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N o 4.445/2014-AsJConst/SAJ/PGR EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com fundamento nos arts. 102, I, a e p, 103, VI, e 129, IV, da Constituição Fede- ral de 1988, no art. 46, parágrafo único, I, da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), e na Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, propõe AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de medida cautelar, contra a Lei 17.882, de 27 de de- zembro de 2012, do Estado de Goiás, que institui o Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual (SIMVE) na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás. Esta petição inicial é acompanhada de cópia do ato impug- nado (art. 3º , parágrafo único, da Lei 9.868/1999) e de documentos relevantes do processo administrativo 1.18.000.002559/2013-15,

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No 4.445/2014-AsJConst/SAJ/PGR

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com fundamento

nos arts. 102, I, a e p, 103, VI, e 129, IV, da Constituição Fede-

ral de 1988, no art. 46, parágrafo único, I, da Lei Complementar 75,

de 20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da

União), e na Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, propõe

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,

com pedido de medida cautelar, contra a Lei 17.882, de 27 de de-

zembro de 2012, do Estado de Goiás, que institui o Serviço de

Interesse Militar Voluntário Estadual (SIMVE) na Polícia Militar e

no Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás.

Esta petição inicial é acompanhada de cópia do ato impug-

nado (art. 3º, parágrafo único, da Lei 9.868/1999) e de documentos

relevantes do processo administrativo 1.18.000.002559/2013-15,

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instaurado na Procuradoria-Geral da República, particularmente de

representações pelo ajuizamento de ação direta de inconstitucionali-

dade procedentes do Ministério Público do Estado de Goiás; da

Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participa-

tiva da Assembleia Legislativa daquele Estado, e informações rece-

bidas da mesma Assembleia Legislativa e da Secretaria de

Segurança Pública goianas.

I. OBJETO DA AÇÃO

É o seguinte o teor do diploma impugnado nesta ação:

Art. 1º. Esta Lei institui o Serviço de Interesse Militar Volun-tário Estadual –SIMVE– na Polícia Militar e no Corpo deBombeiros Militar do Estado de Goiás, facultado, nos termosdo parágrafo único do art. 4º da Lei federal nº 4.375, de 17de agosto de 1964, regulamentado na forma do art. 11 e se-guintes do Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966.Art. 2º. O Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual–SIMVE– destina-se à execução de atividades militares decompetência estadual, bem como de outras necessárias à pro-teção e Defesa Civil da comunidade, sob a orientação e co-ordenação da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Mi-litar do Estado de Goiás.Art. 3º. O Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual–SIMVE–, que tem assento e fundamento na hierarquia edisciplina, reger-se-á pelas normas estatutárias e pela legislaçãoestadual pertinente à Polícia Militar e ao Corpo de Bombei-ros Militar do Estado de Goiás.Art. 4º. As atribuições dos integrantes do Serviço de InteresseMilitar Voluntário Estadual –SIMVE– serão compatíveis comas da graduação de Soldado de 3a Classe da Polícia Militar edo Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás.Art. 5º. Para ingresso no Serviço de Interesse Militar Volun-tário Estadual –SIMVE– instituído por esta Lei, o candidatodeverá atender às seguintes condições:I – ter idade mínima de 19 ([...]) anos e máxima de 27 ([...]);II – residir no Estado de Goiás;

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III – ter concluído o Ensino Médio na data da seleção;IV – ser portador de Certificado de Reservista de Primeiraou Segunda Categoria ou possuir Certificado de Dispensade Incorporação –CDI– de qualquer uma das Forças Arma-das brasileiras;V – apresentar autorização da Força Armada a que prestouserviço militar obrigatório ou carta de apresentação da Insti-tuição à qual serviu;VI – ser considerado aprovado na seleção para matrícula noCurso de Formação de Soldados Voluntários para a Polícia Mi-litar ou o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás.Art. 6º. Para fins de seleção ao ingresso no Serviço de Inte-resse Militar Voluntário Estadual –SIMVE– será obedecida, deacordo com a quantidade de vagas disponíveis pelas Corpo-rações Militares estaduais, a seguinte ordem de prioridades:I – os reservistas de primeira categoria com, no mínimo, 4([...]) anos de serviço militar obrigatório nas Forças Armadas edetentores de cursos na área operacional ou equivalentes;II – os reservistas de primeira categoria com, no mínimo, 4 ([...])anos de serviço militar obrigatório nas Forças Armadas;III – os reservistas de primeira categoria, após terem cumpri-do o serviço militar obrigatório nas Forças Armadas;IV – os reservistas de segunda categoria com, no mínimo, 6 ([...])meses de serviço militar obrigatório nas Forças Armadas;V – os dispensados de incorporação, desde que existam va-gas remanescentes não preenchidas por candidatos descritosnos incisos I a IV deste artigo;VI – as mulheres maiores de 19 ([...]) anos e menores de 25([...]), desde que existam vagas remanescentes não preenchi-das na forma deste artigo e não superem a quantidade de10% ([...]) do quantum máximo de vagas oferecidas.§ 1º. Poderão ser convocadas a integrar o Serviço de Inte-resse Militar Voluntário Estadual –SIMVE– as classes de re-servistas de até 05 ([...]) anos anteriores ao ano de convocaçãopara o SIMVE, observada a ordem prevista neste artigo.§ 2º. Para os fins do processo seletivo poderão ser aproveita-dos exames médicos, inspeções de saúde e dados da vida so-cial e profissional do candidato inscrito, cedidos pela ForçaArmada a que serviu.Art. 7º. O quantitativo de vagas para o Serviço de InteresseMilitar Voluntário Estadual –SIMVE–, tendo em vista as ne-cessidades de cada Corporação, será definido por ato do Gover-

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nador do Estado, observadas as disposições do art. 27 desta Leie seu parágrafo único.Art. 8º. Os candidatos ao Serviço de Interesse Militar Vo-luntário Estadual –SIMVE– deverão inscrever-se à seleçãode soldados voluntários em local designado pelo Coman-do-Geral das Instituições militares do Estado.Art. 9º. A seleção dos candidatos ao Serviço de Interesse Mi-litar Voluntário Estadual da Polícia Militar e do Corpo deBombeiros Militar será realizada por Comissão Multiprofis-sional a ser designada pelos respectivos órgãos de gestão derecursos humanos e financeiros.Art. 10. A Comissão Multiprofissional de seleção ao Serviçode Interesse Militar Voluntário Estadual da Polícia Militar edo Corpo de Bombeiros Militar avaliará o candidato nas se-guintes etapas:I – prova escrita;II – teste de aptidão física;III – avaliação médica e psicológica;IV – investigação social da vida pregressa;V – títulos.Parágrafo único. As etapas da seleção previstas nos incisos Iao II são de caráter classificatório e eliminatório e as previs-tas nos incisos III e V são de caráter eliminatório e classifica-tório, respectivamente. Art. 11. Os candidatos ao Serviço de Interesse Militar Vo-luntário Estadual da Polícia Militar e do Corpo de Bombei-ros Militar, aprovados nas etapas da seleção a que se refere oart. 10, serão matriculados no Curso de Formação de Solda-dos Voluntários, também de caráter eliminatório.Parágrafo único. O Curso de Formação de Soldados Volun-tários será regido pelas Normas para o Planejamento e Con-duta do Ensino do Comando da Polícia Militar ou do Cor-po de Bombeiros Militar do Estado de Goiás.Art. 12. Os candidatos aprovados no Curso de Formação deSoldados Voluntários serão convocados para a prestação deserviço na Corporação em que foram selecionados, na con-dição de soldados de 3a Classe.Parágrafo único. O voluntário que aceitar a convocação epreencher os requisitos será considerado como membro doQuadro de Pessoal Transitório da respectiva Corporação,

