XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS –...
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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO I
ELOY PEREIRA LEMOS JUNIOR
RAFAEL PETEFFI DA SILVA
FABRÍCIO VEIGA COSTA
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D597
Direito civil contemporâneo I [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Fabrício Veiga Costa; Eloy Pereira Lemos Junior; Rafael Peteffi da Silva – Florianópolis:
CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia
ISBN:978-85-5505-513-3Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça
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1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Civil. 3. Contemporaniedade. XXVICongresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).
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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO I
Apresentação
O Grupo de Trabalho intitulado “Direito Civil Contemporâneo I”, realizado no XXVI
CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, na cidade de São Luís do Maranhão, entre os
dias 15 a 17 de novembro de 2017, foi coordenado pelos professores doutores Eloy Pereira
Lemos Junior (Universidade de Itaúna); Rafael Peteffi da Silva (Universidade Federal de
Santa Catarina); Fabrício Veiga Costa (Universidade de Itaúna).
No respectivo grupo de trabalho os pesquisadores Eloy Pereira Lemos Junior e Thiago da
Cruz Santos inicialmente trouxeram a discussão da (in) aplicabilidade da teoria da
imprevisão aos contratos aleatórios. Tais reflexões científicas foram ampliadas por meio do
debate da teoria do inadimplemento eficiente e os negócios jurídicos, cuja delimitação do
objeto de pesquisa se deu na análise do “efficiente breach” no plano da eficácia, proposições
essas trazidas por César Augusto de Castro Fiuza e Victor Duarte Almeida. Na mesma
perspectiva de abordagem, José Gabriel Boschi trouxe o debate sobre a teoria dos contratos
incompletos no contexto da análise econômica do direito.
O estudo do contrato de adesão na perspectiva crítico-comparativa do Código Civil e Código
de Defesa do Consumidor foi desenvolvido por Jonas Guedes de Lima e Luiz do Nascimento
Guedes Neto. A locação de área comum em condomínios edilícios foi importante debate
proposto na pesquisa de Cinthia Meneses Maia, seguida da apresentação realizada por Maria
Zilda Vasconcelos Fernandes Viana e Alana Nunes de Mesquita Vasconcelos, que
resgataram o instituto da Locatio Conductio e o analisou no contexto do direito civil
contemporâneo brasileiro.
O descumprimento do contrato de prestação de serviços educacionais e a problemática do
dano moral nas instituições privadas de ensino superior no Brasil foi importante tema
amplamente debatido pelos pesquisadores Fabrício Veiga Costa e Érica Patrícia Moreira de
Freitas.
Reflexões sobre o direito fundamental ao esquecimento foram propostas no trabalho
apresentado por Ricardo Duarte Guimarães, destacando-se na sequencia das apresentações o
estudo da intervenção da posse à luz da função social, estudo esse desenvolvido por Ronald
Pinto de Carvalho.
A responsabilidade civil no contexto do dano existencial foi objeto de investigação de Élida
De Cássia Mamede Da Costa e Francisco Geraldo Matos Santos. No mesmo contexto
propositivo, Laira Carone Rachid Domith e Brener Duque Belozi debateram o abandono
moral dos filhos pelos pais decorrente da hiperexploração laboral, delimitando-se o objeto de
análise no dano existencial imposto ao empregado ao dano reflexo a sua prole. Os critérios
para a fixação do quantum compensatório nos danos extrapatrimoniais foi claramente
trabalhado por Estela Cardoso Freire e Lucas Campos de Andrade Silva.
Reflexões acerca da possibilidade jurídica da usucapião de bens públicos dominicais,
contextualizando-se com a afetação e a desafetação dos bens públicos, foi importante estudo
apresentado por Aloísio Alencar Bolwerk e Graziele Cristina Lopes Ribeiro.
Por meio de uma pesquisa realizada mediante a utilização de análises comparativas, Vilmar
Rego Oliveira analisou os aspectos teóricos relevantes da desconsideração da personalidade
jurídica no direito luso-brasileiro.
A análise sobre a positivação dos princípios da concentração da matrícula imobiliária e a fé
pública registral foi objeto de abordagem trazida nas aporias propositivas de Marfisa Oliveira
Cacau. No mesmo contexto temático, o professor doutor Marcelo Sampaio Siqueira e a
pesquisadora Monica de Sá Pinto Nogueira trouxeram à baila o estudo a multipropriedade
imobiliária no contexto do ordenamento jurídico brasileiro.
Ao final, debateu-se o conflito existente entre o direito à origem genética e o direito à
intimidade na reprodução medicamente assistida heteróloga, pesquisa essa desenvolvida por
Pollyanna Thays Zanetti.
Os debates construídos ao longo das apresentações foram essenciais para a identificação de
aporias e o despertar da curiosidade epistemológica, evidenciando-se claramente a
falibilidade do conhecimento cientifico.
