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    Texto Contexto Enferm, Florianpolis, 2007 Jul-Set; 16(3): 399-407.

    A PRTICA DA INTEGRALIDADE EM MODELOS ASSISTENCIAIS DISTINTOS: ESTUDO DE CASO A PARTIR DA SADE DA CRIANA

    THE PRACTICE OF INTEGRALITY IN DIFFERENT CARE MODELS: A CHILDRENS HEALTH CASE STUDY

    LA PRCTICA DE LA INTEGRALIDAD EN MODELOS ASISTENCIALES DISTINTOS: ESTUDIO DE CASO A PARTIR DE LA SALUD DEL NIO

    Snia Regina Leite de Almeida Prado1, Elizabeth Fujimori2, Tamara Iwanow Cianciarullo3

    1 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Santo Amaro. So Paulo, Brasil.

    2 Enfermeira. Doutora em Sade Pblica. Professora Associada do Departamento de Enfermagem em Sade Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. So Paulo, Brasil.

    3 Enfermeira. Doutora em Cincias Sociais. Professora Titular do Programa de Mestrado Acadmico da Universidade de Guarulhos. So Paulo, Brasil.

    RESUMO: Avaliou-se a prtica da integralidade, a partir da sade da criana. Estudo de caso exploratrio-descritivo (natureza transversal, abordagem quantitativa) que foi desenvolvido em duas unidades de sade: uma, cujo eixo estruturante da assistncia era o Programa de Sade da Famlia e outra que organizava a assistncia no modelo tradicional. Os dados foram levantados por entrevista com pais/responsveis pelas crianas (n=195) e analisados com teste qui-quadrado e t-student. Constatou-se que o acesso era difcil em ambas s unidades, com mdia de 2-3 idas ao servio para marcao de consulta. Acesso a medicamento e o sistema de referncia/contra-referncia foi mais bem garantido na unidade de sade da famlia. O princpio da integralidade no se mostrou incorporado, mesmo na unidade de sade da famlia. Assim, ainda permanecem como desafios, a busca de modelos assistenciais que contemplem o acesso aos servios de sade e a integralidade da ateno.

    ABSTRACT: The practice of integrality was analyzed, parting from childrens health. This exploratory-descriptive case study (cross sectional study, quantitative approach) was developed in two public health care units: one unit had the Family Health Program as its basis for health care, and the other unit organized assistance within the traditional health care model. The data was obtained by home interviews with childrens parents/responsible (n=195) and statistical analysis was performed using chi-square and t-student tests. The results show that access was difficult in both public health care units, with an average of 2-3 visits to the health care service to schedule a consultation. Access to medicine and the reference system were better in the unit with Family Health Program. We verified that the principle of integrality wasnt incorporated, even in the unit with Family Health Program. So, the search for care models that contemplate access to the health care system, as well the practice of integrality remain as challenges.

    RESUMEN: En esta investigacin se evalu la prctica de la integralidad a partir de la salud del nio. Es un estudio de caso exploratorio-descriptivo (de naturaleza transversal, con abordaje cuantitativo), desarrollado en dos unidades de salud: una cuyo eje estructural era el Programa Salud de la Familia, y, otra, que organizaba la asistencia segn el modelo tradicional. Los datos fueron recolectados mediante entrevistas con padres/responsables por los nios (n=195), y analizados con el teste qui-cuadrado y t-student. El acceso en las dos unidades era difcil, con un promedio de 2 a 3 idas al servicio para pedir consulta. El acceso a los medicamentos y el sistema de referencia/contra-referencia fue mejor garantizado en la unidad de salud de la familia. El principio de la integralidad no se mostr incorporado, ni mismo en la unidad de salud de la familia. Siendo as, an permanecen como desafos, la bsqueda de modelos asistenciales que incorporen el acceso a los servicios de salud y la prctica de la integralidad.

    P A L A V R A S - C H A V E : Assistncia sade. Servios bsicos de sade. Poltica de sade. Sade da criana.

