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Embora a expressão “desenvolvimento sustentável” traduza preo-
cupações crescentes, existem grandes riscos da sua banalização.
Esta tendência conduz à adulteração do significado que presidiu à
sua génese e representa a existência de contradições quanto à
maneira de o medir e de o realizar.
Confunde-se desenvolvimento sustentável e desenvolvimento sus-
tentado, este último surgido em meados do século passado com
forte cariz económico-financeiro. Isto significa que em nome da
sustentabilidade não podem ser resolvidos problemas conjunturais
sem objectivos a mais longo prazo. Como se transpõe então esta
ideia no sentido da sustentabilidade da área metropolitana de Lisboa?
Três valências servem de alicerce a uma resposta. A primeira
assenta no reconhecimento de que a Natureza foi generosa ao
oferecer, sem contribuição do trabalho humano, um capital natural
de excepcional valor. A segunda associa-se à ideia de que a apro-
priação deste território conduziu à acumulação de exemplares
valiosos de um património construído, fruto da acção das gerações
que construíram Lisboa e os seus “termos”, urbanos, agrícolas e
florestais. Por último, a da dinâmica dos grupos políticos e sociais,
principal realidade geradora das diferentes oportunidades de
desenvolvimento mas susceptível, pelo contrário, de poder criar
dinâmicas destruidoras da coesão social.
Na perspectiva transdisciplinar que caracteriza o conceito de susten-
tabilidade, este capítulo do Atlas da área metropolitana de Lisboa
pretende contribuir para que trunfos e estrangulamentos, ameaças e
tendências, oportunidades existentes ou a criar, possam ser objecto
de geo-referenciação, no sentido de localizar para decidir e optar
pelos cenários mais desejáveis.
1. TRUNFOS
Importa contrapor às correntes mais pessimistas a ideia
de que Portugal não é um país periférico, sem possibilidades de
competição. Na realidade ele tem condições para ser geografica-
mente cada vez menos periférico em relação à Europa, tendo igual-
mente condições para melhorar a sua centralidade, no cumprimento
das suas vocações históricas nas rotas do Mediterrâneo, do Oriente,
do Norte e do Sul do Atlântico.
Ao conceito de “vantagens comparativas”, desenvolvido
por David Ricardo, devemos agregar o das “vantagens competitivas”
que Michael Porter recomendou há alguns anos para Portugal. As
primeiras são-nos em grande parte oferecidas pelo capital natural e
patrimonial; as segundas conquistam-se, dependendo da vontade
de bem gerir o que existe e de abrir novas oportunidades através
da inovação. Contribuições teóricas actuais, como as que foram
encomendadas e recomendadas por este autor no seu trabalho
sobre “as vantagens competitivas de Portugal”, constituem exemplos
de trunfos culturais, potenciadores incontornáveis do desenvolvi-
mento sustentável.
Embora nem tudo o que falta se possa fazer ao mesmo
tempo, a experiência mostra que o desenvolvimento não depende
só do crescimento económico, mas que resulta do progresso, con-
duzido com persistência e coordenação em todos os sectores.
As “vantagens comparativas” podem assim ser dadas como
adquiridas, embora resultem da existência de valores naturais e
construídos, limitados, frágeis e perecíveis. As vantagens compe-
titivas resultam na maior parte dos casos de valores imateriais que
são, principalmente, os trunfos políticos e sociais, os trunfos eco-
nómicos, os trunfos culturais. Todos eles fazem parte de um único
sistema onde, por definição, predominam as interdependências.
Trunfos naturais
Os valores naturais ainda existentes são consideráveis. Para
além do clima, que contrasta com a hostilidade das condições atmos-
féricas de outros países, muitos outros valores devem ser mencionados:
• Cinco Áreas Protegidas, entre elas o Estuário do Sado e o
Estuário do Tejo; este último, o mais amplo estuário da Europa
que mereceu ser abrangido pela Convenção de Ramsar;
• Outros valores naturais ainda não protegidos, alguns dos
quais já identificados no âmbito do Programa Natura 2000;
• A biodiversidade, que se traduz em densidades muito elevadas
de espécies, da fauna e da flora, em contraste com o que se
passa com o declínio acentuado das espécies na maior parte
da Europa industrializada;
• A rede hidrográfica a Norte e a Sul do Tejo, as superfícies húmidas,
os rios e as ribeiras que em grande número existem em todo o
território da área metropolitana. O Oceano, os solos irrigados pelo
Tejo e pelo Sado, os seus tributários, surgem como recursos de
Vantagens COMPARATIVAS E COMPETITIVASda área metropolitana de Lisboa
João Reis MACHADODoutorado em Ciências do Ambiente (Área do Ordenamento do Território)
Investigador Principal, Instituto Geográfico Português
Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Univ. Nova de Lisboa.
grande importância no contexto da rede hidrográfica peninsular;
• A morfologia do solo, valorizadora da paisagem, de cenários
e de pontos de vista, as linhas de festo e os vales, as barreiras
naturais indissociavelmente ligadas a acontecimentos históricos
decisivos que, como as “Linhas de Torres”, contribuíram para
a história da Europa e da defesa da soberania nacional;
• Os recursos geomorfológicos através dos quais se opera a
recarga das águas subterrâneas, os vales aluvianares, o Maciço
Eruptivo de Sintra, exemplo único de granitos nesta região, sobres-
saindo das plataformas calcárias que o rodeiam, os solos de
grande capacidade para a agricultura, as grutas e arribas do
litoral, entre elas a Arriba Fóssil da Costa da Caparica, uma das
cinco Áreas Protegidas.
Para além dos factores humanos, as condições naturais
oferecidas encontram-se de facto na origem dos outros trunfos que
a seguir irão ser mencionados.
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Estratégia,estrutura
e competiçãoempresarial
Programar o futuropor meiodo planeamentoe da reduçãodo grau de incerteza
Acaso
• Importantes clusters regionais• Interligação entre indústrias relacionadas• Indústrias motoras em cada cluster
Decisõesfundamentadas
Procura exigente(individual e industrial)
• Objectivos individuais e das empresas• Estratégias empresariais
Indústriasrelacionadase de suporte
Característicasda Procura
Característicasdos Factores
Governos
Recursos• Humanos• Naturais• Ciência e Tecnologia• Custos Energéticos• Capital• Infra-estruturas
Figura XIII.1 Desafios determinantes das vantagens competitivas [adaptação do Modelo do Diamante de Michael Porter]. 1994
Fotografia XIII.2 A cidade de Lisboa vista do Tejo. 1998
Fotografia XIII.3 Os flamingos do Estuário do Tejo. 2001Fotografia XIII.1 Serra de Sintra. Castelo dos Mouros. 2001
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Trunfos construídos
Um dos capítulos deste Atlas aborda o tema do património
construído e da sua relação com as preocupações, actualmente
crescentes, no sentido de conseguir a persistência ou a criação de
novas identidades.
Industrialismo e terciarização, migrações internas e trans-
fronteiras, crescimento urbano e peri-urbano, desurbanização,
polarização, urbanização difusa, são fenómenos de grande inten-
sidade que coexistem. Eles são, simultaneamente, causas e efeitos
de desequilíbrios na qualidade de vida e de uniformização, em
aspectos não desejáveis da sociedade global. A esta uniformidade
insustentável opõe-se a diversificação, como um dos factores deter-
minantes da competitividade.
Territorializar significa, de facto, a existência de um passado,
de um presente e de um futuro. As raízes dos valores mais estimu-
lantes da História e da Cultura encontram-se presentes, ao longo do
tempo, na base dos comportamentos, do equilíbrio psicológico,
e alimentam a convergência das vontades individuais e colectivas,
indispensáveis à construção deste presente e do futuro.
A sustentabilidade da área metropolitana de Lisboa encon-
tra-se assim indissoluvelmente dependente das atitudes a tomar
perante os valores construídos, não apenas os que nos são ofere-
cidos pelos séculos passados mas, igualmente, aqueles que agora
vão sendo preparados para as gerações futuras.