Prof. Dr. Rafael Peteffi da Silva - UFSC
Prof. Dr. Eloy Pereira Lemos Junior - UIT
Prof. Dr. Fabrício Veiga Costa - UIT
1 Mestrando em direito pela Universidade Portucalense/CECGP (2017). Advogado em São Luís/MA inscrito na OAB/MA sob o nº 14.430. Bacharel em direito pelo Centro Universitário do Maranhão-UNICEUMA de São Luís/MA (2014).
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A INTERVERSÃO DA POSSE À LUZ DA FUNÇÃO SOCIAL
THE INTERVERSION OF POSSESSION IN THE LIGHT OF SOCIAL FUNCTION
Ronald Pinto De Carvalho 1
Resumo
Este trabalho analisa o convalescimento da posse injusta em posse justa à luz da função
social. A bilateralidade da alteração da posse será configurada pela conduta omissiva do
esbulhado ou possuidor indireto. Objetivou-se demonstrar que a função social da posse deve
ser utilizada na análise da cessação ou não dos vícios da posse e a consequente convalidação
ou não da posse injusta em justa. O estudo se delineou analítico. Percebeu-se que a função
social da posse é o melhor instrumento de análise da interversão da posse.
Palavras-chave: Posse injusta, Posse justa, Bilateralidade, Função social, Convalescimento
Abstract/Resumen/Résumé
This paper analyzes the convalescence of unjust possession in fair possession in the light of
social function. The bilaterality of the change of ownership will be configured by the
omissive conduct of the void or indirect possessor. The objective was to demonstrate that the
social function of possession should be used in the analysis of the cessation or not of the
defects of possession and the consequent convalidation or not of the unjust possession in just.
The study was analytical. It was perceived that the social function of possession is the best
instrument of analysis of the interversion of possession.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Unfair possession, Fair possession, Bilaterality, Social role, Convalescence
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1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo tratar da interversão da posse à luz da função social da
posse, no qual se demonstrará que a função social deve ser utilizada como um dos principais
instrumentos para definir em que situações e circunstâncias fáticas terá o convalescimento da
posse injusta em posse justa.
O estudo da posse é um dos estudos mais intrigantes e desafiadores do direito civil.
Ela encontra-se positivada no Livro III da Parte Especial do Código Civil de 2002. Na realidade,
a posse integra o Direito das Coisas, visto que este tem como conteúdo principal as relações de
domínio sobre as coisas, no qual traz consigo discussões relevantes e de suma importância na
vida diária das pessoas.
Nesta vereda, o Direito das Coisas não consegue e não tem interesse de normatizar
todas as coisas, porque ele se direciona a tudo aquilo que esteja conexo a apropriação, ou seja,
a todas as coisas que ingressam na órbita de domínio das pessoas.
As relações de domínio no que tange a este direito externam-se de duas maneiras: as
relações de domínio fático (que está relacionada a posse) e as relação de domínio jurídico (que
está relacionada a propriedade).
Ao analisar o art. 1.225 do CC/02, que traz consigo o rol taxativo dos direitos reais,
observa-se que a posse não encontra-se neste arrolamento. Por este motivo, é que a doutrina
majoritária considera que a posse não integra os direitos reais. Na realidade, a posse é um direito
especial ou sui generis que integra o Direito das Coisas.
Desta forma, o Direito das Coisas é composto pela posse e pelos direitos reais. A posse
está consubstanciada do artigo 1.196 ao 1.224 do CC/02, já os direitos reais estão situados do
artigo 1.225 ao 1.510 do CC/02.
Sucede-se que, o presente estudo irá se ater a posse justa e posse injusta, por isso foi
estruturado em três sessões primárias, além desta introdução e considerações finais.
A primeira sessão intitulada como O estudo da posse e da mera detenção fará uma
explanação quanto a origem da posse no olhar dos juristas alemães, Friedrich Karl Von Savigny
e Rudolf Von Ihering, sendo aquele defensor da teoria subjetiva da posse e o segundo defensor
da teoria objetiva da posse. Por fim, falar-se-á das situações em que o ordenamento jurídico
desqualifica a posse em mera detenção.
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Na segunda sessão tratar-se-á da Posse Justa e Injusta em que será estudado as
espécies de posse injusta, na qual ficará descrita suas definições e momentos de seu surgimento.
Por derradeiro, discutir-se-á na terceira sessão sobre o Convalescimento da Posse
Injusta na Posse Justa e a Função Social. Neste capítulo, se demonstrará que a função social é
o melhor instrumento de análise para se saber em que situações fáticas ocorrerá ou não a
interversão da posse injusta em posse justa.
O método utilizado será o analítico, pois esta é uma metodologia de análise de
conteúdo existente em um documento. Como procedimento metodológico utilizar-se-á uma
pesquisa bibliográfica realizada através de legislações, jurisprudências e doutrinas, nas quais
far-se-á confrontos e análises interpretativas delas, buscando nestas a saída para o problema
levantado e a aferição da abordagem sobre o assunto.
