William McGrath - Os Anabatistas

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Pequeno resumo (em espanhol), sobre o Movimento anabatista

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Os anabatistas nem catlicos, nem protestantes

So todos cristos, catlicos ou protestantes?

Por acaso os reformadores restauraram uma igreja bblica?

Os reformadores promoveram a liberdade de religio?

Nota: Esclarecemos que quando usamos a expresso Igreja (com a letra I maiscula) nesta obra, nos referimos a Igreja institucional, ou seja, nos referimos aos impressionantes (aos olhos humanos) corpos de cristos professos. At que ponto a Igreja institucional coincide com a pura e indefesa igreja (com a letra i minscula), isso ns deixaremos nas mos de Jesus.

O ttulo deste livro pode parecer estranho a um leitor que tenha a opinio comum, mas, errnea , de que somente existem dois tipos de cristos: os protestantes e os catlicos. A principio, a expresso protestante se aplicou a um grupo de prncipes alemes dos primeiros anos do sculo XVI que quiseram resolver os assuntos religiosos de seus prprios territrios da maneira que fosse mais conveniente e sem nenhuma interferncia de Roma ou de qualquer outra autoridade superior. Quando o imperador negou-lhes este direito, eles protestaram e insistiram em converter a igreja que estava nos seus territrios, em um departamento do governo. Devido ao fato de que a maioria destes prncipes professavam a doutrina reformada ( ou seja, eles estavam a favor dos ensinos de Lutero e de Calvino, diferentes dos ensinos da Igreja Catlica Romana ), o nome aplicado a eles ( protestantes) chegou a ser aplicado geralmente ao partido e ao programa dos famosos reformadores. No entanto, muitas igrejas evanglicas na atualidade rejeitam o nome de protestantes e no desejam ter nenhuma relao com este nome.

De fato, muitos cristos piedosos que viveram durante a poca dos reformadores, no s rejeitaram o nome, mas, tambm repudiaram muitos dos ensinos dos prprios reformadores famosos! Seria oportuno ento perguntar-nos: Por que eles se negaram a identificar-se com o movimento protestante ? Podemos encontrar a resposta a esta pergunta num estudo breve da histria da igreja.

Para compreender por que os anabatistas se negaram a identificar-se com o protestantismo, ns devemos compreender os problemas que estavam por detrs de todo o movimento da Reforma do sculo XVI.

A Igreja Catlica se encontrava numa condio muito decadente. Ela tolerava muitos abusos no bblicos e inclusive os defendiam dogmaticamente por meio de seus sacerdotes e papas. Ao examinarmos de forma minuciosa o panorama da poca, encontramos oito violaes flagrantes da Escritura que pediam a gritos para serem corrigidas:

1. O sistema das indulgncias. A Igreja Catlica afirmava ter o direito de eximir as pessoas do castigo de seus pecados e inclusive de libertar os seus entes queridos dos fortes castigos do purgatrio, se eles fizessem certo sacrifcio (que em geral era o pagamento de alguma soma de dinheiro por um certificado de indulgncia emitido pela Igreja). Esta prtica se fez to corrupta que at inclua uma licena prvia para pecar em troca de uma soma de dinheiro.

2. O sistema de penitncia, a confisso e as boas obras meritrias. Era ensinado aos catlicos que a Igreja podia perdoar os pecados se as pessoas os confessassem a um sacerdote e logo cumprissem com as penitncias que lhes fossem indicadas, tais como jejuar por um perodo de tempo ou dar dinheiro aos pobres.

3. A adorao dos santos, de Maria e das imagens ou relquias. Era ensinado s pessoas comuns que elas poderiam assegurar-se da intercesso com Deus por meio da reza e da petio Maria e aos santos, assim como, que Deus se agradava da venerao das imagens, das relquias (recordaes dos santos mortos) e das rezas pelos mortos.

4. A magia sacramental. A Igreja ensinava que as guas do batismo devidamente administradas, faziam nascer de novo as crianas (e que uma criana que morresse sem semelhante tratamento, nunca poderia ver a Deus) e que o po e o vinho da comunho, eram realmente o corpo e o sangue de Cristo, em lugar de ser simplesmente smbolos para recordarmos o seu sacrifcio.

5. O monaquismo, o celibato e o ascetismo. A Igreja apoiava um duplo padro de vida crist: um padro muito estrito para os monges, sacerdotes e monjas e outro padro muito menos exigente para os leigos, devido a teoria de que somente uns poucos eram chamados para ser discpulos e que por meio de suas vidas piedosas, eles poderiam expiar os pecados dos membros comuns. Este sistema desenvolveu muitos abusos imorais.

6. O sistema sacerdotal, que sustentava que os bispos e papas tinham a autoridade de interpretar e anular a autoridade das Escrituras. Isto trouxe como resultado o auge de uma hierarquia infalvel, ou seja, uma mquina eclesistica que inventava as suas prprias leis e definia como herege a todos os dissidentes, convertendo o sacerdote em intercessor entre Deus e o homem, tirando isto de Jesus ou tornando-o acessvel somente por meio do servio do sacerdote.

7. O uso de violncia fsica nos assuntos religiosos. A Igreja Catlica impunha a fora ao torturar, encarcerar, perseguir e fazer com que o estado matasse ou exilasse aquelas pessoas cujas conscincias e f no estivavam em conformidade com Roma.

8. Uma Igreja das massas. Todo aquele que fosse batizado sendo criana, era automaticamente um membro, sem tomar em conta se era nascido de novo e se vivia ou no a vida crist. Os membros da Igreja consistiam em toda a populao do estado.

Estas oito violaes flagrantes da Escritura, constituam o problema fundamental que enfrentava qualquer reforma. Qualquer reformador teria que enfrentar a cada um destes oito aspectos e restaurar a Igreja verdade bblica em cada rea de corrupo.

Por ltimo, mas, no para ser passado por alto, estava a posio econmica e social da Igreja na sociedade medieval: a Igreja era dona de mais de um tero de todos os bens naturais na Europa e cobrava um tributo anual obrigatrio de cada pessoa, quer fosse uma pessoa de posio ou no, processando assim, para Roma, enormes somas de dinheiro de todos os pases. As homenagens polticas e os impostos eram exigidos dos reis e dos prncipes sob a ameaa de excomunho e de revoluo, sendo que a Igreja mantinha as suas foras militares bem armadas e inclusive contratava exrcitos para fazer cumprir as suas decises. A Igreja dirigia cruzadas contra os governantes desobedientes, os hereges e contra os pases pagos que pareciam maduros para a conquista e o saque. A Igreja era um super estado que tinha em seu poder, tanto os grandes como os insignificantes governantes da Europa.

A medida que o nacionalismo comeou a desenvolver-se, os governantes e os membros da nobreza queixavam-se mais e mais do super poder nacional e internacional e da interferncia imperialista da Igreja e comearam a desejar coisas tais como: os impostos que saiam de suas terras para Roma, nomear seus prprios membros do clero(que obedeceriam diretamente a seus reis e prncipes, no lugar de obedecer a Roma) e confiscar e saquear as grandes propriedades da Igreja (para nacionaliz-las do mesmo modo como os negcios estrangeiros so geralmente nacionalizados hoje nos pases latino-americanos). Uma verdadeira reforma teria que ser aquela que no somente corrigisse os abusos religiosos, mas tambm, que destrusse o poder de Roma (ou de qualquer outra Igreja), de interferir nos assuntos internos de qualquer nao. As condies estavam no ponto para a revoluo e para a mudana. Tudo o que faltava era um lder religioso que providenciasse a teologia para a nacionalizao e que se apossasse do entusiasmo popular. Semelhante lder logo apareceria.

Martinho Lutero comeou a sua carreira na reforma, sem ao menos aperceber-sedas enormes conseqncias de seus atos. Pode-se determinar quatro perodos em sua vida e obra:

1. O Lutero jovem e liberal que se pronunciou pela liberdade e monopolizou a ateno popular pela sua posio valente a favor da liberdade de conscincia contra a escravido e a coao papal.

2. O Lutero posterior, desiludido pela onda de revoluo econmica e social e pelo auge do fanatismo religioso radical; o Lutero que vacilou entre duas opinies: se fundar uma igreja composta somente de nascidos de novo ou se simplesmente tratar de manter intacto o tecido da sociedade medieval por meio de outra Igreja das massas, a qual seria controlada por um prncipe no lugar do papa.

