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XXVIII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI GOIÂNIA – GO DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO I MARIA DE FATIMA RIBEIRO LEONARDO BUISSA FREITAS

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XXVIII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI GOIÂNIA – GO

DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO I

MARIA DE FATIMA RIBEIRO

LEONARDO BUISSA FREITAS

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D597 Direito tributário e financeiro I [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/ UFG / PPGDP Coordenadores: Maria De Fatima Ribeiro Leonardo Buissa Freitas – Florianópolis: CONPEDI, 2019.

Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-795-3 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações Tema: Constitucionalismo Crítico, Políticas Públicas e Desenvolvimento Inclusivo

1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Assistência. 3. Isonomia. XXVIII Encontro

Nacional do CONPEDI (28 : 2019 : Goiânia, Brasil). CDU: 34

Conselho Nacional de Pesquisa Univeridade Ferderal de Goiás e Programa e Pós-Graduação em Direito Florianópolis de Pós Graduação em Direito e Políticas Públicas

Goiânia - Goiás Santa Catarina – Brasil https://www.ufg.br/

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XXVIII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI GOIÂNIA – GO

DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO I

Apresentação

Durante o período de 19 a 21 de junho de 2019, foi realizado o XXVIII ENCONTRO

NACIONAL DO CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito,

realizado em Goiânia - GO em parceria com o Programa de Pós Graduação em Direito e

Políticas Públicas da UFG, com a participação de docentes e discentes dos Programas de Pós-

Graduação em Direito de todo país, incluindo acadêmicos de graduação.

Os artigos apresentados no Grupo de Trabalho - Direito Tributário e Financeiro I, e ora

publicados, propiciaram importante debate em torno de questões teóricas e práticas,

considerando o momento econômico e político brasileiro, envolvendo a temática central

sobre Constitucionalismo Crítico, Políticas Públicas e Desenvolvimento Inclusivo,

possibilitando ainda reflexões críticas da comunidade jurídica científica.

Neste espaço acadêmico pode ser registrada a disseminação do conhecimento, o intercâmbio

de experiências integrando pesquisadores de diversas Instituições do País, neste evento

realizado pela primeira vez na hospitaleira Goiânia, inserindo cada vez mais as

Universidades brasileiras no contexto nacional e internacional do ensino e da pesquisa do

Direito.

Neste Livro encontram-se publicados 16 (dezesseis) artigos, rigorosamente selecionados por

meio de avaliação por pares, objetivando a melhor qualidade e a imparcialidade na

divulgação do conhecimento da área jurídica e áreas afins. Premiando a interdisciplinaridade,

os artigos abordam assuntos que transitam pelo Direito Financeiro, Direito Tributário, Direito

Constitucional e Direito Administrativo, Direito Digital destacadamente, e, também outras

áreas do conhecimento como da Economia.

De forma abrangente a presente Coletânea destaca artigos sobre as temáticas:

- Direito Financeiro e Federalismo fiscal;

- Direito Constitucional Tributário;

- Tributação e atividades econômicas

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negociais;

- Tributação e relações de consumo e

- Processo administrativo e judicial tributário.

A importância dos temas, ora publicados, está demonstrada na preocupação do Estado no

processo de arrecadação, fiscalização e operações financeiras e o universo de possibilidades

de discussão acadêmica e prática sobre as temáticas diretas e indiretamente relacionadas.

O CONPEDI, com as publicações dos Anais dos Encontros e dos Congressos, mantendo sua

proposta editorial, apresenta semestralmente os volumes temáticos, com o objetivo de

disseminar, de forma sistematizada, os artigos científicos que resultam dos eventos que

organiza, mantendo a qualidade das publicações e reforçando o intercâmbio de ideias, com

vistas ao desenvolvimento e ao crescimento econômico, considerando também a realidade

econômica e financeira internacional que estamos vivenciando, com possibilidades abertas

para discussões e ensaios futuros.

Espera-se, que a presente publicação possa contribuir para o avanço das discussões

doutrinárias, tributárias, financeiras e econômicas sobre os temas abordados, que ora se

apresenta como uma representativa contribuição para o aprofundamento e reflexão das

temáticas abordadas e seus valores agregados.

Agradecemos à Universidade Federal de Goiás e aos apoiadores Institucionais, e, em especial

aos autores pelas exposições, debates e publicações de suas produções.

Nossos cumprimentos ao CONPEDI pela publicação desta obra.

Prof. Dr. Leonardo Buissa Freitas - UFG

Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro - UNIMAR

Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação

na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 8.1 do edital do evento.

Equipe Editorial Index Law Journal - [email protected].

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1 Mestrando em Direito e Políticas Públicas pela Universidade Federal de Goiás. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás. Advogado.

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TRIBUTAÇÃO SOBRE CONSUMO: CIFRA NEGRA DO SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL

CONSUMPTION TAXATION: OVER-INDEBTEDNESS’ DARK NUMBER IN BRAZIL

Frederico Oliveira Silva 1

Resumo

Este estudo tem por objeto a participação da tributação sobre o consumo no

superendividamento da população brasileira. A hipótese investigada é de que essa

contribuição ocorre de forma mascarada, como “cifra negra”. O estudo foi conduzido de

forma qualitativa-quantitativa, ex post facto, bibliográfica e documental. Os resultados

apontam que o tratamento do superendividamento é dificultado pela redução da

disponibilidade financeira ocasionada pela sistemática brasileira de tributação de bens e

serviços. Conclui-se que a associação de um imposto geral e uniforme com o uso do imposto

de renda como redistribuidor de riquezas é uma alternativa para a mitigação dessa relação.

Palavras-chave: Tributação sobre consumo, Superendividamento, Imposto sobre valor agregado, Imposto sobre vendas a varejo, Imposto de renda

Abstract/Resumen/Résumé

This study has as its object the consumption taxation participation in the Brazilian population

over-indebtedness. The hypothesis investigated is that the contribution occurs in a masked

form, as "dark number". The study was conducted in a qualitative-quantitative, ex post facto,

bibliographic and documentary manner. The results indicate that the over-indebtedness

treatment is hampered by the financial availability reduction caused by the Brazilian system

of taxation on goods and services. It is concluded that the association of a general and

uniform tax with the use of the income tax as a redistributor of wealth is an alternative to

mitigate this relation.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Consumption taxation, Over-indebtedness, Value-added tax, Retail sales tax, Income tax

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1 Introdução

A tributação integra a atividade financeira do Estado e tem por finalidade arrecadar

recursos (receitas derivadas) para a consecução dos objetivos para os quais aquele foi criado.