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compondo o Quadro Policial Militar Variável –QPMV– decada uma delas, na graduação de Soldado de 3a Classe.Art. 13. A atividade e condição dos soldados de 3a Classe in-tegrantes do SIMVE serão reguladas em ato próprio do Co-mandante-Geral da Polícia Militar ou do Corpo de Bom-beiros Militar do Estado de Goiás.Art. 14. O soldado de 3a Classe aluno do Curso de Forma-ção de Soldados Voluntários perceberá, a título de subsídio,uma bolsa de estudos correspondente a 70% ([...]) daqueleprevisto no art. 15, bem como auxílio fardamento.Art. 15. O soldado de 3a Classe, após a conclusão do Cursode Formação de Soldados Voluntários, perceberá subsídiomensal no valor de R$ 1.341,90 ([...]).Parágrafo único. O subsídio do soldado de 3a Classe será re-gido, naquilo que não for tratado em norma específica, deacordo com as regras de subsídio da Polícia Militar e doCorpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás.Art. 16. O Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual–SIMVE– terá duração de 12 ([...]) meses, podendo ser pror-rogado até o limite máximo de permanência, que será de 33([...]) meses contados da data de apresentação do interessado.Art. 17. O desligamento do integrante do Serviço de Inte-resse Militar Voluntário Estadual –SIMVE– dar-se-á das se-guintes formas:I – ex officio;II – a pedido;III – com base em sua conduta irregular.§ 1º. O desligamento ex officio ocorrerá após o término doperíodo de tempo previsto no art. 16, vedada a reinclusãona mesma modalidade de serviço.§ 2º. O desligamento a pedido do integrante do Serviço deInteresse Militar Voluntário Estadual –SIMVE– poderá sedar a qualquer momento após sua matrícula no Curso deFormação de Soldados Voluntários, mediante requerimentopor ele escrito e assinado.§ 3º. O integrante do Serviço de Interesse Militar Voluntá-rio Estadual da Polícia Militar ou do Corpo de BombeirosMilitar do Estado de Goiás que durante o transcurso do ser-viço não apresentar interesse, rendimento, aptidão, praticarinfração penal ou, de algum modo, infringir as normas da-quelas Corporações, será desligado.

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§ 4º. O desligamento de que trata o § 3º será precedidoobrigatoriamente de procedimento apuratório, escrito e sumá-rio, garantidos ao integrante do Serviço de Interesse MilitarVoluntário Estadual –SIMVE– o contraditório e a ampla defe-sa.Art. 18. Os integrantes do Serviço de Interesse Militar Vo-luntário Estadual da Polícia Militar e do Corpo de Bombei-ros Militar do Estado de Goiás serão agraciados, para fins detitulação em concurso público de provas e títulos para in-gresso como membros efetivos das mesmas Corporações,com 1,0 ([...]) ponto, nos casos em que:I – concluírem o Curso de Formação de Soldados Voluntá-rios com aproveitamento igual ou superior a 70% ([...]);II – forem portadores de cursos na área operacional ou equi-valentes, com carga horária superior a 140 ([...]) horas aula;III – forem portadores de cursos de formação de cabos, sar-gentos ou oficiais temporários das Forças Armadas.Parágrafo único. A pontuação referente à titulação definidaneste artigo será cumulativa até o limite de 30% ([...]) do to-tal da distribuição de pontos do processo seletivo para in-gresso nos quadros de militares efetivos e de carreira dasduas Corporações do Estado de Goiás.Art. 19. O soldado de 3a Classe integrante dos Quadros dePoliciais ou Bombeiros Militares Variáveis terá direito a usaros uniformes, insígnias e emblemas utilizados pela PolíciaMilitar ou pelo Corpo de Bombeiros Militar do Estado deGoiás, com a designação (SV), correspondente ao ServiçoVariável da Corporação de que for integrante.Art. 20. A precedência hierárquica entre os soldados de 3a

Classe integrantes do Serviço de Interesse Militar VoluntárioEstadual –SIMVE– da Polícia Militar e do Corpo de Bom-beiros Militar do Estado de Goiás será definida em ordemcrescente, de acordo com a classificação final no Curso deFormação de Soldados Voluntários, e, na Corporação, terãoprecedência sobre eles os soldados de 2a Classe.Art. 21. São vedadas aos integrantes do Serviço de InteresseMilitar Voluntário Estadual da Polícia Militar e do Corpode Bombeiros Militar do Estado de Goiás as seguintes ações:I – policiamento tático, em todas as modalidades;II – policiamento montado;III – policiamento com cães;IV – policiamento aéreo;

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V – operações especiais;VI – operações de choque;VII – segurança e proteção de dignitários;VIII – serviços de inteligência;IX – serviços administrativos envolvendo material e/ou in-formações controlados;X – ações equivalentes às descritas nos incisos I a IX, defini-das por ato administrativo do Comando-Geral do Corpo deBombeiros Militar.Art. 22. O soldado-aluno e o soldado de 3a Classe inte-grantes do Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual–SIMVE– estarão sujeitos à legislação militar e às normasespecíficas da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Mi-litar do Estado de Goiás.Art. 23. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militardo Estado de Goiás devem, no prazo de 30 ([...]) dias conta-dos da publicação desta Lei, editar normas complementares,no âmbito de suas competências, visando à regulamentaçãoda execução do Serviço de Interesse Militar Voluntário Es-tadual –SIMVE.Art. 24. As Forças Armadas Nacionais poderão acompanhare integrar o processo seletivo para o Serviço de InteresseMilitar Voluntário Estadual – SIMVE. Art. 25. Fica instituída a Comissão Permanente de Avaliaçãodo Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual, à qualcompete avaliar a eficácia e eficiência do SIMVE, emitindorelatório trimestral à Secretaria da Segurança Pública e Justi-ça, aos Comandos da Polícia Militar e do Corpo de Bom-beiros Militar do Estado de Goiás e às Forças Armadas dasquais são oriundos os soldados de 3a Classe dele integrantes.§ 1º. A Comissão será composta por representantes das se-guintes áreas da Polícia Militar e do Corpo de BombeirosMilitar do Estado de Goiás:I – Primeira Seção do Estado Maior da Polícia Militar e doCorpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás;II – Segunda Seção do Estado Maior da Polícia Militar e doCorpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás;III – órgãos de gestão de pessoal e financeiros da Polícia Mi-litar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás;