3. O Lutero adaptvel, desalentado pela propagao do fanatismo e da revoluo econmica, que adaptou as necessidade da sua Igreja s exigncias polticas, sacrificando a conscincia pela convenincia, ganhando a amizade dos prncipes e dos membros da nobreza e falando severamente contra os camponeses rebeldes.

4. O Lutero socialmente conservador que conferiu ao prncipe piedoso e ao poder civil, aquela autoridade que anteriormente havia reclamado a Igreja de Roma.[1] Toda nossa simpatia pertence ao jovem Lutero que queimou a bula papal de excomunho e o livro da lei cannica, repudiando assim o sistema papal no seu conjunto com toda a autoridade feita pela mo do homem, o jovem Lutero que disse: Aqui estou. No posso fazer nada mais, j que nem seguroe nem correto ir contra a conscincia. Ajude-me Deus. Lutero esperava morrer como um mrtir. No entanto, ele ia viver e mudar, para com o tempo, sugerir que outros homens deviam ser executados por causa de suas conscincias.

A vida e a obra de Lutero similar em muitos aspectos a de outros grandes reformadores que comearam bem, clamando: De volta Bblia, mas que logo se deram conta que muito mais que a opinio religiosa estava em jogo em uma reforma radical. Um atrs do outro, gradualmente, foram comprometendo-se, inclinando-se mais e mais para os prprios interesses nacionalistas dos reis e prncipes e dos conselhos da cidade que desejavam livrar-se do jugo poltico e econmico da interferncia papal. Examinemos cada uma das oitos flagrantes violaes catlicas da Escritura e vejamos como os reformadores protestantes trataram cada uma delas.

Todos os reformadores famosos aboliram o sistema papal das indulgncias, enfrentando atrevidamente e com valentia, o primeiro grande abuso. Eles deram nfase no ensino da Bblia de que nenhuma Igreja tem o poder de conceder uma indulgncia para diminuir ou perdoar o castigo pelo pecado cometido ou de ajudar de qualquer maneira aos j falecidos e condenados. No entanto, lamentavelmente, a nfase dos reformadores protestantes em sola fide (a salvao por meio da f somente; s cr ), em geral foi entendido e praticado como um tipo de indulgncia protestante para pecar. O resultado foi que um sistema de indulgncias foi abolido somente para ser substitudo por outro.

Um telogo luterano moderno, Dietrich Bonhoeffer, escreveu sobre este resultado lamentvel e usa as seguintes Palavras, chamando a esta indulgncia protestante para pecar, pelo nome de graa barata: A graa barata a justificao do pecado sem a justificao do pecador. A graa faz tudo, dizem eles e, portanto, tudo pode ficar como estava antes.(...) O mundo continua na mesma forma antiga e ns ainda somos pecadores, inclusive aquele que vive melhor, como disse Lutero. Ento, pois, que o cristo viva como faz o resto do mundo, que se guiem pelos padres do mundo em cada esfera da vida e que no presuma que viver uma vida diferente debaixo da graa, daquela que foi a sua antiga vida debaixo do pecado. Essa foi a heresia dos entusiastas anabatistas ou os de sua classe (...) A graa barata a pregao do perdo sem requerer o arrependimento, o batismo sem a disciplina da igreja, a comunho sem a confisso, a absolvio sem a contrio. A graa barata a graa sem o discipulado, graa sem a cruz, graa sem Jesus Cristo, vivente e encarnado [no crente](...) Ns, os luteranos, nos ajuntamos como guias ao redor do cadver da graa barata e ali tomamos o veneno que tem matado a vida do seguidor de Cristo.

certo, com certeza, que pagamos a doutrina pura da graa divina, uma honra que no tem paralelos no cristianismo. Na realidade,ns temos exaltado tal doutrina at o mesmo nvel de Deus. Aonde quer que fosse, a frmula de Lutero era repetida, mas a sua verdade foi pervertida em um auto engano. Enquanto nossa Igreja mantiver a doutrina da justificao, no haver dvidas de que ela seja uma Igreja justificada! Isso foi o que eles disseram, pensando que devemos vindicar a nossa herana luterana ao fazer com que esta graa esteja ao alcance na forma mais barata e nos trminos mais fceis.

Ser luterano deve significar que deixamos 'o seguir a Cristo, aos que crem na lei absoluta de Deus, aos calvinistas e aos anabatistas'... e tudo isto pela graa. Nos justificamos ao mundo e condenamos como hereges a aqueles que trataram de seguir a Cristo. O resultado foi que uma nao se converteu em crist e luterana, mas, ao custo do verdadeiro discipulado. O preo ao qual estava chamado a pagar foi muito barato. A graa barata havia ganhado.[2] Estas Palavras to alarmantes no so de um adversrio de Lutero, mas, a confisso sincera de um telogo luterano moderno que v o colapso de semelhante protestantismo vazio na Alemanha nazista, onde a grande maioria dos membros da Igreja apostataram por seguir um ditador moderno anticristo, demonstrando que o cristianismo alemo era somente superficial.No obstante, no passaram quatrocentos anos antes que algum se desse conta deste tipo de cristianismo superficial. Os anabatistas, contemporneos de Lutero, imediatamente se aperceberam da falcia desta doutrina de s cr . Nos escritos dos anabatistas, podemos ler numerosas expresses tais como a seguinte, escrita por Menno Simons (um antigo lder anabatista):

Eles [os reformadores] consolam as pessoas com o ensino de que Cristo pagou pelos nossos pecados, que s a f deve ocupar a nossa ateno, que somos pobres pecadores e no podemos guardar os mandamentos de Deus. Estes e outros consolos similares fazem com que todos, de maneira egosta, busquem a liberdade da carne por meio da nova doutrina. Eles permanecem no caminho antigo e corrupto do pecado, numa vida sem mudanas, sem nenhum temor de Deus, como se nunca em suas vidas eles tivessem escutado uma slaba da Palavra do Senhor e como se Deus no castigasse a maldade e a injustia.[3]

Em geral, os estudiosos concordam que um dos frutos da Reforma foi uma decadncia inegvel na moralidade de toda Europa onde quer que a doutrina de s cr tenha se difundido entre as pessoas comuns. Menno Simons observou esta total deteriorao moral, com tristeza e indignao: No entanto, por meio da pregao de seu evangelho comprometedor, semelhante liberdade desordenada e imprudente to evidente em toda Alemanha que no se pode admoest-los pela sua franca falta de pudor, intemperana, blasfmias e juramentos, luxria e Palavras grosseiras sem ser obrigado a escutar que s um separatista, vagabundo, fantico, uma pessoa que cr que pode salvar-se por suas prprias boas obras, anabatista e outros trminos de reprovao e insulto.[4]

Ao analisar o segundo abuso evidente do catolicismo, uma vez mais nos regozijamos ao ver que a princpio os reformadores famosos rejeitavam completamente o sistema no bblico da penitncia, a confisso e as obras meritrias como uma expiao pelo pecado. No entanto, logo tambm se faz evidente, a medida que estudamos seus escritos e as prticas de seus seguidores, e ainda que eles aboliram as boas obras como meritrias ou capazes de expiar o pecado, nem sempre deixaram clara a verdade das boas obras como resultado da salvao e de permanecer em Cristo. Lutero substituiu a penitncia por um conceito pessimista quase doentio de pecado contnuo e arrependimento contnuo. Os anabatistas tambm rejeitaram este conceito ao consider-lo uma doutrina imoral, e ainda que ensinassem claramente a necessidade contnua do arrependimento e da humildade diante de Deus, eles no hesitaram em supor que era possvel viver a vida crist e que tambm era possvel para o crente nascido de novo obedecer aos mandamentos de Deus e ser agradvel diante dos olhos de Deus por meio de uma obedincia como a de uma criana (veja 1 Joo 3:22)

Um de seus versculos favoritos era 1 Pedro 3:21, o qual fala do batismo como a indagao de uma boa conscincia para com Deus. Um de seus tratados mais belos, Dois tipos de obedincia, enfatizava o fato de que na realidade existe uma obedincia legalista que servil, mas tambm existe a obedincia filial de um verdadeiro filho de Deus nascido de novo, para aquele que guardasse os mandamentos de Deus, que no eram pesados, mas sim, uma expresso de amor para o Pai. (Joo 15:10-11; 1 Joo 5:3). No lugar do conceito protestante do pecado contnuo e do arrependimento contnuo, os anabatistas enfatizavam o fato do poder de Deus que guarda, e a necessidade do discpulo nascido de novo de entregar-se Deus e de sempre estar disposto a confessar e afastar-se do pecado quando falhar. A medida que vemos estas coisas na histria da igreja, lembramos uma vez mais que destruir ou abolir uma falsa doutrina no o suficiente; tambm temos que assegurarmos a restaurao da verdadeira doutrina bblica. Ao evitar tanto o legalismo como o perfeccionismo radical e altivo, os anabatistas insistiram na obedincia como a de uma criana nas vidas dos discpulos nascidos de novo e no adotaram a opinio doentemente pessimista que sustentavam muitos dos reformadores.