Ela pode ser exercida sob diversas formas, sendo as mais difundidas delas as que recaem sobre

o trabalho, sobre o capital e sobre bens e serviços. Esta última também é denominada de

tributação sobre o consumo.

O alcance jurídico da tributação sobre o consumo é controvertido, dados os diversos

modelos de exação por meio dos quais ela pode se manifestar. Não obstante, uma adequada

definição da tributação de bens e serviços deve considerar os indícios econômicos que a

ensejam. Trata-se da manifestação de capacidade contributiva por meio do uso do patrimônio

ou da renda (também alvos das tributações sobre o trabalho e sobre o capital) no consumo.

Essa percepção, associada à multiplicidade dos instrumentos de arrecadação, permite

compreender distorções na sistemática brasileira de tributação sobre o consumo. Elas

relacionam-se, em geral, a custos burocráticos, à redução de produtividade, a conflitos de

competência, ao tratamento privilegiado dispensado a determinados setores econômicos, a

distorções no instituto da não-cumulatividade e à redução da transparência e,

consequentemente, do controle social.

Tais constatações, bastante difundidas entre a doutrina, referem-se, majoritariamente,

aos fornecedores de produtos e serviços. Contudo, tendo em vista tratar-se de instituto jurídico

com reflexos na economia, a tributação sobre o consumo também pode ocasionar uma distorção

mercadológica cujos efeitos primários recaem sobre os consumidores, qual seja o

superendividamento.

O termo é utilizado para identificar situações de endividamento excessivo, qualificado

pela impossibilidade de consumidores pessoas físicas adimplirem, com suas rendas e

patrimônios atuais, o conjunto de suas dívidas não profissionais, vencidas ou vincendas. O

conceito é complementado pela exigência da boa-fé do consumidor em face de seus credores,

seja o endividamento deliberado (superendividamento ativo) ou compelido por situações

imprevisíveis (superendividamento passivo).

Em qualquer caso, o fenômeno é tido como derivado da prática da concessão de crédito

para além das forças de pagamento dos consumidores, situação lucrativa para fornecedores

financiadores (direta ou indiretamente) do consumo. Para além disso, a proteção constitucional

de dignidade humana informa que os consumidores superendividados devem ser tutelados em

prol da garantia da subsistência deles e de suas famílias (instituto do reste à vivre).

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Assim, tributação sobre o consumo e superendividamento são institutos jurídicos que

se aproximam por seus efeitos econômicos, relacionados à disponibilidade financeira de

consumidores-contribuintes. Contudo, há dificuldades para a correlação do segundo com o

primeiro, haja vista que a relação tributária, embora obrigacional, possui especificidades (de

fontes, de constituição, de cobrança etc.) que a diferem das relações consumeristas, com

destaque para a posição privilegiada do credor dos tributos, que é o próprio Estado.

Em face dessa peculiar convivência dos institutos, este estudo hipotetiza a tributação

sobre o consumo como a “cifra negra” do superendividamento no Brasil, a significar, em

analogia ao sentido da expressão para as ciências criminais, que os tributos incidentes sobre

bens e serviços contribuem para o comprometimento excessivo da renda dos consumidores-

contribuintes brasileiros, estando inseridos, de forma mascarada, em um contexto de

superendividamento.

2 Metodologia

Para a contextualização e identificação de seu problema, bem como para definição de

sua hipótese, o estudo adota a revisão bibliográfica e a análise documental, de forma qualitativa

e ex post facto. Os objetivos desta etapa são primordialmente a descrição e a explicação dos

fenômenos abordados.

Para a testagem da hipótese e apresentação de propostas de intervenção, a pesquisa

ainda realiza estudo exploratório e qualitativo-quantitativo sobre o peso da atual sistemática

brasileira de tributação sobre o consumo na renda dos consumidores e sobre a possibilidade de

mitigá-lo por meio da associação do imposto sobre a renda com um imposto incidente sobre

bens e serviços de forma geral e uniforme.

Como fontes, utiliza-se literatura que reflete o atual estágio das discussões sobre o

tema, bem como examinam-se os seguintes documentos: a legislação brasileira pertinente;

dados da Receita Federal do Brasil (sobre a carga tributária) e do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística – IBGE (sobre a população e a renda mensal per capita) referentes ao

ano de 2017; e dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo –

CNE (sobre o endividamento e a inadimplência) relativos ao mês de dezembro de 2018.

3 Tributação e geração de receitas para o Estado

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A capacidade de tributar decorre do poder de império do Estado, que adentra o

patrimônio dos particulares, de forma mandatória, para a aquisição de recursos a serem

destinados à consecução de seus objetivos.

Em verdade, o tributo vincula-se à atividade financeira, que pode ser compreendida

“como sendo a atuação estatal voltada para obter, gerir e aplicar os recursos necessários à

consecução das finalidades do Estado que, em última análise, se resumem na realização do bem

comum” (HARADA, 2008, p. 4).

No Brasil, os objetivos que fundamentam o agir do Estado e, portanto, a tributação são

“construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”,

“erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e

“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação”, conforme descrito no artigo 3º da Constituição Federal de

1988 (BRASIL, 1988; ALEXANDRE, 2017, p. 40-44).

Para a garantia do cumprimento daqueles preceitos (ou, de modo geral, do bem

comum), a relação jurídico-tributária, embora de natureza pública, possui um caráter

obrigacional e mandatório, em que o Estado figura como credor e o contribuinte (de fato ou de

direito) e o responsável, como devedores. A origem dessa obrigação, contudo, é sempre imposta

por norma (ALEXANDRE, 2017, p. 37-40 e 50).

Com efeito, no Brasil a capacidade de cobrar tributos (capacidade tributária ativa) é

instituída pelo artigo 145 da Constituição Federal de 1988, que, contudo, relega à lei

complementar o estabelecimento de diretrizes gerais sobre a relação tributária, consoante seu

artigo 146 (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, o dever de pagar tributos (capacidade tributária passiva) é

regulamentado pelo Código Tributário Nacional, em seus artigos 121 e seguintes (BRASIL,

1966), editado como lei ordinária em 1966, mas recepcionado pela Carta Magna de 1988 como

lei complementar (ALEXANDRE, 2017, p. 247-250).

Nessa toada, dispõe o artigo 3º do referido Diploma que “tributo é toda prestação

pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua

sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente

vinculada” (BRASIL, 1966).