Fotografia XIII.4 Praia da área metropolitana de Lisboa. 1998
Fotografia XIII.6 Serra de Sintra. Palácio da Pena (séc. XIX). 2001 Fotografia XIII.7 Vila de Sintra. Palácio da Vila (séc. XIX). 2001Fotografia XIII.5 Terreiro do Paço.Exemplo histórico, arquitectónico e urbanístico de importância europeia. 1998
Mapa XIII.1 Localização das fortificações das “Linhas de Torres”. Século XIX
Trunfos políticos e sociais
Algumas teorias defendem que as sociedades evoluem
inevitavelmente por degraus e que, no percurso que separa a fase
agrícola e tradicional da fase da maturidade e da era do consumo
de massa, o aparecimento de uma geração preocupada em afirmar
não apenas a sua independência, mas também disposta a criar
uma sociedade moderna, constitui um factor essencial na mobili-
zação de todos os talentos, recursos e potencialidades.
As críticas a um tal modelo salientam, entre outros aspectos,
o quanto é indesejável a meta final do consumo de massa, estádio
associado ao determinista e já desmentido “fim da história” (Fukuyama,
1992). O que parece não haver dúvida, porém, é que se torna neces-
sária a existência de uma ou mais gerações que, depois de provo-
carem o “arranque”, conseguem manter o desenvolvimento das
actividades motoras que induzem cadeias de outras actividades,
geradoras de convergências reais. Serão assim atingidos os indi-
cadores que caracterizam as metas desejáveis para os modelos
das sociedades mais desenvolvidas.
Lisboa constitui plataforma privilegiada de ligações inter-
nacionais, tendo Portugal aumentado a sua visibilidade internacional,
em grande parte devido à sua História e pelo facto de ser membro da
União Europeia. A proximidade entre as duas nações ibéricas e o
desaparecimento das fronteiras comuns constitui um grande desafio.
Salvaguardadas as identidades nacionais, esta liberdade de circu-
lação de pessoas, mercadorias e capitais, permite tirar partido das
vantagens comparativas e competitivas conjuntas, sem prejuízo do
estabelecimento e reforço das ligações com outros países, quer
europeus, quer de outros continentes, com os quais também existe
uma muito antiga tradição de ligações históricas, políticas, sociais
e culturais.
Neste âmbito internacional, Portugal tem igualmente procu-
rado como objectivo o reforço das ligações com a comunidade
portuguesa, espalhada por todos os continentes. É de facto especial-
mente importante, como membro das Nações Unidas, a sua posição
de interlocutor preferencial na discussão e harmonização dos interes-
ses em que ocupam posição central os que se relacionam com as
nações de língua portuguesa. Políticas semelhantes têm sido adop-
tadas por outros países europeus aos níveis nacional e regional.
Neste sentido, a área metropolitana de Lisboa tem mantido
um amplo leque de cooperações internacionais, entre as quais as
técnicas e científicas, com regiões possuindo princípios, valores
e problemas comuns, nomeadamente, regiões metropolitanas e
regiões que dispõem de importantes estuários.
A competitividade a existir resulta, sobretudo, do apareci-
mento de uma ou mais gerações em que os diversos agentes
políticos e sociais são capazes de inovar e de integrar os novos
métodos e as novas tecnologias, como recomenda Michael Porter,
nos processos tradicionais. E tal como acontece com os países, a
competitividade entre regiões não se mede, hoje, pela dimensão
dos seus territórios, pelo número dos seus habitantes, pelas taxas
de urbanização ou pela dimensão do parque automóvel. Mede-se
através de indicadores compostos, como começa a acontecer com
o índice de desenvolvimento adoptado pelas Nações Unidas, em
que se verifica já a presença de factores imateriais, como a saúde
e a educação.
Outros trunfos encontram-se dependentes destes últimos,
como sejam as capacidades de estabelecimento de relações e fluxos
de diversa natureza, não na perspectiva da filosofia mercantilista e
especulativa dos séculos anteriores, em que para haver quem ganhe
tem que haver quem perca, mas na perspectiva da subsidiariedade,
na base de acordos e de alianças, entre regiões e respectivas ins-
tituições, do reforço das coesões sociais e políticas.
Trunfos económicos
Os modelos de localização das actividades económicas
continuam a distinguir diversos factores relacionados com os
recursos humanos, os recursos naturais, os capitais, as tecnologias.
Lisboa dispõe de potencialidades importantes em alguns destes
domínios, que permitem competir com outros centros europeus
e peninsulares.
A disponibilidade de uma organização territorial eficaz tem
sido considerada essencial para uma articulação coerente entre
todos estes factores. A ideia central de um tal modelo assenta na
interacção de cinco processos fundamentais que em conjunto con-
correm para modelar a evolução económica e social, a médio e a
longo prazo, na sua aplicação sobre o espaço geográfico:
• A localização das actividades;
• O funcionamento espacial dos mercados de trabalho;
• O suporte fornecido pela rede de transportes e de telecomu-
nicações;
• Os serviços prestados pelos equipamentos sociais;
• A preservação dos valores naturais.
A Grande-Lisboa, a Norte, com o seu Parque de Ciência
e Tecnologia (TagusPark), e a Península de Setúbal com o seu Parque
Industrial da AutoEuropa são exemplos da emergência de pólos
de atracção estruturantes, embora não claramente precedidos de
um planeamento regional, tal como aconteceu noutras áreas metro-
politanas europeias exemplares.
Outros trunfos económicos estratégicos existirão porém, no
que se refere à localização de novas indústrias e serviços, ligados a
vocações e a infra-estruturas existentes.
Lisboa, como região-capital internacional, oferece algumas
condições para poder aumentar as suas vantagens competitivas
e candidatar-se, equitativamente, a uma quota parte de sedes de
empresas, nomeadamente, de sedes das instituições europeias. A
negociação sobre a localização da Agência Europeia do Mar é um
bom exemplo.
Diversos trunfos específicos, com grande importância eco-
nómica, merecem ser salientados, entre eles as infra-estruturas de
ligação ao exterior, a agricultura metropolitana vocacionada para
produtos de qualidade, o turismo como actividade indutora de
numerosas outras actividades económicas e culturais.
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Fotografia XIII.10 Parque de Ciência e Tecnologia. TagusPark. Núcleo Central. 2001
Fotografia XIII.11 Porto de Lisboa. Movimento de mercadorias. 2001
Fotografia XIII.9 Parque Industrial AutoEuropa. 2002 XII
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Fotografia XIII.8 Parque Industrial AutoEuropa. Vista aérea. 2002
Mapa XIII.2 Localização de Portugal no quadro geopolítico mundial
Trunfos em infra-estruturas de ligação ao exterior
• Três portos com excelentes potencialidades atlânticas, que
são Lisboa, Setúbal e Sines, todos eles localizados à ilharga
de uma das principais rotas mundiais do transporte marítimo;
• Uma rede de auto-estradas em vias de conclusão inseridas
nas grandes estradas de tráfego europeu;
• Um nó ferroviário que está a ser objecto de anunciados melho-
ramentos, quer com possibilidades de constituir um terminal de
alta velocidade a nível europeu, quer ao nível interno regional
a Norte e a Sul do Tejo;
• Um aeroporto internacional em franca expansão que cons-
titui já um centro de ligações inter-modais com vocação
intercontinental.
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Fotografia XIII.13 Porto de Lisboa. Doca. 1998 Fotografia XIII.15 Rede Rodoviária Nacional. Nó de ligação. 1998
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Figura XIII.2 Aeroporto de Lisboa. Ortofotomapa. 1998 Fotografia XIII.14 Porto de Lisboa. Movimento de mercadorias Fotografia XIII.16 Porto de Lisboa. Movimento de passageiros
Fotografia XIII.12 Porto de Lisboa. Movimento portuário. 2002
Trunfos agrícolas e florestais
Esta será talvez uma ideia inovadora entre nós porque não
tem tido apoio, nem tão pouco se encontra generalizada. Contudo,
tem sido recomendada a nível internacional, nomeadamente na II
Conferência das Nações Unidas sobre Estabelecimentos Humanos,
realizada em Istambul em 1996.