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IV – órgãos de gestão da saúde integral dos servidores mili-tares da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar doEstado de Goiás.§ 2º. A Comissão designada pelas Forças Armadas poderáintegrar a Comissão Permanente de Avaliação do Serviço deInteresse Militar Voluntário Estadual.§ 3º. O presidente da Comissão Permanente de Avaliação doServiço de Interesse Militar Voluntário Estadual será defini-do por convenção interna em deliberação tomada durantesua primeira reunião.§ 4º. A Comissão Permanente de Avaliação do Serviço deInteresse Militar Voluntário Estadual apresentará seu regula-mento em 30 ([...]) dias contados de sua primeira reunião,que será homologado pelos Comandos-Gerais da Polícia Mi-litar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás.Art. 26. O soldado de 3a Classe, para garantir a prorrogação desua permanência no Serviço de Interesse Militar VoluntárioEstadual –SIMVE–, deverá frequentar curso de nível superi-or para qualificá-lo ao mercado de trabalho futuro ou paragarantir sua participação no processo seletivo aos quadrosefetivos da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Mili-tar do Estado de Goiás.§ 1º. Será desligado ex officio do Serviço de Interesse MilitarVoluntário Estadual –SIMVE–, ao final de 12 ([...]) meses, osoldado de 3a Classe que não estiver matriculado em cursode Ensino Superior.§ 2º. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar doEstado de Goiás deverão firmar convênios, por intermédioda Secretaria da Segurança Pública e Justiça, com institui-ções de ensino superior públicas ou privadas para facilitar oacesso dos integrantes do Serviço de Interesse Militar Vo-luntário Estadual –SIMVE– ao ensino de terceiro grau.Art. 27. O Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual–SIMVE– será implementado a partir de 2013, com o in-gresso de 1.300 ([...]) soldados de 3a Classe e de igual quanti-tativo em 2014.Art. 28. O integrante do Serviço de Interesse Militar Volun-tário Estadual –SIMVE– contribuirá para o Regime-Geralde Previdência Social, podendo filiar-se ao Instituto de As-sistência dos Servidores Públicos do Estado de Goiás –IPASGO.Art. 29. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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Conforme se demonstrará, a Lei estadual 17.882/2012 con-

traria os arts. 22, XXI, 37, II e IX, e 144, caput, § 5º , da Consti-

tuição da República.

II. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Demonstrar-se-á a incompatibilidade com a Constituição da

República da Lei 17.882, de 27 de dezembro de 2012, do Estado de

Goiás, que instituiu o Serviço de Interesse Militar Voluntário Es-

tadual (SIMVE) na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Mi-

litar do Estado de Goiás. A inconstitucionalidade soma-se à

relação incompatível dela com as normas federais infraconstitu-

cionais invocadas como fundamento da lei estadual.

A Lei 17.882/2012 foi editada supostamente com base no

art. 4º , parágrafo único, da Lei (federal) 4.375, de 17 de agosto de

1964 (Lei do Serviço Militar), regulamentado pelos arts. 11 e 12

do Decreto 57.654, de 20 de janeiro de 1966, assim redigidos

(sic):

Lei federal 4.375/1964.

Art. 4º. Os brasileiros nas condições previstas nesta Lei pres-tarão o Serviço Militar incorporados em Organizações daAtiva das Fôrças Armadas ou matriculados em Órgãos deFormação de Reserva.Parágrafo único. O Serviço prestado nas Polícias Militares, Cor-pos de Bombeiros e outras corporações encarregadas da segu-rança pública será considerado de interêsse militar. O ingressonessas corporações dependerá de autorização de autoridade mi-litar competente e será fixado na regulamentação desta Lei.

Decreto 57.654/1966:

Art. 11. O Serviço prestado nas Polícias Militares, Corposde Bombeiros e em outras Corporações encarregadas da Se-

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gurança Pública, que, por legislação específica, forem decla-radas reservas das Fôrças Armadas, será considerado de interêssemilitar. O ingresso nessas Corporações será feito de acôrdo comas normas baixadas pelas autoridades competentes, respeita-das as prescrições dêste Regulamento.Art. 12. As Polícias Militares poderão receber, como volun-tários, os reservistas de 1a e 2a categorias e os portadores deCertificado de Dispensa de Incorporação.

Não há, contudo, na Lei 4.375/1964, autorização, explícita

nem implícita, para criação de serviço de interesse militar voluntá-

rio nas Polícias Militares (PMs) e nos Corpos de Bombeiros Mili-

tar (CBMs) dos Estados.

A Lei 4.375/1964, que trata da prestação de serviço militar nas

Forças Armadas do Brasil,1 apenas estabelece, para fins de dispensa

do serviço militar obrigatório,2 que serviços prestados nas polícias

militares declaradas por lei específica como reservas das Forças Ar-

madas será considerado de interesse militar, o que permite às PMs

receber, como voluntários, reservistas de 1a e 2a categorias e porta-

dores de certificado de dispensa de incorporação.

Autorização para criar polícias militares voluntárias nos Es-

tados não há na Lei 4.375/1964, mas na Lei (federal) 10.029, de

20 de outubro de 2000, que estabelece, na forma do art. 22,

1 Dispõe o art. 1º da Lei 4.375/1964: “O Serviço Militar consiste no exer-cício de atividades específicas desempenhadas nas Fôrças Armadas – Exér-cito, Marinha e Aeronáutica – e compreenderá, na mobilização, todos osencargos relacionados com a defesa nacional.”

2 A exigência de declaração, por legislação específica, da polícia militarcomo reserva das Forças Armadas decorre do art. 7º da Lei 3.216/1917,que, na época, dispensava do serviço militar obrigatório oficias e praçasdas Polícias Militares dos Estados declaradas forças auxiliares do ExércitoNacional. Hoje, a própria Constituição da República estabelece que asPolícias Militares e Corpo de Bombeiros dos Estados são “forças auxili -ares e reservas do Exército” (CR, art. 144, § 6º ).

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XXI, da Constituição da República,3 normas gerais para presta-

ção voluntária de serviços administrativos e de serviços au-

xiliares de saúde e de defesa civil nas Polícias Militares e nos

Corpos de Bombeiros Militares.

Ainda que se pudesse extrair do art. 4º, parágrafo único, da

Lei 4.375/1964 autorização para instituir serviço militar voluntá-

rio na PM e no CBM dos Estados e do Distrito Federal, tal dis-

posição não prevaleceria ante a autorização do art. 1º da Lei

10.029/2000, que é norma posterior e específica (consoante a

regra do art. 2º , § 2º , da Lei de Introdução às Normas do Di-

reito Brasileiro).4

Desse modo, não podem subsistir no Estado de Goiás o

Serviço de Interesse Militar Voluntário (SIMVE), instituído pela

Lei estadual 17.882/2012, nem o Serviço Auxiliar Voluntário

(SAV), criado pela Lei estadual 14.012, de 18 de dezembro de

2001, na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar goianos.

A fim de evitar efeitos repristinatórios indevidos,5 deixa-se

de impugnar as disposições da Lei estadual 14.012/2001, as quais,

nos mesmos moldes da Lei estadual 17.882/2012, atribuem a mili-

tares voluntários estaduais exercício de poder de polícia (art. 2º)

ou extrapolem ou divirjam das normas gerais da Lei 10.029/2000

(arts. 4º, IV, e 5º). Ditas normas já foram questionadas na ADI

3 “Art. 22 Compete privativamente à União legislar sobre: [...]XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias,convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeirosmilitares; [...]”.

