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    ESTADO ISLMICO: UM ERRO DE CLCULO

    Estado Islmico: um erro de clculo que est a sair caroa todos

    21 Novembro 2015

    Nuno Andr Martins

    Subestimado pelas potncias externas, armado pelos EUA e aliados rabes, temcrescido com a guerra na Sria e da falta de entendimento sobre o futuro deAssad. A culpa do crescimento do EI? De todos.

    Quando na sexta-feira, dia 13 de novembro, um grupo de terroristas afiliados aoEstado Islmico levou a cabo seis ataques coordenados na capital francesa, eprovocou a morte a 130 pessoas, muitos viram este dia como o de setembrofrancs. A reao imediata foi uma caa ao homem, uma declarao de guerrainequvoca da parte do Presidente francs e ataques areos, menos de dois diasdepois, capital do movimento terrorista na Sria, Raqqa.

    Mas a guerra no comeou a 13 de novembro. H mais de um ano que Franaatacava posies do Estado Islmico no Iraque e h dois meses comeou a faz-lona Sria. Os Estados Unidos esto no terreno h anos. Os avies russos fazemataques areos desde outubro e a Turquia intensificou a ofensiva, depois de umatentado suicida imputado ao Estado Islmico ter provocado a morte a 102pessoas.

    Com tantos inimigos em comum, o Estado Islmico parece continuar a crescer eem 2014 foi a segunda organizao mais mortfera em ataques terroristas, maisde 6000 pessoas mortas, apenas superada pelo grupo terrorista nigeriano BokoHaram. Em combate, foi de longe a mais mortfera, sendo atribudas a este grupomais de 20 mil mortes. Mas afinal, que guerra esto a travar os inimigos doEstado Islmico na Sria? Para entender, preciso recuar ao incio da instabilidadena Sria e s divises tnicas no Mdio Oriente.

    De protestos adolescentes guerra civil

    Depois de um grupo de adolescentes ter sido detido e torturado pelas foras doregime srio, grandes manifestaes pr-democracia invadiram a cidade de Deraa,no sul da Sria, em maro de 2011. O resultado foi o pior possvel: as foras desegurana abriram fogo contra os manifestantes.

    O massacre no deteve os manifestantes, apenas colocou mais achas na fogueira.Os protestos que estavam limitados a Deraa passaram a ser nacionais e exigiama demisso de Bashar al-Assad. Trs meses depois, j eram centenas de milharesde pessoas nas ruas a pedir a sada do ditador e a represso do regime levou aque muitos dos apoiantes da oposio comeassem a pegar em armas. Emprimeiro lugar para se defenderem. Eventualmente para expulsar as foras doregime das suas localidades.

    Com a escalada da violncia, os opositores do regime comearam a organizar-se eformaram foras que passaram a lutar pelo controlo das cidades, localidades e atdas zonas rurais. A violncia alastrou-se de tal forma que chegou capital,Damasco, e segunda cidade da Sria, Aleppo, no ano seguinte.

    A juntar a uma j explosiva situao, em agosto de 2013, com um grupo deinspetores das Naes Unidas na Sria para investigar o uso de armas qumicaspelo regime, o regime srio atacou a cidade de Ghouta. No ataque, concluiu a

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  • ONU, foram usadas armas qumicas, com gs sarin.

    Os ataques em Ghouta

    Os inspetores das Naes Unidas chegaram a Damasco a 18 de agosto, a convitede Bashar al-Assad, para investigarem alegaes de que o regime estaria a usararmas qumicas contra os seus opositores. Trs dias depois, o Exrcito srioatacou trs regies, a apenas 12 quilmetros do local onde estavam osinspetores: Ghouta, Zamalka e Ein Tarma.

    Uma semana aps os ataques, os inspetores visitaram os locais e concluram, deacordo com a investigao divulgada em meados de setembro, que existiamprovas claras e convincentes de que foram usados msseis com gs sarin, queparalisa os msculos dos pulmes e provoca a morte por asfixia quaseinstantnea a quem o inalar. Mesmo uma pequena dose fatal.

    A ONU exigiu de imediato o cessar-fogo na regio

    Os poderes ocidentais exigiram a destituio de Assad e o presidente srio viu-sea braos com a possibilidade de uma interveno norte-americana, mesmoatribuindo aos rebeldes a responsabilidade pelo uso deste tipo de armamento.

    Os protestos tinham virado guerra civil e, em junho de 2013, as Naes Unidas jestimavam que mais de 90 mil pessoas tivessem morrido no conflito. Em 2014,este nmero saltou para 250 mil.

    Mas no centro da disputa e na ausncia de resoluo do problema esto doisconflitos de maior dimenso, um mais local, outro quase mundial: uma disputatnica, entre sunitas e xiitas, e uma luta pela influncia no Mdio Oriente, queenvolve quase todas as maiores potncias do mundo.

    Os erros no Iraque

    Os erros que permitiram o crescimento do grupo terrorista Estado Islmico nopodem ser imputados a uma parte apenas. E no comearam na Sria. Sucessor daresistncia guerra no Iraque como brao da Al-Qaeda na regio, o grupo foi noapenas subestimado, como alimentado pela estratgia norte-americana neste pasaps a invaso de 2003, que levou queda de Saddam Hussein.

