Download - >> C I N E ASTA “A sociedade é bissexual”abiaids.org.br/_img/media/entrevistaVagnerGazeta.pdf · homem e mulher e desistir de julgar as pessoas pela aparên-cia, vai ficar muito

Transcript
Page 1: >> C I N E ASTA “A sociedade é bissexual”abiaids.org.br/_img/media/entrevistaVagnerGazeta.pdf · homem e mulher e desistir de julgar as pessoas pela aparên-cia, vai ficar muito

Página: 18 CYAN MAGENTA YELLOW B L AC K

PÁGINA 18 - DOMINGO - 1/NOVEMBRO/2009 - 18:49

18 DIA A DIA nnnnn n n n n

A GAZETA Vitória (ES), domingo, 1º de novembro de 2009 Fale com a editora:ca l v es @ r e d e g a z et a .co m . b r

- ------------------------------------

- ------------------------------------ - ------------------------------------

- ------------------------------------

- ------------------------------------

- ------------------------------------

- ------------------------------------

- -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Entrevista >> POR ELAINE VIEIRA / [email protected]

Vagner de Almeida >> C I N E ASTA

“A sociedade é bissexual”D I V U LG A Ç Ã O

DOCUMENTOS. Vagner se dedicou a filmar a violência contra homossexuais e travestis

Para ativista, a experiência com alguém do mesmo sexo faz parte do desenvolvimento sexual

n n Há quase 25 anos, Vagnerde Almeida estuda questõesde sexualidade e gênero noBrasil. Mais do que falar sobreisso, Vagner se propôs a darvoz a homossexuais e travestisem seus filmes. A violênciacontra quem tem coragem defazer opções diferentes é temarecorrente em todas as suasobras. Violência essa geradapela intolerância, pelo pre-conceito e pela hipocrisia. Pa-ra ele, grande parte da socie-dade é bissexual e se recusa aadmitir, muitas vezes para es-conder a homossexualidade.“Se a gente aceitar que há ou-tras opções além da relaçãohomem e mulher e desistir dejulgar as pessoas pela aparên-cia, vai ficar muito mais fácilviver nesse mundo”, ensina.

n n De onde veio a motivaçãopara fazer filmes sobreh o m o s s ex u a i s ?Há anos venho trabalhandocom questões de gênero, di-reitos humanos e saúde. E des-de então vinha fazendo muitacoisa, como documentários evídeos educativos para ho-mens HSH (Homens que fa-zem Sexo com Homens). Aideia era fazer uma trilogia. Oprimeiro foi o “Borboletas daVida”, que mostra a transfor-mação de jovens em travestis,seguido por “Basta um Dia”,que mostra o cotidiano dostravestis já assumidos. Mas,quando estava me preparandopara fazer o último - hoje emfaze de finalização, “Sou Mu-lher, sou Brasileira, sou Lésbi-ca” -, vi que quase todas as pro-tagonistas dos dois primeirostinham sido assassinadas. Foiaí que surgiu “Sexualidade eCrimes de Ódio”, para mos-trar essa realidade tão brutavivida pelos travetis.

n n A gente se acostumoucom uma imagem do gayglamourizado e vocêdenuncia a violência. Comoessas duas realidades see n co n t r a m ?A violência contra o gay existeem todas as esferas. A sociedadeé homofóbica e intolerante e,por isso, as pessoas preferem,por autodefesa, continuar emseus casulos. Tem a violênciaque gera mortes, mas tem tam-bém a violência cotidiana, dexingamentos, de olhares envie-sado. Os travestis ainda sofremcom a violência do sistema edu-cacional, da comunidade ondevivem, de tudo o que eles têmque abandonar para se assumir.E tem a violência da própria co-munidade GLBT, onde tambémhá discriminação. O que se vênas paradas gays incentiva essaglamourização. A tal ponto queo maior símbolo das paradas sãoas Drag Queens, que nem neces-sariamente gays são. Mas, nofundo, há uma grande desunião,incapaz de mobilizar. Tanto quemesmo com todas essas para-das, até hoje o abaixo-assinadodo site Não Homofobia, não tem1 milhão de assinaturas para mo-vimentar o projeto de lei que cri-minaliza a homofobia.

n n Você está terminando umfilme sobre lésbicas. Aviolência é maior contra elas?Há muita violência física contra

o homem gay, noticiada pelosjornais, inclusive. Mas, no casodas lésbicas, é pior, pois essa vio-lência é velada. Ela começa den-tro de casa. O menino afemina-do é cobrado para ser macho pe-los pais, mas a mulher é achaca-da, xingada, colocada para fora etachada de “vergonha da casa”.Por isso, a mulher lésbica estámuito mais dentro do armáriodo que os homens homosse-xuais. O homem assumido é gla-mourizado, ele vira cabeleirei-ro, melhor amigo das mulheres.A mulher que é visivelmentepercebida como lésbica não tema mesma aceitação. Mesmoquando desenvolve atividadestipicamente masculinas.

