Zappala, John H. B. TGI_Monografia

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA JOHN HERBERT BADI ZAPPALA A agroecologia e o saber tradicional camponês: teoria e prática para a conservação da diversidade cultural e natural a caminho do envolvimento sustentável numa nova realidade São Paulo 2011

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

JOHN HERBERT BADI ZAPPALA

A agroecologia e o saber tradicional camponês:

teoria e prática para a conservação da diversidade cultural e natural a

caminho do envolvimento sustentável numa nova realidade

São Paulo

2011

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

JOHN HERBERT BADI ZAPPALA

A agroecologia e o saber tradicional camponês:

teoria e prática para a conservação da diversidade cultural e natural a

caminho do envolvimento sustentável numa nova realidade

Trabalho de Graduação Individual II apresentado ao

Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas da Universidade de São

Paulo para obtenção do título de bacharel em Geografia.

Orientação: Profª. Drª. Larissa Mies Bombardi

São Paulo

2011

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou

eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

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Para ser grande sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.

Fernando Pessoa

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Agradecimentos_________________________________________________

Em primeiro lugar, quero agradecer a ―luz‖ que ilumina nossos caminhos

de acordo com os passos que queremos dar; e a vida, por ser tão rica de

momentos que nos transformam a cada dia.

Agradeço a meus pais, João e Claudete, meu irmão, Adalto, e toda

minha família por proporcionar meu crescimento com liberdade sobre minhas

escolhas e pelo amor transmitido com tanto carinho. Em memória, lembro

aqueles que já partiram daqui e deixaram muitas saudades, em especial

minhas avós Felipa e Odete, meu avô Salvador, minha tia Teresa e meu tio

Marcos, despertando em mim uma grande vontade de viver plenamente.

A minha companheira Angélica, pelo amor que cultivamos em nossa

relação de forma tão intensa, e a sua presença em minha vida e em toda minha

trajetória acadêmica, apoiando, dialogando e acreditando nos meus ideais para

construção de uma nova realidade. A sua família, agora também minha, sou

muito grato por toda confiança e carinho desde que nos conhecemos.

Aos amigos e companheiros que passaram por minha vida de maneira

tão cativante, com os quais compartilhei momentos tão especiais e

inesquecíveis.

A professora Larissa, pela orientação fundamental e paciência no longo

processo de elaboração deste trabalho. Pelo estímulo e respeito as minhas

idéias, com sugestões para que a pesquisa apresentasse uma postura mais

crítica perante a proposta. Pelas aulas, trabalhos de campo e pesquisa no

assentamento de reforma agrária durante a graduação, que me fizeram ter

grande admiração por suas idéias e tê-la como referência enquanto professora

e pesquisadora.

As professoras Sueli e Valéria, por terem contribuído imensamente no

desejo de elaborar este trabalho pelas discussões em aulas e trabalhos de

campo que realizamos nas disciplinas que ministraram. Também, por compor a

banca de avaliação desta pesquisa e contribuir com a discussão aqui proposta,

o que sem dúvida enriquecerá este importante momento de minha história.

A todos os demais professores da Geografia e da Educação por

despertar e orientar meu senso crítico pulsante. Agradeço também aos

funcionários e alunos companheiros que estiveram presentes nessa

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caminhada, contribuindo com diálogos e reflexões onde todos puderam

construir uma parte de sua formação.

Ao querido coletivo EPARREH, por ter feito parte de minha vida durante

a graduação, pois nele obtive novas perspectivas de mundo que abriram

muitas portas na minha mente. Inegavelmente foi um divisor de águas no meu

rumo, possibilitando descobertas incríveis nos estudos e nas práticas que

realizamos naqueles felizes momentos. Muito do que construí e conquistei de

lá para cá devo a esse contato especial, pois ―todos somos um‖!

A todos que fizeram e fazem parte da equipe do projeto Colhendo

Sustentabilidade. Pela paciência, ensinamentos, conquistas, desafios,

discussões e grandes diálogos que me proporcionaram uma formação

profissional e pessoal singular. Que belo trabalho realizamos! Indiscutivelmente

deixamos contribuições para a construção de um mundo diferente.

A todas as famílias que fizeram parte desse projeto e permitiram uma

troca de saberes sobremaneira enriquecedora em nossos felizes encontros

cotidianos. Com essa gente simples e cativante o trabalho na terra foi único, e

as tenho em meu coração. Garanto que elas fizeram despertar ainda mais o

camponês existente em minha alma.

A todos que por ventura venham a utilizar este trabalho e de alguma

maneira multipliquem essa discussão.

Por fim, agradeço por viver e ser parte da natureza.

Dedico este trabalho a todos os agricultores que com sua arte tradicional

de tratar a terra, alimentam a vida no planeta e proporcionam ensinamentos

que podem contribuir para nos levar a novos rumos em sociedade.

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Lista de Figuras_________________________________________________

Figura 01: Comparação entre sistemas de monocultura e sistemas com

diversidade.........................................................................................................21

Figura 02: Localização aproximada do território das populações tradicionais

não-indígenas no Brasil.....................................................................................53

Figura 03: Localização do município de Embu das Artes e suas bacias

hidrográficas......................................................................................................94

Figura 04: População migrante residente no município segundo seu local de

origem................................................................................................................99

Figura 05: Mapa de localização e área da APA Embu-Verde..........................100

Figura 06: Uso do solo na área da bacia hidrográfica do Rio Cotia

compreendida pelo município..........................................................................101

Figura 07: Localização do terreno disponibilizado para o sistema produtivo. A

área do polígono vermelho corresponde a inicialmente cedida, e a área em

amarelo a realmente utilizada..........................................................................115

Figuras 08 e 09: Algumas hortaliças e frutas cultivadas no

agroecossistema..............................................................................................129

Figura 10: Comparação entre a sucessão natural, agricultura convencional e

agricultura agroflorestal num ecossistema......................................................135

Figuras 11 e 12: Agricultores realizando as colheitas e levando os

produtos...........................................................................................................137

Figuras 13 e 14: Algumas hortaliças e plantas anuais colhidas no

agroecossistema..............................................................................................138

Lista de Fotografias______________________________________________

Foto 01: Vista panorâmica do núcleo urbano do bairro de Itatuba..................104

Foto 02: Sra. Josefa na residência onde viveu na comunidade de Itatuba.

Cultivava alimentos consorciados para seu consumo, a partir de seu saber

tradicional camponês originário na Bahia........................................................114

Foto 03: Propriedade do Sr. José Matias, onde realizava um cultivo de

hortaliças para comercialização direta no bairro de Itatuba e região. Seu

manejo é misto, com agricultura orgânica e convencional..............................114

Foto 04: Sr. Nelson, um dos moradores mais antigos da comunidade de Itatuba

vindo do interior paulista. Possui um Sistema Agroflorestal intuitivo consorciado

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com diversos cultivos e criação animal............................................................114

Foto 05: Sr. Cassiano, morador da Fazenda Atalaia veio de Minas Gerais ainda

jovem. Possui um pequeno quintal Agroflorestal que cultiva com muito orgulho

e carinho a partir de seus conhecimentos tradicionais....................................114

Foto 06: Sr. Braulino, baiano morador da comunidade chamada Fazenda

Atalaia. Na residência onde vive, cultiva lavouras, hortaliças, plantas medicinais

e um pomar, além de criar galinhas.................................................................114

Foto 07: Sra. Henelida, moradora do bairro Capuava. Aplica o manejo

tradicional no cultivo de hortaliças, temperos e chás para auto-consumo, venda

e doação a parentes e vizinhos da comunidade..............................................114

Foto 08: Sra. Luiza Ferrazo, descendente de europeus que migrou do Rio

Grande do Sul para viver com sua família na comunidade do Jd. Mimás, onde

cultiva plantas medicinais, flores e ornamentais..............................................115

Foto 09: Sra. Zezé, agricultora com um conhecimento tradicional camponês

muito rico. Em sua residência na Fazenda Atalaia, cultivava uma grande

diversidade de culturas consorciadas em lavouras........................................ 115

Foto 10: Propriedade do Sr. Hirai e Sra. Miko, integrantes da colônia japonesa

e vivem no Vale do Sol. São pequenos agricultores convencionais com foco na

cultura de pêssego, hortaliças e orquídeas..................................................... 115

Foto 11: Pedro, jovem que trabalha com artesanato em sua residência no Jd.

Mimás. Em seu quintal ele mantém uma grande diversidade de cultivos para

alimentação e recuperação ambiental.............................................................115

Fotos 12 e 13: Produção de composto orgânico.............................................122

Fotos 14 e 15: Manejo e plantio de adubação verde.......................................123

Foto 16: Início da implantação do sistema produtivo de Itatuba......................125

Foto 17: Elaboração dos canteiros iniciais para o cultivo de hortaliças...........125

Foto 18: Primeiros cultivos consorciados de plantas anuais...........................128

Foto 19: Plantios iniciais de hortaliças associadas nos canteiros...................128

Foto 20: Diversidade de hortaliças na área onde antes havia adubação

verde................................................................................................................130

Foto 21: Canteiro circular com alfaces diversas e plantas aromáticas no

centro...............................................................................................................130

Foto 22: Elaboração de canteiro instantâneo com palha.................................131

Foto 23: Plantio de ervas medicinais no canteiro espiral estruturado com

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entulho.............................................................................................................131

Foto 24: Área do SAF preparada antes de sua implantação no terreno.........133

Foto 25: Área do SAF após um ano e meio de crescimento das espécies

plantadas.........................................................................................................133

Foto 26: Mutirão para implantação de lavoura.................................................136

Foto 27: Mutirão para implantação da agrofloresta.........................................136

Foto 28: Banca semanal em frente ao parque municipal................................143

Foto 29: Comercialização na Feira Agrossustentável......................................143

Fotos 16 e 30: Imagens de dois momentos do agroecossistema de Itatuba no

mesmo ângulo de visão: no início em dezembro de 2008 e após três anos de

atividades em novembro de 2011....................................................................144

Lista de Tabelas_________________________________________________

Tabela 01: Efeitos negativos da agricultura moderna no ambiente...................19

Tabela 02: Comparação entre as tecnologias da Revolução Verde e da

Agroecologia......................................................................................................26

Tabela 03: Elementos técnicos básicos de uma estratégia com enfoque

agroecológico.....................................................................................................33

Tabela 04: Diferenças estruturais e funcionais entre ecossistemas naturais e

agroecossistemas..............................................................................................35

Tabela 05: Determinantes do agroecossistema que influem na agricultura de

cada região........................................................................................................36

Tabela 06: Uso de práticas tradicionais adaptadas as características ambientais

locais..................................................................................................................50

Tabela 07: Comparação de metodologias para implantação de áreas

protegidas..........................................................................................................85

Tabela 08: Variedade de espécies cultivadas em rotação atualmente no sistema

produtivo..........................................................................................................127

Tabela 09: Mudas plantadas e sua disposição no Sistema Agroflorestal........132

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Sumário________________________________________________________

1. Introdução__________________________________________________09

2. A agroecologia______________________________________________15

2.1. A agroecologia e uma nova relação socioambiental............................................................15

2.2. Enfoque agroecológico em sistemas produtivos sustentáveis.............................................31

2.3. Diversidade biológica e cultural na agroecologia.................................................................42

2.4. A agroecologia e o conhecimento tradicional camponês.....................................................46

3. O saber tradicional camponês__________________________________49

3.1. Agricultura e comunidades tradicionais camponesas...........................................................49

3.2. O camponês e a terra...........................................................................................................57

3.3. Migração cultural camponesa...............................................................................................62

4. Diálogo de saberes à conservação cultural e natural_______________67

4.1. Premissas a um paradigma de conservação.......................................................................67

4.2. O contra-senso da conservação em áreas especialmente protegidas................................72

4.3. Uma estratégia à conservação das riquezas naturais e culturais........................................83

4.4. Caminhos para um ―envolvimento sustentável‖...................................................................86

5. Agroecologia e saber tradicional na prática______________________93

5.1. Contexto local e socioambiental de referência.....................................................................93

5.2. A esfera originária da prática..............................................................................................106

5.3. A experiência prática com enfoque agroecológico.............................................................116

5.4. Troca de experiências e saberes........................................................................................144

6. Considerações Finais________________________________________150

Referências Bibliográficas______________________________________156

Anexos______________________________________________________165

Anexo 01. Croqui do Sistema Agroflorestal de Itatuba..............................................................165

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1. Introdução____________________________________________________

Os caminhos que me levaram à Geografia foram sinuosos e com

algumas bifurcações... No entanto, antes mesmo de estar, e para ser parte do

meio acadêmico fui sendo guiado por um objetivo: entender criticamente a

realidade do descaso ambiental em nossa sociedade e fazer algo para

transformá-la. Ao adentrar na graduação, busquei maneiras de relacionar este

tema às diversas disciplinas oferecidas pelo curso, e assim construir um

conhecimento com o qual pudesse abarcar formas de contribuir para uma

mudança na desoladora realidade socioambiental que construímos, no tempo e

no espaço, por meio de nossa forma de organização em sociedade.

Ao longo do curso fui criando afinidades com algumas áreas do

conhecimento geográfico, nas quais minha compreensão sobre a relação das

pessoas com a natureza foi trabalhada de forma mais incisiva, em particular, na

biogeografia e na geografia agrária. Não que as demais disciplinas não tragam

esse tema, já que em geral a Geografia se propõe a essa discussão, ou que

elas tenham deixado de contribuir ao meu propósito; pelo contrário, sem elas

teria uma formação parcial sobre a questão ao qual me dediquei, e sou muito

grato aos professores por isto. Mas foi através dessas duas disciplinas

mencionadas que fui mais a fundo nessa temática e encontrei uma

particularidade ligada de maneira direta aos problemas socioambientais da

atualidade: a agricultura.

Em ambas, de formas distintas e complementares, a agricultura

praticada especificamente por populações tradicionais e camponesas veio-me

a luz, fornecendo uma gama de fatores, em âmbito social, cultural, econômico,

político e ambiental que estão relacionados ao trabalho da terra e, por

conseguinte, com toda sociedade, os quais mediaram e transformaram a

compreensão que tinha de mundo e de natureza. No que tange o olhar para as

relações humanas e delas com o meio natural, também obtive uma significativa

contribuição através de estudos e práticas realizadas na faculdade, porém de

forma não-curricular, com um grupo de alunos1 que se juntou para pensar,

1 Este grupo de alunos denominado EPARREH (Estudos e Práticas em Agroecologia e o Reencantamento

Humano) será abordado com mais detalhes no sub-capítulo 5.2.

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discutir, militar e agir perante as problemáticas socioambientais que se referem

à agricultura, por meio, sobretudo, da agroecologia. Ao longo de minha

trajetória acadêmica, militante e profissional, com uma parte do aporte teórico-

conceitual adquirido e pela prática profissional que ele me possibilitou exercer,

deu-se a construção do presente trabalho.

Nele se pretende discutir e analisar como a agroecologia, enquanto

teoria e prática, associada ao saber e manejo agrícola das populações

tradicionais camponesas, por meio de sua cultura, podem vir a contribuir para

uma transformação socioambiental através da construção de uma agricultura

sustentável que promova a conservação das riquezas naturais e culturais ao

mesmo passo que possibilite a reprodução da vida de maneira mais solidária

entre as pessoas e equilibrada com os ecossistemas, dando passos em

direção a uma outra forma de organização em sociedade, atualmente orientada

pelo modelo de modernização sob os ditames do modo capitalista de produção,

que é baseado na exploração exacerbada do meio ambiente e na sujeição das

pessoas à sua lógica reprodutiva de exclusão social.

Procuraremos entender também se e como o conhecimento construído

na agroecologia e na agricultura tradicional podem colaborar com uma

mudança na mentalidade das pessoas em nossa sociedade e na sua forma de

reprodução, e então possibilitar a elaboração de um saber alternativo ao

pensamento moderno dominante onde rege a dicotomia homem-natureza, para

assim construir outra relação entre as pessoas e delas perante a natureza que

culmine, de maneira conjunta, em diferentes formas de conservação das

riquezas naturais e de produção na agricultura.

Partimos da hipótese de que as riquezas naturais de um determinado

lugar possam ser utilizadas de maneira mais equilibrada pela agricultura, com a

contribuição do conhecimento científico agroecológico e do tradicional

camponês em consonância com as necessidades fundamentais à reprodução

da vida, cuja razão seja a transformação da sociedade e a conservação da

natureza. Contudo, não iremos pressupor aqui, uma vida pautada pelo

determinismo dos lugares, ou exaltar com ―romantismo‖ exacerbado o modo de

vida das populações tradicionais camponesas; nem negar a importância dos

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11

avanços das técnicas que a ciência conduz, sobretudo no que tange a

agricultura e a criação de áreas para proteção das riquezas naturais; e

tampouco pregar a agroecologia como solução de todos os problemas

socioambientais existentes. Mas sim, nesse sentido, em concordância com

Shiva (2003, p. 162), temos como pressuposto que as tecnologias sociais são o

elo entre as riquezas naturais e as necessidades humanas, e os sistemas de

saber e cultura podem fornecer um quadro referencial para a percepção e

utilização dessas riquezas.

Como base de discussão ao tema do presente trabalho, lançaremos

mão a uma bibliografia específica e a uma experiência prática relacionada à

análise teórica aqui construída. Para tanto, foram elaborados quatro capítulos

para o encadeamento da análise proposta nesta pesquisa, de forma que se

possa estabelecer co-relações ao entendimento dos pressupostos acima

descritos. Nos capítulos serão abordados os conceitos de agroecologia, de

sistemas agrícolas sustentáveis, de camponês e sua cultura tradicional, de

conservação da diversidade natural e cultural, de sustentabilidade, e desses

conceitos em relação a um capítulo sobre uma experiência prática.

Iniciaremos com um capítulo referente à agroecologia, onde será feita

uma abordagem sobre seus conceitos e princípios aplicados em sistemas

produtivos agrícolas sustentáveis. Será analisado como a agroecologia

contribui para uma nova relação socioambiental por meio da agricultura sob

seu enfoque. Nesse capítulo também serão abordadas a questão da

diversidade biológica e cultural em agroecossistemas, como a agroecologia se

relaciona com o conhecimento tradicional camponês, e os benefícios que a

agroecologia traz para uma transição do modelo convencional moderno de

produção agrícola para outra forma de produzir alimentos.

No capítulo seguinte, faz-se uma discussão acerca do saber tradicional

camponês referente ao manejo da terra e ao modo de organização das

relações culturais que eles possuem. Se procura compreender o conceito de

camponês sob o capitalismo e o quão significante é a sua ordem moral para

uma transformação das relações sociais e de produção na agricultura.

Traremos também idéias referentes à migração das populações tradicionais

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camponesas com sua intrínseca cultura, e o que isso representa para elas e

para o lugar onde habitam e se reproduzem.

Para tratar da conservação cultural e natural na sociedade atual, tem-se

um capítulo onde essa questão será abordada problematizando-se as formas

de pensamento existentes que culminaram na idéia de criar áreas

especialmente protegidas para a conservação da natureza. Assim, traçamos

algumas premissas que levaram a implantação desses espaços, sobretudo

com relação à dicotomia homem-natureza, e o quanto eles podem ser

prejudiciais ao ecossistema e às populações que vivem nessas áreas.

Daremos enfoque sobre o histórico da criação de áreas protegidas e sua

relação com as populações humanas, sobretudo àquelas consideradas como

tradicionais camponesas e que vivem nesses espaços criados pelas

civilizações industriais ocidentais. Apresentaremos uma estratégia que concilie

a conservação e práticas agrícolas sustentáveis nesses locais e/ou noutros,

sem necessariamente que se tornem ou se criem áreas restritivas que

suprimam as relações culturais e produtivas existentes nas comunidades

populacionais em geral. Ao final do capítulo, buscam-se saberes que possam

levar a uma organização social que difira da atual e haja um modo sustentável

de vida com maior envolvimento das pessoas entre elas e entre o meio que

habitam.

No capítulo final, traremos para análise uma experiência prática em

agroecologia que ocorre no município de Embu das Artes, em uma comunidade

localizada no bairro de Itatuba, por meio de um projeto de agricultura urbana e

periurbana. Faremos uma contextualização socioambiental do lugar e do

projeto que originou tal prática. Trata-se do processo de implantação de um

sistema produtivo agroecológico onde boa parte dos agricultores são de origem

camponesa e carregam consigo a cultura tradicional. Além disso, as atividades

decorrentes dessa experiência prática se dão no interior de uma unidade de

conservação localizada numa região de fragmentos florestais e produtora de

águas que abastecem uma bacia hidrográfica. Portanto, por meio dessa

experiência procuraremos trazer o aporte teórico elaborado nos demais

capítulos com o intuito de ilustrar como é possível que conceitos e teorias

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13

sejam aplicados na prática.

A metodologia utilizada especificamente neste último capítulo é baseada

em uma análise qualitativa interpretativa de observação participante ocorrida no

decorrer dos trabalhos da experiência prática. De acordo com Teis e Teis (2006,

p. 01-02), uma pesquisa com essa abordagem procura gerar dados

aproximando-se da perspectiva que os envolvidos possuem dos fatos por meio

de uma visão holística dos fenômenos, ou seja, que considere todos os

componentes de uma situação em suas interações e influências recíprocas.

―Para conseguir captar esse sentido, as ações do próprio pesquisador precisam

ser analisadas da mesma forma como as ações das pessoas observadas‖

(TEIS; TEIS, 2006, p. 01). Com isso, o processo de análise:

[...] busca a interpretação em lugar da mensuração, busca examinar o

mundo como é experienciado, compreendendo o comportamento

humano a partir do que cada pessoa ou pequeno grupo de pessoas

pensam ser a realidade, valoriza a indução e assume que fatos e

valores estão intimamente relacionados, tornando-se inaceitável uma

postura neutra do pesquisador (ANDRÉ, 1995, apud TEIS; TEIS,

2006, p. 02).

Nessa concepção de pesquisa, a necessidade do exercício da intuição e

da imaginação pelo pesquisador é enfatizada, como sendo um tipo de trabalho

―artesanal‖, visto não apenas como condição ao aprofundamento da análise,

mas, sobretudo, para a ―liberdade do intelectual‖ (MARTINS, 2004, p. 289, grifo

nosso). A linguagem escrita da pesquisa qualitativa possui aspecto informal,

num estilo narrativo que transmite claramente o caso estudado (OLIVEIRA,

[2009?] p. 05). ―Se há uma característica que constitui a marca dos métodos

qualitativos ela é a flexibilidade, principalmente quanto às técnicas de coleta de

dados, incorporando aquelas mais adequadas à observação que está sendo

feita‖ (MARTINS, 2004. p. 292). Portanto, o componente subjetivo é um

aspecto relevante na pesquisa qualitativa, pois ele pode influenciar na

formulação de questões e hipóteses da análise (TEIS; TEIS, 2006, p. 03)

De acordo com Brandão (1984), no que tange a observação participante

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14

somente uma apreensão pessoal e demorada do todo possibilita a explicação

científica do que está em análise. Para esse autor, no decorrer do trabalho as

relações entre sujeito e objeto ocasionam pouco a pouco modificações na

maneira de pensar, fazer e usar pesquisas que culminaram na produção do

saber popular, essência da pesquisa participante, onde ocorre à passagem de

pesquisas sobre para pesquisas com, que conseqüentemente implicam na

construção de uma ―auto-pesquisa‖ (BRANDÃO, 1984, p. 237, grifo nosso). Na

técnica de observação participante o pesquisador adentra no mundo dos

sujeitos observados e tenta compreender o comportamento real dos envolvidos

em situações cotidianas de construção da realidade em que estão (OLIVEIRA,

[2009?] p. 8). Dessa forma, a observação participante configura-se como uma

estratégia de campo que associa de forma concomitante a participação ativa do

pesquisador com os sujeitos, o olhar intensivo ao meio ambiente, diálogos

abertos informais e análise documental (Idem, ibid.).

Entretanto, a análise qualitativa interpretativa de observação participante

da experiência prática a ser discutida não se iniciou especificamente para o

presente trabalho. Ela é decorrente do fato do presente autor ser parte da

equipe técnica que conduziu a implantação dessa prática por meio do projeto

de agricultura urbana e periurbana junto aos agricultores envolvidos, como será

discutido no capítulo cinco. Sendo assim, a observação não se configura

exatamente como um trabalho de campo direcionada a esta pesquisa, mas

como houve um acompanhamento muito próximo de toda atividade, com coleta

de dados, conversas informais e registros fotográficos, e o pesquisador pode

se inserir de fato no cotidiano dos envolvidos, tal metodologia tornou-se cabível

para embasar a elaboração desse capítulo.

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15

2. A agroecologia________________________________________________

2.1. A agroecologia e uma nova relação socioambiental

Através de uma visão integrada sobre a totalidade que compõe o meio

ambiente de cada lugar, a aplicação de conceitos e princípios ecológicos ao

manejo de sistemas de produção de alimentos, associado ao resgate e

valorização sócio-cultural do saber local tradicional camponês2, define-se a

essência da agroecologia. Desse modo, ela pode nos orientar a uma vida com

mais equilíbrio e harmonia em relação às riquezas naturais e sócio-culturais

que compõem o planeta.

O uso contemporâneo do termo agroecologia data dos anos 1970, mas

seu saber e prática são tão antigos quanto às origens da agricultura (ALTIERI,

1999, p. 15)3. A agroecologia possui como princípio fundamental o

entendimento dos seres humanos como parte da natureza, distinguindo-se

assim do pensamento dominante ocidental moderno onde homem e natureza

são dissociados4. Essa forma integrada de pensar as relações num meio

unívoco permite a aquisição de novos valores socioambientais, onde a

natureza não é vista como uma fonte de recursos disponíveis que possam ser

utilizados indiscriminadamente pelas pessoas. Ela também preza pelo resgate

e valorização de saberes tradicionais camponeses, uma das bases para

composição do conhecimento agroecológico, sobretudo por terem eles um

entendimento de pertencimento e co-relação com o meio natural nas práticas

que possibilitam a sua reprodução sócio-cultural (Idem, ibid.).

Na medida em que os pesquisadores estudam as agriculturas

tradicionais, que são relíquias modificadas de formas de cultivo mais antigas,

faz-se mais notório que muitos sistemas agrícolas desenvolvidos em âmbito

local incorporam rotineiramente mecanismos ancestrais para acomodar os

cultivos às variações do meio natural e sócio-cultural. Esses sistemas agrícolas

são uma interação complexa entre processos sociais externos e internos, e

2 Ver capítulo 3, no que se refere ao saber tradicional camponês.

3 Ver também Gliessman, 2005, p. 55.

4 Ver capítulo 4, no que se refere ao pensamento ocidental moderno e dissociação homem-natureza.

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entre processos biológicos e ambientais. Estes podem ser entendidos

espacialmente no âmbito do terreno agrícola, mas também incluem uma

dimensão temporal. A agroecologia leva em conta tanto o sistema agrícola

como a organização em sociedades, no tempo e no espaço, em que estão

inseridos os agricultores. Ela coloca uma ênfase relativamente baixa nas

investigações realizadas nos centros de pesquisa e enfatiza fortemente os

experimentos de campo, permitindo assim uma maior participação dos

agricultores no processo de construção do conhecimento agroecológico

(ALTIERI, 1999).

Dessa maneira, a agroecologia se configura como algo muito além de

uma forma de produção agrícola. Ela ajuda a fortalecer a vida nas

comunidades onde está inserida, pois reforça a importância da participação

popular, dos princípios de cooperação entre os agricultores, do trabalho

associativo na produção e escoamento dos produtos, e dos movimentos sociais

(INSTITUTO GIRAMUNDO MUTUANDO; PROGERA, 2009, p. 17). Estes

quesitos fortalecem cada vez mais a agroecologia como uma forma de

(re)pensar o modo de vida atual e, por meio da associação do saber popular

tradicional e o agroecológico, transformar a realidade pela participação

daqueles que proporcionaram, com suas mãos e mentes, a gênese da

agroecologia.

Mais do que afirmar, de forma inequívoca, a validade dos princípios

agroecológicos e de sua aplicação em todos os contextos e em todos os

lugares, o que se procura é problematizar a leitura e investigação dos

processos de mudança socioambiental na agricultura que refletem na

sociedade como um todo, pois um outro mundo é possível e necessário.

(SAUER; BALESTRO, 2009, p. 178).

Outra grande riqueza da agroecologia é referente à sua composição

multidisciplinar. A teoria de seu conhecimento5 se constrói a partir do saber e

5 Epistemologia é a parte da Filosofia que estuda os limites da faculdade humana de conhecimento e os

critérios que condicionam a validade dos nossos conhecimentos. É o conhecimento sobre o

conhecimento. Segundo Noorgard, as bases epistemológicas da Agroecologia mostram que,

historicamente, a evolução da cultura humana pode ser explicada com referência ao meio ambiente, ao

mesmo tempo em que a evolução do meio ambiente pode ser explicada com referência à cultura

humana (NOORGARD, 1989, apud CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 14).

Page 19: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

17

experiências já acumuladas em diversas ciências, o que proporciona um olhar

amplo ao meio, com ações e reflexões que permitem abranger um todo sem

perder elementos que constituem suas partes. A agroecologia se constitui como

uma ciência de amplo alcance conceitual e prático, na medida em que ela não

se restringe apenas ao conhecimento de uma técnica agrícola, mas sim,

procura construir um saber que proporcione uma nova relação com o universo

do conhecimento, em que se construa outra realidade socioambiental,

subvertendo à hoje dominante. Portanto:

A agroecologia é um enfoque científico e estratégico, [...] no

redesenho e no manejo de agroecossistemas que queremos que

sejam mais sustentáveis através do tempo [e do espaço]. Se trata de

uma orientação cujas pretensões e contribuições vão mais além de

aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da produção

agropecuária, incorporando dimensões mais amplas e complexas que

incluem tanto variáveis econômicas, sociais e ecológicas, como

variáveis culturais, políticas e éticas. Assim entendida, a agroecologia

corresponde ao campo de conhecimentos que proporciona as bases

cientificas para apoiar o processo de transição do modelo de

agricultura convencional [dominante] para estilos de agriculturas de

base ecológica ou sustentáveis6, assim como do modelo

convencional de desenvolvimento a processos de [...]envolvimento

rural sustentável (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, apud INSTITUTO

GIRAMUNDO MUTUANDO; PROGERA, 2009, p. 15).

Como forma de investigações quantitativas e qualitativas, métodos sobre

análise agroecológica estão sendo desenvolvidos, como por exemplo, uma

investigação comparativa, geralmente envolvendo um sistema de monocultura

com um sistema agroecológico de maior complexidade. Para estabelecer uma

dinâmica simplificada e reduzir assim o número de variáveis ecológicas do

ambiente, desenvolveram-se versões artificiais de ecossistemas naturais, no

6 As agriculturas de base ecológica ou sustentáveis são os diferentes estilos de agricultura ecológica que

se desenvolveram ao redor do mundo, a exemplo das agriculturas regenerativa, orgânica, biodinâmica,

biológica, natural e ecológica, cada um contendo particularidades conceituais, culturais e

metodológicas, provenientes dos grupos sociais que foram responsáveis pela construção de cada estilo

(CANUTO, 1998, apud INSTITUTO GIRAMUNDO MUTUANDO/ PROGERA, 2009, p. 15). Ver

sub-capítulo 2.2.

Page 20: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

18

qual essas variáveis podem ser controladas mais de perto e com isso realizar

uma comparação experimental com um sistema agroecológico. Há ainda,

sistemas agrícolas normativos construídos como modelos teóricos específicos

para facilitar a compreensão comparativa entre sistemas agroecológicos e um

ecossistema natural complexo ou um sistema agrícola tradicional (ALTIERI,

1999, p. 19).

A agroecologia se adapta bem as técnicas que requerem práticas

agrícolas mais sensíveis ao meio ambiente ao mesmo passo que concilia

envolvimento ambiental e participativo nas comunidades onde é aplicada. A

diversidade de preocupações e corpos de pensamento que influenciam a

construção da agroecologia são realmente amplos. É por esta razão que

vemos muitas equipes multidisciplinares trabalhando nestes assuntos no

campo e na cidade. Embora seja uma disciplina nova, a agroecologia

indubitavelmente alargou a discussão agrícola no mundo (ALTIERI, 1999, p.

30).

O sistema atual de produção global de alimentos está se encaminhando

a um processo de autodestruição porque as técnicas aplicadas que o

conduziram até aqui proporcionaram uma degradação excessiva e crescente

dos recursos naturais, como com a erosão do solo, o desperdício e uso

exagerado da água, e a perda da diversidade genética, dos quais a agricultura

depende para sua produção (GLIESSMAN, 2005, p. 33). Atualmente em países

da América do Sul, o solo é perdido por erosão a taxas anuais que variam de

cinco a dez toneladas por hectare. A água utilizada pela agricultura hoje,

representa aproximadamente dois terços de todo seu uso pela população

mundial, onde grande parte é desperdiçada pela evaporação e drenagem

superficial devido a não absorção dela pelas plantas. Nas últimas décadas a

variedade genética das plantas cultivadas caiu, pois muitas foram extintas pela

crescente uniformização das culturas (Idem, ibid., p. 41-47). A tabela 01

apresenta um apanhado de efeitos negativos causados no ambiente pela

agricultura moderna dominante.

Page 21: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

19

Tabela 01: Efeitos negativos da agricultura moderna no ambiente

Recurso natural Dano ambiental ocasionado e/ou

intensificado Ações negativas relacionadas ao

dano

Solo

- Erosão hídrica e eólica - Degradação química e excesso de sais - Degradação biológica e física

- Eliminação da vegetação - Revolvimento excessivo e profundo - Não reposição de matéria orgânica - Uso de queimadas - Irrigação com água salobra - Aplicação de agrotóxicos e fertilizantes químicos industrializados

Atmosfera

- Mudança do clima - Redução da camada de ozônio - Chuva ácida - Poluição do ar

- Combustão de motores de máquinas agrícolas - Aplicação de agrotóxicos e fertilizantes químicos industrializados - Uso de queimadas

Água - Contaminação das águas continentais e oceânicas

- Aplicação de agrotóxicos e fertilizantes químicos industrializados - Uso intensivo de estrume da criação animal

Genético - Perda da diversidade genética e sementes nativas

- Semeadura de variedades híbridas, adventícias e geneticamente modificadas - Criação animal com base genética reduzida e inadaptadas

Fonte: tabela adaptada pelo autor a partir da tabela presente em Sauer e Balestro (2009. p. 29)

Esse modelo de agricultura criou uma altíssima dependência de

recursos não renováveis utilizados, sobretudo, na produção de insumos

químicos industrializados que são aplicados em seus cultivos. Ele também

forjou um sistema que cada vez mais retira a responsabilidade de cultivar

alimentos das mãos dos agricultores camponeses que são os guardiões das

terras agricultáveis em todo planeta (Idem, ibid., p. 33). Soma-se a isso, o fato

de que muitos desses comprovados impactos negativos causados ainda não

aparecem como um problema na opinião pública com a intensidade necessária,

retardando o debate e uma possível tomada de consciência da sociedade para

uma transformação permanente da preocupante realidade socioambiental, no

sentido de apoiar a construção de processos participativos de agriculturas de

base ecológica e de organização social adequadas à noção de sustentabilidade

(CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 19).

A agricultura moderna dominante dá indícios cada vez maiores sobre

sua insustentável forma de ser, porque degrada grande parte das condições

que a tornam possível, e em um curto espaço de tempo não será capaz de

produzir e fornecer alimentos à população mundial. Por exemplo, a partir da

década de 1980 a superfície mundial cultivada por grãos decresceu de 732

milhões de hectares para 670 milhões em vinte anos, e com o progressivo

Page 22: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

20

aumento da população global nesse período, a produção passou de 0,23ha a

0,11ha por habitante (SAUER; BALESTRO, 2009, p.32-33). No cerne dessa

agricultura utilizam-se técnicas como a implantação de monoculturas, o cultivo

intensivo do solo, irrigação em larga escala, aplicação de fertilizantes sintéticos,

controle de pragas e doenças com uso de agrotóxicos e a manipulação

genética de plantas cultivadas (GLIESSMAN, 2005, p. 34). Consequentemente

são essas as técnicas da agricultura moderna que mais geram problemas

socioambientais e, contraditoriamente, são a causa de seu breve colapso.

Todo esse conjunto de técnicas se faz necessário principalmente pelo

sistema de produção em monoculturas. Essa prática consiste em plantar

apenas uma cultura agrícola numa área muito extensa, permitindo o uso de

maquinaria pesada desde o preparo do solo até a colheita. A monocultura se

configura como uma abordagem industrial moderna na agricultura, onde se

reduz gastos com mão de obra e investe-se em tecnologia para maximizar a

produtividade (SAUER; BALESTRO, 2009, p.08). Ela traz consigo uma

necessidade imensa de insumos externos ao sistema agrícola para a produção

e seu uso extensivo torna o sistema cada vez mais dependente, já que os

insumos internos vão se esgotando rapidamente devido ao uso intensivo que

sofreram (SHIVA, 2003). Não há como ser sustentável com uma lógica de

degradação e dependência externa ao agroecossistema, pois os recursos são

finitos e os insumos que advêm de fora geram grande vulnerabilidade a

qualquer sistema.

Diferentemente, a agroecologia preza pelos cultivos com grande

diversidade de espécies, em áreas menores adequadas à produção familiar

camponesa, que como vimos é a responsável por grande parte do cultivo de

alimentos no mundo. Há uma otimização dos recursos naturais internos e

mínima dependência dos externos. Ela valoriza o trabalhador camponês, tanto

com suas práticas como com seus conhecimentos, e usa a tecnologia de forma

ponderada, sem substituir a riqueza do trabalho tradicional com a terra. Na

figura 01, podemos observar as disparidades entre o sistema de monoculturas

não-sustentável e o sistema agroecológico sustentável baseado nas

diversidades que compõem o meio.

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21

Figura 01: Comparação entre sistemas de monocultura e sistemas com diversidade

Fonte: Monoculturas da Mente (SHIVA, 2003, p. 98)

O modo de produzir em monoculturas é uma herança da chamada

―Revolução Verde‖ ocorrida a partir do final da Segunda Guerra Mundial,

lançando seus ―tentáculos‖ até os dias atuais (ALTIERI, 1999, p.28). A

estratégia da Revolução Verde se desenvolveu com o discurso de resolver os

problemas de pobreza e fome por meios tecnológicos avançados que

aumentariam a produção de alimentos no mundo todo de forma rápida e em

grande escala. Apoiados neste discurso, ―grandes corporações transnacionais

sediadas nos EUA [Estados Unidos da América] e Europa ligadas a produção

agrícola e de produtos alimentícios irão começar a desenvolver e a padronizar

um modelo de produção a ser adotado em todo mundo‖ (PINHEIRO, 2004, p.

05). Assim:

Page 24: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

22

A substituição da agricultura tradicional por uma agricultura

modernizada representava a abertura de importantes canais para a

expansão dos negócios das grandes corporações econômicas, tanto

no fornecimento das máquinas e insumos modernos como na

comercialização mundial e nas indústrias de transformação dos

produtos agropecuários, sem esquecer o financiamento aos países

que aderissem ao processo de modernização (BRUM, 1988, p. 45,

apud PINHEIRO, 2004, p. 06).

