2º Curso de Licenciatura em Enfermagem
Enfermagem: História e Epistemologia II
ENSINO
Da Enfermagem Em Enfermagem
António SilvaJulho de 2002
Ensinos. m., •acto ou efeito de ensinar; •educação; •instrução; •doutrinação; •ensinamento;
in Grande Dicionário Universal da Língua Portuguesa – Texto Editora. Versão 3.0.
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INDÍCE
1. Introdução ……………………………………………………………… 4
2. O que é o ensino? …………………………………………………….. 4
3. Relação entre o ensino e a enfermagem ……………………………… 6
3.1. Na Antiguidade …………………………………………………….. 7
3.2. No tempo das primeiras civilizações ………………….……………. 7
3.3. Na Roma não cristã e após o Cristianismo ……………………….. 8
3.4. Na Idade Média até à Renascença ………………………………….. 8
3.5 No séc. XVIII e XIX: revolução Nightingale ...……………………. 9
3.6. Num passado próximo e no presente de Portugal …………………. 11
3.7. No futuro ……………………………………………………………... 13
4. O ensino em Enfermagem . …………………………………………… 15
5. Conclusão ………………………………………………………………. 16
6. Referências Bibliográficas ……………………………………………. 17
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1. Introdução O ensino tem acompanhado desde sempre o Homem na sua evolução ao longo da história. Constituiu-se desde
sempre como um elemento-chave no processo de aquisição e transmissão de conhecimentos tendo permitido que
esses mesmos conhecimentos não se perdessem nos meandros do tempo, assegurando desse modo não apenas a
manutenção das aprendizagens já feitas, mas igualmente o desenvolvimento de novas aprendizagens que
“nasceram”, em parte, devido a informações e saberes já existentes.
Também no que diz respeito à Enfermagem o ensino é de grande importância e muito se tem desenvolvido ao
longo do tempo. No entanto, nesta profissão não é apenas ensinado a ser-se enfermeiro. Enquanto prestadores de
cuidados o ensino aos doentes faz igualmente parte das nossas competências e constitui-se como uma
responsabilidade importante no dia-a-dia profissional.
Assim, este trabalho vai focar-se não apenas no ensino da Enfermagem, mas também no ensino em
Enfermagem procurando mostrar como é que estes dois aspectos se relacionaram e evoluíram, desde os tempos
mais remotos até aos dias de hoje.
Toda a questão do ensino pode ser encarada de múltiplas perspectivas, estando envolvida por inúmeras
variáveis e a própria História é uma entidade muito complexa e cheia de detalhes, alguns dos quais não é
objectivo deste trabalho abarcar. Expõem-se assim, em resumo, os factos que foram considerados pertinentes
para permitir que, aquando do final do trabalho, o leitor tenha uma imagem mais clara do que é o ensino e
compreenda o como e o porquê do modo como este conceito progrediu em relação à Enfermagem.
2. O que é o Ensino? É difícil definir o conceito «ensino». Muito fica por dizer e muitas perguntas não são respondidas numa
simples (e discutível) definição presente em qualquer dicionário em que ensino é entendido como o “acto ou
efeito de ensinar”.
Israel Scheffler (1973) considerou-o, de um modo geral, como “uma actividade que visa promover a
aprendizagem e que é praticada de modo a respeitar a integridade intelectual do aluno e a sua capacidade
para julgar de modo independente". Visa promover porque o sucesso do ensino não é garantido. Muitas vezes
um professor dá a conhecer e explica vezes sem conta a mesma matéria aos seus alunos e estes não a conseguem
perceber, não retêm o seu significado, não conseguem aplicá-la na teoria ou na prática – em suma, não a
aprendem. Mas, se não aprenderam, terá o professor ensinado algo?
No nosso quotidiano a palavra ensino e o verbo ensinar que lhe corresponde é normalmente conotado não com
a intenção de que ocorra uma aprendizagem, mas com a perspectiva da promoção efectiva de pelo menos uma
aprendizagem (Hirst, 1971). O que é certo é que pelo menos de uma parte houve um esforço no sentido de
ensinar, gastou-se tempo a tentar transmitir conhecimentos e a fomentar saberes e, mesmo não se tendo obtido
um resultado positivo em relação ao que se pretendia, não quer dizer que não se tenha ensinado algo. Por vezes
os alunos retiram ilações erradas do que se lhes quer ensinar e, noutras alturas, até apreendem o que se lhes
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pretende ensinar, mas fazem-no a um nível inconsciente e somente mais tarde se apercebem do que realmente
sabem (como exemplo, posso falar de uma aula de Enfermagem em que foram feitas encenações de teatro em
que um enfermeiro se dirigia a um doente que chorava devido à sua situação clínica; na altura não percebi qual
foi o objectivo da aula, mas quando me deparei, na prática, com uma situação semelhante relembrei-me
imediatamente dessa ocasião e de tudo o que se falou acerca do assunto e isso ajudou-me a lidar com a pessoa).
Deve-se pois encarar o ensino como um tentar ensinar e não como um conseguir ensinar, pois nunca há
garantias no que diz respeito a este conceito (Reboul, 1971).
Independentemente de se conseguir, ou não, ensinar o facto é que o ensino trata-se de uma relação triádica,
em que para todo o X, se X ensina, deve existir alguém e algo que é ensinado por X (Passmore, 1980).
