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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 7152 ZONA FRANCA DE MANAUS: ENTRE A GEOPOLITICA E A GEOECONOMIA RICARDO JOSÉ BATISTA NOGUEIRA 1 THIAGO OLIVEIRA NETO 2 Resumo: A Zona Franca de Manaus tem sido, ao longo de quase cinquenta, motivo para os mais diversos tipos de discursos, que mudam dependendo da escala geográfica de onde este discurso se origina e dos atores que os proclamam. Pretende-se ao longo deste artigo fazer uma abordagem que demonstre o significado político, socioeconômico e territorial deste “modelo de desenvolvimento” implantado no Norte do Brasil no final da década de 1960. Palavras-chave: Zona Franca, discursos, escala. Abstract The Manaus Free Trade Zone has been, for nearly fifty, reason for different types of speeches, which change depending on the geographical scale of which this discourse stems and actors who proclaim them. It is intended throughout this article make an approach to demonstrate the political, social, economic and territorial significance of this "development model" deployed in northern Brazil in the late 1960s. Keywords: Free Trade Zone, speeches, scale. 1 Introdução Falamos, em nosso cotidiano, de diversos tipos de modelo: modelo de cidade, modelo de transporte, modelo de corpo, modelo de roupa, modelo de automóvel, etc. É importante iniciar afirmando que qualquer modelo é uma abstração. A ideia de construção de modelos está associada ao conhecimento científico, em que a partir de determinadas situações experimentais, constroem-se modelos para, de modo simplificado, representar sistemas, demonstrar consistências de teorias mais complexas. A definição de um modelo implica, logicamente, o estabelecimento de um padrão, que se busca não só seguir, mas reproduzi-lo. Como estas ideias começaram nas ciências da natureza, em que os experimentos eram (e são) fundamentais para a construção de princípios universais 1 Docente do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Amazonas. E-mail de contato: [email protected] 2 Discente do curso de Geografia da Universidade Federal do Amazonas, bolsista do CNPq, de Iniciação Cientifica. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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ZONA FRANCA DE MANAUS: ENTRE A GEOPOLITICA E A GEOECONOMIA

RICARDO JOSÉ BATISTA NOGUEIRA1 THIAGO OLIVEIRA NETO2

Resumo: A Zona Franca de Manaus tem sido, ao longo de quase cinquenta, motivo para os mais diversos tipos de discursos, que mudam dependendo da escala geográfica de onde este discurso se origina e dos atores que os proclamam. Pretende-se ao longo deste artigo fazer uma abordagem que demonstre o significado político, socioeconômico e territorial deste “modelo de desenvolvimento” implantado no Norte do Brasil no final da década de 1960. Palavras-chave: Zona Franca, discursos, escala. Abstract The Manaus Free Trade Zone has been, for nearly fifty, reason for different types of speeches, which change depending on the geographical scale of which this discourse stems and actors who proclaim them. It is intended throughout this article make an approach to demonstrate the political, social, economic and territorial significance of this "development model" deployed in northern Brazil in the late 1960s. Keywords: Free Trade Zone, speeches, scale.

1 – Introdução

Falamos, em nosso cotidiano, de diversos tipos de modelo: modelo de

cidade, modelo de transporte, modelo de corpo, modelo de roupa, modelo de

automóvel, etc. É importante iniciar afirmando que qualquer modelo é uma

abstração. A ideia de construção de modelos está associada ao conhecimento

científico, em que a partir de determinadas situações experimentais, constroem-se

modelos para, de modo simplificado, representar sistemas, demonstrar

consistências de teorias mais complexas. A definição de um modelo implica,

logicamente, o estabelecimento de um padrão, que se busca não só seguir, mas

reproduzi-lo. Como estas ideias começaram nas ciências da natureza, em que os

experimentos eram (e são) fundamentais para a construção de princípios universais

1 Docente do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Amazonas.

E-mail de contato: [email protected] 2 Discente do curso de Geografia da Universidade Federal do Amazonas, bolsista do CNPq, de

Iniciação Cientifica. E-mail de contato: [email protected]

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(mantendo constante temperatura e pressão), sua transferência para as chamadas

ciências humanas foi pacífica, que passou, de modo semelhante, a construir

modelos de sociedade, de cultura, de indústria, de Estado. Do mesmo modo,

idealizou-se modelos de desenvolvimento.

