concordaram em estabelecer uma sociedade civil
e instituir um governo mediante a concesso do poder de executar a lei natural, ou seja,
garantir a vida, a liberdade e a propriedade privada. O governo concebido por Locke no
absoluto e a propriedade tida como um direito natural por estar diretamente relacionada
com a manuteno da vida ou sobrevivncia do indivduo. Locke considerado o precursor
das teorias liberais.
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) Filsofo suo, autor das
obras Discurso Sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens(1755)
e Contrato Social (1762), em que defende a tese de que a propriedade
privada seria a origem da desigualdade entre os homens na forma-
o da sociedade civil. Em seu estado natural os homens viviam uma
situao de piedade e justia naturais, que deixou de existir com a
relao desigual entre os indivduos. A desigualdade teria gerado o
caos, tornando os homens maus, levando a sociedade ao estado de
guerra. Tendo perdido a liberdade natural, os homens so obrigadosa busc-la noutra forma na forma da liberdade civil estabelecida
por intermdio do contrato social. No contexto do pensamento pol-
tico de Rousseau, o povo , ao mesmo tempo, parte ativa e passiva deste contrato, isto , agente
do processo de elaborao das leis e do cumprimento destas. Obedecer lei, da qual se tem a
autoria, seria um ato de liberdade. O contrato , portanto, uma forma de restituir a igualdade
entre todos. Nesse caso, ao contrrio da vontade particular do indivduo, a vontade do cidado
seria a expresso de uma vontade coletiva orientada para o bem comum.
Charles de Montesquieu (1689-1755) Filsofo e poltico francs,
autor do livro O Esprito das Leis(1748). Montesquieu foi um estudioso
das leis e das instituies sociais. Estudou e definiu os trs tipos de
governos existentes em sua poca: republicanos, monrquicos e des-
pticos. Em sua concepo, o despotismo era um perigo que podia ser
evitado com a instituio de diferentes organismos exercendo as fun-
es de fazer leis, administrar e julgar. Para tanto, idealizou o Estado
regido por trs poderes separados, o Legislativo, o Executivo e o Judici-
rio. Dessa forma nasceu a teoria da separao dos poderes, que
celebrizou o pensador, e teve grande repercusso nos fundamentos da poltica e da organi-
zao das naes modernas.
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ENAP Nicolau Maquiavel (1469-1527) Historiador, escritor, diplomata e
msico italiano do perodo renascentista, ao qual so atribudas as
bases tericas da Cincia Poltica e a definio conceitual do Estado
moderno. Em contraposio tendncia predominante no medievo, no
que se refere busca do bom governo e do governante ideal, Maquiavel
se preocupa em verificar como os governantes de fato agem ou comofazem uso do poder. Seu pensamento, nesse sentido, ficou celebrizado
com a publicao da obra O Prncipeem 1532 (embora tenha sido escrito
em 1513). A obra foi endereada aos Mdici, mais especificamente a
Loureno de Mdici, com quem Maquiavel percebia a possibilidade de tocar a empreitada de
unificao da Itlia. O livro analisa os tipos de principados existentes, os caracteriza, e rene
uma srie de conselhos ao Prncipe, entre eles a formao de exrcitos prprios, alm de
analisar as fragilidades dos Estados italianos. Em verdade, a obra se destaca por seu carter
pragmtico na abordagem das circunstncias concretas que envolvem o exerccio do poder, e
as formas de se atuar com eficcia no jogo poltico.
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ENAP3. O Estado e o Servidor Pblico
A relao que o Estado estabelece com os seus servidores de natureza inteiramente
distinta da relao estabelecida entre empregadores e empregados no setor privado. Nesse
ltimo caso, o empregador, que pode ser um indivduo, uma empresa capitalista ou uma
associao sem fins lucrativos, estabelece seus objetivos e, para alcan-los, contratalivremente no mercado os indivduos que considerar adequados, atribuindo-lhes as funes
que lhe aprouver. Respeitados os limites impostos pela lei, os empregadores e empregados
exercem plenamente a sua liberdade negativa. Excetuando as atividades ilcitas, como a
produo, distribuio e comercializao de drogas proibidas por lei, o empregador pode
livremente determinar seus empreendimentos e contratar seus executores a partir de
critrios que ele estabelecer, por mais absurdos que esses possam parecer.