E aqui, note-se, o X que ensina não precisa necessariamente de ser um professor. Qualquer pessoa pode tentar
ensinar e qualquer pessoa pode ser bem sucedida no acto de ensinar alguém – é algo que acontece em inúmeras
ocasiões e por infinitos motivos, desde um empresário que tenta ajudar um irmão a “entrar no negócio”, dando-
lhe “umas dicas”, passando por um pai que ensina o filho a atar os atacadores e claro, os enfermeiros que
ensinam os doentes em relação a aspectos tão variados como cuidados a ter com a Diabetes ou ensino da tosse
em contexto pré-operatório.
No entanto, se é verdade que toda a gente pode ensinar alguma coisa a alguém, não é verdade que toda a
gente pode ensinar qualquer coisa a qualquer pessoa. Para ensinar algo temos que ter saber acerca do assunto e
muitas vezes o que destingue um professor de outras pessoas é o grau de conhecimentos que possui em relação a
uma área específica e o facto de fazer da transmissão desses conhecimentos a outras pessoas o seu modo de vida.
Neste sentido, pode-se encarar o ensino também como uma ocupação sendo importante desmistificar-se a ideia
de que qualquer um pode ser professor. Tal não é verdade, a sua capacidade para ensinar, o seu conhecimento, a
sua paciência, o seu interesse podem ser demasiado limitados para que isso seja possível (Oakshott, 1967).
Já se referiu que não é necessário ser-se professor para ensinar algo. Por outro lado, nem é preciso ser-se uma
pessoa a ensinar ou um ser humano a aprender. Generalizando e correndo o risco de entrar no campo das
metáforas, é pertinente referir-se que é costume popular dizer-se que «os próprios animais “colhem”
ensinamentos da natureza» quando demonstram comportamentos inatos, como o fenómeno da migração das
aves, por exemplo (também eles aprendem e, em alguns casos, não parece que tenham qualquer “professor”). O
próprio Homem, como Kant e outros autores defendem possui conhecimentos que “nascem” com ele e que
regem a sua acção, há certos saberes empíricos que provêm da observação directa de um dado fenómeno e
inclusivamente, tal como Maria Montessori afirma, “nas nossas escolas, o próprio ambiente ensina as crianças”.
Daqui há a concluir que existem muitos factores que podem originar saber e conhecimentos. É possível haver
aprendizagem sem que ninguém ensine (Passmore, 1980).
Apesar disto, é essencial a existência de escolas e de professores. As escolas porque, a um nível mais básico,
conferem a oportunidade às crianças de poderem aprender aquilo que lhes será útil no futuro e, a um nível mais
avançado, porque lhes dão condições de se tornarem proficientes numa profissão ou ofício, condição importante
para uma vida mais fácil (Hirst, 1971). Os professores continuam a ser os principais agentes de ensino na medida
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em que eles próprios aprendem a ensinar e isso torna-os mais competentes para transmitir informações e
conhecimentos aos alunos. Agentes não significa, contudo, que tenham um papel directo a desempenhar nas
aprendizagens dos estudantes. Tal como o teórico da educação J. E. Adamson refere: “todo o processo (de
aprendizagem) desenrola-se entre o indivíduo e o seu mundo; o professor está fora, é exterior a esse mundo…”.
As aprendizagens que uma pessoa faz são só dela (uma criança a quem se ensina inglês não aprende o inglês do
professor, mas sim inglês). Os professores têm realmente um papel fundamental, na medida em que facilitam as
aprendizagens, mediante as competências que têm para ensinar, escolhendo a melhor maneira de o fazer e
procurando adequar o conteúdo programático e o método de ensino às necessidades dos alunos.
Há que fazer a distinção também entre ensino com sucesso e bom ensino. No primeiro caso significa que
alguém aprendeu o algo que X queria ensinar. O conceito de “bom ensino “ não se deve aplicar, porque é muito
variável, subjectivo e discutível o que se pode considerar como bom. (Hirst, 1971) Quando Schaffe define que o
ensino é “praticado de modo a respeitar a integridade intelectual do aluno e a sua capacidade para julgar de
modo independente”, ele próprio admite que pode haver excepções a esta “regra”. Ás vezes a própria índole da
matéria ensinada pode ser falaciosa ou, devido a interesses concretos, desrespeitar o princípio enunciado
anteriormente (aconteceu com o ensino nas escolas primárias durante a ditadura de Salazar – o amor à pátria e os
ensinamentos de eterna lealdade ao “salvador” desta, não promovia de certo a capacidade dos alunos de julgar de
modo independente; incutia-lhes, isso sim, uma única perspectiva da realidade e incentivava-as a adoptar essa
perspectiva como sua e a não questioná-la jamais). Qualquer ensino pode ser conduzido com diversos fins, nem
sempre os mais benéficos para nós e para o que nos rodeia. Poder-se-ia considerar o ensino de física nuclear
como bom ou mau? É possível que daí advenham quer esperanças quer calamidades para a Humanidade. É claro
que se podia usar a expressão “bom ensino” como um indicador de bons resultados. Mas, para isso, já existe um
termo bem menos controverso – ensino com sucesso.
Para finalizar é bom lembrar (ou ensinar quem não saiba) que, como Reboul (1982) refere, tal como qualquer
pessoa pode ensinar, também qualquer pessoa pode aprender (até mesmo em casos de deficiências profundas).
É importante nunca perder a esperança de que podemos “dar” algo de nós a outra pessoa e contribuir não apenas
para o aumento do seu conhecimento, mas talvez, porventura, para um sorrir – porque se sabe e porque se é
capaz.
3. Relação entre o Ensino e a Enfermagem O ensino está desde sempre ligado à Enfermagem e à arte que é cuidar. A maneira como a Enfermagem é
ensinada influencia de múltiplas maneiras os enfermeiros, inclusivamente na forma como eles encaram o
“outro”, na importância que dão ás diferentes actividades que desempenham ou na sua própria autonomia
enquanto profissionais.