Com isso, por trás da ―máscara‖ elaborada pela dita proposta de sanar a

fome, o que se fazia era elaborar bases para um modelo tecnológico

hegemônico detido por essas empresas em favorecimento da econômica dos

chamados países desenvolvidos. ―Este conjunto de novas tecnologias passou a

ser implementado simultaneamente em diversas regiões do mundo com

tamanho grau de padronização que acabou sendo denominado como ―pacote

tecnológico‖‖ (PINHEIRO, 2004, p. 06, grifo do autor). De acordo com Porto

Gonçalves:

A própria denominação revolução verde para o conjunto de

transformações nas ―relações de poder por meio da tecnolgia‖ indica

o caráter político e ideológico que ali estava implicado. A revolução

verde se desenvolveu procurando deslocar o sentido social e político

das lutas contra a fome e a miséria, sobretudo após a Revolução

Chinesa, Camponesa e Comunista, de 1949[...]

. Afinal, a grande

marcha de camponeses lutando contra a fome brandindo bandeiras

vermelhas deixara fortes marcas no imaginário. A revolução verde

tentou, assim, despolitizar o debate da fome atribuindo-lhe um caráter

estritamente técnico[...]

. O verde dessa revolução reflete o medo do

perigo vermelho, com se dizia à época. Há com essa expressão

―revolução verde‖ uma ―técnica‖ própria da política[...]

, aqui por meio

da retórica (PORTO GONÇALVES, p. 212, in: OLIVEIRA; MARQUES,

2004, grifo do autor).

Porto Gonçalves (2004) coloca ainda que o meio rural passou a sofrer

mudanças significativas nas esferas ecológica, social, cultural e política, na

medida em que esses pacotes de tecnologia passam a ser adotados no

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23

processo produtivo, aumentado assim, o poder das indústrias que os detém,

assim como os processos de normatização para sua implantação (In:

OLIVEIRA; MARQUES, 2004, p. 212). A partir da modernização da agricultura

propiciada pela Revolução Verde, o capital financeiro industrial começa a ser

investido em tecnologias que cada vez mais procuravam adaptar todo o

sistema de produção agro-alimentício de forma que fosse viabilizando-se o

controle sobre todas as etapas da produção, do plantio até o produto final

(PINHEIRO, 2004, p. 08). Vagarosamente e de forma constante, ―a idéia de

que a fome e a miséria são problemas sociais, políticos e culturais vai sendo

deslocada para o campo técnico-científico, como se este estivesse à margem

das relações sociais e de poder [...]‖ (PORTO GONÇALVES; in: OLIVEIRA;

MARQUES, 2004, p. 213)

No Brasil, essas mudanças ocorreram a partir do final da década de

1960 e intensificadas no início dos anos 1970 através de incentivos

governamentais com uso de recursos públicos destinados ao crédito

subsidiado, associado à assistência técnica, extensão rural, ensino e pesquisa

nessa área. Assim, o desenvolvimento agropecuário no país sofreu

transformações em sua base tecnológica com um pacote de técnicas e lógicas

produtivas, baseadas na química, mecânica e genética, destinadas à produção

de monoculturas em grandes extensões de terra, fato que excluía a grande

maioria dos pequenos produtores (SAUER; BALESTRO, 2009, p. 08-09). Desta

forma, o governo brasileiro passou a desempenhar um papel determinante na

adoção deste modelo tecnológico, ―[...] fazendo com que os interesses que

inicialmente eram das grandes corporações transnacionais fossem

gradativamente assumidos como interesse nacional‖ (PINHEIRO, 2004, p. 07).

A Revolução Verde realmente teve êxito no aumento da produção, mas

suas consequências sociais e ambientais levaram ao questionamento sobre

sua real funcionalidade (ALTIERI, 1999, p. 28). Grande parte da população

rural ficou marginalizada nesse processo e seus benefícios atingiram apenas

aqueles que já eram ricos em seus recursos financeiros, acentuando ainda

mais a estratificação social dos camponeses. Aprofundou também os

problemas de acesso a terra e reduziu as estratégias tradicionais de

Page 26: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

24

subsistência disponíveis nas famílias camponesas, aumentando sua

dependência aos pacotes tecnológicos desenvolvidos por esse paradigma.

Houve ainda uma redução da base genética na agricultura com a implantação

das monoculturas em larga escala, o que aumentou os riscos de perda dos

cultivos, pois eles se tornaram mais vulneráveis a enfermidades e as variações

climáticas (Idem, ibid.). Os aumentos na produtividade e produção não foram

suficientes para erradicar a fome no mundo, que ao contrário, se agravou junto

ao aumento da desigualdade social nesse período. Com frequência, a

produção é essencialmente voltada para exportação, sobretudo de grãos

utilizados pela indústria e que não são destinados para alimentação. Segundo

Sauer e Balestro (2009, p. 10), outras conseqüências associadas à adoção

desse modelo de produção agrícola no campo foram ―o êxodo rural, a

ampliação da concentração fundiária e profundos impactos sobre o meio

ambiente [...]‖. Ainda de acordo com os autores:

[...] Em relação ao êxodo rural, o campo brasileiro abrigava mais ou

menos de 70% da população nas décadas de 1950 e 1960 chegando,

na década de 1990, a ter menos de 30% do total da população.

Ainda, a concentração fundiária ampliou antigos e gerou novos

conflitos no campo, agravando as disputas por terra em algumas

regiões [do país] [...]. [...] Os resultados ambientais são, entre outros

danos, a erosão e contaminação do solo, o desperdício e a

contaminação dos recursos hídricos, a destruição das florestas e o

empobrecimento da biodiversidade [...] (SAUER; BALESTRO, 2009,

p. 10-11).

A modernização da agricultura acentuou a desigualdade, pois seus

benefícios não são distribuídos uniformemente, e seus resultados reais são

devastação ambiental severa e dano social altamente grave. (GLIESSMAN,

2005, p. 50). Nesse contexto alarmante, se não conservarmos a superfície

cultivável e mudarmos os padrões de consumo e uso dela para benefícios

mútuos, podemos dizer que a fome nos ronda num futuro muito próximo.

Atualmente, é reconhecido que as tecnologias da Revolução Verde podem ser

aplicadas apenas em áreas limitadas, adequadas à sua lógica reprodutiva. A

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25

utilização de seus pacotes tecnológicos requer recursos que a maioria dos

camponeses não dispõe. A produção de alimentos se tornou cada vez mais

dependente do desenvolvimento de tecnologias, como as aplicadas na

fabricação de fertilizantes e outros insumos químicos que estão condicionados

ao emprego de técnicas que somente as grandes corporações possuem,

criando uma dependência cada vez maior dos agricultores em relação a elas

(GONÇALVES, 2010, p. 46). De acordo com Pinheiro (2004, p. 10):

Estas críticas, porém, não impediram que fosse adotado como

modelo para agricultura nacional este sistema de produção

atualmente denominado de forma genérica como ―convencional‖ [...].

Embora este padrão tecnológico que se inicia a partir da Revolução

Verde seja o mais utilizado em todo o mundo, desde sua implantação

questiona-se os seus custos sociais e mais recentemente seus limites

produtivos e as severas conseqüências ambientais do uso excessivo

de substâncias químicas na produção agrícola (grifo do autor).

Contudo, surgiram dificuldades na aplicação dos pacotes tecnológicos

que se pretendia fazer de forma generalizada entre os produtores. Varias foram

as explicações de analistas de desenvolvimento rural para a dificuldade de

transferência dessas tecnologias modernas, incluindo a idéia de que os

camponeses eram muito ignorantes para utilizá-las, ou as dificuldades de

acesso ao crédito limitavam a adoção de tais técnicas. Na perspectiva desses

analistas, no primeiro caso a falha estava no camponês, e no segundo, a culpa

incidia em problemas de infra-estrutura, mas nunca se criticavam as

tecnologias em si. Na realidade, a verdadeira prova da qualidade desses

pacotes é a decisão do camponês em adotá-los ou não (RHOADES; BOOTH,

1982, apud ALTIERI, 1999, p. 30). Na prática, isto significa obter informações

dos camponeses e compreender a percepção que eles possuem sobre essa

proposta, pois este sistema de produção convencional, embora tenha sido

oficialmente adotado como o modelo a ser desenvolvido e utilizado no Brasil,

não conseguiu se tornar unânime entre todos os envolvidos com a produção

agrícola (PINHEIRO, 2004, p. 10). Neste caso, a agroecologia é uma valiosa

ferramenta analítica com um enfoque normativo para a investigação junto aos

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26

camponeses (ALTIERI, 1999, p.30). Na tabela 02 temos uma comparação

sintética entre algumas tecnologias utilizadas pela Revolução Verde e pela

Agroecologia que auxiliam na investigação sobre suas características

principais.

Tabela 02: Comparação entre as tecnologias da Revolução Verde e da Agroecologia

Características Revolução Verde Agroecologia

Cultivos abrangidos Principalmente trigo, milho, arroz, soja

Todos os cultivos

Área afetada Sobretudo áreas planas e irrigáveis Todas as áreas, inclusive as marginais

Sistema de cultivo dominante Monocultivos geneticamente uniformes

Policultivos geneticamente heterogêneos

Insumos predominantes Agroquímicos, maquinário pesado, alta dependência de insumos externos e combustível fóssil

Fixação de nitrogênio por plantas, controle biológico de seres vivos adventícios, corretivos orgânicos, grande dependência dos recursos locais renováveis

Impactos e riscos à saúde

Médios a altos (poluição química, erosão, salinização, resistência a agrotóxicos, etc.). Riscos à saúde na aplicação dos agrotóxicos e nos seus resíduos no alimento

Nenhum

Cultivos suprimidos Na maioria, variedades tradicionais e nativas

Nenhum

Custos das pesquisas Relativamente altos Relativamente baixos

Necessidades Financeiras Altas. Todos os insumos devem ser adquiridos no mercado

Baixas. A maioria dos insumos está disponível no local

Retorno financeiro Alto. Resultados rápidos. Alta produtividade da mão-de-obra

Médio. Precisa de um determinado período para obter resultados mais significativos. Baixa a média produtividade da mão-de-obra

Desenvolvimento tecnológico Setor público-privado e empresas privadas

Na maioria, setor público; grande envolvimento de ONGs

Capacitações necessárias à pesquisa

Cultivo convencional e outras disciplinas de ciências agrícolas

Ecologia e especializações multidisciplinares

Participação

Baixa (na maioria, métodos de cima para baixo). Utilizados para determinar os obstáculos à adoção das tecnologias

Alta. Socialmente ativadora, induz ao envolvimento da comunidade

Integração cultural Muito baixa Alta. Uso extensivo de conhecimento tradicional e formas locais de organização

Fonte: tabela adaptada pelo autor a partir da tabela presente em Altieri (2008. p. 43).

A investigação da Revolução Verde foi muito importante para a evolução

do pensamento agroecológico, pois os estudos sobre o impacto deste

paradigma tecnológico foram um instrumento de avaliação sobre os prejuízos

socioambientais que predominaram sobre o pensamento agrícola e de des-

envolvimento7 nesse período. Assim, se fortaleceu a necessidade de um novo

7 O processo que vem se dando é a quebra do envolvimento, o des-envolvimento, o que significa que a

autonomia ficou cada vez mais relativa, cada vez menor a capacidade/possibilidade de determinar o

seu próprio destino. Nesse sentido des-envolver é, também, des-locar, ou seja, tirar dos locais, dos do

local, o poder (GONÇALVES, [19--?], p. 10). Ver também sub-capítulo 4.4.

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27

enfoque na produção de alimentos baseado na diversidade em detrimento das

monoculturas, o que legitimou ainda mais o conhecimento tradicional

camponês e o agroecológico como alternativas para a construção de novos

valores socioambientais. O que se requer na produção agrícola é uma nova

abordagem da agricultura que promova um modo de vida diferente do atual e

atinja todas as esferas da sociedade. De acordo com Gliessman (2005, p. 54),

A agroecologia proporciona o conhecimento e a metodologia

necessários para desenvolver uma agricultura que é ambientalmente

consistente, altamente produtiva e economicamente viável. Ela abre a

porta para o desenvolvimento de novos paradigmas da agricultura,

em parte porque corta pela raiz a distinção entre a produção de

conhecimento e sua aplicação. Valoriza o conhecimento local

empírico dos agricultores, a socialização desse conhecimento e sua

aplicação ao objetivo comum da sustentabilidade.

No enfoque agroecológico o potencial local de uma população é um

elemento essencial para uma transição na agricultura. Ele auxilia na

compreensão de fatores socioculturais e agroecossistêmicos8 estratégicos para

seguir através de estágios crescentes de sustentabilidade, conforme colocam

Caporal, Costabeber e Paulus (2006). Ainda segundo esses autores (2006, p.

02):

Nesta perspectiva, pode-se afirmar que a Agroecologia se constitui

num paradigma capaz de contribuir para o enfrentamento da crise

socioambiental da nossa época. Uma crise que, para alguns autores,

é, no fundo, a própria crise do processo civilizatório. Diante dessa

crise, os problemas ambientais assumiram um status que ultrapassa

o estágio da contestação contra a extinção de espécies ou a favor da

proteção ambiental, para transformar-se ―numa crítica radical do tipo

de civilização que construímos. Ele é altamente energívoro e

devorador de todos os ecossistemas [...]. Na atitude de estar por

sobre as coisas e por sobre tudo, parece residir o mecanismo

fundamental de nossa atual crise civilizacional‖ (BOFF, 1995), razão

8 Ver sub-capítulo 2.2, no que se refere à agroecossistema.

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28

pela qual necessitamos de novas bases epistemológicas, novas

perguntas e novos conhecimentos, como nos proporciona a

Agroecologia, para o enfrentamento e superação desta crise.

Por tudo isso a agroecologia apresenta-se, como vimos, muito além de

simplesmente tratar sobre o manejo agrícola ecologicamente responsável dos

recursos naturais. Ela se constitui em um campo do conhecimento que, através

de uma ação coletiva de caráter participativo, com um enfoque e abordagem

sistêmica9, pretende contribuir para que as sociedades possam redirecionar o

curso alterado das relações socioambientais, nas suas múltiplas inter-relações

e mútua influência (CAPORAL; COSTABEBER; PAULUS, 2006, p. 03).

Através da perspectiva agroecológica coloca-se em destaque que os

sistemas agrícolas devem ser considerados como sistemas integrais. Enfatiza-

se também que os sistemas tradicionais de agricultura não são estáticos, pois

estão evoluindo por séculos. Essa perspectiva põe as pessoas e a sua forma

de pensar dentro do processo. Uma de suas características mais importantes é

a que outorga legitimidade ao conhecimento cultural e experimental dos

agricultores. Suas formas de raciocínio podem não traduzir-se como formas de

raciocínio científico, mas o entendido por eles provou ser apto para seu sistema

e pode ser usado para compreendê-lo. Com uma perspectiva agroecológica

pode-se superar o vago doutrinamento transmitido pela ciência cartesiana10.

Pode-se atingir assim, um verdadeiro respeito pela sabedoria dos agricultores

tradicionais, combinando seus conhecimentos a novas formas de

conhecimento e trabalhar juntos de forma eficaz (ALTIERI, 1999, p. 35).

Na agroecologia o conceito de transição agroecológica é entendido

como um processo gradual e multilateral de mudança que ocorre através do

tempo e no espaço, uma passagem transformadora num processo contínuo e

crescente não linear e sem um final determinado, como um ciclo onde se

9 Ver capítulo 4, no que se refere ao pensamento sistêmico.

10 A ciência cartesiana teve seu ápice com o método do pensamento analítico desenvolvido por René

Descartes entre os séculos XVI e XVII. Consiste em quebrar fenômenos complexos em pedaços a fim

de compreender o comportamento do todo a partir das propriedades das suas partes. Possui como

características principais o caráter pragmático do conhecimento e o homem como centro do mundo,

em oposição ao objeto e à natureza (CAPRA, 1996, p. 34; GONÇALVES, 2005, p. 33). Ver também

capítulo 4.

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29

ingressa conhecimentos e práticas pertinentes em todo momento. Na

agricultura a transição tem como meta a passagem do modelo convencional

dominante a estilos que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica.

Por se tratar também de um processo social, a transição agroecológica não

implica apenas numa busca por uma racionalização econômica e produtiva,

mais ainda, implica em uma mudança nas atitudes e valores dos atores sociais

em relação ao manejo e conservação das riquezas naturais e culturais em

esferas distintas de atuação (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 12).

A transição, ou ruptura agroecológica implica na passagem de um

processo de reprodução da vida em grande medida insustentável a longo prazo

(ou de médio a curto prazo, já que estamos vivendo numa situação limite hoje)

para um processo que não carregue as tendências destrutivas contemporâneas

que ainda permanecem insistentemente (MESZÁROS, 2007, apud SAUER;

BALESTRO, 2009, p. 8). As experiências e iniciativas que se somam para

realizar essa ruptura não podem ser entendidas como um meio de formar

massa crítica ao enfrentamento de uma realidade indesejável. Elas devem

buscar uma forma de construção coletiva horizontal nas esferas basais dos

grupos sociais para construir um novo pensamento que contribua para atingir

uma vida equilibrada com os recursos existentes, tanto naturais quanto

tecnológicos. A título de síntese, encontramos em Guterres (2006) alguns

pontos metodológicos à transição agroecológica:

Realizar um planejamento das ações, com base nos grupos e nas comunidades, tendo

o território presente, buscando a articulação das dimensões econômica, política,

tecnológica, social, cultural e ambiental.

Discutir conceitos da agroecologia e dos agroecossistemas utilizando-se de uma

linguagem baseada em princípios pedagógicos de emancipação.

Gerar relações de co-responsabilidade entre as famílias envolvidas, suas organizações

e seus mediadores. As ações planejadas de forma participativa devem proporcionar

situações de reflexão e tomadas de decisão progressivas por parte de cada família e

pelo conjunto das comunidades envolvidas, e depois executadas com um constante

monitoramento, avaliação e re-planejamento. Logo, a obtenção dos resultados

esperados estará subordinada ao efetivo comprometimento de todos, buscando

alcançar os objetivos individuais e coletivos que venham a ser estabelecidos.

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30

Considerar a complexidade e o dinamismo dos sistemas de produção, assim como os

limites ambientais em que se desenvolvem, de modo a contribuir para o

redimensionamento, redesenho e uso adequado dos meios de produção disponíveis e

ao alcance de todos.

Estabelecer uma articulação dos movimentos sociais com parcerias estratégicas, sejam

instituições de comunicação técnica e de ensino e pesquisa, buscando a formação de

redes, fóruns regionais, territoriais e outras formas de integração, em que a

participação das famílias envolvidas na definição de linhas de pesquisa, avaliação,

validação e recomendação de tecnologia apropriadas esteja no centro.

Considerar as especificidades relativas a etnias, gênero, geração e diferentes

condições socioeconômicas e culturais das populações envolvidas, em todos os

programas, projetos de comunicação técnica, pesquisa e atividades de formação.

Estimular a democratização dos processos de tomada de decisão, com participação de

todos os membros das famílias na gestão da unidade produtiva e nas estratégias de

envolvimento das comunidades.

Incentivar a participação de jovens e mulheres, considerando-se as especificidades

socioculturais, de forma central em todo processo de transição e um dos elementos

essenciais da metodologia.

Fortalecer iniciativas educacionais apropriadas para as populações envolvidas,

construídas a partir da realidade das famílias locais.

Ser o mais participativo possível e utilizar a vivência do dia-a-dia de cada pessoa,

estabelecendo estreita relação entre teoria e prática, propiciando a construção coletiva

de saberes, o intercâmbio de conhecimentos de experiências exitosas, com o qual os

agricultores e os técnicos mediadores possam aprender uns com os outros

(GUTERRES, 2006, p. 25) 11

.

Um grande desafio da agroecologia como uma abordagem que busca

um diálogo de saberes é desenvolver um referencial teórico e prático capaz de

suprir a heterogeneidade do conhecimento e das ações humanas como coloca

Sauer e Balestro (2009, p. 186), de forma que se atinja uma nova relação

socioambiental compatível com as necessidades de cada lugar. Uma produção

sustentável somente pode acontecer no contexto onde haja uma organização

social que proteja a integridade dos recursos naturais e estimule a interação

harmônica entre populações humanas, o agroecossistema e o ambiente. A

agroecologia contribui com o fornecimento de metodologias eficientes para que

11

Tópicos adaptados pelo autor a partir dos tópicos presentes em Guterres (2006, p. 25).

Page 33: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

31

a participação da comunidade venha a se tornar a força geradora dos objetivos

e atividades dos processos de transição e ruptura ao modelo convencional de

produção. Com isso, o objetivo é que os camponeses se tornem os arquitetos e

atores de sua própria realidade novamente (CHAMBERS, 1983 apud ALTIERI,

2008, p. 26).

2.2. Enfoque agroecológico em sistemas produtivos sustentáveis

No coração da agroecologia reside a idéia de que um campo de cultivo

configura-se como um ecossistema dentro do qual os processos ecológicos

que ocorrem em outros ambientes também ocorrem nesse sistema de

produção agrícola. No que tange a sistemas produtivos, a agroecologia se

centra nas relações ecológicas dentro da agricultura, com o propósito de

iluminar e compreender a forma, a dinâmica e as funções desta relação. Por

meio do conhecimento desses processos e relações os sistemas

agroecológicos podem ser melhor administrados, com menores impactos

negativos ao meio ambiente e a sociedade, ser mais sustentáveis e

consequentemente com menor uso de insumos externos ao sistema produtivo.

Como resultado, tem-se considerado as terras cultivadas com o enfoque

agroecológico como um tipo especial de ecossistema, um agroecossistema,

passando-se a formalizar as análises do conjunto de processos e interações

que intervêm em um sistema de cultivos desse (ALTIERI, 1999, p. 18).

De acordo com Gliessman (2005) o agroecossistema proporciona uma

estrutura com a qual se pode analisar os sistemas de produção de alimentos

como um todo, incluindo seus conjuntos complexos de insumos e produção e

as interconexões entre as partes que os compõem. Vale ressaltar que, como os

ecossistemas, os agroecossistemas possuem limites espaciais pré-

determinados, sendo geralmente unidades produtivas individuais ou coletivas.

Um ecossistema possui como definição básica estrutural a característica de ser

um sistema funcional de relações complementares entre estruturas bióticas

(organismos vivos) e abióticas (seu ambiente) que mantêm um equilíbrio

dinâmico no espaço e no tempo. Existem níveis com propriedades estruturais

Page 34: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

32

específicas nos ecossistemas que podem ser aplicados diretamente a

agroecossistemas, organizados em uma hierarquia interativa entre as partes

que o compõem, iniciando pelo nível do organismo individual, passando pela

população de indivíduos de mesma espécie, pela comunidade de populações

de espécies diferentes, até atingir o nível de ecossistema. A função dos

ecossistemas é referente aos processos dinâmicos que ocorrem em seu

interior, referente ao movimento de matéria e energia e suas inter-relações com

os organismos no sistema. Esses processos funcionais são importantes em

agroecossistemas, pois podem determinar o fracasso ou o sucesso de um

cultivo ou de alguma prática de manejo (GLIESSMAN, 2005, p. 62-67).

Apesar de dinâmicos, os ecossistemas são estáveis em sua estrutura e

função por sua capacidade de auto-regulação, devido a sua complexidade e à

diversidade das espécies que o compõem. Contudo, eles não se desenvolvem

em direção a estabilidade, permanecendo dinâmicos e flexíveis, resilientes

perante as forças perturbadoras naturais. A combinação entre essa estabilidade

geral e a transformação dinâmica produz um equilíbrio dinâmico no

ecossistema, conceito consideravelmente importante em um agroecossistema.

A estabilidade refere-se ao uso sustentável dos recursos disponíveis, e a

transformação, ao manejo contínuo do sistema para auxiliá-lo ao ponto de se

auto-regular, produzindo seu equilíbrio (GLIESSMAN, 2005, p. 74).

Os agroecossistemas possuem vários graus de resiliência e

estabilidade, mas eles não estão estritamente determinados por fatores de

origem biótica ou ambiental. Fatores sociais também podem interferir em

sistemas agrícolas tanto quanto fenômenos naturais ou enfermidades nos

cultivos. Por outro lado, uma teia de conexões se espalha a partir de cada

agroecossistema para dentro da sociedade humana e de ecossistemas

naturais. A magnitude das diferenças de função ecológica entre um

ecossistema natural e um agroecossistema depende em grande medida da

intensidade e frequência das perturbações naturais e humanas que se fazem

sentir no ambiente. O resultado da interação entre características ambientais e

fatores culturais gera particularidades ao agroecossistema. Por esta razão, é

necessário uma perspectiva mais ampla para explicar um sistema de produção

Page 35: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

33

com enfoque agroecológico. Apesar das semelhanças e de sua aplicabilidade

um sistema ecológico difere em vários aspectos fundamentais de um sistema

agrícola. Isso ocorre porque os agroecossistemas são permeados por relações

em sociedade de culturas distintas e se situam num gradiente de ecossistemas

que sofreram algum impacto humano (ALTIERI, 1999, p. 19; GLIESSMAN,

2005, p. 78).

As perturbações naturais e antrópicas, como, respectivamente, do clima

e das práticas agrícolas, podem ser superadas por agroecossistemas

vigorosos, que sejam adaptáveis e diversificados o suficiente para se

recuperarem do impacto sofrido. Contudo, ocasionalmente, os agricultores

procuram empregar métodos alternativos para controlar problemas específicos

nos cultivos ou deficiências do solo em sistemas agrícolas ainda frágeis. A

agroecologia engloba orientações de como fazer isso sem provocar danos

desnecessários ou irreparáveis, procurando restaurar a resiliência e a força do

agroecossistema. A causa do problema deve ser entendida como um

desequilíbrio, e então o objetivo do tratamento agroecológico é restabelecê-lo

da forma mais natural possível (ALTIERI, 2008, p. 24). Encontramos na tabela

03 um conjunto básico de princípios e diretrizes tecnológicas que orientam uma

estratégia com enfoque agroecológico para superação de perturbações

específicas e que atinjam o restabelecimento do equilíbrio no agroecossistema.

Tabela 03: Elementos técnicos básicos de uma estratégia com enfoque agroecológico

I. Conservação e Regeneração dos Recursos Naturais

a. Solo: controle da erosão, manutenção da fertilidade e saúde das plantas

b. Água: captação/coleta, conservação no local, manejo e irrigação adequada

c. Material Genético: espécies nativas de plantas e animais, material genético adaptado

d. Fauna e flora: controladores naturais, polinizadores, vegetação de múltiplo uso

II. Manejo dos Recursos Produtivos

a. Diversificação:

- temporal: rotações, sequências

- espacial: policultivos, agroflorestas, sistemas mistos de plantio/criação de animais

- genética: multilinhas

- regional: zoneamento

b. Reciclagem dos nutrientes e matéria orgânica:

Page 36: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

34

- biomassa de plantas (adubo verde, resíduos das colheitas, fixação de nitrogênio)

- biomassa animal (esterco, urina)

- reutilização de nutrientes e recursos internos e externos à propriedade

c. Regulação biótica (proteção de cultivos e saúde animal):

- controle biológico natural (aumento dos agentes de controle natural)

- controle biológico artificial (importação e aumento dos agentes de controle natural, caldas

naturais botânicas, produtos veterinários alternativos)

III. Implementação de Elementos Técnicos

a. Definição de técnicas de regeneração, conservação e manejo de recursos adequados às

necessidades locais e ao contexto agroecológico e socioeconômico.

b. O nível de implementação pode ser o da microrregião, bacia hidrográfica, unidade produtiva

ou sistema de cultivo.

c. A implementação é orientada por uma concepção holística (integrada) e, portanto, não

sobrevaloriza elementos isolados.

d. A estratégia deve estar de acordo com o conhecimento camponês, incorporando elementos

do manejo tradicional dos recursos.

Fonte: Tabela adaptada pelo autor a partir da tabela presente em Altieri (2008, p. 25).

Vejamos algumas diferenças nos aspectos ecológicos que configuram

um ecossistema natural e um agroecossistema segundo Gliessman (2005, p.

75). No que tange o fluxo de energia, os agroecossistemas apresentam

alterações acentuadas devido à aplicação de insumos externos deixando de

ser auto-sustentáveis como os ecossistemas naturais. Eles também se tornam

mais abertos, pois parte considerável da energia interna é dirigida para fora

com o escoamento da produção e o manejo intensivo, ao invés de ser

armazenada na biomassa que poderia ser acumulada dentro do sistema. Esta

redução de biomassa diminui a reciclagem de nutrientes no agroecossistema,

pois a colheita e o espaçamento dos cultivos frequentemente expõe o solo,

criando perdas temporárias de nutrientes no sistema por erosão e lixiviação.

Com a relativa simplificação do ambiente, raramente populações de plantas

cultivadas são auto-reprodutoras ou auto-reguladoras. A introdução de

sementes ou agentes reguladores depende de subsídios de energia, o que

determina o tamanho das populações. Os agroecossistemas possuem menores

graus de estabilidade em relação aos ecossistemas naturais, devido à redução

na diversidade funcional e estrutural ocasionada pelo manejo agrícola. Existem

Page 37: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

35

perturbações recorrentes no equilíbrio estabelecido, que só poderá ser mantido

se a interferência externa também for mantida (Idem, ibid.). Na tabela 04 temos

uma síntese complementar do explanado acima.

Tabela 04: Diferenças estruturais e funcionais entre ecossistemas naturais e agroecossistemas

Ecossistemas naturais Agroecossistemas

Produtividade líquida Menor Maior

Interações populacionais Complexas Simples

Diversidade de espécies Maior Menor

Diversidade genética Maior Menor

Ciclos de nutrientes Fechados Abertos

Estabilidade Maior Menor

Controle humano Independente Dependente

Permanência temporal Longa Curta

Modificação espacial Lenta Rápida

Heterogeneidade do habitat Complexa Moderada

Fonte: Tabela adaptada pelo autor a partir da tabela presente em Gliessman (2005, p. 76).

Essas comparações levam em conta ecossistemas naturais com um

baixo grau de intervenção e/ou perturbação. Em áreas degradadas pela ação

humana ou que sofreram drásticas perturbações naturais e posteriormente

tiveram a implantação de agroecossistemas, essas diferenças apresentadas na

tabela 04 podem se inverter significativamente. Ainda, reforçamos que para

todas essas diferenças relativas, tendo em vista que ambos existem num

contínuo, deve-se considerar a localização do ecossistema natural a fim de

entender sua relação com o agroecossistema ali implantado, e o quanto ele é

favorecido e enriquecido, no tempo e no espaço, pelo manejo tradicional

camponês e o agroecológico.

Também devemos colocar, como assinala Gliessman (2005, p. 76), que

poucos ecossistemas são verdadeiramente naturais, no sentido de serem

completamente independentes da influência humana12, e por outro lado, os

agroecossistemas podem variar intensamente em sua necessidade pela

interferência humana. As propriedades dos ecossistemas naturais podem ser

12

Ver sub-capítulo 4.1, a respeito da presença humana e seus impactos nos ambientes naturais do planeta.

Page 38: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

36

aplicadas para o desenho dos agroecossistemas se aproximar o quanto for

possível do nível de sustentabilidade necessária para co-existir e se co-

relacionar de forma mais harmoniosa com o meio, levando em conta os

aspectos do manejo cultural de cada região em que está inserido. Para Altieri

(1999) cada região possui uma configuração única de agroecossistema, que

são o resultado das variações locais no clima, no solo, nas relações

econômicas, na estrutura social e na história. Esses fatores são alguns dos

determinantes que influenciam na agricultura de cada lugar, como mostra a

tabela 05.

Tabela 05: Determinantes do agroecossistema que influem na agricultura de cada região.

DETERMINANTES INFLUÊNCIAS

Físicos

- Radiação - Temperatura - Chuva, fornecimento de água - Relevo - Solo

Condições da área - Declividade - Disponibilidade de terra - Fertilidade do solo

Biológicos

- Controladores naturais - Comunidades de plantas espontâneas - Enfermidades de plantas e animais - Biota do solo - Entorno com vegetação natural - Eficiência de fotossíntese

Modelos de cultivos - Rotação de cultivos

Locais

- Densidade da população - Organização local - Economia (preços, mercados, verba e disponibilidade de crédito) - Acompanhamento técnico - Ferramentas de cultivo - Grau de comercialização - Disponibilidade de mão-de-obra

Culturais

- Conhecimento tradicional - Crenças - Etnias - Questão de gênero - Feitos históricos

Fonte: tabela adaptada pelo autor a partir da tabela presente em Altieri (1999, p. 49)

De acordo com Caporal e Costabeber (2004), em diversos lugares do

mundo passaram a surgir agriculturas chamadas de alternativas, como a

agricultura orgânica, biológica, natural, ecológica, biodinâmica, permacultura,

Page 39: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

37

entre outras, cada uma delas seguindo determinados conceitos, princípios,

tecnologias, normas e regras, segundo as respectivas correntes de

pensamento a que estão ligadas. A partir dos princípios ensinados pela

agroecologia, passaram a existir novos caminhos para a construção de

agriculturas alternativas de base ecológica ou sustentáveis.

Contudo, é preciso ter clareza de que as agriculturas de base ecológica

ou sustentáveis, geralmente, na teoria e na prática, são o resultado da

aplicação de técnicas e métodos diferenciados dos pacotes tecnológicos da

agricultura moderna convencional, normalmente estabelecidos de acordo e em

função de regulamentos e regras que orientam a produção e impõem limites ao

uso de certos tipos de insumos e a liberdade para o uso de outros. Assim,

estas correntes da agricultura alternativa não necessariamente precisam estar

seguindo as premissas básicas e os ensinamentos fundamentais da

agroecologia. Na realidade, uma agricultura que trata apenas de substituir

insumos químicos industrializados por insumos alternativos naturais não

necessariamente será uma agricultura de base ecológica sustentável com

enfoque agroecológico (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 10).

A simples substituição de insumos químicos industrializados por insumos

orgânicos mal manejados pode não ser a solução para uma transformação da

realidade, podendo até causar outro tipo de contaminação ambiental e manter

o dano social. O uso inadequado dos produtos orgânicos, seja por excesso

e/ou por aplicação fora de época e do contexto ecossistêmico, provocará um

impacto negativo ou limitará o funcionamento dos ciclos naturais e

socioculturais. Por exemplo,

[...] a aplicação de doses importantes de adubo nitrogenado inibe a

função nitrificadora das bactérias do solo, assim como a disposição

da água e nutrientes [em excesso] condiciona o desenvolvimento do

sistema radicular das plantas. Em suma, se impõe a necessidade de

estudar não apenas o balanço do que entra e do que sai no sistema

agrário, mas também o que ocorre ou poderia ocorrer dentro e fora do

mesmo, alterando a relação planta, solo, ambiente (RIECHMANN,

2000, apud CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 10).

Page 40: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

38

A agricultura sustentável, sob o enfoque agroecológico, é aquela que

com uma compreensão holística dos agroecossistemas seja capaz de entender

aos critérios de baixa dependência de insumos comerciais, use os recursos

renováveis localmente acessíveis, utilize-se dos impactos benéficos ou

benignos do meio ambiente local, aceite e/ou tolere as condições locais, antes

que haja uma dependência da intensa alteração ou tentativa de controle sobre

o ambiente, tenha uma manutenção em longo prazo da capacidade produtiva,

preserve a diversidade biológica e cultural, utilize o conhecimento e a cultura

da população local, e produza mercadorias para o consumo interno e externo

num circuito alternativo de economia13 (GLIESSMAN, 1990, apud CAPORAL;

COSTABEBER, 2004, p. 15). Assim, quando se fala sobre uma agricultura

sustentável com enfoque agroecológico, quer-se inferir a presença de estilos

de agricultura de base ecológica que atendam a requisitos socioculturais de

solidariedade, equidade e harmonia entre as gerações atuais e futuras em

equilíbrio dinâmico com os ecossistemas locais.

Os conceitos básicos de um sistema agrícola auto-suficiente, de baixos

insumos, diversificado e eficaz, devem sintetizar-se em sistemas alternativos

práticos que se ajustem as necessidades específicas das comunidades

agrícolas em distintas regiões. Uma importante estratégia da agricultura

sustentável é a de regular a diversidade agrícola no tempo e no espaço

(ALTIERI, 1999, p. 91).

A corrente de pensamento agroecológico defende a construção de

agriculturas de base ecológica que sejam justificadas por seus méritos

intrínsecos, ao incorporar sempre a idéia da participação social e conservação

ambiental, em que haja a busca e a construção de uma lógica alternativa a

economia de mercado para o escoamento da produção comercial. Ao contrário,

outras correntes alternativas geralmente propõem uma agricultura que se

orienta exclusivamente pela lógica do mercado que almeja lucro sem garantir

sua sustentabilidade, assemelhando-se nesse aspecto ao modelo convencional

13

A Economia Solidária se apresenta como uma alternativa à economia de mercado. Consiste em inserir a

solidariedade na economia, de forma que ela seja organizada igualitariamente pelos que se associam

para produzir, comerciar, consumir ou poupar. A chave dessa proposta é a associação entre iguais ao

invés do contrato entre desiguais (SINGER, 2002, p. 09).

Page 41: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

39

de produção, como colocam Caporal e Costabeber (2004, p. 18). Ou seja, há

uma reforma na prática de produção sem que necessariamente haja uma

transformação da realidade convencional moderna de reprodução social,

produzindo então uma ―agricultura alternativa conservadora‖.

Ao mesmo passo que a corrente agroecológica sustenta a necessidade

de que sejam elaborados processos de envolvimento comunitário e de

agriculturas sustentáveis, outras correntes ditas alternativas estão orientadas,

sobretudo, pela expectativa de gerar lucros individuais em curto prazo,

minimizando parte dos compromissos éticos e socioambientais. Com isso,

[...] podemos até supor que venha a existir [se é que já não exista]

uma monocultura orgânica de larga escala, baseada em mão-de-obra

assalariada, mal remunerada e “movida a chicote”. Essa ―monocultura

ecológica” poderá até atender aos anseios e caprichos de

consumidores informados sobre as benesses de consumir produtos

agrícolas ―limpos‖, ―orgânicos‖, isentos de resíduos contaminantes.

No entanto, o grau de informação ou de esclarecimento de dito

consumidor talvez não lhe permita identificar ou ter conhecimentos

das condições sociais em que o denominado produto orgânico foi ou

vem sendo produzido; talvez, nem mesmo lhe interesse saber. Neste

caso, no limite teórico e sob a consideração ética acima mencionada,

nenhum produto será verdadeiramente ecológico se a sua produção

estiver sendo realizada às custas da exploração da mão-de-obra. Ou,

ainda, quando o não uso de certos insumos (para atender

convenções de mercado) estiver sendo ―compensado‖ por novas

formas de esgotamento do solo, de degradação dos recursos naturais

ou de subordinação dos agricultores aos setores agroindustriais. [...]

Inclusive, teoricamente, uma agricultura nesses moldes

mundialmente não guardaria espaço para um diferencial de preços

pela característica ecológica ou orgânica de seus produtos

(CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 18, grifo do autor).

No que tange um processo de transição com enfoque agroecológico nas

práticas de agriculturas sustentáveis, é preciso levar em conta a complexidade

tecnológica, metodológica e organizacional de acordo com os objetivos e metas

estabelecidos, assim como do grau necessário para se atingir a

Page 42: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

40

sustentabilidade do agroecossistema. Esta conversão passa pelo incremento

da eficiência das práticas ecológicas agrícolas para reduzir a utilização e o

consumo de insumos externos caros, escassos e danosos ao meio ambiente.

Dentro da estrutura do enfoque agroecológico participativo definem-se

objetivos econômicos, sociais e ambientais mediante aos anseios da

comunidade local, e põem-se em prática tecnologias de baixos insumos e

custos para melhorar a renda, a equidade social e a preservação ambiental.