Isto posto, serão apontados os resultados obtidos através das pesquisas realizadas ao
longo do trabalho de conclusão de curso, demonstrando que a função social deve ser utilizada
casuisticamente como um dos principais instrumentos de análise no convalescimento ou não da
posse injusta na posse justa.
2 O ESTUDO DA POSSE E DA MERA DETENÇÃO
2.1 DA POSSE
O estudo da posse tem como marco inicial a monografia de Friedrich Karl Von
Savigny, na qual em 1803, aos 24 anos de idade, escreveu o Tratado da Posse. Até o advento
desta obra prevalecia no sistema jurídico a ideia de que a posse era um mero apêndice da
propriedade, sendo tratada de forma subordinada e dependente.
Savigny teve o grande mérito de conceber a primeira teoria justificadora da posse em
que estabeleceu e vislumbrou-a a partir de dois elementos: o corpus e o animus.
O corpus caracteriza-se como a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da
coisa e de defende-la das agressões de quem quer que seja, é o poder físico da pessoa sobre a
coisa. Já o animus caracteriza-se pela intenção de ter a coisa como sua ou intenção de ser
proprietário, não é a convicção de ser dono, mas a vontade de tê-la como sua, animus domini
(CAMPOS, 1996, p. 29).
Malgrado não poder negar a importante contribuição feita pela Teoria da Posse, esta
não ficou imune a críticas. A partir do momento que Savigny incluiu o elemento animus como
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o segundo elemento da posse, começou a surgir vários questionamentos que inviabilizou este
elemento na constituição da posse.
Se for feita análise nos contratos de locação, nos contratos de comodato, dentre outros,
tendo como base a teoria de Savigny, chegar-se-ia a conclusão que nestes contratos não se tem
posse, pois tem-se a apreensão da coisa, mas em nenhum deles existe a intenção de ter a coisa
como sua.
Conforme se posiciona Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenwald, esta conclusão
não é adequada, pois existe sim posse nos contratos supra. Nesta senda, percebe-se que a maior
crítica feita a Teoria da Posse foi direcionada ao elemento subjetivo animus, pois existia uma
exacerbação do papel da autonomia da vontade pela incondicionada ligação da posse ao animus
domini (FARIAS; ROSENWALD, 2012, p. 61).
O discípulo de Savigny, o alemão Rudolf Von Ihering de 1818 a 1892, fez críticas ao
mestre em relação ao elemento subjetivo. Em decorrência destas críticas, escreveu uma segunda
teoria na qual atribuiu o nome de Teoria Simplificada da Posse.
Para Ihering, a posse configura-se com a presença do elemento objetivo corpus,
dispensando portanto o animus, sendo que este elemento encontra-se ínsito no poder de fato
exercido sobre a coisa ou bem (FIUZA, p. 1056).
Na mesma trilha, leciona Maria Helena Diniz sobre a Teoria Simplificada:
São seus elementos constitutivos: o corpus, exterioridade da propriedade, que consiste
no estado externo, normal das coisas, sob o qual desempenham a função econômica
de servir e pelo qual o homem conhece e distingue quem possui e quem não possui, e
o animus que já está incluído no corpus, indicando o modo como o proprietário age
em face do bem de que é possuidor. (DINIZ, 2008, p. 36).
Data máxima venha, o animus defendido por Ihering não é a vontade de ter a coisa
como sua, mas sim, a vontade de comportar-se como se proprietário fosse exercendo de fato,
de forma plena ou não, algum dos poderes inerentes a propriedade (usar, gozar, dispor e reaver).
Neste diapasão, a posse ganhou uma conotação objetiva dispensando-se o elemento
subjetivo animus.
Desta feita, quem exercer um dos poderes inerentes a propriedade, especificamente
uso ou gozo, tem posse. Veja portanto que, ordinariamente, a opção do Código Civil de 2002
foi pela Teoria Objetiva ou Teoria Simplificada da Posse, ou seja, basta que exista o elemento
objetivo corpus para que a posse esteja configurada.
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Contudo, é de enorme importância deixar explícito que em um momento ou outro o
próprio Código Civil faz concessões a Teoria Subjetiva de Savigny. O principal exemplo a esta
concessão encontra-se na posse ad usucapionem, pois um dos elementos necessários para a
aquisição da propriedade pela usucapião é o animus domini.
O legislador ordinário perdeu uma chance única em definir e positivar no texto do
Código Civil de 2002 a posse. Contudo, trouxe no art. 1.196 o conceito de possuidor. Nesta
trilha, para o Diploma Civil Brasileiro, possuidor é todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Os poderes inerentes a propriedade a que se refere o artigo acima mencionado estão
dispostos no art. 1.228 do mesmo diploma, são eles: uso, gozo ou fruição, livre disposição e
reivindicação.