No entanto, muito antes da Enfermagem ser encarada como uma profissão já existia uma prática de cuidados,
já havia pessoas que cuidavam de outras. Paralelamente houve um grande período, anterior à época em que se
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formaram as primeiras escolas de Enfermagem, em que se ensinava a cuidar das pessoas, embora não a um
nível académico (Conesa, 1995; Donahue, 1993; Nogueira, 1990).
Com o tempo sobreveio uma evolução em que o ensino e a prestação de cuidados caminharam lado-a-lado, de
mãos dadas, tendo-se moldado mutuamente de uma forma dinâmica e contínua rumo ao futuro.
Seguidamente vai-se apresentar, em resumo, esta evolução que ocorreu na relação ensino-enfermagem, desde a
Antiguidade até aos dias de hoje e também alguns desafios do presente cujo ultrapassar é importante de modo a
melhorar o “amanhã”.
3.1. Na AntiguidadeDesde que a vida surgiu que existem cuidados, porque é necessário “tomar conta” da vida para que ela possa
permanecer, eis o que Collière afirma. Desde os primórdios da vida humana que este “cuidar” foi assumido pelas
mulheres que procuravam garantir a satisfação de um conjunto de necessidades indispensáveis à manutenção da
vida, num esforço de permitir a reprodução e a perpetuação da existência do grupo. Tal facto deu origem a
práticas alimentares, de vestuário, de habitat e do corpo que não lhes foram ensinadas por ninguém, antes foram
“descobertas às apalpadelas, por tentativa e erro” (Collière, 1999).
É de salientar que nesta altura e durante bastante tempo a história da Enfermagem caminhou a par com a da
Medicina (Donahue, 1993). Deste modo, como Coutinho (1991) refere “as mulheres foram médicas,
enfermeiras, parteiras sem diploma, com um saber sem livros, mas forjado na interacção do corpo, na interajuda,
no respeito mútuo, contribuindo para continuar o fluxo da vida”.
Posteriormente todos estes conhecimentos foram “passados” de geração em geração através da expressão oral,
gestual e da observação de pares, embora nunca de uma forma organizada ou sistemática ou almejando o
desenvolvimento destes conhecimentos no futuro. Os cuidados eram, pois, ensinados de uma forma natural e
instintiva, porque deles dependia a sobrevivência da espécie.
3.2. No tempo das primeiras civilizaçõesDurante este período surgiram “diversos modos de os homens transmitirem as suas ideias por escrito, por meio
de figurinhas ou sinais convencionais, representando palavras” (Nogueira, 1990). Tal invenção constituiu mais
uma maneira de ensinar que em muito contribuiu para o progresso dos povos e também para o desenvolvimento
das artes do cuidar e do curar.
Os egípcios são os primeiros a utilizar este recurso, mediante o uso dos hieróglifos e dos papiros – estes
surgiam mesmo como fontes necessárias de informação para se aprender no que diz respeito à saúde e à doença
(Conesa, 1995). Os babilónios, mesopotâmios, gregos e outros tantos povos em breve os seguem, desenvolvendo
os seus próprios alfabetos.
Foram criadas escolas médicas em que eram ensinados os fundamentos da medicina apenas aos homens (por
motivos históricos e culturais todas as sociedades da época eram patriarcais), mas que na altura ainda se
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preocupavam não apenas com o tratar, mas também com o cuidar (Nogueira, 1900). Estes, por sua vez,
transmitiam os seus conhecimentos a quem os rodeava, particularmente às Mulheres de Virtude e aos sacerdotes,
que estavam mais tempo com os enfermos (que na altura eram tratados ou em suas casas ou nos templos)
e que cuidavam deles com amor e dedicação (Collière, 1999).
A saúde ou a falta dela esteve sempre, durante os tempos mais antigos, envolta em superstição e muito ligada à
religião. À medida que se vão descobrindo factos mais concretos acerca da verdadeira natureza das doenças, bem
como novas e melhores formas de as combater (grandes progressos ocorrem nos diagnósticos e na área da
farmacopeia, por exemplo) – também porque os próprios cientistas se tornam mais positivos, racionais e
experimentadores (Nogueira, 1990) – esta ligação torna-se mais subtil. Para tal muito contribuíram nomes como
Escapulário, Pitágoras e Hipócrates que grandes ensinamentos trouxeram às gerações vindouras e que
influenciaram sobremaneira o cuidar e o tratar.
3.3. Na Roma não cristã e após o CristianismoAntes da religião de Cristo ter penetrado no âmago da sociedade romana, pouca importância era dada ao culto
da medicina e ao bem-estar dos enfermos. «Um homem doente, já não serve para mais nada. Se é escravo, a
gente vende-o e acaba-se com a questão», escrevia um autor da época. Deste modo, o próprio ensino conduzido
em relação a esta área era reduzido e transmitia esta mentalidade tão pouco humana (Donahue, 1993).
Com o advento do Cristianismo foi reconhecido o valor da vida humana e instituída a protecção e manutenção
desta a todo o custo em relação a qualquer pessoa (criança, idoso ou doente). Mais uma vez o ensino, que sempre
reflectiu as ideias vigentes da época em que era praticado, foi conduzido tendo em grande linha de conta esta
ideia de base.