Do conceito depreende-se que o tributo é uma exação a ser paga independentemente

de acordo de vontades entre o Estado (credor) e o sujeito passivo (devedor), desde que haja

previsão, em norma, de uma situação tributável (hipótese de incidência) e que ela se materialize

na realidade (fato gerador).

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Segundo a teoria pentapartite1, são cinco as espécies tributárias que podem ser

adotadas pelo legislador brasileiro: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, os

empréstimos compulsórios e as contribuições sociais. Todas essas espécies são mobilizadas,

tradicionalmente, sob três formas de tributação (PAZ, 2008, p. 15-30): sobre o trabalho (renda

auferida com a atividade laboral), sobre o capital (patrimônio2) e sobre bens e serviços, também

conhecida como tributação sobre o consumo.

4 Tributação sobre o consumo no Brasil

A tributação sobre o consumo refere-se à incidência de exação sobre bens e serviços.

Em verdade, o que se tributa é a manifestação de riqueza exteriorizada por meio do consumo.

Trata-se de uma absorção de um conceito da economia pelo direito, que passa a vislumbrar na

capacidade econômica a própria capacidade de contribuir (BERNARDES; ELÓI, 2013, p. 228-

234).

Buscando na ciência econômica os indícios de capacidade contributiva,

procurou-se delimitá-los como sendo os seguintes: o conjunto de rendimentos;

o conjunto patrimonial; o conjunto de despesas; os incrementos patrimoniais

e os incrementos de valor do patrimônio. (...) A capacidade contributiva seria,

portanto, um conjunto de forças econômicas embasado em alguns indícios

parciais que, enquanto tais, representam manifestação direta de uma certa

disponibilidade econômica limitada e manifestação indireta da

disponibilidade econômica complexa. (MEIRELLES, 1997, p. 335-336,

grifos do autor.)

Nesse sentido, tem-se que a força econômica apta a ensejar aquela modalidade de

tributação é exteriorizada pelo emprego da renda ou do patrimônio no consumo3. Dessa forma,

tal categoria difere-se da tributação sobre o trabalho, pois esta recai sobre a renda adicionada

ao patrimônio em virtude da consecução de atividade produtiva, e também da tributação sobre

1 “O Código Tributário Nacional - CTN, no seu art. 5º, dispõe que os tributos são impostos, taxas e contribuições

de melhoria, claramente adotando a teoria da tripartição das espécies tributárias. Alguns entendem que a

Constituição Federal segue a mesma teoria, ao estabelecer, no seu art. 145 que a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios podem instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria. (...) Ao se deparar com o

tema, o Supremo Tribunal Federal tem adotado a teoria da pentapartição” (ALEXANDRE, 2017, p. 53-54). 2 “Um tributo incide sobre o capital quando é aplicado sobre os retornos das aplicações em ativos financeiros (juros

e dividendos), sobre o lucro gerado pelas empresas e sobre a apreciação do valor do patrimônio (ganhos de capital)”

(PAZ, 2008, p. 17). 3 “Os impostos sobre vendas de bens e serviços podem incidir sobre um amplo conjunto de transações, como a

venda de bens de consumo, de produtos industrializados e de serviços, ou podem incidir sobre a venda de bens e

serviços específicos, como combustíveis, bebidas e fumo. Os primeiros são chamados de impostos gerais e os

segundos, de impostos especiais. Quanto à estrutura de alíquotas, os impostos gerais podem ser uniformes ou

seletivos. Enquanto os impostos uniformes apresentam uma alíquota única, os impostos seletivos apresentam uma

estrutura de alíquotas diferenciadas. Já os impostos especiais sempre possuem alíquotas seletivas” (PAZ, 2008, p.

23).

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o capital, que incide sobre a titularidade ou a transmissão de patrimônio (BERNARDES; ELÓI,

2013, p. 221-225).

Interessa notar que no ordenamento brasileiro já houve um “imposto sobre o

consumo”, de competência da União, que poderia recair sobre quaisquer mercadorias, exceto

combustíveis (Constituições de 1934, 1937 e 1946). Sua incidência, inclusive, era cumulativa,

até que essa possibilidade foi afastada pela Lei Federal nº 3.520/1958. Com a emenda

constitucional nº 18/1965, aquela denominação foi alterada para imposto sobre produtos

industrializados - IPI, que perdura até a vigente Constituição de 1988 (BERNARDES; ELÓI,

2013, p. 220-221).

Contudo, pela perspectiva jurídico-econômica esboçada, tem-se claro que a hipótese

de incidência do anterior “imposto sobre o consumo” ou a do atual IPI não exaurem o gênero

“tributos sobre o consumo” no Brasil. Ao contrário, o ordenamento nacional comporta cinco

daqueles tributos, distribuídos entre os diferentes entes federados.

A cargo dos estados, há o imposto sobre operações relativas à circulação de

mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de

comunicação - ICMS; dos municípios, o imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS; da

União, o já mencionado IPI, acrescido das contribuições para o Programa de Integração Social

- PIS e para o Financiamento as Seguridade Social - Cofins, cujas bases de incidência são o

faturamento ou a receita bruta, reverberando nos custos de bens e serviços (LUKIC, 2018, p.

99).

Com efeito, a organização da tributação sobre o consumo reflete a organização do

Estado brasileiro: a federação. Focado na descentralização de poderes entre entes autônomos e

independentes, o federalismo busca cultivar uma estabilidade política, consistente na fuga do

risco de autoritarismo de um órgão centralizador de todas as prerrogativas estatais. Por outro

lado, é pressuposto da federação a proibição do direito de secessão, ou seja, de retirada de

qualquer dos entes federados (TORRES, 2009, p. 82-91).

Esta organização tem, assim, implicações políticas e econômicas, voltadas à

sustentação do modelo e, portanto, do princípio federativo4. Logo, há preocupação com a

distribuição de funções, receitas e atribuições entre União, estados e municípios para a

asseguração da autonomia dos entes e da própria descentralização geográfica do Estado para a

consecução de seus objetivos (ALVES, 2018, p. 1-10).

4 Segundo o artigo 60, § 4º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, no Brasil o federalismo é cláusula pétrea, o

que significa que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (...) a forma federativa

de Estado” (BRASIL, 1988).

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No que tange à repartição de competências e receitas tributárias, como ocorre com a

tributação sobre o consumo, fala-se em federalismo fiscal, estudo que “engloba a análise da

maneira pela qual está organizado o Estado, qual é o tipo de federação adotado, qual é o grau

de autonomia dos seus membros, as incumbências que lhe são atribuídas e, fundamentalmente,

a forma pela qual serão financiadas” (CONTI, 2001, p. 24-25)

Portanto, a tributação sobre bens e serviços, no Brasil, está arraigada no federalismo

fiscal, prevendo plúrimas competências para a exação de manifestações de riqueza associadas

ao consumo. Essa mobilização de indícios econômicos, contudo, pode apresentar distorções

quando transpostas para o ordenamento jurídico.