A existência de capacidades edafo-climáticas, com um
conjunto conhecido de vocações e especializações nos domínios
agro-florestais, permite afirmar que existem na Região de Lisboa
e em Portugal factores que tornam indispensável a preparação
cuidadosa e o exercício destas actividades.
Entre os territórios de grande capacidade para as activi-
dades agrícolas e pecuárias devem ser destacadas as lezírias do
Tejo e do Sado, os muitos milhares de hectares da Companhia das
Lezírias, territórios de grande beleza e valor ecológico, caracteri-
zados por produções de elevada qualidade.
Trunfos turísticos
O turismo e as estadias de carácter profissional são acti-
vidades que envolvem, directa e indirectamente, mais de 10% da
população activa portuguesa, contribuindo com uma quota parte
considerável para a formação do produto nacional. Lisboa ocupa
lugar cimeiro na estatística do número de estrangeiros que visitam
o nosso país. A sua importância resulta da variedade, qualidade
e quantidade de condições oferecidas – clima, património cultural
e natural, hotéis, centros de congressos, sedes de empresas,
universidades, parques de ciência e tecnologia.
Constituindo uma actividade transversal, depende não
só de equipamentos específicos, como também do envolvimento,
humano, natural, histórico, construído, nomeadamente dos trans-
portes, das comunicações, da segurança. Lisboa, devido às
capacidades instaladas e às suas potencialidades, resolvidos os
estrangulamentos existentes, alguns dos quais irão a seguir ser
mencionados, poderá continuar a aumentar a sua importância
como pólo de atracção internacional.
300
Fotografia XIII.17 Montado a Sul do Tejo. 2002
Fotografia XIII.18 Campo agrícola a Sul do Tejo. 1998 Fotografia XIII.20 Superfícies húmidas. 2001
Fotografia XIII.19 Costa de Caparica. 2002 Fotografia XIII.21 Sesimbra. Marina. 1998
Trunfos culturais
Os trunfos culturais de que dispõe esta área metropolitana
resultam do seu património natural e edificado, mas igualmente dos
acontecimentos e actividades que se vão sucedendo: de criação
científica, artística e profissional. Resulta ainda de outros muitos
factores, entre os quais os comportamentos quotidianos das pessoas
e instituições. Trata-se assim de um domínio complexo e abrangente,
em que os inventários dos patrimónios natural e edificado são talvez
as contribuições mais acessíveis e passíveis de consensos.
Lisboa contém de facto um património histórico e cultural
valioso, em termos quantitativos e qualitativos. De acordo com a
investigação por nós realizada, na sua totalidade foram identificados
e geo-referenciados perto de 6 000 elementos, um terço dos quais
se localizam na cidade de Lisboa.
Os restantes dezoito municípios apresentam, quando compa-
rados entre si, uma distribuição desigual mas em todos eles se encon-
tram exemplares únicos, de grande valor, que simbolizam e fazem
perdurar tradições, actividades e vocações específicas de cada um
desses territórios. A importância deste património revela-se não
apenas no contexto local, mas muitas vezes, também, aos níveis de
interesse regional, nacional e internacional. A serra de Sintra é um
desses exemplos, que devido a um conjunto de monumentos de
épocas variadas, inseridos num meio natural invulgar, mereceu a clas-
sificação pela UNESCO de Património Mundial da Humanidade (1995).
Muitos monumentos que se localizam a Norte e a Sul do
Tejo, embora com características diferenciadas, pré-históricas ou
contemporâneas, eruditas ou não, agrícolas ou industriais, encer-
ram memórias que não são esquecidas pela população, e que
constituem, em vários casos, testemunhos da cultura portuguesa
e europeia, da sua influência e expansão em todos os continentes.
Outros trunfos culturais verificam-se no domínio da edu-
cação. A experiência mostra que, apesar das muitas vicissitudes
que têm sido reveladas, algumas universidades e institutos com
prestígio internacional estão a dar resposta de forma crescente a
necessidades críticas no que se refere a profissionais competentes,
capazes de ingressar com sucesso na investigação, na produção,
no ensino; em síntese, no mercado de emprego público e privado.
Apesar das estatísticas referirem valores ainda elevados
de analfabetismo, de abandono e de iliteracia, diversos problemas
críticos revelam-se também na existência de muitos valores indivi-
duais subaproveitados ou mesmo não utilizados por serviços pú-
blicos e privados – administração pública, empresas antiquadas
e mal geridas. E a experiência diz-nos ainda que vários indicado-
res muito positivos existem, como é o caso do número de estu-
dantes e profissionais portugueses em actividade noutros países,
que se colocam, quase sempre, entre os melhores.
Tal como é revelado por alguns estudos prospectivos, outros
trunfos culturais devem ser salientados, nomeadamente o facto da
população estar a consumir de forma crescente os produtos ofe-
recidos pelos espaços e actividades culturais e de tempos livres:
actividades promovidas por museus, onde se guardam e mostram
exemplares únicos de valor europeu, actividades realizadas por
bibliotecas, salas de concerto, recintos de tempos livres e de
espectáculos. A sede em Lisboa do legado de Calouste Gulbenkian
é um dos exemplos do conjunto de fundações de grande impor-
tância já criadas ao longo do tempo. Tudo são factores que devem
ser relacionados entre si na perspectiva da promoção cultural e das
vantagens comparativas desta área metropolitana.
Ao nível de cada um dos outros concelhos desta região têm-se
multiplicado as iniciativas de carácter cultural, que permitem a consoli-
dação da diversidade dos seus valores, quer naturais quer construídos.
A possibilidade de criar percursos e corredores estruturan-
tes atraentes, ligando os patrimónios culturais e naturais, quer por
estrada, quer por outros caminhos não acessíveis aos transportes
motorizados e apenas permitidos a peões, ciclistas e cavaleiros,
constituem uma associação de trunfos bióticos e abióticos
301
Fotografia XIII.22 Lisboa. Parque das Nações. Oceanário. 1998
Figura XIII.3 Lisboa. Parque das Nações. Ortofotomapa. 1998
Fotografia XIII.23 Monte da Caparica. Campus da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. 2002
Fotografia XIII.24 Lisboa. Teatro de S. Carlos.Um dos principais teatros de ópera europeus. 2001
Fotografia XIII.25 Faculdade de Ciências da Universidade Técnica de Lisboa.Antigo Colégio dos Nobres (séc. XVIII). 2001
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inter-relacionados, na perspectiva do ordenamento, da promoção
cultural, da criação de sinergias económicas, da competitividade
e da sustentabilidade.
A Cidade de Lisboa foi distinguida em 1994 com o estatuto
de Capital Europeia da Cultura. Porque não começar desde já a
planear esta Área Metropolitana para distinção idêntica, propon-
do-se que para tal sejam criadas na Europa condições para seme-
lhantes candidaturas?
Fotografia XIII.27 Actividades de tempos livres. Ponte Vasco da Gama.Meia Maratona. 2001
Fotografia XIII.26 Actividades de tempos livres. Ponte Vasco da Gama. Meia Maratona.Vista aérea. 2001
Mapa XIII.3 Alunos matriculados no ano lectivo de 1998/1999
Mapa XIII.4 Estabelecimentos de ensino no ano lectivo de 1998/1999
2. ESTRANGULAMENTOS
Sob o ponto de vista da organização espacial, Lisboa tem-se
expandido em redor da Baixa Pombalina e estuário do Tejo e,
simultaneamente, ao longo dos principais eixos rodoviários. Os
espaços interiores às malhas assim definidas vão sendo urbanizados,
o que conduz à formação de uma imensa e desordenada expansão
urbana, com o despoletar de aglomerados urbanos pontuais nas
coroas rurais mais afastadas do centro. Esta situação é compro-
vada por diversos estudos, nomeadamente por observação com-
parada das imagens satélite que captaram a evolução dos últimos
decénios.