Se uma s Palavra pudesse resumir a devoo e a prtica dos primeiros anabatistas, ns deveramos escolher a Palavra discipulado. Seu conceito de discipulado inclua uma resignao agradvel e prazerosa da alma para Deus em perfeito descanso e tranqilidade de corao, mesmo quando o mundo estivesse proferindo abusos, insultos, perseguies e ameaas. Esta resignao completamente diferente da resignao amarga de desespero que se deriva de uma entrega imprudente doutrina do s cr , omitindo-se do pecado que caracterizava uma grande parte da devoo e prtica protestante. O discipulado para os anabatistas inclua esse prazer profundo e agradvel da alma que descansa em Cristo, submetido com prazer e em paz como estando em um mar profundo de calma, quando existia por todas as partes, tribulao, sofrimento, rejeio e calnia. A isto se referiu nosso Senhor em Joo 16:22 e 33 : E a vossa alegria ningum vo-la tirar, e, Para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflies, mas tende bom nimo, eu venci o mundo.

a experincia preciosa de permanecer no Cristo e Cristo permanecer no crente, um vinculo de amor imperturbvel pelas circunstncias externas. Ao considerar a terceira rea dos abusos catlicos, o sistema de adorao de santos, as imagens e de Maria, nos alegramos ao ver que os reformadores famosos rejeitaram todos estes abusos e inclusive destruram, com grande zelo, as imagens, os vitrais coloridos de vidro, as pinturas, os altares e as esttuas. Zwinglio, Knox e Calvino foram especialmente zelosos com este tipo de iconoclastia. Eles expulsaram das igrejas todas as ajudas estticas para adorar; lanaram fora os instrumentos musicais, os coros e os ornamentos. No entanto, Lutero no foi to longe, mas, reteve muitas coisas da cerimnia da missa; as velas, os rgos e muitos outros artigos da adorao catlica.

Uma mudana bastante circunscrita, limitada, teve lugar nesta rea, ainda que posteriormente John Wesley tenha colocado em juzo a reforma incompleta na Inglaterra, acusando o mundanismo e o nacionalismo dos protestantes da seguinte forma : Por acaso, vocs esto mais livres da idolatria do que os papistas ? Na realidade, pode ser que a idolatria de vocs se manifeste de forma diferente. No obstante, quo pouco isto ajuda! Eles colocam seus dolos em suas igrejas; vocs colocam os seus dolos em seus coraes. Os dolos deles esto somente cobertos com ouro e prata, mas os seus, so de ouro macio. Eles adoram o retrato da rainha do cu e vocs adoraram o retrato da rainha ou do rei da Inglaterra.

Por outro lado, eles idolatram a um homem ou a uma mulher falecidos, enquanto que o vosso dolo ainda est vivo. h, quo pequena a diferena na presena de Deus! Quo pequena preeminncia tem o adorador de dinheiro em Londres sobre o adorador de imagens em Roma, ou aquele que idolatra um pecador vivo sobre aquele que ora a um santo falecido.[5]

Enquanto Lutero e muitos dos protestantes seguiram o princpio de rejeitar somente aquelas coisas que especificamente eram contrrias Escritura, os anabatistas, em geral, seguiram o princpio de rejeitar tudo o que no se mandava especificamente nas Escrituras. Este princpio no quer dizer que eles acreditavam que a igreja no tinha o direito de fazer aplicaes bblicas, mas, simplesmente que a igreja no tem o direito de introduzir prticas alheias e desnecessrias que no tenham fundamento bblico. lamentvel ver o quo facilmente as massas denominadas protestantes, mudaram da adorao dos santos para a adorao de heris, prncipes e a outros heris nacionais. Isto tambm idolatria, como Wesley destaca na citao anterior.

No podemos subestimar a influncia massificada do nacionalismo carnal na formao da Reforma protestante num pas aps outro. Num pas como a Inglaterra, onde o reformador foi o vil e imoral Henrique VIII, adltero, bbado e tirano, a Reforma tomou as dimenses de um simples saque nacionalista das riquezas e propriedades da Igreja Catlica. Voltando ao quarto grande erro catlico, ou seja, ao que se refere a magia sacramental, o ensino de que Deus deu sua graa regeneradora somente nas guas batismais administradas pelo sacerdote (em geral s crianas) e que Cristo realmente estava presente no po e no vinho da ceia do Senhor, nos desalenta saber que nenhum dos reformadores famosos repudiou o batismo de crianas nem a regenerao batismal. Quase todos eles em certo momento de sua carreira, questionaram a prtica, mas, um aps o outro, decidiu que seria necessrio reter esta doutrina e prtica no bblica.

A explicao que davam para isto que se o batismo de crianas fosse rejeitado e somente os crentes fossem admitidos ao batismo a partir da sua confisso voluntria de f, ento, isto resultaria numa igreja muito pequena. Se os membros fossem puramente voluntrios, ento, poucas pessoas se uniriam igreja; haveria somente uns poucos cristos e a sociedade despencaria. Isto foi o que os reformadores deveriam ter pensado. Eles optaram por uma igreja das massas, na qual todos os nascidos no pas eram batizados e automaticamente convertidos em cristos. Sabendo que as crianas no podem ter f, ento, esta era uma deciso muito pobre segundo a Escritura, mas era uma deciso tomada por convenincia poltica e social.

Domesmo modo, quanto aos emblemas da comunho, somente uma minoria dos reformadores optou contra a idia de que Cristo estivesse fisicamente presente e Lutero insistiu fervorosamente que os emblemas eram realmente Cristo. Assim, a Igreja consistia daqueles que estavam batizados como crianas, dos que estavam de acordo com a teologia dos reformadores (s cr) e dos que comiam e bebiam a Cristo ao celebrar a santa ceia. Os anabatistas rejeitaram completamente qualquer batismo que no fosse o batismo sobre a confisso de f e se negaram a considerar os emblemas da santa ceia como algo a mais do que apenas emblemas. De modo que os anabatistas repudiavam a magia cerimonial, enquanto que os protestantes estavam confundidos e divididos no assunto. Muitos deles acreditavam que Deus realmente concedia a graa somente por meio do sacramento e mediante a pregao correta da doutrina do s cr.

Em quinto lugar, devemos considerar se os reformadores reformaram ou no as instituies catlicas romanas do monaquismo, do celibato e do ascetismo. Ainda que atualmente certos setores do protestantismo tem revivido o monaquismo e o celibato como vocaes especiais para uma minoria especial, de modo geral os reformadores simplesmente deixaram de dar nfase num padro estrito para os eleitos junto um padro pouco exigente para as massas e o substituram por um padro pouco exigente para todos, conduzindo assim a uma deteriorao moral generalizada que j tnhamos notado nas Palavras de Menno Simons citadas anteriormente.

Na realidade, no ajudou muito a causa de Cristo o fato de destruir o duplo padro para em seguida, substitu-lo por algo que no era mais do que uma rejeio geral das leis absolutas de Deus. Os anabatistas rejeitaram tanto oduplo padro do catolicismo como o mundanismo contraditrio do protestantismo e restauraram um padro completamente bblico do discipulado para todos os filhos de Deus nascidos de novo. Onde os homens relaxaram os altos e sagrados padres do Novo Testamento, ensinando que os mesmo no se aplicam a todos os membros da igreja, ento, se perde inevitavelmente a disciplina e quando se perde a disciplina, tambm se perde o discipulado, o senhorio de Cristo e finalmente a prpria salvao.

