Yeats

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As Vozes Eternas (1899) Oh, doces e perenes Vozes, permaneçam; Vão até aos guardiões das hostes celestiais E os ordene que vagueem obedecendo à Tua vontade, Chamas sob chamas, até o Tempo deixar de existir; Não tem você ouvido que nossos corações estão cansados, Que você tem chamado por eles nos pássaros, no vento sobre as colinas, Em balançantes gallhos nas árvores, nas marés pela beiramar? Oh, doces e perenes Vozes, permaneçam. A Canção do Delirante Aengus (1899) Eu fui para uma floresta de nogueiras, Porque minha mente estava inquieta, Eu colhi e limpei algumas nozes, E apanhei uma cereja, curvando o seu fino ramo; E, quando as claras mariposas estavam voando, Parecendo pequenas estrelas, flutuando erráticas, Eu lancei framboesas, como gotas, em um riacho E capturei uma pequena truta prateada. Quando eu a coloquei no chão E fui soprar para reativar as chamas, Alguma coisa moveuse e eu pude ouvir, E, alguém me chamou pelo meu nome: Apareceume uma jovem, brilhando suavemente Com flores de maçãs nos cabelos Ela me chamou pelo meu nome e correu E desapareceu no ar, como um brilho mais forte.

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As Vozes Eternas

(1899)

Oh, doces e perenes Vozes, permaneçam; Vão até aos guardiões das hostes celestiais E os ordene que vagueem obedecendo à Tua vontade, Chamas sob chamas, até o Tempo deixar de existir; Não tem você ouvido que nossos corações estão cansados, Que você tem chamado por eles nos pássaros,

no vento sobre as colinas, Em balançantes gallhos nas árvores,

nas marés pela beira­mar? Oh, doces e perenes Vozes, permaneçam.

A Canção do Delirante Aengus

(1899) Eu fui para uma floresta de nogueiras, Porque minha mente estava inquieta, Eu colhi e limpei algumas nozes, E apanhei uma cereja, curvando o seu fino ramo; E, quando as claras mariposas estavam voando, Parecendo pequenas estrelas, flutuando erráticas, Eu lancei framboesas, como gotas, em um riacho E capturei uma pequena truta prateada. Quando eu a coloquei no chão E fui soprar para reativar as chamas, Alguma coisa moveu­se e eu pude ouvir, E, alguém me chamou pelo meu nome: Apareceu­me uma jovem, brilhando suavemente Com flores de maçãs nos cabelos Ela me chamou pelo meu nome e correu E desapareceu no ar, como um brilho mais forte.

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Talvez eu esteja cansado de vagar em meus caminhos Por tantas terras cheias de cavernas e colinas, Eu vou encontrar o lugar para onde ela se foi, E beijar seus lábios e segurar suas mãos; Caminharemos entre coloridas folhagens, E ficaremos juntos até o tempo do fim do tempo, colhendo As prateadas maçãs da lua, As douradas maçãs do sol.

O Escolhido da Fada

(1899) O cavaleiro vinha de Knocknare E, quando cruzava os áridos campos de

Clooth­na­bare; ele sentia Caolte agitando seus cabelos ardentes E Niamh chamando Venha, Venha para cá Esvazie seu coração de seu sonho mortal. Os ventos acordaram, as folhas giram pelo ar, Nossas faces estão descoloridas,

nossos cabelos estão soltos, Nosos peitos estão arfantes,

nossos olhos tem um brilho fugidio, Nossos braços estão acenando,

nossos lábios estão entreabertos; Venha! E se alguém olhar sobre

nosso tão desejado vínculo, Nós estaremos entre ele e os feitos das suas mãos, Nós estaremos entre ele e as esperanças

de seu coração. O cavaleiro está seguindo velozmente 'entre noites e dias', E, onde poderá haver esperanças ou feitos tão

apraziveis e belos? Seu companheiro Caolte agitando seus cabelos de fogo, E Niamh chamando Venha, Venha para cá.

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UM AVIADOR IRLANDÊS PREVÊ SUA MORTE. (1918)

Encontrarei meu fim no meio Das nuvens de algum céu sobejo, Os que combato, eu não odeio, Também não amo os que protejo; Kiltartan Cross é meu país, Seus pobres são a minha gente, Nada a fará mais infeliz Do que já era, ou mais contente. Não é por lei ou por dever, Turba ou políticos, que luto, Mas pelo afã de me entreter, A sós, nas nuvens em tumulto. Tudo na mente foi pesado: Nada que espere ou que recorde Vale-me a pena comparado Com esta vida ou esta morte. SEM SEGUNDA TRÓIA. (1916) Por que culpá-la por encher minha existência De miséria e, mais tarde, enquanto a ação expande, Aos ignorantes ensinar a violência, Ou atirar rua pequena contra grande, Mesmo sem a coragem que o anelar reclama? Como seria tranquila, com aquela mente Que a nobreza moldou singela como a flama? Ou com o encanto do arco retesado, um ente Não natural em nosso mundo, por seu jeito Muito severo e sempre altivo e singular? Ora, sendo como é, que mais teria feito? Havia nova Tróia para ela queimar? OS ACADÊMICOS (1929 ver.)