O Superior Tribunal de Justiça vem nestes últimos anos lapidando e melhorando a
Teoria Objetiva de Ihering, visto que passou a dizer que o conceito de posse já não é somente
a mera apreensão física, mas sim o “poder físico sobre a posse”. Cumpre, outrossim, destacar
o seguinte julgado STJ - REsp: 1158992/MG 2009/0186292-3, relatora: Ministra Nancy
Andrighi, data de julgamento: 07/04/2011, terceira turma, data de publicação: DJe 14/04/2011.
Seja na visão clássica de Ihering, seja na visão do Código Civil de 2002, seja na visão
hodierna do STJ, o fato é que, a autonomia da posse foi ao longo do tempo se ratificando.
Atualmente, a posse é considerada um direito especial ou sui generis merecedora da tutela. Veja
o que dispõe o Enunciado nº 492 aprovado na 5ª Jornada de Direito Civil:
“A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o
aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e
sociais merecedores de tutela”.
É de grande relevância ter consciência que embora a posse seja autônoma em relação
a propriedade, o ordenamento jurídico em algumas situações a desqualifica. Esta
desqualificação é de amplo relevo, pois em virtude desta é que surgirá a mera detenção, a qual
está esmiuçada na sessão que segue.
2.2 DA MERA DETENÇÃO
Definido o possuidor no artigo 1.196, conforme já analisado acima, o Código Civil
nos artigos 1.198 e 1.208 criou as hipóteses de se desqualificar a posse em mera detenção, sendo
esta a retirada da qualidade de possuidor daquele que tem o contato ou poder físico sobre a
coisa, não existindo mera detenção sem prévia disposição normativa.
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As espécies de mera detenção são três: fâmulo da posse (detentor ou gestor da posse);
atos de mera permissão ou tolerância e atos violentos ou clandestinos; ocupação de bem público
de uso comum ou especial.
2.2.1 Fâmulo da posse
O fâmulo da posse encontra-se previsto no art. 1.198 do CC, sendo aquele que
apreende ou que tem o poder físico sobre a coisa por força de uma relação subordinativa com
um terceiro, como por exemplo: o caseiro, o adestrador, o veterinário, dentre outros (FARIAS;
ROSENWALD, 2012, p. 129).
A diferença entre possuidor e o fâmulo da posse está balizada na ideia de que na posse
o possuidor age em interesse próprio, em nome próprio, sem cumprir ordens e instruções de
nenhum terceiro, gerando seus efeitos. No fâmulo da posse, o mero detentor age em interesse
de outrem, em nome de outrem, cumpre instruções e ordens de outrem, não gerando efeitos.
Outro diploma que reconhece a figura do gestor da posse é o Código de Processo Civil
de 2015 em seu art. 339, na qual estabelece que se uma ação for direcionada ao gestor da posse,
este será obrigado a nomear à autoria o legítimo possuidor ou proprietário, sob pena de
responder por perdas e danos. Veja o que estabelece o art. 339 do CPC/2015:
Art. 339. Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo
da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com
as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de
indicação.
§ 1o O autor, ao aceitar a indicação, procederá, no prazo de 15 (quinze) dias, à
alteração da petição inicial para a substituição do réu, observando-se, ainda, o
parágrafo único do art. 338.
§ 2o No prazo de 15 (quinze) dias, o autor pode optar por alterar a petição inicial para
incluir, como litisconsorte passivo, o sujeito indicado pelo réu. (DIDIER JR.;
PEIXOTO, 2015, p. 579).
Essa imposição legal feita ao gestor da posse decorre do fato dele ser um mero detentor
que está naquele contato físico com a coisa por força de uma relação jurídica subordinativa.
Isso demonstra como o ordenamento jurídico reconhece a figura do fâmulo da posse como uma
das espécies de mera detenção.
2.2.2 Atos de mera permissão ou tolerância e atos violentos ou clandestinos
O art. 1.208 do Código Civil abrange os atos de mera permissão ou tolerância e os atos
de violência ou clandestinidade.
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Os atos de mera permissão (autorizações expressas) ou tolerância (consentimentos
tácitos do possuidor), admitem a atividade do terceiro/beneficiário sobre o bem, no intuito do
beneficiário tirar da coisa um proveito mais ou menos limitado, sem que o possuidor abandone
e renuncie seu direito, sendo um exercício precário de um direito.
Tanto a permissão como a tolerância caracterizam-se pela transitoriedade e pela
faculdade de supressão de uso pelo legítimo possuidor, unilateralmente e a qualquer instante,
sem que o terceiro tenha direito a proteção possessória em face do real possuidor.
Ensina Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenwald que:
A parte que se encontra em estado de submissão não poderá evitar que a outra,
unilateralmente, desconstitua sua situação fática, deliberando pela cessação da prática
de atos materiais sobre a coisa. Assim, o usuário encontra-se em situação de poder
transitório e efêmero sobre a coisa, sempre revogável pelo real possuidor, inibindo
eventual caracterização de posse. A situação de sujeição não se compatibiliza com a
constituição de qualquer direito subjetivo em face do objeto apreendido. (FARIAS;
ROSENWALD, 2012, p. 132).