Imaginemos uma situao absurda para exemplificar a amplitude da liberdade negativa
exercida pelos agentes privados. Um empresrio pode decidir-se a lanar no mercado um
novo produto: gua de torneira empacotada. Observando as normas estabelecidas pelospoderes pblicos competentes, como a vigilncia sanitria e a secretaria estadual de sade,
esse empresrio poder, legtima e legalmente, lanar-se no seu empreendimento. Para
tanto, poder contratar quem quiser. Respeitando a legislao trabalhista, esse empresrio
poder decidir-se a empregar apenas pessoas idosas e portadoras de deficincia fsica, no
precisando justificar esse critrio perante ningum, pois essa discriminao positiva no
contraria a lei. Poder ainda organizar a produo e comercializao do seu produto da
forma que julgar mais conveniente, criando um departamento voltado para a distribuio
do seu produto na regio do semi-rido nordestino e outro departamento de exportao
para os pases do Saara. Se nesses mercados o empresrio imaginrio encontrar compradorespara o seu produto, auferir lucros, tendo sucesso o seu empreendimento. Se, ao contrrio,
aps algum tempo (tempo que ele prprio estabelecer) estiver acumulando prejuzos e
resolver encerrar o empreendimento, poder livremente faz-lo, demitindo todos os seus
empregados mediante o pagamento do que a lei exigir.
A liberdade de empreendimento observada nesse exemplo, particularmente no que se
refere ao pode de contratar e dispensar trabalhadores, prerrogativa do setor privado e
inexiste no setor pblico. Tipicamente, no setor privado, empregadores e empregados
estabelecem entre si relaes contratuais no pleno exerccio de sua liberdade negativa. No
setor pblico, a relao que se estabelece entre Estado e servidor a de representao,
no sendo o servidor outra coisa seno o agentedo poder pblico.
3.1. O Servidor como Agente do Estado
Agentes pblicos so as pessoas fsicas incumbidas de exercer as funes administrativas
que cabem ao Estado e que ocupam cargosoufunesna Administrao Pblica. Os cargos
ou funes pertencem ao Estado, e no aos agentes que os exercem, razo pela qual o
Estado pode, discricionariamente, suprimi-los ou alter-los. Os cargosso os lugares criados
por lei na estrutura da Administrao Pblica para serem providos por agentes, que
exercero suasfunesna forma legal. O cargointegra o rgo, enquanto o agente, como
pessoa fsica, o ocupa na condio de titular. Afuno o encargo legalmente atribudo aos
rgos, cargose seus agentes. Os rgos, cargos e funes, existentes na Administrao
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ENAP Pblica, so criaes legais e, portanto, abstratas, que se encarnam nos agentes, que so
pessoas fsicas. Na estruturao do servio pblico, o Estado cria cargose funes, institui
classes e carreiras, faz provimentos e lotaes, estabelece vencimentos e vantagens, e
delimita deveres e direitos para os servidores.
Portanto, cargo pblico o lugar institudo na organizao do funcionalismo, comdenominao especfica, atribuies tambm especficas e salrio correspondente, para ser
provido e exercido (ou seja, encarnado) por um titular. Quanto funo administrativa, a
atribuio ou o conjunto de atribuies que a administrao atribui a cada categoria
profissional, ou comete individualmente a determinados servidores para a execuo de servios
(MEIRELLES, 1989, p.66).
3.2. Diferentes Agentes Pblicos e suas Formas de Investidura
Assim como na Administrao Pblica, para diferentes cargosso atribudas diferentes
funes, o acesso a esses cargos tambm se d por diferentes formas de investidura. Elas
derivam da natureza distinta das funes pblicas a serem exercidas por cada agente.
possvel admitirmos a existncia de trs tipos de investidura no setor pblico brasileiro:
investidura poltica, investidura por concurso pblicoe investidura por comisso.
A investidura poltica aquela que acontece por intermdio de eleio. No Brasil, essa
a forma de investidura para todos os cargos polticos do Poder Legislativo e para os mais
altos cargos do Poder Executivo, em suas diferentes esferas: federal, estadual e municipal.
Nas democracias, os cargos de maior poder tm essa forma de investidura, que pode ser
por eleio direta ou indireta. No caso brasileiro, a partir da vigncia da Constituio de
1988, todas as eleies passaram a ser diretas. Os cidados escolhem diretamente, com
base no voto, os ocupantes dos cargos de presidente, governador, prefeito, senador,
deputado federal, deputado estadual ou distrital e vereador. No entanto, existem
democracias em que o acesso a alguns cargos d-se por eleio indireta, isto , por
intermdio de um colgio eleitoral no qual os eleitores no so os cidados, mas seus
representantes, a exemplo das eleies para o Senado francs. Os agentes ocupantes de
cargos com investidura poltica no Brasil so sempre temporrios, com mandatos
rigidamente determinados13.
