X_Emmanuel - Phos Physis e Techne-UERJ Junho 2010

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Pensamento grego: Physis, phos, techne Emmanuel Carneiro Leão Três palavras fundam o pensamento grego: physis, phos, techne. Quais são as relações que prendem essas três palavras fundamentais da cultura e do pensamento grego: physis, phos e techne? Essas três realizações: physis, traduzida por natureza, phos, traduzida por luz, e techne, traduzida por arte, reciprocamente, formam um palíndromo [frase que, ou se leia da esquerda para a direita, ou da direita para a esquerda, tem o mesmo sentido], onde uma depende da outra, uma se articula com a outra. Caso se perguntasse: Qual é o princípio que rege a arte grega? O princípio é essa articulação recíproca e comum entre physis, techne, através, por meio de e na dinâmica de processamento da phos, luz [entre, haja vista espelho, especular, pensar, contecer]. Este é o princípio que rege a arte grega. Na Grécia, luz é o princípio de tudo: da vida e do pensamento, da arte e da cidade, do conhecimento e da produção, do agir e do prestar, da vida e da morte. Quando se diz isso, supõe-se um determinado entendimento do que é princípio, claro, do que é luz, do que é a arte e do que é realidade. O que é princípio? Em que sentido luz é princípio da arte? Nós sabemos da metafísica de Aristóteles que há uma articulação no desdobramento do princípio dizendo: só é possível pensar em principio porque physis, a realidade, (1) não é estática, é dinâmica. Só é possível pensar em princípio porque a dinâmica da physis (2) não é linear, é circular. Só é possível pensar em principio porque a circulação da physis (3) não é finita, é infinita. Só é possível pensar em principio porque a infinitude da physis (4) não é de exclusão, mas de inclusão. Assim não é possível não pensar em princípio quando a physis faz pensar em profundidade (5) os desempenhos e exercícios de sua realização.

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Pensamento grego: Physis, phos, techne

Emmanuel Carneiro Leão

Três palavras fundam o pensamento grego: physis, phos, techne.

Quais são as relações que prendem essas três palavras fundamentais da cultura e do pensamento grego: physis, phos e techne? Essas três realizações: physis, traduzida por natureza, phos, traduzida por luz, e techne, traduzida por arte, reciprocamente, formam um palíndromo [frase que, ou se leia da esquerda para a direita, ou da direita para a esquerda, tem o mesmo sentido], onde uma depende da outra, uma se articula com a outra. Caso se perguntasse: Qual é o princípio que rege a arte grega? O princípio é essa articulação recíproca e comum entre physis, techne, através, por meio de e na dinâmica de processamento da phos, luz [entre, haja vista espelho, especular, pensar, contecer]. Este é o princípio que rege a arte grega. Na Grécia, luz é o princípio de tudo: da vida e do pensamento, da arte e da cidade, do conhecimento e da produção, do agir e do prestar, da vida e da morte. Quando se diz isso, supõe-se um determinado entendimento do que é princípio, claro, do que é luz, do que é a arte e do que é realidade. O que é princípio? Em que sentido luz é princípio da arte? Nós sabemos da metafísica de Aristóteles que há uma articulação no desdobramento do princípio dizendo: só é possível pensar em principio porque physis, a realidade, (1) não é estática, é dinâmica. Só é possível pensar em princípio porque a dinâmica da physis (2) não é linear, é circular. Só é possível pensar em principio porque a circulação da physis (3) não é finita, é infinita. Só é possível pensar em principio porque a infinitude da physis (4) não é de exclusão, mas de inclusão. Assim não é possível não pensar em princípio quando a physis faz pensar em profundidade (5) os desempenhos e exercícios de sua realização.