2 – Desenvolvimento

Os modelos de desenvolvimento começam a aparecer, praticamente, após a

Segunda Guerra Mundial, quando a elaboração de teorias econômicas voltadas à

resolução dos problemas no mundo ganha fôlego a partir das ideias de

planejamento, crescimento econômico e desenvolvimento. As ciências econômicas

tornam-se a panaceia para o desenvolvimento. Àquela época, de um mundo

claramente dividido entre dois “modelos” de economia” e de ideologia, começou-se a

criar organismos voltados ao desenvolvimento econômico dos países que

apresentavam indicadores muito abaixo dos definidos como padrão de

desenvolvimento. Aqui o papel dos Estados Unidos, e da Organização das Nações

Unidas (ONU) e seus órgãos foi preponderante no destino da opção ideológica dos

países a partir das ajudas técnicas e financeiras aos mesmos. Ou seja, o caminho

para o desenvolvimento deveria seguir as lições definidas por aqueles organismos.

Dentre os órgãos que compõe a ONU, há um denominado ONUDI

(Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial), cuja função

primordial é dar suporte técnico para o desenvolvimento industrial dos países, a

partir de modelos e concepções teóricas. Aqui é importante recuperar o pensamento

de um economista clássico chamado Alfred Marshall, que no final do século XIX,

elaborou o conceito de “Distritos Industriais” como um conjunto de empresas, de

pequeno e médio porte independente umas das outras, ou seja, a concentração de

indústrias especializadas em certas localidades geraria vantagens. Esta

aglomeração de indústrias poderia ajudar as pequenas empresas a obter vantagens.

Marshall acreditava na importância da “aptidão hereditária”, oriunda do acúmulo de

conhecimento existente no local, que deixa de ser segredo e dissemina-se; também

no fácil acesso a matéria prima e insumos diversos; no suporte das indústrias

subsidiárias nas proximidades, além dos serviços especializados. Tudo isto geraria

uma “atmosfera industrial”.

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Se esta é a ideia para a expansão da indústria num determinado lugar, a

ONUDI, ao conceber as zonas francas industriais como alternativa ao

desenvolvimento, vai acrescentar uma série de fatores que possibilitam a

implantação deste modelo em diversos lugares do mundo com o objetivo claro de

valorização do capital: a) diminuição dos custos de transporte das matérias-primas;

b) redução dos custos de transporte dos produtos acabados; c) redução dos custos

salariais; d) disponibilidade de uma abundante força de trabalho qualificada; e)

diminuição dos custos do investimento inicial e, em consequência, do percentual de

capital imobilizado, devido aos estímulos fiscais e materiais e aos serviços gerais e

outras regulamentações de vantagens da zona (PINTO, 1987). Assim, as Zonas

francas industriais, surgem como um modelo mundial de industrialização. Para tal,

deve contar com substancial apoio estatal. Mais ainda, a ONUDI recomenda

isenções totais de taxas e impostos por período determinado para máquinas e

equipamentos, instalações e matérias-primas; isenção ou redução de impostos

diretos e indiretos; concessão de créditos a curto, médio e longo prazo. Há também

a indicação da criação de um órgão autônomo para cuidar da administração da zona

franca, cujo objetivo seria remover todo e qualquer obstáculo para beneficiar as

empresas instaladas na área. Também é importante destacar a influência do

pensamento de François Perroux sobre o planejamento do desenvolvimento regional

e as diretrizes das políticas territoriais do Brasil.

Alguns condicionantes nacionais são importantes para se poder

compreender a ação empreendida pelo Estado para definir suas políticas territoriais.

A formação territorial brasileira reflete a prisão ao litoral por quase cinco séculos.