5 Distorções da tributação sobre o consumo no Brasil

O modelo de tributação sobre o consumo adotado pelo Brasil, que, como visto, possui

múltiplos instrumentos de exação, cada qual com hipóteses de incidência, alíquotas e

sistemáticas de aplicação próprias, é bastante criticado por sua ineficiência e nível de

dificuldade. Os principais argumentos contrários ao modelo brasileiro são (LUKIC, 2018, p.

100-113; CENTRO DE CIDADANIA FISCAL, 2017, p. 2-4):

A) A incidência de vários tributos sobre a mesma base de cálculo5 (no caso, bens e

serviços) onera as atividades empresariais, inclusive as relacionadas à apuração e recolhimento

de tributos (custos burocráticos), reduzindo a produtividade e aumentando a insegurança

administrativa e jurídica;

B) Geração de problemas de competência (principalmente em relação ao ISS devido

aos municípios) e estímulo à guerra fiscal6 (por meio do ICMS, devido ao estado de origem);

C) Indefinição do tributo incidente sobre determinada base de cálculo (em especial

entre ISS, ICMS e IPI);

5 Segundo o artigo 20 do Código Tributário Nacional, “a base de cálculo do imposto é: I - quando a alíquota seja

específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II - quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal

que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre

concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País; III - quando se trate de produto

apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação” (BRASIL, 1966). 6 “O fenômeno da ‘Guerra Fiscal’ trata-se, em termos econômicos, da disputa fiscal no contexto federativo, ou

seja, refere-se à intensificação de práticas concorrenciais extremas e não-cooperativas entre os entes da Federação,

no que diz respeito à gestão de suas políticas industriais. Assim, manipular as alíquotas de determinados tributos

torna-se o elemento fundamental das políticas relacionadas à atração de empresas” (FERNANDES;

WANDERLEI, 2000, p. 6).

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D) A utilização da seletividade (aplicação de alíquotas diferentes conforme a

essencialidade do produto) para desonerar o ISS incidente sobre serviços pode gerar distorções

de mercado, por impor tratamento privilegiado a determinado setor econômico;

E) Limitação do creditamento financeiro a determinados insumos, matérias-primas,

bens de capital e bens de uso e consumo deturpa a não-cumulatividade, fazendo com que parte

de tributos pagos em momentos anteriores da cadeia de produção não sejam compensados em

momentos posteriores (principalmente em relação ao ICMS, PIS e Cofins);

F) Não há transparência para a identificação e fiscalização, por parte dos

consumidores, dos tributos incidentes sobre os bens e serviços por eles adquiridos;

G) Os investimentos e as exportações são onerados e desestimulados.

Todas essas ponderações, que partem, principalmente, da perspectiva de fornecedores7

de bens e serviços, configuram o subsídio fático para uma deturpação econômica que atinge

primordialmente os consumidores: o superendividamento.

6 Superendividamento

O termo superendividamento, como explicitado pelo próprio vocábulo, indica o

fenômeno do endividamento excessivo. Porém, para o estudo específico realizado pela doutrina

consumerista (CARVALHO; SILVA, 2015), que deriva ela mesma de análises econômicas, ele

tem como nota distintiva a extrapolação da capacidade de pagamento do consumidor

endividado. Logo, enquanto instituto acadêmico e econômico-jurídico, é mais adequado

entendê-lo como um endividamento (que engloba os débitos atuais e futuros) insuperável com

o patrimônio e a renda atuais do consumidor.

Existem diversos modelos para entendimento e tratamento do superendividamento. O

mais difundido no Brasil é o francês8, segundo o qual o fenômeno apenas se aplica a dívidas

não profissionais (ou seja, não adquiridas para o exercício de atividades profissionais) e desde

7 “Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os

entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,

importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. (BRASIL, 1990) 8 “Estudar o superendividamento a partir do ordenamento francês é bastante oportuno para os juristas brasileiros,

porque: 1) a França é vanguardista sobre o tema, possuindo um modelo bastante evoluído e experienciado; 2) o

próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi inspirado no code de la consommation; 3) o modelo francês

apenas possibilita a falência civil (“restabelecimento pessoal”) após dirimidas todas as tentativas ordinárias de

tratamento do superendividamento, e, além disso, somente em casos extremos resulta em “desconsideração” das

dívidas (sem liquidação judicial). Logo, não se ilide a responsabilidade do devedor para com seus credores, o que

é consentâneo com as garantias conferidas pelo Brasil aos credores. Por este mesmo motivo, o projeto de lei que

atualmente tramita na Câmara dos Deputados sobre o tema tem clara inspiração francesa” (CHINI; CARVALHO;

SILVA, 2018, p. 18-19).

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que contraídas por consumidores pessoas físicas que tenham procedido de boa-fé (caracterizada

pela ausência de animus inadimplendi) em relação aos seus credores (COSTA, 2002, p. 106;

LIMA, 2014, p. 34).

O conceito, na comunidade europeia, diferencia-se em ativo e passivo. A primeira

modalidade refere-se aos casos em que o consumidor adquire produtos ou serviços em

descompasso com suas disponibilidades financeiras. A segunda, por outro lado, remete-se a

situações imprevisíveis que levam o consumidor ao endividamento (como doenças,

desemprego, morte do arrimo de família, catástrofes naturais etc.) (LIMA, 2014, p. 34-35;

SCHIMDT NETO, 2009, p. 19-20).

Em ambos os casos, verifica-se um efeito colateral9 da concessão indiscriminada de

crédito, que é estimulada por fornecedores em virtude dos ganhos dela decorrentes, tanto por

viabilizar o consumo, quanto pela própria remuneração dos financiamentos, empréstimos e

contratos bancários. Afinal, “no Direito brasileiro, as operações bancárias não são reguladas

especificamente (...). Em verdade, não se reserva espaço ao aderente para sequer manifestar a

vontade. O banco se arvora o direito de espoliar o devedor” (RIZZARDO, 2000, p. 18-21).