Aos agentes polticos do Poder Executivo cabe, legitimamente, a definio das diretrizes
e das polticas de governo a serem observadas por toda a Administrao Pblica. Os agentes
eleitos, assim como os agentes por eles nomeados nos primeiro e segundo escales da
Administrao Pblica, encontram-se democrtica e legitimamente investidos do poder
de reorientar a ao do poder pblico para a direo que lhes aprouver, respeitados os
limites das leis e da Constituio. Aos escales inferiores da Administrao caber no s a
observncia s leis, mas tambm s diretrizes e orientaes de governo. Na condio de
cidado, o funcionrio pblico, em qualquer nvel, pode votar em quem bem entender nas
eleies. Porm, como agente do poder pblico, o funcionrio deve cumprir com exao as
determinaes superiores, desde que elas no incorram na ilegalidade.
13 Na Itlia, no Chile e no Peru e em diversos pases, alguns cargos de senador so vitalcios.
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ENAPA maioria dos agentes investida pelas demais formas no tem seu exerccio nos cargos
delimitado temporalmente, sendo a forma mais comum de investidura originriao concurso
pblico. Os agentes assim investidos, aps o cumprimento e aprovao no estgio
probatrio, tornam-se agentes efetivos, adquirindo estabilidade no servio pblico.
Vulgarmente considerada como um privilgiodo servio pblico, j que inexiste no setor
privado, a estabilidade , na verdade, uma forma de proteodo servidor de possveis
presses de governantes temporrios e de compensao de alguns deveres e restries
que recaem exclusivamente sobre os servidores pblicos, e no sobre os empregados do
setor privado. Alm da estabilidade, a investidura em alguns cargos vitalcia, como nos
casos de juzes, promotores e procuradores. Mais uma vez, no se trata aqui de privilgio,
mas de garantia de independncia dos ocupantes dessas funes de presses dos agentes
polticos, que poderiam comprometer a imparcialidadecom que devem desempenhar suas
funes. Por fim, h a investidura por comisso, que de natureza transitria. Nesse caso,
o agente ocupa um cargo de confiana dos agentes hierarquicamente superiores, e pode
ser exonerado a qualquer momento.
Diferentemente do setor privado, em que os cargos e funes so definidos
discricionariamente pelo empregador e cuja forma de acesso o contrato, no setor pblico,
os cargos e suas formas de investidura so criteriosamente determinados por lei e voltados
para o desempenho de funes de interesse pblico.
3.3. As prerrogativas do Estado e as garantias do servidor
O Estado confere aos seus servidores efetivos uma srie de garantias a exemplo da
estabilidade e da irredutibilidade dos vencimentos , mas se reserva algumas prerrogativas
para ajustar a Administrao Pblica s mudanas da sociedade e dos interesses coletivos
ao longo do tempo. Por um lado, o Estado no pode demitir um servidor estvel, a no ser
em certos casos previstos pela Constituio, porm, por outro lado, pode extinguircargos,
colocando os seus ocupantes em disponibilidade. Os servidores nessa situao recebem o
salrio integral sem trabalhar at que a Administrao os reaproveite em outro cargo
semelhante. H tambm a possibilidade da extino de cargos sem a disponibilidade.
Nesse caso, os servidores permanecem no trabalho ocupando cargos em extino, sem
perspectivas de ascenso funcional e salarial. Nas reformas administrativas desencadeadas
na dcada de 1990 no Brasil vrios cargos foram extintos: motoristas, ascensoristas,
estatsticos, arquitetos e tantos outros. Medidas desse tipo no podem ser arbitrrias e
obrigatoriamente devem ser aprovadas pelo Poder Legislativo. Em outros casos menos
drsticos, os servidores podem ainda ser transferidos ex officio (compulsoriamente) de
uma localidade para outra, ou ser transferidos de um rgo pblico para outro, de acordo
com a necessidade e interesse da Administrao Pblica.