Além da construção e a difusão de tecnologias agroecológicas, a motivação de

uma agricultura sustentável requer mudanças nas agendas de investigação, de

políticas agrárias e dos sistemas econômicos, incluindo mercados e preços

justos, como também de incentivos governamentais (ALTIERI, 1999, p. 312). A

pesquisa direcionada ao desenvolvimento do sistema agrícola convencional

vem dando ênfase neste ponto, resultando em práticas e tecnologias que

ajudam a reduzir os impactos negativos da agricultura dominante. Porém, a

questão centra-se na substituição de insumos e práticas da agricultura

convencional pelas alternativas a essa, com impactos mais positivos do ponto

de vista ecológico. Assim, a estrutura básica do agroecossistema ainda seria

pouco alterada, o que pode ocasionar problemas similares aos que ocorrem

nos sistemas convencionais de cultivo. O nível mais complexo da transição

tange o redesenho dos agroecossistemas para que eles apresentem realmente

um conjunto de processos ecológicos e produtivos, e eliminem os problemas

que não foram ainda resolvidos na conversão acima descrita, aproximando-se

assim, dos estilos desejados de agriculturas sustentáveis com enfoque

agroecológico (GLIESSMAN, 2000, apud CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p.

14).

Para por ênfase na sustentabilidade ecológica em longo prazo e na

produtividade agrícola em curto prazo o agroecossistema deve:

Reduzir o uso de energia e recursos externos ao agroecossistema;

Empregar métodos de produção que restabeleçam os mecanismos de equilíbrio que

conduzam à estabilidade da comunidade no sistema;

Otimizar as taxas de intercâmbio, a reciclagem de matéria e nutrientes, utilizar ao

máximo a capacidade multiuso do sistema e assegurar um fluxo eficiente de energia;

Page 43: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

41

Fomentar a produção local de itens alimentícios, adaptados ao estabelecimento

socioeconômico e natural;

Reduzir os custos e aumentar a eficiência e a viabilidade econômica dos agricultores,

fomentando assim um agroecossistema potencialmente equilibrado e diverso (ALTIERI,

1999)14

.

Grande parte das definições de sustentabilidade em sistemas produtivos

agroecológicos inclui pelo menos os critérios de manter a capacidade produtiva

do agroecossistema, preservar a diversidade da flora e a fauna, e promover a

capacidade do agroecossistema para auto manter-se. Uma característica

complexa da sustentabilidade é referente à capacidade do agroecossistema em

manter um rendimento que não decline ao longo do tempo, dentro de uma

gama de condições. A maioria dos conceitos de sustentabilidade requer o

rendimento contínuo e a prevenção da degradação ambiental. Estas duas

demandas com frequência apresentam-se como se fossem mutuamente

incompatíveis. A produção agrícola depende da utilização dos recursos

enquanto a proteção ambiental requer algum grau aceitável de conservação. O

problema é que existe um período de transição antes que se consiga a

sustentabilidade, e desse modo, a rentabilidade no investimento em técnicas

agroecológicas pode não ocorrer imediatamente. Um desafio para a avaliação

da qualidade dos agroecossistemas é o de assegurar um monitoramento que

equilibre a produtividade à integridade ecológica do sistema, tanto com base

em dados quantitativos como qualitativos. Historicamente, a avaliação dos

sistemas agrícolas centrou-se na quantificação da produção de alimentos, e no

estado, condição e tendências do solo, da água e dos recursos relacionados,

deixando de lado os indicadores qualitativos que co-existem nos

agroecossistemas (ALTIERI, 1999, p. 65). Nesse sentido, a agroecologia tem

avançado e demonstra esforços para que a avaliação do estado dos

componentes ou processos biológicos e culturais essenciais nos

agroecossistemas não seja deficiente e inadequada à realidade de cada lugar.

14

Tópicos adaptados pelo autor a partir dos tópicos presentes em Altieri (1999).

Page 44: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

42

2.3. Diversidade biológica e cultural na agroecologia

Dentre os princípios da agroecologia, de acordo com Altieri (2008, p. 24),

a conservação, manutenção e ampliação da biodiversidade associada a

valores socioculturais são quesitos primordiais e essenciais para produzir a

auto-regulação e a sustentabilidade em agroecossistemas. Também é de suma

importância na reflexão proposta pelo presente trabalho, sobretudo no que

tange o capítulo quatro, onde faremos um breve registro sobre a conservação

da diversidade social, cultural e ambiental do planeta. Segundo o autor, quando

a biodiversidade é restituída aos agroecossistemas, sob o enfoque

agroecológico no manejo agrícola, numerosas e complexas interações passam

a se restabelecer entre o solo, as plantas, os animais e os agricultores. O

aproveitamento dessas interações e sinergismos complementares pode

resultar em efeitos socioambientais benéficos e eficientes, pois:

Criam uma cobertura vegetal contínua para a proteção do solo;

Fecham os ciclos de nutrientes e garantir o uso eficaz dos recursos locais;

Contribuem para a conservação da fertilidade do solo e dos recursos hídricos através

da cobertura morta e da proteção contra o vento;

Contribuem para a recuperação de nascentes e recarga do lençol freático através da

retenção da água no solo;

Intensificam o controle biológico sobre danos aos cultivos fornecendo um habitat para

os seres de controle natural;

Contribuem para a manutenção e regulação do micro-clima local;

Contribuem para aumentar a captura de carbono atmosférico no ecossistema;

Aumentam a capacidade de múltiplo uso do solo;

Asseguram uma constante produção de alimentos e variedade na dieta alimentar;

Proporcionam o aumento e diversificação de produtos para comercialização, ampliando

a renda dos agricultores;

Asseguram uma produção sustentável das culturas sem o uso de insumos químicos

industrializados que degradam o ambiente e prejudicam a saúde dos agricultores;

Mantém o uso dos recursos naturais através da legitimidade do saber tradicional

camponês sobre o manejo sustentável (ALTIERI, 2008, p. 25)15

.

15

Tópicos adaptados pelo autor a partir dos tópicos presentes em Altieri (2008).

Page 45: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

43

Portanto, uma estratégia central na agricultura sustentável é a de

restaurar a diversidade na paisagem agrícola. A diversidade pode aumentar

com o tempo, por exemplo, mediante o uso de rotação de cultivos ou cultivos

sequenciais diversificados; e no espaço, através do uso de cultivos de

cobertura, cultivos intercalados, sistemas agroflorestais e sistemas mistos de

produção agrícola e criação de animais. A diversificação da vegetação não

apenas resulta numa regulação e restauração de seres de controle natural,

como também permite melhorar a ciclagem de nutrientes, uma maior

conservação do solo, da energia e uma menor dependência de insumos

externos. Ela pode também tomar lugar fora da propriedade agrícola, por

exemplo, nos limítrofes dos cultivos da propriedade utilizando-se de plantios

corta-vento, cordões de contorno e cercas vivas, o que pode melhorar e

restaurar o habitat para a fauna silvestre, atrair agentes polinizadores

fornecendo-lhes alimento, contribuir ao aumento da diversidade da flora

utilizando-se de espécies nativas e adventícias adaptadas, proporcionar fontes

de madeira, matéria orgânica, e melhorar o micro-clima local (ALTIERI, 1999).

Com a crescente pressão sobre os habitat naturais tem havido muita

preocupação sobre a biodiversidade. Frequentemente se propõe políticas para

implantação de áreas especialmente protegidas com o objetivo de conservar a

biodiversidade de forma restritiva em locais onde ela ainda se mantém16. As

atividades antrópicas podem perturbar ou manter alta a biodiversidade,

dependendo da forma de interação e compreensão da população com relação

a natureza, em particular, por meio da agricultura. Muitos ecossistemas

naturais com níveis distintos de perturbação que cobriam grandes áreas têm

sido fragmentados ou devastados, colocando em frequente ameaça as

espécies que ali se encontram.

O enfoque agroecológico é especialmente útil para a administração

dessas áreas que, aliás, necessitam de um novo olhar sobre a questão da

conservação, sobretudo onde haja uma mescla entre o uso agrícola da terra e

a conservação da biodiversidade em áreas protegidas, a fim de satisfazer as

necessidades reprodutivas da população ali residente ao mesmo passo que

16

Ver sub-capítulo 4.2, a respeito da criação de áreas especialmente protegidas para a conservação.

Page 46: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

44

conserva os recursos naturais. As formas de uso restrito até agora adotadas

para conservação absoluta da biodiversidade não devem ser utilizadas para

administrar os ecossistemas, tampouco para os agroecossistemas. Utilizando a

terra em gradientes, fazendo cultivos em forma de mosaicos e campos

agrícolas diversificados, promovem-se estratégias mais sensíveis para

satisfazer as necessidades concomitantes de produção alimentícia e

conservação da biodiversidade (ALTIERI, 1999).

Para Shiva (2003, p. 85), a diversidade é característica da natureza e a

base da estabilidade ecológica. Ecossistemas diversificados, assim como

agroecossistemas diversificados, promovem o surgimento e manutenção de

formas de vida e culturas diversificadas. A co-relação de culturas, formas de

vida e habitat podem conservar a diversidade biológica em âmbito local,

regional e mundial, dependendo do nível de apropriação e da esfera atingida

por este enfoque na conservação. De acordo com a autora ―a diversidade

cultural e a diversidade biológica andam de mãos dadas‖.

Assim, vale ressaltar que restaurar a saúde ecológica do ambiente não é

o único objetivo da agroecologia. A sustentabilidade só é possível com a

conservação conjunta da diversidade biológica e cultural que nutre as

agriculturas locais. O estudo do sistema de conhecimento de um grupo étnico

local e nativo tem revelado que o conhecimento dessas populações sobre o

ambiente, a vegetação, os animais e solos pode ser bastante detalhado17. O

conhecimento camponês sobre os ecossistemas geralmente resulta em

estratégias produtivas multidimensionais de uso da terra, que criam, dentro de

certos limites ecológicos e técnicos, a auto-suficiência alimentar das

comunidades em determinadas regiões (TOLEDO et. al., 1985, apud ALTIERI,

2008, p. 26).

Em uma terra ocupada em grande parte por uma paisagem transformada

pela cultura do manejo agrícola, esforços para conservar a biodiversidade

remanescente não podem mais restringir o olhar apenas às áreas de terra

dispersas que ainda mantém minimamente os ecossistemas naturais em sua

forma original. As terras manejadas sob o enfoque agroecológico nos

17

Ver capítulo 3 e 4, no que se refere ao conhecimento tradicional camponês e a conservação dos recursos

naturais.

Page 47: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

45

agroecossistemas possuem um enorme potencial, ainda pouco explorado,

capaz de sustentar uma diversidade de espécies nativas e adventícias

adaptadas, e com isso contribuir para a conservação da biodiversidade do

planeta (GLIESSMAN, 2005, p. 555).

Recentemente foi criado o conceito de agrobiodiversidade como forma

de refletir sobre as dinâmicas e complexas relações entre as sociedades

humanas, as práticas de cultivos e os ambientes em que convivem,

repercutindo em diversas esferas, em particular, no que toca a conservação

dos ecossistemas. A agrobiodiversidade inclui a diversidade de espécies, a

diversidade genética e a diversidade de ecossistemas agrícolas ou

agroecossistemas, englobando todos os elementos que interagem na produção

agrícola. Portanto, o conceito não trata apenas de definir a diversidade

biológica existente em agroecossistemas, mas também se refere às formas

pelas quais os agricultores usam a diversidade natural do ambiente no manejo

dos recursos locais para a produção agrícola (SANTILLI, 2009, p. 91).

A agrobiodiversidade é essencialmente um produto da intervenção

humana sobre os ecossistemas naturais com a formação de agroecossistemas

pela interação dos agricultores com o ambiente natural. Os processos culturais,

os conhecimentos tradicionais, práticas e inovações agrícolas, desenvolvidos e

compartilhados pelos agricultores, são um componente fundamental da

agrobiodiversidade (SANTILLI, 2009, p. 94). Nesse ponto, as características

que compõem a agrobiodiversidade são muito próximas dos agroecossistemas

que estão sob o enfoque agroecológico. Não se pode tratar de ambos

dissociados dos contextos ambientais, processos e práticas culturais e

socioeconômicas que os determinam e os condicionam. Assim, o conceito de

agrobiodiversidade corrobora com o enfoque agroecológico no que tange a

conservação da diversidade biológica e sócio-cultural em sistemas produtivos

sustentáveis, e ainda pode fornecer uma nova estratégia para a criação de

reservas naturais18 onde haja uma forma justa e eficiente para conciliar

conservação e atividades agrícolas agroecológicas.

Portanto, as exigências para desenvolver uma agricultura sustentável

18

Ver sub-capítulo 4.3, no que se refere à criação de reservas da agrobiodiversidade para a conservação

dos recursos naturais e sócio-culturais.

Page 48: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

46

não são apenas biológicas ou técnicas, também são sociais, econômicas e

políticas que ilustram as necessidades para criação de uma vida mais

sustentável. Sem isso, torna-se inconcebível estimular as mudanças ecológicas

do setor agrícola sem apoiar as mudanças similares em todas as demais áreas

inter-relacionadas da sociedade. No cerne da agroecologia faz-se, sobretudo, a

exigência de uma agricultura sustentável com um ser humano consciente, cuja

atitude na natureza seja de co-existência e não de exploração, e esse impulso

nas mentalidades proporcione as transformações necessárias em todas as

esferas possíveis da sociedade (ALTIERI, 1999, p. 315).

2.4. A agroecologia e o conhecimento tradicional camponês

O estudo de sistemas agrícolas tradicionais proporcionou grande parte

da matéria prima para a construção de hipóteses e sistemas de produção

alternativos para a agroecologia. A cada vez é mais amplo o estudo da

agricultura a partir do saber local tradicional camponês realizado por equipes

multidisciplinares para documentar essas práticas, desenvolvendo-se

categorias de classificação para analisar os processos biológicos e para avaliar

feições das forças sociais que influem nessa agricultura, fundamentais na

construção do pensamento agroecológico (ALTIERI, 1999, p. 27).

De forma análoga ao exposto por Caporal e Costabeber (2004, p. 12),

para não haver equívocos de interpretação sobre a expressão ―a partir do

saber local tradicional camponês‖ utilizada no parágrafo acima, como algo que

vai em direção ao atraso, faz-se necessário colocar que, na realidade, segundo

os autores:

[...] o ―partir‖ quer significar um ponto de início de um processo

dialógico entre profissionais com diferentes saberes, destinado à

construção de novos conhecimentos. Neste processo o conhecimento

técnico também é fundamental, até porque o salto de qualidade que

propõe a Agroecologia e a complexidade da transição a estilos de

agriculturas sustentáveis não permitem abrir mão do conhecimento

técnico-científico, desde que este seja compatível com os princípios e

metodologias que podem levar a uma agricultura de base ecológica.

Page 49: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

47

Assim, a agroecologia não propõe uma volta ao passado que negue os

avanços científicos e tecnológicos, mas sim para resgatar um conhecimento

que, apesar de estar ainda presente pelas mãos dos agricultores, corre o risco

de desaparecer, pois, como vimos, com o advento da Revolução Verde, os

avanços mencionados deturparam a forma eficiente e elaborada desse saber

em lidar com os processos ecológicos na agricultura, deslegitimando-os e

impondo-lhes, direta ou indiretamente, novas formas de trabalhar a terra que

não necessariamente condizem com as necessidades e preferências da

população camponesa. Trazer o conhecimento tradicional para uma nova

realidade sociocultural com o intuito de poder contribuir com ele de forma

participativa, trazendo a ciência como aliada e disponibilizá-lo aos agricultores

e à sociedade como um todo, é um dos propósitos da agroecologia.

De acordo com Altieri (2008, p. 26), para a agroecologia vários aspectos

do manejo em agroecossistemas tradicionais são particularmente relevantes,

como o conhecimento do ambiente físico local e de práticas agrícolas

consonantes ao meio, os sistemas de taxonomia19 popular e o emprego de

tecnologias de baixo uso de insumos a partir dos recursos localmente

existentes. Para ele, a agricultura tradicional apresenta, em seus mais

diferentes aspectos de conhecimento e produção, uma exemplar ―[...]

capacidade de tolerar riscos, eficiência produtiva de misturas simbióticas de

cultivos, reciclagem de nutrientes, utilização dos recursos materiais e genéticos

locais, e habilidade em explorar toda uma gama de microambientes‖. Continua,

afirmando que:

É possível obter, através do estudo da agricultura tradicional,

informações importantes que podem ser utilizadas no

desenvolvimento de estratégias agrícolas apropriadas, adequadas às

necessidades [locais], preferências, e base de recursos de grupos

específicos de agricultores e agroecossistemas regionais (Altieri,

1983). Entretanto, tal transferência [ou melhor, troca] de

conhecimentos deve ocorrer rapidamente, ou essa riqueza de

práticas se perderá para sempre.

19

Taxonomia: teoria e prática da descrição, nomenclatura e classificação dos organismos e solos (SÃO

PAULO, 1997, p. 228).

Page 50: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

48

Os agricultores tradicionais possuem a capacidade de se adaptar tanto à

adversidade como à oportunidade, e assim os processos de aprendizagem e

experimentação são constantemente renovados (SANTILLI, 2009, p. 95). Para

isso, é importante que o camponês não só tenha consciência da prática

tradicional, como também compreenda o papel do saber ancestral usado na

dinâmica da produção. Não para que o agricultor fique estritamente atrelado a

esse saber para sua reprodução, mas para que ele possa ser ator em todo

processo de construção do conhecimento e das práticas utilizadas em sistemas

de produção sustentáveis com enfoque agroecológico (SAUER; BALESTRO,

2009, p. 249).

A agroecologia e o conhecimento tradicional camponês, que será

discutido no próximo ítem, integrados na elaboração de um agroecossistema,

possibilitam uma nova abordagem sobre a agricultura, com o resgate sobre as

potencialidades locais, uso e manejo sustentáveis dos recursos existentes, e a

valorização sociocultural de uma determinada população. A autonomia dos

agricultores tradicionais foi sendo suprimida na medida em que os pacotes

tecnológicos propostos pela agricultura convencional dominante foram tomando

lugar sobre a forma de concepção e produção do trabalho tradicional

camponês. O enfoque agroecológico permite ao agricultor um resgate

consciente do saber tradicional e uma alternativa a essa forma de agricultura,

utilizando-se de metodologias participativas e técnicas sustentáveis que

valorizam os conhecimentos adquiridos pelos camponeses em sua experiência

de vida (GONÇALVES, 2010, p. 59).

Page 51: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

49

3. O saber tradicional camponês____________________________________

3.1. Agricultura e comunidades tradicionais camponesas

Cerca de 60% da agricultura praticada em todo mundo utiliza métodos

tradicionais e de subsistência na implantação de sistemas produtivos, e

fornecem aproximadamente 20% da oferta de alimentos no mundo. Este tipo

de agricultura se enriquece em meio a ciclos temporais e espaciais de

transformação cultural dos povos e biológica dos ecossistemas, adaptando-se

as condições locais. Assim, os agricultores tradicionais proporcionaram

sistemas complexos de cultivo elaborados ao longo de séculos, que

satisfizeram suas necessidades reprodutivas sem depender da mecanização e

uso de insumos químicos industrializados, desenvolvendo uma agricultura com

produtividade sustentável (ALTIERI, 1999, p. 103; 2008, p. 29).

A agricultura tradicional proporcionou o desenvolvimento de práticas que

otimizam a produtividade em longo prazo ao invés de aumentá-la ao máximo

em um curto período. Em geral, os insumos utilizados por esse sistema se

originam em âmbito regional e o trabalho é realizado com energia proveniente

de fontes locais (ALTIERI, 1999, p. 104). Com isso, os agricultores tradicionais

aprenderam a reconhecer, valorizar e utilizar os recursos existentes no meio

circunscrito em sua realidade, sem que isso seja determinante para sua

reprodução, mas essencial à sustentabilidade do seu modo de vida. Além dos

recursos locais, eles enriquecem o meio com a implantação de sistemas

agrícolas que possuem alta diversificação:

Os agroecossistemas tropicais [tradicionais], compostos de parcelas

produtivas e em pousio, hortas domésticas complexas e lotes

agroflorestais, geralmente contêm mais de 100 espécies por campo

de cultivo proporcionando materiais de construção, lenha,

ferramentas, medicamentos, alimentos para o gado e para o consumo

humano. [...] Pequenas áreas ao redor das casas dos agricultores

geralmente abrigam 80 a 125 espécies de plantas úteis, muitas delas

para alimentação e uso medicinal (ALTIERI, 2008, p. 30).

Page 52: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

50

Soma-se a isso, o fato de que os agricultores tradicionais não só

enriquecem a biodiversidade nas áreas cultivadas como também a conservam

onde não há cultivos. Muitos desses camponeses mantêm áreas naturais no

interior ou adjacências de sua propriedade, com o intuito de manejá-las e se

suprir de produtos úteis à sua vida e reprodução sociocultural (ALTIERI, 2008,

p. 30). Como podemos perceber, eles valorizam a totalidade do sistema

produtivo agrícola e não apenas os rendimentos pontuais de um solo cultivado

intensivamente como no sistema de produção moderno. Entretanto, conforme

vimos anteriormente no texto, hoje se corre o risco de perder essa riqueza para

sempre na medida em que os avanços tecnológicos vão se impondo e

suprimindo as práticas e conhecimentos tradicionais.

O espaço e os recursos são otimizados nesse tipo de produção, com o

intuito de utilizar melhor os insumos ambientais, reciclando os nutrientes que

enriquecem o solo e as plantas, conservando a água disponível, entre outros

fatores como mostra a tabela 06.

Tabela 06: Uso de práticas tradicionais adaptadas as características ambientais locais

CARACTERÍSTICA AMBIENTAL

OBJETIVO PRÁTICA TRADICIONAL UTILIZADA

Espaço limitado Utilizar ao máximo os

recursos ambientais

Cultivo intercalado; agroflorestamento; cultivo em estratos

múltiplos; hortas domésticas; zona de cultivos segundo a

altitude; subdivisão do terreno; rotação de culturas.

Terrenos inclinados Controle da erosão e

conservação dos recursos

hídricos

Construção de terraços; cultivo em curvas de nível; plantio

de contorno; barreiras vivas ou artificiais; aplicação de

cobertura morta; curvas de nivelação; cobertura forrageira;

cultivos contínuos e de pousio; muralhas de pedra.

Fertilidade baixa de

solos marginais

Sustentar a fertilidade

existente do solo e reciclar

os nutrientes do solo

Pousios naturais ou melhorados; matéria orgânica de

cultivos; rotação de culturas e plantios consorciados com

leguminosas; aplicação de húmus, esterco e composto

orgânico; adubação verde; pastagem de animais em campos

de pousio; utilização de resíduos domésticos; restos de

capina; solos de formigueiros como fonte de fertilizantes; uso

de depósitos aluviais; uso de sedimentos e matéria orgânica

aquáticas; plantio de leguminosas em aléias; uso de folhas,

ramos e outros resíduos secos; utilização de cinzas da

vegetação; revolvimento superficial do solo; uso de forragens

naturais ou plantadas.

Inundação ou excesso

de água

Integrar a agricultura com

a oferta de água

Agricultura de campos elevados como canteiros flutuantes,

terraços, campos com drenos, waru-warus, diques etc., e/ou

uso de culturas adequadas para áreas alagadas.

Page 53: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

51

Excesso de água Dirigir e/ou drenar água

disponível

Controle do excesso de água mediante canais e pequenas

represas; campos submersos cavados até o nível de água

subterrânea; irrigação por micro-aspersão ou gotejamento;

irrigação de canais alimentada por lençol freático poços,

lagoas; cisternas e reservatórios.

Precipitação instável ou

insuficiente

Utilizar a umidade da

melhor forma possível

Uso de espécies e variedades de cultivo resistentes a seca;

aplicação de cobertura morta; uso de indicadores

meteorológicos; plantio misto no final da estação chuvosa;

cultivos com ciclos curtos de crescimento.

Temperatura ou

radiação solar extremas

Melhorar o micro-clima Redução ou intensificação do sombreamento; redução do

espaçamento das plantas; cultivos resistentes a sombra;

aumento da densidade das plantas; aplicação de cobertura

morta; manejo do vento com cercas vivas e linhas de árvores

como cordão de contorno; capina e aração superficiais;

cultivos intercalados; silvicultura; cultivos em aléias.

Incidência alta de

controladores naturais e

enfermidades

Proteger os cultivos,

reduzir ao mínimo as

probabilidades de

doenças

Reforço do plantio para permitir riscos; permissão do dano

por algumas enfermidades para seleção de espécies

resistentes; observação permanente dos cultivos; uso de

vertebrados para catação; uso de variedades resistentes;

cultivos consorciados; favorecimento do aumento da

população de controladores naturais; coleta manual; uso de

caldas naturais; plantio em épocas de baixo potencial de

problemas; uso de plantas aromáticas repelentes; pousio.

Fonte: Tabela adaptada pelo autor a partir da tabela presente em Altieri (1999, p. 106).

Todas essas práticas e conhecimentos da agricultura tradicional, dentre

muitas outras, fornecem uma gama de princípios que contradizem e subvertem

os que são impostos como o único caminho possível pelo modelo dominante

de produção nas sociedades atuais, onde, por exemplo, a produção agrícola é

desenvolvida a qualquer custo, desrespeitando os limites ambientais e

humanos, visando o consumo exacerbado e sem precedentes dos recursos

naturais, impondo a sua lógica reprodutiva de degradação em diversas esferas

da vida e a todos que estiverem suscetíveis a ela, transformando a natureza

em mera mercadoria. A multiplicação do saber elaborado a partir da agricultura

tradicional deve ocorrer o quanto antes, como forma de respeitar e conservar a

diversidade social, cultural e natural mantida por esses povos ao longo de

várias gerações, e que ainda podem contribuir com a construção de um

conhecimento que permita uma transformação efetiva nas sociedades

modernas, no caminho de atingirmos uma vida mais sustentável.

Page 54: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

52

Sociedades tradicionais podem ser definidas como ―[...] grupos humanos

diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reproduzem historicamente seu

modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação

social e relações próprias com a natureza‖ (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 27).

No Brasil, as populações e culturas tradicionais não-indígenas, de forma geral

são consideradas camponesas, fruto de intensa miscigenação ocorrida no

processo de formação do país entre povos nativos sul americanos, africanos e

europeus (DIEGUES, 2004, p. 14).

As comunidades tradicionais camponesas têm na figura do camponês

um ―artista‖20 que trabalha a terra e promove assim sua reprodução e seu

envolvimento com o mundo natural, gerando um saber com características

próprias. Consequentemente ele contribui para a sua formação social e cultural

nas sociedades em todo planeta ao mesmo passo que pode estimular o

aumento da diversidade biológica local e regional, proporcionando sua

conservação quando utiliza, para tanto, os princípios de uma agricultura

ecológica ancestral.

A cultura tradicional camponesa desenvolveu-se pelo território brasileiro

constituindo-se em várias formações socioculturais, conforme o modo de

relação com as características ambientais, locais e regionais. Contudo, a

agricultura camponesa no Brasil passa por um processo crescente de perda de

saberes tradicionais em função do avanço hegemônico do capital no campo

através do controle de grandes corporações multinacionais (GUTERRES, 2006,

p. 131).

20

Emprega-se aqui o termo com o sentido expresso pelo Médio Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa

(1980, p. 177) no que se refere à palavra Arte: S. f. 1. Capacidade que tem o homem de pôr em prática

uma idéia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria. 2. A utilização de tal capacidade com vista a

um resultado, que se pode alcançar por meios diferentes. 3. Atividade que supõe a criação de

sensações ou de estados de espírito, em geral de caráter estético, mas carregados de vivência íntima e

profunda, podendo suscitar em outrem o desejo de os prolongar ou renovar. 4. A capacidade criadora

do artista de expressar ou transmitir tais sensações ou sentimentos. [...] 9. Capacidade natural ou

adquirida de pôr em prática os meios necessários para obter um resultado. [...] (grifo nosso).

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53

Figura 02: Localização aproximada do território das populações tradicionais não-indígenas no

Brasil

Nota: As áreas mapeadas não representam a ocorrência exata das populações tradicionais não-indígenas, mas

porções de território historicamente ocupadas por elas (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 39, nota dos autores).

Fonte: Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil (2001, p. 39).

Como vemos no mapa, as populações tradicionais se distribuem pelo

território brasileiro nas mais distintas formações sócio-culturais, cada qual com

sua forma particular de se envolver com a natureza, produzir o seu

conhecimento e se reproduzir pelo trabalho. Em sua grande maioria elas são

formadas por camponeses, sobretudo por suas características de trabalhar a

terra, estar sujeita aos ciclos da natureza, ter a unidade familiar como forma de

organização social e serem sujeitos de seu trabalho. Em particular:

[...] São populações de pequenos produtores que se constituíram no

período colonial, frequentemente nos interstícios da monocultura e de

outros ciclos econômicos. Com isolamento relativo, essas populações

desenvolveram modos de vida particulares que envolvem grande

dependência dos ciclos naturais, conhecimento profundo dos ciclos

Page 56: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

54

biológicos e dos recursos naturais, tecnologias patrimoniais,

simbologias, mitos e até uma linguagem específica, com sotaques e

inúmeras palavras de origem indígena e negra. (DIEGUES, 2004, p.

14).

Para o presente trabalho, estamos pensando, de modo geral, em algumas

contribuições dessas distintas populações para a construção de um saber que

possibilite um envolvimento sustentável21 com a natureza. Outros fatores que

devem ser levados em consideração a essa generalização são: o fenômeno da

migração, cujo qual possibilitou a mescla de muitos desses saberes; e a

contribuição da ciência no resgate, aprimoramento e multiplicação desse

conhecimento a toda sociedade, em especial, por meio da agroecologia.

De acordo com Gonzáles (2009, apud HERCULANI, 2009, p. 13), os

valores culturais de uma região não estão apenas contidos na materialidade

histórica que a compõe, pois seus habitantes lhe conferem um caráter singular,

uma vez que a paisagem natural está indissoluvelmente ligada à paisagem

cultural e humana. As formações camponesas configuram uma ordem social e

ideológica onde, na relação entre as partes e o todo, o indivíduo é englobado

pelo todo (WOORTMANN, 1995, apud idem, ibid., p. 15).

O conhecimento tradicional é o meio de identificação cultural, pode-se

dizer que é a forma desenvolvida pela própria população para cumprir a função

social de ordenação e interação com o meio em que vivem (HERCULANI,

2009, p. 19). Essa forma de conhecimento geralmente é transmitida de forma

oral entre as diferentes gerações, podendo ser definido como o saber e o saber

fazer sobre a natureza e sobre os aspectos sobrenaturais (DIEGUES, 2000, p.

30, apud idem, ibid., p. 19). Seu conhecimento do tempo e do espaço é

profundo e já existia antes daquilo que convencionamos chamar de ciência

(MOURA, 1988, apud idem ibid.).

O resgate desses saberes tradicionais passa pela tomada de

consciência, onde haja uma identidade de classe social e uma valorização dos

recursos internos em que o cultural e o tradicional tenham um valor

imprescindível para qualquer processo de tomada de decisão para a

21

No sub-capítulo 4.4 faremos uma discussão mais aprofundada sobre o “envolvimento sustentável”.

Page 57: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

55

transformação da realidade em que vivem os camponeses. Alguns

pressupostos teóricos e metodológicos são necessários, como o resgate e a

reconstrução de valores éticos e culturais, na relação entre si e com a natureza

(GUTERRES, 2006, p. 133). Para Diegues (2000) o conhecimento tradicional e

o científico ocidental assemelham-se ao ter constatações empíricas. Contudo, o

conhecimento científico ocidental caracteriza a diversidade da vida como um

recurso componente do mundo chamado natural, e o tradicional não vê a

diversidade da vida como um recurso natural, mas sim como um conjunto de

seres vivos que tem um valor de uso e um valor simbólico.

Por essa perspectiva, os seres vivos pertencem a um território em que

se produzem as relações sociais e simbólicas. Portanto, não existe uma

natureza em si, mas uma natureza cognitiva e simbolicamente apreendida, pois

não existe uma natureza independente dos humanos. Os recursos, os

instrumentos e os humanos existem socialmente com a cultura. É o saber que

permite usá-los e é a cultura que lhes dá significado (WOORTMANN, 1997, p.

10). Porto Gonçalves (2005, p. 23) reforça essa idéia quando coloca que cada

sociedade possui sua própria idéia sobre o que seja a natureza, e afirma que

―[...] o conceito de natureza não é natural‖, sendo criado pelos humanos e

constituindo um dos pilares de sua cultura.

Cultura e agricultura estão diretamente relacionadas, pois o termo

cultura está historicamente associado ao sentido de cultivo da terra. Como

vimos acima no texto, os bens culturais na agricultura, e em qualquer outra

forma de expressão, compreendem uma dimensão material e outra imaterial, e

não podem ser entendidos de forma dissociada. Neles estão inclusos os

conhecimentos, inovações e práticas agrícolas detidos pelos agricultores

tradicionais, e são reconhecidas, por documentação elaborada por órgãos

institucionais oficiais22 e trabalhos de pesquisa correlatos, as suas

22

Constituição brasileira (art. 216); Dossiê elaborado em 2003 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN); Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR); Emissão de

Decretos Legislativos (n. 22/2006; n. 485/2006; n. 74/1977) e respectivos Decretos Presidenciais

(n.5.753, de 12/04/2006; n. 6.177, de 01/08/2007; n. 80.978, de 12/12/1977) para aprovação de

Convenções envolvendo o tema da Cultura (SANTILLI, 2009, p. 382-389).

Page 58: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

56

contribuições ao desenvolvimento sustentável23 (SANTILLI, 2009, p. 382-389).

Assim, podemos entender que o patrimônio cultural contido no saber

tradicional camponês proporciona uma importante contribuição para um novo

modo de se relacionar em sociedade e com a natureza. Porém, somente esse

saber não é capaz de promover todas as transformações necessárias para um

novo modo de vida, pois seria necessário modificar diversos padrões e

conceitos que embasam a sociedade atual, não só os relacionados à

agricultura. Contudo, a forma de agir e pensar proposta por esse paradigma

pode levar a uma sociedade mais solidária e sustentável com relação a suas

riquezas humanas e naturais.

Para Guterres (2006, p. 132) há a necessidade de um ―[...] resgate de

identidades locais, tradicionais e culturais de saberes populares‖ para que

possamos construir um envolvimento sustentável no interior das comunidades,

no qual o controle do processo de decisão seja dos grupos sociais locais,

contrapondo-se ao ―[...] avanço convencional ―modernizador‖ que se impõe e

coloca em risco o futuro do meio ambiente e da população‖ mundial (Idem,

ibid., grifo do autor). Ainda segundo o autor, faz-se necessário também a ―[...]

superação e substituição de razões de competição individualista, egoísta e

predatória, construída por uma doutrina econômica absoluta do capital, por

valores de solidariedade, cooperação e ajúda mútua‖ contidas no modo de vida

camponês (ibid., p. 133). Essas razões estéticas e externas que estimulam o

fetiche da mercadoria estão levando toda sociedade a um enfrentamento com a

natureza na tentativa fugaz de moldá-la ao seu interesse, criando uma crise

ambiental e social que leva milhões de camponeses à exclusão (Idem, ibid.). O

resgate do saber local tradicional camponês e sua reconstrução aliada ao

saber científico agroecológico, possibilita conservar as diversidades de vida e

de culturas para a superação desse modelo perverso e unilateral adotado pelas

sociedades modernas.

23

O conceito de “desenvolvimento sustentável” será discutido no capítulo 4 com ênfase no significado de

des-envolvimento no que tange a construção de um novo paradigma à conservação da diversidade

social, cultural e natural do planeta.

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57

3.2. O camponês e a terra

O camponês é um trabalhador rural, onde boa parte de sua produção

está voltada para o auto-sustento da família, e uma outra para o mercado do

sistema capitalista. Entretanto, suas relações de trabalho não visam

essencialmente à acumulação de capital, o que lhe confere características não

capitalistas (BOMBARDI, 2003). Contudo, o camponês não deixa de estar

inserido no modo capitalista de produção, já que sua reprodução se dá no

interior dessa realidade e parte do que produz é destinado ao mercado desse

sistema. Dessa forma, os camponeses são entendidos como uma classe social

deste modo de produção, denominada como campesinato (Idem, ibid.).

De acordo com Bombardi (2003) ―o capitalismo carrega consigo a

necessidade constante de sua reprodução, sua manutenção só se estabelece

reproduzindo também o processo de produção do capital‖. Segundo Oliveira

(1987, p. 11), o próprio capitalismo cria e recria relações não-capitalistas e

capitalistas de produção, possuindo, portanto, um processo contraditório

intrínseco a ele, e o campesinato deve ser entendido no interior dessa

contradição. Na relação capitalista dois elementos centrais se constituem: o

capital produzido e os trabalhadores destituídos dos meios de produção (Idem,

ibid.). Nesse contexto, a família camponesa não se configura como

essencialmente capitalista, pois possui maior controle sobre os meios de

produção e sobre o processo de trabalho, gozando de certa autonomia e

independência (HERCULANI, 2009, p. 12). Contudo, a produção do capital não

decorre de relações especificamente capitalistas de produção. O processo

contraditório de reprodução ampliada do capital redefine antigas relações de

produção como as camponesas, subordinando-as à sua reprodução e

engendra relações não-capitalistas igual e contraditoriamente necessárias à

sua reprodução (OLIVEIRA, 1987, p. 11-12). Para Bombardi (2003):

Neste sentido é possível compreender como o campesinato não só

perdura, mas se reproduz no interior do capitalismo. Esse processo

de reprodução do campesinato no modo capitalista de produção se

dá exatamente pela necessidade que o próprio capital tem de

Page 60: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

58

relações que não são capitalistas para o seu desenvolvimento. Assim,

a especificidade da produção camponesa [...] é que faz com que se

constitua em parte do capitalismo e por ele não seja destruída, mas

ao contrário, reproduzida: ―o objetivo da produção capitalista é a

acumulação, ao passo que o objetivo da economia camponesa é a

sobrevivência; portanto, fica claro que, no campesinato, como a

produtividade crescente não é o objetivo maior, não há sentido em

trabalhar mais...‖ (SHANIN, T. s/d: 4-5, apud Bombardi, 2003, grifo

nosso).

O excedente da produção camponesa é comercializado ou trocado com

o objetivo de obter os bens não produzidos, realizando para tanto, o trabalho

de acordo com suas necessidades, diferentemente do objetivo capitalista em

gerar lucro e não apenas mercadorias24 (BOMBARDI, 2003). Com isso, a forma

de produzir do camponês não objetiva especificamente a acumulação de

capital, e a apropriação da natureza dá-se exclusivamente para produção,

consumo e troca, processo denominado de divisão territorial de produção.

Assim, o meio natural é utilizado pelo camponês para sua subsistência, onde

dele retira os recursos para manutenção da vida (HERCULANI, 2009, p. 12).

Segundo Bombardi (2003):

Quando o camponês, lidando com o limite de sua sobrevivência e de

sua família, vende seus produtos por um preço por vezes inferior ao

gasto que ele teve, ele está na verdade transferindo parte de sua

renda para a sociedade como um todo (Oliveira, 1981), ou seja, o

capital está extraindo o seu trabalho excedente; é o que se chama de

sujeição da renda da terra ao capital.