É um fenómeno dinâmico que se inicia com maior intensidade
em Lisboa no final dos anos 1950 e que segue o modelo igualmente
verificado no século XIX nas áreas metropolitanas de outros países,
nomeadamente no Reino Unido, em Londres, em Liverpool, em
Manchester, em Glasgow, em resultado dos efeitos perversos da
segunda revolução industrial, numa época em que o planeamento
urbanístico ainda não existia como disciplina técnica e científica.
Simultaneamente, observa-se a densificação das áreas
centrais desta imensa Metrópole, quer em termos de renovação
urbana (com grandes aumentos de densidade de construção), quer em
termos da urbanização dos terrenos expectantes. Face ao desequi-
líbrio dos preços do solo e das rendas habitacionais, e às incompa-
tibilidades entre a qualidade dos bairros residenciais tradicionais e o
crescimento de escritórios e de comércios em antigas habitações, de
armazéns, de automóveis, de garagens transformadas em oficinas,
surge a expulsão da população residente das classes médias e
mais favorecidas, a desertificação das áreas centrais, o fenómeno
plurifacetado da peri-urbanização. Numa área metropolitana que
cresce sem estrutura de cidade, são simultaneamente elevadas as
necessidades de renovação urbana e de infra-estruturas, quer nas
áreas centrais quer nas áreas suburbanas.
As receitas dos municípios encontram-se em grande parte
dependentes, entre outras taxas, da concessão de licenças de
loteamento, de licenças de obras de urbanização e da execução
de obras particulares. Os municípios mais desfavorecidos aspiram
naturalmente a dispor de novas rodovias e frentes de urbanização,
especialmente aqueles municípios que dispõem nos seus territórios
de grandes percentagens de reservas naturais e de áreas prote-
gidas. As últimas alterações introduzidas na Lei das Finanças Locais
não garantiram ainda as medidas de equidade necessárias que
permitam garantir a autonomia financeira dos municípios, face à
expansão urbana e à sustentabilidade dos valores naturais.
Encontramo-nos assim perante estrangulamentos de ordem
estrutural: perante mutações brutais e muito rápidas entre os três
sectores de actividade (o sector primário ocupava no País 45% da
população activa de 1960), a evolução da economia, ao contrário
do que aconteceu nos outros países europeus mencionados, não
foi acompanhada por medidas compensatórias de ordenamento
do território e de urbanismo. Recorde-se que em 1964 foi concluído
o primeiro Plano para a Região de Lisboa e que só cerca de trinta
anos depois surgiu um novo Plano para a Área Metropolitana (1992),
de resto também não aprovado. Mais recentemente é elaborado
um novo Plano, cuja aprovação pelo Governo teve lugar em 8 de
Abril de 2002.
Desta evolução resultam graves estrangulamentos no fun-
cionamento de serviços e circulações internas, elevadas carências
em equipamentos urbanos diversos, e muito provavelmente elevadas
des-economias. Os estudos necessários não se encontram reali-
zados mas é admissível a hipótese de que, tendo em perspectiva o
primado do interesse público, tais estrangulamentos e disfunções
representem um saldo custo-benefício muito negativo, conferindo a
áreas metropolitanas como Lisboa um estatuto de centros poderosos
geradores de inflação.
Estrangulamentos funcionais e financeiros
O prosseguimento das tendências verificadas na evolução
da estrutura existente tem implicado o crescimento das necessi-
dades: de serviços públicos e privados, de meios humanos, de
quadros e agentes, de edifícios e instalações públicas, de suportes
logísticos vários, o recurso infindável a infra-estruturas de grande
porte para manter o sistema em funcionamento, atrasando nalguns
casos, temporariamente, a sua rotura. Este crescimento constitui
um risco, em que as variáveis relativas à procura, à oferta e aos
preços, são de natureza exponencial, com todas as consequências
negativas que lhe são inerentes.
Sabe-se que os fenómenos de natureza exponencial não
perduram indefinidamente, e que ao seu desaparecimento se
sucedem situações de depressão. Na realidade, existem modelos
analíticos que descrevem a dinâmica dos sistemas metropolitanos e
que identificam a existência de poderosos multiplicadores na origem
destes crescimentos exponenciais. De acordo com estes modelos,
os empregos criados em sectores básicos são considerados como
variáveis exógenas que, por sua vez, determinam o aparecimento de
actividades em sectores não básicos ou residenciais, uns e outros
geradores de necessidades de habitações, de equipamentos vários,
de maiores extensões de solos urbanizados, com oscilações por
vezes gravosas para os mercados fundiários e imobiliários.
Na medida em que a expansão não é organizada, crescem,
simultaneamente, as necessidades de mobilidade das populações,
e as novas acessibilidades, criadas para lhes dar resposta,
fragmentam o território e geram adicionais frentes de urbanização.
Agravam-se assim as concentrações sem que, neste processo,
intervenham orientações efectivas de ordenamento e de urbanismo.
Se há equipamentos urbanos com exigências muito ele-
vadas, no que se refere às dimensões mínimas que os viabilizam,
e que por isso exigem e beneficiam de uma tal concentração, outros
caracterizam-se por limiares e capacidades de carga limitados, e que
cedo revelam efeitos muito negativos, geradores de intensos con-
gestionamentos. Daqui resultam disfunções e, consequentemente,
pesados custos políticos, económicos e humanos. Entre os equipa-
mentos de maiores exigências na dimensão das populações-base,
citam-se as grandes superfícies comerciais; entre os segundos, ci-
tam-se os hospitais, os centros de saúde, as escolas, as universi-
dades, as administrações públicas várias, os tribunais, as polícias.
Quanto às infra-estruturas necessárias a um tal crescimento,
elas dizem respeito ao abastecimento de água e de energia, ao
saneamento básico, às telecomunicações, à circulação rodoviária,
ferroviária, fluvial. Todas elas caracterizam-se por capacidades e
custos que obedecem a uma evolução por limiares.
Uma das situações mais evidentes é visível no sector dos
transportes. Lisboa dispõe actualmente de uma rede de radiais e
circulares, em que predominam os movimentos em direcção ao
centro, movimentos que envolviam no início da actual década
valores da ordem das muitas centenas de milhar de pessoas por
dia. Em comparação com o caminho de ferro, verifica-se que
estas deslocações se realizam sobretudo pelo modo rodoviário,
sendo o concelho de Lisboa o mais importante pólo de emprego
regional.
Os estrangulamentos estruturais apontados – a sobre-ocu-
pação das áreas centrais, as novas expansões que acompanham as
novas vias, a falta de ligações secundárias, e todas as expansões
urbanas periféricas, designadamente as mais dispersas – fazem
crescer as necessidades de maior mobilidade e, sobretudo por via
da dispersão das origens dos fluxos gerados, tornam inviável a
resolução de muitos problemas por recurso aos transportes públicos,
tal como seria desejável e tem sido unanimemente recomendado.
Deste modo a utilização do automóvel privado continua a ser
condição indispensável de acesso ao emprego e a outros destinos
fundamentais.
As perguntas que se impõem são as seguintes: Quais
os custos de um tal crescimento espontâneo? São as grandes
concentrações economicamente viáveis em termos nacionais? Que
alternativas são possíveis? Que capacidades financeiras são
303
Quadro XIII.1
Evolução da população activa portuguesapor sectores de actividade. 1890/1991
Primário Secundário Terciário Total(%) (%) (%) Milhões
1890 61,9 17,7 20,4 2,51900 62,4 18,5 19,1 2,41911 57,8 21,5 20,7 2,51930 51,2 18,6 30,2 2,61940 53,2 20,1 26,7 2,91950 50,0 23,7 26,3 3,11960 44,7 28,3 27,0 3,31970 32,1 31,9 36,0 3,11981 19,4 39,1 41,5 3,61991 10,5 38,5 51,0 4,4
Figura XIII.4 População activa por sector de actividade para Portugal. 1890/2001 XII
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Figura XIII.5 Ocupação do solo da área metropolitana de Lisboa. Imagem LANDSAT TM. Maio de 1987
Figura XIII.6 Ocupação do solo da área metropolitana de Lisboa. Imagem LANDSAT ETM+. Junho de 2000
necessárias para manter o sistema em boas condições de funcio-
namento e de competitividade? Existem meios e recursos suficientes
para resolver os estrangulamentos, meios compatíveis com a satis-
fação das necessidades, das actuais e futuras gerações, de acordo
com o principío da sustentabilidade?