4 “§ 2o. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das jáexistentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”

5 Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 202, p. 1.048.

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3.608/GO,6 ainda pendente de julgamento pelo Supremo Tribu-

nal Federal.

Feitas essas ponderações iniciais, passa-se a demonstrar de

forma mais específica a inconstitucionalidade da Lei

17.882/2012, do Estado de Goiás.

III. FUNDAMENTAÇÃO

A Lei 17.882/2000, do Estado de Goiás, alegadamente insti-

tuída com base em autorização extraída da Lei federal 4.735/1964,

invade competência privativa da União para legislar sobre normas

gerais de organização das polícias militares (Constituição da Re-

pública, art. 22, XXI), estabelece contratação temporária e es-

tende o exercício da segurança pública fora das hipóteses

previstas nos arts. 37, II e IX, e 144 da Constituição.

III.1. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL

A União, no exercício de competência legislativa ditada pelo

art. 22, XXI,7 da Constituição Federal, editou a Lei 10.029, de

20 de outubro de 2000,8 a qual autoriza os Estados e o Distrito

Federal a instituir “prestação voluntária de serviços administrati-

vos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil nas Polícias

Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares” (art. 1º ).

6 Ajuizada pelo então Procurador-Geral da República ANTÔNIO FERNANDO

BARROS E SILVA DE SOUZA e distribuída ao Ministro CELSO DE MELLO.7 Transcrito na nota 3.8 A Lei federal 10.029/2000 é objeto de impugnação na ADI 4.173/DF,

proposta pelo CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL,distribuída ao Ministro TEORI ZAVASCKI, com pedido de medida cautelarainda pendente de apreciação.

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Cabe à União legislar, de forma geral, sobre organização das

policias militares e corpo de bombeiros militares, uma vez que aos

Estados cabe legislar a respeito do regime jurídico dos policiais mi-

litares e sobre a organização e funcionamento dos órgãos incumbi-

dos, no âmbito estadual, do exercício da segurança pública (art. 42,

§ 1º,9 combinado com os arts. 142, § 3º, X,10 e 144, § 7º,11 da

Constituição da República).

Por conseguinte, consideradas as regras de repartição de com-

petência legislativa, não pode a lei estadual dispor, fora das peculia-

ridades local e de sua competência suplementar, contrariamente ou

sobre normas próprias da lei geral, sob pena de inconstitucionalidade

por invasão da competência legislativa da União. Isso foi precisa-

mente o que ocorreu quanto à Lei 17.882/2000, do Estado de

Goiás.

É o que tem afirmado o Supremo Tribunal Federal a esse res-

peito, como se pode ver de trecho da ementa do seguinte julgado:

9 “§ 1o. Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Ter-ritórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14,§ 8o; do art. 40, § 9o; e do art. 142, §§ 2o e 3o, cabendo a lei estadual espe-cífica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3o, inciso X, sendo as patentesdos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. (Redação dada pelaEmenda Constitucional 20, de 15/12/1998)”.

10 “§ 3o. Os membros das Forças Armadas são denominados militares, apli-cando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes dispo-sições: (Incluído pela Emenda Constitucional 18, de 1998) [...]X – a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade,a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inativi-dade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situ-ações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas ativida-des, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionaise de guerra. (Incluído pela Emenda Constitucional 18, de 1998)”.

11 “§ 7o. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos res-ponsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suasatividades.”

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COTEJO ENTRE LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL E LEI COMPLEMENTAR

NACIONAL – INOCORRÊNCIA DE OFENSA MERAMENTE REFLEXA – AUSURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, QUANDO PRATICADA

POR QUALQUER DAS PESSOAS ESTATAIS, QUALIFICA-SE COMO ATO DE

TRANSGRESSÃO CONSTITUCIONAL.– A Constituição da República, nos casos de competênciaconcorrente (CF, art. 24), estabeleceu verdadeira situação decondomínio legislativo entre União Federal, os Estados-mem-bros e o Distrito Federal (RAUL MACHADO HORTA, Estudos deDireito Constitucional, p. 336, item n. 2, 1995, Del. Rey),daí resultando clara repartição vertical de competências norma-tivas entre essas pessoas estatais, cabendo, à União, estabelecernormas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-membros e aoDistrito Federal, exercer competência suplementar (CF, art. 24,§ 2º). Doutrina. Precedentes.– Se é certo, de um lado, que, nas hipóteses referidas no art.24 da Constituição, a União Federal não dispõe de poderesilimitados que lhe permitam transpor o âmbito das normasgerais, para, assim, invadir, de modo inconstitucional, a esferade competência normativa dos Estados-membros, não é me-nos exato, de outro, que o Estado-membro, em existindonormas gerais veiculadas em leis nacionais [...], não pode ul-trapassar os limites de competência meramente suplementar,pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo estadual incidirá, di-retamente, no vício da inconstitucionalidade.– A edição, por determinado Estado-membro, de lei que con-trarie, frontalmente, critérios mínimos legitimamente veicu-lados, em sede de normas gerais, pela União Federal ofende,de modo direto, o texto da Carta Política. Precedentes.12

O Supremo Tribunal, ao julgar a medida cautelar na ADI

3.774/DF,13 reconheceu à Lei 10.029/2000 o caráter de norma ge-

ral de organização das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros

Militares e suspendeu a eficácia do art. 5º, incisos I e II, da Lei 430,

de 16 de abril de 2004, do Estado de São Paulo, no que dispu-

12 STF. Plenário. Ação direta de inconstitucionalidade 2.903/PR. Relator:Ministro CELSO DE MELLO. 1O /12/2005, unânime. Diário da Justiça eletrônico,19 set. 2008.

13 STF. Plenário. Medida cautelar na ADI 3.774/DF. Rel.: Min. JOAQUIM

BARBOSA. 25/10/2006, maioria. DJe, 11 jun. 2007.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

nham de forma contrária à Lei 10.029/2000, sobre limite de

idade no serviço auxiliar voluntário daquele Estado-membro.

Dessa maneira, a Lei goiana 17.882/2012 será necessaria-

mente inconstitucional no que divergir ou inovar em relação à Lei

federal 10.029/2000.

A Lei 10.029/2000, além de restringir o exercício do serviço

militar voluntário a atividades administrativas e auxiliares (art. 1º),

proíbe porte de arma de fogo e exercício de poder de polícia pe-

los voluntários (art. 5º), estabelece duração máxima de dois anos

dos serviços voluntários (art. 2º), auxílio mensal de caráter indeni-

zatório não superior a dois salários mínimos (art. 6º, § 1º) e im-

possibilita caracterização de vínculo empregatício e de natureza

previdenciária pela prestação dos serviços voluntários (art. 6º,

§ 2º).