Esporádicos surtos de atividades foram desenvolvidos no interior do território

nacional. A consolidação da conquista do território não foi seguida de ações de

povoamento. Voltado para o Atlântico, como resultado mesmo da condição colonial,

o Brasil, somente a partir de meados do século XX é que olha para o interior do

continente e passa a adotar ações de ocupá-lo. A transferência da capital, do litoral

para o interior, efetivada em 1961, já germinava em projeto desde o início do século

XX. Neste contexto, o processo de integração estava inteiramente concebido antes

dos anos 50, e ainda, podemos destacar que, a integração, interiorização, ocupação

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e vertebração, foram passos cunhados pelo Estado ao longo de décadas, sendo

executado em partes num processo continuo de integração territorial.

Com o governo militar, o pensamento geopolítico clássico é posto em

prática, e diversas medidas são tomadas para efetivá-la. Recursos financeiros

abundantes do exterior para os países aliados estão disponíveis. Assim, o Estado

brasileiro, sob a batuta dos militares estrategistas, começa a promover um novo

arranjo espacial para o território nacional. O receituário da geopolítica alemã parece

ser seguido à risca. O princípio de coesão/dispersão; o significado político das

desigualdades regionais; a ideia de fronteiras móveis, estabelecidos por Ratzel;

além do papel político exercido pelas vias de transporte como integração e defesa

do território, pensado por Otto Maull, estão presentes nas ações destinadas à

Amazônia. Para ocupar de fato a região não basta a existência dessas

infraestruturas. Golbery do Couto e Silva, principal artífice deste novo arranjo

espacial, afirmava que era necessário inundar de civilização a hiléia amazônica.

Para isso, propõe a integração física implantando diversos objetos geográficos na

região: rodovias, hidroelétricas, aeroportos, colonização, rádios e televisão,

batalhões militares e, enfim, órgãos do governo federal.

3. A ZONA FRANCA DE MANAUS

Foi na década de 1960 que a ideia de constituição de uma área de livre

comércio, de uma zona franca em Manaus, ganha destaque como alternativa de

retomada e dinamização da economia regional após a falência da produção de

borracha. A experiência de desenvolvimento vivida pelos países industrializados, na

Europa em recuperação pós-guerra e pelos Estados Unidos, na liderança mundial

dos países capitalistas; e mesmo no Brasil o incipiente processo de industrialização

no eixo São Paulo-Rio de Janeiro, faz com que o apelo para a recuperação do norte

do país comece desde 1957, quando um deputado do Amazonas apresenta um

projeto de lei, aprovado, criando um Porto Livre. Sua implementação não é imediata.

Dez anos após, em 1967, em outra conjuntura política, o governo federal toma para

si o projeto, altera, reformula e amplia a ideia de Porto Livre e define a criação da

Zona Franca de Manaus (Z. F. M.), estabelecendo uma área física de dez mil

quilômetros quadrados, tendo a cidade de Manaus como centro; composta por três

polos, Comercial, Industrial e Agropecuário; e concedendo benefícios fiscais por 30

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anos, para com isso compensar as desvantagens locacionais e alavancar o

desenvolvimento da área. Assim este território de exceção fiscal é criado. Além

desta divisão territorial, ainda no mesmo ano o governo federal promove a repartição

da Amazônia Legal, criada anteriormente, e constitui a Amazônia Ocidental (FIG.

1a), estendendo parte dos benefícios da Z.F.M. a esta nova região. Ou seja, é

através de decretos que a regionalização vem sendo definida no Brasil.

É importante salientar que em seus primórdios, num período que podemos

estabelecer de 1970 até 1985, a Zona Franca de Manaus funcionou muito mais

como um Porto Livre, onde o comércio de importados era o grande responsável pela

dinâmica local, atraindo consumidores de diversos lugares do Brasil, seja por via

aérea ou por via fluvial. A instalação de indústria já ocorria, contudo o fascínio eram