n n Ela sofre também pelosimples fato de ser mulher...Exatamente. Em primeirolugar porque a mulher émais frágil fisicamente, oque já dá vantagem ao ho-mem. Em segundo lugar,por causa da sociedade emque vivemos, machista, pa-triarcal, que obriga mulhe-res a arrumar a casa en-quanto o irmão pode sairpara jogar bola. A mulhersofre com muitos estigmas,tem salários menores, obri-gação de casar, de obede-cer, de procriar mesmoquando é lésbica. A cobran-ça é maior, e a violênciaconsequente dela também.

n n O homossexual masculinoé mais aceito que a lésbica?De certa forma, sim. O homemvira cabeleireiro, e a mulher,

tem que virar estivadora? Aospoucos, essa mentalidade vaimudando. Assim como a mu-lher de uma forma geral vem lu-tando ao longo das últimas dé-cadas para conseguir um lugarao lado do homem na sociedade,as lésbicas começam agora essaluta pelo reconhecimento. Paraelas, é mais difícil sair do armá-rio. Tanto que as lésbicas mais

novas não se masculinizam, fa-zem o tipo mais básico, com cal-ça jeans, chapéus. Mas, no filme,as lésbicas destacam uma coisa:elas não querem ser aceitas,querem apenas respeito, comoqualquer outra pessoa.

n n A aparência choca mais doque a opção sexual?Nem todo mundo é igual, nemtodo gay é afetado, nem toda tra-vesti é briguenta. Da mesma for-ma, as lésbicas também podemser femininas. Algumas pessoas,às vezes, exageram nas roupas,no comportamento. Mas vocênão tem o direito de julgar nin-guém por isso, desde que elasnão te agridam nem invadam seu

espaço privado. Se todo mundoseguisse essa lógica, seria muitomais fácil viver nesse planeta.Nos grandes centros, um poucomais tolerantes, aceita-se a cria-ção de guetos para esses públi-cos, mas, no interior, os homos-sexuais não têm espaço. A gentevive nas capitais, glamourizandoas paradas, acha que é tudo mui-to normal, mas o resto do Brasilnão está preparado para respei-tar essa diversidade.

n n Afinal, o que é serhomossexual no Brasil?Essa é a pergunta que norteia odocumentário sobre as lésbicas.Nas histórias, surge sempre a re-lação de parceria com outrasmulheres, as drogas, a bebida, aobesidade e até a AIDS, pois elastambém são infectadas, apesarde não se sentirem vulneráveis.Mas ser lésbica difere muito deacordo com o segmento social. Aclasse social influencia muito ofato de a mulher se assumir ounão. Porque elas perdem traba-lho, amigos, vários direitosquando são “descobertas”. Aclasse média e principalmente aclasse alta são as mais segrega-das. Muitas delas não conse-guem pronunciar a palavra “lés-bica”. Se recusam a se colocarnesse contexto. Apenas as ativis-tas e as mulheres das camadasmais populares toparam apare-cer no vídeo, por exemplo.

n n Muita gente, para nãoassumir, se esconde nabissexualidade, que pareceaté estar na moda...Verdade, e, muitas vezes, essa

postura é criticada dentro dopróprio movimento GLBT. Éuma situação impressionante,mas não chega a ser um fenôme-no. É apenas uma coisa que estávindo à tona agora. Com a lutade vanguarda dos homosse-xuais, os “bi” começaram a sesentir mais confortáveis em seassumir. Nos anos 1990, teve ummomento em que a bissexuali-dade foi muito contestada, por-que todo homossexual masculi-no, quando ainda não podia as-sumir a experiência com outrohomem, se desculpava dizendoque apenas “comia” os homens,que era o ativo, só para não dei-xar a oportunidade passar.

n n Hipocrisia misturada comp r e co n ce i t o . . .A nossa sociedade, na verdade,é completamente bissexual.Não é homossexual, nem tra-vesti, nem lésbica, principal-mente se levarmos em conta onúmero de homens casados quetransam com outros homens oucom travestis. A diferença é que,amparados no estereótipo domacho, do “comedor”, eles mul-tiplicam ainda mais os precon-ceitos, as piadinhas contra gays.Isso, pelo menos até o primeirogole de bebida alcoólica, quan-do todos se revelam. Só que, pa-

ra a comunidade GLBT, se você,em qualquer momento da suavida, beijou ou teve relaçõescom alguém do mesmo sexo,você é gay. Eu particularmentediscordo. O fato de uma mulherter beijado uma outra mulheruma vez ou duas não quer dizerque ela seja lésbica. Afinal, vocêvive num campo de sexualidadeem que os desejos afloram e vo-cê tem o direito de experimen-tar e, no futuro, seja de curto oulongo prazo, escolher aquiloque te interessa mais.