O grande princípio moral cristão de “assistir os doentes” foi o que havia de desenvolver toda a organização de
Enfermagem, tendo as Mulheres de Virtude sido substituídas pelas mulheres consagradas que “dedicavam o seu
tempo aos pobres e infelizes, agrupadas muitas vezes em comunidades à volta dos doutores da igreja”. Estas
poucos conhecimentos técnicos tinham, procuravam apenas fazer o melhor que pudessem pelos doentes, pela
“graça de Deus” (Conesa, 1995).
3.4. Na Idade Média até à RenascençaDurante este período ocorre o advento das cruzadas e o aparecimento de hospitais (que rapidamente se
estabeleceram como o principal ponto de confluência de doentes e também, logicamente, de pessoas que
prestavam cuidados aos enfermos – enfermeiros) onde os médicos diagnosticavam, operavam e medicavam e as
enfermeiras viviam, subordinadas à fé e normas cristãs e apelando ao ascetismo como valor máximo (Pearson e
Vaughan).
As diferenças em relação a conhecimentos e ensino entre estas duas classes também já são bastante distintas.
Enquanto que os médicos são a classe profissional por excelência (são formados em escolas por outros médicos,
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dominam as ciências biomédicas e lidam com todos os aspectos técnicos da área), às enfermeiras nem sequer se
podia afirmar com certeza que tinham um ofício uma vez que eram praticamente leigas, a maior parte
analfabetas, eram ensinadas por outras enfermeiras e funcionavam quase exclusivamente como acompanhantes
dos doentes, uma vez que os cuidados ao corpo, que antes se praticavam, estavam a ser renegados face às
vicissitudes da alma (Coutinho, 1991).
Já no renascimento, que se caracterizou por uma “vitalidade social, pela ânsia de saber e pela progressiva
liberalização da Cultura” (Nogueira, 1990) ocorreu uma grande evolução em todas as áreas. Isto deveu-se, em
grande parte, ao período dos descobrimentos, que pôs os europeus em contacto com outras culturas e com muitos
factos e ideias novas e igualmente ao inventar e divulgar da imprensa escrita que finalmente fez chegar o
conhecimento a todos, deixando os livros de serem usufruto apenas da elite (Donahue, 1993). Este evento trouxe
um maior enriquecimento dos níveis de sabedoria e cultura da população em geral, à qual também não
escaparam os enfermeiros, que veicularam mais uma vez os seus saberes mediante esta nova “arma” do ensino.
A ordem hospitaleira de S. João de Deus, por exemplo, publicou em 1741 um livro intitulado “Postilla Religiosa
e Arte de Enfermeiros”, que expõe bastante detalhadamente os cuidados de Enfermagem utilizados naquele
tempo e que servia de orientação aos membros da ordem ou a quem pensasse a ela aderir. Esta ordem encarava o
ser humano como um todo bio-psico-social e procurava ajudar a sará-lo de todos os males - “do corpo ou do
espírito” -, cumprindo, naturalmente, as indicações dos médicos ou cirurgiões em relação ao que fosse melhor
para o doente.
Ainda no período renascentista surgiram as universidades, que se constituíram como outro marco no ensino
mundial. No entanto, apenas os médicos eram abrangidos por esta regalia. O “conceito de ajuda” e o sentido
caridoso da práxis enfermeirística impediu a transmissão sistemática e organizada dos cuidados,
impossibilitando a criação de um “corpo especifico de conhecimentos” que facilitasse o seu ensino em contexto
universitário (Conesa, 1995).
3.5. No séc. XVIII e XIX : revolução NightingaleAté este momento os cuidados em Enfermagem estiveram sempre a cabo de pessoas geralmente muito
dedicadas aos doentes, mas com pouca cultura de Enfermagem, tais como as freiras e outras figuras religiosas
durante a Idade Média. O ensino era um tanto ou quanto desmazelado e acreditava-se que com um pouco de
prática qualquer um podia ser enfermeiro (Baly, 1995).
No entanto, a partir do séc. XVIII e á medida que os aspectos curativos da medicina se desenvolvem, passando
os hospitais a serem considerados não como refúgios de moribundos, mas sim como local de tratamento e cura e
onde os médicos necessitam de uma boa colaboração para poderem salvar os doentes, começa-se a sentir a
necessidade de se seleccionar e instruir os enfermeiros (Conesa, 1995).
Vários médicos procuraram levar a cabo esta experiência, organizando pequenas escolas de enfermeiras e
escrevendo livros para a sua instrução, sem sucesso, no entanto, devido ao grau de ignorância e analfabetização
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das enfermeiras em geral. Estas, mercê da sua pouca (ou nenhuma) educação, eram consideradas como bêbadas,
desleixadas, desordeiras, enfim, mulheres da má vida, uma imagem que Charles Dickens dá a conhecer nas suas
obras (Pearson e Vaughan, 1992).
Florence Nightingale era bem diferente destas enfermeiras. Mulher proveniente de classes altas, com um
elevado grau de instrução e conhecimentos, mesmo assim não deixou de procurar querer saber mais e foi com
esse intuito que estagiou em um pequeno hospital em Kaiserswerth, na Alemanha, gerido pelo pastor Fliedner
(também ele, devido a esta iniciativa, um dos percursores no ensino técnico, ético e moral da Enfermagem). Aí
Nightingale aprendeu muito e essa experiência permitiu-lhe constatar o muito que ainda havia a fazer no ”ramo”
da formação de Enfermagem. Mais tarde a “senhora da lâmpada” viria a ser reconhecida pelo seu excelente
desempenho na Guerra da Crimeia, tendo-lhe sido atribuído um fundo que utilizou para erigir uma escola de
Enfermagem (que entrou em funcionamento a 9 de Julho de 1860), a primeira regida por um programa de
formação em Enfermagem sólido com base em normas profissionais (Silva, 2001).