Logo, as soluções propostas pelo modelo francês são as mesmas para as duas

modalidades:

Bastante evoluído, o modelo francês possui três ordens de tutela do

consumidor de crédito: 1) limitações à concessão de crédito (com um délai de

réflexion alargado, com a ligação entre o contrato principal de consumo e o

contrato de crédito e com a limitação das garantias pessoais); 2) prevenção do

superendividamento (por meio de um fichário nacional sobre incidentes de

pagamento); 3) tratamento do superendividamento. Para o tratamento em si

do fenômeno, o consumidor que se enquadre na descrição legal pode pleitear

a comissões de superendividamento (administrativas) um plano de

recuperação, com a renegociação global das dívidas com todos os credores

(em uma espécie de assembleia). Se homologado judicialmente, o plano

adquire caráter executivo. Em casos extremos (endividamento irreversível),

após a liquidação do patrimônio do consumidor superendividado é possível a

concessão do restabelecimento pessoal (falência da pessoa física) por decisão

judicial. (CARVALHO, SILVA, 2018, p. 369-370)

A adoção de qualquer medida busca preservar o reste à vivre, instituto que,

consentâneo ao princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição

Federal de 1988), designa a menor parcela dos rendimentos do devedor que deve ficar

disponível para a satisfação das necessidades vitais suas e de sua família e, portanto, fora do

9 “O que permite o consumo de bens é o acesso ao crédito, especialmente, nas modalidades de crédito consignado

e financiamento para a aquisição de bens, concedido a todas as classes de forma ilimitada (...), que tem se alastrado

no Brasil de maneira crescente nos último anos. Se, por um lado, o acesso ao crédito viabiliza o consumo, por

outro compromete a renda de quem o toma, podendo conduzi-lo a uma situação de endividamento” (CARVALHO,

2012, p. 58).

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alcance executivo dos credores (LIMA, 2014, p. 95; CHINI; CARVALHO; SILVA, 2018, p.

25-26; BRASIL, 1988).

No Brasil, a doutrina e os operadores do direito identificam os riscos da crescente

manifestação do superendividamento entre os consumidores brasileiros (CARVALHO, 2012;

COSTA, 2002; LIMA, 2014; SCHIMDT NETO, 2009; SILVA, 2017). Essa percepção é

corroborada por dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismos

– CNE (2018), segundo os quais, em dezembro de 2018, 59,8% das famílias brasileiras estavam

endividadas, sendo que 12,4% delas deviam “muito”. Ademais, 22,8% das famílias possuíam

dívidas em atraso, enquanto que 9,2% delas não conseguiria pagar seus débitos. Finalmente, a

parcela média da renda mensal das famílias comprometida com o pagamento de dívidas foi de

29,3%.

Os números demonstram um enquadramento da população brasileira no conceito de

superendividamento. Afinal, eles expressam um endividamento acima das forças de pagamento,

com grande uso da renda familiar e, em porção significativa dos casos, com impossibilidade

total de adimplemento.

Contudo, ainda não há enfrentamento sistematizado do fenômeno no Brasil por

ausência de previsão, em lei, das prerrogativas necessárias a uma intervenção judicial de cunho

constitutivo e satisfativo. Não obstante,

O Projeto de Lei do Senado nº 283/2012, que atualmente tramita na Câmara

dos Deputados por meio do Projeto de Lei 3515/2015, pretende alterar o CDC

para aprimorar a disciplina da concessão de crédito ao consumo e inserir

capítulo destinado à caracterização e definição de formas de tratamento do

superendividamento. Aliás, sua estratégia é a de inserção do tema como

princípio da Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4º), inclusive

com previsão de instrumentos específicos de atuação (art. 5º). Assim, por

integrar a regulamentação do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal,

o tratamento do superendividamento seria, em uma análise preliminar, uma

atividade destinada à promoção do direito de defesa do consumidor. (SILVA,

2017, p. 163)

Para além da falta de suficiente mobilização do Estado em prol da defesa dos

consumidores superendividados, tem-se que no Brasil o fenômeno, enquanto distorção das

práticas de mercado, é incentivado pela tributação sobre o consumo, contrariando a diretriz

constitucional (artigo 5º, inciso XXXII) de defesa do consumidor (BRASIL, 1988).

7 A cifra negra do superendividamento

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A expressão “cifra negra” (dark number ou delinquência oculta) deriva de estudos

sociológicos associados aos direitos penal e processual penal, referindo-se, em sua acepção

original, à

(...) diferença entre a quantidade de crimes cometidos em determinado

momento histórico (criminalidade real) e a quantidade de casos que chegam

ao conhecimento das instituições oficiais (criminalidade aparente). Quanto

menos crimes reais chegam ao conhecimento dos órgãos de persecução, maior

a cifra negra daquela espécie de criminalidade. (MARTINS, 2014, p. 366)

Logo, o termo é utilizado em criminologia para descrever a defasagem entre o número

de crimes ocorridos e o número de crimes registrados (estatística oficial) em um contexto sócio-

histórico.

Neste trabalho, a locução é analogicamente empregada para representar a discrepância

entre a real incidência do fenômeno do superendividamento na sociedade brasileira e a sua

percepção (ou documentação) por meio de instrumentos de avaliação do endividamento.

Especificamente, a seguir será analisada a problemática deste estudo, qual seja a

influência da tributação sobre o consumo no aumento do superendividamento brasileiro, bem

como será demonstrado que isso ocorre de forma mascarada.

Assim, a hipótese da pesquisa é de que a contribuição da tributação sobre consumo

para o superendividamento representa a cifra negra do fenômeno no Brasil. Os motivos para

tanto seriam de três ordens: a adoção de múltiplos instrumentos de exação pode estimular o

endividamento com bens de primeira necessidade; a carga tributária sobre bens e serviços

compromete parcela significativa da renda dos cidadãos, dificultando o tratamento do

superendividamento; as dívidas tributárias, embora integrem o passivo financeiro dos cidadãos,

não são consideradas quando da identificação e do tratamento do superendividamento.

7.1 Aumento da participação de bens essenciais no superendividamento

Como visto, o sistema brasileiro de tributação sobre o consumo é caracterizado pela

associação de diversos instrumentos de exação. Essa perspectiva é subsidiada, sob a perspectiva

econômica, pelo “problema de Ramsey”, modelo teórico-matemático que busca estabelecer

uma estrutura ótima de tributação com o intuito de maximizar o bem-estar econômico de um

consumidor que esteja submetido a restrições impostas pelo Estado sobre seus rendimentos

(como os tributos sobre bens e serviços) (PAZ, 2008, p. 24).