    KEYWORDS: Delivery of health care. Basic health services. Health policy. Child health.

    PA L A B R A S C L A V E : Prestacin de atencin de salud. Servicios bsicos de salud. Poltica de salud. Salud del nio.

    A prtica da integralidade em modelos assistenciais distintos...

    Escola de Enfermagem da Universidade de So PauloAv. Dr. Enas Carvalho Aguiar, 41905.403-000 - So Paulo, SP, Brasil.E-mail: [email protected]

    Artigo original: PesquisaRecebido em: 15 de fevereiro de 2007

    Aprovao final em: 09 de julho de 2007

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    Texto Contexto Enferm, Florianpolis, 2007 Jul-Set; 16(3): 399-407.

    INTRODUOO tema central deste estudo o princpio da

    integralidade, protagonizado pela sade da criana. Historicamente, a criana sempre foi prioridade nas polticas pblicas de sade. Mesmo no modelo hegemnico e nos perodos de crise, a ateno criana tinha um carter mais integral. Os grupos de puericultura ou clubes de mes tinham espao assegurado desde os tempos dos programas vertica-lizados. Entretanto, os perfis de morbimortalidade infantil resistiam s aes realizadas. claro que as condies de sade estavam intimamente relaciona-das s condies de vida dessa populao, porm, aes como aumento da cobertura vacinal, melhoria das condies de saneamento bsico e de nutrio e a introduo e expanso da terapia de reidratao oral foram marcos decisivos na mudana do perfil de morbimortalidade das ltimas dcadas.

    Hoje, pensar a sade da criana remete an-lise de aspectos relacionados aos cuidados de sade numa sociedade contempornea. Alguns indicadores podem auxiliar a reflexo destes tempos modernos. Na rea da educao so 34,5 milhes de pessoas que lem e escrevem precariamente, ou seja, so analfa-betos funcionais.1 Com relao ao desemprego, em um ano, sua taxa cresceu de 6,9% para 7,7%. Quanto distribuio de renda, a renda mdia dos 10% mais ricos 53 vezes maior que dos 10% mais pobres. A taxa de homicdios subiu de 19 para 26/100 mil habitantes (36% em uma dcada). Em relao s con-dies de moradia, 12 milhes de pessoas vivem em locais imprprios nas grandes cidades e 3,7 milhes de domiclios no possuem banheiro nem sanitrio. A taxa nacional de mortalidade infantil de 29,6 mortes por mil nascidos vivos e apresenta enormes desigualdades entre as distintas regies do pas, en-quanto na Sucia e Japo e Chile, corresponde a 4, 6 e 10 para cada mil nascidos vivos, respectivamente. Por ltimo, destaca-se que o aumento da esperana de vida ao nascer subiu de 66,3 para 68,6 anos. Com certeza, sobreviver com qualidade de vida nesse contexto significa desenvolver recursos para muito alm da dimenso biolgica.

    Os determinantes sociais e as enormes desigual-dades sociais implcitas nesse panorama nacional que permeia o processo sade/doena da populao brasileira. Alm da complexidade do quadro scio sanitrio apresentado, um outro desafio, colocado na conjuntura atual, a implantao real do Sistema nico de Sade (SUS), criado pela Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, e que tem

    como diretrizes, a universalizao do direito sade, a integralidade das aes preventivas e curativas, a des-centralizao dos servios e a participao social.2

    O sistema de sade do Brasil, enquanto aparato jurdico-legal, sem dvida um dos mais avanados do mundo, porm quando se contextualizam as dimen-ses scio-culturais, polticas e econmicas na qual esse sistema se concretiza, surgem contradies de diversas ordens. Dentre as mais importantes destaca-se a correlao de foras entre a ideologia neoliberal e o papel do estado, como provedor de direitos para uma massa cada vez maior de excludos. Nesse contexto, a mudana deve ser entendida de forma processual e dialtica. Portanto, avanar na consolidao do SUS implica a busca de novos mecanismos que convirjam na superao de dificuldades inerentes nossa reali-dade social. Um dos mais importantes mecanismos rumo a essa direo, tem sido a questo da regula-o/financiamento do setor sade, que no objeto deste estudo, e a construo de modelos assistenciais favorecedores da efetivao dos princpios do SUS.