n n A bissexualidade seriaapenas uma transição?A bissexualidade, para mim, éuma ponte, em que você tran-sita de um lado para outro. Masexiste sim a bissexualidade emque você se sente atraído e ex-citado por ambos os sexos.Mas tem também as pessoasque se escondem na bissexua-lidade para não assumir 100% olado homossexual. Muitos es-condem para não atingir os fi-lhos de um casamento hete-rossexual. Mas criança não épreconceituosa. Nós, socieda-de, é que fazemos com que elacresça assim. Nós ainda cria-mos nossos filhos dentro daheteronormatividade. E aíqualquer coisa que fuja dessepadrão vai continuar sendovista como errada, mesmo que,quando crescer, a pessoa sintaessa atração diferente, o quecausa muitos conflitos. Não dápara pensar que o homem nas-ceu para a mulher, vice-versa epronto. Pois há sim opções. Odesejo pode ser sufocado, masnão vai ser morto, nem por psi-cólogos, nem por religiões.

A gente vivenas capitais,glamourizando

as paradas, acha queé tudo muito normal.Mas o resto do Brasilnão está preparadopara respeitar essad i v e r s i d a d e”

A violênciacontra aslésbicas é

velada. Ela começadentro de casa. Amulher é xingada,colocada para forae tachada de‘vergonha da casa’”

A sociedade éhomofóbica eintolerante e,

por isso, as pessoaspreferem, pora u t o d ef es a ,continuar emseus casulos”

- -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Quem é ele

n n REPRESENTAÇÃO. Va g n e rde Almeida tem 52 anos eé coordenador do ProjetoJuventude e DiversidadeSexual da ABIA –Associação BrasileiraInterdisciplinar de AIDS –no Rio de Janeiro

n n AÇÕES. Faz parte daequipe do Programa deGênero, Sexualidade e SaúdeSexual nas ComunidadesLatinas da Mailman Schoolof Public Health, naUniversidade de Columbia,Estados Unidos

n n TRABALHO. Diretor defilmes e teatro, ativista,escritor, ator e crítico deteatro, foca seu trabalho nasquestões de gênero esexualidade e a relação entre aexclusão social e saúde(w w w .v a g n e r d ea l m e i d a .co m )

- ------------------------------------

Filmes sobre o tema

n O SEGREDO DE BROKEBACKMOUNTAIN. Dois caubóis seconhecem no interior doWyoming, onde cuidam de umrebanho de ovelhas. Lá surge umamor mútuo, que serácompartilhado durante os 20anos seguintes, em intervalosirregulares, mesmo depois decasados, cada um com suamulher e filhos. Indicado a oitoOscar em 2006

n BABY LOVE. Emmanuel ePhillipe são um casal ecombinam em tudo. Ou quase.Emmanuel sonha em ser pai,Phillipe, não. O problemacomeça quando Emmanueldecide procurar por umapessoa que esteja disposta aser barriga de aluguel de umgay. Sem o apoio de Phillipe, elecorre o risco de perdê-lo

n SHORTBUS. Mostra umasérie de personagensdesajustados que se encontramnum clube de fetiches em NovaYork. Apesar de todosfrequentarem o local, onde osexo explícito é praticado, elesse sentem solitários. Sãoamados, mas incapazes de sentiralguma coisa, e é atrás disso queestão durante todo o filme

n TUDO SOBRE MINHA MÃE.No dia de seu aniversário,Esteban ganha de presente damãe, Manuela, uma ida paraver a nova montagem da peça"Um bonde chamado desejo",estrelada por Huma Rojo.Após a peça, ao tentar pegarum autógrafo de Huma,Esteban é atropelado e morre.Manuela resolve, então,encontrar o pai de Esteban,que vive em Barcelona, paradar-lhe a notícia, quandoencontra no caminho otravesti Agrado, a freira Rosae a própria Huma Rojo

n O PADRE. Padre jovem eidealista chega à paróquia deLiverpool e descobre que seusuperior vive abertamente comuma mulher. Desorientado, élevado por seus própriosdesejos homossexuais, aomesmo tempo em que prestasocorro espiritual à garota, queé violentada pelo pai

n MADAME SATÃ. Lapa anos30: acompanhe o cotidiano e aintimidade de João Franciscodos Santos - malandro, artista,presidiário, pai adotivo, negro,pobre, homossexual - e seucírculo de amigos, antes de setransformar no mito MadameSatã, lendário personagem daboemia carioca

- ------------------------------------

n n COMENTE NA WEBPara o cineasta Vagner de

Almeida, a sociedade é bissexual.Você concorda?www.gazetaonline.com.br/ forum- ------------------------------------