    Antes de mais, a queda de Saddam Hussein levou a uma mudana de regime e subida dos xiitas ao poder. A deciso norte-americana de tentar reconstruir oExrcito iraquiano, afastando os lderes na altura de Saddam para evitar quealiados do antigo regime sunita prejudicassem os esforos, criou dois problemas,que em muito ajudaram ao crescimento do Estado Islmico.

    Com um regime de origem xiita, tambm ele repressivo, no poder, e ao sentirem-se excludos de uma soluo a que se juntou a violncia na regio, os sunitascomearam a juntar-se resistncia e tornaram-se um grupo frtil para osesforos de recrutamento do Estado Islmico.

    Em segundo lugar, o novo exrcito iraquiano, para alm de treinado, foi tambmequipado pelos norte-americanos. Quando os Estados Unidos achavam que tinhamreduzido o grupo a uma presena residual na regio (ainda como Al-Qaeda doIraque),uma ofensiva do grupo venceu um mal preparado e frgil exrcitoiraquiano e tomou posse do armamento norte-americano, o que permitiu dar umpoder de fogo s suas tropas de incomparvel dimenso e obter artilharia pesada.

    A Rssia tem sido o principal obstculo sada de Assad e a sua intervenocontra o Estado islmico pode ser a chave para que Assad se consiga manter nopoder

    A ameaa deste grupo no era desconhecida do Exrcito norte-americano, mas foiignorada pelos seus poderes. Num relatrio de 2012, que foi desclassificado emmaio deste ano, da autoria do Departamento de Defesa norte-americano sobre asituao no Iraque, os responsveis avisam que o Estado Islmico do Iraque [suaprimeira designao] pode declarar um Estado Islmico atravs da sua unio comoutras organizaes terroristas do Iraque e da Sria, que iriacriar um srio perigono que diz respeito unificao do Iraque e proteo do seu territrio.

    O mesmo relatrio aponta que existia o risco de ser estabelecido um principadosalafista (ultra-conservador e ortodoxo, mais prximo da Arbia Saudita emtermos de interpretao do Islo) na zona este da Sria, em Hasaka e Der Zor.

    O relatrio no s foi ignorado, no que ao Estado Islmico diz respeito, comoavana ainda pistas sobre as intenes das naes que apoiavam a oposio aBashar al-Assad, dizendo que o estabelecimento deste Estado exatamente oque querem os poderes que apoiam a oposio, de forma a isolar o regime srio,

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  • considerado o foco da expanso xiita no Iro e no Iraque.

    Estado Islmico consolida o seu poder

    Depois das derrotas que sofreu em 2006 e 2007, o Estado Islmico acabou porganhar fora nos conturbados territrios do norte e leste da Sria, que caram nasmos dos rebeldes que lutavam contra Bashar al-Assad. A partir de 2013 essafora cresceu ainda mais, em especial com a tomada de Raqqa, a cidadeconsiderada como capital do entretanto autoproclamado Estado Islmico. Comoparte da coligao de grupos rebeldes mais radicais que combatiam o regime srio,o Estado Islmico comeou aos poucos a dominar os restantes grupos rebeldes ea executar todos os que lhe fizessem frente.

    Fossem infraes viso estrita que tm do Islo, ou simples vontade dedomnio, a verdade que a brutalidade dos mtodos do Estado Islmico levou aAl-Qaeda a excluir o grupo das suas fileiras.

    Consolidado o poder na parte norte e este da Sria, com Raqqa como cabea decartaz do Estado que querem impor, o grupo avanou para a tomada de Mossul, asegunda maior cidade do Iraque. Com a cidade tomada, os terroristas ficaram naposse de milhes de dlares nos cofres dos bancos, das bases militaresiraquianas, expulsaram a polcia e comearam a executar polcias, polticos etodos os seus opositores, deixando nas ruas os corpos dos assassinados eimpondo a sua verso da lei islmica.

    A ameaa deste grupo, aliada ao choque provocado pelos mtodos brutais queutilizam para exigir a retirada das tropas estrangeiras da regio (como adecapitao de vrios refns, entre eles o jornalista James Foley), levoufinalmente interveno dos Estados Unidos.

    EUA comeam interveno militar

    A expanso considervel do EI no Iraque e a presso pblica dos vdeosdivulgados da decapitao dos refns norte-americanos, levou intervenonorte-americana contra o Estado Islmico no Iraque apenas em setembro de 2014.

    No entanto, a questo sria levou a que a interveno contra o Estado Islmicofosse desenhada de uma forma que veio a revelar-se catastrfica. Aps ainvestigao dos inspetores das Naes Unidas, que concluiu que Assad teriausado armas qumicas contra os opositores do regime, Barack Obama ameaoucom a interveno militar para depor o regime srio. A Frana declarou de imediatoo seu apoio destituio de Assad e estava pronta para avanar com os norte-americanos na Sria, mas a oposio da Rssia e do Iro a esta soluo, assimcomo os fantasmas recentes do custo da guerra no Iraque, fizeram Obama recuar.