Péla-cabeças, ciosos do pecado,

Doutos, vetustos, pélas admirados,

Editam e analisam verso-a-verso

Que outrora jovens em divãs largados

Rimaram em paixão e tibiez

À orelhinha ignorante da beleza.

Agitam-se e engasgam-se com tinta;

Arrastam o carpete nos sapatos;

Assumem o que todos outros pensam;

Afastam quem não têm averiguado;

Que diriam, a torto e a direito,

Se Catulo rebolasse desse jeito?

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RUMO A BIZÂNCIO I Este país não é para velhos. Jovens Abraçados, pássaros que nas árvores cantam ­ essas gerações moribundas ­ Cascatas de salmões, mares de cavalas, Peixe, carne, ave, celebrando ao longo do Verão Tudo quanto se engendra, nasce e morre. Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam Os monumentos de intemporal saber. II Um velho é coisa sem valor, Um andrajo apoiado num bordão, a não ser que A alma aplauda e cante, e cante mais alto Cada farrapo da sua mortal veste. Nem há escola de canto somente o estudo Dos monumentos de seu próprio esplendor; Por isso cruzei os mares e cheguei À sagrada cidade de Bizâncio. III Oh, sábios que estais no sagrado fogo de Deus Qual dourado mosaico sobre um muro, Vinde desse fogo sagrado, roda que gira, E sede os mestres do meu canto, da minha alma. Devorai este meu coração; doente de desejo E atado a um animal agonizante Ele não sabe o que é; juntai­me Ao artifício da eternidade. IV Da natureza liberto jamais de natural coisa Retomarei minha forma, meu corpo, Mas formas outras como as que o ourives grego Em ouro forja e esmalta em ouro Para que o sonolento Imperador não adormeça; Ou em dourado ramo pousado, cantarei Para damas e senhores de Bizâncio Cantarei o que passou, o que passa, ou o que virá (tradução: José Agostinho Baptista)

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QUANDO FORES VELHA Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono, Dormitando junto à lareira, toma este livro, Lê­o devagar, e sonha com o doce olhar

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Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas; Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto, Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor, Mas apenas um homem amou tua alma peregrina, E amou as mágoas do teu rosto que mudava; Inclinada sobre o ferro incandescente, Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou E em largos passos galgou as montanhas Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

. A CANÇÃO DO DELIRANTE AENGUS (1899) Eu fui para uma floresta de nogueiras, Porque minha mente estava inquieta, Eu colhi e limpei algumas nozes, E apanhei uma cereja, curvando o seu fino ramo; E, quando as claras mariposas estavam voando, Parecendo pequenas estrelas, flutuando erráticas, Eu lancei framboesas, como gotas, em um riacho E capturei uma pequena truta prateada. Quando eu a coloquei no chão E fui soprar para reativar as chamas, Alguma coisa moveu­se e eu pude ouvir, E, alguém me chamou pelo meu nome: Apareceu­me uma jovem, brilhando suavemente Com flores de maçãs nos cabelos Ela me chamou pelo meu nome e correu E desapareceu no ar, como um brilho mais forte. Talvez eu esteja cansado de vagar em meus caminhos Por tantas terras cheias de cavernas e colinas, Eu vou encontrar o lugar para onde ela se foi, E beijar seus lábios e segurar suas mãos; Caminharemos entre coloridas folhagens, E ficaremos juntos até o tempo do fim do tempo, colhendo As prateadas maçãs da lua, As douradas maçãs do sol.

. A ROSA DO MUNDO Quem sonhou que a beleza passa como um sonho? Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho, Tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar, Tróia desvaneceu­se em alta chama fúnebre, E morreram os filhos de Usna. Nós passamos e passa o trabalho do mundo: Entre humanas almas que se agitam e quebram Como as pálidas águas e seu fluxo invernal, Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu, Vive este solitário rosto. Inclinai­vos, arcanjos, em vossa incerta morada:

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Antes de vós, ou de qualquer palpitante coração, Fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono; Ele fez do mundo um caminho de erva Para os seus errantes pés.

(tradução: José Agostinho Baptista) .

VERSOS ESCRITOS EM DESALENTO Quando é que eu vi pela última vez Os olhos verdes redondos e os corpos longos vacilantes Dos leopardos escuros da lua? Todas as bruxas selvagens, aquelas senhoras muito nobres, Por todas as suas vassouras e as suas lágrimas, Suas lágrimas de raiva, fugiram. Os santos centauros das colinas desapareceram; Não tenho nada para além do amargado sol; Banida mãe lua heróica e desaparecida, E agora que cheguei aos cinquenta anos Tenho que aguentar o tímido sol.

( tradução: António de Campos ) .

COM O TEMPO A SABEDORIA Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma; Ao longo dos enganadores dias da mocidade, Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores; Agora posso murchar no coração da verdade.

(tradução: José Agostinho Baptista) .