O estudo aplica-se à situação hipotética de que existe um único consumidor (ou

consumidores com condições econômicas idênticas) e nenhum outro instrumento de exação

para além dos tributos sobre o consumo. Dessa forma, ele não se preocupa com as diferentes

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condições de renda ou patrimônio e, portanto, não busca solucionar problemas de equidade

(PAZ, 2008, p. 24).

O modelo sugere um “índice de desencorajamento do consumo”, aplicável a demandas

dependentes, ou seja, aos casos em que a demanda de um bem ou serviço depende dos preços

dos demais. Idealmente, para fins de neutralidade e eficiência, a grandeza deve ser constante

para todos os bens e serviços.

O índice demonstra que o consumo de um bem ou serviço e a alíquota sobre ele

incidente são grandezas inversamente proporcionais, de modo que a estrutura ótima da

tributação sobre o consumo seria aquela em que o aumento da alíquota e a consequente redução

do consumo fossem os mesmos para todos os bens ou serviços (PAZ, 2008, p. 24).

O problema de Ramsey propõe, ainda, para o caso das demandas independentes (ou

não dependentes), a “regra do inverso da elasticidade”, que indica que uma estrutura ótima da

tributação sobre o consumo seria baseada na regressividade. Em outros termos, a regra

demonstra que a tributação sobre um bem ou serviço é uma grandeza inversamente proporcional

à elasticidade-preço de sua demanda, que representa as variações na procura por um bem ou

serviço a depender das alterações de seus preços (quanto maior a variação da demanda, maior

sua elasticidade).

Assim, pelo modelo, bens ou serviços com demanda inelástica (como os produtos

essenciais) devem ser tributados com maiores alíquotas, enquanto que aqueles com demanda

elástica (como os produtos de luxo) devem ser alvo das menores (PAZ, 2008, p. 24).

Dessa forma, para o problema de Ramsey, a maximização da utilidade econômica dos

consumidores em face da tributação sobre o consumo ocorreria por meio da adoção de alíquotas

diferenciadas, dado o potencial tributário oferecido por bens ou serviços com baixa

elasticidade-preço (PAZ, 2008, p. 26).

Contudo, tendo em vista que o mercado não é formado por consumidores homogêneos,

o modelo é complementado pela “regra de Diamond e Mirrlees”, que realiza ponderações sobre

equidade, considerada como a aversão à desigualdade associada à ampliação da promoção do

bem-estar social pelo governo (PAZ, 2008, p. 25).

Logo, pressupondo a existência de indivíduos com condições econômicas distintas, a

regra de Diamond e Mirrlees demonstra que os bens ou serviços consumidos por indivíduos

mais pobres (como os produtos essenciais) são proporcionalmente menos impactados pela

elasticidade-preço da demanda (PAZ, 2008, p. 25).

Assim, ela sugere que a estrutura ótima da tributação sobre o consumo corresponde à

seletividade de alíquotas, que seriam progressivas em função da redução da essencialidade dos

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bens ou, em outros termos, do aumento da utilidade social da renda dos indivíduos, relacionável

à participação proporcional dos custos do consumo na renda (PAZ, 2008, p. 25).

Portanto, para a regra de Diamond e Mirrlees a adoção de alíquotas diferenciadas para

a tributação ótima sobre o consumo decorreria da necessidade de se aumentar a tributação sobre

o consumo de indivíduos mais ricos, para fins de equidade (PAZ, 2008, p. 26).

Complementarmente, os modelos sugerem que a adoção de alíquotas diferenciadas

possibilita ao Estado controlar as externalidades negativas decorrentes do consumo de um bem

ou serviço. Isso é realizado por meio da redução do consumo, estimulada pelo efeito-renda e

do efeito-substituição da tributação sobre o consumo:

O efeito-renda é caracterizado pela redução do consumo do bem em função

do indivíduo ter sua renda reduzida na presença do imposto. O efeito-

substituição é caracterizado pela redução do consumo do bem tributado, já que

o imposto tornou esse bem mais caro relativamente a outros bens. Os dois

efeitos atuam no mesmo sentido, ou seja, reduzindo o consumo do bem

tributado. A intensidade do efeito- substituição depende da facilidade com que

as pessoas substituem o produto tributado por outros produtos. (PAZ, 2008, p.

26)

Pelo exposto, tem-se que, em um primeiro momento, a adoção de alíquotas

diferenciadas, por meio de diferentes instrumentos de exação, poderia ser instrumento de

controle também da externalidade do consumo em comento: o superendividamento.

Ocorre que os modelos e regras acima expostos têm por pressuposto a situação

hipotética em que apenas o consumo de bens e serviços é tributado. Eles desconsideram as já

mencionadas tributações sobre o trabalho e sobre o capital, também existentes no Brasil (PAZ,

2008, p. 25).

Uma das consequências da convivência das diversas formas de tributação é a mitigação

do efeito-renda em função, principalmente, da existência, no Brasil, do imposto de renda, que

já possui alíquotas diferenciadas justamente com o intuito de operar uma redistribuição de

riqueza por meio da progressividade10.

O imposto de renda da pessoa física no Brasil é bastante progressivo quando

se utiliza um índice conhecido de progressividade local. (...) Em termos de

medidas de progressividade global, quando são utilizados índices de desvio

da proporcionalidade (Kakwani e Suits) para efetuar essa avaliação, a

conclusão é a mesma. (...) [No caso] da estrutura de apuração do imposto

apurado para os rendimentos do trabalho (...), a progressividade do tributo

brasileiro advém integralmente da estrutura de alíquotas (...). Dessa forma, o

IRPF brasileiro demonstra ser um tributo capaz de trazer recursos para o

10 “Esclarece-se que a progressividade é um desdobramento do princípio da capacidade contributiva. Dessa

maneira, as alíquotas do imposto de renda pessoa física variam conforme o total de rendimentos líquidos obtidos

pelo contribuinte. Conforme aumenta a base de cálculo, aumenta-se a alíquota aplicada. A progressão pode ser

simples ou graduada, na primeira cada alíquota é aplicada a toda a matéria tributável, já na segunda, cada alíquota

se aplica apenas sobre uma parcela de valor delimitada por um limite inferior e outro superior, somando--se os

resultados parciais para obter o valor total do imposto” (TREVIZAN; ALBARA; HOSSAKA, 2010, p. 74).

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Estado a partir dos contribuintes de renda mais elevada, contribuindo, de

forma modesta, para equalizar a distribuição de renda da população. Ainda

que a finalidade precípua da tributação não seja melhorar a distribuição de

renda, o IRPF cumpre honrosamente o papel de tentar contrabalançar o perfil

regressivo da tributação indireta no país. (CASTRO; BUGARIN, 2017, p.