A terra, embora não tenha valor, tem um preço no capitalismo. A compra da

terra permite ao proprietário o direito de cobrar da sociedade a renda da terra

24

A reprodução capitalista ampliada do capital implica na produção e circulação de mercadorias que

resulta na produção de mais-valia. O produto final do processo é a mercadoria, e nela está contida a

mais-valia gerada na produção e que só se realiza na circulação desta mesma mercadoria. Esta é

convertida em dinheiro por onde se dá a apropriação do trabalho social não pago (a mais-valia). A

rotação simplificada do capital se dá pela fórmula D-M-D (Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro). Todo

processo ocorre em quatro momentos distintos, mas articulados: produção imediata, distribuição,

circulação e consumo (OLIVEIRA, 1987, p. 28-30).

Page 61: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

59

que ela pode vir a dar (OLIVEIRA, 1987, p. 76). Portanto, a terra sob o

capitalismo é renda capitalizada. A sujeição da renda da terra ao capital

subordina a produção camponesa, especula a terra e sujeita o trabalho que se

dá na terra. Com isso ocorre a sujeição do campesinato ao capital sem que o

trabalhador seja expulso da terra e sem a expropriação de seus meios de

produção. O capital transforma a renda da terra camponesa em renda

capitalizada da terra (Idem, ibid., p. 11-13). Essa sujeição não ocorre de forma

direta, com trabalho assalariado ou extração de lucro, mas sim, de maneira

indireta, de sua renda ao capital (BOMBARDI, 2003). No capitalismo o

camponês tornou-se um produtor de mercadorias com grande capacidade

produtiva, mas não um assalariado ou um trabalhador a domicílio (OLIVEIRA,

1987, p. 68). Ele faz frente ao preço do arrendamento da terra, reduz o preço

dos produtos agrícolas e aumenta a produção de alimentos sem remunerar o

produtor com lucro. Como vimos, seu limite é a sobrevivência e, portanto, parte

de sua produção é consumida e o excedente comercializado. Assim, o

camponês possui uma fórmula simples de circulação – mercadoria-dinheiro-

mercadoria (M-D-M) – que lhe permite vender para comprar (Idem, ibid., p. 68).

Entender o camponês enquanto classe social criada e recriada no modo

capitalista de produção se faz muito importante, pois nos permite compreender

sua realidade hoje, assim como as transformações ocorridas nessa classe ao

longo do tempo. Também para demonstrar que sua vida não está totalmente

dissociada do mercado capitalista, apesar de ter formas de reprodução que não

visam essencialmente à reprodução do lucro. Entretanto, é na esfera da moral

camponesa que encontramos significativas contribuições ao presente trabalho,

pois nela encontramos um universo de valores diverso do das populações que

são essencialmente conduzidas pela lógica do capital, sobretudo no meio

urbano (BOMBARDI, 2003). Além disso, para analisar sociedades camponesas

que operam com outra lógica, faz-se necessário se desvencilhar de

explicações estritamente econômicas e ir a outros âmbitos. Apesar dos

camponeses terem grande inserção no mercado capitalista, não quer dizer que

isto seja o objetivo final de vida, mas sim um meio de sobrevivência (Idem,

ibid.).

Page 62: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

60

Na lógica e na simbólica camponesa os laços de solidariedade são

exaltados, fazendo com que a vida de um seja compartilhada com a de outro,

além de haver uma ética de equilíbrio da natureza no manejo da terra e o

princípio de reciprocidade entre as pessoas (Idem, ibid.; WOORTMANN, 2004,

p. 136; in: OLIVEIRA; MARQUES, 2004). O camponês repulsa o

individualismo, pois a vida em comunidade é um de seus valores, onde cada

sujeito toma para si as dificuldades e as conquistas do outro, tornando mútuas

as responsabilidades entre famílias (BOMBARDI, 2003). Assim, dentre as

populações camponesas:

A ordem moral está associada a uma sociedade em que os indivíduos

não são concebidos separadamente, em que fazem parte de um todo

e, este, igualmente, também não é concebido como a soma de cada

indivíduo, mas, ao contrário, pela relação que se estabelece entre

todos os membros que o formam. Nesta visão de mundo, expressa na

ordem moral, não cabe uma concepção "atomizada" de sociedade, ou

seja, todos os indivíduos de uma comunidade são co-responsáveis

uns pelos outros (BOMBARDI, 2003).

O conhecimento tradicional camponês traz consigo formas associativas

de relação entre as pessoas e o trabalho, não sujeitado, mas integrado com a

natureza e a sociedade. Ele possibilita a recriação de um tempo que se viveu

num dado espaço, conduzindo a uma vida menos fragmentada, de sentido

mais diverso e profundo, mesclando práticas sociais, culturais e econômicas,

dando sentido à existência dessa população ao mesmo passo que traz um

exemplo às sociedades modernas para um novo-velho modo de se relacionar

entre si e a natureza (SILVA, 2006, p. 100). Nesse sentido, é importante

ressaltar que a prática camponesa não se restringe a memória com uma

influência do passado, mas sim, ―trata-se de uma ordem moral, e este fato não

é resquício do passado, é presente, ainda que em um mundo ―tecnificado‖. Ou

seja, esta ordem moral só existe pois é indissociada da condição camponesa‖

(BOMBARDI, 2003, grifo nosso).

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61

Dentre os valores do camponês, a terra é seu maior patrimônio, e sua

manutenção é uma condição moral para a família tradicional camponesa, pois

possui valor simbólico e lugar onde se dá a reprodução de seu modo de vida.

Para ele as fronteiras são pormenorizadas, pois tudo ao seu redor representa o

seu lugar, o que lhe confere uma relação inerente ao meio natural

(HERCULANI, 2009, p. 11-17). O processo de trabalho agrícola camponês é

um processo de organização de espaços e combinação de espécies e

variedades vegetais, formando ecossistemas construídos com base em

modelos de saber e de conhecimento da natureza. Esse saber é mais do que

um conhecimento especializado para construir roçados. Ele é parte de um

modelo mais amplo de percepção da natureza e dos seres humanos

(WOORTMANN, 1997, p. 7).

O saber camponês transforma o mundo desconhecido num

ordenamento cognitivamente apreendido que se aproxima de um modelo

holístico, reproduzível pela transmissão e pelo aprendizado, permitindo ao

trabalho material transformar o meio natural em espaço de cultivo

(WOORTMANN, 1997, p. 11). Ao trabalhar a terra, o camponês realiza o

trabalho do saber, que juntamente com a produção de alimentos, produz

categorias sociais, pois o processo de trabalho, além de ser um encadeamento

de ações técnicas, é também um encadeamento de ações simbólicas, ou seja,

um processo ritual. Além de produzir cultivos, o trabalho camponês produz

cultura (WOORTMANN, 1997, p. 15). Nos versos de Vieira (2007, p. 40)

podemos mostrar características da cultura tradicional do camponês e a

importância de seu conhecimento:

Quem planta semeia a esperança

De ver a semente germinar

No ventre da Mãe terra

No riacho ao pé da serra

Brota o sonho sobre o ar. [...]

[...] As mãos recheadas de calo

Molda este arquiteto da vida

Artista em produzir comida

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62

Formado na arte de plantar

Lembro-me de ti todos os dias

És abençoado e nos traz a alegria

De ter o café, o almoço e o jantar.

Muitos te chamam de cafona

Talvez por não ter diploma

Julgam que não tem cultura

Esqueceram de tua função

Mestre em cultivar o Chão

É senhor na agricultura. [...]25

A produção camponesa tradicional familiar constitui-se como a

responsável por grande parte do cultivo de alimentos no mundo, não centrada

na extração de lucro e sim na sobrevivência e reprodução da família. Suas

estruturas simbólicas estão baseadas no trabalho familiar dando sentido à sua

vida cotidiana. Os camponeses possuem autonomia em suas unidades de

produção agrícola, onde constroem com liberdade o seu tempo e o seu espaço

através do trabalho familiar (BOMBARDI, 2004, p. 51-60).

Essa autonomia não representa, contudo, uma forma de produção

baseada no individualismo, mas sim em valores comunitários que enaltecem o

indivíduo enquanto sujeito social. Essa desigualdade individual intrínseca as

pessoas pode ser considerada como uma riqueza recíproca que completa um

todo coletivo, onde cada sujeito contribui com sua sabedoria, de forma que esta

diversidade constitui-se como base para a solidariedade, que, por exemplo,

compõe os valores camponeses e permite maior equidade entre eles (FABRINI;

MARCOS, 2010, p. 31). Dessa forma, o camponês pratica princípios de

cooperação que estão intrínsecos ao seu modo de vida e nos mostra uma

possibilidade de viver e evoluir enquanto sociedade.

3.3. Migração cultural camponesa

Como visto, a relação de integração do camponês com a natureza é

25

Sustento da Nação (VIEIRA, 2007, p. 40).

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63

intrínseca ao seu conhecimento ancestral e o acompanha, como veremos, seja

onde se dá a reprodução de sua vida. Sabe-se que o fenômeno da migração

pelo território brasileiro atingiu grande parte da população camponesa,

sobretudo com destino às cidades. Esse fenômeno ocorreu, sobretudo,

promovido pela lógica capitalista no campo através da implantação em larga

escala de monoculturas que submeteram a renda da terra ao capital,

favorecendo assim o êxodo rural (GLIESSMAN, 2005, p. 48). A produção de

alimentos a partir da lógica das monoculturas é desconexa dos princípios de

manejo sustentável agrícola, ao mesmo passo que é excludente, pois retira das

populações camponesas a autonomia de pensar, levando-os muitas vezes a

migrar para uma realidade distinta, onde a manipulação pode suprimir seus

valores culturais e sociais de integração (Idem, Ibid.), como será colocado

adiante no texto. Conforme expõe Oliveira (1987, p. 11):

[...] O camponês deve ser visto como um trabalhador que, mesmo

expulso da terra, com freqüência a ela retorna, ainda que para isso

tenha que (e)migrar. Dessa forma, ele retorna à terra mesmo que

distante de sua região de origem. É por isso que boa parte da história

do campesinato sob o capitalismo é uma história de (e)migrações.

Portanto, em particular, podemos inferir que parte das populações

tradicionais camponesas também se deslocou pelo território e se fixou ora em

outros lugares do campo, ora nas cidades. Tem-se que considerar ainda, que a

migração não é somente um deslocamento pelo território, mas também uma

movimentação nas relações sociais. As pessoas do campo se deslocam e

carregam consigo um conhecimento adquirido em suas atividades cotidianas,

onde há solidariedade entre elas e integração ao meio natural. É comum que

elas tenham a propensão de permanecer com seu meio de reprodução de vida

onde estiverem, pois não se pode arrancar isso delas, mesmo após muitos

anos, pois como exposto acima, a moral camponesa compõe sua realidade.

Segundo Hermilio Eduardo Pretto (2008, apud SILVA, 2006, p. 98),

existe ainda uma mobilidade simbólica que não se perde, mas que são

flexibilizadas numa unidade dinâmica. No caso de um desejo ou mesmo

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64

efetivação de uma vida estável, os valores simbólicos podem ser mantidos e

transmitidos de geração a geração. O que ocorre geralmente é um trabalho de

convencimento para que essas pessoas achem que seu modo de pensar é

atrasado e ineficiente para a vida moderna regida sob o capitalismo e o

abandonem sistematicamente (SILVA, 2006, p. 98). A produção de idéias

dentro do sistema capitalista é permeada de valores advindos do modo de

produção que ―[...] marca tanto o senso comum quanto o conhecimento

científico‖ e possibilita a ―[...] coisificação das relações sociais e da

desumanização do homem‖ (MARTINS, 1993, p. 09). A partir dessa reflexão é

possível inferir que a alienação causada pelo capitalismo subjuga quem não é

capitalista e direciona a sociedade a um conservadorismo reacionário. Partindo

desses pressupostos, Martins (1993, p. 10) coloca que ―[...] hoje o saber do

capitalismo é produzido, regulado e consumido basicamente pela pequena-

burguesia‖ para favorecer-lhes individualmente.

Nesse contexto, o migrante é forçadamente desenraizado, e sua

participação agora se apresenta como uma ―inclusão excludente‖ (SILVA, 2006,

p. 97, grifo nosso). Para uma transformação no modo de vida, não se deve

suprimir um conhecimento tão rico em qualquer sociedade, pois ele traz

informações preciosas de como podemos nos relacionar uns com os outros e

com nossos recursos naturais sem que haja necessariamente uma degradação

generalizada como a que vivenciamos na atualidade. Apesar de trazerem

consigo ao novo lugar um aporte de saberes e experiências criados em um

outro meio, eles podem ser de grande valia ao camponês em sua nova

realidade e para a sociedade local. Pode ocorrer uma troca mútua de

conhecimentos entre aqueles que acolhem, respeitam e reconhecem que isto

enriquece a (trans)formação daquele espaço e do migrante camponês que

possui como característica cultural formas associativas de se relacionar,

conforme colocado acima no texto. Portanto, os elementos de uma ―migração

cultural‖, aqueles que se referem à cultura de origem do migrante, também

migram com ele (MARTINS (1998, apud SILVA, 2006, p. 98, grifo nosso).

Realizar um resgate cultural camponês em outro contexto social, que na

maioria das vezes é uma cidade, uma realidade distinta, que insiste em destruí-

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65

lo e isolá-lo, seria ―seguramente um componente de resistência‖ nesse novo

lugar, dada a integração excludente que normalmente se dá, e visa sempre a

manipulação cultural dessa população migrante, sobretudo através dos meios

de comunicação de massa (Idem, ibid., grifo do autor). Isso ocorre porque ―os

camponeses são guiados por uma lógica que se inscreve no plano moral,

[pautada por relações de solidariedade e integração, e] a tentativa [da lógica

capitalista que preza pela mercadoria] de subversão desta ordem [moral], que é

assentada no direito das pessoas, e não das coisas, é encarada [pelo

capitalismo] como a instauração do ―demônio na sociedade‖‖ (BOMBARDI,

2003, grifo nosso), ou seja, como algo deturpador da lógica de ordem

econômica capitalista. Dessa forma estaríamos diante de um ―novo

colonialismo‖, uma ―colonização das mentalidades‖ (MARTINS 1998, apud

SILVA, 2006, p. 98, grifo nosso).

Contudo, na medida em que essas populações camponesas têm a

possibilidade de interagir, principalmente no meio urbano, mas também no

rural, através de relações de trabalho ou na própria comunidade onde estão,

seu conhecimento cria um elo comum entre elas, suas representações são

partilhadas e ocorre um processo de re-significação, adaptação e resgate

cultural no processo de sua espacialização, o que pode se caracterizar como

um grande ponto de enfrentamento a manipulação capitalista (SILVA, 2006, p.

93-99). Em âmbito rural, mas em particular no urbano, o saber tradicional

seguiu junto ao camponês, e de alguma forma permeia todas as esferas de sua

vida, transformando sua realidade no novo lugar e, porque não, também do

local onde se dá agora sua reprodução. Assim, ―quando a população reage no

meio urbano com a sua própria cultura arcaica e agrária, ela está se recusando

a essa manipulação‖ (MARTINS 1998, apud SILVA, 2006, p. 98, grifo do autor).

A manutenção e o resgate das práticas tradicionais camponesas e a

extensão de seus princípios de sustentabilidade à população como um todo

podem permitir uma conservação da diversidade social, cultural e natural mais

eficiente e promover uma transformação necessária em nossa sociedade. As

pessoas de comunidades tradicionais camponesas que migram pelo território

brasileiro levam consigo um velho-novo olhar de relações equânimes em

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66

sociedade e com os recursos naturais. As populações tradicionais carregam um

aporte cultural do campo com sua migração e ainda mantêm de alguma forma

seus princípios e valores camponeses de vida e cultivo nas cidades e no

próprio campo. O fenômeno da migração dessas populações favoreceu o

enriquecimento social, cultural e natural nos espaços habitados por elas. Com

uma troca de conhecimentos e valorização desse saber podemos construir

uma nova realidade pautada pela integração entre sujeitos e o com o meio.

O modo de vida tradicional se caracteriza por uma sociabilidade

territorializada, preferencialmente em escala local, informada por um

sentimento de pertencimento ao lugar. Porém, na realidade brasileira,

a territorialidade camponesa também pode se projetar sobre um

espaço mais amplo, a partir da constituição de uma rede familiar

extensa, como é comum ocorrer entre camponeses migrantes. Nesse

caso, os vínculos comunitários de origem passam a dialogar com

outras formas de sociabilidade, encontradas no local de destino, seja

ele rural ou urbano (MARQUES, 2004, p. 153, in: OLIVEIRA;

MARQUES, 2004).

A reflexão aqui apresentada se faz ainda mais necessária, pois no

capítulo cinco trataremos de uma experiência de resgate do saber tradicional

associado ao saber agroecológico que se dá com uma população de migrantes

do campo que hoje vive na cidade. Eles carregam consigo muitas experiências

do campo e do conhecimento tradicional camponês que os proporciona uma

forma de se reproduzir e se integrar através de suas práticas agrícolas

ancestrais em uma área de preservação ambiental.

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67

4. Diálogo de saberes à conservação cultural e natural_________________

4.1. Premissas a um paradigma de conservação

A relação humana com a natureza teve significativas mudanças a partir

do momento em que a ciência cartesiana foi ganhando espaço como aquela

que contém a verdade única perante o mundo, e através de seus

ensinamentos, o modo de ser, de produzir e de viver em sociedade teve

profundas transformações. De acordo com Porto Gonçalves (2005, p. 33) o

caráter pragmático que o conhecimento adquire e o homem como o centro do

mundo, são aspectos essenciais que marcam a filosofia cartesiana.

Progressivamente essa ciência fundamentou-se em leis universais imutáveis

com o intuito de tentar responder à complexidade da natureza ―através de seu

arcabouço teórico pragmático e instrumentalizado‖ (MELO, 2006. p. 73). É

importante salientar, assim como assinala Melo (2006), que:

Não se trata de desmerecer o paradigma cartesiano-newtoniano, pois

o seu reconhecimento de certos problemas é legítimo; entretanto, é

importante ressaltar a sua limitação: ao separar o sujeito do objeto,

dividindo matéria e espírito e apoiando-se na unidimensionalidade

científica (como a única forma legítima de conhecimento), torna-se

insuficiente para tratar a complexidade ambiental [...] [e] para captar

as multidimensões físicas, biológicas, sociológicas, culturais,

antropológicas, históricas, econômicas e espirituais daquilo que é

humano e complexo por definição (p. 73-74).

No que tange à conservação da natureza segundo esse paradigma,

Diegues (2000, p. 14) coloca que:

Os modelos de ciência para a conservação têm sido marcados pelo

reducionismo metodológico, tanto entre as ciências naturais quanto

entre as sociais. Desde o século XVII, a investigação científica foi

marcada pelo paradigma cartesiano ou pelo positivismo/racionalismo.

Essa ciência tenta descobrir a verdadeira natureza da realidade a fim

de predizer e controlar os fenômenos naturais. Os cientistas

Page 70: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

68

acreditam que estão separados dessa realidade e por isso são

objetivos. O reducionismo positivista tenta desagregar a realidade em

componentes para reordená-los posteriormente como generalizações

ou leis.

O contínuo questionamento das civilizações humanas frente à sua

relação com o planeta foi, de certa maneira, tornando-se equivocadamente

unilateral, na medida em que as inovações tecnológicas tornaram-se o ponto

principal às soluções dos problemas ambientais (BENSUSAN, 2006, p. 11).

Com isso, as pessoas passaram a não mais ser consideradas como parte da

natureza e suas ações passaram a ser unilaterais, baseadas nos avanços

tecnológicos, visando apenas o benefício individual segundo premissas

capitalistas modernas. ―A idéia de uma natureza objetiva e exterior ao homem,

o que pressupõe uma idéia de homem não-natural e fora da natureza,

cristaliza-se com a civilização industrial inaugurada pelo capitalismo‖ (PORTO

GONÇALVES, 2005, p. 35). Acerca da dicotomia homem-natureza, segundo

Melo (2006, p. 41):

Tal relação tornou-se nefasta para o ambiente quando a sociedade

subordinou a natureza a uma lógica mercadológica. Esse processo

de separação entre individuo e natureza, não a reconhecendo como

legítima mas como um recurso, juntamente com as possibilidades

acumuladas pela técnica e pela ciência, conduziu a um processo de

crescimento industrial desordenado, intensificando os problemas

ambientais, que atingem hoje um largo espectro, desde a dilapidação

dos ecossistemas até o aumento da criminalidade.

No paradigma capitalista de produção, a diversidade se contrapõe à

produtividade, gerando um cenário paradoxal onde se destrói a biodiversidade

necessária para a manutenção do próprio modo de produzir as novas

tecnologias, ameaçando a sustentabilidade dos ecossistemas (SHIVA, 2003, p.

160). Hoje a relação com as formas de vida em todo planeta é de exploração e

destruição, onde as pessoas reduzem o mundo natural a entornos

domesticados com monoculturas e a lugares desertos aplainados consagrados

Page 71: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

69

em edificações. Entretanto, as intervenções humanas quase nunca realizam

suas expectativas: os campos se empobrecem, os pastos secam, suas cidades

entram em colapso, e ainda há sempre o desejo nas pessoas de ir além

(DEAN, 1996, p. 24), forjada no papel de uma ―evolução‖ que têm por traz os

interesses capitalistas de produção.

Por exemplo, o capital criou formas de subordinar a produção no campo

a seus interesses através da sujeição da renda da terra de forma indireta com a

implantação de agroquímicos na agricultura, com o discurso de ―melhorar‖ os

cultivos e aumentar a produtividade, proporcionando uma dita ―evolução‖ na

produção agrícola. Na realidade o que se vê, neste caso, são a formação de

oligopólios exercidos por empresas transnacionais do setor agroquímico, a

multiplicação de monocultivos no campo e a subordinação dos camponeses

aos ditames do modo capitalista de produção. No Brasil, por um lado

aumentou-se o lucro dessas empresas com a venda de agrotóxicos em 140%

entre 1990 e 2008, e de outro, houve 62 mil intoxicações por uso desses

produtos agrícolas entre 1999 e 2009, ou seja, o detrimento do trabalhador

camponês junto a toda sociedade em benefício do capital (BOMBARDI, 2011,

p. 01-06). Assim:

Arriscar tanto, nos nossos esforços destinados a moldar a Natureza

de acordo com a nossa satisfação e a nossa conveniência, e, ainda

assim, acabar fracassando, sem atingir o nosso objetivo, seria, na

verdade, a ironia final. Contudo, ao que parece, esta é a nossa

situação. A verdade raramente mencionada, mas existente, para ser

vista por qualquer pessoa que deseje vê-la, é a de que a Natureza

não é facilmente moldável [...] (CARSON, 1964, p. 251).

As formas de conservação da natureza devem basear-se em algo além

do auto-interesse humano com uma compreensão mais profunda sobre o

mundo natural e sobre as populações que ali estão integradas de forma

relativamente equilibrada (DEAN, 1996, p. 24). O pensamento predominante

ocidental moderno ao se relacionar de uma forma quase que imperceptível com

a hegemonia do desenvolvimento econômico capitalista que rege as ações nas

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70

sociedades, se tornou parte de um processo de legitimação mais efetivo para a

homogeneização do mundo e da degradação de sua riqueza natural e cultural

(SHIVA, 2003, p. 81). Em concordância ao que coloca Porto Gonçalves (2005,

p. 28):

[...] Quando afirmamos que é o pensamento no Ocidente, queremos

deixar claro que a afirmação desse pensamento – que opõe homem e

natureza – constitui-se contra outras formas de pensar. Não devemos

ter a ingenuidade de acreditar que ele se afirmou perante outras

concepções porque era superior ou mais racional e, assim,

desbancou-as. Não, a afirmação desta oposição homem-natureza se

deu, no corpo da complexa História do Ocidente, em luta com outras

formas de pensamento e práticas sociais. Ter isso em conta é

importante não só para compreender o processo histórico passado,

mas, sobretudo, para compreender o momento presente. [...]

O imperialismo que faz parte do impulso do desenvolvimento capitalista

também faz parte do saber globalizante ocidental no qual o paradigma

desenvolvimentista está enraizado, cujo qual deriva sua argumentação lógica e

sua legitimação, subjugando todas as outras formas de saber e tornando-o

unilateral e antidemocrático (SHIVA, 2003, p. 81). De acordo com Latouche

(1994, p. 11-13):

Hoje, e amanhã mais ainda, o mundo é convocado a viver de maneira

uniforme [...]. A mundialização contemporânea das principais

dimensões da vida não é um processo ―natural‖ engendrado por uma

fusão de culturas e de histórias. Trata-se ainda de dominação, com

suas contrapartidas, sujeições, injustiças, destruição [...] (grifo do

autor).

A idéia de criar áreas especialmente protegidas para conservação da

natureza surge, associada ao paradigma cartesiano e a valores ocidentais,

num contexto de consumo e desperdício de recursos naturais em ascensão,

desenfreado, durante o século XIX (BENSUSAN, 2006, p. 13). Em algumas

regiões do mundo o estabelecimento dessas áreas veio com o discurso de

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71

conservar o que ainda resta da natureza ―intocada‖ no planeta. O pensamento

sistêmico traz um olhar científico para a realidade que se contrapõe ao

pensamento cartesiano-reducionista, cerne da dissociação homem-natureza.

De acordo com a visão sistêmica, propriedades essenciais de um organismo

são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui em si, pois elas

surgem das relações e interações entre as partes. Ao contrário do pensamento

cartesiano, essas propriedades são destruídas caso o sistema seja dissecado,

física ou teoricamente, em elementos isolados, pois sua soma não constitui

mais a natureza do todo (CAPRA, 1996). Esse método científico pode contribuir

ao propósito de entender o homem como parte da natureza, mas existem

ressalvas.

Porto Gonçalves (2005, p. 60), alerta que ao tornar tudo um sistema

pode-se estar criando um novo reducionismo, onde se desconsidera a

importância das particularidades individuais que constitui o todo desse sistema,

voltando o olhar apenas para uma teoria geral holística. Segundo o autor, há

que se considerar que os ―[...] sistemas existem sob determinadas condições e

não sob qualquer condição‖ (Idem, Ibid.). Dessa forma não se percebe que os

sistemas se transformam e que possuem relações dinâmicas internas

ocasionadas pela integração de seus constituintes (Idem, ibid.). Esse raciocínio

permite ao leitor um cuidado para não inferir que no decorrer do presente

trabalho estejamos sinalizando a um ―sistemismo‖, como coloca Porto

Gonçalves (2005), mas sim para trazer um olhar onde o humano seja

constituinte da natureza e que com suas particularidades integre a dinâmica

desse todo.

A princípio a criação de áreas especialmente protegidas, como veremos

no próximo item, não levou em consideração a importância da presença

humana no interior desses locais26, que ali vivem há diversas gerações como

parte integrada do mundo natural e estimuladores da diversidade da vida, e o

saber tradicional perdeu seu espaço e sua credibilidade dentro da própria

comunidade. Também não atentaram ao fato de que é praticamente impossível

afirmar que nunca houve ou há algum grau de intervenção humana em

26

Posteriormente no texto veremos que ocorreram algumas inovações com relação a atividades humanas

em áreas especialmente protegidas em âmbito mundial e nacional.

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72

qualquer parte do planeta, seja de forma direta, como com o cultivo da terra, ou

indireta, como com a poluição do ar (DEAN, 1996, p. 31).

Ao longo do tempo essas populações criaram uma integração com o

meio natural e produziram sua cultura ao se reproduzirem nesses espaços.

Grande parte delas são formadas por camponeses que ao se relacionar de

forma íntima com a natureza, construíram um conhecimento especialmente

rico, transmitido ao longo de gerações. Este saber tradicional possibilitou uma

vida pautada por uma ordem moral onde as relações são mais solidárias entre

os camponeses e sustentáveis com os recursos naturais, como trouxemos ao

longo do texto e aprofundaremos a seguir.

4.2. O contra-senso da conservação em áreas especialmente protegidas

O estabelecimento de espaços protegidos se inicia através da criação de

parques nacionais baseados no modelo criado nos Estados Unidos27, em áreas

onde ocorra uma bela paisagem cênica supostamente intocada por sociedades

humanas e exista a necessidade de proteção aos estoques de recursos

naturais (BENSUSAN, 2006, p. 12). Nessas áreas a presença humana seria

controlada e jamais haveria populações residentes dentro delas. Nesses locais,

as pessoas são tidas como uma ameaça frequente à conservação da natureza

e nunca como parte integrante (e estimulante) da biodiversidade (Idem, ibid. p.

14).

Ainda no inicio do século XX, os parques nacionais não tinham

definições mundialmente aceitas. A União Internacional para a Conservação da

Natureza (IUCN), criada em 1948, estabeleceu em 1960 a Comissão de

Parques Nacionais e Áreas Protegidas, com o intuito de promover, monitorar e

orientar o manejo dos espaços protegidos. Após dois anos, aconteceu em Bali,

Indonésia, o 3º Congresso Mundial de Parques Nacionais, onde se iniciou a

discussão sobre a conservação da natureza e sua relação com o

estabelecimento de populações locais em áreas protegidas. Nesse mesmo

27

Parque Nacional de Yellowstone, primeiro a ser criado, foi estabelecido em 1872 com o objetivo de

preservar suas belas paisagens “intocadas” para as gerações futuras (BENSUSAN, 2006, p. 13, grifo

nosso).

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73

evento, passou-se a pensar também na redução do consumo mundial assim

como na melhoria de vida das pessoas em países pobres, pois apenas assim

teria sentido as estratégias de conservação. Porém, foi apenas no 5º

Congresso Mundial de Parques, realizado em Durban, África do Sul, em 2003,

que a conservação da biodiversidade foi fundamentada na relação áreas

protegidas e populações humanas, levantando-se alguns pontos como linhas

de ação (Idem, ibid., 2006, p.15).

Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada no Brasil em 1992, a Organização das Nações

Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) adotou e inseriu a

categoria ―paisagem cultural‖28 na lista de patrimônios mundiais como forma de

valorizar todas as inter-relações entre seres humanos e meio ambiente, entre o

natural e o cultural (SANTILLI, 2009, p. 390, grifo do autor). Esta categoria

aparece neste contexto como uma outra forma de criar espaços à conservação

da biodiversidade e dos recursos naturais onde haja reconhecidamente um

valor universal com capacidade de ilustrar elementos culturais de uma região.

No que tange a agricultura, em 2002 a Organização das Nações Unidas

para a Agricultura e Alimentação (FAO) iniciou um programa global para a

conservação e o manejo de sistemas agrícolas tradicionais, de rica diversidade

biológica e cultural associadas chamado de Sistemas Engenhosos do

Patrimônio Agrícola Mundial (GIAHS)29. Este programa visa identificar, definir e

apoiar as formas de conservação e manejo de tais sistemas agrícolas em

favorecimento dos agricultores, criar vínculos com o patrimônio cultural e

fornecer subsídios para a criação de áreas especialmente protegidas

destinadas a conservação da agrobiodiversidade. Ainda assim, apenas

duzentas áreas agrícolas foram estabelecidas, e somente cinco foram

selecionados como piloto para o programa em todo mundo (SANTILLI, 2009, p.

395-398). Perante a existência de uma série enorme de práticas agrícolas

tradicionais existentes em todo planeta essa iniciativa, apesar de ser bastante

28

“[...] O conceito de paisagem cultural abarca também as ideias de pertencimento, significado, valor e

singularidade do lugar” (SANTILLI, 2009, p. 390). 29

GIAHS é a sigla em inglês para Globally Important Agricultural Heritage Systems (SANTILLI, 2009,

p. 395).

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74

interessante, ainda é muito incipiente para uma questão de extrema urgência.

No Brasil, a criação de espaços especialmente protegidos foi introduzida

na legislação do país através do decreto nº 23.793 de 1934 pelo antigo Código

Florestal. O Parque Nacional de Itatiaia foi o primeiro parque brasileiro criado

em 1937 seguindo o modelo Norte Americano de conservação. Com a

Constituição Federal de 1988, em seu artigo sobre meio ambiente (art. 225), o

país concebeu o projeto de Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(SNUC). Após oito anos de inúmeras tramitações, o projeto foi aprovado no

Congresso em 18 de julho de 2000 (Lei nº 9.985), ainda que com alguns vetos

do presidente da República, sobretudo no que tange à definição de populações

tradicionais (BENSUSAN, 2006, p. 19).

O SNUC divide em dois grandes grupos as categorias de Unidades de

Conservação (UCs), sendo elas de proteção integral ou de uso sustentável. O

primeiro é constituído exclusivamente por terras de domínio público, devendo

as terras privadas existentes em seus limites ser desapropriadas. Essas

unidades têm por princípio manter o ecossistema livre de interferência humana,

admitindo apenas uso indireto de seus atributos naturais, ou seja, sem causar

alterações significativas em sua configuração. O segundo grupo é constituído

por terras públicas ou privadas e têm por princípio o uso dos recursos naturais

renováveis existentes na área em quantidades ou com intensidade compatível

com sua capacidade de renovação (CABRAL, SOUZA, 2002; SÃO PAULO,

2006).

Dentre as unidades de conservação de uso sustentável, a Área de

Proteção Ambiental (APA) terá maior relevância para este trabalho no que

tange ao capítulo cinco, onde faremos uma reflexão sobre práticas

agroecológicas em comunhão com o saber tradicional camponês em uma

unidade desta categoria. Como características, essas unidades em geral

possuem áreas extensas com certo grau de ocupação humana, dotadas de

atributos abióticos e bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes

para a qualidade de vida e/ou bem estar das populações humanas, tendo como

objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o uso do solo e

assegurar a sustentabilidade no manejo dos recursos naturais (DIEGUES;

Page 77: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

75

VIANA, 2004, p. 160; SÃO PAULO, 2006, p.126).

Pelo SNUC não foi estabelecida nenhuma categoria de unidade de

conservação especificamente direcionada à conservação e ao manejo

sustentável da agrobiodiversidade realizada pelas populações tradicionais

camponesas. A criação de uma categoria dessa conjuntura seria uma forma de

promover nessas áreas a diversidade agrícola, garantir a segurança alimentar

e nutricional de toda população, e regularizar a situação fundiária das terras em

seus limites, beneficiando os agricultores tradicionais e seus sistemas de

cultivo. Seria importante que tal categoria de unidade de conservação fosse de

uso sustentável, com o intuito de que seja reconhecido o papel dos agricultores

no manejo da biodiversidade agrícola. Entretanto, independentemente da

criação de desse tipo de categoria é importante utilizar melhor as unidades de

conservação já existentes (SANTILLI, 2009, p. 400-407).

Baseados no conceito preservacionista da natureza, no qual se

fundamenta a criação de áreas protegidas, Terborgh e Peres (2002) colocam

sua posição com relação à presença de pessoas residentes em unidades de

conservação:

Muitas pesquisas confirmam que os seres humanos e a natureza são

incompatíveis, exceto onde os humanos praticam um estilo de vida

pré-moderno de baixo impacto, em densidades que não sejam

maiores que poucos indivíduos por quilômetro quadrado. As pessoas

causam danos aos sistemas ecológicos através de limpeza da terra,

caça, pesca, perseguição a predadores e comercialização de

recursos naturais (TERBORGH; PERES, 2002, apud TERBORGH et.

al. 2002, p. 334).

Esse modelo preservacionista defendido por esses autores muitas vezes

acaba sendo reducionista e unilateral. Ele traz o problema apenas para a

atualidade e não leva em conta que em praticamente todos os lugares da Terra

já ocorrera à presença de populações humanas (DIEGUES, 2000). Também

não considera as pessoas como parte intrínseca da natureza, muitas vezes

mantenedora e estimuladora da biodiversidade. Coloca com certo preconceito

a existência de sociedades com modo de vida não ocidentalizado, como se

Page 78: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

76

fossem inferiores a essa cultura. Contraditoriamente, os danos causados aos

sistemas ecológicos conforme descrevem esses autores são, em grande parte,

ocasionados por suas próprias formas de vida, baseadas na cultura ocidental

de desperdício e consumo exacerbado. Temos então uma nova-velha forma de

expropriação, pois:

[...] Se antes os desbravadores do Brasil dizimaram populações e

grupos inteiros de povos da floresta em prol da exploração econômica

dos recursos naturais, hoje, em alguns casos, utiliza-se das mesmas

estratégias para o caminho inverso, sua conservação, ou melhor: sua

preservação (BACELAR; SILVA, 2008).

A conservação de uma área ecologicamente rica e diversificada só tem

sentido igualmente nas culturas ocidentalizadas. Uma sociedade tradicional

hipotética, por exemplo, sequer se colocaria tal problemática por ter essa

cultura uma outra forma de produção e de relação com a natureza

(VESENTINI, 1989). ―Toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma

determinada idéia do que seja a natureza. Nesse sentido, o conceito de

natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens‖

(PORTO GONÇALVES, 2005, p. 23). Conforme exposto no sub-capítulo

anterior, o problema da inadequação desse modelo de conservação é apenas

uma parte da questão maior que é a visão de natureza separada das pessoas,

estabelecida pela sociedade moderna, e que está no âmago das relações por

esta desenvolvida. Nesta sociedade a preocupação com os recursos naturais

aparece com mais ênfase no limiar do segundo milênio, onde muitos processos

de degradação ambiental tomaram caráter irreversível e preocupante às futuras

e atuais gerações. Cada povo se relaciona com a natureza por sua forma de

interpretá-la, estabelecendo-se no interior dessas sociedades, tanto quanto as

relações sociais. A forma como a sociedade pensa a natureza legitima suas

ações (SILVA, 2008, p. 165).

Para Pereira e Diegues (2010, p. 46) devemos considerar que as

práticas conservacionistas não são representadas pelas populações

tradicionais da mesma forma como são difundidas nas sociedades urbanas

Page 79: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

77

ocidentais, a fim de evitar interpretações generalizadas que ocasionem um

entendimento equivocado sobre a percepção dessas populações perante a

natureza e seus recursos. Com isso:

Pode-se ter práticas culturais conservacionistas sem uma ideologia

conservacionista. Neste caso, temos populações que, sem ter uma

ideologia explicitamente conservacionista e que, não obstante,

seguem regras culturais para o uso dos seus recursos naturais de

maneira sustentável (ALMEIDA; CUNHA, 1999, p. 1, apud PEREIRA;

DIEGUES, 2010, p. 46).

A criação de áreas naturais protegidas em territórios ocupados por

populações tradicionais é considerada por elas como uma usurpação de seus

direitos pelo uso da terra onde se realiza seu modo de vida. Este fato torna-se

ainda mais grave devido a criação desses espaços em favorecimento de

sociedades que se desenvolveram pela degradação da natureza e o uso

insustentável dos recursos naturais. As populações tradicionais que são

transferidas ou passam a ter sua vida regrada por um modelo de

desenvolvimento unilateral urbano-industrial que impulsionou a criação dessas

áreas protegidas ficam restritas às novas imposições determinadas nesses

espaços em detrimento de seu modo natural de se relacionar com o meio

(DIEGUES, 2004, p. 65). Outra questão atual é o aumento da população no

interior de unidades de conservação e o impacto causado por suas novas

formas de vida adotada do mundo ocidental urbano-industrial, em particular, no

que tange a práticas agrícolas modernas. Hoje, com a alteração da vida das

populações tradicionais camponesas, sobretudo devido a perca de seu meio de

existência com a criação de áreas protegidas, essas populações muitas vezes

se vêem sem perspectivas e são sujeitadas de forma mais incisiva pelo modo

capitalista de produção, distanciando-se cada vez mais de sua história. Ainda

assim, embora os camponeses estejam aderindo às tecnologias capitalistas na

produção agrícola e no consumo de mercadorias, ―a lógica que lhes preside a

vida não é a lógica da sociedade de mercado‖ (BOMBARDI, 2003). Assim:

―[...] O modo de vida camponês não foi substituído por um

Page 80: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

78

determinado comportamento ―moderno‖ derivado das práticas

mercantis. A cultura camponesa não é avessa às mudanças da base

técnica. Há centenas de anos que os camponeses vêm modificando

essa base.‖ (MAZOYER; ROUDART, 2001, apud FERNANDES,

[2004?], p.17, grifo do autor).