    Hoje, o Programa de Sade da Famlia (PSF) tem sido utilizado pelo poder pblico como uma estratgia condutora da busca do novo modelo as-sistencial, capaz de compreender e operacionalizar a abordagem integral do processo sade-doena e responder de forma mais efetiva aos problemas de sade da populao. Entretanto, reconhecem-se dificuldades para adequar o modelo assistencial aos princpios reformadores com maior eqidade no acesso e na integralidade das prticas.3:192

    O princpio da integralidade consiste no direito que as pessoas tm de serem atendidas no conjunto de suas necessidades, e no dever que o Es-tado tem de oferecer servios de sade organizados para atender estas necessidades de forma integral. Assim, o SUS deve atender as necessidades oriundas de todos os nveis de complexidade do sistema, por meio de aes destinadas promoo, proteo e recuperao da sade, bem como reabilitao.4

    A integralidade est intimamente ligada concepo de sade e doena. Aponta para a ne-cessidade de superao da dicotomia entre aes preventivas/curativas e individuais/coletivas, em direo s aes que satisfaam as necessidades relacionadas promoo e recuperao da sade. Incorpora o debate sobre a forma de programar a oferta de servios, exigindo uma articulao entre os vrios profissionais que compe a equipe de sade e entre os distintos nveis de hierarquizao tecnolgica da assistncia.5

    Prado SRLA, Fujimori E, Cianciarullo TI

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    Alm do carter completo do cuidado, a in-tegralidade envolve a continuidade do cuidado, ou seja, o acompanhamento da assistncia, que pode ser avaliada pela anlise da referncia/contra-refe-rncia.3 O acesso, por sua vez, um dos princpios do SUS mais intimamente relacionados ao princ-pio da integralidade, uma vez que a condio para que se desencadeie uma ateno integral ou no a insero do indivduo no sistema. Nesse sentido, destaca-se a importncia de se associar a avaliao da integralidade com medidas de acesso.6

    A partir dos referenciais acima descritos, adota-se neste estudo a concepo de integralidade como garantia de acesso e a resoluo do problema de sade em todos os nveis do sistema de sade, assegurada por um sistema de referncia e contra-referncia.

    No municpio de So Paulo, apesar do PSF representar a possibilidade de inverter a lgica da ateno sade, as diretrizes e investimentos do sis-tema municipal no foram restritas a essa estratgia, sendo extensivas a toda rede de servios municipais. Nesse sentido, a perspectiva e o desafio de construir novas formas de prestar assistncia e de contribuir nas transformaes necessrias para a construo do SUS foram colocados para todo o sistema municipal de sade. nesse novo contexto de diferentes formas de organizao da assistncia no municpio, que surgem indagaes com relao qualidade da ateno sade prestada na rede pblica, aos avanos e dificuldades na operacionalizao do SUS, e por ltimo com relao ao efeito ou impacto dessa estratgia.

    Nesse sentido, o propsito deste estudo foi investigar, a prtica da integralidade na assistncia prestada criana, em unidades de sade com dis-

    tintas formas de organizao da ateno bsica, uma que atuava com o modelo tradicional de assistncia (sem PSF) e outra com a estratgia de sade da fa-mlia implantada (com PSF).

    METODOLOGIATrata-se de um estudo de caso exploratrio-

    descritivo, de natureza transversal, com abordagem quantitativa, que integra um projeto mais amplo de-nominado Sade da Famlia: avaliao da nova estra-tgia assistencial no cenrio das polticas pblicas.* Todas as diretrizes ticas da Resoluo N196/96 do Conselho Nacional de Sade foram contempladas, e o projeto maior foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universi-dade de So Paulo (Processo N 202/2001).