Os estudos que venham a ser realizados para responder
a estas questões poderão de facto concluir se é ou não susten-
tável o actual cenário de evolução.
Os estrangulamentos habitacionais
O problema habitacional não se restringe à construção ou à
renovação das habitações. Ele implica uma intervenção num conjunto
vasto de actividades, que quase sempre excedem os limites dos
territórios municipais e que envolvem a resolução de estrangula-
mentos em diversos sectores económicos, sociais e ambientais.
Por este facto, o presente Atlas implicaria a desagregação completa
e espacialização, entre outros, dos seguintes domínios:
• Dimensionamento das carências - Com base nos dados
fornecidos pelas estatísticas, quantas e quais são as casas a
disponibilizar, tendo em consideração que as áreas habita-
cionais são uma das componentes mais significativas dos usos
do solo das áreas urbanas;
• Planeamento urbanístico - Outro domínio importante refere-se
à determinação das localizações do que deve ser construído
e renovado, em função das diferentes tipologias e condições
a observar, informação esta a cruzar com o planeamento eco-
lógico, em sede dos planos regionais e municipais;
• Infra-estruturas - Localização, evolução e previsão das
necessidades e custos do abastecimento de água, do sanea-
mento, da energia, das telecomunicações, em função de um
crescimento estruturado e não disperso, a fim de tornar
possível a racionalidade de qualquer uma destas infra-estruturas;
• Transportes - Do mesmo modo, por idênticos motivos, torna-se
necessário que, face às localizações dos usos do solo e aos
movimentos das populações e das actividades, sejam identi-
ficadas as pressões exercidas sobre as infra-estruturas e sobre
os transportes, com a elaboração do correspondente planea-
mento e sua gestão;
• Equipamentos urbanos - Em função da dinâmica das loca-
lizações e migrações, quais as carências e quais os equipa-
mentos tornados devolutos, quais os efeitos espaciais da
racionalização necessária, no que se refere à carta escolar, à
carta da saúde e às cartas de outros serviços públicos e
privados, sejam eles de necessidade diária ou eventual;
• Espaços verdes - A avaliação das capitações existentes,
ao nível das diferentes categorias de espaços, é também neces-
sária. Esta avaliação é feita por confronto entre as normas
recomendadas e a observação da estrutura espacial mais con-
veniente, em termos de grandes espaços e das suas interliga-
ções, na perspectiva da criação de sinergias de vária ordem,
já mencionadas a propósito dos trunfos culturais;
Figura XIII.7 Evolução do parque automóvel na área metropolitana de Lisboa.1987/1997
Figura XIII.9 Número de fogos licenciados por concelho. 1994/1998
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Figura XIII.8 Evolução da taxa de motorização por distrito do Continente. 1990/1998
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306
Mapa XIII.5 Pressão construtiva. 1991
• Aparelho institucional e arquitectura jurídica - Identificação de
quais as necessidades a satisfazer, em termos de serviços e
de diplomas legais, capazes de definir políticas, de promover e
de coordenar o conjunto das acções decorrentes de um plano
de habitação metropolitano, ajustado às carências dos diversos
estractos populacionais e à actuação eficaz de actores públicos,
privados, e cooperativos;
• Aparelho empresarial - A existência de um tal plano, possuindo
um carácter indicativo, permite planear e viabilizar investimentos
e empregos a criar pelos actores privados, relacionados com a
produção e distribuição de materiais de construção, com a con-
cepção de projectos, com a produção de cartografia, e também
com as diversas operações de construção e de renovação;
• Custos-benefícios - Quais os custos e benefícios, qual a dis-
ponibilidade dos investimentos necessários para resolver os
estrangulamentos criados pelo modelo de expansão urbana
actualmente praticado, em confronto com as alternativas que
possam estar de acordo com a necessária economia da cons-
trução. Só assim, o equilíbrio entre qualidade ambiental e eco-
nomia pode assumir maior importância, objectivo que é ine-
rente ao conceito de sustentabilidade.
O Programa Especial de Realojamento (PER), lançado em
1993, permitiu um levantamento sistemático da quase totalidade
das situações de habitação degradada no território da área metro-
politana de Lisboa. Cerca de 32 000 famílias vinham nessa altura
residindo em barracas. Contudo, apesar do empenhamento dos
municípios, dos estudos realizados e do grande interesse deste
Programa, os problemas habitacionais ainda se encontram longe
de estar resolvidos.
O “Encontro sobre Habitação na Área Metropolitana
de Lisboa” realizado em Oeiras em 1995 e “A Caracterização do
Programa”, documento publicado em 1997, permitem conhecer a
situação, constituindo um alerta importante quanto a estrangula-
mentos e ameaças. Naquele Encontro se afirma que “as desigual-
dades sociais e espaciais desta realidade poderão vir a ter um
desenvolvimento imprevisível, criando novas periferias de margina-
lidade e de degradação. Se é certo poderem ser as periferias
alfobres de novas culturas, não será menos verdade poderem
também constituir pólos de explosão de conflitos sociais, tornando
ingénuos os propósitos e os esforços agora desencadeados”
(Morais, 1995).
307
Fotografia XIII.30 Loures. Quinta do Mocho. Realojamento no âmbito do PER. 2002
Fotografia XIII.28 Bairro residencial. Amadora. 2001
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Fotografia XIII.29 Loures. Quinta do Mocho. Habitações degradadas demolidas. 1998
Mapa XIII.6 Famílias residindo em barracas no início do Programa PER. 1993
Os problemas da habitação não se esgotam de facto com
programas de realojamento dirigidos às populações mais caren-
ciadas. Envolvem todos os tipos de habitação, na perspectiva do
ordenamento espacial da contemplação das necessidades dos vá-
rios estractos sociais, da qualidade e economia da construção.
Porque de acordo com o princípio dos vasos comunicantes, e na
ausência de algum progresso em aspectos fundamentais, como seja
o do equilíbrio entre habitação arrendada, própria e cooperativa,
toda a produção habitacional é afectada em diversos aspectos –
em termos de preços finais, de terrenos disponíveis, de empresas
preparadas para cooperar na resolução dos problemas.
3. TENDÊNCIAS E AMEAÇAS
Tentar construir o futuro, numa perspectiva de desenvolvi-
mento sustentável, implica conhecer o estado da situação e identi-
ficar tendências. Entre estas encontram-se as tendências favoráveis
que devem ser reforçadas e pelo contrário as que sejam avaliadas
como desfavoráveis, e que, por isso, devem ser combatidas.
As primeiras podem traduzir-se em oportunidades, e serão
tratadas no capítulo seguinte. Elas permitem dar origem à simula-
ção de cenários fundamentados em que se fixam metas possíveis
e desejáveis.
As segundas conduzem a cenários do inaceitável e devem
ser consideradas como ameaças. Entre elas encontram-se os ex-
cessos de “desregulamentação” e o predomínio das actuações
sectoriais, que não favorecem tirar pleno partido dos trunfos exis-
tentes, entre eles, as vantagens comparativas resultantes dos re-
cursos naturais. Existem de facto alguns casos muito difíceis de
resolver, no campo da divisão internacional do trabalho, nas áreas
da criação de emprego, do planeamento central e regional, no campo
da coordenação e integração das economias.
Qualquer destes dois grupos de cenários, desde que sejam
plausíveis, permitem que as decisões a tomar sejam mais fundamen-
tadas. Por um lado as metas desejáveis serão tornadas mais viáveis.
Por outro, perante as evoluções desfavoráveis, preparar medidas
preventivas permite que determinados fenómenos não venham a
acontecer ou que, caso isso não seja possível, as intervenções em
tempo oportuno possam minimizar os efeitos produzidos.