UMA CAPA Uma capa fiz do meu canto Debaixo a cima Bordada De antigas mitologias; Mas tomaram­na os tolos Para exibi­la ao mundo Como se por eles fora lavrada. Deixa, canto, que a tomem Pois maior feito existe Em andar nú.

(tradução: José Agostinho Baptista) .

OS CINES SELVAGENS DE COOLE Em sua outonal beleza estão as árvores, Secas as veredas do bosque; No crepúsculo de Outubro as águas Reflectem um céu tranquilo; Nessas transbordantes águas sobre as pedras Banham­se cinquenta e nove cisnes. Dezenove outonos se passaram desde que

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Os contei pela primeira vez; E, enquanto o fazia, vi Que de repente todos se erguiam E em largos círculos quebrados revolteavam As clamorosas asas. Contemplei esses seres resplandecentes, E agora há uma ferida no meu coração. Tudo mudou desde o dia em que ouvindo ao crepúsculo, Pela primeira vez nesta costa, A alta música dessas asas sobre a minha cabeça, Com mais ligeiro passo caminhei. Infatigáveis, amante com amante, Movem­se nas frias E fraternas correntes ou elevam­se nos ares; Os seus corações não envelheceram; Paixão ou conquista solicitam ainda Seu incerto viajar. Mas vagueiam agora pelas quietas águas, Misteriosos, belos; Entre que juncos edificarão sua morada, Junto a que lago, junto a que charco, Deliciarão o olhar do homem quando um dia eu despertar E descobrir que voando se foram?

(tradução: José Agostinho Baptista) .

MORTE Nem temor nem esperança assistem Ao animal agonizante; O homem que seu fim aguarda Tudo teme e espera; Muitas vezes morreu, Muitas vezes de novo se ergueu. Um grande homem em sua altivez Ao enfrentar assassinos Com desdém julga A falta de alento; Ele conhece a morte até ao fundo — O homem criou a morte.

(tradução: José Agostinho Baptista) .

TUDO PODE TENTAR­ME Tudo pode tentar­me a que me afaste deste ofício do verso: Outrora foi o rosto de uma mulher, ou pior — As aparentes exigências do meu país regido por tolos; Agora nada melhor vem à minha mão Do que este trabalho habitual. Quando jovem, Não daria um centavo por uma canção

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Que o poeta não cantasse de tal maneira Que parecesse ter uma espada nos seus aposentos; Mas hoje seria, cumprido fosse o meu desejo, Mais frio e mudo e surdo que um peixe.

(tradução: José Agostinho Baptista) .

A ESPORA Parece­te horrível que luxúria e ira Cortejem a minha velhice; Quando jovem não me flagelavam assim; Que mais tenho eu que me esporeie até cantar? A SEGUNDA VINDA. (1919)

Rodando em giro cada vez mais largo,

O falcão não escuta ao falcoeiro;

Tudo esboroa; o centro não segura;

Mera anarquia avança sobre o mundo,

Maré escura de sangue avança e afoga

Os ritos da inocência em toda parte;

Os melhores vacilam, e os piores

Andam cheios de irada intensidade.

Aí vem por certo uma revelação.

Por certo próxima é a Segunda Vinda.

Segunda Vinda! Digo essas palavras,

E do Spiritus Mundi vasta imagem

Turba-me a vista: ao longe, no deserto,

Um corpo de leão com rosto de homem,

O olhar vazio e duro como o sol,

As lerdas coxas move, enquanto em torno

Rondam sombras de pássaros coléricos.

Retorna a escuridão; mas ora eu sei

Que a vinte séculos de sono pétreo

Vexou o pesadelo de um bercinho;

E que rude animal, chegado o tempo,

Arrasta-se a Belém para nascer? CUCHULAIN CONSOLADO. (1939)

Um homem tinha seis golpes mortais, um homem

Violento e meritório vagava entre os mortos;

Olhos despontam dos arbustos, logo somem.

Sudários uns que sussurravam ombro a ombro

Vieram e sumiram. Sobre sangue e golpes

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Como se meditasse, se escorou num tronco.

Um Sudário cujo semblante era notório

Veio mediante os canoros seres, cedendo

Um feixe de linho. E os Sudários, pouco a pouco,

Ante o homem inofenso iam bruxuleando. E o Sudário-linheiro aferiu sem demora:

'Tua vida será tão mais doce se fiando

'Um sudário seguires nossa velha norma;

Somente tanto e pelo pouco que sabemos

O agito daqueles braços nos atemora.'

'No olho d'agulha erramos; tudo que fazemos

Fazemos em conjunto.' Dito e feito, o manto

empunhou o mais próximo e trouxe o fiamento.

Agora cantaremos, e o melhor cantemos,

Porém antes lhe revelamos nosso ganho:

Covardes todos nós, talhados pelo sangue,

Ou dele expulsos, reles a morrer de pranto.'

Cantaram, mas não era humano o tom e o coro,

Contanto fora tudo feito como dantes;

Cingiram suas gargantas e tinham-nas canoras.