Confira-se o teor da Lei federal 10.029/2000:

Art. 1º. Os Estados e o Distrito Federal poderão instituir aprestação voluntária de serviços administrativos e de serviçosauxiliares de saúde e de defesa civil nas Polícias Militares enos Corpos de Bombeiros Militares, observadas as disposi-ções desta Lei.Art. 2º. A prestação voluntária dos serviços terá duração deum ano, prorrogável por, no máximo, igual período, a cri-tério do Poder Executivo, ouvido o Comandante-Geral darespectiva Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militar.Parágrafo único. O prazo de duração da prestação voluntáriapoderá ser inferior ao estabelecido no caput deste artigo nosseguintes casos:I – em virtude de solicitação do interessado;II – quando o voluntário apresentar conduta incompatívelcom os serviços prestados; ouIII – em razão da natureza do serviço prestado.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

Art. 3º. Poderão ser admitidos como voluntários à prestaçãodos serviços:I – homens, maiores de dezoito e menores de vinte e trêsanos, que excederem às necessidades de incorporação dasForças Armadas; eII – mulheres, na mesma faixa etária do inciso I.Art. 4º. Os Estados e o Distrito Federal estabelecerão:I – número de voluntários aos serviços, que não poderá ex-ceder a proporção de um voluntário para cada cinco inte-grantes do efetivo determinado em lei para a respectivaPolícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militar;II – os requisitos necessários para o desempenho das ativida-des ínsitas aos serviços a serem prestados; eIII – o critério de admissão dos voluntários aos serviços.Art. 5º. Os Estados e o Distrito Federal poderão estabeleceroutros casos para a prestação de serviços voluntários nas Po-lícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares, sendovedados a esses prestadores, sob qualquer hipótese, nas viaspúblicas, o porte ou o uso de armas de fogo e o exercíciodo poder de polícia.Art. 6º. Os voluntários admitidos fazem jus ao recebimentode auxílio mensal, de natureza jurídica indenizatória, a serfixado pelos Estados e pelo Distrito Federal, destinado aocusteio das despesas necessárias à execução dos serviços aque se refere esta Lei.§ 1º. O auxílio mensal a que se refere este artigo não poderáexceder dois salários mínimos.§ 2º. A prestação voluntária dos serviços não gera vínculoempregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previ-denciária ou afim.

Art. 7º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A Lei estadual 17.882/2012, em contraste radical e insanável

com a norma federal, não comete aos policiais militares voluntá-

rios exercício de serviços administrativos ou auxiliares, mas atri-

buições próprias da graduação de soldado de 3a classe da Polícia

Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás

(arts. 4º, 12 e 21), destinadas “à execução de atividades militares

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

de competência estadual, bem como de outras necessárias à prote-

ção e defesa civil da comunidade” (art. 2º), submete-os a normas

estatutárias e à legislação estadual pertinente a corporações militares

(arts. 3º e 22) e concede-lhes uso de uniformes, insígnias e emble-

mas da PM e do CBM do Estado de Goiás (art. 19).

Dispõe contrariamente à Lei 10.029/2000, também, no que

se refere a:

(I) limites de idade para admissão, pois a lei federal estabelece

idade mínima de 18 anos e máxima de 23 para ambos os sexos

(art. 3º, I e II), enquanto a lei estadual exige idades entre 19 e 27

anos para homens e 19 e 25 para mulheres (arts. 5º , I, e 6º , VI,

da Lei estadual 17.882/2000);

(II) quantidade de vagas, que, segundo a lei federal, não poderá ex-

ceder a 1/5 do efetivo de cada corporação (art. 4º, I), ao passo que,

consoante a lei estadual, o número de voluntários será definido por

ato do governador, conforme a necessidade de cada corporação

(arts. 7º e 27 da Lei estadual 17.882/2012);

(III) retribuição mensal por subsídio (arts. 14 e 15 da Lei esta-

dual 17.882/2012) e não por auxílio de natureza indenizatória

(art. 6º da Lei federal 10.029/2000);

(IV) duração dos serviços voluntários, pois a lei estadual admite

prorrogação até 33 meses (art. 16), mas a lei federal estabelece du-

ração máxima de 2 anos (art. 2º);

(V) faculdade de filiação ao INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA DOS

SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DE GOIÁS – IPASGO (art. 28 da Lei

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

estadual 17.882/2012), pois a lei federal veda estabelecimento de

vínculo previdenciário pelos serviços voluntários (art. 6º , § 2º ).

Tais dispositivos da Lei estadual 17.882/2012 (arts. 2º; 3º; 4º;

5º, I; 6º, VI; 7º; 12 e parágrafo único; 14; 15 e parágrafo único; 16;

19; 21; 22; 27 e 28), por contrariarem critérios mínimos da lei que

veicula normas gerais da União pertinentes à organização das Polí-

cias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, são formalmente

inconstitucionais. A incompatibilidade com a Constituição da Re-

pública nasce da inobservância do sistema constitucional de reparti-

ção de competências legislativas, dada a invasão direta e frontal da

competência legislativa da União ditada pelo art. 22, XXI, da

Constituição.

A inconstitucionalidade formal dos dispositivos estaduais – os

quais dispõem, com caráter estrutural, sobre o regime de prestação

dos serviços militares voluntários no Estado de Goiás – afeta de

modo insanável a subsistência de todo o regime instituído pela lei

goiana e, por consequência, do próprio SIMVE, na forma como

está hoje regido. A Lei 17.882/2012, do Estado de Goiás, portanto,

deve ser declarada integralmente inconstitucional.

III.2. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL

III.2.1. Violação ao Art. 37, II e IX, da Constituição da República

A Lei estadual 17.882/2012, a pretexto de estar autorizada

pelo art. 4º da Lei 4.735/1964, instituiu, como se expôs, o Serviço

de Interesse Militar Voluntário na Polícia Militar e no Corpo de

Bombeiros Militar do Estado de Goiás (SIMVE), cujos integran-

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

tes, após serem aprovados em seleção e em curso de formação,

passam a ocupar cargo de natureza policial militar (soldado de 3a

classe), do “Quadro de Pessoal Transitório da respectiva Corpora-

ção, compondo o Quadro Policial Militar Variável –QPMV– de

cada uma delas” (art. 12). Remuneram-se por subsídio (arts. 14 e

15) e sujeitam-se “à legislação militar e às normas específicas da Po-

lícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de

Goiás” (arts. 4º e 22).

Estabelece a Lei estadual 17.882/2012, nitidamente, hipótese

de contratação temporária para exercício de função policial mili-

tar, com realização de policiamento ostensivo e preventivo, ativi-

dade essencial e permanente do Estado (segurança pública) que, de

regra, não deve ser realizada por quem não possua vínculo de ca-

ráter perene com o poder público.

É o que afirma, por exemplo, o seguinte julgado:

Servidor público: contratação temporária excepcional (CF,art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a ad-missão de servidores para funções burocráticas ordinárias epermanentes.14

O Supremo Tribunal Federal acentuou, contudo, que, para

os fins do art. 37, IX, da CR,15 temporária é a situação de necessi-

14 STF. Plenário. ADI 2.987/SC. Rel.: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. 19/2/2004.DJ, 2 abr. 2004.

15 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Pode-res da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeceráaos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi-ciência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucio-nal 19, de 1998) [...]IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinadopara atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;[...]”.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

dade pública e não a natureza da atividade, de modo que “a con-

tratação destinada a atividade essencial e permanente do Estado não

conduz, por si só, ao reconhecimento de inconstitucionalidade”,

pois é “a necessidade circunstancial agregada ao excepcional inte-

resse público na prestação do serviço para o qual a contratação se

afigura premente [que] autoriza a contratação nos moldes do art.