O futuro não é previsível. Mas o planeamento, apoiado nas
novas tecnologias de informação, dispõe de processos que permitem
simular alternativas e enfrentar com maior sucesso as ameaças
que existem ou que poderão surgir.
Os Relatórios do Estado do Ambiente e do Ordenamento
do Território são desde há algumas décadas prática instituída por
parte dos países membros da União Europeia, e também ao nível
de outras instituições internacionais. Neles se evidenciam problemas
e ameaças, de carácter económico, social, cultural e ambiental,
este último considerado muitas vezes em sentido restrito ou seja
na perspectiva exclusiva da poluição do solo, do ar, da água e dos
recursos vivos. Na realidade o conceito de desenvolvimento susten-
tável implica atribuir ao ambiente a mais ampla das abrangências,
nomeadamente a ideia de que a pobreza é a mais grave das ameaças
e das poluições.
Este sub-capítulo irá tratar apenas algumas das ameaças
que surgem na sequência dos aspectos anteriormente focados,
salientando-se a existência de tendências de natureza exógena,
sobre as quais são menores as possibilidades de controlo, por parte
da autoridade metropolitana, bem como as que sendo de natureza
endógena, mais facilmente permitem a intervenção.
Ameaças exógenas
As ameaças exógenas podem ter, ou não, origem em
opções e comportamentos humanos muito diversos, eles próprios
considerados como causas das outras formas de ameaça que obe-
decem a leis deterministas e que são os acidentes naturais.
Os acidentes naturais que ocorrem à escala regional e
global podem caracterizar-se por um elevado grau de incerteza,
sobretudo no que se refere à sua magnitude e significância, loca-
lização e horizontes temporais da respectiva ocorrência. É o caso
do efeito de “estufa”, das alterações climáticas, da subida do nível
do mar. É também o caso dos fenómenos sísmicos que constituem
ameaças, especialmente graves na área metropolitana de Lisboa.
Nela se localizam as zonas de maior risco sísmico do país. Nela
também se concentram as maiores densidades de construção,
muitas das quais em estado de conservação precário. Um dos
exemplos mais significativos é o da Baixa Pombalina, conjunto de
grande valor histórico, arquitectónico e urbanístico, sujeito ao longo
dos anos a alterações estruturais, que põem em risco as condições
de segurança anti-sísmica que presidiram à sua construção. A Baixa
Pombalina aguarda desde há vários anos que o país a inscreva na
lista de candidaturas a Património Mundial da Humanidade.
Outras formas exógenas de ameaças têm origem noutras
acções e comportamentos humanos relacionados com políticas
e movimentos internacionais, que privilegiam economias de
escala sectoriais que atingem limiares a partir dos quais surgem
estrangulamentos e des-economias gerais. Em nome da eficácia
dos investimentos a curto prazo ignoram-se as ameaças ligadas
às grandes concentrações urbanas, colocando-se em risco o
desenvolvimento sustentável, quer dos municípios do interior
do país, quer da própria área metropolitana. Os primeiros assistem
ao êxodo dos mais novos; estes últimos são sujeitos a enormes
308
Fotografia XIII.32 Crescimento da concentração e dos congestionamentos.Ponte 25 de Abril. 1998
Fotografia XIII.31 Crescimento da concentração e dos congestionamentos.Eixo Norte-Sul. 2002
Quadro XIII.2
Evolução do uso do solo. 1964/1992
CLASSE Somatório das Áreas km2
Áreas especiais 12,4618Aeroportos existentes 18,5690Aeroportos propostos 38,3518Aglomerados rurais 35,6038Zona histórica/descobrimentos 1,1183Estrutura urbana regional proposta 15,8896Zonas industriais existentes 21,0157Zonas industriais propostas 23,6135Centro de Lisboa 5,8497Matas e parques públicos existentes 73,9135Matas e parques públicos propostos 52,3678Não identilicado 6,8163Elevado potencial agrícola 312,8675Potencial agro-florestal a preservar 867,8299Zonas portuárias existentes 4,4928Protecção de infraestrutura paisagísticas 675,0818Zonas portuárias propostas 16,5093Zonas rurais de regime especial 309,7868Zonas turísticas especiais 64,1484Canal Tejo - Sado 138,5247Zona universitária 1,7086Zonas urbanas edificadas 79,7529Zonas extensões urbanas propostas 73,0739
total 2849,3474
CLASSE do PROT Somatório das Áreas km2
Recreio e lazer 31,9631Urbano consolidado 151,8394Urbano equipamento metropolitano 81,6321Urbano industrial 93,3383Urbano livre 250,0085Urbano não-consolidado de expansão 405,6316Verde agrícola 506,1069Verde agro-florestal 594,5704Verde florestal 577,7212Verde indústria extractiva 9,5988Verde zona única 385,7861
total 3088,1964
Espaços agrícolas e agro-florestais: decresceu 511,9770 km2
Espaços florestais: decresceu 223,6420 km2
Espaços urbanos e urbanizáveis: aumentou 432,4963 km2
Áreas urbanizáveis: aumentou 238,1935 km2
pressões urbanas, à instabilidade do emprego e a crescentes
exigências das populações.
É o ordenamento do território que se encontra ausente,
não na acepção urbanística inadequada que lhe é atribuída vulgar-
mente, mas de acordo com o amplo significado de coordenação
que lhe está atribuído pela Carta Europeia de Ordenamento do
Território.
Ameaças endógenas
Tal como anteriormente mencionado, as ameaças endó-
genas têm origem em acções e comportamentos humanos que
provocam, entre outros, também acidentes naturais. Estes acidentes
relacionam-se com as cheias, a erosão das encostas, a salinização
das toalhas de água subterrâneas, o assoreamento das zonas
húmidas ou, pelo contrário, o desaparecimento das praias e das
dunas, destruição que abre caminho ao avanço do mar e ao recuo
do litoral.
Outras ameaças consistem na persistência das tendências
de agravamento da circulação automóvel, com tendências para o
congestionamento total, quer nas vias internas das cidades, quer
nas artérias regionais. As ameaças residem aqui também na não
aceitação de que as soluções não residem no privilégio às grandes
e caras obras de engenharia mas, ao contrário do que tem acon-
tecido, num esforço de descentralização estruturada, de indústrias
e de serviços, de armazéns, de oficinas, no interior das cidades,
criando condições sustentáveis à habitação, aos serviços e à
circulação.
Ameaças atingem também as áreas agrícolas e florestais.
Embora essenciais à economia e qualidade de vida das populações,
encontram-se em franca regressão, a favor das áreas impermeáveis,
ameaçadas pelas auto-estradas e pelo cerco provocado pela
expansão urbana.
No que se refere à Conservação da Natureza, alguns
detalhes permitem compreender as ameaças com que se defrontam
as instituições responsáveis (PROBIO, 2001):
• Fragilidade da autoridade necessária para impedir as actuais
formas de expansão urbana e má qualidade de muitas cons-
truções;
• Povoamentos florestais novos e antigos inadequados, com
propagação das espécies infestantes;
• Fraca promoção do turismo rural e do agro-turismo, activi-
dades que são as mais consentâneas com os valores naturais;
• Fraca educação cívica dos visitantes, lixos e entulhos inva-
dem as Áreas Protegidas;
• Insuficiente transparência na consulta pública inerente à apro-
vação de planos e projectos;
• Número insuficiente de acções destinadas a evitar e a com-
bater os fogos florestais, nomeadamente quanto a acessibili-
dades e a pontos de água;
• Insuficiência do apoio judicial;
• Ausência de coordenação institucional, devido à multiplici-
dade de tutelas e à instabilidade governativa.
Em resumo, as ameaças traduzem-se num aumento não
sustentável de competências coexistindo com a falta de meios
humanos, técnicos e financeiros. Além da gestão das Áreas já clas-
sificadas, as instituições competentes pela Conservação, são
responsáveis pela aplicação das Convenções Internacionais, pela
Rede Natura 2000, pela emissão de pareceres sobre diferentes
assuntos sem que a estas atribuições corresponda o aumento dos
meios necessários.