A lógica de mercado objetiva o lucro, e sua prática distingue-se da

concepção holística de mundo que muitos camponeses tradicionais possuem. A

lógica camponesa permite ao camponês a compreensão de que no mercado ―o

negócio envolve um ganhar e o outro perder, e, neste sentido, seria

extremamente desonroso ter ganho sobre quem é igual‖ (BOMBARDI, 2003).

O problema do adensamento humano em áreas protegidas e suas novas

formas de vida, não irá se resolver com restrições excessivas de uso e

expulsões das pessoas de seus lares, como proposto por esse modelo de

conservação. Ao contrário, deve-se mostrar que essas pessoas são parte da

diversidade biológica, o quão importantes são para esses ecossistemas e

estimular a continuidade de sua cultura, deixando claro que seu estilo de vida é

tão bom – senão muito melhor – do que os pertencentes às populações

desenvolvidas estritamente pelo modo capitalista de produção (DIEGUES;

VIANA, 2004). De acordo com Melo (2006):

Um dos problemas cruciais no atual sistema de produção consiste na

subordinação do valor de uso em uma função de suporte à troca,

estendendo-se essa lógica à relação com a natureza, o que significa

em última análise subordiná-la à lógica mercantil. Para tanto, torna-se

necessário, para a dinâmica do sistema, fragmentá-la (pois somente

fragmentos da natureza podem ser trocados) e homogeneizá-la (pois

torna-se imperativo na troca a transformação da particularidade

qualitativa em uniformidade quantitativa) (BIHR, 1998, apud MELO,

2006, p. 42).

Nesse contexto, podemos questionar sobre qual a real função de

conservarmos as riquezas naturais e para quem conservar. Devemos levar em

conta qual o contexto ambiental e cultural onde estão se inserindo atividades

Page 81: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

79

de conservação e como elas ocorrerão. Se em geral as áreas protegidas são

implantadas em favorecimento das sociedades urbano-industriais para

conservação dos recursos naturais que ela própria utiliza, e que por sua vez

têm seu desenvolvimento atrelado ao capitalismo, torna-se possível que mais

uma vez o capital esteja sujeitando a terra em seu benefício, agora não pela

renda capitalizada derivada do manejo agrícola camponês, mas pela

conservação de fragmentos do meio natural, através da capitalização dos

recursos naturais presentes nesses espaços. Portanto:

Na criação de unidades de conservação da natureza há, com certeza,

mais do que razões técnicas para proteger ou conservar a

diversidade biológica do planeta. Há, pelo menos, duas grandes

matrizes de racionalidade — uma que opera com a separação entre

natureza e cultura, com sua origem no pólo hegemônico do mundo

moderno-colonial, e outra em que o ecológico e o social estão

imbricados em busca de uma nova racionalidade ambiental (LEFF,

ESCOBAR, TOLEDO, ALTIERI, POSEY, BALÉE, DIEGUES,

GONÇALVES, apud. PORTO GONÇALVES, [2008?]).

O processo de fragmentação da natureza e sua conversão como

recurso, e consequentemente a compartimentação dos hábitats existentes,

torna-se cada dia mais comum e possui grande influência sobre a manutenção

da biodiversidade e significativas implicações no estabelecimento e manejo das

áreas protegidas, assim como sobre as populações tradicionais (BENSUSAN,

2006, p. 88). Esse problema é principalmente decorrente do desenfreado

processo de industrialização das sociedades baseado na relação de uso dos

recursos naturais de maneira insustentável. Frente ao modelo capitalista de

desenvolvimento, a demanda por matérias primas foi se elevando ao longo do

século XX e culminou no quadro de catástrofes ambientais que vivemos nos

dias de hoje. Esse processo decorre, sobretudo, do produtivismo, inerente a

lógica capitalista que visa fundamentalmente à produção pela própria produção

para gerar um valor de troca e converter o capital em capital adicional, que por

sua vez estimula o consumismo para sua reprodução contínua (MELO, 2006, p.

43). Com isso:

Page 82: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

80

O produtivismo, juntamente com a norma social de consumo, produto

principalmente das relações capitalistas, acaba culminando também

em uma obsolescência forçada de todo o entorno, que vai desde a

substituição cada vez mais acelerada dos objetos que fazem parte de

nossa vida [...] até a artificialização da própria natureza[...]

. Portanto, a

obsolescência pode ser encarada como a emergência[...]

de uma

dinâmica social de produção que necessita para o seu

funcionamento, submeter os valores de uso à função de troca,

destruindo-os periodicamente para poder produzir indefinidamente.

Observa-se que, progressivamente, o ―desenvolvimento‖ das

ciências, ideologia, técnicas e processos, sob o Capitalismo, geram

também o (des)envolvimento da natureza e da sociedade, tornando

esses mesmos processos produtivos em processos destrutivos das

relações homem/natureza, pois a única riqueza a ser reconhecida,

segundo a lógica do sistema, é justamente essa abstração que é o

valor de troca (MELO, 2006, p. 46).

A pressão das populações humanas sobre esses fragmentos aumenta à

medida que cresce a necessidade por recursos naturais. Fragilizados pela

perca de continuidade territorial, seu potencial de sucumbir aumenta frente às

civilizações modernas de consumo e desperdício exacerbados (BENSUSAN,

2006). Assim, o desafio é encontrar formas de distribuição de hábitat na

paisagem que assegurem conexões para as espécies, comunidades e

processos ecológicos e populações tradicionais, ou seja, que garantam

conectividade e assegurem a perpetuação da diversidade biológica e cultural

de forma concomitante, desde que haja uma mudança no padrão de sociedade

(Idem, ibid.).

Na busca de uma totalidade irredutível, a concepção de ecossistema foi

definida como uma comunidade de organismos e suas interações ambientais

físicas caracterizando uma unidade ecológica que não pode ser entendida

através da separação de seus constituintes (CAPRA, 1996). Ao interferirmos

em algum nível desse ecossistema, estamos desequilibrando uma rede de

relações interdependentes. A natureza é dinâmica. Em função da presença ou

ausência de determinados fatores, a biodiversidade se transforma e a rede de

Page 83: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

81

relações é afetada. Esse desequilíbrio ocorre em diversas escalas – no espaço

e no tempo – e torna sua compreensão dificultada. Soma-se a esse fato a

complexidade da diversidade de espécies e o pouco conhecimento que temos

sobre suas relações e implicações no meio ambiente (Idem, ibid.).

Não obstante, tem-se que considerar que os distúrbios naturais e

culturais que ocorrem no ambiente também são um importante fator para a

conservação. Essas alterações ambientais quando ocorrem de forma

moderada auxiliam na manutenção da biodiversidade, pois agem como

controladores da cooperação inter e intra-específica (BENSUSAN, 2006, p. 93-

95). Um dos principais agentes causadores de distúrbios são as pessoas. Ao

interagir com a natureza, povos tradicionais realizam o manejo das florestas de

forma equilibrada, contribuindo para o aumento espontâneo da diversidade de

espécies através do impacto que geravam com suas atividades. A criação de

áreas protegidas suprimiu esse fator controlador e subestimou sua importância

para a manutenção e conservação da biodiversidade.

Frequentemente o que é chamado de padrão natural não é senão o

resultado de padrões de uso da terra e dos recursos associados, frutos de

determinados estilos de vida ao longo do tempo. O entendimento ainda

predominante de que toda relação entre pessoas e natureza seja destrutiva é

simplificador e injusto com inúmeras culturas que desenvolveram outras formas

de relação com a natureza. A biodiversidade de uma área seria o produto da

história de interação entre o uso humano e o ambiente (SILVA, 2008, p. 164).

Por esse olhar, no caso de um ecossistema florestal natural, o manejo

realizado pelas populações tradicionais rurais proporcionou a formação do que

Furlan (2006, p. 04) denomina como ―florestas culturais‖, ou seja:

―[...] florestas informadas pela cultura de diferentes povos que

desenvolveram práticas sociais adequadas e conhecimentos sobre o

funcionamento destes ecossistemas e utilização de seus recursos

numa ampla gama de formas de manejo que garantem a

sustentabilidade [...]‖.

As populações humanas camponesas que residem nessas áreas (hoje

Page 84: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

82

protegidas) há diversas gerações são parte do todo que compõe o ecossistema

e o mantém em equilíbrio. É preciso enfatizar que no processo de conservação

―a viabilidade do manejo florestal sustentável depende fundamentalmente das

relações que se estabelecem entre as práticas sociais e também dos múltiplos

valores contidos nos usos das florestas‖ (FURLAN, 2006, p. 04). Entretanto,

ainda não existem estudos quantitativos e qualitativos suficientes para

demonstrar o quão importante são as populações tradicionais para a

conservação das riquezas naturais através do manejo que realizam (Idem,

ibid., p. 06). Muitas vezes ―as florestas culturais, seus ecossistemas e as

alternativas de manejo sem desmatamento que segmentos culturalmente

diferenciados mantém e re-inventam perdem diante das pressões econômicas

[...]‖ capitalistas, como com a eliminação de florestas para implantação de

monoculturas voltadas ao agronegócio (Idem, ibid., p. 07), ou mesmo com a

implantação de áreas protegidas altamente restritivas e que visam benefícios

às populações urbano-industriais. Enfatizando-se a defesa do uso sustentável

das florestas por populações tradicionais, encontramos na obra de Bensusan

(2006) a seguinte argumentação:

Privando áreas do tradicional uso humano, há o risco de excluir

alguns aspectos importantes para a preservação dos processos

geradores e mantenedores da biodiversidade, como o conhecimento

humano sobre a utilização das espécies e as experiências de uso da

terra; a perturbação antrópica dos ecossistemas é muitas vezes

essencial para a geração e manutenção da biodiversidade; e o

processo histórico, muitas vezes responsável pelas características

atuais das paisagens, se perderia e consequentemente as paisagens

se descaracterizariam (WOOD, 1994, apud BENSUSAN, 2006, p. 25).

Nesse sentido, ―algumas alternativas de uso vêm sendo identificadas

como possíveis e vantajosas para a conservação [das riquezas naturais] e

proteção dos conhecimentos dessas comunidades‖, como o manejo da terra

por sistemas agroflorestais30 (FURLAN, 2006, p. 07). Reconhecido o valor do

uso e manejo das florestas alocadas em unidades de conservação por essas

30

Ver sub-capítulo 5.2, no que se refere a sistemas agroflorestais

Page 85: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

83

populações tradicionais, assim como seu potencial de contribuição à

biodiversidade, não faz sentido privá-las de suas formas de vida, de sua ordem

moral e cultura, tornando-se um contra-senso a conservação em áreas

especialmente protegidas. Compreender, respeitar e adotar o conhecimento e

as tradições de vida desses povos como forma de mudar os valores capitalistas

perante a natureza é tarefa indispensável para auxiliar num desfecho onde haja

uma verdadeira transformação da sociedade e uma via eficiente para a

conservação cultural e natural do planeta.

4.3. Uma estratégia à conservação das riquezas naturais e culturais

A questão das áreas criadas para a conservação da natureza levantou

problemas mais amplos que culminaram na necessidade de criar novos

modelos de proteção viáveis nos países como o Brasil, que apresenta rica

diversidade de recursos naturais e grandes desigualdades sociais. Apesar de

se tratar de uma problemática global, como colocado acima no texto as

possíveis soluções para frear a degradação ambiental devem partir do

entendimento da relação que um determinado povo tem com a natureza e de

como se dá a compreensão da necessidade de conservação por essas

pessoas.

Segundo Diegues (2000) a implantação de áreas protegidas em alguns

países resultou em transferência de recursos dos mais pobres para os mais

ricos. Além desse fato, essas áreas serão sempre insuficientes para conservar

a biodiversidade do planeta, pois os processos que geram e mantêm essa

diversidade ocorrem numa escala que transcende os limites territoriais

destinados a elas (BENSUSAN, 2006, p. 130). Entretanto, hoje a criação

desses espaços ainda é importante para a conservação das riquezas naturais,

mas desde que se estabeleça um caminho do meio que concilie a conservação

ambiental com atividades sustentáveis, sobretudo as agriculturas praticadas

pelos camponeses tradicionais e as com enfoque agroecológico, mirando

sempre maneiras de transformar a sociedade que está imersa no capitalismo.

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84

Santilli (2009) sugere a criação de ―reservas da agrobiodiversidade31‖

como forma de atrair mais recursos públicos para a pesquisa e para a

conservação, gerar outras fontes de renda e melhorar as condições de vida dos

agricultores tradicionais, agroecológicos e locais que produzem de maneira

sustentável e que se beneficiariam com essa idéia. Para ela, o componente da

biodiversidade cultivado por esses agricultores tem sido, como vimos,

negligenciado pelas políticas públicas de conservação e a criação de

instrumentos voltados especialmente para a sua conservação, além de

complementar os já existentes, destacaria a sua importância ao meio ambiente

e estimularia a produção de mais conhecimentos sobre os processos biológicos

e socioculturais que geram a agrobiodiversidade (SANTILLI, 2009, p. 405).

No que tange às normas destinadas a regular essas reservas da

agrobiodiversidade, elas poderiam restringir as atividades que podem impactar

negativamente a biodiversidade agrícola, como limitar o uso de agrotóxicos e

de outros poluentes químicos, proteger e resgatar os mananciais hídricos e

estabelecer normas eficientes a fim de evitar possíveis contaminações por

cultivos transgênicos. Não é necessario que essas áreas sejam

especificamente de domínio público como a maioria das áreas especialmente

protegidas, pois seria uma incoerência desapropriar as terras de agricultores

incluídas em seus limites como ocorre em unidades de proteção integral. A

criação de reservas da agrobiodiversidade deve ser feita de forma participativa,

por meio de acordos e planejamentos elaborados com os agricultores. Quando

os agricultores não possuírem o título mas a posse da terra, a criação das

reservas da agrobiodiversidade pode ser uma forma de regularizar a situação

fundiária de sua propriedade, a fim de ter acesso aos benefícios criados por

políticas públicas e órgãos financeiros, de forma que concilie conservação,

desenvolvimento local e participação social (Idem, ibid., p. 401-403).

Dentre as dificuldades em estabelecer uma reserva de uso sustentável

nessa esfera, o principal argumento contra sua criação tem sido o fato de que

os sistemas agrícolas tradicionais e locais estão espalhados em muitas áreas

por todo país e com isso seria muito difícil definir quais locais seriam

31

Ver sub-capítulo 2.2, no que se refere ao conceito de agrobiodiversidade.

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85

transformados em reservas (Idem, ibid., p. 405). Ao menos poderiam ser

planejadas com metodologias participativas, estabelecidas e colocadas em

prática algumas reservas da agrobiodiversidade com caráter experimental, e

após uma esta fase piloto, elas seriam avaliadas e adequadas localmente com

novas estratégias para sua implantação e ampliação pelo país.

Contudo, a criação de reservas da agrobiodiversidade por si só não será

suficiente para minimizar os impactos de um modelo agrícola industrial e

insustentável, principalmente se tais reservas forem apenas ―ilhas‖ (como são

grande parte das áreas protegidas existentes) cercadas por atividades agro-

industriais baseadas na monocultura em latifúndios. Entretanto, essas reservas

poderão representar mais um instrumento a ser utilizado pelas políticas de

conservação (Idem, ibid., p. 406). Segundo o Art. 5º, inciso III, o SNUC tem

como diretriz assegurar a participação efetiva das populações locais na

criação, implantação e gestão das unidades de conservação. Fica garantida a

obrigação do poder público em fornecer informações adequadas e inteligíveis à

população, porém não é definida de que forma ocorrerá essa participação

(BENSUSAN, 2006). No entanto, o que se encontra predominantemente são

metodologias de implantação prontas em manuais, aplicadas de cima para

baixo por técnicos burocráticos (DIEGUES, 2000, p. 189). A tabela 07 elucida

as diferenças desse método em relação a uma metodologia realmente

participativa e democrática que valoriza o saber local em cada realidade

específica, e que deve ser uma premissa no caso da implantação de uma

reserva da agrobiodiversidade.

Tabela 07: Comparação de metodologias para implantação de áreas protegidas

Ações de implantação Metodologia não-participativa Metodologia participativa

Método Padronizado, pacote científico Diverso, local, variado

Planejamento Estratégico fechado Estratégico participativo aberto

Ponto de partida Diversidade da natureza e seus valores potenciais.

Diversidade de culturas e da natureza.

Primeiros passos Coleta de dados e planejamento Tomada de consciência e planejamento

Forma de decisão Centralizada Descentralizada

Desenho do projeto Estático por especialistas Envolve a comunidade

Recursos principais Financeiros e técnicos Comunidade e recursos locais

Pressupostos analíticos Reducionista Sistêmico

Foco do manejo Usar orçamento nos prazos Melhorias gradativas

Comunicação Vertical, de cima para baixo Horizontal, aprendizado mútuo

Avaliação Externa, intermitente Interna, contínua

Erros Enterrados Assimilados

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86

Relacionamento com comunidades Controlador, policialesco, criador de dependência

Educador, mediador, povo como ator

Associado com Profissionalismo técnico Profissionalismo técnico-educador

Resultados Diversidade na conservação e uniformidade da produção. Poder aos técnicos profissionais

Diversidade como princípio de produção e conservação. Poder às populações locais

Fonte: tabela adaptada pelo autor a partir da tabela presente em Diegues (2000, p. 190).

Faz-se necessário, assim como deveria fazer na criação de qualquer

área protegida, que as reservas da agrobiodiversidade tenham sustentabilidade

política e social, atendendo a objetivos mais amplos de envolvimento local

sustentável e valorização sócio-cultural, e não apenas de conservação

ambiental, prezando sempre pelo apoio e participação dos agricultores

camponeses (SANTILLI, 2009, p. 406).

4.4. Caminhos para um ―envolvimento sustentável‖

Como exposto, valores ocidentais, formados nas sociedades capitalistas

industrializadas, foram se propagando pelo mundo e muitos povos tradicionais

os adotaram como modelo de vida. Junto com ele chegou à promessa de uma

vida ―melhor‖. As pessoas foram seduzidas por essa possibilidade, e em

detrimento ao seu ―envolvimento‖ com o meio, passaram ao ―des-envolvimento‖

de suas comunidades, seja ele ambiental, cultural, econômico ou social

(DIEGUES; VIANA, 2004, grifo nosso). De acordo com o conceito trabalhado

por Viana (2004):

[...] desenvolver significa tirar o invólucro, descobrir o que estava

encoberto; envolver significa meter-se num invólucro, comprometer-

se. Dessa forma, poderíamos dizer que desenvolver uma pessoa ou

comunidade significa retirá-la do seu invólucro ou contexto ambiental;

descomprometê-la com o seu ambiente (In: DIEGUES; VIANA, 2004,

p. 25).

Portanto, des-envolver para essas populações significou perder o

―envolvimento econômico, cultural, social e ecológico com os ecossistemas e

seus recursos naturais‖ (DIEGUES; VIANA, 2004, p. 25). Perde-se também o

saber e com ele o conhecimento dos sistemas tradicionais de manejo da terra

Page 89: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

87

que conservam os ecossistemas naturais de forma mais efetiva do que os

sistemas agrícolas modernos tidos hoje como ―convencionais‖ (Idem, ibid., p.

25, grifo nosso). Porto Gonçalves ([19--?], p. 09) em ―As Minas e os Gerais‖

traz sua percepção sobre esse processo ocorrido com populações camponesas

da região norte de Minas Gerais:

[...] a região que tinha seu próprio envolvimento foi des-envolvida. A

sociedade local/regional que, à sua moda, com suas próprias

contradições, determinava o que ia ser feito dos seus, mesmo que

desigualmente repartidos, recursos naturais assim como de outras

riquezas, vê des-locado, ou seja, vê tirado (dos do) do local, (dos da)

da região, o poder de determinar os seus destinos.

Ocorre assim, a perda do envolvimento das comunidades tradicionais

com o meio natural, e acentua-se a pouca noção que possuem com relação à

conservação da diversidade biológica e cultural e sua importância para

manutenção destas. Por esse lado, tem-se que levar em conta que por elas

serem parte intrínseca ao ecossistema em que vivem, esse tipo de

compreensão fica um pouco confusa a essas populações, pois para elas a

conservação desta diversidade está no dia a dia. Por outro lado:

Junto com esse processo [de des-envolvimento] temos a

desqualificação cultural do homem local/regional. Seu tempo, seu

ritmo é considerado lento, numa nova versão das velhas ideologias

colonialistas de que são indolentes e preguiçosos. Seu conhecimento

é ignorância. Ou, como a própria palavra sugere, des-envolvimento

vem de fora (PORTO GONÇALVES, [19--?], p. 11).

As novas práticas de vida desenvolvidas por essas comunidades, devido

ao contato com novas tecnologias do modo de vida capitalista, fazem com que

haja a necessidade de compreenderem o valor de sua (re)integração ao meio,

de conservação da natureza e como suas ações interferem na biodiversidade,

assim como o seu conhecimento pode contribuir em uma transformação das

mentalidades que são tutoradas pela economia de mercado para uma outra

Page 90: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

88

forma de pensar e agir em sociedade. Entretanto:

Não se compreenderá essa transição, com transformações tão

radicais na organização sócio-espacial [...], se ficarmos prisioneiros

de uma lógica econômica. Não resta a menor dúvida que uma das

marcas dessa transformação foi uma dissociação mais radical entre o

homem e natureza [...] (PORTO GONÇALVES, [19--?], p. 10).

Faz-se necessário rever o paradigma de ―desenvolvimento sustentável‖

e passar ao de ―envolvimento sustentável‖ como coloca Viana (2004), para

fortalecer o envolvimento das relações das sociedades com os ecossistemas

locais para a transformação da realidade e buscar a participação ativa das

populações tradicionais com os diferentes ecossistemas, revertendo assim o

distanciamento das pessoas entre si e em relação à natureza, proporcionando

respectivamente um modo de vida mais solidário e equilibrado em uma outra

organização de sociedade. Segundo esse autor ―primeiro as ações voltadas

para a transformação da realidade devem fortalecer o envolvimento das

relações das sociedades com os ecossistemas locais‖, e assim buscar um uso

sustentável do meio; ―segundo, os processos de tomada de decisão devem

buscar a participação ativa das populações relacionadas com os diferentes

ecossistemas [...]‖, a fim de envolver todos na questão em debate (DIEGUES;

VIANA, 2004. p. 26).

Nesse contexto, é excepcional a compreensão da natureza pelas

pessoas como sendo parte desta. O envolvimento sustentável busca a

reversão desse quadro através do fortalecimento dos ―vínculos econômicos,

sociais, espirituais, culturais e ecológicos‖ (Idem, ibid., p. 26). Como vimos, a

relação dos povos tradicionais com o meio natural é, em grande medida de

integração e por isso essas populações vivem em maior equilíbrio com a

natureza. Há o envolvimento sociocultural entre as comunidades que habitam o

meio natural e os recursos necessários para sua vida de maneira mais

sustentável. Expressa de maneira elucidativa Élisée Reclus (2010, p. 13):

O homem é a natureza adquirindo consciência de si mesma.

Page 91: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

89

A proteção do meio natural, idealizado como selvagem e desabitada,

assentou-se sobre o princípio da dicotomia homem-natureza. Em geral, se

resiste à idéia de que a alta biodiversidade ou o bom estado de conservação de

muitas áreas está relacionado à presença de populações tradicionais e/ou de

famílias camponesas que utilizam práticas sustentáveis de produção, sendo

estas, geralmente expulsas ou marginalizadas dentro da nova territorialidade

que lhes é imposta. Uma eficaz estratégia de conservação da natureza deve ter

em conta que tão importante quanto à diversidade da vida é a diversidade

sociocultural (SILVA, 2008, p. 162-163). Entretanto, como assinala Porto

Gonçalves (2005), é comum citar outras sociedades como modelos de relação

entre homem e natureza, onde se distingue essa relação da existente nas

sociedades que são regidas pelo pensamento moderno dominante, o que pode

acarretar, segundo ele, em dois sentidos de entendimento:

[...] [Por um lado] há uma virtude nesse procedimento: ele oferece um

consolo, enquanto ―idéia‖, para o mundo em que vivemos – que

concretamente não tem consolo. Isto não deixa de ser, à sua moda,

uma crítica à sociedade que não é tal e qual os modelos citados, [no

caso, as comunidades tradicionais,] daí as utopias. Nesse sentido, as

utopias têm um lugar concreto num mundo onde não existem

concretamente, sendo por isso sonhadas e projetadas enquanto

utopias. Por outro lado, esse procedimento não deixa de ser também

uma fuga dos problemas concretos, muitas vezes derivada de uma

incompreensão das razões pelas quais em nossa sociedade e cultura

as coisas são do jeito que são (PORTO GONÇALVES, 2005, p. 23,

grifo do autor).

Portanto, as comunidades tradicionais camponesas não devem ser

consideradas como ―um ideal a ser seguido‖, nem como as únicas atoras da

conservação e base única para uma transformação social. Salientamos que ao

presente trabalho, a contribuição dessas populações para uma outra realidade,

reside, sobretudo, na compreensão de mundo que elas possuem e que é

baseada numa ordem moral onde se preza pela solidariedade e integração ao

meio. ―O que podemos dizer é que as comunidades tradicionais podem ser

Page 92: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

90

aliadas natas nesse exercício, o que também implica em ―afastar a visão

romântica‖ pela qual as comunidades tradicionais são vistas como

conservacionistas natas‖ (DIEGUES, 2000, p. 41). Essas comunidades são

formadas por pessoas, e como todas as outras elas possuem suas qualidades

e contradições, além de terem interesses heterogêneos que muitas vezes

podem ser conflitantes entre si (Idem, ibid.).

A natureza não pode mais ser entendida de forma dissociada das

sociedades humanas, pois ao mesmo tempo em que estas estão situadas na

natureza que transformam, dependem dela para sobreviver. Nessa perspectiva,

colocar a natureza dentro de áreas para protegê-la das pessoas não parece ser

a melhor estratégia para o estabelecimento de uma relação mais equilibrada

entre a sociedade e o meio ambiente (DIEGUES, 2000). É necessário pensar

formas de uso sustentável desses espaços, sem necessariamente que eles

deixem de existir hoje, mas no momento em que uma outra sociedade se

entenda como parte da natureza e crie uma relação de pertencimento ao

mundo natural, elas serão suprimidas integralmente. Ao invés de serem

expulsas de seu lar ou reassentadas em outros locais, essas populações

tradicionais devem ser valorizadas e recompensadas pelo seu conhecimento e

manejo, que deram origem a um gradiente de paisagens que incluem florestas

como a Mata Atlântica e o alto grau de recursos naturais existentes nesses

biomas (Idem, ibid.). Assim:

Se um novo enfoque para a conservação da natureza não for

construído e implantado, podemos assistir à destruição impiedosa de

nossos ecossistemas tropicais e também da grande diversidade

cultural dos povos e comunidades que nelas habitam (DIEGUES,

2000, p. 41).

Como uma alternativa possível, o enfoque orientado pela

etnoconservação32 dado para a conservação da natureza envolve as pessoas

novamente como parte da biodiversidade e como estimuladora desta, ou seja,

o humano como parte da natureza, entendido a partir do todo e para entender

32

Lévi-Strauss foi um dos antropólogos que iniciou os estudos na área de etnociência na década de 1960

(DIEGUES, 2000, p. 28).

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91

essa totalidade (Idem, ibid.). Assim, pode-se falar numa ―etnobiodiversidade‖, o

que corresponde ―a riqueza da natureza da qual participam os humanos,

nomeando-a, classificando-a, domesticando-a, mas de nenhuma maneira

nomeando-a como selvagem e intocada‖ (Idem, ibid., p. 31). Ela configura-se

como um componente intangível da biodiversidade que envolve

conhecimentos, inovações e práticas de comunidades tradicionais relevantes

para a conservação das riquezas naturais. Através dela, conclui-se que a

biodiversidade pertence tanto ao domínio do natural e do cultural, mas é a

cultura como conhecimento que permite que as populações tradicionais

possam entendê-la, representá-la mentalmente, manuseá-la e,

frequentemente, enriquecê-la (Idem, ibid.). A alta biodiversidade decorrente do

manejo tradicional realizado por populações locais pode e deve ser levado em

conta para a conservação da natureza e à manutenção de áreas protegidas

estabelecidas.

O resgate, valorização e a democratização dos saberes existentes é um

pré-requisito fundamental para a liberação humana, tendo em vista que o

sistema de saber contemporâneo exclui o humano por sua própria estrutura

(SHIVA, 2003, p. 81). Um processo desse tipo permitiria a legitimação do saber

local e diversificado, visto como um saber indispensável onde a concretude é a

realidade e a globalização e a universalização são abstrações que muitas

vezes não povoam o imaginário dos agricultores, violando o que há de concreto

e consequentemente sua realidade. Essa passagem do saber global para o

local é importante porque o torna mais autônomo e autêntico, liberando o saber

tradicional da dependência das formas pré-estabelecidas do conhecimento

dominante incapaz de promover a sustentabilidade indispensável à

sobrevivência dos seres vivos em todo planeta (Idem, ibid.). Portanto:

Os excluídos dos benefícios materiais simbólicos da ―modernização‖,

cada vez mais numerosos, podem e devem inventar soluções novas

para sobreviver como espécie e como humanidade. Esses projetos

diferentes se encontram, na prática, na improvisação e no biscate.

Eles podem gerar monstros ou ser recuperados pela máquina, mas

alentam também a esperança de que a paralisação da máquina não

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92

será o fim do mundo e sim a aurora de uma nova busca da

humanidade plural (LATOUCHE, 1994, p.14, grifo do autor).

Estamos em busca de alguns pontos que possam demonstrar a

possibilidade de conservação das riquezas naturais e culturais num contexto

em que seja possível conciliar práticas agrícolas tradicionais e agroecológicas,

tendo como premissa as pessoas como uma das partes integrantes dos

ecossistemas, não isoladas, mas compondo um sistema que contenha suas

particularidades individuais consideradas de forma dinâmica, integrada e

sustentável, e que com isso possa haver caminhos alternativos para uma nova

relação em sociedade e com a natureza, distinguindo-se do atual modelo

dominante da ―máquina‖ capitalista.

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93

5. Agroecologia e saber tradicional na prática________________________

5.1. Contexto local e socioambiental de referência

Como forma de exemplificar a discussão apresentada nos capítulos

anteriores, faremos uma abordagem sobre uma experiência prática, construída

a partir dos conceitos e princípios da agroecologia, em um sistema produtivo

agrícola comunitário, que agrega algumas famílias de migrantes, em sua

maioria compostas por ex-camponeses que utilizavam práticas tradicionais de

cultivo em seu lugar de origem, implantado em uma área de um bairro

periurbano33 localizado no interior de uma Área de Proteção Ambiental (APA)34,

como sendo parte constituinte das propostas elaboradas e executadas por um

projeto que fomenta, dentre outras ações, a agricultura urbana e periurbana35

no município de Embu das Artes no estado de São Paulo.

De forma a entender as características socioambientais que configuram

o contexto da experiência agroecológica a ser discutida, e co-relacionar seu

potencial aos desafios existentes localmente, faremos um breve relato sobre

alguns desses aspectos, ambientais e sociais, construídos no tempo e no

espaço, presentes no município onde a atividade é realizada, ressaltando

aqueles que consideramos mais pertinentes por sua ligação com a agricultura.

O município de Embu das Artes faz parte da Reserva da Biosfera36 do

cinturão verde da cidade de São Paulo, está inserido no bioma da Floresta

33

Apesar de haver uma imprecisão no conceito de periurbano, geralmente ele é definido como uma zona

distinta da cidade, que diferencia a paisagem das áreas de desenvolvimento urbano e dos espaços

campestres da periferia, de baixa densidade e uso múltiplo do solo. Apesar da aparência de área rural,

o periurbano é fortemente ligado funcionalmente às áreas urbanas das cidades (PONTES, 2005, p. 07,

apud GONÇALVES, 2010, p. 95). 34

Ver sub-capítulo 4.2, no que se refere à Área de Proteção Ambiental. 35

A agricultura urbana e periurbana é um conceito multidimensional que inclui a produção, a

transformação, a comercialização e a prestação de serviços, de forma segura, para gerar produtos

agrícolas (hortaliças, frutas, plantas medicinais, ornamentais, cultivados ou advindos do agro-

extrativismo, etc.) e pecuários (animais de pequeno porte) voltados ao auto-consumo ou

comercialização, (re)aproveitando-se, de forma eficiente e sustentável, os recursos e insumos locais

existentes no meio urbano (solo, água, resíduos, mão-de-obra, saberes etc.) (BRASIL, 2007, p. 06). 36

Reserva da Biosfera é uma coleção representativa dos ecossistemas característicos da região onde se

estabelece, buscando otimizar a convivência homem-natureza em projetos que se norteiam pela

conservação dos ambientes significativos, pela convivência com áreas que lhe são vizinhas, e pelo uso

sustentável de seus recursos (EMBU DAS ARTES, 2008, p. 08).

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94

Atlântica, e possui 59% de seu território em área de proteção aos mananciais37

(EMBU DAS ARTES, 2008, p. 07), concentrando importantes áreas de

vegetação remanescente em toda região. A cidade está localizada no leste do

estado e a sudoeste da capital paulista (figura 03), em uma região de relevo

acidentado formada por morros e colinas, com algumas planícies fluviais que

acompanham os cursos da rede hídrica, composta pelas bacias hidrográficas38

dos rios Cotia, Embu Mirim e Pirajuçara. De acordo com a classificação de

Köppen39, o clima da região é caracterizado como temperado, chuvoso e

moderadamente quente, com temperaturas médias que variam acima de 18°C

no período mais frio e acima de 22°C no período mais quente, apresentando

alta pluviosidade no verão, com predomínio de ventos leste e sul (Idem, ibid.).

Figura 03: Localização do município de Embu das Artes e suas bacias hidrográficas.

Fonte: Figura adaptada pelo autor a partir das figuras presentes em Embu das Artes (2008, p. 50) e em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:SaoPaulo_Municip_Embu.svg (acessado em 06/11/2011).

37

Manancial é qualquer corpo d’água, superficial ou subterrâneo, utilizado como fonte para

abastecimento humano, animal ou irrigação, podendo ser, por exemplo, proveniente de um rio, lago,

nascente, poço, represa, lençol freático ou aquífero (Idem, ibid., p. 07). 38

Bacia hidrográfica é a área total de drenagem relacionada ao relevo que alimenta uma determinada rede

hídrica, constituindo um espaço geográfico de sustentação dos fluxos d’água de um sistema fluvial

hierarquizado (SÃO PAULO, 1997, p. 21). 39

A classificação climática corresponde à divisão dos tipos de climas regionais segundo um conjunto de

critérios. Köppen dá ênfase em valores térmicos e ecológicos para classificar o clima de uma região

(Idem, ibid. p. 40).

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95

O uso e ocupação do solo em Embu das Artes refletem características

de seu processo histórico de formação atrelada à exploração econômica e

produção agrícola pouco rentável, ligadas ao desenvolvimento da capital

paulista. Assim como ocorreu com outras localidades do estado, o município

não participou da implantação de cultivos agrícolas como a cana-de-açúcar e o

café, culturas rentáveis que marcaram a economia paulista durante o século

XIX até meados do XX, sobretudo devido às características do relevo, clima e

solos, requeridas para esses cultivos (Embu das Artes, 2008). Não se deve

descartar também que, para a implantação e produção dessas culturas

agrícolas, o fator econômico e político de uma determinada região são tão ou

mais influentes em favor das tomadas de decisão quanto o meio natural.

No contexto atual o município apresenta um zoneamento de uso do solo

totalmente urbano, onde prevalecem fatores socioeconômicos sobre seu

desenvolvimento (Idem, ibid.). Ainda que sob pressão da expansão urbana

desenfreada, sobretudo na região leste onde há o limite com o município de

São Paulo, e desenvolvimento econômico pautado pela industrialização, no uso

do solo do município verifica-se que áreas conservadas de vegetação se

mantêm na cidade e a produção agrícola resiste timidamente. Devemos

considerar que por não haver um zoneamento rural, os agricultores

remanescentes têm dificuldades em se regularizar para ter acesso a programas

de crédito e políticas agrícolas que fomentam a agricultura no país, pois elas

exigem dos produtores documentos específicos que estão atrelados ao

zoneamento rural, como a compra direta de alimentos da agricultura familiar

pelos órgãos governamentais.

No início de sua história, o vilarejo que hoje é o município de Embu das

Artes, se caracterizou com uma atividade agrícola constituída por pequenos

produtores rurais, fabricantes de aguardente e um incipiente comércio. Uma

característica marcante no período compreendido entre o fim do século XIX e

meados do XX refere-se ao uso de carros de boi utilizados para o transporte de

mercadorias entre São Paulo e o distrito de Embu (Idem, ibid.), forma

tradicional de transporte usada por populações camponesas. Ainda hoje, há

relatos de moradores antigos que dizem ter utilizado os carros de boi como

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96

transporte para ir de seu bairro à escola. Nos anos de 1930, por meio do

Instituto Prático Agrícola, integrantes da colônia japonesa ali instalada,

passaram a dar suporte aos agricultores locais, fortalecendo o cunho agrícola

da região (EMBU DAS ARTES, 2008, p. 11). Esses aspectos mostram que

Embu das Artes teve em sua gênese, como tantas outras cidades brasileiras, a

agricultura como parte fundamental de sua história, e até os dias atuais

mantém de alguma maneira sua propensão agrícola, como por meio do cultivo

de alimentos incentivado pelo projeto de agricultura urbana e periurbana.

Portanto:

[...] o potencial para o aumento desta participação é significativo, se

forem levados em consideração o passado agrícola da região e

principalmente o aproveitamento das áreas verdes e periurbanas do

município com o uso para as atividades agrícolas. Pensando ainda

que estas atividades sejam realizadas a partir dos princípios

agroecológicos, elas garantiriam um tipo de atividade adequado ao

potencial socioambiental da região (GONÇALVES, 2010, p. 99).

De acordo com dados do Atlas Socioambiental de Embu das Artes

(2008, p. 26), a agricultura no município é hoje distribuída em menos de 1% de

seu território e corresponde a cerca de 10% da soma dos valores de todos

seus bens produzidos anualmente (Produto Interno Bruto – PIB). As atividades

agropecuárias mais expressivas estão no setor hortifrutigranjeiro e floricultor,

sendo realizadas em cerca de dezenove pequenos estabelecimentos,

possuindo como maiores expoentes a criação de aves, fruticultura em lavouras

permanentes, cultivo de hortaliças, flores e plantas ornamentais (Idem, ibid.).

Contudo, todos esses dados levam em consideração apenas as

produções comerciais levantadas a partir de dados econômicos oficiais do

município. Porém, é sabido que existe uma elevada produção de alimentos

para auto-consumo da população que não estão registradas numericamente,

mas que ocorrem com alta frequência, conforme diagnosticado por visitas

domiciliares realizadas no início do projeto de agricultura urbana e periurbana.