289-291)

Nessa toada, no Brasil, a função redistributiva do imposto de renda operaria como um

instrumento tendente a uniformizar a utilidade social das rendas dos indivíduos, com vocação

para reduzir o potencial da regra de Diamond e Mirrlees de solucionar problemas de equidade.

Assim, com a distribuição de renda já pretensamente promovida por um imposto não

linear, a tributação ótima de bens e serviços seria realizada por meio de uma alíquota uniforme

(PAZ, 2008, p. 26-28).

Afinal, a própria questão da distribuição de renda seria relegada e pretensamente

solucionada por um imposto específico, de modo que a utilização de alíquotas diferenciadas

acabaria retomando a regra do inverso da elasticidade, em que o consumo de bens de primeira

necessidade é desencorajado por alíquotas maiores.

Portanto, haveria uma distorção das escolhas dos consumidores (PAZ, 2008, p. 26) e

um aumento do comprometimento de seus rendimentos com o pagamento de tributos sobre o

consumo, em especial sobre produtos essenciais, ou de primeira necessidade. Isso

corresponderia a um aumento da participação destes produtos no nível de superendividamento

dos consumidores brasileiros.

7.2 Redução da disponibilidade financeira

Segundo dados da Receita Federal do Brasil (2018, p. 4-5), a carga tributária11 no País

no ano de 2017 alcançou o patamar de 32,43% do Produto Interno Bruto - PIB. A base de

incidência (setor econômico) que mais contribuiu para a arrecadação foi a de “bens e serviços”,

da qual derivou 48,44% do total de tributos pagos no período (o que equivaleu a 15,71% do

PIB).

O restante dos recolhimentos, conforme a base de incidência, adveio, em 26,12%, da

“folha de salários”, em 19,22%, da “renda”, em 4,58%, da “propriedade”, em 1,63%, de

“transferências financeiras” e, em 0,01%, de outras fontes (RECEITA FEDERAL DO BRASIL,

2018, p. 5).

11 “Na apuração da Carga Tributária, busca-se aferir o fluxo de recursos financeiros direcionado da sociedade para

o Estado que apresente características econômicas de tributo, independentemente de sua denominação ou natureza

jurídica. Portanto (...), o juízo econômico prevalece sobre o jurídico” (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2018,

“Apresentação”).

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Pelos dados, observa-se que os tributos sobre o consumo constituem, de longe, a maior

fonte de arrecadação fiscal no Brasil. Essa circunstância repercute nos orçamentos dos

consumidores brasileiros.

Afinal, em 2017, o PIB brasileiro correspondeu a 6.559,94 bilhões de reais, enquanto

que a arrecadação tributária bruta alcançou o montante de 2.127,37 bilhões de reais e a

tributação sobre bens e serviços, por sua vez, chegou a 1.030.411,76 milhões de reais

(RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2018, p. 5).

Naquele ano, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

(2019), a população brasileira foi de 206.804.741 pessoas. Dessa forma, pode-se dizer que a

média da carga tributária incidente sobre bens e serviços12 no Brasil em 2017 foi de 4.984,53

reais. Dividindo-se tal quantia por doze, tem-se que, em fração ideal, o valor de tributos sobre

o consumo pago em cada mês de 2017 por cada cidadão brasileiro foi de 415,37 reais13.

Ainda de acordo com o IBGE (2018), o rendimento domiciliar per capita da população

brasileira14 em 2017 foi de 1.268 reais. Logo, conclui-se que naquele ano o pagamento de

tributos incidentes sobre bens e serviços comprometeu 32,75%15 da renda mensal dos cidadãos

brasileiros.

Com efeito, tem-se que tributação sobre o consumo é espécie de dívida (pois, como

visto, a relação tributária é obrigacional) que, em 2017, reduziu em mais de trinta por cento a

disponibilidade da população brasileira sobre seus rendimentos.

Isso demonstra que ela contribuiu para a constituição de uma eventual situação de

superendividamento, dado que esta é caracterizada pela insuficiência de recursos do

consumidor pessoa física para a quitação das dívidas.

Afinal, o cidadão, principalmente por meio do consumo, utiliza sua renda para prover

as necessidades básicas suas e de sua família, de modo que a somatória de significativa parcela,

a título de tributos, na aquisição ou contratação de bens e serviços onera demasiadamente os

recursos disponíveis para sua subsistência.

7.3 Mascaramento do superendividamento

12 1.030.411,76 milhões de reais divididos por 206.804.741 pessoas. 13 4.984,53 reais divididos pelos doze meses de um ano. 14 “O rendimento domiciliar per capita é calculado como a razão entre o total dos rendimentos domiciliares (em

termos nominais) e o total dos moradores. São considerados os rendimentos de trabalho e de outras fontes de todos

os moradores, inclusive os classificados como pensionistas, empregados domésticos e parentes dos empregados

domésticos” (IBGE, 2018). 15 Participação de 415,37 reais em 1.268 reais.

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Finalmente, para além de contribuir para situação de superendividamento, a tributação

sobre o consumo, nos moldes realizados no Brasil, dificulta o tratamento de casos de

endividamento excessivo já constatados. Isso porque o fenômeno é tratado pela doutrina e por

ordenamentos estrangeiros como adstrito a dívidas originadas de relações de consumo. Assim,

excluem-se de seu alcance os créditos tributários do Estado em face dos consumidores-

contribuintes (CHINI; CARVALHO; SILVA, 2018, p. 19-21).

Então, em um cenário de tratamento do superendividamento, que ocorre por meio do

estabelecimento de uma assembleia para a negociação simultânea com todos os credores do

consumidor pessoa física (a exemplo do que ocorre na falência das pessoas jurídicas)16, a renda

comprometida com o pagamento de tributos já não estaria, sob a perspectiva econômica,

disponível para transações (CHINI; CARVALHO; SILVA, 2018, p. 26-29).

8 Propostas de intervenção

A mitigação da contribuição dos tributos incidentes sobre bens e serviços no

superendividamento dos brasileiros seria reflexo de uma já bastante demandada reforma do

modelo de tributação sobre o consumo (CENTRO DE CIDADANIA FISCAL, 2017; LUKIC,

2018).

A principal alteração possível seria a substituição dos diversos instrumentos de exação

por um tributo também geral (ou seja, aplicável às diversas transações comerciais de bens e

serviços), mas que fosse uniforme. Uma alternativa é a adoção de um imposto sobre o valor

agregado - IVA ou um imposto sobre vendas a varejo - IVV (PAZ, 2008, p. 28).