3.4. Vnculo Estatutrio e Vnculo Empregatcio: Cargo Pblico e Emprego
Pblico
A distino entre cargo pblico e emprego pblico nem sempre muito clara e, no
raras vezes, objeto de dvidas. Em parte, as confuses se devem ao fato de que os
direitos e benefcios usufrudos pelos servidores pblicos e pelos empregados no setor
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ENAP privado passaram a ser cada vez mais convergentes. H algumas dcadas, apenas os
empregados do setor privado recebiam 13 salrio, hoje benefcio comum aos servidores
pblicos, e at bem pouco tempo atrs, os servidores pblicos estveis podiam incorporar
aos seus vencimentos permanentemente, e em cascata, a remunerao auferida por terem
ocupado cargo em comisso por um determinado tempo, privilgio desconhecido no setor
privado. No entanto, para evitar equvocos, estabeleceremos a diferena entre os dois
regimes em funo da espcie de vnculo que o servidor mantm com o Estado14. O cargo
pblico , portanto, aquele regido por vnculo estatutrio, ao passo que no emprego pblico
o vnculo regido pela Consolidao das Leis do Trabalho (CLT). Vejamos algumas
particularidades que auxiliam a distino entre os dois casos.
No que se refere ao regime estatutrio, a Constituio brasileira garante a
estabilidade ao servidor pblico, nomeado para cargo de provimento efetivo em virtude
de concurso pblico, aps trs anos de efetivo exerccio. O servidor nessa condio s
perder o cargo em trs hipteses: a) em virtude de sentena judicial transitada em
julgado; b) mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa
e c) mediante procedimento de avaliao peridica de desempenho. O servidor
obrigado a dedicar-se integralmente funo pblica, ou seja, no pode exercer
atividades no setor privado, salvo em raros casos previstos em Lei. A CLT, por outro
lado, no garante estabilidade para o trabalhador, mas lhe assegura um Fundo de
Garantia por Tempo de Servio (FGTS), alimentado por contribuio patronal e a ser
sacado pelo trabalhador no momento da sua aposentadoria ou em casos especiais
admitidos pela Lei. A CLT tampouco impe aos empregados do setor privado qualquer
restrio para o exerccio de outras atividades remuneradas, nem limites de
remunerao.
Com relao adequao e justia das diferenas entre a legislao do setor pblico
e a CLT, no existe consenso. No incomum o debate em torno dessas diferenas
promovido pela imprensa, associaes profissionais e por sucessivos governos. O que
importa compreender que diferenas jurdicas, conceituais e funcionalmente
sustentveis no devem ser confundidas com privilgios. Os privilgios devem ser
combatidos e eliminados, sempre que devidamente delimitados e identificados, uma
vez que conflitam com o princpio bsico e fundamental da igualdade entre os cidados.
As diferenas de direitos justificam-se plenamente, sem contradizer os princpios
republicanos, sempre e quando forem embasadas em diferenas funcionais, legal elegitimamente estabelecidas pelo poder pblico, desde que consideradas necessrias
defesa e consecuo do interesse pblico. No fosse isso, no haveria qualquer
sentido em delimitar, conceitualmente, os espaos e os limites entre o pblico e o
privado.
14 Esses no so os nicos regimes existentes, pois os estados e municpios tm seus regimes prprios
e a Constituio Federal prev casos de contratao temporria e a criao de empregos pblicos naesfera federal. No entanto, esses dois regimes so as duas grandes referncias das relaes detrabalho no Brasil.
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ENAP3.5. A tica Profissional e o Servidor Pblico
O servidor pblico exerce, na condio de agente do Estado e em nome deste, poder
pblico que afeta ou impacta a vida de todos os cidados. A sua prtica, portanto, no pode
estar dissociada de valores e regras de procedimentos fundadas ou orientadas por princpios
ticos. O exerccio da funo pblica pressupe o compromisso com a legalidade, com acidadania e o cultivo permanente do esprito pblico. Nesse sentido, ele envolve um
conceito de moralidade que no se limita distino entre o bem e o mal, devendo ser
acrescida da ideia de que o fim sempre o bem comum15. O bem comum no sempre
evidente, razo pela qual o servidor no deve restringir-se a distinguir o ato legal do ilegal,
o justo do injusto, o conveniente do inconveniente e o oportuno do inoportuno, pois se
esses so critrios necessrios, no so, entretanto, suficientes para garantir que a ao
estatal, executada por seu intermdio, atenda ao bem e interesse pblicos. fundamental
a conscincia crtica e a capacidade para identificar e resistir s presses sejam elas de
superiores hierrquicos, de contratantes ou de outros interessados , que possam conduzi-lo a prticas inadequadas e antiticas.