4. TENDÊNCIAS E OPORTUNIDADESOU A EMERGÊNCIA DE NOVAS POLÍTICAS
Como referido, tendências favoráveis e inovadoras cons-
tituem oportunidades que não podem deixar de ser identificadas
no sentido do desenvolvimento sustentável.
Estas oportunidades se aproveitadas através de novas
políticas, algumas delas já emergentes, acabarão por conduzir
ao desenvolvimento sustentável e à inevitabilidade da organização
espacial, na perspectiva defendida pela Carta Europeia do Orde-
namento do Território.
De acordo com esta Carta, que foi aprovada ao nível do
Conselho da Europa, o Ordenamento do Território é encarado
como uma responsabilidade incontornável de coordenação
ao nível dos Governos. Como plataforma transversal reveladora
da coerência ou incoerência das políticas sectoriais, cabe ao
Ordenamento do Território a tarefa fundamental de preparar e via-
bilizar o funcionamento da última instância que é o conjunto das
macro-decisões a assumir espacialmente a nível regional e nacional
e até europeu.
Este capítulo pretende identificar alguns factos que parecem
mostrar a existência de tendências e oportunidades, capazes de
mobilizar os trunfos disponíveis e de fazer face aos estrangulamentos,
bem como às ameaças anteriormente referidas. Três oportunidades
vão ser propostas como realidades emergentes.
O progresso dos conhecimentos
As aquisições das ciências e tecnologias verificadas nas
últimas décadas têm contribuído não apenas para o rigor dos diagnós-
ticos, mas igualmente para consideráveis melhorias das estratégias
do planeamento e da sua gestão.
As ciências exactas, as ciências naturais, as ciências da
engenharia e tecnologias, as ciências da saúde, as ciências huma-
nas e sociais, e muitas outras, têm contribuído para o avanço dos
conhecimentos necessários ao ordenamento do território e ao
urbanismo.
Várias contribuições foram referidas ao longo deste capí-
tulo, como é o caso da “Teoria dos Diamantes” de Michael Porter,
em que quatro grandes desafios determinantes das vantagens
competitivas se articulam, tendo como factores subjacentes as
acções dos Governos e a integração no modelo da incerteza e do
acaso.
Uma oportunidade encontra-se na emergência de um outro
conjunto de ideias: as teorias do planeamento ecológico. Elas surgem
como um dos ramos da biologia e visam a biodiversidade e a
travagem da extinção das espécies, da fauna e da flora, factores
essenciais da salvaguarda da vida e da saúde, e ao mesmo tempo
da sustentabilidade da economia.
As tecnologias espaciais de observação da Terra que
fornecem em tempo real dados de grande detalhe e os muito
recentes desenvolvimentos dos Serviços Baseados na Localização
(LBS) associados à mobilidade, são outros exemplos da dinâmica
das ciências e das tecnologias, e da demonstração das grandes
oportunidades que através delas são abertas.
Dada a rapidez da evolução científica e tecnológica,
estes três exemplos ilustram a necessidade da investigação
poder realizar-se sem sobressaltos e de forma continuada.
Deste modo, tem sido possível reduzir as barreiras ou lacunas que
sempre têm existido, de uma maneira geral em todos os países,
entre os avanços científicos, as práticas correntes e os seus
actores.
A investigação, a inovação e a iniciativa
como tributárias do desenvolvimento sustentável
A inovação tem sido considerada factor fundamental de
progresso, encontrando-se na base das ciências e tecnologias,
nomeadamente ao nível dos seus desenvolvimentos e aplicações.
Nas disciplinas tributárias do planeamento das cidades
e do ordenamento do território, existem desde há muito ideias
inovadoras, propostas por pioneiros mais criativos, que em alguns
países mais desenvolvidos encontraram continuidade e foram postas
em prática com êxito mas que, noutros casos, por diversas razões,
nomeadamente de oportunidade histórica, não encontraram eco
suficiente e não conseguiram ser realizadas. Entre os exemplos de
maior sucesso encontra-se a política de ordenamento do território,
concebida e realizada em França nas últimas três décadas do
anterior século.
Também, com origem noutros países europeus e norte-
-americanos, surgiram novas ideias para resolver os problemas
resultantes da expansão urbana, nomeadamente as ideias defen-
didas pelos movimentos de Conservação da Natureza, que deram
origem em Inglaterra e nos Estados Unidos à criação de numerosos
Parques Nacionais e Áreas Protegidas. Mais recentemente, e face
à intensificação da expansão das áreas urbanas e metropolitanas
e dos seus efeitos negativos, a evolução dos problemas conduziu
mais uma vez a uma nova ideia: o conceito de Greenways ou de
Corredores Verdes.
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Fotografia XIII.34 Montijo. Pista ciclável. 2001
Fotografia XIII.33 Lisboa. Corredor Verde ao longo do rio. Avenida Ribeira das Naus. 2000
310
Figura XIII.10 Proposta de uma rede de Corredores Verdes para o município de Almada. 1999 Figura XIII.12 Proposta de uma rede de Corredores Verdes na bacia da Vala Real/Malpique. 2001
Figura XIII.11 Proposta de uma rede de Corredores Verdes para o município de Cascais. 2000
Elementos de património
Áreas de elevada concentraçãode recursos históricos e culturais
Áreas de interesse recreativo
Áreas de protecção de recursos naturais
0
0
0
2,5 km
1 km
1 km
N N
N
Áreas de conflito (GAP)
Corredores verdes
Urbano existente
Urbano previsto
Limite da bacia
Constrangimentos existentes
Baixa
Média
Média-Alta
Alta
Muito Alta
Excelente
Urbano proposto
Industrial proposto
Áreas Preferenciais
Constrangimentos propostos (PDM)
Mapa XIII.7 Rede de Corredores Verdes para a área metropolitana de Lisboa. 1996
Mencionaremos apenas algumas oportunidades e exemplos
do inventário que poderá ser feito a nível mais amplo.
• As instituições europeias estão a ser cada vez mais precisas
no que se refere a orientações nos domínios do Ambiente e do
Ordenamento do Território, influenciando e dinamizando a apli-
cação de bases teóricas, e determinando mesmo por meio de
Directivas a adopção de medidas concretas transpostas pa-
ra a legislação nacional. São exemplos destes factos, os pro-
jectos de investigação e relatórios que vão sendo produzidos
(CE, 1996; CE, 1999), a obrigação de elaborar Programas de
Desenvolvimento Regional (PDR) para acesso aos Fundos
Comunitários, o Programa Natura 2000, a Directiva da Água, etc.
• Nalguns domínios e ao nível da Administração Central, as
oportunidades criadas em Portugal são porém pioneiras. Existem
hoje com efeito em Portugal grandes capacidades no domínio
da utilização das novas tecnologias de informação espacial,
instrumentos instalados em rede que são capazes de armazenar
e analisar grandes quantidades de dados geo-referenciados.
Estes instrumentos permitem contribuir para a instalação de
Observatórios de Ambiente e Ordenamento e igualmente foram
concebidos para o planeamento e possibilitar a construção de
alternativas de apoio à decisão.
Na actual fase da história do desenvolvimento, em que a
chave do progresso reside na informação e aquisição de conheci-
mentos, e em que se assiste a diversas iniciativas tendentes a
dotar os países das correspondentes infra-estruturas, Portugal
foi o primeiro país da Europa e do Mundo a criar (em 1990) e a
lançar na Internet (em 1995) uma rede nacional de informação geo-
gráfica (SNIG) vocacionada para o ordenamento do território e o
ambiente.
Tudo isto aconteceu quando a generalização do uso da
Internet dava os seus primeiros passos, sendo então quase total-
mente desconhecida da Administração Pública portuguesa.
A “Infra-estrutura Nacional de Dados Geográficos” dos
Estados Unidos foi inaugurada na Internet no Outono de 1995, seis
meses após a inauguração do SNIG. Infra-estrutura idêntica não
existe ainda em 2002 a nível europeu, embora diversas organiza-
ções nacionais lutem ainda por criar a Infra-estrutura Europeia de
Informação Geográfica.