O IVA tem por característica sua incidência em cada etapa de produção, porém

exclusivamente sobre o valor adicionado em cada uma delas, de forma não cumulativa. Isso

contribui para a redução dos custos tributários, que, nos moldes atuais, são repassados em

cascata aos consumidores finais em caso de impostos cumulativos (que incidem sobre o valor

da venda efetivada em cada etapa de produção) (PAZ, 2008, p. 27-28).

O IVV, por sua vez, recai na última etapa da produção, qual seja a comercialização do

bem ou serviço ao consumidor final (no varejo). Logo, também tem por vantagem a redução

16 Com essa assembleia, pretende-se transacionar as dívidas (por meio de medidas de parcelamento, redução de

juros, dilação de prazos, novação etc.) a fim de disponibilizar uma parte dos rendimentos do consumidor para a

satisfação das necessidades básicas correntes suas e de sua família (o já exposto reste à vivre), que, no Brasil,

segundo interpretação integrativa do Projeto de Lei nº 3515/2015 da Câmara dos Deputados, seria de trinta por

cento da renda mensal (CHINI; CARVALHO; SILVA, 2018, p. 30-32).

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dos custos tributários incidentes sobre o consumo, dado que é, por excelência, não cumulativo,

já que não alcança as demais etapas de produção (PAZ, 2008, p. 28-29).

Assim, a escolha entre a adoção do IVA ou do IVV depende de ponderações de

interesses fazendários. O primeiro imposto possui maior potencial de arrecadação, uma vez que

grande parte dos agentes econômicos por ele abrangidos são mais facilmente identificáveis do

que os varejistas (contribuintes exclusivos do segundo imposto), que são extremamente

pulverizados (PAZ, 2008, p. 28).

Essa sistemática, para além de reduzir o impacto da carga tributária sobre

consumidores, responde, em partes, às já apresentadas críticas ao método brasileiro de

tributação sobre bens e serviços, principalmente por representar uma diminuição de custos,

favorecer a transparência e o controle social e evitar distorções mercadológicas (CENTRO DE

CIDADANIA FISCAL, 2017, p. 1-4).

Porém, no que tange à redução de complexidade e à garantia de neutralidade fiscal,

esta imprescindível para a eficiência produtiva, o IVA (que, assim, corresponderá a um IVV

diluído), deve possuir alíquotas uniformes para todas as etapas de produção (PAZ, 2008, p. 28-

29).

Desse modo, a questão da seletividade tributária, que segundo a regra de Diamond e

Mirrless seria necessária para um modelo otimizado de tributação em mercados com

consumidores heterogêneos, como o brasileiro, deveria ser definitivamente superada pelo uso

do imposto de renda, ele sim com alíquotas diferenciadas, como instrumento de redistribuição

de renda segundo a capacidade contributiva e a progressividade (TREVIZAN; ALBARA;

HOSSAKA, 2010, p. 77-82).

Assim, mitigar-se-iam problemas de equidade por meio da já anunciada

homogeneização da utilidade social da renda dos consumidores, de modo a permitir uma

aproximação do modelo de Ramsey, em que se prevê um possível desencorajamento do

consumo segundo a elasticidade-preço da demanda.

Tendo em vista que o que se propõe é a adoção de alíquotas uniformes, estaria superada

a sugestão de Ramsey de taxação superior de produtos essenciais. Dessa forma, a otimização

da tributação sobre o consumo dependeria da elasticidade da demanda, modulada pela

capacidade econômica dos consumidores, que, por sua vez, seria regulada pela redistribuição

operada pelo imposto de renda.

Nesses termos, reduzir-se ia o impacto da tributação sobre o consumo no

superendividamento em função da diminuição da renda comprometida com o pagamento de

tributos sobre bens e serviços. Isso aumentaria a disponibilidade financeira dos consumidores

185

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brasileiros para fazer face às suas despesas, evitando o superendividamento (principalmente o

passivo), ou para renegociar suas dívidas em assembleia de credores, permitindo um combate

mais eficaz ao fenômeno.

Ademais, o controle da elasticidade da demanda pela redistribuição operada pelo

imposto de renda associar-se-ia, positivamente, na redução de estímulos ao superendividamento

(em especial o ativo).

9 Considerações finais

Neste estudo, demonstrou-se que significativa parcela da renda per capita brasileira é

destinada ao pagamento da tributação sobre o consumo e que isso diminui a disponibilidade

financeira para o tratamento de situações de superendividamento.

Constatou-se ainda que a coexistência, no Brasil, dos vários tributos sobre bens e

serviços (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) com um imposto sobre a renda que se pretende

redistributivo estimula o endividamento com bens de primeira necessidade, por mitigar a

influência do instituto da seletividade na modulação da elasticidade-preço da demanda.

Finalmente, expôs-se que o tratamento do superendividamento, a teor da tradição

francesa, não alcança as dívidas tributárias, independentemente da participação destas no

fenômeno.

Por isso, foi dito que a tributação sobre o consumo é a “cifra negra” do

superendividamento no Brasil, uma vez que estimula o comprometimento de renda e de

patrimônio com o pagamento de débitos, mas não é considerada quando da identificação e,

portanto, não integra o tratamento do fenômeno.

Para a superação dessa realidade, explorou-se a aptidão da adoção de impostos gerais

e uniformes sobre o consumo (IVA ou IVV, por exemplo) para reduzir a carga tributária

incidente sobre a renda ou patrimônio empregados em bens e serviços. Os motivos para tanto

são, principalmente, o estímulo à não-cumulatividade, a diminuição dos custos burocráticos e

a prevenção de distorções de mercado que podem advir do tratamento privilegiado a

determinados setores econômicos.

Em complemento, propôs-se que a substituição da seletividade por alíquotas uniformes

abriria espaço para um adequado uso do imposto de renda como instrumento de redistribuição

de riquezas, o que contribuiria para a uniformização da utilidade social da renda e,

consequentemente, para a otimização da tributação por meio da elasticidade-preço da demanda

(sem necessidade de taxação superior de produtos essenciais).

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Com efeito, tem-se que a tributação sobre o consumo contribui para uma situação de

superendividamento, mas não pode ser considerada para fins de tratamento ou mesmo de

prevenção do fenômeno. Logo, uma reforma tributária é necessária para dirimir a influência das

exações incidentes sobre bens e serviços na disponibilidade financeira de consumidores-

contribuintes e para auxiliar no controle de distorções mercadológicas, como o endividamento

de agentes econômicos para além de suas capacidades de adimplemento.

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