Os pontos básicos e inovadores do seu programa eram que (Nogueira, 1900):
1) A escola era dirigida por uma enfermeira e não por um médico;
2) O ensino era mais técnico e metódico, em vez de apenas ocasional, através da prática no Hospital
adjacente;
3) Havia uma selecção de candidatas, sob o ponto de vista físico, moral, intelectual e de aptidão profissional,
mas sem restrições de nível familiar, social ou económico.
Foi dado muito ênfase à questão do ambiente que rodeava os enfermos, afirmando Nightingale no seu livro
Notes on Nursing que manter os doentes num ambiente limpo e higiénico era essencial para a sua recuperação.
Este ensino vem fazer assumir uma filiação dupla para a profissão de enfermagem. Por um lado a filiação
conventual, em que ser-se enfermeira é servir-se um ideal, servir-se os doentes, os médicos e a instituição. O
carácter da profissão constitui-se como uma vocação e a missão a cumprir é difícil e exigente, requerendo
sacrifícios (Coutinho, 1999). Assim, o hábito troca-se pela farda e o convento pelo hospital, mas a clausura
permanece inalterável. Por outro lado a filiação médica, em que se requer que as enfermeiras sejam peritas de
mãos hábeis de modo a serem capazes de executar técnicas de cuidados cada vez mais complexas, embora sejam
simples do ponto de vista médica – as tarefas de rotina que os “doutores” não têm tempo de fazer – e para que
possam auxiliar o médico da melhor maneira possível (Collière, 1999).
A escola de Nightingale em breve proliferou um pouco por todo o mundo e não há dúvida que aumentou o
prestígio da Enfermagem, contribuiu em muito para o seu ensino e tornou-a uma verdadeira profissão. Mas, a
um preço talvez caro de mais: os enfermeiros perderam a pouca independência que tinha. Passaram a ser
auxiliares dos médicos (Donahue, 1993).
É de frisar que este desenvolvimento deu-se sobretudo nos países que tinham optado pelo protestantismo após
a reforma de Lutero e que, portanto, se viram a braços com uma grande dificuldade em arranjar enfermeiras
competentes. Nos países católicos os cuidados ainda foram prestados pelas religiosas, sem qualquer grau de
instrução técnica durante várias décadas até que o papa S. Pio X escreve uma circular em que aconselha as
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religiosas a estudar e estabelece uma escola para esse efeito, seguindo o exemplo do que já se passava um pouco
por todo o mundo não-católico (Conesa, 1993).
Com o tempo os programas passaram a ser cada vez mais exigentes, em termos de habilitações, e extensos, a
nível do ensino teórico e prático. Houve, mais tarde, a necessidade de se estabelecer uma categoria de
“Auxiliares de Enfermagem” que, com um menor grau de formação, podiam dedicar-se às tarefas hospitalares de
menor responsabilidade (Nogueira, 1990). Surgiram as especializações, como a Enfermagem psiquiátrica e a
Puericultura. As enfermeiras “visitadoras”, que assistiam as populações no domicílio, outro contributo de
Nightingale, proliferaram e contribuíram bastante para a redução da taxa de mortalidade dos países que “as
acolheram”.
3.6. Num passado próximo e no presente de PortugalNo inicio do séc. XX é de realçar, na Inglaterra, a concessão feita pelo estado de um diploma de aptidão
profissional, que vieram obter o reconhecimento e registo oficial das enfermeiras. Foi inclusivamente fundado
em 1919 o «Real Colégio de Enfermagem» destinado especialmente a pugnar pela obtenção do dito diploma.
Em Portugal a situação no final do séc. XIX era semelhante às de outros países. O pessoal que cuidava dos
enfermos nos Hospitais era analfabeto e pouca formação lhe era concedida. Para se tentar “dar a volta” à
situação foi criada em 1986 a primeira escola para ensino da Enfermagem destinada aos trabalhadores do
Hospital de S. José e Anexos. A organização do curso estava a cabo do cirurgião Artur Ravara que publicou o
programa do curso em 1987. No entanto este curso foi suprimido em pouco tempo, porque a ileteratura da
população do Hospital não permitia a aquisição dos conhecimentos (Soares, 1993). Em 1910 foi feita uma nova
tentativa tendo-se fundado, no mesmo hospital, a Escola Profissional de Enfermeiros com o objectivo de
ministrar “a instrução, técnica e os conhecimentos de prática que as exigências da ciência actual reclamam; em
que tenham de cumprir prescrições médicas ou cirúrgicas e de prestar cuidados de enfermagem a doentes”
(Nogueira, 1990). O curso durava um ano, com outro de opção.
Ao mesmo tempo que isto acontecia surgiam outras escolas de enfermagem, tanto em Lisboa como noutros
pontos do país por exemplo Porto e Coimbra. As Escolas Artur Ravara, S.Vicente Paulo e dos Irmãos
Hospitaleiros de S. João de Deus são das mais conhecidas e cada uma delas introduziu conceitos inovadores e
importantes no ensino da enfermagem (a de S. Vicente Paulo, por exemplo, instituiu um curso de três anos em
que eram leccionadas ciências humanas, como a psicologia e a sociologia)..
Em 1947, numa altura em que se procurava elevar a escolaridade básica exigida para o Curso de Enfermagem
Geral e compensar a falta de enfermeiros que se fazia sentir no nosso país, foi criado o curso de Auxiliares de
Enfermagem, com a duração de um ano, que preparava para determinadas tarefas, de fácil execução e pequena
responsabilidade.