as compras dos produtos importados. A farra da importação, entretanto, começa a

ser reduzida quando o órgão gestor da Zona Franca, a SUFRAMA

(Superintendência da Zona Franca de Manaus), criada nos moldes da

recomendação da ONUDI, estabelece cotas de importação aos lojistas, que antes

podiam importar quantos dólares possuíssem nos bolsos. Isto gerou um comércio de

cotas em que as grandes lojas, com maiores cotas, importavam e vendiam para

aquelas outras que eram pouco aquinhoadas. Na indústria nascente, o modelo de

montadoras também predominava bastante, pois também não havia limites à

importação de insumos e matérias-primas, até que mudanças na política industrial

adotada pelo Brasil começam a exigir ajustes na indústria instalada em Manaus,

como índices mínimos de nacionalização dos produtos. A Suframa, órgão do

governo federal, é pressionada a fazê-lo. Isto alavancou as trocas comerciais inter-

regionais, principalmente com o Estado de São Paulo, grande fornecedor de

insumos e componentes para as fábricas de Manaus.

Algumas considerações sobre a Suframa são necessárias para que

possamos continuar a exposição sobre este modelo de industrialização e sua

relação com o regional, o nacional e o internacional. Tais considerações dizem

respeito especificamente à gestão, seus gestores e a relação com o lugar. Desde

sua criação, em 1967, a Suframa está em sua decima oitava gestão. O primeiro

superintendente foi um coronel, quase regra durante o governo militar. Floriano

Pacheco ficou cinco anos no cargo. As indicações do governo federal serão

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realizadas de forma tranquila até o fim do regime militar. Com o retorno da

democracia e a eleição dos governadores, estes começam a travar uma queda de

braço com o governo federal sobre a escolha do superintendente do órgão, afinal, a

influência e o poder político do mesmo poderia rivalizar com governadores e

prefeitos de Manaus. São praticamente dez anos (1982-1992) de interferência de

políticos locais repercutindo na condução do órgão e mesmo no tempo de gestão de

cada superintendente. É com muita pertinência que Abrúcio denomina os

governadores de barões da federação. A disputa entre governador do Amazonas,

Prefeito de Manaus e parlamentares (deputados federais e senadores), para decidir

quem indicaria e quem seria o próximo superintendente refletia a importância política

do órgão, gerava especulações na mídia local, etc. Nesses dez anos a Suframa teve

sete superintendentes, demonstrando a disputa local e nacional. É neste período

também que ocorre a maior greve geral dos trabalhadores do distrito industrial

contra a exploração salarial. A acomodação das tensões a partir das composições

políticas entre o nacional e o regional é ratificada com os oitos anos na gestão da

Superintendência da senhora Flavia Grosso, indicada pelo ex-governador Eduardo

Braga, que ficou oito anos no governo estadual, como o ex-presidente Lula no

governo Federal. Um fato crucial deste período, decisivo para a Z.F.M., foi a

instalação da Constituinte em 1988. Nela se conseguiu, após negociações diversas,

a prorrogação de sua vigência até o ano de 2013. Vale a pena lembrar que o relator

da Constituinte era o Senador Bernardo Cabral, eleito pelo Amazonas.

A década seguinte (1992-2002) é cheia de acontecimentos que repercutem

fortemente na Zona Franca de Manaus. Acontecimentos em escala nacional e global

que forçam mudanças de rumo para assegurar a manutenção de um parque

industrial que já respondia por mais de 80 mil trabalhadores dentro das fábricas

(1990) e outros milhares de empregos indiretos gerados com serviços de transporte,

alimentação, segurança e outros, para dar suporte ao distrito industrial. Seu

faturamento no ano de 1990 chegou a atingir US$ 8,4 bilhões (SUFRAMA). Em nível

nacional, a ascensão de Fenando Collor ao poder e a decisão de abrir o mercado

nacional à importação, numa revisão completa das tarifas, afeta de modo implacável

o comércio de importados, que literalmente desapareceu em poucos anos. A

indústria, por outro lado, pressionada também por processos de avanço tecnológico

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mundial, é obrigada a fazer seus ajustes. Grandes críticas são feitas ao modelo,

visto ser um grande importador, pouco exportador e viver de subsídios do governo

federal. Com o governo de Fernando Henrique Cardoso e sua política neoliberal, as

tensões e contradições se ampliam visto que o modelo é fortemente subsidiado pelo

Estado, ou seja, a Z.F.M. ficou exposta a um confronto de ideologias econômicas, os

liberais e os intervencionistas. E no nível local esta tensão teve o ápice com a

nomeação do superintendente Mauro Costa, aliado do então ministro do

Planejamento José Serra, ambos considerados “inimigos da Zona Franca”. No

discurso geográfico isto aparece como sendo o “Estado de São Paulo” contra a

“Zona Franca”.