As relações jurídicas instituídas nos atos de mera permissão ou tolerância são comuns
nas relações de parentesco, familiaridade, amizade ou boa-vizinhança, pois são atos de
apreensão sobre uma determinada coisa sem que isso leve a posse.
Nem a permissão e nem a tolerância configuram relação jurídica real ou obrigacional
entre os envolvidos, por isso não tem ligação nenhuma com a posse precária do art. 1.200 do
CC, conforme prenuncia Sílvio de Salvo Venosa que:
Essa posse precária não se confunde com a situação descrita no art. 1.208 [...]. Na
posse precária, há sempre um ato de outorga por parte de um possuidor a outro. Nos
atos de tolerância ou permissão citados no dispositivo, essa relação de ato ou negócio
jurídico não ocorre. (VENOSA, 2008, p.61).
Nas relações jurídicas do artigo acima que levam a posse precária, inicialmente, o que
se tem é uma posse justa que só depois se tornará injusta pela precariedade.
Desta forma, na permissão ou tolerância o que se tem é o uso da coisa pela concessão
de exercício precário e provisório, que a qualquer momento poderá ser abolida pelo possuidor,
não assistindo ao terceiro/beneficiário direito algum. Afinal, o beneficiário é apenas um mero
detentor.
Já a posse precária é o abuso de confiança do possuidor que indevidamente retém a
coisa além do prazo combinado conforme relação jurídica obrigacional ou real que originou a
posse, tornando a posse que era justa em uma posse injusta na modalidade posse precária.
O ato violento se manifesta mediante força física ou coação (física ou moral), no
intuito de tomar de alguém a posse de um objeto, podendo se dar contra a pessoa, ou, ainda,
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contra a própria coisa. O ato clandestinidade ocorre quando o ato se perfaz às escondidas, na
obscuridade, de forma sorrateira, sub-reptícia e com a utilização de artimanha.
Conforme consubstancia o art. 1.208 do CC, é imperativo observar que, enquanto a
violência e a clandestinidade não cessarem, o que se terá é mera detenção. Em ato contínuo,
depois de cessada a violência ou a clandestinidade, o detentor passa a ser possuidor violento ou
possuidor clandestino, respectivamente.
Outrossim se posiciona Venosa:
“Em nosso sistema, a relação fática com a coisa que tem início violento ou clandestino
não é de posse, enquanto permanece a violência ou clandestinidade. Torna-se posse
após cessados os vícios.” (VENOSA, 2008, p. 90).
Diante disso, nos atos de mera permissão ou tolerância e nos atos violentos ou
clandestinos o que se tem é uma mera detenção, na qual poderá ser convertida em posse injusta
a depender das circunstâncias fáticas de cada caso em concreto.
2.2.3 Ocupação de bem público de uso comum ou especial
Os bens públicos de uso comum ou especial não geram posse, geram apenas mera
detenção. Por isso, é que a ocupação irregular de áreas públicas não induz posse. O Superior
Tribunal de Justiça trilha neste mesmo entendimento, pode-se citar os seguintes julgados: STJ,
REsp. 556.721 / DF e STJ, REsp. 1.003.708 / PR.
3 POSSE JUSTA E POSSE INJUSTA
O Código Civil no art. 1.200 utilizou-se de um critério por exclusão para definir posse
injusta, pois disse qual é a posse injusta, e, consequentemente, posse justa serão todas as demais.
Faz-se necessário deixar cristalino que, o conceito de posse justa e injusta não se
confunde com aquele utilizado no art. 1.228 do Código Civil, veja o que informa, Regina
Beatriz Tavares da Silva:
Em sede possessória, a concepção de injustiça ou justiça da posse restringe-se aos três
vícios que a maculam (stricto sensu), enquanto, no que concerne à propriedade, a
expressão é empregada para designar todas as situações (e não apenas aqueles vícios)
que repugnam ao mais amplo direito real. (SILVA, 2010, p. 1116).
Portanto, a posse injusta é a que decorre dos vícios de violência, clandestinidade e
precariedade.
A posse violenta é aquela que surge após a cessação dos atos de violência. Sílvio de
Salvo Venosa leciona que a violência ocorre no momento em que se toma a coisa móvel das
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mãos de outrem contra sua vontade, na ocupação do imóvel se nele adentrarmos expulsando
o possuidor ou quem lá se encontre, no instante em que se impede o legítimo possuidor de
retornar ao imóvel, no minuto em que se invade a propriedade onde não encontrou pessoa
alguma, mas que impeça o legítimo possuidor ou proprietário de nela reentrar. (VENOSA,
2008, p. 59).