Ao considerar o sexto grande abuso catlico, ou seja, aquele referente ao clericalismo e a autoridade dos papas, dos bispos e dos conselhos, somos encorajados pelo clamor dos reformadores de, de volta Bblia. No entanto, ao examinar os fatos, sua verdadeira piedade e prtica, nos desanimamos ao descobrir novamente uma traio da causa da verdadeira reforma. Ainda que uma das afirmaes dos reformadores era o conceito do sacerdcio de todos os crentes, o certo que eles definitivamente proibiram que algum pregasse e testemunhasse se no fosse ordenado pelo mquina poltica e eclesistica oficial. Algumas vezes Lutero atacou os pregadores no autorizados dos anabatistas, a quem ele com desprezo chamou de pregadores dos valados. Geralmente se fala que os reformadores introduziram a liberdade religiosa, mas os fatos demonstram que isto estava longe da verdade. Eles perseguiam a todos os que no estivessem de acordo com eles. Lutero, inclusive, insultava a outros reformadores que no estavam de acordo com ele. O historiador protestante, Hallam, reflete o conceito dos estudiosos imparciais quando escreve de Lutero:

Um dogmatismo desenfreado, baseado em uma confiana praticamente absoluta nainfalibilidade do seu prprio conceito, caracteriza os seus escritos. No semostra indulgncia alguma. No h lugar para incerteza, e qualquer coisa que se oponha a suas decises (os padres da igreja, os estudantes e filsofos, os cnegos e os conselhos) varrida numa srie de declaraes impetuosas. E tendo em conta que todo o contedo da Escritura, segundo Lutero, de fcil compreenso podendo entend-lo com prudncia, ento qualquer desvio da sua doutrina, incorre no antema da perdio. Numerosas passagens dos escritos de Lutero, mais do que insinuam que os seguidores de Zwinglio, assim como toda a Igreja de Roma e os anabatistas, foram excludos da salvao porque no acreditavam na doutrina correta.[6] Outro estudioso, John L. Stoddard, foi forado a chegar na mesma concluso devido aos preocupantes fatos na vida e nos escritos de Lutero.

muito comum dizer que Lutero inaugurou o direito livre investigao. Nada est mais longe da verdade. Ele falou respeito disso como uma razo para abandonar as tradies da Igreja, mas fez todo o possvel para trazer uma completa sujeio irrefutvel Bblia da forma como ele a interpretou.De modo que ele instituiu um Papa na pgina escrita, no lugar de um Papa de carne e sangue. Alm disso, visto que ele constituiu a s mesmo como o intrprete autoritrio da Bblia, ele praticamente proclamou-se infalvel. Um dos contemporneos de Lutero, Sebastian Frank, escreveu com um tom triste: At mesmo debaixo do domnio papal, tinha-se mais liberdade do que agora.[7] Esta intolerncia tirnica tampouco limitou-se a Lutero.

Todos os reformadores famosos a exibiram, desde Joo Calvino, que fez queimar na fogueira a Servet (seu adversrio teolgico) at Ulrico Zwinglio, que obrigou o seu antigo amigo Hubmeyer, a renunciar a sua doutrina e a sua firmeza de conscincia debaixo de tortura e ameaa de morte. Distante de restaurar o sacerdcio de todos os crentes e instituir uma nova liberdade religiosa, todos os reformadores famosos trataram de impor as suas prprias interpretaes por meio da fora e por intimidar os seus adversrios mediante ameaas para que guardassem silncio. Esta situao desafortunada trouxe como resultado, grandes ondas de perseguio e guerras civis devastadoras.

Finalmente, depois de tanta confuso e derramamento de sangue, se fez um esforo para conseguir certa paz por meio de um acordo. Adotou-se o princpio cujus regio, ejus religio (cada governante pode estabelecer sua prpria religio), segundo a qual, a religio do governante converter-se-ia na religio oficial do seu territrio. A liberdade de conscincia, diz a Enciclopdia Britnica, ficou assim estabelecida somente para os prncipes e seu poder tornou-se supremo tanto na religio como nos assuntos seculares.[8]

Este foi um princpio pouco animador que simplesmente deu ao crescente nacionalismo a sua carta de supremacia e assentou as bases para aquela espcie de estadismototalitrio e absoluto, que inclusive, na atualidade est dando frutos prejudiciais. Debaixo dos catlicos, os governantes tremiam diante da possibilidade da crtica e da interferncia da Igreja, mas, a Reforma transformou os governantes nos chefes das Igrejas em suas prprias terras, etoda crtica foi silenciada. No entanto, os anabatistas no s acreditaram no sacerdcio de todos os crentes, mas tambm o praticaram com coragem, e se presumia que cada membro testemunhasse do amor e do senhorio de Cristo e contra o pecado. Por conseguinte, eles foram acusados de traio, atividade subversiva e heresia. Foram quase aniquilados em perseguies sangrentas ordenadas pelos governantes que patrocinavam uma Igreja submissa ao estado...mas que no tolerava uma corajosa igreja dos profetas de Deus. Elestiveram o mesmo destino que teve Joo, o Batista, antes deles e pela mesma razo.

O stimo grande erro catlico era o sistema do uso do poder, da violncia e da imposio contra os que no estavam de acordo com Roma em termos religiosos. Os reformadores famosos no fizeram nenhum esforo para eliminar este terrvel princpio anticristo. Mas, ao contrrio, eles o exploravam ao mximo. Um historiador batista contemporneo narrou os fatos de maneira resumida : Todos os reformadores proeminentes, que to heroicamente libertaram a igreja da Igreja Catlica Romana e do Papa, impuseram s pessoas uma Igreja oficial de estado aonde quer que eles fossem, e a verdadeira igreja local soberana do Novo Testamento que estava a favor de uma liberdade religiosa absoluta, foi perseguida por estas Igrejas de estado dos reformadores. Isto se cumpriu em Lutero que imps uma Igreja oficial de estado na Alemanha; Zwinglio (...)na Sua; Joo Knox (...) na Esccia; Henrique VIII (...) na Inglaterra; [ e Joo Calvino em Genebra, cujo consistrio, no foi mais que uma inquisio atrevida ]. Todos eles se transformaram em perseguidores como foi Roma antes deles![9]

No se pode negar que isto uma realidade histrica, mesmo que muitos do que prestam culto aos heris Protestantes, de uma forma ou de outra, tem tratado de justificar aos reformadores das Igrejas oficiais do estado, livrando-os da culpa destas perseguies e do derramamento de sangue. Uma das desculpas mais comuns que foi uma poca difcil e brutal e que todos agiram da mesma maneira. Em 1950 foi publicado na Sua um livro com o ttulo Christianity and Fear (O Cristianismo e o temor) no qual o autor, scar Pfister, analisa com detalhes os crimes dos reformadores. Com relao a Calvino, ele escreve a seguinte avaliao que se aplica a todos eles:

Um estudo do perodo [da Reforma] revela que muitos eruditos da poca, homens com seguidores que em muitos casos ascenderam a muitos milhares, se opuseram zelosamente as perseguies dos hereges e, em nome do evangelho, exigiram um tratamento piedoso. [Proeminentes entre eles estavam] (...) os anabatistas. Calvino conheceu a maioria destes homens eloqentes, inspirados pelo amor, mas, a oposio deles quanto a perseguio dos hereges, no causou a menor impresso nele. Portanto, deve-se por um fim na antiga mentira de que as crueldades de Calvino se justificam devido ao nimo da poca. E nos assombramos com a grande falta de lgica do lgico [Calvino], cuja indignao cresceu contra a perseguio dos protestantes nos pases catlicos e que, no entanto, se mostrou to desapiedado com os supostos hereges.[10]

Os anabatistas protestaram contra esta atividade anticrist dos reformadores famosos, mas de nada serviu. Menno Simons escreveu sobre esta sangrenta crueldade por meio da qual, milhares de anabatistas foram executados pelas Igrejas protestantes do estado. Observem, queridos irmos, o quanto o mundo inteiro se afastou de Deus e de sua Palavra (...) quo brutalmente eles perseguem, difamam e destroem a verdade da salvao eterna e o evangelho puro e sem mancha de nosso Senhor Jesus Cristo, assim como a vida devota e piedosa dos santos. E isto, no fazem somente os papistas e os turcos, mas tambm em grande parte aqueles que presumiam da Palavra de Deus, ainda que em seus primeiros escritos eles tivessem muito o que dizer com relao f, que o dom de Deus e pode surgir nos coraes dos homens somente por meio da Palavra, sendo uma aceitao de corao e da vontade.