No entanto, e até 1952, toda a instrução em Enfermagem estava desorganizada, não havia uma homogenidade
no ensino - basicamente cada escola ensinava de acordo com as suas próprias orientações ideológicas e
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proporcionava cursos bastante diferentes aos alunos. Os D.L. nºs 38884 e nº 38885, de 28 de Agosto de 1952,
vieram finalmente disciplinar e organizar o ensino da enfermagem nas escolas oficiais, segundo Ferreira (1986)
e Nogueira (1990). A partir de então, passam a haver três cursos distintos:
- Curso geral (Habitações mínimas: 1º ciclo liceal; duração: 3 anos);
- Curso de auxiliares (Habilitações mínimas: instrução primária; duração: 1 ano, mais seis meses de
estágio);
- Curso complementar (Habitações mínimas: 2º ciclo liceal, além do Curso de Enfermagem Geral e
prática profissional; duração: 1 ano).
Foram, além disso, introduzidas em 1952 as seguintes reformas (Nogueira, 1990):
- O ensino passa a ser ministrado apenas em Escolas de Enfermagem, oficiais ou particulares (ligadas aos
institutos religiosos ou às misericórdias, no caso da do Porto), dotadas de autonomia técnica e
administrativa;
- Melhoria da formação dos monitores para quem foi criado especificamente o curso complementar de
enfermagem;
- Além da idade mínima (18 anos) e das habilitações mínimas (conforme o curso), são requisitos de
admissão ter "robustez física" e "comportamento moral irrepreensível" (sic);
- O plano de estudos passa a ser constituído por aulas teóricas, aulas práticas e estágios, de frequência
obrigatória;
- No final do curso, os alunos deviam submeter-se a um exame de Estado, a realizar em escola oficial.
O alcance da reforma de 1952 ficou, no entanto, limitado pela persistência, se não mesmo agravamento, das
deficiências que já vinham de detrás. Assim, mantinham-se:
- A indefinição dos objectivos de ensino/aprendizagem;
- A natureza meramente selectiva dos exames;
- A carência de monitores em quantidade e qualidade;
- O Aproveitamento oportunístico pelos hospitais do trabalho dos estagiários, com grave prejuízo para a
sua formação;
- Enfoque hospitalocêntrico e tutela médico-hospitalar da enfermagem.
Será preciso, entretanto, esperar pela reforma de 1965 (D.L nº 46448, de 20 de Julho), para que o ensino e o
exercício da enfermagem em Portugal comecem a desmedicalizar-se e ganhar maior autonomia e especificidade,
abrindo-se assim às correntes internacionais (e nomeadamente às orientações da OMS e do Conselho
Internacional de Enfermeiros):
- Para admissão ao Curso Geral, cuja duração continua a ser de três anos, passa a exigir-se como
habilitações mínimas o 2º ciclo liceal ou equivalente;
- O plano de estudos visa uma formação mais equilibrada e polivalente do enfermeiro, com menos peso
da patologia e de outras matérias do domínio das ciências biomédicas;
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- A orientação da enfermagem já não é apenas para o hospital mas também para o exercício de actividades
no campo da saúde pública e dos cuidados ambulatórios;
- Enfatiza-se a necessidade de uma pedagogia activa e participativa, etc.
Também a revolução de Abril trouxe novas perspectivas à profissão de enfermagem e permitiu muitas
mudanças que eram até então haviam permanecido apenas no sonho dos enfermeiros. A 9 de Agosto de 1976
mais uma vez o Curso de Enfermagem é modificado, sendo as suas finalidades as de dar uma formação básica
polivalente, de modo a capacitar os enfermeiros a actuar na comunidade a todos os níveis de prevenção da
doença, tornando-se assim «agentes de mudança» e renovação na continuidade e de tornar esta classe capaz de
participar na destrinça e solução dos problemas de saúde do país (Nogueira, 1990). Ainda de acordo com este
autor foram claramente definidos os objectivos educacionais, tendo o curso mantido a duração de 3 anos,
repartidos em áreas de aprendizagem, sendo leccionado maioritariamente por enfermeiros-docentes, constituídos
em equipas pedagógicas, havendo uma obrigatoriedade da frequência dos cursos teórico-práticos e também do
estabelecimento e organização de «campos de estágio», que assegurem aos alunos uma boa integração de
conhecimentos e experiências. É segundo estas finalidades e princípios gerais que continuam, até ao dia de hoje,
a ser formados os enfermeiros em Portugal. Os exames de Estado são igualmente abolidos nesta reforma.
Desde 1976 e até aos dias de hoje, sem dúvida que o ensino em enfermagem tem estado a evoluir. Há uma
preocupação muito grande em adaptar os currículos escolares à necessidade de preparar os enfermeiros para «o
país que somos» e procurado desenvolver a teoria da aprendizagem centrada no aluno, apelando à sua
responsabilização dinâmica e criativa. A própria avaliação dos estudantes tem passado de meramente selectiva a
essencialmente orientadora (Soares, 1993).
Em 1978 passa a ser exigido para a admissão ao Curso de Enfermagem Geral o Curso do Ensino Secundário e,
num processo que demorou tempo, mas que surgiu de uma forma natural, devido ao aumento das exigências da
formação literária e ao grande grau de aderência por parte dos alunos, é estabelecido em 23 de Dezembro de
1988 que as Escolas de Enfermagem passem a ser Escolas Superiores de Enfermagem, integradas no Ensino
Politécnico, no âmbito dos Ministérios da Educação e Saúde (Nogueira, 1990).