37, IX, da Constituição da República.”16

À luz da Constituição, da doutrina e da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, a legitimação constitucional da con-

tratação temporária para atender a necessidade temporária de ex-

cepcional interesse público depende da conjugação dos seguintes

requisitos: (I) previsão em lei; (II) tempo determinado; (III.a) exis-

tência de situação de necessidade temporária ou (III.b) de excepci-

onal interesse público, em ambos os casos, sem que seja possível

ou recomendável a realização de concurso público para provi-

mento de cargos efetivos.17

Segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual,distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os ca-sos de contratação para o atendimento de necessidade temporá-ria de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, deensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgar-rem da normalidade das situações e presumam admissõesapenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns,cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária(incompatível, portanto, com o regime normal de concur-

16 STF. Plenário. ADI 3.247/MA. Rel.: Min. CÁRMEN LÚCIA. 26/3/2014.DJe, 18 ago. 2014. No mesmo sentido: STF. Plenário. ADI 3.068/DF.Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. Redator para acórdão: Min. EROS GRAU.25/8/2004. DJ, 23 set. 2005.

17 Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 192, p. 808; v. 184, p. 49; v. 194,p. 842.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

sos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obvia-mente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividadea ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo im-portantes, é temporária, eventual (não se justificando a criaçãode cargo ou emprego, pelo que não haveria cogitar do con-curso público) ou a atividade não é temporária, mas o ex-cepcional interesse público demanda que se faça imediatosuprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, “ne-cessidade temporária”), por não haver tempo hábil para realizarconcurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesseincomum que se tem de acobertar.”18

Como bem advertiu o Ministro MAURÍCIO CORRÊA: “o co-

mando constitucional [do art. 37, IX] não confere ao legislador

ordinário ampla liberdade para enumerar os casos suscetíveis de

contratação temporária.”19

Cumpre, portanto, ao legislador ordinário, a par dos requisi-

tos citados e em atenção aos princípios da razoabilidade e da pro-

porcionalidade, indicar, de forma expressa, a excepcionalidade da

situação de interesse público e a indispensabilidade da contratação

temporária, como condições indispensáveis para afastamento da

cláusula constitucional expressa da exigência de concurso público

(CR, art. 37, II).20 A não ser assim, a possibilidade excepcional de

contratação temporária serviria de pretexto fácil para burlar o pre-

18 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 274.

19 Citação extraída de voto proferido na ADI 890/DF. Cf.: STF. Plenário.ADI 890/DF. Rel.: Min. MAURÍCIO CORRÊA. 11/9/2003. DJ, 6 fev. 2004.

20 “II – [A] investidura em cargo ou emprego público depende de aprovaçãoprévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordocom a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma previstaem lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em leide livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constituci-onal 19, de 1998)” […].

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

ceito constitucional de provimento de cargos mediante concurso

público.

É nesse sentido o correto comentário de HELY LOPES

MEIRELLES:

Além dos servidores públicos concursados ou nomeados emcomissão, a Constituição Federal permite que a União, osEstados, e os Municípios editem leis que estabeleçam “oscasos de contratação por tempo determinado para atender anecessidade temporária de excepcional interesse público”(CF, art. 37, IX). Obviamente, essas leis deverão atender aosprincípios da razoabilidade e da moralidade. Não podem pre-ver hipóteses abrangentes e genéricas, nem deixar sem defi-nição, ou em aberto, os casos de contratação. Dessa forma,só podem prever casos que efetivamente justifiquem a con-tratação. Esta, à evidência, somente poderá ser feita em pro-cesso seletivo quando o interesse público assim o permitir.21

É, por essa razão, inconstitucional a lei (federal, estadual, dis-

trital ou municipal) que, para os fins do art. 37, IX, da CR, não

estabeleça prazo determinado ou que disponha de forma genérica

e abrangente sobre hipóteses ensejadoras de contratação temporá-

ria, “não especificando a contingência fática que evidenciaria a si-

tuação emergencial”,22 por violação à cláusula do concurso público

inscrita no art. 37, II, da Constituição da República.23

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, recentemente, ao

julgar o recurso extraordinário 658.026/MG, com repercussão ge-

ral reconhecida, ratificou esse entendimento e assentou ser “in-

constitucional lei que institua hipóteses abrangentes e gerais de

contratações temporárias sem concurso público e [que] tampouco21 MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 33 ed. São

Paulo: Malheiros, 2007, p. 440.22 STF. Plenário. ADI 3.210/DF. Rel.: Min. CARLOS VELLOSO. 11/11/2004.

DJ, 3 dez. 2004.23 Inciso transcrito na nota 20.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

especifique a contingência fática que evidencie situação de emer-

gência.”24

A Lei estadual 17.882/2012, ao estabelecer (no art. 12) hi-

pótese de contratação temporária de soldado de 3a classe da PM e

do CBM do Estado de Goiás, não especificou situação de excepcio-

nal interesse público, tampouco indispensabilidade da contratação

sem exigência de prévio concurso público. É, portanto, material-

mente inconstitucional, por violação ao art. 37, II e IX, da Consti-

tuição da República.

Essa inconstitucionalidade, por afetar a essência do regime

jurídico instituído pela lei estadual, a invalida por completo, de

maneira que gera inconstitucionalidade consequencial de todos os

seus dispositivos.

III.2.2. Contrariedade ao Art. 144, Caput e § 5º, da Constituição

A Lei 17.882/2012, de Goiás, atribui a militares voluntários

execução de atividades militares de competência estadual e de ou-

tras necessárias à proteção e à defesa civil da comunidade (art. 2º).

O diploma estadual, portanto, atribui aos voluntários realização de

policiamento ostensivo e preventivo; veda-lhes, apenas, algumas

modalidades de policiamento (tático, montado, com cães, aéreo,

em operações de choque, especiais, serviços de inteligência e pro-

teção de dignatários – art. 21).25

24 Citação extraída da notícia do Informativo STF 742, divulgado em5/5/2014.

25 A Portaria 3.185-PMGO, de 21 de fevereiro de 2013, que aprova oRegulamento do Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual(RSIMVE), estabelece que “o Soldado de 3a Classe – SIMVE – será em-pregado no policiamento ostensivo geral” (art. 20), “preferencialmente na

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

O policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública

são atribuições exclusivas do Estado, de caráter essencial e perma-

nente, atribuídos pelo art. 144, § 5º ,26 da CR às Polícias Milita-

res (desde que regularmente constituídas por servidores públicos

militares) como órgãos incumbidos da segurança pública.

Os integrantes do SIMVE ou são policiais militares temporá-

rios – que deveriam ser admitidos na forma do art. 37, IX, da

CR – ou são agentes não estatais no exercício de função exclusiva

do Estado (a segurança pública). Em ambos os casos a Lei estadual

17.882/2012 padece de inconstitucionalidade, seja por não atender

aos requisitos do art. 37, IX, seja por delegar a agentes não estatais

exercício da segurança pública, o qual, de acordo com o Supremo

Tribunal Federal, incumbe exclusivamente aos órgãos do rol taxa-

tivo do art. 144 da Constituição da República.27

Em caso similar, decidiu essa Suprema Corte, ao julgar a me-

dida cautelar na ADI 2.752/DF,28 violar o art. 144, caput e § 5º, da

Constituição, a criação de “Serviço Comunitário de Quadra”, ca-

execução do policiamento comunitário e de proximidades, ressalvadas asvedações legais” (art. 3º).