É evidente que não se visitou todas as residências do município, mas por

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97

experiências de campo, foi possível visualizar muitas formas de cultivo nos

domicílios, desde plantio em vasos até terrenos com grande diversidade de

culturas.

Este fato característico está relacionado, em grande medida, a uma

população que migrou com sua cultura de origem rural e não perdeu seus

costumes e valores adquiridos no campo, importantes para manutenção de

suas vidas constituídas, agora, em outra realidade, no meio urbano. Como

vimos, essa migração cultural, é um componente de resistência no novo lugar,

de forma que essa população possa se reproduzir de acordo com suas

necessidades sem perder suas raízes, e assim, façam frente à uma realidade

que preza pelo consumismo predatório e o individualismo competitivo, adversa

aos seus princípios de relação equilibrada com o meio e de maior equidade

entre as pessoas.

Desde seu início, a formação da população no município é

essencialmente originária de processos migratórios, sendo constituída por

pessoas advindas das mais diversas regiões do Brasil e uma pequena parte do

exterior. Também houve um processo de miscigenação entre as populações

tradicionais locais e imigrantes europeus que se integraram a população local,

o que resultou nos arredores da capital paulista o chamado ―cinturão caipira‖,

caracterizado pela produção de subsistência agrícola extrativista.

Com o crescimento da capital paulista, esses denominados cinturões

caipiras passaram cada vez mais a se organizar em torno da cidade.

Isso se deu através da agricultura de subsistência, que passou a

adquirir um caráter comercial baseado em atividades de cunho rural

(extrativismo, agricultura, agroindústria) visando o abastecimento da

crescente metrópole. Destaca-se nesse contexto a produção de

arroz, feijão, avicultura, lenha, além de algumas fábricas de velas que

abasteciam as principais igrejas da capital paulista (EMBU DAS

ARTES, 2008, p. 11).

Durante o último quarto do século XIX o ―cinturão caipira‖ começa a ser

reordenado sob o comando da capital paulista, ―[...] observando-se o

estreitamento e a diversificação dos vínculos entre as partes e forte valorização

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98

da área‖ (MARQUES, 2006, p. 136, in: CARLOS; OLIVEIRA, 2006). Atividades

econômicas que visavam o mercado da capital passaram a se instalar ou a

ampliar suas ações na região, o que, no entanto, ―[...] não impediu a

permanência da agricultura caipira em muitos lugares‖ (Idem, ibid.; in: idem,

ibid.). De acordo com Oliveira (2004, p. 140, in: CARLOS; OLIVEIRA, 2004),

em meados do século passado a agricultura caipira constituiu a principal forma

de uso do solo na região sudoeste da capital paulista, onde os caipiras de São

Paulo realizavam suas atividades. Segundo esse autor, essa região

caracterizou-se como ―[...] um dos bolsões de resistência dos caipiras de São

Paulo‖, e até a atualidade ainda é ―[...] lugar por excelência da prática da

agricultura caipira‖ (Idem, ibid., p. 145, in: idem, ibid.).

Desse modo, essa formação regional e populacional contribui para a

constituição de uma herança cultural rica e diversa, sobretudo no que tange as

populações que vieram de regiões historicamente marcadas pela reprodução

de vida pautada pela agricultura, importante para a discussão da migração

cultural40 no contexto do projeto de agricultura urbana e periurbana. É preciso

salientar que apesar dessa riqueza humana, grande parte da população no

município é de baixa renda, apresentando índices de desenvolvimento humano

abaixo da média estadual. A figura 04 apresenta um gráfico da população

migrante no município, onde se percebe um contingente migratório diverso,

porém com distribuição irregular segundo seu local de origem. A partir das

regiões brasileiras, verifica-se que a população migrante residente no município

com origens na Região Sudeste possui principalmente pessoas vindas do

estado de São Paulo e Minas Gerais; na Região Nordeste, da Bahia; na Região

Sul, do Paraná; nas Regiões Norte e Centro-Oeste, do Pará e Goiás (EMBU

DAS ARTES, 2008).

40

Ver sub-capítulo 3.4, no que se refere à migração cultural.

Page 101: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

99

Figura 04: População migrante residente no município segundo seu local de origem.

Fonte: IBGE apud Embu das Artes (2008, p. 13) adaptado pelo autor.

De volta ao contexto ligado diretamente ao meio natural do município,

um fato relevante foi a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) na

porção oeste do município, região da bacia hidrográfica do Rio Cotia. Esta área

especialmente protegida foi denominada APA Embu-Verde41, sendo elaborada

com o intuito de garantir legalmente a conservação do patrimônio natural local

e usufruir de seus recursos e potenciais de maneira sustentável, já que o

município eliminou 97% de suas florestas primárias ao longo de sua história

(SOS MATA ATLÂNTICA, 2002, apud, idem, ibid., p. 81). A área da APA, que

pode ser vista na figura 05, abrange 15,7 km² do território municipal, quase que

toda área de 16,7 km² compreendida pela bacia do Baixo Cotia no município.

Esta área foi escolhida devido à relevância do local por abrigar a maior

parte da vegetação conservada com elevado grau de regeneração em

capoeiras e remanescentes da Floresta Atlântica do município. Teoricamente,

além de poder fortalecer a garantia de áreas verdes na região, os mecanismos

de uso sustentável dos recursos na APA podem contribuir também para manter

e produzir água de boa qualidade por se tratar de uma área com alta densidade

de drenagem, favorecer a regulagem do clima com a permanência da

41

Projeto de Lei Complementar nº 06/2008, que cria a Unidade de Conservação Municipal de Uso

Sustentável – Área de Proteção Ambiental – APA Embu-Verde. Regulamentada pelo Decreto

Municipal nº 108, de 11/12/2008, com a Lei Complementar 86/09 (EMBU DAS ARTES, 2008, p. 61).

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100

vegetação, e manter a biodiversidade local. Com isso, ela pode auxiliar como

mecanismo atualmente existente, na ordenação do crescimento da cidade de

forma que haja um planejamento diferenciado para o uso e ocupação do solo

em seu interior, gerenciado por um conselho gestor formado por integrantes da

sociedade civil e do poder público (EMBU DAS ARTES, 2008, p. 62).

Figura 05: Mapa de localização e área da APA Embu-Verde

Fonte: Figura adaptada pelo autor a partir da figura presente em

http://www.embu.sp.gov.br/e-gov/secretaria/meio_ambiente/?ver=376 (acessado em 06/11/2011).

Hoje, o uso do solo na bacia do Rio Cotia tem a configuração

apresentada abaixo na figura 06, área que praticamente corresponde a da APA.

Pela imagem, é possível observar que as áreas urbanizadas e construídas são

ainda diminutas e há uma grande porção de vegetação conservada. Existem

muitas chácaras residenciais que não estão ligadas a atividades agropecuárias

como consta na figura. Essas atividades existem, mas em menor escala. Há

uma pressão muito grande referente à procura por terrenos nessa região

devido a uma especulação imobiliária impulsionada pela inauguração do trecho

sul do Rodoanel de São Paulo e sua relativa proximidade com essa rodovia

expressa. Os especuladores requerem essas áreas para construção de

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101

condomínios residenciais destinados a classes sociais economicamente mais

favorecidas, geralmente para pessoas advindas de outras regiões que querem

ficar próximas da ―natureza‖ e assim ter melhor qualidade de vida. Além de

suprimir as áreas verdes existentes pelo adensamento urbano, essas

construções imobiliárias geralmente submetem a população local às suas

regras e formas de trabalho, tirando sua autonomia sobre a forma de se

relacionar entre elas e com o lugar.

Figura 06: Uso do solo na área da bacia hidrográfica do Rio Cotia compreendida pelo município

Fonte: Figura adaptada pelo autor a parti da figura existente em Embu das Artes (2008, p. 61).

Nota: A área circulada corresponde à região aproximada do bairro de Itatuba.

A figura 06 retrata o potencial para a conservação da vegetação, mas

também pode ser palco de práticas agrícolas sustentáveis com enfoque

agroecológico que, além de conservar a diversidade biológica e sociocultural,

fornecem meios de existência à população, compatíveis com os objetivos da

APA Embu-Verde. E mais, seria importante e benéfico vincular a APA aos

conceitos e princípios de uma reserva da agrobiodiversidade, que, como vimos

Page 104: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

102

no capítulo dois, utiliza-se de fundamentos e metodologias semelhantes ao da

agroecologia, porém voltados para a conservação da diversidade biológica e

cultural em um dado ecossistema que está associado a um agroecossistema

de base sustentável. Pode ser um passo alternativo para transpor as barreiras

construídas pela indefinição entre os que pregam o des-envolvimento e os que

querem o preservacionismo. Nesse sentido:

A APA [Embu-Verde] é um instrumento legal que pode colaborar na

consolidação das atividades agrícolas nesta região. Neste aspecto, a

experiência estudada [...] se mostra condizente com as condições

socioambientais da região, já que trabalha com a agricultura urbana

[e periurbana] agroecológica, ou seja, com a produção de alimentos

feita em área urbana e periurbana e realizada a partir dos princípios

agroecológicos, estando em consonância com as características de

uma APA [...] (GONÇALVES, 2010, p. 107).

A APA está situada nas proximidades da Reserva Estadual do Morro

Grande42, importante reduto da vegetação e de águas que abastecem parte da

população da região metropolitana de São Paulo, localizada no vizinho

município de Cotia (EMBU DAS ARTES, p. 59). Um elo importante e efetivo

que pode haver pelo encontro dessas duas unidades de conservação é a

conseqüente e benéfica criação de um extenso corredor ecológico43 formando

um mosaico ambiental44 pela abrangência total dessas áreas, favorecendo a

manutenção dos poucos remanescentes das florestas primárias e conservando

as florestas secundárias. Por elas serem especialmente protegidas, salienta-se

a necessidade de atividades de baixo impacto ambiental, condizentes com o

uso sustentável dos recursos no ecossistema. Nos arredores, a área que

circunscreve esses espaços também requer cuidados especiais. Essa região é

42

A Reserva Estadual do Morro Grande foi instituída pela Lei Estadual nº 1.949, de 04/04/1979, como

área especialmente protegida de preservação permanente com destinação específica de preservação da

flora e fauna e proteção aos mananciais (SÃO PAULO, 2006, p. 465). 43

Corredor ecológico configura-se como qualquer ligação que permite o movimento do conjunto de

plantas, animais e microorganismos de uma determinada região, província ou área biogeográfica entre

habitats mais extensos (SÃO PAULO, 1997, p. 60). 44

Mosaico ambiental constitui um ambiente heterogêneo no espaço, composto por manchas de habitat de

diferentes tamanhos, caracterizados por diferentes espécies, estrutura de vegetação ou de substrato,

assim como, por diferentes concentrações de recursos abióticos e bióticos (Idem, ibid., p. 170)

Page 105: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

103

denominada zona de amortecimento, onde também se fazem necessárias

práticas sustentáveis para minimizar os impactos ambientas na transição entre

a área protegida e onde ela passa a sofrer maiores transformações pelas

ações antrópicas. Portanto, em ambos os casos, na borda e no interior das

áreas, as atividades humanas devem ser coerentes tanto na perspectiva

ambiental como a sociocultural e econômica. Assim, práticas de agricultura de

base sustentável com enfoque agroecológico nesse contexto se fazem

relevantes, pois podem conciliar a conservação e manutenção do ecossistema

a meios sustentáveis e participativos de reprodução da população que geram

renda e contribuem, ao mesmo tempo, para manter a diversidade biológica e

sociocultural nesse meio complexo.

Nessa configuração sócio-espacial se encontra a região compreendida

pelo bairro de Itatuba, área circunscrita, de forma aproximada, na figura 06.

Está localizada, portanto, na zona oeste do município de Embu das Artes, na

bacia hidrográfica do Rio Cotia e no interior da APA Embu-Verde, em meio a

todo esse contexto apresentado acima. Em amarelo, no interior do círculo,

encontra-se o núcleo urbano do bairro, local onde é realizada a prática

agroecológica que será foco de análise.

Itatuba é um dos bairros mais antigos da cidade, formado, segundo

relatos de moradores locais, a partir de um ponto de parada de viajantes que

iam a São Paulo pela estrada velha que liga Cotia a Embu das Artes. Com o

passar dos anos, o lugarejo foi se urbanizando, sobretudo após a instalação de

uma mineradora para extração de granito nos anos 1960, existente no local até

hoje. O bairro está na região de fronteira entre os municípios de Cotia e

Itapecerica da Serra, áreas historicamente caracterizadas por práticas

agropecuárias ligadas a produção familiar, que acabaram também por

influenciar na formação local (OLIVEIRA, 2004, in: CARLOS; OLIVEIRA, 2004).

Atualmente, apesar do aumento no adensamento urbano, Itatuba apresenta

menores índices de ocupação em relação às demais regiões do município,

conservando áreas de vegetação e práticas agrícolas produtivas e para auto-

consumo da família.

Page 106: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

104

Foto 01: Vista panorâmica do núcleo urbano do bairro de Itatuba

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em 02/12/2008.

No que tange a infra-estrutura urbana, Itatuba é dotado de alguns

aparelhos públicos como escola, posto de saúde e base policial. O Centro de

Controle de Zoonoses também está instalado no bairro, com seus serviços

estendidos a toda população municipal. Programas sociais implantados no

município atendem famílias de baixa renda na comunidade, mas não dão conta

de abranger todos que necessitam. Segundo relatos de moradores, os serviços

públicos oferecidos não são de má qualidade, mas carecem de amplas

melhorias. O saneamento básico é praticamente inexistente, ficando por conta

de a população dar um destinamento adequado aos seus dejetos, o que

frequentemente não ocorre, sendo estes despejados nos cursos d’água ou em

fossas precárias. No núcleo urbano e em algumas áreas próximas dele, há o

abastecimento público de água, porém muitas vezes deficiente. Onde ele não

ocorre, são feitos geralmente poços para coleta desse recurso básico e

fundamental. Contudo, com a poluição das águas superficiais e subterrâneas

ocasionadas principalmente pelo despejo inadequado de esgoto, e a

diminuição das nascentes, sobretudo devido ao desmatamento, o acesso a

água de qualidade está cada vez mais difícil. Urge a necessidade de um

saneamento básico na região ou o uso de técnicas ecológicas já existentes e

eficientes para o tratamento do esgoto, assim como ações diretas para

Page 107: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

105

despoluição dos cursos d’água e recuperação de nascentes. Há um comércio

básico que atende a população em alguns serviços, e existe a presença de

algumas empresas que possuem como empregados parte dos moradores do

bairro, como no caso da mineradora que exerce grande influência na dinâmica

socioeconômica local.

A partir do breve histórico apresentado e sua co-relação ao contexto

atual do bairro, e em geral, do município, evidencia-se a existência de amplos

desafios a serem superados, e utilizar-se dos potenciais locais é uma forma

muitas vezes eficiente para atingir objetivos de transformação socioambiental.

Manter, resgatar e ampliar práticas tradicionais do lugar promove resultados

mais efetivos, pois como vimos no capítulo três, o conhecimento tradicional é o

meio de identificação cultural, pode-se dizer que é a forma desenvolvida pela

própria população para cumprir a função social de ordenação e interação com

o meio em que vivem (HERCULANI, 2009). Assim, práticas tradicionais que

fizeram parte da construção do lugar estão presentes de maneira mais forte no

senso dos habitantes. Portanto, o resgate desses saberes tradicionais passa

pela tomada de consciência, onde haja uma identidade local e cultural de

saberes populares para que se possa construir um envolvimento sustentável

endógeno, no qual o controle do processo de decisão seja dos grupos sociais

locais para a transformação da realidade em que vivem (GUTERRES, 2006).

Com isso, as práticas agrícolas que fizeram, e fazem parte da história de

Itatuba e Embu das Artes, é um dos potenciais que estão nos traços da cultural

local, pois os valores culturais de uma região não estão apenas contidos na

materialidade histórica que a compõe devido ao caráter singular que seus

habitantes lhe conferem, uma vez que a paisagem natural está

indissoluvelmente ligada à paisagem cultural e humana (WOORTMANN, 1995,

apud HERCULANI, p. 15), podendo assim, fazer a diferença se retomadas com

um novo enfoque, como o trazido pelo projeto de agricultura urbana e

periurbana agroecológica que veremos a seguir, com foco no sistema produtivo

de Itatuba, onde existem famílias envolvidas que trazem um passado da cultura

tradicional camponesa.

Page 108: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

106

5.2. A esfera originária da prática

A experiência prática com enfoque agroecológico que será analisada faz

parte de um conjunto de ações propostas em agricultura urbana e periurbana

pelo Projeto ―Colhendo Sustentabilidade: práticas comunitárias de agricultura

urbana e segurança alimentar e nutricional‖. Em sua implantação, o projeto

vivenciou dois períodos distintos e complementares, ocorridos devido ao

cronograma estabelecido para sua execução, implicando em início e término, o

que acarretou em uma primeira fase de implantação da proposta elaborada

inicialmente, e uma segunda fase para aplicação dessa mesma proposta

readequada, ambas mediadas pela equipe técnica executora junto aos agentes

financiadores e parceiros que se alternaram no decorrer dos dois períodos.

Na primeira fase, o projeto foi elaborado durante o ano de 2007 a partir

de uma parceria formalizada entre o coletivo EPARREH (Estudos e Práticas em

Agroecologia e o Reencatamento Humano)45, a Prefeitura de Embu das Artes

via Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) e a Sociedade Ecológica Amigos de

Embu (SEAE)46, para concorrer, por meio de um edital de seleção de projetos,

ao financiamento público oferecido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate a Fome (MDS)47 às prefeituras das regiões metropolitanas das

grandes cidades brasileiras que tinham o interesse na implantação de sistemas

produtivos agroecológicos para a população de baixa renda, com o intuito de

combater a fome, garantir a segurança alimentar e nutricional e gerar renda às

45

O coletivo EPARREH formou-se a partir do ano de 2004 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo, compreendendo um grupo composto por alunos de diversas

faculdades do campus da capital, pessoas de outras instituições e simpatizantes de outros lugares, que

realiza, entre outros, estudos e práticas voltados ao entendimento das relações humanas e destas com o

mundo, sobretudo no que tange suas implicações na agricultura e na sociedade, tendo como base,

principalmente, princípios e conceitos da agroecologia. 46

A SEAE é uma Organização Não Governamental (ONG) sem fins lucrativos que atua no município de

Embu das Artes e região desde a década de 1970, inicialmente criada com o propósito de preservação

ambiental, passou nos dias atuais a ter a missão de promover a transformação socioambiental, cultural

e econômica, por meio de processos educacionais participativos, inclusivos e de empoderamento,

fomentando a atuação em políticas públicas, e visando a conservação, recuperação e defesa do meio

ambiente (consultado no sítio http://www.seaembu.org/, acessado em 10/11/2011). 47

Edital SESAN/MDS nº 01/2007: Seleção de Proponentes para apoio a projetos de Agricultura Urbana e

Periurbana, tornado público pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),

por intermédio da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN), em

conformidade com a Lei nº 10.869 de 13 de maio de 2004, Decreto nº 5550 de 22 de setembro de

2005, a Lei nº 11.346 de 15 de setembro de 2006, Instrução Normativa STN/MF nº01 de 15 de janeiro

de 1997 e a Portaria MDS nº 67 de 08 de março de 2006 (BRASIL, 2007).

Page 109: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

107

famílias envolvidas (PROJETO Colhendo Sustentabilidade [PCS], 2009).

Após sua aprovação, o projeto teve um prazo de execução de dezoito

meses, com um convênio firmado entre o MDS e a prefeitura municipal em

parceria com a SEAE. Essa fase ocorreu de setembro de 2008 a janeiro de

2010, sendo implantados três sistemas produtivos com bases agroecológicas,

abrangendo duas áreas do município, mas que beneficiaram diretamente a

população de diversos bairros, pois muitos participantes se deslocavam de sua

comunidade para poder participar do projeto. Esses sistemas foram destinados

principalmente, mas não necessariamente, a famílias em condições

socioeconômicas desfavoráveis, em situação de vulnerabilidade social,

agricultores urbanos e periurbanos, beneficiários de programas sociais e

educadores da rede pública de ensino (PCS, 2007). Dois deles se juntaram em

uma única área no bairro de Itatuba que acabaram por configurar, no contexto

regional, um local de referência à agricultura comunitária de base sustentável

com enfoque agroecológico no meio urbano e periurbano.

Entretanto, pela proposta ter sido elaborada essencialmente por um

grupo externo as comunidades beneficiadas, por mais participativa que tenha

sido a metodologia proposta, houve certa dificuldade em fazer com que as

pessoas se envolvessem e se apropriassem num primeiro momento de

implantação. A título de referência, como propõe a transição agroecológica

participativa, os processos de transformações socioambientais devem ser

endógenos, interiores a comunidade e elaboradas por ela (GUTERRES, 2006).

Contudo, não houve tempo hábil para que o processo fosse realizado dessa

forma, devido, sobretudo, ao cronograma de execução a partir da aprovação do

projeto. Outro fato é que, infelizmente, as comunidades não estão preparadas,

informadas ou organizadas o suficiente para acessar editais geralmente

complexos oferecidos para elaboração e implantação de projetos, cabendo a

ONG’s e/ou órgãos públicos tal tarefa como proponente, como aqui foi o caso.

Porém, durante o processo de implantação, houve um período de diagnóstico,

ainda que curto, para sensibilizar e mobilizar a comunidade sobre os objetivos

propostos e sua importância ao envolvimento local. Por já haverem na região,

sobretudo de Itatuba, ainda que de forma isolada, famílias produtoras e/ou com

Page 110: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

108

um passado camponês, o projeto foi sendo assimilado vagarosamente e as

pessoas que se envolveram passaram a entender e acreditar na proposta que,

aliás, foi se adequando também a realidade do lugar. Fato esse, que se

procurou aperfeiçoar na segunda fase de implantação do projeto, mas também

com alguma dificuldade.

No que se refere ao recurso obtido para o projeto, sua maior parcela

adveio do MDS, acrescido, por sua exigência, de um valor fracionário do

montante total como contrapartida da prefeitura municipal. Como apoio, ainda

houve mais um complemento financeiro e estrutural por parte da SEAE. O

espaço físico da ONG assim como sua infra-estrutura, também foram utilizados

ao longo do projeto como base para o trabalho da equipe executora. Uma parte

desse recurso foi utilizada para compra de materiais destinados ao fomento da

agricultura e formação das famílias envolvidas, e outra para a contratação da

equipe técnica multidisciplinar48 que executou o trabalho. A equipe técnica

executora teve como base um organograma constituído por uma coordenação

geral, uma coordenação administrativo-finaceira, dois coordenadores técnico-

pedagógicos e dois assistentes técnico-pedagógicos.

Nesse ponto, é importante enfatizar para o leitor, como já foi feito na

introdução, que o autor do presente trabalho é parte integrante da equipe

técnica que elabora e executa as ações promovidas pelo projeto em ambas as

fases, em dois momentos como coordenador técnico-pedagógico de

comunidade e em um como assistente técnico. Com isso, grande parte das

atividades que serão aqui relatadas foram construídas no cotidiano de trabalho,

em campo e em gabinete, sistematizadas em documentos próprios da equipe,

sem que haja, necessariamente, um referencial teórico que justifique as

explanações no texto. Contudo, quando necessário, serão feitas associações a

conceitos e princípios teóricos utilizados para o desenvolvimento do trabalho no

projeto, a fim de complementar, justificar e fortalecer as idéias e ações aqui

colocadas. Assim, reforçando o exposto na introdução deste trabalho, a análise

48

Tanto na primeira como na segunda fase do projeto a equipe executora variou em número e formação

profissional dos técnicos. Dentre os que passaram e os que continuam em atividade, encontramos

contribuições de seus conhecimentos de formação acadêmica em Administração, Biologia, Ecologia,

Educação, Engenharia Agronômica, Ambiental e Florestal, Filosofia, Geografia e Letras.

Page 111: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

109

utiliza-se de uma metodologia qualitativa interpretativa dos fatos, e o autor se

configura como um agente promotor e observador participante49 sobre o que

ocorre no dia-a-dia do projeto, dos envolvidos na proposta e do

agroecossistema que será analisado adiante no texto.

Todas as iniciativas dessa fase do projeto permitiram a inserção dos

temas da agroecologia e agricultura urbana e periurbana50 em diversas esferas

do município, enfatizando o caráter transversal desta temática quando

vinculada às dinâmicas do meio e articuladas com a gestão territorial e

ambiental da cidade. As ações de promoção de agricultura urbana e periurbana

de base sustentável constituem estratégias voltadas à alimentação, de forma

constante e confiável para auto-consumo familiar, estruturantes nas instâncias

de produção, beneficiamento e comercialização de produtos agro-alimentares.

Também visa resgatar a auto-estima dos cidadãos e minimizar as

desigualdades expressas na exclusão social, bem como frear a degradação

ambiental e uso insustentável dos recursos naturais nas cidades. Este tipo de

intervenção favorece a promoção da segurança alimentar e nutricional

enquanto permite a geração de trabalho e renda através do consumo e

escoamento do excedente da produção, via comercialização de produtos

alimentícios de famílias agricultoras, ao mesmo passo que procura estabelecer

um equilíbrio dinâmico com o ecossistema local (BRASIL, 2007, p. 06). Esses

fatores desencadearam um movimento pró-agricultura na cidade, onde

reconheceu-se sua importância na orientação de estratégias de planejamento

socioambiental, e se passou a apoiar a agricultura comunitária com enfoque

agroecológico no município (PCS, 2009).

Com isso, após o fim do convênio entre o MDS, a prefeitura de Embu

das Artes e a SEAE, através da proposta de elaboração e execução de um

projeto similar ao que configurou essa primeira fase, revisto e ampliado, foi

49

Ver a introdução deste trabalho no que se refere à análise qualitativa interpretativa de observação

participante. 50

Não é alvo do presente trabalho discutir a fundo o conceito de agricultura urbana e periurbana. Apesar

de estarmos avaliando uma experiência que ocorre nesse contexto, o foco se dá em um sistema

produtivo agroecológico e na sua interação com o saber popular das famílias envolvidas nesse

trabalho. Para saber mais sobre agricultura urbana e periurbana é possível consultar, por exemplo,

Mougeot (2000), Madaleno (2002), Mendonça; Monteiro (2004) Lovo (2005), Machado (2007),

Gonçalves (2010) entre outros.

Page 112: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

110

restabelecido um novo convênio agora apenas entre a prefeitura, como agente

realizador e financiador, e a SEAE, como proponente e executora, configurando

assim uma segunda fase ao projeto. O intuito central foi dar continuidade as

ações iniciais de êxito e ampliá-las de forma adequada para outras regiões do

município, também com dezoito meses de duração, compreendidos entre os

meses de abril de 2010 e setembro de 2011. Os mecanismos de repasse de

recursos financeiros foram semelhantes aos da primeira fase, agora

envolvendo uma parcela disponibilizada pela prefeitura e outra como

contrapartida da ONG, ambas distribuídas entre aquisição de materiais e

remuneração da equipe técnica executora que manteve a mesma base de

profissionais. Recursos estes, sempre utilizados visando o favorecimento das

comunidades e famílias envolvidas no projeto.

Ao reconhecer que a agricultura com enfoque agroecológico é uma

prática que vêm se consolidando no município, a continuidade das ações que

já produzem resultados consideráveis, como a experiência do sistema

produtivo comunitário em Itatuba, associada à proposta de manutenção e

ampliação das atividades existentes, acabam por fortalecer a produção

sustentável de alimentos saudáveis em consonância com a conservação do

meio ambiente, proporcionando uma elevação da qualidade nutricional e

alimentar da população envolvida direta ou indiretamente, além de gerar

maiores possibilidades de trabalho e renda às famílias participantes e estimular

ainda mais o aspecto de transformação social e ambiental intrínseco ao projeto.

O acúmulo de conhecimentos teóricos e práticos trocados entre os

envolvidos durante a implantação da primeira fase do PCS, os materiais e

ferramentas adquiridas, as expectativas das famílias participantes e as

possibilidades de novas alternativas de trabalho, possuem um imenso valor

material e intelectual que não podem ser desperdiçados, mas sim aproveitados

para o fortalecimento da agricultura de base sustentável agroecológica em

suas múltiplas dimensões socioambientais (Idem, ibid.). As atividades

realizadas procuraram pautar-se pelo respeito aos conhecimentos locais e pela

promoção da equidade entre os participantes, através do uso de tecnologias

apropriadas e processos participativos na gestão dos sistemas produtivos,

Page 113: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

111

contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população e para a

sustentabilidade da cidade.

O objetivo geral é comum em ambas as fases do projeto, onde se

pretende através da agricultura urbana de base sustentável com enfoque

agroecológico, promover a inserção socioeconômica, o combate à fome, a

segurança alimentar e nutricional, a conservação ambiental, o resgate do saber

popular e a economia solidária na cidade de Embu das Artes. O intuito central,

como apresentado, é possibilitar de forma participativa, nas comunidades do

município onde o projeto realiza-se, o processo de produção ecológica e

comunitária de alimentos destinados ao auto-consumo e comercialização do

excedente, viabilizando desta forma a concretização de uma política pública de

agricultura urbana e periurbana e segurança alimentar e nutricional que garanta

uma melhoria ambiental e na qualidade de vida da população (Idem, 2007). De

forma específica, na primeira fase o projeto teve como meta:

Realizar a sensibilização e mobilização de famílias por meio de processos multi-atorais

de diagnóstico e planejamento estratégico para a ação em agricultura urbana e

periurbana;

Promover a formação das famílias beneficiadas pelo projeto através da difusão de

técnicas de produção agroecológica no cultivo de hortaliças, lavouras, ervas

medicinais, plantas arbóreas frutíferas e perenes;

Trazer princípios de segurança alimentar e nutricional e a importância da agricultura

urbana e periurbana para sua promoção;

Estimular práticas de aproveitamento integral dos alimentos;

Utilizar princípios e práticas de economia solidária e autogestão da produção;

Promover a educação socioambiental;

Implantar três sistemas produtivos agroecológicos adaptados à realidade local (PCS,

2007)51

.

De forma complementar, as metas da segunda fase foram:

Dar continuidade e iniciar novas atividades de formação e comunicação técnico-

pedagógica aplicada aos sistemas produtivos comunitários atuais;

Ampliar atividades de formação e comunicação técnico-pedagógica com a implantação

51

Tópicos adaptados pelo autor a partir dos tópicos presentes em PCS (2007).

Page 114: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

112

novos sistemas produtivos comunitários;

Manter e ampliar a comunicação técnica para munícipes que já praticam a agricultura e

dispõem de áreas com potencial tanto para o auto-consumo como para

comercialização;

Manter e promover novos espaços de comercialização da produção excedente como

feiras e/ou barracas em locais públicos, venda direta, entrega em domicílio,

cooperativas de consumo etc.;

Promover a incubação de empreendimentos agrícolas de Economia Solidária visando à

criação de cooperativas e associações de produtores locais;

Continuar fomentando a articulação e associação dos produtores locais por meio de

seminários, encontros temáticos, trocas de experiências e insumos;

Manter e ampliar as lideranças engajadas com a temática do projeto como agentes

multiplicadores da agroecologia nas comunidades (PCS, 2009)52

.

As condições para o implemento do projeto no município pautam-se em

ações de formação e participação em suas duas fases, o que norteia, de forma

contínua e conjunta, seus passos metodológicos. Em sua essência, grande

parte da estratégia metodológica participativa utilizada no projeto tomou como

base o chamado ―Processo Multi-atoral para o Desenvolvimento e a

Implantação de Políticas e Programas de Agricultura Urbana‖ (PMPEA)53

(PLANEJAMENTO..., 2006). No projeto, a partir da aplicação adaptada dessa

metodologia, elabora-se um mapeamento dos atores54 e equipamentos que

compõem o meio social local e através de reuniões de esclarecimentos de

conteúdo e objetivos do projeto, procura-se sensibilizar e mobilizar um grupo, a

fim de obter sua adesão e formar uma equipe local multi-atoral co-responsável

pela proposta. É feito um diagnóstico participativo para identificar os potenciais

de agricultura urbana e periurbana nas comunidades, com a realização de

52

Idem (2009). 53

Os PMPEA são considerados processos substanciais que visam reunir todos os atores em uma nova

forma de comunicação e diálogo, análise situacional, planejamento, tomada de decisões,

implementação, monitoramento e avaliação das propostas direcionadas a uma ação que pode ocorrer

em nível internacional, nacional, regional ou local, adaptados à sua realidade. A partir de seus

princípios de transparência e participação, eles são utilizados como: estratégias para desenvolver

parcerias e reforçar coalizões; promover a apropriação e o compromisso; criar benefícios e confiança

mútua; envolver os grupos sub-representados em estruturas formais e informais; integrar diversos

pontos de vista; e contribuir para mudanças reais nas realidades locais (PLANEJAMENTO..., 2006). 54

Os atores são todos aqueles que têm interesse em uma decisão particular, tanto como indivíduos ou

como representantes de um grupo ou instituição. Isto inclui as pessoas, grupos, organizações ou

instituições que influem nas decisões ou que poderiam influir nelas, bem como todos que são afetados

por elas (Idem, ibid.).

Page 115: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

113

reuniões onde haja possíveis agentes multiplicadores ao mesmo passo que

também tenham famílias com perfil à adesão no projeto. Ainda há no

diagnóstico, visitas de campo em terrenos potencialmente disponíveis e aptos

para práticas agrícolas, como também nas residências de famílias que

possuem algum perfil ou interesse de participação. Com a adesão dos atores

estratégicos e das famílias, é realizada uma formação teórico-prática por meio

de diálogos sobre temas correlatos ao projeto, que visa a participação de

ambos na implantação dos sistemas produtivos e a multiplicação da proposta.

Ocorre então, a construção participativa de sistemas produtivos adaptados à

realidade local com técnicas de manejo sustentável, a partir dos princípios e

conceitos da agroecologia e do saber popular (PCS, 2007).

Uma etapa da metodologia muito rica e fundamental foi a realização do

diagnóstico participativo referente a visitas de campo nas residências de

famílias, feitas com o intuito de identificar o perfil ou interesse delas em

participar do projeto, e também o potencial local à agricultura. Mais de 100

famílias foram visitadas em algumas comunidades do município com essa

finalidade, e os resultados foram os mais diversos. Houve famílias que

gostariam de participar, e efetivamente o fizeram, outras que apenas se

interessavam em apoiar; também tinham aquelas que duvidavam da proposta,

algumas que achavam uma boa idéia e outras que não se colocavam a

disposição para tal empreitada. No geral, a receptividade dos habitantes, tanto

aos técnicos como à proposta, foi positiva e estimulante. Contudo, o mais

importante foi comprovar de forma vivencial, ainda que em uma parcela

pequena da população, que realmente havia uma propensão e uma aptidão à

agricultura no município, e em particular, no bairro de Itatuba. Ficou evidente

também, que o município possui uma população essencialmente migrante onde

muitos trazem um saber tradicional camponês por suas origens no campo e os

utilizam na vida cotidiana da cidade. As imagens abaixo ilustram algumas das

ricas visitas de diagnóstico realizadas às famílias moradoras de determinadas

comunidades do município.

Page 116: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

114

Foto 02: Sra. Josefa na residência onde viveu na comunidade de Itatuba. Cultivava alimentos consorciados para seu consumo, a partir de seu saber tradicional camponês originário na Bahia.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

10/09/2009.

Foto 04: Sr. Nelson, um dos moradores mais antigos da comunidade de Itatuba vindo do interior paulista. Possui um Sistema Agroflorestal intuitivo consorciado com diversos cultivos e criação animal.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

11/09/2009.

Foto 06: Sr. Braulino, baiano morador da comunidade chamada Fazenda Atalaia. Na residência onde vive, cultiva lavouras, hortaliças, plantas medicinais e um pomar, além de criar galinhas.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

17/07/2008.

Foto 03: Propriedade do Sr. José Matias, onde realizava um cultivo de hortaliças para comercialização direta no bairro de Itatuba e região. Seu manejo é misto, com agricultura orgânica e convencional.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

19/06/2008.

Foto 05: Sr. Cassiano, morador da Fazenda Atalaia veio de Minas Gerais ainda jovem. Possui um pequeno quintal Agroflorestal que cultiva com muito orgulho e carinho a partir de seus conhecimentos tradicionais.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

11/11/2009.

Foto 07: Sra. Henelida, moradora do bairro Capuava. Aplica o manejo tradicional no cultivo de hortaliças, temperos e chás para auto-consumo, venda e doação a parentes e vizinhos da comunidade.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

30/06/2008.

Page 117: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

115

Foto 08: Sra. Luiza Ferrazo, descendente de europeus que migrou do Rio Grande do Sul para viver com sua família na comunidade do Jd. Mimás, onde cultiva plantas medicinais, flores e ornamentais.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

28/03/2008.

Foto 10: Propriedade do Sr. Hirai e Sra. Miko, integrantes da colônia japonesa e vivem no Vale do Sol. São pequenos agricultores convencionais com foco na cultura de pêssego, hortaliças e orquídeas.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

03/06/2008.

Foto 09: Sra. Zezé, agricultora com um conhecimento tradicional camponês muito rico. Em sua residência na Fazenda Atalaia, cultivava uma grande diversidade de culturas consorciadas em lavouras.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

05/06/2008.

Foto 11: Pedro, jovem que trabalha com artesanato em sua residência no Jd. Mimás. Em seu quintal ele mantém uma grande diversidade de cultivos para alimentação e recuperação ambiental.

Fonte: fotografia realizada por John H. B. Zappala em

01/04/2008.

Tendo como proposta central em ambas as fases a implantação de

práticas agrícolas sustentáveis em comunidades do município, o projeto

Colhendo Sustentabilidade procura promover, como já explanado, a segurança

alimentar e nutricional da população local na medida em que a produção dos

sistemas comunitários de cultivos é destinada para auto-consumo, bem como

sua inclusão socioeconômica na medida em que possibilita a comercialização

direta dos excedentes produzidos, ao mesmo passo que contribui à

conservação ambiental por meio dos agroecossistemas comunitários.

Ao se traçar objetivos e metas no projeto, baseando-se em metodologias

que viabilizem sua implantação de acordo com o que se estabelece, espera-se

Page 118: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

116

atingir resultados na totalidade da proposta em suas duas fases. Contudo, não

iremos apresentar e aprofundar nos resultados alcançados como um todo, sem

querer negar sua relevância ou inferir que sejam menos importantes, mas sim

por não ser o foco da presente análise. Uma apresentação e avaliação de

resultados passariam necessariamente por uma análise de suas conquistas e

desafios, diga-se de passagem, são muitos e grandes, pois nem tudo ocorre

como se planeja e se sonha acontecer. Com isso em foco, se permitiria a

elaboração de uma nova pesquisa. Os objetivos, metas e metodologias

trazidas aqui, possuem o intuito de trazer à luz as ações propostas em uma

esfera, cuja qual, é referência ao sistema produtivo agroecológico de Itatuba,

que nela está inserido e aprofundaremos a seguir.