Assim, agitado pelo movimento irrequieto da physis, o grego, por ser e para ser grego, só podia pensar o princípio de tudo na luz e pela luz. E por quê? E em que sentido luz se faz princípio de tudo, nessa quíntupla acepção? A primeira condição para compreender isso é se dar conta de que não se deve reduzir luz à claridade. A escuridão também pertence à luz e, por isso mesmo, nunca deixa de ser a escuridão luminosa. O que isso quer dizer? Quer dizer que luz é tensão do ser dos seres, a tensão da unidade de claridade e escuridão, no próprio de cada um. É desta unidade que fala Heráclito de Éfeso, dizendo que tudo é um: hen panta einai [Frag. 50: ...ouk emou allà tou logou akousantas homolegein sophón estin hen panta einai: ...auscultando não a mim, mas ao Lógos, é a-propriado concordar que tudo é um]. Neste fragmento ele está dizendo: se não escutares a singularidade do indivíduo, se não escutares os conteúdos singulares das experiências, se não escutares este indivíduo que fala, se não escutares a mim, mas a linguagem de união e reunião é então próprio - próprio traduz aqui sophón - dizer e afirmar que tudo é um, que a pluralidade vive da unidade, que a totalidade do real e o universo de todas as realizações vive e se diferencia pela força de união de sua identidade, na identidade do uno, na identidade da unidade. É que a luz provém e, provindo, remete para o que Heráclito chamou de combate originário, aquele combate

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que cria tudo e rege todas as coisas: Pólemos pánton mèn páter esti, pánton dè Basileus... Esse combate originário é o pai de tudo e é também o senhor de tudo, a dominação de tudo, no sentido de que é o criador e o gerador de tudo. Então toda a energia das realizações remetem e provêm, e, por isso, remetem à sua fonte de realização na luz. Nesse sentido, para o grego, luz é sempre energia irradiante. Em todo ser e não ser de tudo que está sendo, de tudo que não é e não está sendo. Energia de pura irradiação, a luz concentra em si a força criadora do raio de Zeus que, novamente, nas palavras de Heráclito, rege e acata todas as coisas; táde pánta oiakídzei keraunós (frag. 64: O raio conduz todas as coisas que são). Mas qual será então essa obra universal da luz? Ela é a morada [casa, linguagem] que aconchega todas as coisas. Trata-se de uma energeia. De um vigor, de uma força e dinâmica que interioriza e por interiorizar se externaliza [entre]. É o sentido de energeia, alguma coisa que está operando numa dinâmica de integração de fora e dentro numa obra, ergon e energeia. Uma operação de se desrealizar e de realização que põe tudo em obra, por constituir em tudo o que antes de ser já sempre era, na formulação lapidar, embora um pouco estranha, de Aristóteles: to ti en einai, que Boécio traduziu, no começo da Idade Média, para o latim, com a expressão corrente em toda a Idade Média: quod quid erat esse: o que já sempre era ser.

Desta unidade dinâmica de claridade e sombra, em toda e qualquer realização, falou a maior poetisa de todos os tempos: Safo de Lesbos, integrando o brilho da aurora com a escuridão da véspera, num verso que se tornou famoso em toda a cultura ocidental. “Éspere panta phéron ossa phaínolis eskédas’aios, phéreis óin, phéreis aiga, phéreis apo máteri paida: véspera levas tudo que dispersou a brilhante aurora: Levas vinho (aos lábios), levas rebanho (ao redil), levas da mãe o filho!” À safo do século VII a.C., poetisa da luz grega, faz eco, no século XIX, d.C., Hölderlin, poeta da luz moderna, pela boca moribunda de Empédocles, cidadão da tecnologia moderna. O texto dessa fala, da tragédia A morte de Empédocles, antes de precipitar-se no Etna, ele pronuncia quando vê a luz e a claridade do vulcão:

Ó Luz Celeste! Não me ensinaram os homens. Já vai longe o tempo em que meu coração ardente, não sabendo encontrar a terra toda viva, me voltei para ti e, confiante, como a planta, abracei-me contigo, longa e cegamente, em minha alegre piedade. Pois um mortal mal reconhece os Puros. Mas quando o espírito floresceu em mim, como tu floresces, eu te reconheci e gritei: És a própria vida. E porque viajas entre os mortais e, jovial, como o céu, lanças de ti a graça de raios brilhantes sobre todas as coisas, para que todas elas tenham a cor de teu espírito, foi por isso que também para mim a vida se fez criação. É que em mim estava a tua alma. E assim como tu, meu coração se entregou livremente à terra grávida, à terra sofredora. E muitas vezes na noite santa, prometi amá-la fiel e sem medo até a morte, amar esta terra toda carregada de destino e nunca desdenhar nenhum de seus mistérios.