    O estudo foi desenvolvido em duas unidades de sade localizadas no municpio de So Paulo e o presente subprojeto apresenta resultados referentes sade da criana.

    As unidades selecionadas atuavam com mode-los assistenciais distintos: uma, localizada na regio Sul do municpio, organizava a assistncia sade conforme o modelo tradicional de ateno sade (sem PSF), e a outra, localizada na zona leste da cidade de So Paulo, tinha como eixo estruturante da assistncia sade, o Programa de Sade da Fa-mlia (com PSF). Apresenta-se na Tabela 1, um dos ndices mais sensveis para medir o estado de sade de uma populao, o coeficiente de mortalidade infantil, compreendido pelo bito neonatal total e bito ps-neonatal, dos distritos administrativos onde se localizam as unidades de sade.

    Tabela 1 - Mortalidade neonatal, ps-neonatal e infantil nos distritos administrativos onde se localizam as unidades de sade estudadas. So Paulo, 2002.

    Distrito administrativoCoeficientes de mortalidade (por 1000 nascidos vivos)

    CD (Zona Sul)unidade sem PSF

    AA (Zona Leste)unidade com PSF

    bito Neonatal Precoce 7,63 4,45bito Neonatal Tardio 5,60 2,78bito Neonatal Total 13,23 7,23bito Ps-Neonatal 6,87 6,68Mortalidade Infantil 20,10 13,91

    Fonte: SEADE (dados preliminares - abril de 2002). Total de nascidos vivos em CD: 3.930 e AA: 1.797.7

    * Cianciarullo TI. Projeto Sade da Famlia: avaliao da nova estratgia assistencial no cenrio das polticas publicas. So Paulo, 2000. Pesquisa financiada pelo Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp Processo n 00/01957-7).

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    O Distrito administrativo onde se localiza a unidade sem PSF apresenta ndices mais elevados em todos os coeficientes. Apresenta pior desempenho, comparado ao municpio como um todo, cuja taxa de 15,8 por mil nascidos vivos, certamente, reflexo das condies de vida na regio.

    Do total de 100 pronturios da rea com PSF e 100 da rea sem PSF, inicialmente previstas como amostra representativa da populao usuria de crianas de 0 a 5 anos de idade, atendidas em cada unidade de sade, efetivamente foram estudadas 99 da unidade com PSF e 96 da unidade sem PSF. Constituiu critrio de incluso, ser criana de 0 a 5 anos de idade, residir na rea de abrangncia da unidade de sade e ter se submetido a consulta mdica ou de enfermagem no perodo de janeiro a julho de 2003. Tanto o desenho amostral, quan-to a elaborao do banco de dados e as anlises estatsticas foram realizadas com assessoria do Laboratrio de Epidemiologia e Estatstica (Lee), do Instituto Dante Pazzanezi.

    Os dados foram colhidos por entrevista re-alizada no domiclio, por dupla de estudantes de enfermagem selecionadas para integrarem o projeto na condio de bolsistas de iniciao cientfica da Fundao de Auxlio e Amparo a Pesquisa do Esta-do de So Paulo (FAPESP), devidamente treinadas em tcnicas de entrevista, e com a utilizao de instrumento especfico, previamente testado.

    A anlise dos dados foi feita utilizando-se freqncias relativas (percentuais) e absolutas (n) das classes de cada varivel categrica. As variveis contnuas foram analisadas utilizando-se mdias, medianas e desvios-padro.

    Para comparar as distribuies de freqncia das variveis categricas, utilizou-se o teste qui-qua-drado de Pearson,8 que se baseando nas diferenas entre valores observados e esperados, avalia se as propores em cada grupo podem ser consideradas semelhantes ou no. O teste exato de Fisher foi utilizado nas situaes onde os valores espera-dos foram inferiores a cinco. Em cada tabela de cruzamento dessas variveis so apresentados os resultados da significncia do teste atravs do valor de p, sendo que, para valores menores que 0,05

    (p

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    Tabela 2 - Distribuio das crianas estudadas segundo alguns aspectos relacionados ao acesso, por unidade de sade. So Paulo, 2003.