4. NOVA GEOGRAFIA POLITICA DA Z.F.M.: AS DISPUTAS FEDERALISTAS.

O gradativo crescimento da produção industrial em Manaus vem

acompanhado por um crescimento no acirramento entre as unidades da federação

no Brasil. As isenções e reduções fiscais asseguradas constitucionalmente encerram

por causar conflitos no que diz respeito à tributação. Apesar do Brasil ser uma

república federativa, o que de certo modo asseguraria aos estados federados um

grau de autonomia, inclusive tributária, o governo federal, através do ministério da

fazenda teve que tomar medidas para frear o que se denominou de guerra fiscal. A

origem desta disputa dos lugares por investimentos está em conexão direta com as

mudanças ocorridas no mundo após o fim do bloco socialista. Grande parte do globo

abre-se à fluidez do capital, que sabemos, busca os lugares mais rentáveis para se

instalar; ao mesmo tempo, processos de inovação tecnológica provocando

reestruturações produtivas acirram a disputa no seio das corporações; avanços

substanciais nas comunicações e transporte relativizam o espaço e o tempo. A

inserção do Brasil neste cenário, empurra o Estado, as corporações e os

trabalhadores para novos arranjos espaciais. Num cenário de abertura mundial,

como fica o território da Zona Franca fortemente protegido por “muros” tributários?

Estados da federação começam a promover alterações em seus sistemas tributários

visando segurar empreendimentos e ainda atrair investimentos. O mecanismo de

reduções, isenções, e outros benefícios são utilizados por alguns estados, gerando

acusações de concorrência desleal. O Estado de São Paulo, mais industrializado do

país, procura alternativas para evitar a saída de empresas de seu território para

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outros lugares. Ações judiciais e pressão sobre o governo federal culminam na ação

deste último, através do Conselho Fazendário, órgão que reúne os secretários de

fazenda dos estados federados, para “organizar” a tributação na federação.

Além das disputas no interior da federação, as empresas, de diversos

ramos, buscando reduzir seus custos da produção num mercado cada vez mais

competitivo, são estimuladas a vir para Manaus. Isto também acirrou disputas entre

entidade representativas das industrias, neste caso, entre a ABINEE (Associaçao

brasileira das industrias eletro-eletronicas) e a ELETROS (Associação Nacional de

Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos).

Quais são, afinal, as vantagens tributárias para os investimentos produtivos

se instalarem na Zona Franca de Manaus? Como numa federação seus entes

possuem competências tributárias especificas, em Manaus não é apenas o governo

federal que faz reduções fiscais de Imposto sobre a Renda; Imposto sobre

Importação; Imposto sobre produtos industrializados; além da redução dos impostos

sobre os insumos adquiridos no território nacional. O Estado do Amazonas e a

Prefeitura de Manaus, também procuram definir regimes tributários ou benefícios

para a fixação das fábricas no Distrito Industrial.

Um ponto que merece esclarecimento sobre este modelo é que ele, ao

contrário de outras zonas francas distribuídas pelo mundo, tem a maior parcela de

seu mercado consumidor no Brasil, ou seja, no mercado interno. Isto significa que a

Z.F.M., na medida em que é grande importadora de insumos para produzir

mercadorias, fica exposta às crises internacionais e às oscilações do dólar, podendo

causar nas fábricas reduções do processo produtivo, demissões ou licenças

programadas. Por outro lado, como tem no Brasil o seu principal mercado

consumidor, também fica exposta às flutuações decorrentes de aumento das taxas

de juros, das formas de financiamentos, da inflação, do nível de emprego e renda,

pois seus produtos apresentam características que estão muito associadas àquelas

variáveis: são bens duráveis, porem renovados com facilidade, dada a ansiedade e

o estimulo ao consumo, como TV’s, celulares, computadores, CD’s e DVD’s,

videogames, eletroeletrônicos em geral.