No trato com o pblico, assim como em qualquer outra situao, o servidor deve
desempenhar suas funes como exerccio profissional. O que isso significa? Tudo o que
fizer ou deixar de fazer no exerccio de sua funo no deve derivar da sua prpria vontade,
simpatia ou antipatia com terceiros, mas da sua obrigao funcional, que tem como
contrapartida o direito do usurio ou cidado. Como exerccio profissional, a funo pblica
no pode ser reduzida ou encarada exclusivamente como fonte de rendimentos. Da mesma
forma, os cargos ocupados pelos servidores no devem ser vistos como prebendas, isto ,
como empregos rendosos, mas pouco trabalhosos, nem muito menos como sinecuras, queso empregos rendosos que no obrigam ao trabalho.
O servidor deve tambm estar atento para evitar causar danos morais a outrem. Desse
cuidado advm a obrigao de ser corts, de ter urbanidade, respeitando as diferenas dos
usurios dos servios pblicos, sem fazer qualquer distino ou externar preconceito tnico,
de classe, origem social, sexo, idade ou nacionalidade. tambm necessrio que todo
servidor esteja consciente e, se necessrio, seja advertido pelos seus superiores
hierrquicos, que deixar qualquer pessoa espera de soluo de questo que esteja no
mbito de suas atribuies, permitindo a formao de longas filas, ou qualquer outro atraso
na prestao dos servios, ato desumano que atenta contra a tica e causa dano moral aousurio. Por isso vedado ao servidorprocrastinar, ou seja, protelar e deixar para amanh
o servido que pode e deve ser realizado hoje. De igual forma vedada e passvel de punio
aprevaricao, que a falta do cumprimento do seu dever ou o abuso no exerccio das suas
funes. O servidor deve estar atento para exercer com estrita moderao as prerrogativas
funcionais que lhe forem atribudas, abstendo-se de exercer sua funo, poder ou autoridade
contra os legtimos interesses dos usurios e com finalidades estranhas ao interesse pblico,
ainda que todas as formalidades sejam cumpridas e no haja violao expressa da lei.
15 Decreto 1.171/94, Cap. I, Inciso III.
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ENAP Por fim, o servidor no pode requerer ou aceitar qualquer tipo de ajuda financeira ou
vantagem para si, seus familiares ou qualquer outra pessoa para cumprir as funes
inerentes ao seu cargo ou atribudas por seus superiores, nem tampouco utilizar informaes
privilegiadas obtidas no exerccio de suas funes ou no mbito do seu servio com a
finalidade de beneficiar ou prejudicar quem quer que seja. Tambm no pode, por esprito
de solidariedade, ser conivente com o erro ou com a infrao do Cdigo de tica do Servio
Pblico e da sua profisso. Em caso de dvida quanto adequao tica de aes que lhe
so requeridas ou sobre as quais dever se pronunciar, o servidor poder fazer uma consulta
comisso de tica de seu rgo ou consultar a Corregedoria Geral da Unio. Assim
procedendo, estar se certificando se as aes sobre as quais tem dvida so, de fato,
condizentes com a consecuo do interesse coletivo, e tambm se protegendo de eventuais
transtornos no futuro.
Tais recomendaes e observaes no so restritas aos segmentos inferiores da
hierarquia administrativa. Elas abrangem todos os agentes a servio do Estado e, por essa
razo, foi estabelecido um Cdigo de Conduta da Alta Administrao para os nveis
superiores da Administrao Pblica, destinado a tornar claros os princpios de conduta
dessas autoridades e oferecer sociedade um parmetro para aferir a integridade e lisura
de suas aes. No contexto da Administrao Pblica Federal brasileira, integram esses
nveis os ministros de Estado, os secretrios executivos e demais ocupantes de cargos de
natureza especial, os presidentes de fundaes, autarquias e empresas estatais ou de
economia mista e todos os demais ocupantes dos cargos do grupo de Direo e
Assessoramento Superiores (DAS) localizados no nvel seis.
O Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal acrescenta aos preceitos gerais do
Cdigo de tica da Administrao Pblica, cabveis a todos os agentes pblicos, outras
exigncias, como o fornecimento Comisso de tica Pblica16de informaes referentes
situao patrimonial do dirigente que possa suscitar conflito com o interesse pblico,
indicando a forma de evit-lo. O Cdigo de Conduta detalha as condies em que as
autoridades podero participar de seminrio, congressos e conferncias, recebendo
eventualmente remunerao para isso; veda explicitamente ao dirigente pblico receber
qualquer presente que ultrapasse o valor de cem reais (R$100,00), excetuando os casos
protocolares de autoridade estrangeira; e probe s autoridades prestar consultoria a
qualquer pessoa fsica ou jurdica antes de seis meses aps o trmino do seu exerccio em
funo pblica.
O que aqui foi tratado no esgota as atribuies, deveres, cuidados e obrigaes que
envolvem o servidor pblico na sua qualidade de agente do Estado. O objetivo desta
abordagem foi to somente apontar o essencial, pondo em relevo o nexo existente entre
16 A Comisso de tica Pblica foi criada pelo Decreto de 26 de maio de 1999 e se vincula ao Presidenteda Repblica. Cabe Comisso rever as normas que dispem sobre conduta tica na Administrao
Pblica Federal e zelar pelo cumprimento do Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal,orientando as autoridades para que se conduzam de acordo com suas normas em funo do respeitono servio pblico.
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ENAPas diversas obrigaes e deveres dos ocupantes de cargos pblicos, que no so meras
formalidades a serem decoradas e respeitadas porque as normas assim exigem, mas porque
so, sobretudo, constitutivas da funo pblica em qualquer grau ou nvel hierrquico.
A tica, bem como suas implicaes no exerccio da funo pblica, to
importante para a melhoria do padro de desempenho e qualidade no setorpblico quanto os aspectos mais instrumentais que envolvem as atividades
tcnicas e gerenciais. A eficincia profissional no setor pblico requer certa-
mente o domnio de conhecimentos e habilidades, mas, sobretudo, o cultivo de
valores e princpios que assegurem o compromisso e o respeito requeridos no
trato da coisa pblica (res publica). Caso voc tenha o interesse em se aprofundar nesse
assunto, a Escola Nacional de Administrao Pblica coloca sua disposio o curso tica e
Servio Pblico, oferecido na modalidade a distncia. O curso abrange os seguintes tpicos:
desenvolvimento histrico da tica; dimenses cognitivas e atitudinais da tica: mrito da
ao (inteno e juzo desinteressado); escolha e deliberao; virtudes e carter; autonomia e
responsabilidade; aspectos conceituais da vida pblica: repblica e democracia; estado,
cidadania e imprio da lei; cargo pblico; prestao pblica de contas ( accountability); pre-
missas da conduta tica da funo pblica e iniciativas governamentais: a gesto da tica.
Ateno
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ENAP 4. O servidor e o servio pblico
Como verificamos anteriormente, o servidor pblico um agente a servio do Estado e,
portanto, submete-se s prescries legais e constitucionais que afetam a Administrao
Pblica. Em outras palavras, tudo aquilo que for requerido da Administrao Pblica ser,
consequentemente, esperado e exigido dos seus servidores. Esse o caso dos princpiosorientadores ou norteadores estabelecidos pela Constituio brasileira em seu art. 37.
4.1 Princpios orientadores da Administrao Pblica
Os princpios que regem a Administrao Pblica brasileira, em todas as suas esferas, so
princpios consagrados pelo Direito Pblico em quase todo o mundo. Inicialmente foram
estabelecidos no texto constitucional quatro princpios: a legalidade, a impessoalidade, a
moralidade e a publicidade. Em 1998, atravs de Emenda Constitucional, acrescentou-se a
eficincia entre esses princpios. Vejamos o que eles significam e compreendem.
Oprincpio da legalidadeestabelece a supremacia da lei escrita, condio para a existncia
do Estado Democrtico de Direito. O objetivo principal de tal princpio evitar o arbtrio dos
governantes. O Estado concentra sempre enorme poder nas mos dos governantes e de seus
funcionrios e, no fosse o claro estabelecimento constitucional desse princpio, certamente
o poder exercido pela Administrao Pblica sobre os cidados seria exorbitante. De acordo
com esse princpio, toda ao estatal dever, necessariamente, encontrar-se respaldada em
lei, e esta deve estar em conformidade com a Constituio. Alm disso, a garantia de legalidade
na ao do poder pblico depende da qualidade das leis, que devem ser elaboradas de
acordo com as normas e tcnicas legislativas consagradas pelo Direito. No Direito Positivo,
que o direito de origem romana, vigente no Brasil, toda lei escrita, mas nem tudo que escrito e imposto pelo Estado configura uma lei. Para que um ordenamento escrito seja uma
lei, ele dever apresentar as seguintes caractersticas: auto-aplicabilidade, a generalidade, a
abstrao e o carter coercitivo.