Mas este princpio durante alguns anos tem sido novamente desprezado pelos telogos e, em minha opinio, tem sido apagado de seus livros. J que os senhores e os prncipes, as cidades e os pases identificam a si mesmos com sua doutrina carnal, eles tem publicado muito a opinio contrria, a qual muito evidente em seus prprios escritos. E atravs de suas publicaes provocadoras e sermes, eles entregam nas mos do carrasco a muitos coraes piedosos e temerosos Deus que os contradizem, os repreendem e os admoestam com a clara Palavra de Deus e os fazem ver os verdadeiros fundamentos da santa Palavra, ou seja, a poderosa f que opera por meio do amor, a nova vida penitente, a obedincia Deus e a Cristo e as verdadeiras ordenanas evanglicas do batismo, a ceiado Senhor e a disciplina, da maneira como o prprio Jesus Cristo as instituiu e as mandou e seus santos apstolos as ensinaram e praticaram.

Sim, todos os que por amor insistem nisto, devem ser acusados de anabatistas, agitadores, sediciosos e hereges. Todos os piedosos podem esperar isto da parte deles. No entanto, todos e cada um deles, sejam senhores, prncipes, pregadores, telogos ou gente comum, sejam papistas, luteranos ou seguidores de Zwinglio, desejam ser chamados de congregao crist, a santa igreja.[11] Poderamos destacar duas coisas em particular na passagem citada anteriormente : Em primeiro lugar, Menno afirma que os anabatistas repreenderam e profetizaram contra os pecados de seus perseguidores. Recordo de ter lido sobre o julgamento de um anabatista que compareceu na qualidade de acusado diante de seus juzes e de vrios pregadores da Igreja oficial doestado, um dos quais gritou: Dieser Hermann hat sich gegeben zu einer verdammten Sekte, die uns verdammt! (Este homem dedicou-se a uma seita maldita que nos maldiz.)

Sem dvida, a conscincia dos reformadores se declararam culpadas diante do testemunho corajoso dos anabatistas. Em segundo lugar, devemos destacar que Menno observa uma mudana nos prprios reformadores : se no princpio eles haviam sido valentes em suas convices de que a f deveria ser voluntria, logo mudaram quando se deram conta que eles necessitavam do apoio dos governantes se quisessem que sua reforma fosse um xito.

Esta observao no foi feita somente por Menno Simons. Um estudiosos da histria da Reforma, Harold J. Grimm, da Universidade de Indiana, ao escrever em 1954, disse o seguinte :

Com razo, o ato valente de Lutero em Worms tem sido considerado como um passo importante na histria do desenvolvimento da liberdade religiosa. Ele sustentou firmemente que as autoridades, tanto da Igreja como do Imprio, tinham a obrigao de convencer a um indivduo quanto aos seus erros antes de conden-lo. Por outro lado, este passo ainda estava muito longe de um individualismo religiosos completo e da negao de autoridade. Esta posio apoiada pela histria posterior do reformador, mostra que ele acreditava firmemente que por meio de sua experincia religiosa pessoal e do estudo, que havia chegado a verdade religiosa absoluta, a qual no permitia nenhuma interpretao individual. Era seu dever mostrar s autoridades esta verdade, e eles tinham a obrigao de defende-la. Se o papado no o fizesse, ele se voltaria ao governo. Se o imperador se negasse a faz-lo, ento, ele se voltaria aos senhores regionais.[12]

Lutero teve xito nos seus planos, talvez, em grande parte porque os senhores regionais estavam buscando algum modo de evitar a interferncia da Igreja Catlica e receberam com aprovao esta oportunidade de abraar a causa da liberdade , ao apoiar o reformador. No entanto, quando os camponeses puseram em prtica esta liberdade para si mesmos ao destituir os senhores regionais tirnicos e obter a independncia , Lutero se enfureceu contra eles : Porque se um homem um rebelde manifesto, cada homem ser seu juiz e seu carrasco, assim como quando um fogo comea, o primeiro a apag-lo ser o melhor (...) Portanto, todos os que puderem devem golpear, assassinar e apunhalar, secreta ou abertamente, lembrando que nada pode ser mais prejudicial, danoso ou diablico do que um rebelde.

a mesma situao quando algum tem que matar um co raivoso. Se no o golpear, ele golpear ti e a todos os demais. (...) Que apunhale, golpeie e assassine quem quer que puder. Se morreres nesta inteno, ser bom para voc! Nunca poder ter uma morte mais bendita do que esta, j que morrer em obedincia Palavra divina e ao mandamento em Romanos 13, servindo em amor ao teu prximo a quem est resgatando das garras do inferno e do diabo. Um rebelde no digno de ser respondido com argumentos, pois ele no os aceitam. A resposta para os lbios deles dever ser os punhos que arrancam o suor de seus narizes. Os camponeses no escutaro. Eles no permitiro que ningum lhes diga nada. Seus ouvidos devem ser abertos com balas, at que suas cabeas se desprendam de seus ombros. (...) Com os camponeses obstinados, insensveis e cegos, que ningum tenha misericrdia, mas que todos os que puderem, lhes golpeiem, apunhalem e matem como se estivesse entre os ces raivosos, (...) para que a paz e a segurana possam ser mantidas. (...) E no resta dvida que estas so obras preciosas de misericrdia, amor e bondade, j que na terra no h nada pior do que o distrbio, a insegurana, a opresso, a violncia e a injustia.[13]

Os escritos de Lutero sobre a Guerra dos Camponeses esto cheios de expresses semelhantes s anteriores. Quando nos seus ltimos anos ele foi criticado por semelhante linguagem violenta e por incitar os senhores regionais uma matana desapiedada (eles mataram mais de 100.000 camponeses), Lutero respondeu com um tom desafiante: Fui eu, Martinho Lutero, quem matou a todos os camponeses na insurreio, j que fui eu quem ordenou que os matassem. Todo o seu sangue est sobre os meus ombros. Mas, eu o lancei sobre nosso Senhor Deus que me mandou falar desta maneira.[14]

Mais lamentvel ainda foi que Lutero reagiu com a mesma violncia contra os anabatistas que trataram de aplicar o princpio da liberdade para si mesmos. Mesmo sabendo que havia tanto anabatistas no resistentes e inofensivos, como tambm grupos radicais de revolucionrios sociais, mas ele os condenou, a todos por igual, favorecendo uma poltica de extermnio. Tambm poderamos citar algumas de suas frases violentas contra os judeus. Lutero, seguramente defendendo com os senhores regionais, a alta corrente do nacionalismo alemo, escreveu vrios tratados anti-semitas horrveis, advogando o saque, a matana e o exlio dos judeus, um projeto nunca materializado at Hitler. Foi fundamentalmente o apoio do poder dos prncipes e governantes, o que assegurou o xito do movimento de Lutero, como se reconhece francamente na Enciclopdia Britnica, a qual diz:

Se no houvesse o interesse dos prncipes alemes em impor seus princpios,ele nunca teria sido mais do que o lder de uma seita mstica insignificante. Alm disso, ele no era estadista. Ele foi perigosamente impetuoso em seu temperamento.[15] Os prncipes alemes tinham um interesse consideravelmente egosta em uma reforma que lhes permitisse tirar de cima a interferncia da Igreja para deixar de pagar dzimos e impostos Roma e para confiscar e saquear as ricas propriedade eclesisticas, granjas e monastrios da Igreja Catlica. Em todos estes exemplos da vida e escritos de Lutero, podemos ver um padro que se repetiu na carreira de cada um dos reformadores. Na verdade, nem todos eles foram to cruis e francos como Lutero, mas todos seguiram uma poltica catlica romana em que se repetiu e no foi repudiada, a unio mpia da Igreja com o estado. Um bispo metodista e estudioso da era moderna, R. W. Weaver, resume bem nossas concluses alarmantes sobre a relao entre a Igreja e o estado, assim como a relao entre a Igreja e o nacionalismo como resultado da Reforma.

A mentalidade protestante a precursora da mentalidade nacionalista e em grande medida a criadora do padro de pensamento dominante da era que segue,ou seja, o direito divino dos reis. Lutero deu ao poder secular uma autoridade e dignidade quase, se no completamente, divina : A mo que empunha a espada no uma mo humana, mas a mo de Deus. Deus, no o homem, quem enforca as pessoas e as tortura. Deus quem faz a guerra. No exageramos quando falamos que, ainda que a influncia de Lutero no campo da religio foi poderosa, a sua doutrina sobre o estado foi mais poderosa nas terras protestantes do que suas doutrinas da graa, e iniciou uma nova etapa do antigo problema da relao do governo organizado com a religio organizada.[16]

Antes da Reforma, os reis e prncipes estavam sujeitos ao controle da Igreja, mas os reformadores introduziram um novo raciocnio sobre o brao poltico da sociedade. Novamente algumas Palavras tomadas dos escritos de Lutero bastaro para mostrar a nova atitude que rapidamente converteu o estado no grande poder centralizador e converteu a Igreja em nada mais do que outro brao do governo, de modo que rapidamente cada pequeno principado alemo tinha sua Igreja oficial, bem como, tinha sua agncia de correios e sua pera de estado.