Para agilizar a distribuição das mercadorias com incentivos a Suframa criou

entrepostos em alguns pontos do país. Esses entrepostos fora da ZFM (ver figura

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1b) permitem constituir um arranjo espacial, propiciando um suporte às redes de

fluxos entre Manaus e os centros de distribuição de bens de consumo ou de matéria

prima.

Figura 1. A) Amazônia Ocidental. Fonte: SUFRAMA; b) Entrepostos da ZFM. Org. Thiago O. Neto.

O temor criado em torno da aprovação do projeto de Emenda constitucional

sobre a prorrogação da Zona Franca de Manaus, em julho de 2014, foi arrefecido

em virtude da convergência de diversos interesses em jogo, interesses do Estado,

políticos, locacionais e classistas. O Estado, tanto na esfera federal, estadual e

municipal, ganham em arrecadação, apesar de todos benefícios concedidos; os

políticos, porque todos eles se colocam como defensores do modelo que gera

milhares de empregos e o desenvolvimento regional; os locacionais, porque há uma

convergência de ações para este lugar que estão encadeadas a partir do Estado,

que cria suas representações institucionais, transfere recursos para diversas

infraestruturas, criando densidades aqui; e de classe porquê, de um lado, assegura

uma valorização dos capitais investidos e, de outro, a manutenção de milhares de

empregos diretos e indiretos.

Decisivo também foi à negociação em torno da Lei de Informática. Esta lei

dá benefícios fiscais a empresas instaladas em qualquer lugar do país. As bancadas

regionais – SP, MG, RJ, BA – que abrigam empresas de informática só apoiaram a

prorrogação da Z.F.M. junto com a prorrogação da Lei de Informática por mais dez

anos. Todos venceram, segundo a análise dos políticos. Enfim, a Z. F. M. foi

prorrogada até 2073.

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5. O POLO INDUSTRIAL DE MANAUS: A NOVA ZONA FRANCA.

Neste último item será realizada uma descrição sobre este modelo tendo

como referência primordial os indicadores de desempenho do Polo Industrial de

Manaus (PIM). É necessário apontar, antes de prosseguir, que a nomenclatura

original do modelo – Zona Franca de Manaus – vem sendo alterada de uns dez anos

a esta parte para Polo Industrial de Manaus, uma vez que dos três polos idealizado

na década de 1960 - Comércio, Agricultura e Indústria – somente esta última

mantem seu fôlego. O Polo Agropecuário, com destinação de 589 mil hectares de

terras no entorno de Manaus para a estruturação de uma agricultura empresarial,

não representa absolutamente nada; o comércio de importados, naufragou com a

abertura comercial brasileiro à importação. A redução das taxas de importação de

muitos produtos afetou o modelo comercial. Contudo, é importante dizer que o setor

comercial na cidade de Manaus, de produtos nacionais e os serviços privados e

públicos criados para dar suporte ao Polo Industrial, já responde por mais empregos

que o PIM, assim como a arrecadação de impostos. Manaus, na verdade é hoje um

grande entreposto de distribuição de mercadorias na região Norte.

Existem cerca de seiscentas empresas implantadas no Polo Industrial de

Manaus, que geraram em 2013 um faturamento de U$ 38.618 bilhões e em salários

foram pagos cerca de U$ 1.139 bilhão, com uma média mensal de 121 mil

trabalhadores (efetivos, temporários e terceirizados). Num esforço de planejamento,

controle de ações na concessão dos incentivos e dinamização da produção

industrial, a Suframa classificou as atividades produtivas a partir de polos assim

distribuídos: Eletroeletrônico; Relojoeiro; Duas rodas; Termoplástico; Bebidas;

Metalúrgico; Mecânico; Madeireiro; Papel e papelão; Químico; Material de limpeza e

velas; Vestuário e calçados; Produtos Alimentícios; Editorial e gráfico; Têxtil; Mineral

não metálico; Mobiliário; Beneficiamento de borracha; Ótico; Brinquedos; Isqueiros,

canetas e barbeadores; e Naval. Destes 22 polos, um terço responde por

aproximadamente 85% dos investimentos; quanto ao faturamento os mesmos

respondem por 94%, com uma liderança expressiva das empresas de

eletroeletrônico e bens de informática.