Já em 2000 uma das grandes batalhas travadas em prol da autonomia do ensino e da profissão é ganha pela
classe de Enfermagem. É concedido o grau de Licenciatura ao Curso de Enfermagem. O curso passa a ter a
duração de 4 anos e é possibilitado aos enfermeiros a aquisição não apenas do Grau de Mestre, mas igualmente
do Grau de Doutor. É realmente um grande passo no caminho para a valorização plena da profissão e para a
indepêndencia desta face às outras classes profissionais da saúde, particularmente a médica (Graça e Henriques).
3.7. No futuroÉ difícil prever como será o dia de amanhã, mas há alguns sinais e algumas iniciativas do presente que podem
dar bons frutos no futuro.
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Durante muitas décadas a Enfermagem fundamentou a sua prática no modelo biomédico (Pearson e Vaughan,
1992). No entanto, como Coutinho (1991) e vários outros teóricos de Enfermagem verificam, o “ensino em
enfermagem já não se compadece só com o modelo técnico-profissional”. Em algumas escolas (como na
ESEMFR, segundo a minha experiência) esta limitação já está a ser combatida procurando-se, mediante uma
abordagem crítico-reflexiva, estimular os estudantes ao uso da reflexão pessoal, ao desenvolvimento de
responsabilidade e de criatividade e também do espírito crítico que é fundamental para o futuro da enfermagem,
porque vai permitir aos futuros profissionais uma maior consciencialização dos problemas da profissão e de
tudo o que ela abrange e a envolve (Palmer et al., 1994). Começa-se a dar a devida importância e a ensinar-se
novamente (tal como nos tempos antigos) que o indivíduo humano é um ser bio-psico-social e que é parte das
competências dos enfermeiros cuidar de uma pessoa como um todo e não tratar da parte que está doente.
Como Watson (1983) refere “é necessário que se estabeleça o cuidar humano como um contexto moral para o
ensino da enfermagem” e que ocorra a mudança entre fazer-se e ser-se, uma mudança para novas epistemologias,
novas ontologias e metodologias de ensino-aprendizagem diferentes. Para isso é necessário uma reflexão
profunda no seio das próprias instituições de ensino, de modo a discernir as ambiguidades entre o que é ensinado
na teoria e o que se passa efectivamente na prática – “as escolas não podem nunca mais tornar a viver costas
voltadas para a prática clínica” (Nunes, 2000) - e quais os resultados previsíveis das políticas de ensino que se
estão a seguir: se irão “produzir” um enfermeiro que «sabe fazer» como ninguém, e que é um perito a níveis
técnicos; ou se os enfermeiros formados saberão não apenas fazer, mas também possuirão o «saber saber» e o
«saber ser» essenciais ao estatuto de verdadeiros profissionais (Chaska, 1990). Hoje em dia nota-se uma
preocupação crescente com este aspecto por parte das escolas e o componente humano da profissão é cada vez
menos ignorado. Creio que, em pouco tempo, um modelo holístico de ensino substituirá o modelo biomédico e
esta transformação repercutir-se-á sem dúvida na prática profissional e abrirá um sorriso no horizonte dos
enfermeiros e dos doentes de que cuidam.
Noutra vertente, é possível que com o advento das Licenciaturas, Mestrado e Doutoramento se estimule o
desenvolvimento de formação pós - ensino base, ou a chamada educação permanente em Enfermagem. A
formação contínua é extremamente importante para que os profissionais se mantenham actualizados e para que
aprofundem o seu grau de desenvolvimento pessoal e profissional (Duarte, Lopes e Gândara, 1995) e já existem
muitas acções, tais como colóquios, mini-cursos e conferências que a promovem. No entanto, tal como Duarte,
Lopes e Gândara referem, ainda há muitos problemas nesta área e há que repensar uma nova metodologia de
Formação Profissional para que ela seja, realmente, um instrumento fulcral no desenvolvimento dos enfermeiros.
Talvez a reforma de 2000 traga melhores resultados a este esforço de fazer com que o próprio profissional queira
aprender, procurando ele mesmo por ensinamentos, como um autodidacta rumo ao conhecimento.
Outra forma de ensino que se vislumbra no horizonte e que acompanha o trilho das novas tecnologias é o e-
learning. Já algumas experiências foram bastante positivas nesta área e é possível que algumas das disciplinas do
curso possam vir a ser leccionadas através deste método inovador. Embora não possa nunca vir abranger toda a
Enfermagem (que não deixa de ser uma profissão de cariz prático e, como tal, em que se precisa de mobilizar
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conhecimentos na pratica - algo que, até agora, ainda não se pode fazer apenas com um computador) há grandes
vantagens neste método de ensino, como por exemplo em termos de acessibilidade, ganhos de tempo e até
conforto (afinal, não é preciso sair de casa para se aprender!). Vamos esperar para ver…
Por fim, há uma questão que ainda está em aberto e que eu, por muito optimista que sou, creio que assim vai
permanecer ainda durante bastante tempo. Neste momento o Ensino da Enfermagem Portuguesa está integrado
dentro do Instituto Politécnico da Saúde, virtualmente isolado em relação a outros Institutos, usufruindo de
poucas regalias e quase nenhum acompanhamento por parte do Estado. A posição oficial da FNAEE (Federação
Nacional das Associações de Estudantes de Enfermagem) é a de que os estudantes de enfermagem foram
segregados e postos à parte pela política de Ensino do Governo. Será que tudo permanecerá assim? Ou será que
nalgum dia de Primavera finalmente se fará luz e o ensino da enfermagem finalmente passará a ensino
universitário? Correia (1998) refere várias vantagens desta medida, sobretudo no que diz respeito á promoção da
autonomia e dignidade da profissão e em termos de interdisciplinaridade e do reforço da complementaridade
entre saberes. Pessoalmente era um dos meus grandes sonhos seria o de ver uma Faculdade de Enfermagem.