Observe que, se em todas as hipóteses acima descritas não houver presumida
oposição por parte do legítimo possuidor ou legítimo proprietário, não poderá se falar em
violência, isto porque a violência não é contra a coisa, mas sim, contra o possuidor anterior.
No mesmo sentido se manifesta Tupinambá Miguel Castro Nascimento:
“[...] na violência tem que se observar o desapossamento do possuidor. Assim,
violência à coisa não configura, por si só, a vis que torna a posse injusta.”
(NASCIMENTO, 2004, p. 89).
A posse clandestina é aquela que surge após a cessação dos atos de clandestinidade.
O juízo pacífico de nosso sistema jurídico é no sentido de que a clandestinidade será atalhada
no momento em que o esbulhador tornar a ocupação pública. É prescindível que o legítimo
possuidor ou legítimo proprietário esbulhado tome ciência do esbulho, todavia não se pode
negar que seja preciso que ele tenha o mínimo de condições de vir a saber da ocorrência do atos
de clandestinidade, seja através de vizinhos, amigos, imprensa etc.
Cumpre destacar, o posicionamento doutrinário de Darcy Bessone:
[...] considera-se a posse clandestina não apenas quando o possuidor ignora a
instalação da nova posse, mas quando haja um caráter furtivo, traduzido em meios
ocultos. Não basta, pois, a ignorância do possuidor para configurar-se a
clandestinidade. (BESSONE, 1996, p. 107).
Não é imprescindível, para que a clandestinidade seja cessada, que o legítimo
possuidor ou legítimo proprietário tenha conhecimento do esbulho, porque se isto fosse um
requisito dar-se-ia margem para que a mera detenção do esbulhador nunca viesse a se
transformar em posse.
A posse precária ocorre quando há quebra de confiança, na qual o possuidor deveria
restituir a coisa e não o faz. Nesta ocupação desde o início da relação jurídica sempre existe
posse (posse justa). Se o possuidor não restitui na data devida a coisa é que se passa a ter a
posse injusta (posse precária).
Sílvio de Salvo Venosa (2008, p. 91) vaticina que: “Como repousa na confiança, a
outorga concedida ao precarista pode ser suprimida a qualquer tempo, surgindo a obrigação de
devolver a coisa. O vício dá-se a partir do momento da recusa em devolver. Nesse aspecto,
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distingue-se da violência e da clandestinidade, vícios que partem da origem da relação da coisa
com o possuidor viciado."
Deste modo, a precariedade resultará do abuso de confiança do possuidor que retém a
coisa indevidamente não a restituindo no prazo estabelecido na relação jurídica de direito real
ou obrigacional que originou a posse.
4 CONVALESCIMENTO DA POSSE INJUSTA NA POSSE JUSTA E A FUNÇÃO
SOCIAL
O convalescimento ou interversão da posse é a passagem da posse injusta em posse
justa após sanar o vício que a maculou.
A base legal deste convalescimento faz-se presente no art. 1.203 do Código Civil de
2002, “salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi
adquirida”.
A partir da interpretação desse dispositivo surge diversas correntes acerca do
convalescimento ou não da posse.
Na posse violenta ou clandestina, Francisco Eduardo Loureiro aduz que os vícios da
violência ou clandestinidade contaminam a posse mantendo este estigma da origem, ou seja,
para este jurista a posse injusta se perpetuará e nunca convalescerá (LOUREIRO, 2007, p.
1008).
No entanto, Maria Helena Diniz e Silvio Rodrigues sustentam que a posse violenta e
clandestina podem transformar-se em justa, para isso faz-se necessário que se passe ano e dia
de quando cessar a violência, ou de quando a posse se tornar pública, quando esta iniciar-se
clandestina (DINIZ, 2008, p. 63; RODRIGUES, 2003, p. 31).
O autor desta pesquisa não segue o posicionamento dos doutrinadores supra, pois
entende que o mais adequado e consistente é o do Professor Flávio Tartuce, por admitir que o
convalescimento da posse injusta em posse justa leva em consideração a análise da função
social, como refere o jurista:
[...] filiamo-nos à corrente que prega a análise dessa cessação caso a caso, de acordo
com a finalidade social da posse [...]. Eis aqui mais uma aplicação do princípio da
função social da posse, pois a categoria em questão está sendo analisada de acordo
com o meio que a cerca. (TARTUCE, 2014, p. 39).
Nota-se que, Flávio Tartuce possui uma visão mais sociológica da posse. Nesta levada,
o presente trabalho demonstra que o melhor instrumento de análise da interversão da posse
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injusta em posse justa é a função social da posse, que deve ser aplicada caso a caso, sem com
isso implicar na transformação unilateral do caráter da posse.
Nesta senda, se o legítimo possuidor ou proprietário esbulhado negligenciar em
enfrentar a posse violenta ou clandestina, tem-se que o abandono prolongado e o desleixo no
trato com a coisa denotam o desprezo do esbulhado com a propriedade e consequentemente
com a função social da propriedade, configurando uma conduta omissiva (uma omissão) por
parte deste.