Até aqui a fala de Empédocles, antes de se jogar no Etna, como o representante da luz da modernidade, tal como entende a poesia e a experiência poética e criadora de Hölderlin.

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Na Grécia, a arte dá espetáculo de brilho e sombra, deixando aparecer e desaparecer a realidade, nas peripécias e vicissitudes de realização de qualquer real. Não se trata apenas nem sobretudo, na técnica da arte, da competência de saber fazer nem da perícia de fazer passar do não ser para o ser, nem da surpresa de uma inspiração. A arte não é só isso. Claro que é isso, é tudo isso também. Trata-se de uma experiência de luz que a comunidade faz com um princípio de elaboração universal que o grego chamava de hylé, de matéria. O radical de matéria é do mesmo radical de mãe, Demeter, mater. Significa, portanto, que o princípio de geração de qualquer realização é o que se chama de matéria [mãe].

Toda arte erige em obra uma luminosidade geradora, material, criadora, onde surgem e se instalam possibilidades de ser, de não ser que, entregue e deixada a si mesma, a realidade nunca chegaria a produzir nem vir a ser. Na obra, a arte vive sempre as tensões da união do real com a realidade nas realizações. Uma identidade circular de posições, oposições compõem as diferenças exclusivas de uma com as diferenças próprias da outra. Por isso não é possível compreender, em profundidade, o que se ilumina e brilha na arte grega, sem o confronto das realizações entre real e realidade com a dinâmica de iluminação e de obscuridade da luz. Isso significa, numa formulação concentrada: sem physis não há techne. Por outro lado, nenhum real se desenvolve perfeitamente em sua realização nem chega à plenitude de surgir e de cumprir-se por si mesmo, no mundo, sem a vigência da arte nas obras. Em outras palavras: É o templo que faz aparecer e deixa brilhar a paisagem. Se, de um lado, é a claridade do templo que deixa aparecer no mundo a paisagem como paisagem, isto é, como dinâmica de criação, por outro lado, é a tensão das diferenças entre país e paisagem que permite ao templo surgir em todo o esplendor de sua identidade de obra de arte.

Nesta recíproca constituição, na arte, entre real e realidade, nas realizações, se exerce a circularidade do círculo de ser e não ser, em tudo que é e vem a ser. A obra é o encontro das circulações dentro deste círculo. Assim, ser artista grego significa suportar a ascese de morar no interior deste círculo de tensões entre arte e real, na realidade da obra. Entretanto, se ambas se identificam ao fazer e por fazerem parte deste mesmo círculo, arte e realidade, techne e physis, se diferenciam no próprio interior desta identificação, pois as obras da realidade, da physei onta, na formulação de Aristóteles, trazem em si mesmas, en tei autois, o princípio de sua realização. São, portanto, obras luminosas. É a luz, em si e de si mesma, que dá origem e mantém em vigência o eclodir e o perdurar de suas realizações, enquanto as obras da arte, diferentes das obras da realidade, encontram o princípio de sua realização fora de si. Aristóteles diz en allo, no outro. As obras da arte são, pois, obras iluminadas, que não têm luz própria, mas que recebem a luz de outro.

Numa primeira aproximação, trata-se de uma diferença, diferença essa curiosa e surpreendente, pois, quando ao ar livre, uma pedra se aquece no vigor do estio, não é em si mesma, e, sim, em outro, isto é, no calor do sol que nós colocamos, em nossa experiência, o princípio de seu aquecimento. Será então que, para um grego, o aquecimento da pedra é obra de arte e não da natureza? Como se vê, a distinção entre

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physis e techne, proposta por Aristóteles, pela diferença entre em si mesma e em outro, não é fácil de compreender nem fácil de aceitar, sem dúvida alguma.