A autoaplicabilidade significa que a lei no necessita de nenhum outro ato para
ser aplicada, excetuando os casos expressamente previstos no seu texto, como o caso
de leis que preveem a edio de decretos para a sua regulamentao. Segundo Rousseau,
a lei sempre um ato geral, no podendo jamais incidir sobre um objeto particular. Uma
lei pode incidir sobre uma categoria de indivduos, de mercadorias ou de entidades
pblicas, como os municpios, mas deve ser sempre genrica, no podendo nunca apontaro indivduo X, o fabricante Y de uma determinada mercadoria ou o municpio Z.
Paralelamente generalidade, a lei deve ser sempre abstrata, no tratando jamais de
casos concretos. O carter abstrato da lei aquele que designa uma qualidade separada
do objeto que a possui. Por exemplo, a lei, na sua funo reguladora, pode estabelecer
modelos e padres de condutas, para os administradores pblicos ou para os condutores
de veculos no trnsito, mas no descrever nenhum caso concreto de conduta. Por
fim, o carter coercitivo o que torna a aplicao da lei compulsria sobre o objeto da
legislao. Por isso, uma lei difere de uma recomendao, que pode ou no ser aceita.
A lei deve sempre ser acatada, ficando os infratores submetidos s sanescorrespondentes.
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ENAPComo as leis destinam-se a regular um universo amplo de situaes, isto , todas aquelas
em que o Poder pblico julgar relevante a sua interveno, a produo legal dever levar
em conta as necessrias coerncia e harmonia legislativas, internas e externas.
Internamente, as leis no devem apresentar contradies lgicas, nem incongruncias
quanto aos seus princpios e objetivos. Externamente, elas devem guardar conformidade
com a Constituio e com as demais leis vigentes. Para que o Estado e seus funcionrios
administrativos no abusem do poder com que esto investidos, o princpio da legalidade
precisa estar tambm acompanhado das necessrias preciso e clareza da norma escrita,
evitando formulaes confusas e obscuras, de forma a permitir que as pessoas identifiquem
o contedo, o sentido e as implicaes da lei a que se encontram submetidas. Alm disso,
subjacente e complementarmente ao princpio da legalidade existe o princpio da
necessidade e o requisito de um fundamento objetivo para a criao de leis. Isto quer dizer
que ao se fazer uma lei deve-se demonstrar a sua necessidade, evitando o estabelecimento
de restries suprfluas, o que feriria a presuno de liberdade subjacente ao Estado
Democrtico de Direito, que pressupe um regime legal mnimo, de forma a reservar ao
cidado uma esfera, o maior possvel, de liberdade negativa.
O princpio da legalidade, embora fundamental para a defesa do Estado de Direto, no
garante a legitimidade e justia das normas. Leis tecnicamente perfeitas podem ser
ilegtimas se no emanaram do poder legitimamente constitudo para legislar. comum
aps golpes de Estado a edio de leis diferentes das vigentes no regime derrubado. Essas
leis podem at ser elaboradas em conformidade com a boa tcnica do Direito, mas no
sero leis legtimas, porque editadas por um indivduo, ou grupo de indivduos, que
usurparam o poder legislativo legtimo. Por outro lado, as leis podem ser legais e legtimas,
mas causarem injustias sociais, como o aumento da diferena entre ricos e pobres ou a
reduo dos servios sociais para os mais necessitados. Portanto, legalidade, legitimidade
e justia so conceitos que no se confundem.
Da observncia do princpio da legalidade, e de suas derivaes, decorre que todos os
atos da Administrao Pblica ou todos os atos infralegais, normativos ou no, devem estar
em conformidade com o que requerido pelas normas que lhes so superiores. por isso
que na Administrao Pblica existem os memorandos e ofcios, que devem ser redigidos
com objetividade, conciso e clareza para que os seus contedos sejam bem compreendidos
e executados pelos seus destinatrios. claro que o abuso ao recurso da emisso de ofcios
e memorandos constituiu uma disfuno, gerando papelada que sobrecarrega o fluxo dedocumentos nas organizaes pblicas, o que acaba provocando lentido nos servios com
prejuzos para os seus usurios. Essa disfuno nociva ao interesse pblico e deve ser
combatida pelos gerentes pblicos sempre que for identificada, cabendo aos gerentes
reorganizar os fluxos e reorientar seus subordinados de forma a conferir racionalidade ao
servio, sem prejuzo para a legalidade dos atos administrativos, que objetivam to somente
a defesa e o cumprimento do interesse pblico.