Já dissemos que uma das grandes críticas feitas ao modelo é de que o

mesmo sempre apresenta uma balança comercial negativa, e, observando os dados

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do órgão verifica-se que de 2009 a 2013 a ampliação da importação dos insumos

ultrapassou 200%, enquanto a evolução dos insumos nacionais e regionais sequer

chegaram a dobrar. Todavia merece atenção aqui o fato dos insumos regionais

serem maiores que os nacionais, indicando a ampliação de uma produção local,

empresas que se instalam em Manaus para fornecer para outras. Estaríamos

tendendo a formar clusters? Mais: este “regional” não significa madeira, peixe,

borracha, juta, etc,!

Os dados referentes à salários, encargos e benefícios para a mão de obra

demonstram uma trajetória ascendente desde 2009 a 2013, contudo a não

separação destes dados não permite saber o que realmente aumentou, se salários,

encargos ou benefícios. Um quadro que permite análise é o que mostra as faixas

salariais: sessenta e quatro por cento dos trabalhadores está na faixa até dois

salários.

Enfim, as questões relativas à tributação e renúncia fiscal deste modelo, que

permanece ao longo do tempo sendo o nó górdio do modelo, as causas das disputas

federativas; regionais; e mesmo internacionais. Recentemente a União Europeia

contestou o Brasil junto à OMC (Organização Mundial do Comercio) sobre os

incentivos concedidos à Z.F.M. Certamente ela não observou a lista das empresas

aqui instaladas: são americanas, japonesas, coreanas e européias.

Considerações finais

Se ao final deste artigo o leitor resolver assistir televisão ou a um filme em

DVD ou blu-ray, ou brincar no vídeo-game, as chances dos mesmos serem

produzidos em Manaus são enormes; se fizer pipocas no micro-ondas para

acompanhar os filmes e receber uma chamada telefônica em seu celular é bem

possível que ambos aparelhos tenham origem em Manaus. Ligar o computador,

tablets, condicionador de ar, ver as horas no relógio de pulso, fazer a barba/depilar-

se ou simplesmente utilizar uma caneta esferográfica; ouvir um CD e depois de tudo

passear de motocicleta ou bicicleta e fotografar a paisagem, estará, inevitavelmente,

movendo a indústria incentivada no Polo industrial de Manaus.

Na escala local, em Manaus, o polo apresenta uma importância substancial

para continuar movimentando a vida de milhares de habitantes. É imprescindível

todo esforço para assegurar a permanência da atividade industrial na cidade, pois no

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curto e médio prazo não se vislumbra uma outra atividade que possa gerar postos

de trabalho e PIB (U$ 38 bilhões) equivalentes. Mesmo com toda as reduções fiscais

o polo responde por cerca de 60% da arrecadação de impostos federais da região

Norte, contribuindo muito mais com o governo federal do que recebendo em troca.

Por outro lado, a concepção de polo irradiador de desenvolvimento, mesmo com a

criação das áreas de livre comércio em áreas de fronteira, não se consolidou, visto

que se tomarmos IDHM no Amazonas, seus municípios apresentam indicadores

mais baixos que municípios do Acre e Roraima.

É notório também neste modelo o surpreendente distanciamento da relação

faturamento X número de emprego, em favor do faturamento, certamente resultado

dos avanços tecnológicos absorvidos pela industrias do polo. Enfim, o conflito

sempre exposto da rivalidade entre empresas de Manaus e empresas de São Paulo,

torna-se insustentável quando se observam os PIB’s de ambos estados: enquanto

São Paulo chega a r$ 1,3 trilhão, o do Amazonas aproxima-se de r$ 80 bilhões, ou

seja, pouco significativo. Talvez o principal de tudo seja perguntar até quando a

instituição deste tipo de incentivo – reduções e isenções fiscais – servirá de estímulo

para manter ou atrair investimentos para o Pólo Industrial de Manaus, num mundo

cada vez mais voltado ao liberalimo.

REFERENCIAS

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