Mas trata-se de uma dificuldade salutar, criativa, pois nos ajuda a depor o nosso hábito moderno de unidimensionalizar e generalizar tudo. É o entendimento técnico moderno que só entende toda transformação e mudança por um influxo causal, segundo o modelo de agente e paciente. Esta é uma experiência não grega de se entender a experiência grega. Tomemos um exemplo: o mármore, philetis, uma matéria, no sentido de ser um real dotado de peso, densidade, dureza, cor e impenetrabilidade, mas tudo isso numa tensão constante consigo mesmo e com as outras matérias. Sendo pesado, o mármore tende para baixo, para a morada da terra, por ter cor, tende para cima e assim brilhar na claridade do sol, sendo denso e duro, tende a resistir à penetração dos pingos da chuva. A tudo isso, o mármore pode tender, pelo simples fato de ser mármore. Entregue e abandonado a si mesmo, ele cumpre e exerce essas condições, essas propriedades. No entanto, tornar-se estátua de Apolo, nas mãos de Policleto, ou chegar às frisas do Paternon, ou vir a ser a escadaria do templo de Paeston, a nada disso o mármore pode tender pela simples condição do seu modo próprio de ser mármore. Nenhuma dessas obras, nem a estátua nem a frisa nem a escadaria realizam a possibilidade que tem o princípio de sua origem e de seu vir a ser no próprio mármore. Brilhar ao sol, ocupar o lugar de base, respingar os pingos da chuva, tudo isso o mármore pode cumprir entregue a si mesmo e por si mesmo. São possibilidades, diz Aristóteles, hiléticas do mármore, não realizam uma possibilidade a que o mármore pudesse satisfazer, exigindo, pois, um princípio diferente dele mesmo. Portanto, uma morphé diferente da hylé mármore.

E por que não? Porque cada um desses vir a ser, na frisa, na estátua, na escadaria, pressupõe e exige um outro princípio de origem e de sintonização. É indispensável um outro princípio de articulação e de dinamização. Isto se diz em grego uma outra morphé, uma outra condição, um modo de ser diferente da simples modalidade de ser mármore. Supõe, portanto, uma significância, isto é, um vigor de ultrapassagem, de transcendência do modo de dar-se e de exercer-se do mármore, que suspenda e integre a matéria do mármore num perfil de sentido, que ultrapassa as limitações e as condições concretas da realização do mármore. Para tanto, o mármore não pode ser apenas mármore. Mas tem de assumir, em seu ser mármore, todos os outros modos de ser e todos os outros seres. Da mesma maneira, o mar pode vir a ser, por si mesmo, por ser mar, o movimento incessante das ondas, mas não pode ser, por si mesmo, o sorriso incansável da libertação, de que fala Prometeu, tão logo Hércules lhe solta a língua, no Cáucaso. É possível para o mar tornar-se por si mesmo revolto, de força indomável, mas não lhe é possível vir a ser, por si mesmo, “o mar de vagas abismadas de raiva na tempestade do vento sulino”, que canta o coro de Antígona. Também não é por si mesmo, em virtude da sua própria realização, que as ondas dão passagem aos navios gregos ou sustentam os remos das trirremes, durante a batalha de Salamina. Para chegar a realizar-se uma possibilidade desse nível, pressupõe uma tal

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diferença de ser e de essência, que atinja a universalidade do que antes de ser já sempre era.