Como cristo, o homem tem que sofrer tudo e no resistir ningum. Como membro do estado, o mesmo homem tem que roubar, assassinar e lutar com alegria, enquanto viver. (...) Realmente um prncipe pode ser cristo, mas no deve governar como cristo. (...) Ningum deve pensar que o mundo governado sem sangue. A espada mundana tem que ser sanguinria. (...) De onde os prncipes obtiveram o seu poder, no nos diz respeito. a vontade de Deus, sem ter em conta se eles roubaram o seu poder ou o usurparam por meio de roubo. (...) Se algum tem o poder, ele o obteve da parte de Deus. Portanto ele tambm tem o direito. (...) Inclusive se as autoridades agirem injustamente, Deus manda que se lhes obedea sem engano (...) j que sofrer injustamente no prejudica a alma do homem; isto lhe ser proveitoso.(...) Inclusive se as autoridades so perversas e injustas, ningum tem o direito de opor-se elas ou de amotinar-se contra elas.[17]

Que um cristo tenha que obedecer e sofrer inclusive debaixo de um governante injusto, uma verdade bblica, mas ele no deve nunca participar na administrao da justia ou da injustia, e foi precisamente isto, o que Lutero nunca viu. At a sua morte, ele acreditou que o cristo tinha uma dupla personalidade. O que ele fazia como cristo, o fazia em sua vida particular ( sim, ele inclusive devia ser no resistente nesta rea!); no entanto, quando o estado o convocasse para fazer algo, ele deveria obedecer indiscutivelmente, como um cidado, um homem pblico. Desobedecer, mesmo ao estado injusto, era desobedecer a Deus. Em situao semelhante, no caso de lealdades em conflito, o dever do cristo deveria sempre render-se ao dever do cidado!

Lutero tambm deixou bem claro que, se ele fosse um ministro cristo que vivesse num estado maometano, ele obedeceria ao Sulto e iria guerra matar cristos. Mas a Bblia no ensina em parte alguma semelhante dualismo extravagante. Cada homem tem somente uma alma e somos responsveis diante de Deus pela obras feitas no corpo. No importa se pecamos ou no por ordem do estado. Isto continua sendo pecado. Os apstolos disseram: Mais importa obedecer a Deus do que aos homens(Atos 5:29). Os apstolos foram acusados (veja Atos 17:7) de atividade subversiva e traidora porque eles ensinavam que havia um Poder Supremo diante do qual somos responsveis, um Poder superior ao estado: E todos estes procedem contra os decretos de Csar, dizendo que h outro rei, Jesus. Amm!

A Reforma protestante fracassou por no reformar o erro catlico romano da relao entre a Igreja e o estado. E ao fracassar nisto, ela fracassou num dos problemas mais cruciais que se lhe apresentou. Ao considerar o oitavo abuso catlico romano que enfrentava qualquer reformador, devemos perguntar-nos: Por acaso a Reforma protestante recuperou o ensino do Novo Testamento sobre a igreja? Aboliram eles o conceito catlico romano de uma Igreja das massas, composta de membros em virtude da nacionalidade e da geografia, por meio dos batismo de crianas antes que da f que salva? Novamente a resposta tem que ser no. Eles no restauraram sua Igreja ao padro do Novo Testamento de uma igreja composta somente de crentes, dos nascidos de novo, de discpulos lavados no sangue de Cristo.

Todos e cada um dos reformadores retiveram e defenderam uma Igreja no bblica, fundada no batismo de crianas e que inclua como membros a todos os habitantes de um pas cristo. Neste fracasso especificamente, esta traio adicional dos objetivos de uma verdadeira reforma, como em todos os outros fracassos, os reformadores famosos no podem ser justificados por meio da desculpa de que de todas as formas, eles fizeram o melhor que puderam. A tragdia que resultou que eles consideraram e rejeitaram, fria e deliberadamente, o padro bblico de uma igreja de crentes. Eles sabiam que outros escolheram seguir o padro bblico, e no s rejeitaram a convico deles, mas tambm, trataram de exterminar a estes verdadeiros cristos, por meio do fogo e da espada. Aqueles outros que se mantiveram fiis ao seu Senhor e ao seu padro para a igreja foram os anabatistas.

Vrios estudiosos imparciais da histria da poca da Reforma, chegaram na mesma concluso : Os anabatistas realizaram o verdadeiro trabalho que enfrentava a Reforma, mas os protestantes fracassaram. Roland H. Bainton tenta atribuir uma razo isto:

O ideal da restituio ou da restaurao era comum na era da Reforma e todosos grupos desejavam restaurar algo. A diferena estava somente em como e quo longe retroceder.[18] Lutero desejava restaurar a Igreja do princpio da Idade Mdia; para ele a grande corrupo estava no auge do poder temporrio do papado no sculo VIII. Os anabatistas retrocederam muito mais do que qualquer outro grupo e se voltaram exclusivamente ao Novo Testamento. Inclusive dentro do Novo Testamento eles tiveram a tendncia de ignorar a Paulo e imitar somente a Jesus. por isso que [o seu] ideal de Restaurao tende a coincidir com o ideal da imitao de Cristo.[19]

Isto no quer dizer que eles rejeitaram a Paulo, mas que eles simplesmente tiveram por Senhor a Cristo que vivia neles, em lugar de tirar a doutrina dePaulo da justificao fora de seu contexto do Novo Testamento e inventar (como os protestantes) uma doutrina no bblica da salvao da graa barata baseada na frase sola fide (s cr). O prprio Paulo disse: Cristo em vs, esperana da glria (Colossenses 1:27), isto , Cristo no s contado por nossa justia, mas que a sua justia tambm se cumpre em ns (veja Romanos 8:4; 13:10).

Alm disso, Paulo disse: Sede meus imitadores, como tambm eu de Cristo (1 Corntios 11:1). Outro grande estudioso, Hoffmann, disse: As razes dos reformadores esto fundamentalmente em So Paulo, enquanto que os batistas preferiram o ensino de Jesus, com seus imperativos ticos e suas esperanas escatolgicas (...) Neste aspecto realmente os batistas se aproximaram mais ao cristianismo bblico do que os reformadores, ainda que os reformadores tambm converteram o cristianismo bblico em seu objetivo.[20] Hall, ao comparar o anabatismo e o protestantismo em sua History of Ethics Within Organized Christianity (A histria da tica dentro do cristianismo organizado), faz o seguinte comentrio sagaz:

Tudo o que encontramos entre os anabatistas, tambm est presente no Novo Testamento.(...) Se adotar o Novo Testamento literalmente protestantismo, ento, diferente de Lutero, Calvino e Zwinglio, os anabatistas eram os verdadeiros protestantes. Eles basearam os seus ensinos na considerao de Lucas quanto a pobreza ou no comunismo do livro de Atos ou na liberdade de esprito no sentido paulino.(...) Eles adotaram o Sermo do Monte literalmente e rejeitaram com mais ou menos exatido, todas as coisas no ordenadas pela Bblia. Em geral, eles se deram conta, no como os reformadores, que o cristianismo primitivo se opunha inerentemente ordem social existente e no crist. Certamente, eles no encontraram nada no Novo Testamento que justificasse a magia sacramental, porque ela no estava ali. Tudo isto no novo na histria da igreja.

Desde a poca de Joviano e Cludio de Turim, desde o s dias do cristianismo britnico primitivo at os valdenses e os lolardos, o Novo Testamento sempre produziu homens que tomavam a srio e colocavam prova um ponto ou outro do cristianismo dogmtico tradicional, comparando-o com o Novo Testamento. E como o cristianismo dogmtico no se fundamenta no Novo Testamento, ele mesmo nunca passou pela prova.(...) A pequena nobreza e os lderes reformadores se aproveitaram da revolta de Mnster e das guerras camponesas para cumprir seus prprios propsitos de restabelecer o seu poder sobre a base das Igrejas provinciais e nacionais como herdeiras do imperialismo rejeitado. A marcada insensibilidade de Zwinglio ao torturar o seu amigo Baltasar Hubmeyer e obrig-lo, mediante ameaa de morte uma confisso falsa e humilhante, concorda com a atitude de Calvino para com Servet ou a atitude de Lutero para com Carlstadt. No h nada nos ensinos dos anabatistas que no se possa mostrar, por ter obtido em algum momento o apoio dos reformadores ortodoxos.