    VariveisUnidade de sade

    sem PSF com PSF Total p

    Como chega unidade

    A p 77 (81,1%) 88 (89,8%) 165 (85,5%) 0,036a

    De carro 4 (4,2%) 5 (5,1%) 9 (4,7%)

    nibus 10 (10,5%) 3 (3,1%) 13 (6,7%)

    Mais de um nibus 1 (1,1%) - 1 (0,5%)

    Lotao 2 (2,1%) 1 (1,0%) 3 (1,6%)

    Carro de amigo - 1 (1,0%) 1 (0,5%)

    Outros 1 (1,1%) - 1 (0,5%)

    N de vezes que procurou unidade para agendamento

    Mdia 2,15 2,63 2,38 0,075b

    Mediana 2 3 2

    Desvio padro 1,3 1,8 1,6a Teste exato de Fisher (teste entre as variveis a p e nibus)b Teste Mann-Whitney

    Com relao ao nmero de vezes que o usu-rio precisou procurar a unidade para agendamento de consulta, apesar da diferena no ser estatistica-mente significativa (p>0,05), constata-se que na unidade com PSF o acesso aparenta ser mais difcil, com mdia de 2,63 vezes e mediana de 3 idas uni-dade, enquanto na unidade sem PSF, que trabalha com porta aberta, a mdia foi de 2,15 vezes e mediana de 2 idas unidade para o agendamento de consulta. Neste aspecto, h que se destacar o papel do agente comunitrio de sade, que muitas vezes faz a mediao entre o usurio e a unidade, pois em suas visitas, cabe a ele identificar as necessidades e compor a agenda do mdico e da enfermeira.3 Essa dinmica resulta numa programao previamente elaborada, e quando o agendamento desarticulado desse sistema, ou seja, surgem problemas que no estavam programados, como por exemplo, a pro-cura do dia, parece que o usurio leva mais tempo para conseguir agendar uma consulta, em relao ao modelo tradicional.

    Estudo que avaliou a prtica da integralidade em unidade de PSF revela que a demora para o agen-damento dificulta a prtica da integralidade.10

    Como destacado, o acesso considerado o ponto de partida em direo prtica do princpio

    da integralidade.3 Nesse sentido, observa-se que o acesso s consultas bastante dificultado em ambas as unidades. Essa demora pode ser responsvel pelo alto ndice de procura do hospital/pronto aten-dimento para resoluo de problemas relativos ateno bsica, como ser visto, gerando um custo mais elevado para solucionar problemas de baixa complexidade, sem considerar a descontinuidade e acompanhamento do usurio, que tambm com-promete a integralidade.

    A Tabela 3 mostra que trs quartos dos respon-sveis pelas crianas costumam procurar atendimento de rotina. Entretanto, ao serem questionados se procuram assistncia especfica em decorrncia de problema de sade, cerca de 60% responderam que sim, e nesse caso, proporo bastante elevada da populao da unidade sem PSF referiu procurar as-sistncia especfica em hospital (87,3%), em relao unidade com PSF (70,5%). O pronto atendimento foi mais procurado pelos familiares da unidade com PSF (36,1% contra 16,4%), da mesma forma que a prpria unidade bsica de sade (49,2% contra 23,6%), todos com diferena estatisticamente significativa (p

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    Tabela 3 - Distribuio das crianas estudadas segundo algumas variveis relacionadas procura dos servios, por unidade de sade. So Paulo, 2003.