26 “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilida-de de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolu-midade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:I – polícia federal;II – polícia rodoviária federal;III – polícia ferroviária federal;IV – polícias civis;V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...]§ 5o. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da or-dem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições defi-nidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. [...]”.

27 STF. Plenário. ADI 236/RJ. Rel.: Min. OCTAVIO GALLOTTI. 7/5/1992.DJ, 1º jun. 2001; ADI 1.182/DF. Rel.: Min. EROS GRAU. 24/9/2005. DJ,10 mar. 2006; ADI 2.287/RS. Rel.: Min. GILMAR MENDES. 16/9/2010.DJe, 6 abr. 2011.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

racterizado como serviço de vigilância prestado por particulares,

por consubstanciar, em essência, policiamento ostensivo, que deve

ser desempenhado apenas por policias militares.

A Lei goiana 17.882/2012 deve, por conseguinte, ser decla-

rada inconstitucional por violação ao art. 144, caput e § 5º , da

Constituição da República.

III.2.3. Inconstitucionalidades Pontuais Flagrantes

O art. 5º , II e IV, da Lei estadual 17.882/2012, ao restringir

o ingresso no SIMVE a candidatos residentes no Estado de Goiás

e portadores do certificado de reservista de 1a e 2a categorias ou de

dispensa de incorporação, ofendeu o princípio constitucional da iso-

nomia. Criou tratamento injustificadamente diferenciado entre bra-

sileiros e contrariou os arts. 5º, caput,29 e 19, III,30 da Constituição

da República.

A respeito desse tema, comenta ALEXANDRE DE MORAES:

Ao preconizar a impossibilidade de a União, Estados, DistritoFederal e Municípios criarem distinções entre brasileiros em ra-zão de sua naturalidade, mais uma vez o legislador constituinteconsagrou o princípio da igualdade (CF. art. 5º, caput e I).É o denominado princípio da isonomia federativa, cuja fina-lidade é acentuar a igualdade de todos os brasileiros, indepen-dentemente do Estado-membro de nascimento ou domicílio.

28 STF. Plenário. ADI 2.752-MC/DF. Rel. Min.: JOAQUIM

BARBOSA.12/2/2004. DJ, 23 fev. 2004. 29 “Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature-

za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invi-olabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-priedade, nos termos seguintes: [...]”.

30 “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Muni-cípios: [...]III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

Dessa forma, norma ou conduta que visem obstaculizar o in-gresso territorial, a fixação de residência, o trabalho, o acessoa cargos, funções ou empregos públicos, ou ainda a tranqui-lidade e o bem-estar de qualquer brasileiro, tão-somente porseu Estado de origem, serão flagrantemente inconstitucionais,devendo haver a responsabilidade civil e criminal de seus auto-res. Por exemplo: Lei municipal ou estadual que vede ou limiteo acesso a cargos públicos locais de brasileiros provenientesde outros Estados.31

O Supremo Tribunal Federal, tendo em conta a vedação ins-

crita no art. 19, III, da Constituição da República, tem, com ra-

zão, afirmado inconstitucionalidade de leis que, a pretexto de

reduzir desigualdades regionais, estabelecem critérios de discrimi-

nação entre brasileiros em função do Estado de origem.32

Bem destaca JOSÉ AFONSO DA SILVA:

A lei em questão autoriza Estados e Distrito Federal a criar aprestação voluntária, mas remunerada, de serviços adminis-trativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil nasPolícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares. Sópodem ser admitidos, nessa qualidade, os excedentes das ne-cessidades de incorporação às Forças Armadas. Isso significa oseguinte: todos os anos os jovens que alcançarem a idade pre-vista em lei são obrigados a se apresentarem a uma das Forçascomponentes das Forças Armadas, para a prestação obrigatóriado serviço militar. Dos que se apresentam, apenas uma parte éincorporada, enquanto a outra parte, geralmente a maioria, éconsiderada excedente. Pois bem, só estes podem ser recruta-dos para a prestação voluntária prevista em lei.Há muito que as Polícias Militares vinham pleiteando um meiode recrutar, para seus quadros, excedentes das Forças Armadas,de sorte que a questionada lei pretendeu atender esse deside-rato, sem, no entanto, atentar para os limites constitucionais.[…].

31 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação cons-titucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 656-657.

32 RTJ, v. 204, p. 1.123; v. 204, p. 676.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

Especialmente cria uma espécie de admissão ao serviço públiconão admitido pela Constituição. De fato, como se destaca narepresentação, a lei cria uma “nova categoria” de servidor pú-blico que não está abrigada em nenhuma das hipóteses do art.37 da Constituição, que prevê três possibilidades de regime: oestatutário, nele compreendidos os cargos efetivos e os de livrenomeação; o celetista; e o dos servidores admitidos por tempodeterminado para atender a necessidade temporária de excep-cional interesse público. Além dessas hipóteses, tem-se a con-vocação para o serviço militar obrigatório, na forma da lei(CF, art. 143), que está fora de cogitação aqui, exatamenteporque a previsão da lei, em causa, é de admissão de volun-tários para serviços administrativos e de auxiliares de saúde edefesa civil, nas Policias Militares e Corpo de Bombeiros. Eaqui há outra inconstitucionalidade, qual seja, a de restringira admissão de servidores a um grupo determinado de pessoas,estabelecendo-se aí um requisito que fere o princípio daigualdade e da generalidade.33

Os incisos II e IV do art. 5º da Lei goiana 17.882/2012, por-

tanto, são inconstitucionais, por ofensa aos arts. 5º, caput, e 19, III,

da Constituição da República.

O artigo 18 da lei questionada, por sua vez, atribui aos inte-

grantes do SIMVE 1,0 ponto na titulação em concurso público

para o quadro efetivo da PM e do CBM do Estado de Goiás.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, no entanto, é incons-

titucional concessão de pontuação, em prova de títulos, pelo mero

exercício de cargos, empregos ou funções públicas anteriores, por

violação ao princípio constitucional da igualdade.34

Veja-se, nesse sentido, entre outros, a ementa do seguinteprecedente:

33 Parecer apresentado com a inicial da ADI 4.173/DF, proposta pelo Con-selho Federal da OAB contra a Lei 10.029/2000, ainda pendente de julga-mento.

34 Nesse sentido: STF. Plenário. ADI 2.210-MC/AL. Rel.: Min. SEPÚLVEDA

PERTENCE. 28/9/2000. DJ, 24 maio 2002.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA

UNIÃO. Consoante dispõe a norma imperativa do § 3º do art.103 da Constituição Federal, incumbe ao Advogado-Geral daUnião a defesa do ato ou texto impugnado na ação direta deinconstitucionalidade, não lhe cabendo emissão de simples pa-recer, a ponto de vir a concluir pela pecha de inconstituciona-lidade. CONCURSO PÚBLICO – PONTUAÇÃO – EXERCÍCIO

PROFISSIONAL NO SETOR ENVOLVIDO NO CERTAME –IMPROPRIEDADE. Surge a conflitar com a igualdade almejadapelo concurso público o empréstimo de pontos a desempe-nho profissional anterior em atividade relacionada com oconcurso público. CONCURSO PÚBLICO – CRITÉRIOS DE

DESEMPATE – ATUAÇÃO ANTERIOR NA ATIVIDADE – AUSÊNCIA DE

RAZOABILIDADE. Mostra-se conflitante com o princípio da razo-abilidade eleger como critério de desempate tempo anteriorna titularidade do serviço para o qual se realiza o concursopúblico.35

Por consequência, deve ser declarada inconstitucionalidade do

art. 18 da Lei estadual 17.882/2012, por violação aos arts. 5º, caput

e 37, II, da Constituição da República.