Desta forma, se o possuidor injusto ao mesmo tempo demonstrar que está dando uma
destinação social e econômica a coisa apreendida, a posse que outrora era injusta se convalesce
em justa. Assim, não precisa que se passe exegeticamente do prazo de ano e dia para que a
posse violenta ou clandestina se torne justa.
Observe que a conduta omissiva do legítimo possuidor ou proprietário esbulhado
ratifica o não exercício da função social da propriedade por parte deste, pois o mesmo se
manteve inerte ao ponto de nem buscar a posse que lhe foi esbulhada. A inércia do legítimo
possuidor ou proprietário ao esbulho, que é público e notório, demonstra seu desinteresse para
com a propriedade e para com a função social da propriedade.
É imprescindível se ter em mente que, na conjuntura atual do ordenamento jurídico
brasileiro, cumprir função social não é mais faculdade, mas sim, obrigação, quem não a cumpre
abusa do direito de propriedade e comete ato ilícito objetivo (art. 187 do CC).
O próprio sistema constitucional e infraconstitucional, em algumas situações, pune o
proprietário que não exerce a função social da propriedade. A sanção progressiva e sucessiva,
prevista na Constituição Federal e Estatuto da Cidade, é um dos exemplos mais evidentes, pois
o proprietário urbano é apenado com o parcelamento e edificação compulsória, IPTU
progressivo e desapropriação-sanção caso não esteja cumprindo função social em sua
propriedade.
Nesta feita, considerar que a posse violenta ou clandestina permanecerá injusta ad
aeternum é um disparate caso a função social não esteja sendo praticada pelo proprietário
esbulhado, mas esteja sendo praticada pelo possuidor.
Veja que, a alteração bilateral do caráter da posse está sendo respeitada, pois tem-se
uma conduta ativa do possuidor injusto e uma conduta omissiva do esbulhado.
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É de importância colossal ter-se em mente que estes fatores que levam ao
convalescimento da posse injusta em justa devem ser analisados sempre casuisticamente, na
qual devem ser relevados com muito cuidado pelos aplicadores do direito para que não haja
aberrações jurídicas.
No que tange a posse precária no momento em que o possuidor injusto externa que
vai ficar com a coisa em nome próprio, surge o animus domini. Veja que, a simples alteração
do animus por si só não torna a posse dele justa, mas sim, injusta.
Na visão de Maria Helena Diniz a precariedade é um vício que nunca cessa, logo a
posse injusta ficará para sempre, pois para ela a propriedade não cessa nunca (DINIZ, 2008, p.
63). O presente trabalho não segue essa linha de pensamento.
Mais uma vez, iremos buscar guarida nas palavras de Flávio Tartuce, Cristiano Chaves
Farias e Nelson Rosenwald que de forma cristalina admitem o convalescimento da posse
precária em posse justa.
Para Flávio Tartuce a possibilidade da interversão da posse precária em posse justa
pode ocorrer pela simples cessação do abuso de confiança, através de um acordo entre as partes
envolvidas (TARTUCE, 2014, p. 39).
Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenwald chamam esta cessação do abuso de
confiança de alteração da causa possessionis. Para estes professores, o convalescimento da
posse precária em posse justa pode se dar pelo estabelecimento de uma nova relação jurídica
(FARIAS; ROSENWALD, 2012, p. 156).
Fica explícito que, o convalescimento da posse ocorre por desfazimento do vício que
gerou a posse precária. Este trabalho vai além desta possibilidade, pois procura demonstrar o
convalescimento da posse pelo decurso do tempo somado ao exercício da função social da
posse.
É de plena importância trazer à baila o Enunciado nº 237 da III Jornada de Direito
Civil, em que admite a modificação do título da posse por caracterização do animus domini:
É cabível a modificação do título da posse – interversio possessionis – na hipótese em
que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao
antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini.
Regina Beatriz Tavares da Silva ao analisar o Enunciado de nº 237 aduz que a posse
direta, que até então era relativa (não própria), transmuda-se através dos novos atos potestativos
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de exteriorização em posse absoluta (própria). Todavia, a posse se mantem viciada pela
precariedade. (SILVA, 2012, p. 1120).
A ótica do autor deste artigo diverge do posicionamento da autora supra, pois não tem
lógica manter viciada uma posse em que o atual possuidor está exercendo a função social da
posse e o possuidor indireto por conduta omissiva abandona a propriedade e não busca realizar
a função social da propriedade.
Flávio Tartuce complementa tal posicionamento alegando que não faz sentido não se
permitir o convalescimento da posse precária em posse justa, já que o vício da violência é muito
mais grave. Observe:
De toda sorte, cabe uma reflexão. Se o vício da violência é bem mais grave e a posse
violenta pode passar a ser justa, por que o efeito da cessação da injustiça não pode
atingir a posse precária, vício de menor gravidade? A realidade jurídica atual parece
contrariar a lógica do razoável, com o devido respeito. (TARTUCE, 2014, p. 40).