O princpio da impessoalidade decorre diretamente da legalidade com que os atos
administrativos so revestidos. O servidor pblico, em qualquer nvel hierrquico, no age
em nome prprio, mas em nome do poder pblico. O autor de todos os atos pblicos sempre o Estado, por intermdio dos cargos que compem a Administrao Pblica. Por
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ENAP isso, os atos administrativos so sempre impessoais, tanto no sentido de quem age, que
o Estado, quanto no sentido da ao, que voltada para o interesse pblico. A
impessoalidade dos atos administrativos encontra-se expressa na forma pela qual os
diferentes atos so editados. As leis iniciam-se sempre com os seguintes dizeres: O
PRESIDENTE DA REPBLICA Fao saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
seguinte Lei:, ao que segue o texto da lei, encerrando-se o ato com a assinatura do
presidente seguida dos ministros das reas envolvidas. Nessa formalidade encontra-se
contido o princpio da impessoalidade, pois sempre o Congresso Nacional que decreta (e
no os deputados e senadores tais e quais) e o presidente da Repblica que sanciona as
leis, figurando apenas no fim do ato o nome dos agentes que o assinam. O mesmo ocorre
com os decretos, resolues e portarias. Portanto, a impessoalidade deve estar presente
no s nos atos externos da Administrao, mas tambm nos internos. por isso que, nos
memorandos, os cargos de quem os emitem e de quem os recebem antecedem os nomes
dos seus agentes.
Oprincpio da moralidade atributo direto do agente pblico. Nesse sentido, ele difere
do princpio da impessoalidade, que decorre da legalidade. Para que a Administrao
Pblica aja de acordo com o princpio da moralidade essencial que os agentes pblicos
demonstrem, no seu comportamento ou conduta, as virtudes morais consideradas
necessrias pela sociedade. A moral refere-se a um conjunto de valores e comportamentos
que a sociedade convencionou serem desejveis ou necessrios para o adequado
funcionamento e convvio sociais17. Enquanto conveno, a moral mutvel ao longo do
tempo e varivel de acordo com as diferentes culturas. De acordo com o princpio da
moralidade, exige-se dos agentes da Administrao Pblica probidade e honestidade de
conduta, no s na condio de servidores, mas tambm como cidados. Exige-se tambmlealdade instituio a que servem, o cumprimento das normas e regulamentos e das
ordens superiores, sempre que estas estiverem dentro da legalidade. As condutas imorais
so aquelas que contradizem o decoro e a lisura requerida no exerccio da funo pblica.
Por exemplo: o abuso do poder e o uso dos recursos pblicos em benefcio prprio ou de
outrem; a aceitao de propinas, a prtica da usura, a malversao e uso inadequado do
patrimnio pblico18.
O princpio da publicidade aponta essencialmente para a clareza e visibilidade social
que devem envolver os atos da Administrao. Os atos do Estado so pblicos em mltiplos
sentidos: 1) porque emanados do poder pblico; 2) no interesse pblico; 3) para o pblico;4) submetidos ao conhecimento pblico. Em verdade, o conhecimento pblico dos atos
17 Os conceitos de moral e tica constituem objeto de muitas interpretaes e controvrsias. O senso-comum geralmente estabelece relao sinonmica entre os dois conceitos. H quem busque umadistino reservando tica a noo restrita dos cdigos de conduta. No entanto, no campo acadmico,a moral compreende os valores, normas ou regras de conduta, estabelecidos em dada ordem social eem determinado tempo histrico, ao passo que a tica deve ser compreendida como a cincia damoral, ou seja, como teoria ou cincia do comportamento moral dos homens em sociedade. Noentanto, podemos admitir a tica como uma abordagem das constantes morais, isto , como o conjunto
de valores e costumes mais ou menos permanente no tempo e uniforme no espao (Conferir VASQUEZ,1982 e LOPES, 1993).18 Ver, a propsito,
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