Não basta a simples diversidade de agente e paciente, possibilidade esta meramente hilética, já assegurada por mera igualdade entre duas ou mais coisas, sem nenhuma identidade das diferenças no relacionamento de uma com a outra. Tal diferença essencial brota do vigor de uma linguagem ou, na palavra de Heráclito, de um logos. Isto é, daquele poder de reunião que recolhe na identidade todas as diferenças de ser, não ser, vir a ser, ter, não ter, conter, nascer, crescer e morrer. É esta linguagem de integração das diferenças numa identidade que aciona a luz nas obras a arte, como um modo primordial de conduzir-se e de saber ser da própria condição humana, da humanidade de todos os homens, da sua cidadania. Na obra de arte, surgem e se instalam, portanto, possibilidades sempre novas e inesperadas, que o real, no dizer de Aristóteles, nunca chega a produzir. É essa a passagem da Física, segundo livro, 194, a 21. Aristóteles, nesta passagem, está dizendo o seguinte: é possível cumprir-se e realizar-se, de maneira plena, a totalidade de todas as matérias, de todas as realizações, de tudo que é e não é, é possível através de uma integração das próprias diferenças. Por isso é que podemos assim entender essa passagem de Aristóteles, dizendo que toda a criação da arte é sempre criação da realidade, nos percalços de realização da natureza. Provindo da realidade, esta expressão está traduzindo holos, que, geralmente, se traduz de maneira geral. Provindo da realidade, a arte consuma, leva à plenitude, o que a natureza não é capaz de por em obra e reproduz o que a natureza é capaz de produzir. É o que constitui a famosa definição de Aristóteles, da sua caracterização do que é essa dinâmica de criação na arte [mímesis].

Platão no Simpósio, 205 b afirma: “He gar toi ek tou me ontos eis to on ionti hotoioun aitia pasa esti poiesis...”. “Com efeito o que responde pela passagem do não-ser ao ser, seja em que caso for, é a poiesis”. Platão diz nessa passagem: tudo que responde pela passagem do não ser para o ser, qualquer que seja, é uma poiesis, é uma criação. Assim techne é um termo técnico tanto em Platão quanto em Aristóteles. Técnico significa um termo dotado de uma pregnância, de uma integração de todas as possibilidades. A palavra techne provém de um substantivo homérico: tekton, que designa quem trabalha a madeira de qualquer maneira que seja, isto é, quer seja de maneira refinada, como, por exemplo, o marceneiro, seja de maneira tosca, como, por exemplo, o carpinteiro. A diferença entre artesão e artista é uma diferença moderna, não é uma diferença nem grega nem medieval. De tekno derivou-se o verbo teknaino, com o significado primeiro de talhar a madeira, depois de tecer, tramar, maquinar, de construir e elaborar, de plasmar alguma coisa. A forma homérica techne diz arte, na acepção ampla, que inclui tanto o artesão, a indústria, a habilidade, a perícia, o expediente, o processo, o procedimento e a criação de ser e de deixar ser.

Em seus escritos, Aristóteles conhece quatro usos principais da palavra grega techne, portanto, de arte. Em oposição a týche (sorte, fortuna) e automaton (o que funciona por si mesmo), techne diz um processo controlado de fazer e funcionar. Em oposição a physis, realização originária da realidade e original do real, techne indica que

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todo processo controlado de fazer supõe sempre uma dinâmica de criação e um princípio de constituição, dinâmica esta e princípio este constitutivo de toda e qualquer realização. Em oposição a episteme, conhecimento universal e necessário, techne remete para um saber fazer, adquirido por intuição da experiência, por empeiria, que, por dar-se dentro de limites, tem sempre contornos, recortes e limitações. Em oposição a poiesis, criação oriunda de um advento da realidade, techne diz invenção de novas realizações que surpreendem o real na história e no processo de seus desempenhos [aqui se reúne, pela linguagem, poiesis, vigorar de toda physis, seja no que a ela realiza seja no que ela não chega a realizar, mas exige a história, o pensamento vigorando no princípio que é o logos/poiesis de toda techne, ou seja, a história, o pensamento]. Cada área semântica do uso de techne, em Aristóteles, inclui, não uma, mas muitas questões. Todas elas referidas ao que é a tensão constitutiva e diferencial entre luz e sombra [mundo e terra]. Mas esta multiplicidade não tem uma importância decisiva, por motivo bastante simples. Todas as questões da arte estão operando em todos e em cada um de seus usos e relacionamentos, do homem consigo mesmo e com os outros, de maneira criativa, surpreendente, inovadora. Para o estagirita, techne, no sentido posterior moderno de belas artes, não é nem técnica, no uso moderno, nem procedimento, não se reduz nem à natureza nem à ciência, não se identifica nem com a invenção nem com a repetição. E, no entanto, toda esta negatividade de não inclui sempre a afirmação de um sim, para a luz vir a ser princípio de ser e de realidade de toda arte grega.