    VariveisUnidade de sade

    sem PSF com PSF Total pa

    Procura atendimento para a crianaDe rotina 74 (78,7%) 69 (69,7%) 143 (74,1) 0,109b

    S quando precisa 18 (19,1%) 29 (29,3%) 47 (24,4)Outro 2 (2,2%) 1 (1,0%) 3 (1,5%)Procura assistncia especfica em caso de doenaNo 41 (42,7%) 33 (35,1%) 74 (38,9%) 0,283Sim 55 (57,3%) 61 (64,9%) 116 (61,1%)

    Caso sim, onde procura ajudac

    Hospital 48 (87,3%) 43 (70,5%) 91 (78,4%) 0,03Pronto atendimento 9 (16,4%) 22 (36,1%) 31 (26,7%) 0,02Unidade bsica de sade 13 (23,6%) 30 (49,2%) 43 (37,1%) 0,004

    a Teste qui-quadradob Teste entre as variveis de rotina e s quando precisac Percentuais calculados em relao aos que procuram assistncia especfica (55 e 61 como totais)

    Um aspecto que pode exercer influncia sobre esses ndices a realidade de cada regio, ou seja, enquanto o distrito de AA (unidade com PSF) tem em mdia 1 UBS para cada 15.887 habitantes, o distrito de CD (unidade sem PSF) tem em mdia 1 UBS para cada 47.500 habitantes, o que resulta numa maior demanda reprimida para essa regio, levando parte da populao a buscar outras alterna-tivas de atendimento. Outro fato a ser considerado que a implantao do SUS no municpio de So Paulo ainda recente, e que a poltica de sade an-terior, centrada na doena e no modelo hospitalar privativista, teve uma forte influncia na atitude da populao no enfrentamento de seus problemas de sade. Tambm importante ressaltar a organizao

    da sade no modelo com PSF, que trabalha com o princpio da territorializao facilitando o acesso e o vnculo da unidade com o usurio.

    A procura por um servio de sade pela po-pulao depende no s do acesso geogrfico, mas tambm da forma como so recebidos pela unidade, da fama do servio na comunidade e da sua capaci-dade de resoluo dos problemas de sade.11 Assim, segundo os autores, as experincias dos usurios em relao recusa de atendimento para procura do dia e da baixa resolutividade dos servios, tm levado a uma inverso do sistema, elevando a ocupao de servios de urgncia/emergncia com problemas de sade, cuja resoluo deveria ocorrer no mbito da ateno bsica.

    Tabela 4 - Distribuio das crianas estudadas segundo algumas variveis relacionadas ao sistema de referncia dos servios, por unidade de sade. So Paulo, 2003.

    VariveisUnidade de Sade

    sem PSF com PSF Total pFoi encaminhado a outro servioNo 81 (87,1%) 62 (65,3%) 143 (76,1%) 0,001a

    Sim 11 (11,8%) 32 (33,7%) 43 (22,9%)No sabe 1 (1,%) 1 (1,1%) 2 (1,1%)

    Conseguiu atendimento pelo encaminhamentoNo 1 (9,1%) 2 (6,2%) 3 (10,0%) 0,317b

    Sim 9 (81,8%) 30 (93,7%) 39 (90,7%)No sabe 1 (9,1%) - 1 (2,3%)

    a Teste qui-quadrado entre as variveis sim e nob Teste exato de Fisher entre as variveis sim e no

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    Tendo em vista que a resoluo final dos pro-blemas de sade muitas vezes implica no adequado funcionamento do sistema de referncia/contra-refe-rncia, o qual deve absorver as demandas regionais e ter como porta de entrada a ateno bsica, estudou-se esta varivel a partir dos encaminhamentos realizados e da garantia ou no de atendimento (Tabela 4).