O art. 21 da lei goiana veda apenas algumas modalidades de

policiamento por parte dos integrantes do SIMVE, os quais, como

se viu, possuem atribuições compatíveis com as de soldado de 3a

classe da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado

de Goiás (art. 2º). Executam, portanto, policiamento ostensivo, que,

nos termos do art. 2º, nº 27, do Decreto 88.777, de 30 de setem-

bro de 1983, somente pode ser feito por policiais militares unifor-

mizados ou que possam ser imediatamente identificados por seus

equipamentos ou viaturas.36

35 STF. Plenário. ADI 3.522/RS. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. 25/5/2005. DJ,12 maio 2006.

36 O art. 2º , nº 27, do Decreto 88.777/1983 (regulamento das polícias mi-litares e corpo de bombeiros militares – R-200) define o policiamentoostensivo como: “ação policial, exclusiva das Polícias Militares em cujo

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

Pode-se inferir da análise conjugada dos arts. 2º e 21 da Lei es-

tadual 17.882/2012 que os integrantes do SIMVE estão autoriza-

dos a portar arma de fogo, uma vez que se trata de equipamento

próprio ao exercício do policiamento ostensivo.

Tal prática, no entanto, não pode ser admitida, pois, nos ter-

mos dos arts. 21, VI, e 22, I e XXI, da Constituição da República,

compete privativamente à União legislar sobre porte de arma de

fogo. Não cabe à lei estadual, ainda que indiretamente, conceder

porte de arma a agentes (públicos e particulares) não previstos no

rol taxativo do art. 6º da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003

(Estatuto do Desarmamento).

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a constitucionali-

dade do Estatuto do Desarmamento, assentou que o porte de arma

de fogo é questão de segurança nacional e, com base no princípio

da predominância do interesse, reconheceu competência privativa

da União para legislar sobre a matéria.37

emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificadosde relance, quer pela farda[,] quer pelo equipamento, ou viatura, obje-tivando a manutenção da ordem pública. São tipos desse policiamento,a cargo das Polícias Militares ressalvadas as missões peculiares das ForçasArmadas, os seguintes:– ostensivo geral, urbano e rural;– de trânsito;– florestal e de mananciais;– rodoviária e ferroviário, nas estradas estaduais;– portuário;– fluvial e lacustre;– de radiopatrulha terrestre e aérea;– de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado;– outros, fixados em legislação da Unidade Federativa, ouvido o Esta-do-Maior do Exército através da Inspetoria-Geral das Polícias Milita -res.”

37 STF. Plenário. ADI 3.112/DF. Rel.: Min. RICARDO LEWANDOWSKI.2/5/2007, un. DJe, 26 out. 2007.

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Tal entendimento foi reafirmado recentemente pelo STF, ao

declarar a inconstitucionalidade do art. 88 da Lei Complementar

240, de 27 de junho de 2002. do Estado do Rio Grande do

Norte,38 que concedia porte de arma de fogo a procuradores de Es-

tado. Asseverou, na oportunidade, que, por competir à União le-

gislar sobre matéria penal (CR, art. 22, I), somente ela poderia

dispor sobre regra de isenção de porte de arma de fogo, tipifi-

cado pelos arts. 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003, como figura pe-

nal.39

Por esse motivo, é inconstitucional o art. 21 da Lei

17.882/2012, do Estado de Goiás, no que permite realização de

policiamento ostensivo com porte de arma de fogo por integran-

tes do SIMVE.

IV. PEDIDOS

IV.1. PEDIDO CAUTELAR

Os pressupostos (fumus boni juris e periculum in mora) para sus-

pensão cautelar da eficácia da lei questionada estão presentes – caso

de aplicação do art. 10 da Lei 9.868/1999.

O sinal do bom direito está suficientemente caracterizado pe-

los argumentos deduzidos nesta petição inicial.

38 “Dispõe sobre a Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado do RioGrande do Norte e o Estatuto dos Procuradores do Estado, e dá outrasprovidências.”

39 STF. Plenário. ADI 2.729/RN. Rel.: Min. LUIZ FUX. Redator paraacórdão: Min. GILMAR MENDES. DJe, 12 fev. 2014.

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O perigo na demora decorre do próprio texto da lei, que, ao

permitir a realização de policiamento ostensivo por voluntários do

SIMVE, compromete, mais do que auxilia, a prestação da segu-

rança pública no Estado de Goiás e introduz na delicadíssima ati-

vidade de segurança pública pessoas admitidas de forma inválida e

com potencial para portar e usar armas de fogo contrariamente à

legislação federal.

O vínculo jurídico precário dos integrantes do SIMVE im-

pede que sejam adequadamente preparados para a função de po-

liciamento ostensivo e que desenvolvam espírito de

pertencimento à instituição policial militar. Isso pode levar espí-

ritos menos maduros à prática de atitudes impróprias, de conse-

quências imprevisíveis e indesejáveis, nessa relevante função. O

SIMVE, além disso, caminha na direção oposta à desejável esta-

bilização e profissionalização dos servidores da segurança pública,

pela alta rotatividade de integrantes que lhe é inerente.

Ademais, o art. 27 da Lei estadual 17.882/2012 prevê o in-

gresso de 1.300 “soldados de 3a classe”, no ano de 2014, estando

em andamento processo seletivo visando o preenchimento de até

800 vagas do SIMVE na Polícia Militar do Estado de Goiás (edi-

tal 2, de 29 de abril de 2014).

Por conseguinte, além do sinal do bom direito, há premência

em que essa Corte conceda a medida cautelar, a fim de obstar de

imediato a admissão de novos componentes do SIMVE.

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IV.2. PEDIDOS FINAIS

Em face do exposto, requer:

a) distribuição por dependência à ADI 3.608/GO (pelos moti-

vos indicados nas páginas 11-12 desta petição);

b) concessão da medida cautelar, pelas razões acima apontadas;

c) audiência da Assembleia Legislativa e do Governo do Estado de

Goiás acerca do ato normativo questionado;

d) intimação para manifestação do Advogado-Geral da União

(CR, art. 103, § 3º);

e) abertura de prazo para manifestação da Procuradoria-Geral da

República, após superadas as fases anteriores;

f) julgamento de procedência do pedido, para declarar a inconsti-

tucionalidade da Lei 17.882/2012, do Estado de Goiás.

Brasília (DF), 16 de setembro de 2014.

Rodrigo Janot Monteiro de BarrosProcurador-Geral da República

RJMB/WS/PC-Par.PGR/WS/45/2014.

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