O misticismo se misturou com o ensino de Lutero e o legalismo e a rebelio sangrenta, com o ensino de Calvino e Knox. Zwinglio estava indeciso por causa do batismo de crianas e mutilou at o fim ao sacramento mgico da Ceia do Senhor. Era uma questo de poder, ordem e submisso aos novos herdeiros do imperialismo catlico e no uma questo de pureza evanglica ou correo dogmtica que separou os reformadores de seus irmos perseguidos e desprezados.(...) verdade que os reformadores ortodoxos tambm professavam adotar a letra das Escrituras como seu guia e alm disso, afirmavam ter a direo do Esprito Santo. Mas, eles no adotaram to seriamente como os anabatistas, nem tampouco se permitiram ser levados pela Escritura demasiadamente longe das interpretaes e ideais dos prncipes protestantes na Alemanha ou da burguesia militar na Sua. De fato, todos eles sempre foram, sem dvida, inconscientemente, a mxima expresso da nascente, sensata e bem equilibrada classe mdia.[21]

Outro estudioso contemporneo, Joseph M. Dawson, ao escrever sobre as origens da liberdade religiosa que se desfruta hoje por todos nos Estados Unidos da Amrica, se d conta que ela no procedeu dos reformadores intolerantes, mas dos anabatistas. No foi o protestantismo como tal, mas foram os pequenos grupos no conformistas independentes, que aceitaram as maiores implicaes de Lutero e Calvino, que conseguiram uma total liberdade religiosa e a separao da igreja e do estado.[22]

Nem os Pilgrim Fathers, nem os puritanos trouxeram a liberdade religiosa Amrica do norte. Ao contrrio, eles aoitaram e queimaram na fogueira os Quacres, enganaram aos ndios, etc. Foram os batistas, diretamente influenciados pelos anabatistas do Antigo Continente, quem puderam escrever como o fez Roger Williams: A igreja crist no persegue; no mais que um lrio que arranha com seus espinhos ou um cordeiro que persegue e dilacera aos lobos.(...) A religio crist no pode propagar-se por meio da espada civil.[23]

CONCLUSES

Depois de ter analisado os antecedentes do movimento protestante em cada um dos oito abusos flagrantes do catolicismo e depois de ter observado como os reformadores famosos no fizeram uma verdadeira reforma, ns poderamos analisar tambm os resultados polticos e sociais do movimento. J destacamos o fato de que o movimento protestante no foi somente um movimento religioso, mas tambm uma agitao poltica de longo alcance do nacionalismo. Depois dos ensinos dos reformadores e seus partidrios, por toda a Europa se propagou uma onda de decadncia moral, perseguies, revolues e guerras religiosas. Uma nao se levantou contra a outra, irmo contra irmo e os grandes exrcitos de rapina cruzaram-se no mapa da Europa, onde a agitao poltica, o saque e a brutalidade se transformaram na ordem do dia.

A isto se seguiu mais de um sculo de guerra intermitente. Quando foi elaborada a paz em Westfalia em 1648, depois de trinta anos de guerra contnuas e de intrigas, a Europa estava em runas. Os verdadeiros perdedores na guerra foram os alemes. Mais de 300.000 haviam sido mortos em batalha. Milhes de civis haviam morrido por causa da m nutrio e de enfermidades, e as tropas indisciplinadas e errantes tinham roubado, queimado e saqueado como desejavam. A maior parte das autoridades acredita que a populao do Imprio decresceu de aproximadamente 21.000.000 para 13.500.000 entre 1618 e 1648. Mesmo que elas exageraram, a Guerra dos Trinta Anos ficou sendo como uma das mais terrveis na histria.[24]

No somente a matana de milhes de civis inocentes provoca a nossa piedade e angustia, mas tambm as cruis atrocidades cometidas contra os pacficos mrtires anabatistas em nome da religio. O grande historiador da igreja batista, A.H. Newman, se v obrigado a formular a seguinte pergunta sobre toda a matana sangrenta: Nos vemos obrigados a perguntar se houve necessidade desta guerra; se ela foi a nica maneira que os protestantes e os catlicos puderam ter para ensinar a respeitar os direitos de cada um ? No podemos responder. No entanto, temos razes srias para duvidar se o destruidor [Lutero] do cristianismo evanglico antigo e pai do grande movimento protestante poltico-eclesitico, que suscitou a Contra-reforma e os jesutas, e que direta e indiretamente conduziu Guerra dos Trinta Anos, foi, depois de tudo, to grande benfeitor do gnero humano e promotor do reino de Cristo com comumente se acredita.[25]

No somente foi a perda de vidas humanas, mas tambm a runa dos negcios, das artes, da educao e o abandono de povos e cidades que ficaram com uma decadncia moral espantosa, a qual se apoderou da maioria dos sobreviventes.O nacionalismo havia nascido com todo o seu esplendor e havia liberado a primeira grande guerra mundial europia, uma guerra internacional. Foi muito doloroso que os primeiros anabatistas foram perseguidos tanto por catlicos como pelos protestantes. Isto aconteceu na Sua, Blgica, Holanda, Itlia, Espanha, Alemanha, Frana e Inglaterra e se manteve assim por muito tempo. Foi por isso que milhares de anabatistas abandonaram a Europa para buscar a liberdade religiosa na Amrica do norte. Foram os anabatistas, os verdadeiros campees da liberdade religiosa, no os protestantes e nem os catlicos.

Estes fatos sobre as conseqncias trgicas do movimento protestante, causamassombro. Especialmente por ter sido cultivado pelos seus seguidores uma lenda sobre a infalibilidade e a santidade imaculada dos reformadores famosos, sendo por isso, muitas pessoas enganadas involuntariamente. Se perguntarmos se os primeiros anabatistas tiveram uma razo poderosa para rejeitar o protestantismo e repudiar aos reformadores famosos, temos que dizer : Sim! Na realidade, o anabatismo foi mais que o protestantismo. Existiam quatro pontos principais de diferena entre o movimento anabatista e o movimento protestante.

1. A REVELAO DA AUTORIDADE

Tanto os anabatistas como os protestantes afirmavam aceitar a autoridade da Palavra de Deus, mas somente os anabatistas aceitavam a Cristo como a autoridade final, o rbitro absoluto de toda vida, a apelao final em todos os conflitos de fidelidade e lealdade. Eles aceitavam a Cristo como Senhor e rejeitavam a doutrina do s cr (em Cristo como Salvador) que foi o centro do ensino protestante. Os anabatistas acreditavam que Cristo tinha que ser tanto nosso Salvador como nosso Senhor, enquanto que os protestantes apelavam para ele como Salvador, mas obedeciam a autoridade dos prncipes, governantes e as tradies do cristianismo dos princpios da Idade Mdia. A restituio ou reforma dos anabatistas foi o resgate do senhorio de Cristo, sendo Cristo como Senhor da moralidade universal, sem fazer excees de pessoas ou posies, mandando a todos os homens em todas as partes a arrepender-se e a dobrar seus joelhos diante dele.

2. A PROCLAMAO DA AUTORIDADE

Os anabatistas acreditavam que as boas novas da Grande Comisso eram para proclamar a salvao e o senhorio de Cristo todos os homens. Eles consideravam sua mensagem aplicvel todos os homens sem excetuar os membros de outras denominaes, nem aos magistrados governantes (que eram chamados arrepender-se, a depor o seu poder mundano e a seguir somente Cristo). Os anabatistas entendiam que esta Grande Comisso unia a cada crente no sacerdcio de todos os crentes e viam como o principal propsito da igreja, o de ser uma comunidade missionria, que devia nutrir e disciplinar as pessoas, e que fosse por todo o mundo, declarando o poder do Cordeiro para libertar, conquistar e julgar as almas. Ao contrrio, os protestantes aceitavam a Igreja territorial das massas, obediente a religio do seu prprio governante e aos sacerdotes e pastores nomeados pela Igreja do estado.