5.3. A experiência prática com enfoque agroecológico

Em 21 de novembro de 2008, com a população local residente na

comunidade de Itatuba e região junto da equipe técnica executora do projeto,

se iniciaram as atividades de formação e implantação do sistema produtivo

agrícola comunitário com enfoque agroecológico. Como previa o edital do

MDS, para realização do projeto seria necessária a existência de um terreno,

público ou privado, disponibilizado por um determinado período para que os

trabalhos pudessem ser efetuados. Em Itatuba, a prefeitura municipal cedeu

parte de um terreno público ali existente para a implantação de dois sistemas

produtivos, totalizando uma área de 10.000m² ou um hectare de terra (figura

07), sendo utilizado na medida em que o trabalho fosse avançando e de acordo

com o ritmo imposto pelas famílias participantes.

Para uma construção participativa do trabalho, a metodologia utilizada

inicialmente consistia em realizar dois encontros semanais, nas manhãs das

terças-feiras e das sextas-feiras, para formação teórica e troca de

conhecimentos entre as famílias envolvidas e os técnicos, em conjunto com

atividades práticas de manejo sustentável a partir dos ensinamentos da

agroecologia e do saber popular tradicional trazido pelos participantes. Em um

primeiro momento do encontro, todos se reuniam numa sala, cedida

Page 119: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

117

gentilmente pelo Centro de Controle de Zoonoses municipal (CCZ) localizado

ao lado do terreno, para uma conversa sobre temas pré-planejados. Num

segundo momento da manhã, o grupo se deslocava ao terreno para aplicação

dos conhecimentos adquiridos (e/ou resgatados) e das propostas construídas

ou adaptadas pelo grupo no encontro. Sempre havia um momento lúdico no

meio do período de atividades como forma de harmonizar e integrar o grupo, e

também de descontração com um lanche comunitário.

Figura 07: Localização do terreno disponibilizado para o sistema produtivo. A área do polígono

vermelho corresponde a inicialmente cedida, e a área em amarelo a realmente utilizada.

Fonte: figura adaptada pelo autor a partir da imagem do Google Earth (acessado em 12/11/2011).

No decorrer da implantação do projeto em Itatuba, entre a execução de

suas duas fases, cerca de 40 famílias revezaram seu envolvimento na

participação dos encontros semanais de formação, troca de conhecimentos e

elaboração participativa para implantação do sistema de produção agrícola

alimentar a partir de técnicas sustentáveis de manejo (PCS, 2009). É comum

na agricultura urbana e periurbana, sobretudo a comunitária, haver uma

flutuação entre os participantes, pois geralmente essa não é a principal

atividade econômica da pessoa envolvida. Portanto, nessa área, em momentos

diferentes, foram envolvidas famílias distintas que em ao menos um período

CCZ

Page 120: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

118

podem ter convivido juntas. De fato, algumas deixaram de participar por

problemas pessoais ou por opção, outras por conseguir um emprego fixo

remunerado, permanecendo atualmente um grupo reduzido de sete famílias,

mas são aquelas que realmente se apropriaram da proposta e possuem o

objetivo de gerar trabalho e renda através da agricultura e com isso promover

uma transformação socioambiental utilizando-se de técnicas e princípios

agroecológicos.

O perfil das famílias que se envolveram é o mais variado. Dentre as

pessoas que compuseram o grupo existiram aquelas economicamente mais

favorecidas, mas em sua maioria eram de baixa renda. Os níveis de formação

educacional também são distintos, desde os que possuem ensino superior até

os não-alfabetizados. Com relação às atividades profissionais exercidas pelos

participantes em sua vida, encontramos pessoas que trabalharam na indústria,

no comércio, como autônomos e em serviços informais como motoristas

particulares, catadores de materiais recicláveis, diaristas, donas de casa,

empregados da construção civil, caseiros em propriedade particular, entre

outros. Entretanto, uma característica recorrente e de particular importância à

análise, diz respeito ao trabalho na agricultura em algum período da vida de

muitos participantes, sobretudo dos atuais, e que será abordada mais a frente

no texto. No que tange a questão de gênero, geração e etnia, também houve

variações, o que enriqueceu o processo. Na composição do grupo, o número

de mulheres sobressai em relação aos homens. A faixa etária predominante é

de pessoas acima dos 40 anos, com muitos aposentados da chamada terceira

idade, mas também houveram jovens e crianças envolvidas. A origem dos

participantes é bastante distinta, o que também será alvo de discussão

posteriormente no texto com relação aos atuais integrantes do grupo.

A área do terreno disponibilizado apresentava uma série de desafios,

desde solo degradado com baixa fertilidade, passando pelo acesso e

inexistência de benfeitorias, até a infra-estrutura básica para realização das

atividades, tanto teóricas como práticas. Contudo, era um dos poucos espaços

públicos adequados e disponíveis para o que se pretendia no projeto, e a

comunidade envolvida, estimulada pela equipe técnica, se adaptou ao lugar

Page 121: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

119

superando as dificuldades iniciais e as que foram surgindo ao longo do

trabalho. Os materiais e ferramentas utilizadas no principio, eram armazenados

no CCZ, e transportadas pelo grupo para realização das atividades práticas

sempre que necessário.

Com a compra dos materiais permanentes, através do recurso financeiro

disponibilizado pelo MDS, foi possível adquirir um container para

armazenamento dos materiais e insumos no próprio terreno. Ainda com esse

recurso, foram comprados outros equipamentos para auxiliar na execução do

projeto em suas duas fases, e em particular, de suma importância para

implantação desse sistema produtivo, como micro-tratores, trituradores de

resíduos orgânicos, roçadeiras e estufas agrícolas para produção de mudas.

Somado a isso, com o valor oferecido pela prefeitura municipal e pela SEAE,

no decorrer do processo houve a aquisição de itens básicos de consumo

referentes a materiais de papelaria utilizados na parte de formação e

ferramentas para implantação do sistema produtivo, como enxadas, pás,

forcados, carriolas, regadores, mangueiras, e outros relacionados à infra-

estrutura e insumos agrícolas, por exemplo, arames, materiais elétricos,

sementes, mudas e composto orgânico. Instituições e munícipes parceiros,

assim como os próprios participantes, também colaboraram através de

doações de alguns desses materiais básicos.

Por muitos anos, de acordo com relatos dos moradores da comunidade,

o terreno utilizado para execução do projeto em Itatuba teve um uso intensivo

destinado para silvicultura de eucalipto a partir das técnicas convencionais

dominantes de produção na agricultura moderna. Além desse fato, sucessivas

queimadas foram feitas para controle das plantas adventícias nascidas

espontaneamente. Com isso, os fatores bióticos e abióticos desse ambiente

assim como os recursos naturais existentes no ecossistema, passaram por um

processo elevado de degradação devido ao uso insustentável do local por um

longo período. Pela imagem retratada na figura 07, é possível notar aspectos

de solo deteriorado e exposto, baixa biodiversidade e inexistência de

benfeitorias, tendo assim uma visão dessa área do terreno antes do início da

implantação do sistema produtivo.

Page 122: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

120

Através da visão sistêmica promovida pela agroecologia (ALTIERI, 1999;

GLIESSMAN, 2005), um sistema produtivo deve ser entendido como um todo,

onde os componentes se relacionam de forma dinâmica. Esse entendimento é

importante para observar a origem de qualquer desafio e procurar superar suas

causas e não de tentar eliminar somente os sintomas. Precisam ser

observados os fluxos de água, ar, energia e matéria entre eles. Através da

observação dessa interação, é possível otimizar os fluxos ou ciclos, gastando

cada vez menos recursos naturais e reutilizando ou reciclando materiais. O

objetivo maior é tornar o sistema produtivo cada vez mais auto-suficiente, ou

seja, produzindo seus próprios insumos, garantindo a sustentabilidade da

unidade comunitária. É com esse olhar que procuraremos analisar o sistema

produtivo de Itatuba.

Para iniciar os trabalhos práticos no terreno, fazia-se necessário a

implantação de algumas benfeitorias. Para proteger o local e ter maior controle

de acesso de pessoas, o grupo realizou o cercamento de uma parcela da área

utilizando-se de bambus coletados na região e mourões feitos com os

eucaliptos ainda existentes no terreno. Mesmo assim, após os plantios, houve

casos de perda de cultivos devido a colheitas feitas por pessoas não

participantes e entrada de cavalos no sistema produtivo. Posteriormente, com a

aquisição de materiais pelo projeto, foi feita uma cerca, ainda que provisória,

com os mourões de eucalipto e arame farpado para melhorar a segurança na

área toda. Já na segunda fase do projeto, pela dificuldade em se instalar uma

cerca definitiva na área total devido à falta de recursos financeiros, a equipe

executora e os participantes se mobilizaram e realizaram uma parceria com a

empresa mineradora instalada em Itatuba, a fim de obter um auxilio para

adquirir parte dos materiais necessários para cercar a área que já vinha sendo

utilizada até o momento, correspondente a 5.000m² do terreno (Figura 07).

Outra importante benfeitoria foi a construção de um espaço para abrigar

os participantes. A partir de técnicas de construção que utilizam os recursos

disponíveis no meio ambiente local, o grupo elaborou uma cabana usando

como pilares alguns troncos colhidos de eucaliptos, bambus para a estrutura do

telhado e capim sapê para a cobertura final. Nesse espaço, passou-se a

Page 123: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

121

realizar as atividades de formação e troca de experiências e a ser utilizado

como abrigo para refeições, descanso e recepção de visitantes. Essa prática,

junto à implantação da cerca, resgatou e trouxe aos participantes o princípio do

saber popular tradicional e da agroecologia de utilização dos recursos

existentes localmente para a elaboração de benfeitorias necessárias nos

agroecossistemas a partir de técnicas simples, que podem muito bem servir

para outras finalidades na vida das famílias envolvidas.

Em boa parte da área onde as atividades iniciais foram realizadas o solo

apresentava-se extremamente desgastado e com baixíssima fertilidade,

processos erosivos aparentes, uma estrutura compactada, composição argilosa

predominante, além de estar com nível de acidez acima do natural

característico no ecossistema. Para reverter esse quadro e poder iniciar os

plantios, sobretudo de plantas mais exigentes a nutrientes do solo como

hortaliças, foram realizadas atividades de formação no grupo com práticas de

conservação e recuperação do solo.

Num primeiro momento, como ainda não haviam disponíveis insumos

produzidos localmente e pela necessidade de trazer um breve retorno aos

participantes de forma a estimulá-los à proposta através das colheitas, foi feita

a aquisição de uma grande carga de composto orgânico com a finalidade de

utilizá-lo para resgatar a fertilidade do solo, melhorar sua estrutura e corrigir

sua acidez, já que uma recuperação natural seria muito vagarosa. Foram

realizados diálogos no grupo sobre a composição, recuperação e conservação

do solo e sua importância para a agricultura, ao mesmo tempo em que havia a

prática correspondente. O solo ideal para práticas agrícolas equilibra

porcentagens de minerais, matéria orgânica, água e ar.

Através da compostagem de resíduos orgânicos é possível contribuir

para o processo de recuperação da fertilidade do solo com a reposição desses

elementos. Sob condições controladas são dispostos em pilhas ou leiras de até

1,5m de altura, resíduos de matéria orgânica fresca, ricos em nitrogênio, junto

a resíduos de matéria orgânica seca, ricos em carbono, passando por estágios

de decomposição que são realizados por microorganismos que necessitam de

calor, umidade e oxigênio para transformar o material grosseiro inicial em um

Page 124: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

122

rico adubo natural que, após 90 dias de maturação, ao estabilizar-se serve

tanto para reestruturar como para fertilizar o solo (GLIESSMAN, 2005).

Fotos 12 e 13: Produção de composto orgânico

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 14/02/2009 e 18/08/2009.

Dessa maneira, foram elaboradas diversas composteiras ao longo das

atividades com o grupo (cerca de 10 toneladas) e até hoje essa prática

continua fundamental para o manejo sustentável do agroecossistema, pois

além de melhorar o solo, favorece a produção interna de insumos, como requer

um sistema produtivo com enfoque agroecológico. Além disso, retira dos

aterros sanitários e lixões toneladas de resíduos orgânicos que não teriam

aproveitamento algum nesses locais, apenas contribuiriam para poluir ainda

mais o ambiente. Mesmo com uma demanda grande por esse material, o grupo

atual ainda não consegue suprir toda sua necessidade com a produção interna

e utiliza parte do composto orgânico que é comprado pelo projeto.

Além da compostagem o grupo utiliza-se de outras técnicas sustentáveis

para o manejo mais adequado da terra. Uma delas é a adubação verde ou

vivificação do solo, uma prática agrícola que consiste no plantio de espécies

vegetais de inverno ou verão, de ciclo anual ou perenes, em rotação ou em

consórcio com as culturas de interesse alimentar e comercial, cobrindo o

terreno por um período ou por todo ano. Geralmente as sementes são

misturadas e plantadas juntas para aumentar a capacidade produtiva do solo.

Utilizam-se espécies de gramíneas e leguminosas que são capazes de fixar

nitrogênio do ar através de suas raízes por relações simbióticas mutualísticas

Page 125: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

123

com fungos e bactérias, e disponibilizá-lo no solo para os cultivos (WUTKE et.

al., 2007).

A adubação verde promove o incremento da atividade biológica do solo

e de sua fertilidade, também contribuindo com a proteção contra a erosão e

radiação solar. Possibilita ainda, a descompactação, estruturação e areação do

solo, aumentando sua capacidade de reter água e nutrientes. Ela favorece a

redução de problemas nos cultivos, como a incidência de fitoparasitos do solo e

o crescimento de plantas espontâneas. A biomassa resultante pelo seu plantio

e posterior corte, pode ser incorporada ao solo ou deixada sobre a superfície

como cobertura protetora até se decompor (Idem, ibid.).

Fotos 14 e 15: Manejo e plantio de adubação verde

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 17/03/2009 e 07/05/2010.

Por tudo isso, ela contribui para aumentar a auto-suficiência do grupo

em relação à aquisição de insumos externos ao sistema produtivo e ainda, com

o uso de algumas espécies como o feijão guandu, são utilizadas na

alimentação dos participantes e cultivadas como quebra vento ao redor da área

para proteger as culturas mais sensíveis.

O manejo retratado na foto 14 corresponde ao plantio de adubação

verde em uma das áreas mais degradadas do terreno. Após aproximadamente

seis meses o adubo verde foi tombado e incorporado ao solo. Posteriormente

nesse local foram cultivadas hortaliças que apresentaram como resultados um

desenvolvimento e produtividade excelentes. Na foto 15, o grupo está

semeando a adubação verde a lanço, prática que consiste em jogar as

Page 126: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

124

sementes misturadas em um solo minimamente preparado com a roçada das

plantas espontâneas e a aeração superficial. Nessa área são cultivadas

espécies de ciclo anual em lavouras, e no momento o grupo estava realizando

a rotação de culturas com a adubação verde para posteriormente entrar com os

cultivos alimentares.

O solo também é beneficiado com o uso da ―cobertura morta‖, que

consiste na utilização de matéria orgânica seca para forrar e proteger a terra da

radiação solar, mantendo assim a umidade e evitando sua compactação. Em

grande parte dos canteiros e nos caminhos do sistema produtivo a cobertura

morta é aplicada com essa função. Contudo, por não haver uma fonte rica de

matéria seca no terreno, o grupo recebe grande parte desse material da

varrição de jardins das residências vizinhas que iriam dispor esse resíduo em

um local onde ele seria inutilizado, e no sistema produtivo o grupo reutiliza esse

importante insumo em seu favor e do ambiente.

O terreno do sistema produtivo está em uma área elevada margeada por

ribeirões. Muito provavelmente no período em que a cobertura vegetal primária

estava conservada existira o afloramento de água na área do terreno,

sobretudo pela característica da região de Itatuba em possuir um elevado

potencial hídrico. Entretanto, as possíveis nascentes de água que ali existiram

já estavam secas. Com isso, para ter acesso à água, o grupo inicialmente

utilizava-se do abastecimento público fornecido ao CCZ, coletado através de

uma mangueira e com alguns regadores se fazia a irrigação dos cultivos. Com

a expansão da produção e a redução do grupo, essa prática de irrigação com

regadores se tornou inviável. Portanto, foram instaladas mangueiras maiores

para ampliar o alcance da irrigação na área de horticultura do sistema

produtivo, agora a partir do abastecimento público fornecido para a Unidade

Básica de Saúde (UBS) do bairro. Futuramente se pretende ter o acesso a

água no próprio terreno, seja por poço, coleta de chuva ou por recuperação de

nascentes, com o intuito do sistema produtivo se tornar mais sustentável com

relação a esse recurso natural. Uma observação importante a ser colocada, é

referente ao fato de ter havido uma articulação, mediada pela equipe técnica

executora, entre o grupo e os aparelhos públicos locais para ter acesso à água,

Page 127: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

125

mostrando o quão importante é a participação da comunidade como um todo

em projetos que visam o envolvimento local sustentável.

Com o foco inicial do projeto voltado para a produção agrícola destinada

ao auto-consumo das famílias envolvidas, procurou se iniciar as atividades de

plantio com culturas de ciclo curto a médio, com hortaliças e uma pequena área

de lavoura com plantas anuais, de forma a obter colheitas mais rápidas para

estimular a participação da comunidade e favorecer o propósito de gerar renda

e segurança alimentar dentro dos cronogramas estabelecidos. Por haver

pessoas advindas dos mais diversos lugares do país55 e grande parte delas

trazer sua cultura camponesa, as formas de cultivar a terra frequentemente se

distinguem uma das outras. Com isso, muitas vezes existem dificuldades de

aceitamento pelos participantes por um modo de produzir em detrimento de

outro. As propostas para realização de plantios com enfoque agroecológico

trazidas pela equipe técnica sempre buscam valorizar e associar as diferentes

maneiras de produção agrícola trazidas pelos participantes e introduzir o

enfoque agroecológico de forma adequada a elas, como também a título de

experimento para comparar os diversos meios de se realizar uma agricultura de

base sustentável sem menosprezar nenhum conhecimento.

Foto 16: Início da implantação do Foto 17: Elaboração dos canteiros iniciais

sistema produtivo de Itatuba para o cultivo de hortaliças

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 16/12/2008 e 24/04/2009.

Grande parte das mudas e sementes utilizadas para os plantios foram

55

As origens das pessoas que compõem o grupo atual que realiza as atividades no sistema produtivo de

Itatuba serão abordadas mais adiante no texto.

Page 128: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

126

adquiridas pelo projeto e distribuídas pela equipe técnica. Porém, sempre

orientando os participantes ao propósito de se atingir uma autonomia na

produção destes insumos, como através do beneficiamento de sementes das

plantas cultivadas e da produção interna de mudas. No momento, o grupo

ainda não atingiu a auto-suficiência total na necessidade de produzir

internamente suas sementes e mudas. Por terem uma parte dessa produção

ainda incipiente, o grupo busca complementá-la por meio de compras em

outros locais ou utilizam as sementes e mudas fornecidas pelo projeto.

O trabalho realizado pela equipe técnica executora em fomentar a

autonomia do grupo e promover a auto-suficiência no agroecossistema

constitui-se numa das tarefas mais complexas de ser realizada. Procura-se nas

atividades formação teóricas e práticas, dialogar sobre a importância em se

suprimir as relações hierárquicas e de submissão para gerar a autonomia do

grupo, e estimula-se constantemente a necessidade em produzir seus próprios

insumos para atingir uma auto-suficiência na produção agrícola, de modo que

se favoreça a auto-regulação do agroecossistema.

Os plantios agrícolas foram realizados por etapas, criando núcleos de

cultivos formados por espécies que tiveram rotatividade ao longo tempo. Dados

coletados a partir de registros internos do projeto indicam que: no núcleo de

horticultura foram cultivadas cerca de 50 variedades de hortaliças e 25 de

plantas medicinais e aromáticas; no núcleo de lavoura existiram mais de 30

tipos de plantas anuais; além das variedades perenes que estão distribuídas

entre os núcleos e das que estão presentes no sistema agroflorestal que será

abordado mais adiante no texto. Só na primeira fase do projeto foram

realizados mais de 17.000 plantios, dentre mudas e sementes utilizadas em

todos os núcleos, com uma média aproximada de 200 espécies cultivadas.

Muitas dessas variedades cultivadas permanecem atualmente plantadas ou em

rotação no sistema produtivo. Na tabela 08, pode ser observada a diversidade

de espécies cultivadas pelo grupo atualmente ao longo das atividades.

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127

Tabela 08: Variedade de espécies cultivadas em rotação atualmente no sistema produtivo

Variedades de hortaliças:

Abobrinha italiana, abobrinha africana, acelga, agrião apimentado, alcachofra, alface americano, alface crespo, alface crespo roxo, alface liso, alface mimoso, alface mimoso roxo, alface quatro estações, alho, alho poro, almeirão catalonha, almeirão de corte, almeirão pão de açúcar, berinjela, beterraba, brócolis ninja, brócolis ramoso, caruru, cebola crioula, cebola roxa, cebolinha, cenoura, chicória, coentro, couve, couve flor, escarola, espinafre, jiló, morango, mostarda, pimenta cambuci, pimenta de bode, pimenta dedo de moça, pimentão, rabanete, radichio, repolho, repolho roxo, rúcula, salsa, salsão, serralha, tomate cereja.

Variedades de plantas medicinais

e aromáticas:

Alecrim, alfavaca, anis estrela, babosa, bálsamo, boldo, boldo do chile, camomila, capim santo, capuchinha, cavalinha, citronela, erva doce, gravatá, hortelã, hortelã pimenta, levante, losna, manjericão, manjerona, mastruz, melissa, mil folhas, pariparoba, poejo, tanchagem.

Variedades de plantas anuais:

Abacaxi, abóbora menina, abóbora moranga, abóbora paulista, açafrão, amendoim, araruta, batata doce, batata inglesa, cabaça, caramuela, chuchu, ervilha torta, fava, feijão carioca, feijão de corda, feijão guandu, feijão rajado, feijão vermelho, gengibre, girassol, inhame, mandioca, maxixe, melancia, melão caipira, milho crioulo mogiano, milho crioulo caiano, milho canjica, milho pipoca, milho roxo, quiabo, quiabo de metro.

Variedades de plantas perenes:

Amendoim forrageiro, amora, aroeira pimenta, assa peixe, banana, caju, cana, caruru de veado, eucalipto, flores diversas, jurubeba, mamão, manga, maracujá, nêspera, romã, taioba.

Fonte: Tabela elaborada pelo autor a partir de dados presentes em relatórios do projeto Colhendo Sustentabilidade.

A partir dessa variedade, nos núcleos de cultivo as espécies são sempre

consorciadas, prezando pela diversificação e adequação ao ambiente, ciclos

naturais e a cultura agrícola e alimentícia das famílias participantes. A

consorciação permite otimizar a produção pelo melhor aproveitamento da área

e dos recursos existentes, conferindo um aumento da biodiversidade e

minimizando riscos caso haja problemas com alguma cultura. Entretanto, nem

todos os cultivos podem ser associados numa mesma área, tendo que

considerar aspectos como tolerância a sombreamento, profundidade do

sistema radicular e hábito de crescimento. Assim, as plantas são divididas em

companheiras e antagonistas (HENZ; ALCÂNTARA; RESENDE, 2007, p. 55).

Quando companheiras há uma ajuda recíproca entre os cultivos que acabam

por beneficiar seu crescimento, e quando antagônicas há o favorecimento de

uma espécie cultivada sobre outra. Muitas vezes também, o consórcio das

espécies promove uma proteção para os cultivos, por exemplo, ao cultivar

plantas aromáticas, com sabor e cheiro forte, em meio ao cultivo de hortaliças

evitam-se problemas com insetos que danificam a horticultura, pois afastam ou

inibem a ação desses seres vivos. Contudo, como qualquer outra estratégia de

manejo agroecológico, não se deve utilizar de tais práticas de forma isolada,

mas sim em conjunto com outras técnicas para que haja maior equilíbrio no

sistema produtivo (Idem, ibid., p. 57).

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128

Foto 18: Primeiros cultivos consorciados de

plantas anuais

Foto 19: Plantios iniciais de hortaliças

associadas nos canteiros

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 28/01/2009 e 08/05/2009.

A diversidade de cultivos é importante para o grupo de participantes

assim como para o ambiente do sistema produtivo por diversas razões. De

acordo com Gliessman (2005, p. 450):

Com mais diversidade, cada espécie pode ser cultivada em um local especifico da área

que esteja adequado às exigências da espécie escolhida;

O aumento contínuo da diversidade eleva as oportunidades para coexistência e a

interferência benéfica entre as espécies;

Os ambientes perturbados decorrentes do manejo agrícola podem ser melhor

explorados;

Frequentemente uma maior diversidade permite um uso mais eficiente dos recursos

naturais disponíveis;

A diversidade reduz o risco para os produtores, pois se uma cultura não for bem

sucedida, as outras podem compensá-la;

Um conjunto de distintas culturas pode criar uma diversidade de micro-climas dentro do

sistema produtivo que podem atrair organismos benéficos aos cultivos;

A diversidade na paisagem agrícola pode contribuir para a conservação da

biodiversidade em ecossistemas adjacentes;

O aumento da diversidade promove uma variedade de serviços ecológicos dentro e

fora do sistema, como a reciclagem de nutrientes e a regulação hídrica local.

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129

Figuras 08 e 09: Algumas hortaliças e frutas cultivadas no agroecossistema

Fonte: figuras elaboradas a partir de fotografias realizadas por John H. B. Zappala entre 2009 e 2011.

A biodiversidade visível no terreno estava reduzida a alguma formação

de capoeira e de vegetação herbácea, ainda com a existência de diversos pés

de eucalipto e pouca diversidade de fauna. Uma vegetação secundária estava

ainda em processo muito incipiente de formação, notado pela presença

elevada de plantas espontâneas56, em sua maioria adventícias, e algumas

espécies nativas pioneiras arbustivas e arbóreas. A partir da troca de

conhecimentos entre os participantes do projeto e a equipe técnica executora,

houveram diálogos sobre a importância dessas formações vegetais já

existentes no ambiente do terreno. Essas plantas dão sinais importantes sobre

o funcionamento e formação do ecossistema, como a qualidade do solo e o

clima local (INSTITUTO GIRAMUNDO MUTUANDO; PROGERA, 2009, p. 26).

Portanto, essa vegetação se constitui como indicadora viva de como se

pode realizar um manejo adequado naquele ambiente específico, o que alguns

participantes já tinham como conhecimento por suas experiências na

agricultura. Assim, essa vegetação espontânea passou a ser considerada como

uma aliada que está a disposição para auxílio dos participantes quando feito

um manejo adequado sobre ela. A implantação do sistema produtivo incorporou

grande parte dessa diversidade existente e a ampliou significativamente como

vimos acima, e ao ser associada às demais práticas sustentáveis

56

A vegetação espontânea é aquela que aparece quando o solo está exposto ou com pouca diversidade.

Ela surge com o objetivo de recolonizar a área rumo à formação de um ambiente com maior

biodiversidade. A vegetação espontânea abre o caminho para o estabelecimento de plantas mais

arbustivas e arbóreas ao longo do tempo, na busca de reconstruir um ecossistema próximo do original

(INSTITUTO GIRAMUNDO MUTUANDO; PROGERA, 2009, p. 26).

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130

desenvolvidas, promoveram a formação de um agroecossistema.

Foto 20: Diversidade de hortaliças na área Foto 21: Canteiro circular com alfaces diversas

onde antes havia adubação verde e plantas aromáticas no centro

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 25/09/2009 e 05/11/2010.

Para que essa diversidade de plantas possa ter um crescimento

adequado numa área que estava extremamente degradada, o manejo

agroecológico da terra para elaboração de canteiros e implantação de lavouras

faz toda diferença na produção.

Na elaboração de canteiros, os participantes revolvem a camada

superficial fértil do solo para aerar e descompactar a terra. Frequentemente

eles abrem uma vala no meio do canteiro, enchem ela com matéria orgânica

seca e cobrem a vala cheia com a terra. Os canteiros atingem entre 30 a 40

cm de altura com comprimentos e formatos variados para favorecer a criação

de micro-habitats no agroecossistema. Por cima dos canteiros, assim como de

boa parte de todo solo da área, é realizada a aplicação de ―cobertura morta‖,

matéria orgânica seca que protege o solo.

Outra técnica utilizada pelo grupo é o chamado ―canteiro instantâneo‖,

recomendável para áreas onde o solo está muito compactado e pouco fértil.

Consiste em elaborar um canteiro com uma estrutura feita basicamente por

matéria orgânica seca, como galhos e folhas, até atingir cerca de 70 cm de

altura. São feitas aberturas ao longo do canteiro nos lugares onde serão

realizados os plantios.

Utiliza-se em ambas as técnicas uma quantidade de composto orgânico

no exato local onde se realiza o plantio para fertilizar o solo onde a planta irá

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131

crescer. São técnicas que mesclam o saber popular tradicional e os

ensinamentos da agroecologia no preparo do solo para o cultivo.

Foto 22: Elaboração de canteiro

instantâneo com palha

Foto 23: Plantio de ervas medicinais no

canteiro espiral estruturado com entulho

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 17/04/2009 e 13/03/2010.

Outra importante contribuição em benefício do grupo e à formação do

agroecossistema foi a implantação de um Sistema Agroflorestal (SAF). A

agrofloresta é uma forma de uso da terra que combina a produção de culturas

agrícolas com espécies florestais, de forma simultânea ou em sequência na

mesma área, buscando conciliar produtividade e rentabilidade econômica com

a conservação do ambiente e a melhoria da qualidade de vida e do trabalho

dos agricultores. Consiste ainda, na tentativa de harmonizar as atividades da

agricultura com os processos naturais específicos de cada lugar (FRANCO,

2007, p. 05-06). Assim, a implantação do SAF se espelha na diversidade e no

processo de sucessão natural57 do ecossistema local para produzir alimentos e

outros produtos agrícolas através do conhecimento do ambiente e do manejo

planejado pelos agricultores.

Dentre as variações de práticas existentes para a elaboração de um

SAF, no agroecossistema de Itatuba os técnicos e o grupo optaram pela

combinação de espécies arbóreas, a partir de mudas, com culturas agrícolas

anuais a partir de sementes, classificada por Gliessman (2005, p. 490) como

57

Sucessão natural é a sequencia de modificações na composição das associações de plantas em um

ecossistema ao longo do tempo e do espaço. Cada espécie vegetal possui sua função e dentro da

sucessão uma planta cria e auxilia a outra, preparando o terreno onde uma ocupará o lugar que a outra

ocupava, sucedendo-a até o ambiente se estabilizar dinamicamente (FRANCO, 2007, p. 06).

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132

agrossilvicultura. Cada espécie ou cultura foi disposta e plantada de acordo

com seus requerimentos ecológicos para possibilitar seu desenvolvimento

adequado, atendendo a necessidade de nutrientes, água, radiação solar e área

que ocupa no local (FRANCO, 2007, p. 05), sendo essas características

combinadas através de um planejamento elaborado pela equipe técnica

executora com contribuições dos participantes do projeto.

Para o planejamento do SAF, a equipe técnica elaborou um croqui

(Anexo I) com uma proposta de implantação adequada ao terreno e mudas e

sementes disponíveis. O passo a passo de sua construção foi apresentado aos

participantes com o intuito de obter contribuições à proposta, como quais

culturas anuais eles desejavam produzir neste núcleo, ao mesmo tempo em

que ocorria a formação do grupo sobre o tema, e assim o processo fosse

construído de forma mais participativa.

A área destinada para o SAF forma um núcleo produtivo de

aproximadamente 1.000m² do terreno, onde foram utilizadas 152 mudas de

plantas arbóreas dentre 38 espécies, em sua maioria nativas da Floresta

Atlântica como mostra a tabela 09. As plantas estão dispostas em oito linhas no

sentido Leste-Oeste para obter boa luminosidade solar, com espaçamento de

três metros entre as mudas e entre as linhas de plantio. Entre as mudas, de

forma sucessiva em toda linha, estão intercalados plantios de margaridão

(Tithonia diversifolia), como fonte de biomassa e sombra, e adubação verde

com bananeiras, como fonte de nitrogênio, potássio e água. Nas entre-linhas

são plantadas culturas anuais como abacaxi, abóbora, mandioca, milho e feijão

de forma associada e rotativa a cada ciclo específico e de acordo com o

calendário agrícola dos participantes.

Tabela 09: Mudas plantadas e sua disposição no Sistema Agroflorestal

Linha 1 Linha 2 Linha 3 Linha 4 Linha 5 Linha 6 Linha 7 Linha 8

Araçá Eritrina Jatobá Ipê amarelo Araçá

Ipê amarelo Jatobá Eritrina

Banana Araucária Banana Guabiroba Banana Guabiroba Banana Araucária

Goiaba Banana Ingá Banana Ingá Banana Ingá Banana

Paineira Uvaia Jacarandá mimoso Pitanga Guanandi Pitanga Araribá Uvaia

Banana Manga Banana Jabuticaba Banana Jabuticaba Banana Manga

Pitanga Banana Jatobá Banana Goiaba Banana Jatobá Banana

Urucum Quaresmeira Pindaíva Pau brasil Cambuci Mirindiba Pindaíva Quaresmeira

Banana Cambuci Banana Palmito juçara Banana

Palmito juçara Banana Cambuci

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133

Araçá Banana Cereja do rio grande Banana Café Banana

Cereja do rio grande Banana

Sibipiruna Goiaba Imbiruçu Castanha maranhão Jequitibá

Castanha maranhão Imbiruçu Goiaba

Banana Guabiroba Banana Palmito juçara Banana

Palmito juçara Banana Guabiroba

Urucum Banana Ingá Banana Café Banana Ingá Banana

Cereja do rio grande

Aroeira salso Guabiroba Mirindiba Cambuci Pau Brasil Guabiroba

Aroeira salso

Banana Manga Banana Jabuticaba Banana Jabuticaba Banana Manga

Jabuticaba Banana Ingá Banana Goiaba Banana Ingá Banana

Paineira Uvaia Pau ferro Guabiroba Guanandi Guabiroba Alecrim de campinas Uvaia

Banana Araucária Banana Jerivá Banana Jerivá Banana Araucaria

Goiaba Banana Grumixama Banana Ingá Banana Grumixama Banana

Tangerina Eritrina Cabreúva Ipê roxo Araçá Ipê roxo Cabreúva Eritrina

Fonte: Tabela elaborada pelo autor a partir de dados presentes no croqui do Sistema Agroflorestal de Itatuba e

relatórios do projeto Colhendo Sustentabilidade.

Na escolha das espécies utilizadas no SAF, procurou-se atentar para o

uso de plantas mais rústicas e adequadas ao ecossistema da região, e no

plantio, combiná-las da melhor forma possível em um adensamento e

disposição que favorecesse o processo de sucessão natural entre elas, além

de permitir seu consorciamento com a introdução de culturas anuais ao longo

de seu desenvolvimento. Nas fotos 24 e 25 é possível observar a diferença no

gradiente da paisagem com relação ao segundo plano das imagens. Na foto 24

é nítida a diferença que compõe a paisagem, e na foto 25 essa evidência passa

a ser minimizada com o crescimento do SAF, ou seja, ele começa a se integrar

a paisagem do bioma.

Foto 24: Área do SAF preparada antes de

sua implantação no terreno

Foto 25: Área do SAF após um ano e meio

de crescimento das espécies plantadas

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 14/06/2009 e 25/02/2011.

A implantação do SAF procurou otimizar os efeitos benéficos das

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134

interações que ocorrem entre os componentes arbóreos e as culturas, a fim de

obter maior diversidade de produtos à segurança alimentar e à comercialização

em diferentes épocas do ano, incrementado a renda dos participantes em curto,

médio e longo prazo. Ou seja, se consegue rendimentos econômicos a partir

das culturas anuais e plantas frutíferas de ciclo curto, enquanto se aguarda a

maturação das espécies florestais de ciclo mais longo (FRANCO, 2007, p. 08).

De acordo com Furlam (2006, p. 09-10),

[...] A articulação entre sistemas agroflorestais, geração de renda e

segurança alimentar é possível e seu êxito depende

fundamentalmente do trabalho das comunidades e das iniciativas que

promovam a cooperação e o intercâmbio de conhecimentos e

experiências locais. [...] O manejo por sistemas agroflorestais tem

demonstrado ser capaz de satisfazer as necessidades das famílias ao

longo do ano inteiro, e em muitos casos produzirem excedentes para

comercializar em mercados regionais, nacionais e internacionais. [...]

Esses efeitos benéficos também colaboram para diminuir as necessidades de

insumos externos ao sistema, reduzir os impactos que as práticas agrícolas

proporcionam no ambiente, e promover a recuperação de uma área degradada

em consonância com o ecossistema em que está inserido o sistema produtivo

como um todo (GLIESSMAN, 2005, p. 490; NARDELE; CONDE, [20--], p.04).

Um sistema agroflorestal toma o ecossistema local como referência para

sua elaboração e com isso pretende se aproximar ao máximo da dinâmica

natural do bioma em que está inserido. Assim, ele pode contribuir com os

mesmos benefícios que traz um agroecossistema sustentável com enfoque

agroecológico ao meio socioambiental local, aliando produção de alimentos e

conservação cultural e natural. Ou seja, possibilita a recuperação e a

conservação da fertilidade do solo, aumenta a biodiversidade na área, auxilia

na manutenção dos recursos hídricos, utiliza os recursos naturais de forma

sustentável, promove a recuperação e a conservação do ecossistema no local

e em seu entorno, valoriza o conhecimento tradicional dos agricultores,

possibilita maior segurança alimentar aos produtores, diminui os riscos em

eventuais perdas de cultivos, incrementa a renda das famílias e garante às

Page 137: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

135

presentes e futuras gerações maior qualidade de vida, contrapondo-se ao

sistema de produção agrícola convencional dominante apresentado no capítulo

um. A figura 10 traz uma comparação entre as diferenças de manejo e de

sucessão entre um meio natural e um meio agroflorestal, e as compara com o

manejo da agricultura convecional.

Figura 10: Comparação entre a sucessão natural, agricultura convencional e agricultura

agroflorestal num ecossistema

Fonte: Sistemas Agroflorestais (FRANCO, 2007, p. 15).

Observa-se na figura 10, a ocorrência de um processo de sucessão

natural ao longo do tempo aonde, dentre outros fatores, o solo vai se

aprofundando e ganhando características de fertilidade junto com o aumento

da diversidade da vegetação até atingir um ponto de estabilidade. Com a

introdução da agricultura convencional dominante, essas características vão

sendo suprimidas com a introdução de monoculturas e o manejo agrícola feito

através de pacotes tecnológicos que usam maquinaria pesada e insumos

químicos industrializados, até que o sistema se torne degradado e

consequentemente improdutivo. A partir do uso de técnicas agroecológicas

introduzidas com a implantação de um sistema agroflorestal, a fertilidade do

solo e a diversidade da vegetação aumentam de forma concomitante entre

Page 138: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

136

esses e outros fatores, resgatando aspectos de um ecossistema natural, porém

em um período de tempo mais curto devido ao manejo seletivo dos agricultores

feito de forma sustentável.

As atividades de implantação inicial dos núcleos de cultivos geralmente

são realizadas em mutirões de um ou dois dias que reúnem os agricultores do

sistema produtivo e pessoas voluntárias, tanto da comunidade como de outras

regiões. Essa é uma forma de apoio mútuo comum entre agricultores

familiares, onde se reúnem vizinhos e amigos para um dia de trabalho na

propriedade de uma família agricultora, que fornece alimentação aos demais.

Assim, sempre que há a necessidade ou como um compromisso cordial entre

os agricultores, eles se revezam para agraciar a cada período uma família

diferente (NARDELE; CONDE, [20--], p. 14). Com esse espírito, o projeto visa

resgatar essa prática nas atividades mais significativas ou iniciais de um núcleo

de produção comunitário, sempre de forma planejada e formativa.