Trata-se de um movimento de dimensão internacional que
se encontra em grande expansão, contando já com numerosos
projectos realizados na Europa (incluindo países do Centro e do
Leste) e sobretudo nos Estados Unidos, onde abrange já realiza-
ções a nível Federal.
O Plano Regional de Ordenamento da Área Metropolitana
de Lisboa (PROT-AML) de Setembro de 2001 inclui uma proposta
de Rede Ecológica que estabelece uma Rede Primária, uma Rede
Secundária e Áreas e Ligações/Corredores Vitais.
A proposta contida neste Plano contou com muita da
informação disponibilizada pela base de dados construída pela Junta
da Área Metropolitana de Lisboa, no âmbito do seu Sistema de
Informação Geográfica (SMIG-AML).
Para a construção deste SMIG-AML foi possível contar
com a colaboração do Centro Nacional de Informação Geográfica
(CNIG) que, entre outros resultados, conduziu à digitalização de
todos os Planos Directores Municipais desta área metropolitana.
Este facto integrou-se em projecto de investigação, que entre 1995
e 1997 teve também o apoio da ex-JNICT, e que teve como
principal resultado, uma Visão Esquemática Estruturante para a
Área Metropolitana, baseada numa Rede de Corredores Verdes.
Trata-se de uma proposta inovadora, concebida de acordo com o
novo conceito de Corredores Verdes, e diferente em diversos
aspectos da que se encontra contida naquele Plano Regional de
Ordenamento.
O levantamento do Património Histórico e Cultural desta
região, já realizado com o apoio das novas tecnologias de informação,
é um outro exemplo de um trabalho colectivo iniciado no Centro
Nacional de Informação Geográfica (CNIG) em 1994 mas que em
boa hora foi chamado a si pela Junta da Área Metropolitana de Lisboa.
Tal como passou a ser desenvolvido, representa um caso exemplar
de recolha, de análise e de forma inovadora de apresentação de
resultados, que se justifica possa ser continuado e amplamente
seguido, ao nível dos restantes municípios e regiões do país.
Quem são os actores da mudança?
Face ao número e à complexidade dos problemas da mo-
derna sociedade urbana, a experiência demonstra que não é possível
à Administração Central e aos municípios gerirem respectiva e simulta-
neamente com eficácia, quer os níveis nacional-regional, quer os níveis
regional-local. Isto significa que o reforço do funcionamento autónomo
e solidário dos diversos actores e de cada um dos três níveis – nacional,
regional e local – é indispensável para uma boa gestão.
Verifica-se que, ao contrário de algumas opiniões apoiadas
em grandes números, existem muitos exemplos de que as escolas
e o ensino superior em Portugal têm permitido, relativamente à procura,
contribuir para uma oferta de profissionais com boas capacidades
para colaborar neste e noutros programas, desde que o sistema
em que se insiram facilite essa integração.
Em matérias tão vastas e importantes como são o ambiente
e o território, a existência de valores humanos e a aquisição de
formação não são porém suficientes. É necessário também que
exista informação e que as instituições estejam preparadas para a
transformar em conhecimentos e decisões.
Alguns casos devem assim ser identificados, a título de
demonstração, de que existem oportunidades de aplicação de
novos conhecimentos e metodologias. São casos que surgem aos
níveis da Administração Central e Regional, Empresas Públicas,
Municípios e suas Associações, Cidadãos, quer individualmente,
quer reunidos em organizações não governamentais.
311
Figura XIII.14 Património Metropolitano, Inventário Geo-referenciado do Patrimónioda Área Metropolitana de Lisboa (CD-ROM). Fevereiro de 2002
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Parques Urbanos
Áreas Florestais, Matas e mato
REN "líquida"
Zonas com concentração de valoreshistórico-culturais
Linha Panorâmica
Moinhos
Quintas
Património Classificado
Núcleos Históricos
Estrutura do Corredor Verde
Conflito - Urbano
Conflito - Urbanizável
Conflito - Vias Rodoviárias
Áreas de estudo em pormenor
Figura XIII.13 Proposta de uma rede de Corredores Verdes na sub-bacia do rio da Costa. 1999
N
0 2 km
• Ao nível da Administração Central - a decisão de ter mandado
elaborar em 1990 um Plano Regional para a área metropolitana
de Lisboa, perto de trinta anos depois do Anteplano que,
concluído em 1964, nunca foi aprovado, nem bem gerido, ou
mesmo respeitado. É de facto de salientar, como exemplo da
evolução operada nestes domínios, a circunstância de se ter
promovido a elaboração da estrutura legal que, actualmente,
orienta e regula o ordenamento do território e as operações de
planeamento urbanístico, nomeadamente os Planos Directores
Municipais, figura legal fortemente contestada anteriormente
aos anos 1980.
• Ao nível das Instituições Regionais - a decisão de criar as áreas
metropolitanas de Lisboa e Porto, que demonstra o reconheci-
mento efectivo da existência de muitos problemas que afectam
a vida colectiva, sobretudo em matérias de ordenamento do
território, desenvolvimento regional e gestão de serviços públicos
descentralizados.
• Algumas empresas públicas e privadas vão-se tornando
permeáveis à participação pública e a novas orientações,
alterando comportamentos no sentido de acções consen-
tâneas com o conceito de desenvolvimento sustentável.
Serve de exemplo a construção pela Administração do Porto
de Lisboa de um verdadeiro Corredor Verde ao longo da
frente ribeirinha da margem Norte do Tejo, após o malogro
do POZOR (ou Plano de Ordenamento da Zona Ribeirinha de
Lisboa).
• Ao nível dos Cidadãos é indiscutível a existência de um número
crescente daqueles que aceitam o desafio de contribuir com
os seus conhecimentos e voluntarismo, para encontrar novos
caminhos para a evolução da Cidade. Constitui testemunho
deste facto a emergência de muitas Organizações Não Gover-
namentais de âmbito nacional, regional e local, que têm por
objectivo a defesa do ambiente urbano e a participação pública
no acompanhamento dos problemas e decisões com interfe-
rência na vida quotidiana das populações, designadamente
nos territórios onde habitam e em que trabalham.
O trabalho realizado por estas organizações tem sido
apoiado pela Administração Central através do Instituto para a Pro-
moção Ambiental (IPAmb), constituindo exemplo de aplicação do
princípio de funcionamento autónomo e solidário dos diversos actores
que intervêm no ordenamento, na boa gestão.
O suporte financeiro para o desenvolvimento sustentável
Existem oportunidades excepcionais para servir de suporte ao
desenvolvimento sustentável no período que decorre entre 2000 e 2006.
O primeiro Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) apro-
vado pela União Europeia para este novo período foi o português.
Com ele formalizou-se um suporte que atinge o montante aproxi-
mado de 50 milhões de Euros. Esta oportunidade favorece, natu-
ralmente, a área metropolitana de Lisboa e resulta da aplicação a
Portugal do III Quadro Comunitário de Apoio (QCA).
A promoção do desenvolvimento, que assim se perspectiva
para este período, assenta na procura da prosperidade económica
e da equidade social e ambiental. Afirmar os valores do território
e a posição geo-económica do país, bem como a promoção do
desenvolvimento sustentável das suas Regiões e a Coesão Nacional
são dois dos Eixos Estratégicos fixados para este Quadro Comu-
nitário de Apoio (MP, 1999).
Com o alargamento a Leste da Comunidade Europeia, es-
ta é talvez a última oportunidade para dispor de tão elevados mon-
tantes com origem nos Fundos Europeus. Racionalizar a utilização
dos trunfos, resolver estrangulamentos e enfrentar as ameaças que
foram identificadas neste capítulo, constitui tarefa prioritária para a
área metropolitana de Lisboa e para o país.
312
Figura XIII.15 Distribuição dos investimentos do QCA III por medidas (Medidas 1 e 2).
Mapa XIII.8 Distribuição dos investimentos do QCA III por concelho e por medidas (Medidas 1 e 2). 2000/2006
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