    A soluo encontrada na altura foi destinar 500 milhes de dlares ao treino deuma fao moderada de rebeldes na Sria e ao seu armamento: o Exrcito Livre daSria, composto por vrias faes tnicas e com desertores das foras armadas doregime srio, que tinham como objetivo combater o Estado Islmico, mas no oregime de Bashar al-Assad.

    A falta de disciplina do grupo e as suas guerras internas levaram a uma quasedesintegrao do grupo. A tentativa de criar uma nova fora armada dentro daSria falhou, e parte do seu equipamento militar, fornecido por norte-americanos,foi parar s mos de grupos extremistas, como a Frente al-Nusra, afiliada da Al-Qaeda.

    Durante este perodo, o Estado Islmico continuou a crescer, e s os gruposextremistas como a Al-Qaeda eram eficazes a combater o entretantoautoproclamado califado. A estratgia norte-americana mudou recentemente, comObama a anunciar que ia deixar de tentar criar uma nova fora no terreno e passara apoiar os grupos rebeldes j no terreno.

    Um dos ataques levados a cabo pelo regime srio enquanto os inspetores dasNaes Unidas se encontravam em Damasco para investigar alegaes de uso dearmas qumicas.

    A disputa Iro Arbia Saudita pelo controlo da regio

    No eram s os Estados Unidos que estavam envolvidos na contenda. No meio dadisputa sobre o poder na Sria, desenvolveu-se uma luta pelo poder na regio queacabou por ajudar o Estado Islmico.

    A balana do poder no Mdio Oriente estava mais equilibrada que nunca. Algunsdos aliados dos Estados Unidos, como a Arbia Saudita, os Emirados rabesUnidos e a Turquia, queriam a sada de Assad, Assad era apoiado pelo Iro, quepor sua vez encabeava o grupo de pases com liderana xiita e financiava os

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  • grupos xiitas na regio.

    Uma disputa com 1400 anos

    A sucesso do profeta Maom, alegadamente em 632, criou uma das maiores emais perigosas divises no Islo. Um grupo achava que o sucessor devia serescolhido entre os seus mais prximos seguidores. Outro defendia que tinha deser descendente do profeta.

    Um grupo de seguidores proeminentes, que veio a evoluir para o que so hoje ossunitas, escolheu Abu Bakr, companheiro de Maom, como o primeiro califa older da comunidade islmica -, contra as objees de quem favorecia Ali ibn AbiTalib, primo e afilhado de Maom. Os xiitas cujo termo deriva de seguidores deAli acreditavam que Ali e os seus descendentes faziam parte de uma ordemdivina. Sunistas que significa seguidores da sunna, ou caminho, de Maom,opunham-se a este tipo de sucesso.

    Ali tornou-se califa em 656, mas foi assinado apenas cinco anos depois. Ocalifado passou para as mos dos sunitas, mas os xiitas rejeitavam estes lderese em 658, os soldados do segundo califa, Umayyad, mataram o filho de Ali,Husayn, com receio de que ele chegasse ao poder em Karbala. Este veio a revelar-se um momento decisivo para a criao da identidade destas duas correntes.Hoje, mais que uma disputa pela liderana, a diviso entre sunitas e xiitas umadiviso de identidades profundamente diferentes.

    Como o prprio vice-presidente dos Estados Unidos veio admitir embora aArbia Saudita rejeite liminarmente o desejo destes trs pases de ver Basharal-Assad fora do poder era de tal ordem, que comearam a armar os gruposrebeldes que o estavam a combater na regio.Muito do armamento, segundo osnorte-americanos, ter ido parar s mos da Al-Qaeda na regio, mas no s,tambm foi parar ao Estado Islmico.

    Do lado do Iro, o apoio a grupos xiitas que tentam manter Assad no poderenfraquecem uma parte da oposio que estar precisamente a combater o EstadoIslmico na Sria. A isto junta-se o apoio da Rssia, que comeou os ataquesalegadamente contra o Estado Islmico em outubro, mas que segundo os norte-americanos no tem atacado alvos desse grupo terrorista, mas sim os mesmosopositores do regime que tambm esto a tentar combater o Estado Islmico,correndo o risco de aumentar ainda mais as fileiras do Estado Islmico comoltimo reduto para os sunitas.

    O papel da Turquia

    Acusada de ser muito permissiva no que diz respeito s suas fronteiras com aSria por onde as autoridades internacionais acreditam que passam grandeparte dos estrangeiros que se juntam ao Estado Islmico e por onde passarotambm alguns dos alegados jihadistas que tero mo nos atentados na Europa a Turquia decidiu tambm atacar o Estado Islmico, em especial depois doatentado imputado ao movimento que provocou a morte a mais de 100 pessoasem Ancara no ms passado.

    No entanto, o presidente Reep Tayip Erdogan tem reavivado uma longa disputacontra os curdos e no meio dos ataques areos, os rebeldes curdos, que tm sidodos mais eficazes a combater o Estado Islmico, estaro a ser tambm visados.

    Publicado no Observador, Portugal

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