    Constatou-se que o percentual de encami-nhamentos da unidade com PSF foi maior (33,7%) em relao unidade sem PSF (11,8%), diferena estatisticamente significativa (p

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    Um outro aspecto relacionado resoluo dos problemas de sade a dimenso econmica, ou seja, os custos que o usurio pode ter com servios ou insumos no disponveis no sistema. Dentre os custos mais comumente assumidos pelos usurios, na tentativa de solucionar seus problemas de sa-de, est a compra de medicamentos. Na Tabela 4, verifica-se que a prescrio de medicamentos foi semelhante nas duas unidades, 65,9% na unidade sem PSF e 79,7% na com PSF, porm quando se analisa a obteno do medicamento prescrito como parte importante para a resoluo do problema, constata-se que na unidade com PSF, proporo sig-nificativamente maior dos usurios (52,9%) obteve o medicamento na prpria unidade.

    Dados de estudo transversal, desenvolvido em dois servios da rede de assistncia primria sade da cidade de Pelotas - RS, mostraram que 55,7% das consultas em assistncia primria resultaram em prescrio de medicamentos, proporo inferior aos 74,1% encontrados neste estudo. Os autores consta-taram tambm que usurios que obtiveram toda ou parte da medicao no prprio posto apresentaram probabilidade 33% maior de melhora ou soluo do problema de sade nos quinze dias subseqentes consulta, e entre as variveis independentes estuda-das, a resoluo do problema foi dependente apenas da oferta de medicamentos.12

    Em estudo similar realizado em duas unidades de pronto atendimento, observa-se que o fator mais importante, atribudo pela clientela para a resoluo do problema que motivou a procura pelo servio, foi a medicao recebida ou aplicada na prpria unidade.13 Ao analisar os fatores referidos como motivo de no melhora do problema de sade, o medicamento tambm foi apontado como fator pre-ponderante, mostrando uma valorizao exacerbada da teraputica medicamentosa pelo usurio.

    Avaliao da integralidade da ateno na pers-pectiva de gestores da sade mostrou que realmente o PSF propicia a ampliao do acesso, liberando uma demanda reprimida, porm isso implica no desafio de ampliar a comunicao e a resolubilidade dos servios ofertados.14

    Em pesquisa de abordagem qualitativa que analisou a integralidade na assistncia sade da mulher, constata-se que a efetividade do princpio da integralidade, de forma universal, est muito distante de ser atingida.15

    No presente estudo, a anlise dos resultados

    sugere que o princpio da integralidade est mais pre-sente no campo das idias. Porm, no campo efetivo das prticas de atendimento, muito pouco se avanou em direo a esse princpio. Observa-se, de forma mais evidente no modelo tradicional, a permanncia da l-gica hegemnica do modelo biomdico individual.

    CONSIDERAES FINAISObservou-se que o acesso as consultas foi

    bastante dificultado, tanto na unidade de sade que presta assistncia no modelo tradicional, quanto naquela que utiliza a nova estratgia assistencial. Esse resultado indica que a incorporao do prin-cpio da integralidade na prtica, requer primeiro a garantia do acesso aos servios, que mesmo na unidade com-PSF, no tem sido garantido para a populao de seu territrio.

    Por outro lado, embora a avaliao da inte-gralidade venha associada ou mesmo confundida com medidas de acesso, o conjunto de aes ofertado num sistema de sade s ter efetividade na medida de sua utilizao [...]; da mesma forma que no interessa ter acesso a cuidados parcelares e descontnuos. Ou seja, na realidade, o que vale a pena verificar se est ocorrendo acesso a um sistema com cuidados integrais.6: 1420

    O sistema de referncia e contra-referncia, embora deficiente, mostrou-se mais articulado na unidade com PSF, da mesma forma que o acesso a medicamentos, apontando para uma prtica mais facilitadora, o que no significa que essa dimenso da integralidade esteja totalmente implementada nesse modelo assistencial.