No agroecossistema de Itatuba os mutirões para implantação dos

núcleos de lavoura, do sistema agroflorestal, e de horticultura em seu início,

foram todos pré-planejados de forma que se beneficiassem todos os

envolvidos, com uma formação mais efetiva sobre as atividades realizadas.

Também para compreenderem a importância de sua realização em mutirão,

uma forma de resgatar práticas cooperativas tradicionais que se perderam ao

longo dos anos e trazê-las de forma adequada a uma nova realidade inserida

no contexto da cidade.

Foto 26: Mutirão para implantação de

lavoura

Foto 27: Mutirão para implantação da

agrofloresta

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 01/09/2009 e 26/06/2009.

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137

Como fruto de todo esse trabalho realizado pelas famílias participantes

em conjunto com a equipe técnica a partir das propostas do projeto Colhendo

Sustentabilidade, vieram sucessivas e diversas colheitas dos produtos

cultivados. Em linhas gerais, pode-se dizer que ao longo de três anos de

atividades no agroecossistema de Itatuba foram colhidas quantidades e

qualidades consideráveis de alimentos destinados para suprir boa parte da

demanda alimentar das famílias envolvidas na produção e ainda gerar um bom

excedente. Na primeira fase do projeto, por dados de registro interno do

projeto, estima-se que foram realizadas mais de 5.000 colheitas em todos os

núcleos de cultivo desse sistema produtivo.

As boas colheitas indicam que é possível produzir alimentos saudáveis

no meio urbano e periurbano sem necessariamente degradar o ambiente onde

se dá a reprodução dos meios de vida, ao contrário, o conserva e o recupera a

partir de uma agricultura de base sustentável com enfoque agroecológico, onde

se considera tanto os ensinamentos científicos como os trazidos e construídos

de forma empírica pelos participantes ao longo das atividades descritas. Com

isso, garantiu-se um aumento na segurança alimentar e nutricional das famílias

envolvidas além de diversificar sua alimentação com produtos que geralmente

não se consumia, e gerar renda com o que elas deixaram de gastar com a

compra desses alimentos.

Figuras 11 e 12: Agricultores realizando as colheitas e levando os produtos

Fonte: figuras elaboradas a partir de fotografias realizadas por John H. B. Zappala entre 2009 e 2011.

Page 140: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

138

Figuras 13 e 14: Algumas hortaliças e plantas anuais colhidas no agroecossistema

Fonte: figuras elaboradas a partir de fotografias realizadas por John H. B. Zappala entre 2009 e 2011.

O excedente dessa produção passou a possibilitar uma incipiente

experiência de comercialização direta no próprio agroecossistema e nas

vizinhanças, como também em eventos periódicos que aconteceram no

município. Os participantes colhiam os produtos e levavam a seus

consumidores ou estes vinham ao terreno realizar suas compras. A idéia de

gerar uma renda extra às famílias envolvidas começou a tomar corpo e elas

começaram a se organizar para ampliar a produção e formar um fundo

financeiro com a renda que entrava pela venda das hortaliças. A princípio essa

organização ficou sob responsabilidade da equipe técnica executora com o

acompanhamento dos participantes. Nesse momento, as famílias envolvidas no

sistema produtivo localizado no parque municipal Francisco Rizzo também

estavam integradas pela proposta de comercialização e então os dois grupos

se uniram para um fortalecimento mútuo.

Com o tempo, o foco da produção destinado para auto-consumo passou

a mudar para o da comercialização, sem necessariamente deixar o outro de

lado. Com isso, algumas famílias que não estavam pré-dispostas a se

organizar em um grupo com a finalidade de comercializar produtos, optaram

por sua saída do projeto. Outras não permaneceram por dificuldade em se

adaptar as propostas de formar um grupo organizado sem hierarquias onde se

pudesse produzir de forma cooperada. Alguns conflitos de idéias e princípios,

além de financeiros, inevitavelmente começaram a surgir, o que também

afastou algumas pessoas. Assim o grupo foi se selecionando até atingir a

configuração atual com sete integrantes.

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139

Apesar da saída de muitas famílias, a formação desse grupo associado

constitui-se em uma das maiores conquistas do projeto e dos próprios

participantes. A partir dele ficou evidente que além de produzir alimentos

saudáveis de forma sustentável para o auto-consumo, através da agricultura

urbana e periurbana também é possível gerar trabalho e renda com a prática

da comercialização do excedente da produção, e ainda suprir uma parcela da

demanda local por produtos agrícolas. Entretanto, é preciso salientar que a

agricultura urbana e periurbana não pretendem substituir a agricultura rural, e

sim complementá-la (PLANEJAMENTO..., 2006). Além disso, no grupo

permaneceram aqueles que mais se apropriaram e tomaram para si os

princípios e conceitos da agroecologia, passando a ser multiplicadores dessa

forma de entender o mundo e se relacionar em sociedade, ao menos como

agricultores. Tornaram-se assim, uma referência no município no que diz

respeito à agricultura de base sustentável, ainda que com muitos desafios a

serem superados.

A organização desse grupo culminou com a formação do

empreendimento popular de economia solidária ―Elo da Terra‖ em janeiro de

2010. Em caráter informal e experimental, eles passaram a comercializar sua

produção em uma banca instalada uma vez por semana em frente ao parque

Francisco Rizzo. O experimento rendeu bons frutos e os integrantes passaram

a realizar esse ponto de comercialização de forma permanente as quartas-

feiras. Hoje eles também escoam sua produção para restaurantes,

empreendimentos solidários de consumo consciente, em eventos municipais e

regionais, diretamente nos sistemas produtivos como no início, e numa feira

denominada ―Feira Agrossustentável‖, realizada quinzenalmente aos domingos

no mesmo parque municipal junto a outros agricultores urbanos e periurbanos

do município e região que são acompanhados pelo projeto. Em média eles

chegam a comercializar entre oitocentos a mil reais por mês, e a renda obtida é

distribuída entre os integrantes do grupo de acordo com as horas trabalhadas

de cada um, e uma pequena parcela fica no fundo de investimentos58 como

58

No caso do Elo da Terra, o grupo decidiu em assembléia por ter um fundo de investimento indivisível,

ou seja, ele não pertence aos membros, mas ao empreendimento. Nesse molde, o fundo sinaliza que o

empreendimento não está a serviço de seus membros, mas de toda sociedade (SINGER, 2002, p. 15).

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140

garantia para qualquer eventualidade ou necessidade do grupo. O

acompanhamento desse empreendimento é realizado pelos técnicos do projeto

através de um processo de incubação59 seguindo os conceitos e princípios da

Economia Solidária.

A idéia central nas formas de comercialização do grupo é sempre trazer

a compra para mais perto da produção e assim melhorar os preços dos

produtos de forma justa, tanto para os agricultores como para os consumidores.

Isso também possibilita melhorar a qualidade dos produtos ofertados, já que

eles chegam mais frescos ao destino final. Os consumidores possuem um

papel muito importante nesse processo, pois ao estimular os produtores locais

através da compra direta, o mercado local também é fortalecido, criando maior

independência da economia de mercado (INSTITUTO GIRAMUNDO

MUTUANDO; PROGERA, 2009, p. 20).

Atualmente a economia de mercado é pautada pela competitividade em

todas as suas esferas, desde a produção até o trabalhador. Com a junção de

empresas multinacionais, por um lado essa competição na economia foi

minimizada sem deixar de existir e ser orientadora da sociedade, e de outro,

criaram-se oligopólios gigantescos que acabam por reger a vida e

consequentemente o pensamento das pessoas (SINGER, 2002, p. 07). Em

partes, isso explica porque a economia atual produz desigualdade de forma

crescente na sociedade, pois se há competição necessariamente deve haver

um ganhador e, no caso, alguns milhões de perdedores. De acordo com Singer

(2002, p. 09) ―para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a

igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse

solidária em vez de competitiva‖. E mais, uma sociedade diferente da atual não

deve se pautar apenas na esfera econômica para guiar seus rumos, e sim ter

esse aspecto como parte das outras formas de ―organizar a casa‖ no seu todo.

Para isso as pessoas devem procurar cooperar entre si ao invés de competir

Em caso de encerramentos das atividades, esse fundo será repartido entre os integrantes que estiverem

no corpo de trabalho nesse momento, de acordo com o tempo de colaboração de cada um ao

empreendimento. 59

Incubação é um processo de acompanhamento permanente realizado por terceiros, geralmente com uma

metodologia participativa, que dá assessoria para identificar demandas em empreendimentos

populares e planejar estratégias a serem adotadas de acordo com sua realidade (AUTOGESTÃO...,

2007, p. 17).

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141

para se reproduzir socialmente. De forma deturpada, essa cooperação existe

no interior da economia de mercado, pois cada atividade especializada

depende da outra para ser completa. Ocorre que, essa forma de cooperar não

está organizada igualitariamente ou equitativamente, pois as pessoas estão

associadas através de um contrato entre desiguais, e não entre iguais como

propõe a economia solidária (Idem, ibid., p. 09).

Na forma de produção cooperada que a equipe técnica propõe ao grupo

de agricultores, todos devem ter direitos sobre a parcela de renda obtida, de

acordo com sua dedicação no empreendimento, e sobre as decisões tomadas

sempre em assembléias, onde ninguém manda em ninguém. Se houver

progressos todos ganham e se houver prejuízos todos compartilham (Idem,

ibid., p. 10). No processo de formação dos integrantes, se enfatiza o

entendimento de que a desigualdade não é natural como se faz crer no modo

atual de organização das atividades econômicas. A aplicação dos princípios de

produção e propriedade coletiva une todos na busca de um objetivo comum,

onde a solidariedade e a equidade regem as ações do empreendimento.

Contudo, há a necessidade de uma orientação permanente para que se atinjam

esses objetivos, e que é feita através do processo de incubação do grupo. Em

concordância com Gonçalves (2010, p. 109) pode-se dizer que:

No decorrer dos trabalhos, essa experiência ganhou um caráter

maior, de transformações nas relações sociais locais, principalmente

quando se pensa nas relações de trabalho com os princípios da

economia solidária. A experiência também mostrou um caráter de

novas apropriações do espaço, com o uso do solo para produzir

alimento para o auto-consumo e para a comercialização, algo não

comum em se tratando de espaço urbano.

No processo de incubação, o grupo é orientado para a construção de um

empreendimento popular de agricultura urbana e periurbana administrado de

maneira democrática pela autogestão, na busca de atingir uma autonomia em

sua organização, estrutura e recursos financeiros. Através da autogestão as

decisões são tomadas coletivamente em assembléias realizadas pelo grupo

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142

semanalmente, visando uma horizontalidade nas relações internas (SINGER,

2002, p. 18). Contudo, as pessoas não são naturalmente inclinadas à

autogestão por estarem imersas num contexto alienante promovido pelo modo

de organização econômico da sociedade moderna pautado pela diferença e

hierarquia nas relações de trabalho, e por isso não raras vezes essa prática

corre o risco de ser corroída pela ―lei do menor esforço‖, pois é muito raro que

algum integrante se preocupe em discutir se alguma decisão tomada foi

realmente a melhor (Idem, ibid. p. 20-22, grifo nosso). O bom funcionamento da

autogestão está ligado à participação quantitativa e qualitativa de cada

integrante, implicando em uma mudança na cultura de produção e de gestão

no empreendimento, e necessariamente na cultura de todos os envolvidos

(AUTOGESTÃO..., 2007, p.12). Com a incubação, os técnicos executores

procuraram realizar uma formação nesse sentido e elaborar participativamente

formas de sistematização do trabalho, planejamento de produção e

comercialização, organização das atividades, distribuição de tarefas, e a

criação de um regimento interno com as diretrizes que orientam o

empreendimento. Também houve diálogos sobre resolução de conflitos,

métodos de administrar a renda obtida, formas de retiradas mensais60,

maneiras de captação de recursos através de projetos, além de uma orientação

para uma institucionalização do empreendimento, já que ele ainda se encontra

na informalidade, o que dificulta o acesso a recursos e financiamentos. Troca

de experiências com outros agricultores e outros empreendimentos solidários

também fizeram parte da formação do grupo, junto a uma série de

participações em eventos relacionados à agroecologia e a economia solidária.

Assim, o grupo foi se tornando mais maduro com o tempo e hoje já

apresenta indicadores de que pode chegar a uma estrutura autônoma

cooperada, mas um acompanhamento orientador ainda se faz bastante

necessário, sobretudo no que tange os ensinamentos da Economia Solidária.

Existem fragilidades em sua estrutura organizacional e dificuldades em

aumentar a retirada mensal dos integrantes, pois ela ainda é muito baixa para

60

Em empreendimentos solidários os integrantes não recebem salários escalonados que visam à

maximização dos lucros, mas sim retiradas que variam conforme a receita obtida, onde o grupo decide

coletivamente se as retiradas devem ser iguais ou diferenciadas entre os membros (Idem, ibid., p. 12).

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143

que eles possam viver apenas com essa renda. Com isso, boa parte do grupo

não se dedica exclusivamente às atividades ligadas diretamente ao

agroecossistema, o que dificulta ainda mais a formação de um

empreendimento coeso e economicamente viável. Algumas outras dificuldades

atuais estão deixando os integrantes do grupo um tanto preocupados, como

com a ocorrência da venda do terreno público onde está o agroecossistema de

Itatuba. Esse fato deixou o empreendimento bastante incerto quanto a sua

continuidade, pois nessa área está o principal sistema de produção agrícola do

grupo. Contudo, eles estão organizados para lidar com o problema e até certo

ponto confiantes quanto a sua permanência no local.

Foto 28: Banca semanal em frente ao

parque municipal

Foto 29: Comercialização na Feira

Agrossustentável

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 31/01/2011 e 03/07/2011.

O projeto Colhendo Sustentabilidade também vive um momento de

transição com o fim do convênio entre a prefeitura municipal e a SEAE para o

repasse de recurso em sua segunda fase. O poder público local está

assumindo a responsabilidade em continuar as propostas do projeto nas

comunidades onde ele está inserido e assim não paralisar todo trabalho. Por

outro lado, parte da equipe técnica executora firmou um compromisso entre os

membros do corpo interno de trabalho para dar continuidade às ações

realizadas, porém de forma voluntária, como uma militância pela causa, mas

não com a mesma freqüência diária que é possível pela remuneração que é

feita ao trabalho, suprindo os gastos necessários para uma atuação integral. O

intuito principal desse voluntariado consiste, principalmente, em não permitir

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144

que haja um impacto negativo nas comunidades com uma transição brusca,

onde se corre o risco de que parte, ou toda proposta se perca.

Nesse sentido, conforme apresentado ao longo do texto, há um grande

potencial à conservação da diversidade cultural e natural nas ações

desenvolvidas através da implantação do agroecossistema de Itatuba que não

pode ser desperdiçado devido a dificuldades conjunturais transitórias por parte

das agências de fomento ao projeto. Dessa forma, o acompanhamento da

equipe técnica executora no agroecossistema de Itatuba, assim como ao Elo

da Terra, continua sendo realizado, ainda que com menor freqüência, mas com

o mesmo intuito de promover junto aos agricultores uma transformação

socioambiental em âmbito local e regional.

Fotos 16 e 30: Imagens de dois momentos do agroecossistema de Itatuba no mesmo ângulo de

visão: no início em dezembro de 2008 e após três anos de atividades em novembro de 2011

Fonte: fotografias realizadas por John H. B. Zappala respectivamente em 16/12/2008 e 04/11/2011.

5.4. Troca de experiências e saberes

Ao longo de todo processo de implantação do agroecossistema em

Itatuba houve uma intensa troca de experiências e saberes entre a equipe

técnica do projeto e as famílias envolvidas, e entre elas próprias, o que

enriqueceu sobremaneira toda proposta.

Como colocado no item anterior, o autor da presente análise integra a

equipe de trabalho que executou o projeto em suas duas fases como um dos

coordenadores técnico-pedagógico na implantação de sistemas produtivos e de

formação das famílias nas comunidades do município. Essa função

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145

essencialmente se desenvolveu com atividades diárias de campo junto aos

participantes nas comunidades do município. Através de registros diários, o

material coletado em campo foi regularmente anotado contendo as atividades

desenvolvidas nos encontros, conversas do cotidiano, relatos espontâneos,

expressões e impressões que posteriormente eram transferidas para relatórios

mensais.

Por essa fonte de dados, tomando como base a análise qualitativa

interpretativa de observação participante61, procuraremos trazer alguns

depoimentos relativos ao acompanhamento atual, feitos especificamente pelos

participantes do agroecossistema de Itatuba e que correspondem aos

integrantes do empreendimento solidário Elo da Terra, com ênfase em parte da

história de vida dessas pessoas no que tange seu passado camponês, sua

migração ao município de Embu das Artes e as contribuições que o projeto

trouxe à suas vidas através de seu enfoque agroecológico.

Houve um trabalho de acompanhamento muito próximo das famílias

participantes, o que permitiu uma relação de cumplicidade entre elas e o autor.

Dessa forma, em grande medida, elas deixaram de olhar para o técnico como

um agente externo ao trabalho, mas sim como um deles. Claro que sempre

houve uma relação diferente, pois o estereótipo de técnico não deixou de existir

perante os participantes, apenas foi amenizado com o tempo nas conversas e

práticas do cotidiano.

De acordo com Bosi (2003, p. 60), numa relação entre pesquisador e

depoente, de maneira análoga no projeto, entre técnico e participante, “[...]

ambos sofrem o peso de estereótipos, de uma possível consciência de classe,

e precisam saber lidar com esses fatores no curso da entrevista‖, em particular,

neste caso, dizemos ―no curso das atividades‖. Segundo a autora, lapsos e

incertezas nos relatos possibilitam a autenticidade às falas das pessoas e,

muitas vezes, os que falam de forma segura e linear correm maior risco de

serem levados pelo estereótipo (BOSI, 2003). Sem o intuito de fazer uma

entrevista onde se pretende coletar histórias orais dos interlocutores, esse

processo ocorreu naturalmente ao longo das ações do projeto através dos

61

Ver a introdução do trabalho no que se refere à análise qualitativa interpretativa de observação

participante.

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146

registros de campo onde se captavam essas informações orais dos

participantes como indicadores do trabalho. Assim, o risco de cair em

estereótipos ou falas evasivas foi bastante reduzido, já que as anotações eram

realizadas durante o trabalho, sem que houvesse pausas para tais relatos.

A coleta de dados via oral promove a produção de uma nova

documentação sendo um contraponto a documentação oficial do que se está

pesquisando e por preencher um vazio intransponível deixado por documentos

impressos (DEBERT, 1986, p. 141). Também por possibilitar um diálogo entre

pesquisador e pesquisado, aqui entre técnico e participante, o que não ocorre

na relação com documentos (Idem, ibid.). Os diálogos trazem a sensação de

estarmos mais próximos dos fatos relatados pelas pessoas, e:

―É assim que histórias de vida e relatos orais fazem convites

irrecusáveis para rever interpretações, desenvolver novas hipóteses e

encaminhar novas pesquisas de forma a refinar os grandes conceitos

explicativos e seus pressupostos‖ (DEBERT, 1986, p. 156).

Durante as atividades com os participantes não se procurava ter

diálogos baseados em verdades universais, pois não existem verdades

incontestáveis, onde cada um conta a sua verdade (BOSI, 2003). Tem-se que

levar em conta que o pesquisador possui uma visão de mundo e a transforma e

é transformada pela realidade que investiga assim como a sociedade analisada

também está suscetível a mudança. Portanto, o pesquisador será, em certa

medida, influenciado pelo seu posicionamento teórico-metodológico (CASTRO

OLIVEIRA, 1998, p. 06-09).

Posto isso, buscamos nos depoimentos dos participantes do projeto

formas de enriquecer a análise teórica aqui realizada, procurando situá-los

através do posicionamento intelectual do pesquisador, e assim possibilitar

novas contribuições aos temas pesquisados através de sua visão e claro, do

que é interpretado pela e da visão dos participantes. Selecionamos algumas

passagens de relatos de seis integrantes do empreendimento solidário Elo da

Terra para extrair de suas percepções fatos que possam ser relacionados a

título de exemplo com algumas idéias centrais trazidas ao longo deste trabalho.

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147

Como visto acima no texto, Embu das Artes é composta por uma

população essencialmente de migrantes, o que podemos verificar no que se

refere às distintas origens dos participantes selecionados, dada as devidas

proporções, pois não se trata de um censo, mas de evidências específicas.

Dentre essas pessoas, se verificam três mulheres, Andradina (―Dina‖), Josefa

(―Zefa‖) e Maria Conceição (―Ceiça‖); e três homens, Alcides (―Mãe Branca‖),

Carlos e Gilson. Com origens em cidades do interior, no estado da Bahia temos

Zefa, de Minas Gerais, Dina e Ceiça, do Paraná, Mãe Branca, do interior de

São Paulo, Gilson, e da capital, Carlos. As que vieram de outros estados e do

interior de São Paulo migraram ainda jovens, com idades entre doze e vinte

anos, sempre com a ilusória expectativa de melhorar de vida, segundo seus

relatos. Alguns passaram por outras cidades até se fixarem em Embu das Artes

em média há 45 anos. Trata-se, portanto, de pessoas entre 50 e 75 anos de

idade, ou seja, com larga experiência de vida.

Com exceção de Carlos e Gilson, todos os demais tiveram um passado

camponês em suas origens, e mesmo que tenham migrado ainda jovens,

carregam com distintas emoções essa vivência no campo. Boa parte de sua

formação, quando crianças e jovens, ocorreu durante o trabalho tradicional na

terra, o que acarretou na produção de sua cultura. As impressões, formas de

trabalho e influências da agricultura se distingue na vida de cada um.

Carlos nasceu na capital paulista e seu contato com a agricultura

ocorreu depois de já estar em idade madura, com um atual desejo de

transformar Embu das Artes em um celeiro de produtos agroecológicos. Gilson

nasceu e viveu sua juventude no interior de São Paulo, residindo em uma

fazenda em que seu pai era empregado, e apesar de não ter chego a lidar com

o cultivo da terra, guarda muitas lembranças desse período no campo.

Dina e Ceiça foram camponesas que trabalhavam como agregadas em

distintas fazendas no interior de Minas Gerais. Ambas viviam da produção

familiar de diversos tipos de culturas agrícolas e criação de animais, as quais

eram utilizadas para consumo e venda do excedente apenas para adquirir

produtos que não possuíam. O manejo da terra era feito de modo tradicional,

sem uso de insumos industrializados ou máquinas. Ceiça conta que adaptava

Page 150: Zappala, John H. B. TGI_Monografia

148

os cultivos ao clima e em determinados períodos realiza mutirões recíprocos

com os vizinhos para implantação das lavouras. É comum notar em ambos os

relatos a presença de uma contradição no sentimento por aquele tempo: elas

dizem que a vida era boa, pois plantavam o que comiam, mas por outro lado foi

um período de muito sofrimento e chegavam até a passar fome. Como suas

famílias trabalhavam como agregadas e não tinham a posse da terra, elas

eram sujeitas ao dono da fazenda, que impunha sua lógica para retirar a renda

da terra que elas cultivavam. Assim, quando havia perdas nos cultivos, o que

ficava para sua família era muito pouco até mesmo para o mínimo necessário

na alimentação. Daí decorre a contradição: serem satisfeitas por produzir

alimentos, mas estarem sujeitas aos ditames do patrão.

Ao contrário delas, Zefa, na Bahia, e Mãe Branca, no Paraná,

praticavam a agricultura tradicional familiar em terras próprias, o que confere

significativas diferenças em seus relatos. O manejo da terra era similar, feito de

forma tradicional, associando culturas agrícolas em consonância com o meio

ambiente, também para consumo, venda e troca do excedente para aquisição

de produtos que não produziam. Por não estarem sujeitas a um patrão e a

renda da terra não ser essencialmente voltada para o mercado, suas vidas

eram relativamente mais autônomas, pois a fartura das colheitas retornava em

benefício próprio. Apesar de relatarem que o trabalho era duro, não passavam

necessidades, mesmo que tivessem alguma perda nos cultivos, sempre havia

algo que eles podiam colher devido à diversificação na produção. Daí a

diferença com relação a Dina e Ceiça, que apesar de terem cultivos diversos,

esses estavam sob a posse do patrão e voltados para a lógica de mercado.

Contudo, de acordo com Mãe Branca, a vida no campo começou a

mudar quando o governo começou a pagar pela retirada das culturas que

produziam para implantar pacotes tecnológicos com o intuito de modernizar a

agricultura. Esse fato gerou endividamento das famílias e por não terem como

pagar, passaram a vender suas terras e migrar para outros lugares em busca

de uma outra vida. Nesse caso, temos um exemplo da ampliação da sujeição

da renda da terra ao capital, como apresentamos no capítulo dois e três, onde

a lógica da produção capitalista na agricultura passa a subordinar os

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149

camponeses de forma mais incisiva ao seu benefício e excluí-los socialmente.

Passando para o momento atual, do envolvimento dessas pessoas com

o projeto Colhendo Sustentabilidade, encontramos relatos sobre como a

agroecologia impactou suas vidas. Em geral, encontramos nos relatos que

esse fato lhes trouxe benefícios, como poder resgatar parte de seu passado na

agricultura tradicional, produzir seu próprio alimento de maneira saudável e

sustentável, e ter novas oportunidades de trabalho e geração de renda. As

técnicas e conhecimentos da agroecologia se somaram e ampliaram o saber

desses participantes do projeto, passando assim a terem novas compreensões

sobre como a agricultura está relacionada com o meio ambiente e como isso

pode transformar a realidade em que vivem e de toda população.

Para Zefa, o trabalho realizado em grupo no projeto lhe traz mais

estímulo, pois um ajuda o outro a chegar a um objetivo comum, e ela pode,

através do empreendimento solidário Elo da Terra, gerar uma renda extra e

complementar sua alimentação. Ceiça relata que aprendeu a ―alimentar‖ a terra

como se deve, de forma que o ambiente não seja degradado e a terra retribua

com alimentos para as pessoas, pois é dela que nós vivemos. Ela considerara

que com apenas um gesto proposto por esse trabalho agroecológico, eles

podem estar contribuindo para manter as riquezas naturais às presentes e

futuras gerações. De forma análoga, encontramos nos relatos de Dina que a

agroecologia preza pela continuidade da vida no planeta e sem ela o ser

humano irá perecer, pois, pela interpretação do autor, para ela a forma de

produção agrícola moderna irá deteriorar o meio de sobrevivência das pessoas.

Segundo Mãe Branca, seu conhecimento se juntou com o saber agroecológico

e se tornou ainda mais útil para ele e para seus companheiros. Gilson relata

que passou a ter maior noção sobre a importância do cuidado com a terra após

seu contato com a agroecologia. De acordo com seu relato, todas as pessoas

têm uma origem, uma história, e no projeto é possível trocar os diversos

saberes contidos na cultura de cada um. Para ele, o trabalho que eles

desenvolvem mostra ao sistema que existe outro meio de viver e se reproduzir

em sociedade. Tomaremos esses relatos para fechar nossa interpretação, com

complementações nas considerações finais que vem a seguir.

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150

6. Considerações Finais___________________________________________

Ao longo do presente trabalho, procurou-se abordar alguns temas de

forma que eles pudessem ser relacionados uns com os outros no decorrer dos

capítulos dois a quatro, e por fim eles fossem uma das bases para a discussão

do capítulo cinco. A título de recapitulação, os capítulos iniciais discorreram

sobre a agroecologia, o saber tradicional camponês e a conservação da

diversidade cultural e natural pela agricultura; e o capítulo final procurou uma

abordagem envolvendo uma experiência prática em agroecologia que pudesse

ser relacionada às idéias dos primeiros capítulos.

Em geral, procuramos trazer na análise os conceitos básicos sobre a

agroecologia, como sua prática pode possibilitar uma agricultura sustentável e

através de um diálogo de saberes mudar a forma das pessoas em produzir

alimentos e se relacionar entre elas e com a natureza. Enfatizou-se seus

benefícios para a conservação das riquezas naturais nos agroecossistemas

que estão sob seu enfoque, assim como, quanto à produção agrícola está

intimamente relacionada com as questões sociais e culturais que a compõe. A

agroecologia fornece conceitos e princípios que contribuem para uma

transformação nas relações socioambientais hoje estritamente orientadas pela

economia de mercado.

Para tanto, buscou-se estabelecer como contraponto a agricultura tida

como convencional, praticada a partir da Revolução Verde junto a toda gama

de transformações trazidas por pacotes tecnológicos aplicados na produção

agrícola, que culminaram na degradação ambiental, perca da diversidade

natural dos ecossistemas e cultural das populações tradicionais camponesas,

estratificação social e avanço do capitalismo sobre a produção de alimentos.

Porto Gonçalves (2004) mostra que a agricultura praticada no Brasil a partir da

Revolução Verde tornou-se hegemônica e tida como modelo entre os

agricultores de todo país. Sucintamente, esse processo promoveu em muitos

locais a perda do modo de cultivo que era praticado a diversas gerações,

visando seu enquadramento nos novos parâmetros agrários/agrícolas

baseados na devastação de áreas para a produção de monoculturas.

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151

Também, buscou-se trabalhar sobre o saber tradicional camponês e

suas implicações na agricultura e nas relações de reprodução da população

camponesa. Trouxemos, em linhas gerais, algumas práticas da agricultura

tradicional e como elas estão intimamente ligadas ao meio e aos ciclos naturais

que compõem os ecossistemas. Tais práticas permitem não só a conservação

das riquezas naturais, como também, possibilitam o entendimento de como é

possível voltar a olhar o humano como parte da natureza. Vimos que são

consideradas populações tradicionais camponesas aquelas que, através de

seus princípios e conceitos básicos, cultivam alimentos de acordo com sua

necessidade e em consonância com a natureza, produzindo assim sua cultura.

O conceito de camponês foi aqui analisado em suas esferas social e

moral. Em âmbito social, o camponês se constitui como uma classe criada e

recriada pelo capitalismo, e dessa forma o contradiz constantemente por terem,

os camponeses, práticas não essencialmente capitalistas de produção na

agricultura. Em sua esfera moral, o camponês traz valores solidários de relação

entre as pessoas e o trabalho e de integração com a natureza que podem

contribuir com uma vida menos fragmentada e de maior equilíbrio com os

ecossistemas. Esses valores não deixam de acompanhar o camponês seja

onde ele estiver. Mesmo ao migrar, sua cultura migra com ele, e isso é um fator

essencial à sua integridade enquanto sujeito, além de transformar o lugar onde

vive quando têm a possibilidade de transmitir seus conhecimentos.

No que tange a conservação da diversidade biológica e cultural em

nossa sociedade, observamos que motivos ligados ao modo de vida capitalista

e ao pensamento reducionista cartesiano levaram a humanidade a se

relacionar com natureza de uma maneira utilitarista e preservacionista. O

produtivismo decorrente do modo capitalista de produção transforma a

natureza em mercadoria, e faz de suas riquezas um modo de manter sua lógica

reprodutiva de sujeição e degradação. A dissociação homem-natureza, inerente

ao pensamento cartesiano moderno, orientou a criação de espaços protegidos

onde as pessoas não podem habitar ou tem sua vida controlada pelas

restrições de uso do solo que são estabelecidas nessas áreas, sobretudo por

não serem consideradas como parte do ecossistema, muitas vezes

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152

mantenedoras e estimuladoras da biodiversidade.

Segundo Diegues (2000), é fundamental investigar a necessidade de

conservar a biodiversidade junto à conservação da diversidade étnica que

existe nesses locais. Essas populações tradicionais são responsáveis não só

pela manutenção do ecossistema como também são fundamentais ao

enriquecimento da vida nesses locais através do manejo agrícola que praticam

cotidianamente. Assim, sua relação com a conservação da natureza é direta e

essencial ao ecossistema. Motivados pela busca por novas formas de

conservação cultural e natural, procuramos algumas alternativas para conciliar

envolvimento humano e conservação da natureza de maneira democrática e

sustentável, buscando um conhecimento adquirido pelas mais diversas

sociedades ao longo do tempo. O resgate do saber tradicional das populações

camponesas que habitam estes espaços e sua associação com a agroecologia

pode ser uma das principais transformações necessárias para a eficiência em

atingir o objetivo da conservação em áreas especialmente protegidas em que

haja atividades humanas produtivas.

Assim, buscamos entender como pode ser possível conciliar a

conservação da biodiversidade e da diversidade sócio-cultural através de uma

agricultura sustentável. Nesse contexto, a agroecologia fornece uma gama de

teorias e práticas possíveis de serem utilizados para amenizar os impactos no

ambiente e possibilitar o resgate do envolvimento humano com a natureza

através da agricultura. A possibilidade de conservação da biodiversidade e do

equilíbrio ecossistêmico associado ao uso sustentável das riquezas naturais é

ainda mais efetiva quando são integrados o conhecimento agroecológico e o

saber tradicional camponês, enriquecendo sobremaneira as formas de pensar

e agir perante a natureza e a produção de alimentos.

Uma efetiva apropriação da agroecologia pelo agricultor tradicional e a

associação de seu conhecimento a esta ciência permitem a elaboração de um

saber que vai além do plano conceitual. Este conjunto permite um olhar

diferenciado às relações socioambientais, sobretudo quando o sentimento de

pertencimento ao meio é resgatado e estimulado. Há uma re-valorização das

pessoas e de sua relação com o mundo natural. Uma população consciente e

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153

organizada, além de promover o uso mais sustentável dos recursos, se

reproduz de maneira mais integrada, conservando sua cultura ao mesmo passo

que conservam o seu meio de existência, e em particular, entram em equilíbrio

com o todo que compõe a vida local, regional e mundial.

Muitas práticas da agricultura tradicional vão ao encontro do desejo aqui

proposto em atingir uma nova forma de vida, com a construção de um saber

plural e horizontal de integridade com a natureza. Por exemplo, essas práticas

adotam múltiplas formas de cultivo para assegurar uma produção constante de

alimentos, variando e adequando sua nutrição de acordo como os produtos que

serão colhidos num período do ano, além de produzir em sintonia com o clima,

o que dispensa a utilização excessiva de insumos, necessários caso os cultivos

fossem realizados fora de época. Ou seja, os alimentos são produzidos em

consonância com o meio e às necessidades fisiológicas humanas. Essa

diversificação também promove proteção e controle dos cultivos, pois eles

ficam menos suscetíveis ao aparecimento de enfermidades nas plantas e os

agricultores ficam precavidos das intempéries ambientais que podem ocasionar

perdas nas culturas mais sensíveis, garantindo assim alguma colheita.

Para chegarmos a objetivos realmente transformadores, as ações junto

à manutenção da agricultura tradicional devem operar na base, com um

enfoque de baixo para cima, começando pelos que ali estão, no âmbito local,

com suas necessidades e aspirações, seus conhecimentos em agricultura e

seus recursos naturais autóctones. Na prática, o enfoque consiste em

conservar e fortalecer a lógica produtiva dos camponeses mediante programas

participativos, utilizando-se de unidades demonstrativas que incorporem tanto

as técnicas tradicionais como as agroecológicas. Desta maneira, o

conhecimento e as percepções ambientais dos agricultores tradicionais ficam

integrados a esquemas de inovação agrícola que permitem a conservação das

riquezas culturais e naturais e possibilite um envolvimento local sustentável.

(ALTIERI; NICHOLLS, 2000, p. 33).

Entretanto, não se quer, e nem se pode, propor a resolução de todos os

problemas socioambientais através da agroecologia e de sua associação ao

saber tradicional camponês. Mas, se pode mudar a forma de se relacionar com

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154

mundo através desse enfoque, criando um olhar crítico perante a realidade e

produzir possibilidades de transformações efetivas no mundo contemporâneo.

Há um longo caminho a se seguir em busca de uma nova relação

socioambiental que permita suprimir a diferença de classes e criar maior

sinergia entre as ações humanas e o uso das riquezas naturais.

Reverter um processo que foi construído com tamanha permissividade à

degradação e uso insustentável dos elementos constituintes da natureza,

baseado em relações de desigualdade e competição que se impuseram de

distintas maneiras nas mentalidades das pessoas como se fossem naturais,

contendo a verdade única e possível, quando na verdade elas resultam da

forma como se organizam as atividades econômicas capitalistas, dividindo a

sociedade entre aqueles que detêm a propriedade dos meios de produção e

aqueles que vendem a sua força de trabalho para ganhar a vida (SINGER,

2002, p. 10), requer determinação e persistência, além de tempo. Urge a

necessidade de uma transição do modo de vida atual a uma nova forma de se

relacionar em sociedade e com o meio ambiente.

Por meio da experiência prática em agroecologia do projeto Colhendo

Sustentabilidade em Embu das Artes, entendemos que é possível produzir

alimentos saudáveis de maneira sustentável no meio urbano e periurbano, ao

mesmo passo que ocorre o resgate e a valorização do saber tradicional

camponês de pessoas que migraram do campo em busca de uma outra

perspectiva de vida que muitas vezes não se realiza. Ao se envolverem em

atividades que lhes permite trabalhar de maneira comunitária, onde seu

conhecimento é valorizado e seus valores são revividos, essas pessoas se

sentem parte do processo, daquilo que fazem e do meio onde se dá sua

reprodução. A permanente troca de experiências entre as pessoas envolvidas e

os técnicos que mediam a implantação da proposta proporciona a construção

de uma nova realidade para ambos e para o local.

Essa experiência permite entender a terra como um bem coletivo, onde

se produz alimentos a partir do que o ambiente nos oferece como riqueza

natural. As práticas desenvolvidas permitiram aumento significativo na

segurança alimentar e nutricional das pessoas que se envolveram nas

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155

atividades, além de gerar renda com a comercialização do excedente a partir

dos princípios da economia solidária. Portanto, o manejo agrícola não ocorre

necessariamente para produzir ao mercado, o que lhe confere um aspecto não-

capitalista de produção. Soma-se a tudo isso o fato dessa produção ser

realizada em um agroecossistema localizado em uma área de proteção

ambiental, onde o uso do solo é regulamentado de forma diferenciada, e seu

sistema agroecológico permite maior consonância com esse espaço,

contribuindo inclusive para recuperá-lo, mantê-lo e diversificá-lo.

Percebemos que ao interpretar qualitativamente os relatos das pessoas

envolvidas no projeto, realmente existe uma troca de experiências e saberes

que se torna essencial para auxiliar na compreensão da proposta desta

pesquisa, pois se trata, em geral, de migrantes camponeses que carregam uma

cultura tradicional e que foram envolvidos por uma proposta agroecológica de

produção de alimentos, ilustrando através dessa experiência prática, uma

alternativa possível para proporcionar uma transformação na realidade local no

que tange a esfera ambiental e socioeconômica atual.

Portanto, os preceitos teóricos que trouxemos ao longo de todo trabalho

e sua associação a experiência prática em agroecologia, nos permite inferir que

é possível criar novas formas de relação entre as pessoas e com os

ecossistemas por meio da agricultura. Pode-se dizer também que existem

meios de subverter a ordem social dominante através de novas formas de

pensar e agir em sociedade. Criar um envolvimento sustentável que possibilite

a conservação das riquezas naturais e culturais é possível, e necessário.

Procuramos aqui dar algumas contribuições para que a vida seja posta em

outras esferas que compõe o todo da realidade socioambiental em que nos

encontramos, porque:

[...] a vida, a vida, a vida,

a vida só é possível

reinventada.

Cecília Meireles (2004).

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Anexos_________________________________________________________

Anexo 01: Croqui do Sistema Agroflorestal de Itatuba