Seria algo que me encheria de orgulho e que me faria feliz.
4. O ensino em Enfermagem O ensino constitui-se como um dos principais papéis dos enfermeiros e é muito importante na promoção do
bem-estar e na manutenção do nível de funcionamento normal das pessoas. Funciona muitas vezes, por exemplo,
como factor redutor da ansiedade e também da dor, providenciando ás pessoas um maior conforto e “força” em
encarar o que as espera, porque lhes retira dúvidas e lhes desvenda o desconhecido. É, também, não apenas uma
competência, mas um dever dos enfermeiros porque permite que os doentes tomem decisões fundamentadas em
conhecimentos, assumindo assim, responsabilidades pela sua própria saúde.
A capacidade de um enfermeiro para ensinar depende de muitos factores, como seja a sua capacidade de
detectar as necessidades dos clientes, do material de ensino usado ou do ambiente em que o ensino decorre.
Depende igualmente dos próprios conhecimentos que o enfermeiro possua do assunto em discussão (Bolander,
1998) e aqui está implícito a importância que o ensino da enfermagem tem, para que os enfermeiros na prática
possam exercer o ensino da maneira mais conveniente.
É interessante constatar a correlação que existe entre o ensino da Enfermagem e em Enfermagem: se não for
nunca, em nenhuma altura da formação de um enfermeiro, realçado o papel fundamental que o ensino ao doente
tem o prestador de cuidados poderá nunca ter a consciência da importância de tal facto e não o praticará
frequente e intencionalmente no seu quotidiano profissional. É preciso ensinar-se nas escolas que tem que se
ensinar! Por outro lado, se não se discutir e avaliar a forma como se faz o ensino, é possível que, por muito que
o enfermeiro o exerça, este não “corra” da melhor maneira. É também importante ensinar-se a ensinar.
O tema do ensino ao doente foi pouco abordado na formação do enfermeiro durante quase toda a História.
Inicialmente porque pouca formação havia em relação a tudo o resto que envolvia a enfermagem e não apenas
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em relação a esta área especifica. Também o facto de se encarar os doentes como agentes passivos do cuidar,
onde os profissionais de saúde, particularmente médicos e enfermeiros, detinham o poder de tudo conhecer e de
tudo decidir (Ribeiro, 1995) fez com que o a prática do ensino fosse pouco comum até ao final do séc. XVII. A
partir do séc. XVIII, e com Nightingale, é dada mais importância ao ensino, sobretudo no que concerne à
enfermagem comunitária, havendo grande preocupação de informar a população dos riscos que envolvem maus
hábitos de higiene e na prevenção da infecção. Com o surgir de estudos que denotam os benefícios do ensino e
com o modelo biomédico em voga, o ensino é implementado como mais uma competência dos profissionais,
bastante importante no que diz respeito ao controlo de doenças por parte dos doentes (por exemplo, cuidados a
ter com a Diabetes) ou para reduzir as suas ansiedades em período pré-operatório. Com o surgir de uma visão
mais holística na Enfermagem, o ensino surge como crucial na autonomia que o doente deve ter, para além de
ser se constituir como um dos seus direitos fundamentais e como uma obrigação deontológica do enfermeiro – o
de manter sempre o doente informado acerca de tudo o que diz respeito à sua saúde.
5. Conclusão Concluiu-se que houve uma evolução do ensino, não apenas na diversidade e acumular dos métodos de ensino
ao longo dos tempos, mas também das matérias que foram abordadas (que variavam em quantidade seguindo
uma regra de proporção geométrica em relação ao passar dos anos, existindo mais coisas a ensinar à medida que
mais conhecimentos iam surgindo e em qualidade, de acordo com os princípios, valores e atitudes que regiam a
época e com as ideologias especificas dos prestadores de cuidados) e da importância que era dada ao próprio
ensino (quer dos enfermeiros, quer pelos enfermeiros). A Enfermagem foi sempre encarada como uma
ocupação/ofício/profissão prática e que, inicialmente, não requeria grandes conhecimentos teóricos. Estando
sempre ligada à Medicina, desde os tempos mais antigos onde a servia até aos mais modernos onde a
complementa, e com um maior aumento em número e complexidade dos conhecimentos essenciais à profissão,
foi necessário cada vez uma maior educação, com um ensino mais completo, rigoroso e objectivo de tudo o que
lhe estava relacionado. Tal necessidade surgiu de forma natural e, com alguns altos e baixos, foi colmatada.
Hoje os enfermeiros já possuem bastantes conhecimentos, já são profissionais com habilitações académicas e
atingiram um patamar mais ou menos estável na sua evolução. Mas a evolução é isso mesmo, move-se
continuamente como o tempo e não permite acomodações. Devemos virar-nos para nós próprios e procurar o que
está mal no ensino e o que podemos fazer para o melhorar, sabendo á partida que melhorar o ensino é melhorar
os enfermeiros como um todo, a qualidade e eficácia dos cuidados por eles prestados e a própria satisfação dos
doentes por consequência. Daí decorrerá uma melhoria para toda a classe de enfermagem, para o sistema de
saúde em geral e, acima de tudo, talvez traga mais sorrisos de satisfação, não apenas nossos, mas das pessoas
que cuidamos.
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