Ao olhar do criador deste trabalho, a única explicação ao posicionamento da não
possibilidade de convalescimento é no sentido de que a interversão da posse é sempre vista de
forma cautelosa por parte dos juristas.
Neste norte, se tivermos a demonstração de ato exterior e inequívoco de oposição ao
antigo possuidor indireto somado ao exercício da função social da posse nada impede que
ocorra o convalescimento da posse precária em posse justa, caso o proprietário mantenha-se
inerte frente ao animus domini do possuidor.
O direito da propriedade não pode mais ser tratado como um direito absoluto ao ponto
de impedir o convalescimento da posse precária em posse justa pelo simples fato de um dia um
possuidor precário já ter mantido relação jurídica real ou obrigacional com o legítimo
proprietário ou legítimo possuidor, pois, conforme já demonstrado alhures, a função social é
uma obrigação, e não, uma faculdade.
Neste diapasão, o presente trabalho não tem o escopo de defender a alteração unilateral
do caráter da posse com base apenas nas intenções do possuidor, pois não se pode olvidar que
o abandono prolongado e o desleixo no trato com a coisa demonstra alteração da postura do
possuidor indireto frente a coisa e a função social. Esta conduta omissiva (omissão) do
possuidor indireto não pode ser desprezada na análise da interversão da posse, pois ele está
descumprindo de forma escancarada a função social da propriedade, ao ponto de nem reagir ao
esbulho.
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Isto posto, é notório que a função social é um dos melhores e mais indicados
instrumentos de análise da interversão da posse, sendo que deverá sempre ser analisada e
aplicada em cada caso em concreto.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho de conclusão de curso demonstra a possibilidade de interversão do
caráter da posse através da função social.
Desse modo, na posse violenta ou clandestina para que o convalescimento se efetive
é imperativo que o possuidor injusto esteja exercendo a função social da posse e que o legítimo
possuidor ou proprietário esbulhado, por conduta omissiva (omissão), abandone com desleixo
e de forma prolongada a coisa esbulhada, ferindo o princípio da função social da propriedade.
Na posse precária a interversão da posse se dará pela demonstração de ato exterior e
inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto (interversio possessionis) somada ao
efetivo exercício da função social da posse e abandono do possuidor indireto da sua propriedade
e consequente desrespeito a função social da propriedade.
Para configuração da bilateralidade, imprescindível será que, o esbulhado ou possuidor
indireto haja com abandono prolongado da coisa, com desleixo no trato com a coisa e não
exerça e nem busque exercer a função social da propriedade a que está vinculado e obrigado.
Foi enfatizado que tal posição é a que melhor acata à função social da propriedade e
da posse, que está consubstanciada no art. 5º, inciso XXII e XXIII da Constituição Federal de
1988.
A partir da Carta Magna que lapidou em seu texto o princípio da função social, o
proprietário que só tinha poderes passou a ter deveres. Hodiernamente, deve e é obrigado a
cumprir a função social da propriedade.
A propriedade não mais pode ser considerada um direito composto de requisitos
absolutos, pois ela é uma relação jurídica complexa que opõe em polos opostos o titular do
direito subjetivo de propriedade (que deve obedecer a função social da propriedade, porque ela
faz parte de seu núcleo) e, de outro lado, toda a coletividade (pois todo direito real é oponível
erga omnes).
O proprietário não pode gozar plenamente da propriedade privada independentemente
da função social da propriedade, pois a coletividade também depende de seu exercício. Para
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que o Estado consiga realizar seus objetivos é preciso que cada cidadão exerça seus direitos em
consonância com os objetivos comuns que são de todos.
Por isso, a propriedade deve atender a sua função social, tornando-se útil à sociedade
e coletividade, seja no aspecto produtivo, ambiental, trabalhista dentre outros. O que não pode,
é o proprietário abandonar sua propriedade com desleixo e depois querer a proteção devida.
Desse modo, a interversão da posse deve ser ato evidente, exteriorizado, sob pena de
se inviabilizar o direito de o proprietário defender seus direitos. Caso este permaneça inerte,
configurada estará sua conduta omissiva e lesiva frente a função social.
A pesquisa mostra que não é favorável interpretar nenhum dispositivo do ordenamento
jurídico pátrio de forma absoluta, principalmente ao tratar de propriedade. Além do mais, não
é aderente olvidar que a função social e o direito fundamental a moradia são um dos principais
pilares da Constituição Federal de 1988.
Por conseguinte, negar o convalescimento da posse injusta na posse justa levando-se
em consideração apenas o caráter absoluto da propriedade, não parece razoável. A interversão
da posse deverá ser sempre avaliada à luz da função social de forma casuística.
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REFERÊNCIAS
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