    Com relao questo da universalidade de acesso, h que se considerar a seletividade da cliente-la atendida no modelo com PSF, o que de um lado, garante acesso para alguns, porm por outro, no responde a uma questo fundamental colocada na atual sociedade brasileira, a excluso social reflexo da poltica neoliberal no pas. Sabe-se que a natureza dos servios de sade, pblica ou privada, j por si s promotora de grandes desigualdades no acesso e utilizao de servios. Assim, papel do Estado ge-rar polticas pblicas mais inclusivas e no reforar no seio do Estado, polticas que promovam a seleti-vidade do acesso. De fato, parece que permanecem como desafios importantes na arena da construo do SUS, a mudana de modelos assistenciais que contemplem o acesso aos servios de sade e a pr-tica da integralidade da ateno.

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    REFERNCIAS1 Leal LN. Reduzir desigualdade social ser a maior

    tarefa. O Estado de So Paulo. 2002 Jul 14; A-7.2 Presidncia da Repblica (BR), Casa Civil. Constituio

    da Repblica Federativa do Brasil de 1988 [acesso em 2007 Jun 20]. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiao.htm

    3 Conill EM. Polticas de ateno primria e reformas sanitrias: discutindo a avaliao a partir da anlise do Programa de Sade da Famlia em Florianpolis, Santa Catarina, Brasil, 1994-2000. Cad. Sade Pblica 2002; 18 (Supl): 191-202.

    4 Mattos RA. A integralidade na prtica (ou sobre a prtica da integralidade). Cad. Sade Pblica 2004 Set-Out; 20 (5): 1411-6.

    5 Silva Junior AG. Modelos tecnoassistenciais em sade: o debate no campo da sade coletiva. So Paulo (SP): Hucitec; 1998.

    6 Conill M. Avaliao da integralidade: conferindo sentido para os pactos na programao de metas dos Sistemas Municipais de Sade. Cad. Sade Pblica 2004 Set-Out; 20 (5): 1417-23.

    7 So Paulo. Secretaria Municipal de Sade. Implantando o Programa de Sade da Famlia no Municpio de So Paulo: Balano de 20 meses [documento na Internet]. So Paulo: Prefeitura Municipal de So Paulo; 2002 [citado 2007 jun 29]. Disponvel em: http://www.opas.org.br/servico/arquivos/Destaque825.pdf

    8 Siegel S, Castellan Junior NJ. Nonparametric statistics:

    for the behavioral sciences. 2nd ed. Boston: McGraw Hill; 1988.

    9 Unglert CVS. Territorializao em sistemas de sade. In: Mendes EV, organizador. Distrito Sanitrio. So Paulo (SP): Hucitec; 1995.

    10 Saito RXS. Sistema nico de Sade: da teoria prtica da integralidade [dissertao]. So Paulo (SP): Escola de Enfermagem da USP/Programa de Ps-Graduao em Enfermagem na Sade do Adulto; 2004.

    11 Ramos DD, Lima MADS. Acesso e acolhimento aos usurios em uma Unidade de Sade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad. Sade Pblica 2003 Jan-Fev; 19 (1): 27-34.

    12 Halal IS, Sparrenberger F, Bertoni AM, Ciacomet C, Seibel CE, Lahude FM, et al. Avaliao da qualidade de assistncia primria sade em localidade urbana da Regio Sul do Brasil. Rev. Sade Pblica 1994 Abr; 28 (2): 131-6.

    13 Tanaka OU, Rosenburg CP. Anlise da utilizao pela clientela de uma Unidade Ambulatorial da Secretaria da Sade do Municpio de So Paulo, SP (BRASIL). Rev. Sade Pblica 1990 Fev; 24 (1): 60-8.

    14 Kantorski LP, Jardim VMR, Coimbra VCC, Oliveira MM, Heck RM. A integralidade da ateno sade na perspectiva da gesto no municpio. Texto Contexto Enferm. 2006 Jul-Set; 15 (3): 434-41.

    15 Ximenes Neto FRG, Cunha ICKO. Integralidade na assistncia mulher na preveno do cncer crvico-uterino: um estudo de caso. Texto Contexto Enferm. 2006 Jul-Set; 15 (3): 427-33.

    A prtica da integralidade em modelos assistenciais distintos...