Uma das verdades curiosas da histria da igreja, que os reformadores protestantes e seus seguidores, rejeitaram a Grande Comisso pela teoria no bblica de que esta Grande Comisso foi cumprida pelos apstolos! Os anabatistas iam por todas as partes pregando o evangelho e desfiando as ordens da Igreja do estado para que deixassem de faz-lo. A resposta favorita dos anabatistas seus perseguidores por proibi-lhes pregar o evangelho era o versculo: De Jeov a terra e a sua plenitude. Portanto,eles iam por todo o mundo com denodo e com audcia realizando a Grande Comisso, apesar de toda a oposio. No entanto, os protestantes, ao crer que somente o estado era responsvel de prover a pregao do evangelho, afirmavam de forma violenta que os cristos no tinham nada que ver com a Grande Comisso. Aberly, no seu livro, An Outline of Missions (Um esboo das misses), explica esta estranha rejeio protestante da Grande Comissoe das misses. O retorno dos reformadores para a mensagem paulina da salvao por meio da graa, tanto para os judeus como para os gentios, devia ter sido preparado junto ao programa missionrio do grande apstolo para os gentios.

No entanto, os protestantes, pelo menos at depois da Guerra dos Trinta Anos, estavam ocupados em conflitos os quais dependia a sua prpria existncia. (...) As dedues lgicas dos princpios estabelecidos so formuladas pouco a pouco quando elas se opem aos costumes prevalecentes. Se imaginava que o apoio da igreja era a responsabilidade do estado. Durante muito tempo se acreditou, inclusive pelos telogos, que a comisso do Senhor de ir e fazer discpulos a todas as naes, havia sido dada somente aos apstolos e havia sido cumprida por eles. Pensava-se que as naes que haviam desperdiado ou rejeitado a oportunidade dada ento, deviam ter o seu destino bem merecido (...) Teodoro Beza, dentre os reformados, respondeu a Saravia, em 1592, para refutar a sua opinio de que a comisso de pregar o evangelho a todas as naes foi dada igreja para todos os tempos. Entre os luteranos, leigos proeminentes induziram o tema das misses um confronto. Um deles foi o Conde Truchses que se dirigiu faculdade teolgica em Wittenberg sobre certos escrpulos que ele tinha e se expressou da seguinte maneira: Tendo em conta que a f chega somente por meio da pregao, no tenho idia como o Leste, o Sul e o Oeste se convertero nica f que salva, porque no vejo ningum da Confisso de Augsburgo ir por ali. A pergunta foi respondida pela faculdade de Augsburgo, a qual disse em essncia que a comisso de Jesus se aplicava somente aos apstolos e que eles j a haviam cumprido. Alm disso, disseram que no a igreja, mas o estado que tem a responsabilidade de providenciar a pregao do evangelho.[26]

Esta posio no bblica e ignorante prevaleceu entre os protestantes durante quase dois sculos. Uma das ironias da histria que enquanto os antepassados protestantes rejeitaram a Grande Comisso e os antepassados anabatistas acreditaram nela e a praticaram fervorosamente, hoje em dia existem alguns grupos descendentes dos anabatistas que na realidade se opem as misses e rejeitam a Grande Comisso, afirmando que ela foi somente para os apstolos e que foi cumprida por eles!

3. A APLICAO DA AUTORIDADE

Os anabatistas acreditavam no estabelecimento livre e na proteo de uma igreja disciplinada, composta somente de discpulos nascidos de novo, unidos num compromisso voluntrio e espontneo em guardar as normas e disciplinas do Novo Testamento como se interpretava e se aplicava por e atravs da irmandade. Os protestantes rejeitavam uma igreja disciplinada de discpulos voluntrios e defendiam uma Igreja das massas, composta de pessoas batizadas como crianas. Calvino imps certa disciplina na Igreja por meio da exposio pblica dos erros, dos aoites, das mutilaes e da forca pelas transgresses (tais como o jogo e o juramento).

4. O CONFLITO DA AUTORIDADE

Os anabatistas acreditavam que o verdadeiro cristo no poderia fazer uso da fora e nem exercer um oficio no reino da justia mundana, pois ele um profeta de Deus, levando o testemunho da cruz de Cristo, que sempre padece oposio por no poder permanecer calado, indiferente ou tolerante diante da presena do mal e permanece como um obstculo diante do pecado. O verdadeiro cristo um testemunho radiante contra toda autoridade humana que requer a absoluta lealdade que os homens s podem dar corretamente Cristo, o Senhor. Portanto, o verdadeiro discpulo de Cristo sempre visto como uma ameaa para a segurana humana, para o compromisso e para a falsa paz e sempre ter que sofrer inimizade, rejeio e reprovao por parte do mundo.

Os protestantes acreditavam que o mundo podia ser cristianizado e que se houvesse algum conflito entre o dever de um homem para com Cristo e seu dever para com o estado, ele deveria primeiro obedecer ao estado para que a sociedade no entrasse em colapso e em anarquia. Poderamos resumir brevemente estas quatro diferenas ao recordar que a Reforma anabatista era a restaurao da autoridade de Cristo como Senhor sobre seus discpulos em todos os aspectos de sua vida, enquanto que a Reforma protestante convertia-se na rejeio da autoridade Catlica Romana a favor da autoridade dos prncipes e governantes e suas Igrejas territoriais.Em poucas Palavras, os anabatistas acreditavam que a verdadeira igreja era:

1. uma igreja de discpulos que obedeciam ao Senhor.

2. uma igreja de profetas missionrios, que testemunhavam todos os homens.

3. uma igreja disciplinada, santa e pura.

4. uma igreja que no resistente, que leva a cruz e sofrida.

Querido leitor, te suplicamos pelo amor de Deus e de sua santa Palavra, que seja fiel primeiro ele e que reconhea que esta primeira lealdade no te permitir acompanhar as multides que esto a deriva. Saia de entre eles e busque a associao com uma igreja que seja fiel aos ensinos de Cristo e dos apstolos, ou forme uma igreja semelhante na tua localidade com discpulos do Senhor que sejam da mesma opinio. Se voc est traindo o verdadeiro evangelho pelo qual viveram e morreram os apstolos e os anabatistas, te suplicamos que se arrependa e regresse para a verdade e prticas bblicas. A verdadeira igreja a noiva de Jesus Cristo comprada com sangue e no a Igreja rameira que passeia de mos dadas com os reinos deste mundo. Amm.

William R. McGrath

[1] A revista Liberty (Liberdade), Tomo 50, N 02; p. 28 (resumo por J. M. Dawson).

[2] Bonhoeffer, Dietrich: The cost of Discipleship ( O custo do discipulado), pp. 37 - 38, 47.

[3] The Complete Works of Menno Simons (Obras completas de Menno Simons), p. 283.

[4] The Complete Works of Menno Simons (Obras completas de Menno Simons), p. 251.

[5] Great Voices of the Reformation ("Grandes Vozes da Reforma") , p. 533.

[6] Hallam, Literature of Europe ("A literatura da Europa") Tomo I, p. 372

[7] Stoddard, J.L. Rebuilding a Lost Faith ("Reedificando uma f perdida"), pp. 97-98

[8] Enciclopdia Britnica (1935), Tomo 23, p.15.

[9] Tulga, C. E. , The New Testament Doctrine of the Church ("A doutrina neotestamentria da igreja"), da introduo.

[10] Pfister, scar : Christianity and Fear ("O cristianismo e o temor"), pp. 418-419, 427-428

[11] The Complete Works of Menno Simons ("Obras completas de Meno Simons") , 147a/I, 196a

[12] Grimm, Harold J., The Reformation Era (" A poca da Reforma ") , p. 139.

[13] Martinho Lutero, Werke, edio de Erlangen, Tomo 24, p. 294; Tomo 15, p.276.

[14] Martinho Lutero, Werke, edio de Erlangen, Tomo 59, p. 284. [15] Enciclopdia Britnica, Tomo 23, p. 11.

[16] Weaver, Rufus W., The Revolt Against God (A revolta contra Deus), p. 155.

[17] Martinho Lutero, Werke, edio de Weimar, Tomo 30, p. 1, passim. [18] O autor deste artigo fez uso de letras em itlico nas citaes. [19] Bainton, Roland H., citado em Church History (A histria da igreja), junho, 1955; p.150.

[20] Hoffmann, citado por Pfster em, Christianity and Fear (O cristianismo eo temor) , p. 468.

[21] Hall, History of Ethics Within Organized Christianity (A histria da tica dentro do cristianismo organizado) , p. 505.

[22] Dawson, Joseph M., Liberty (Liberdade), p. 28.

[23] Dawson, Joseph M., Liberty (Liberdade), p. 28.

[24] De acordo com o que escreveu o professor Gerhard Rempel num resumo de cinco pginas sobre a Guerra dos Trinta Anos, elaborado no dia 10 de setembro de 2002, tomado de: http://mars.wnec.edu//- grempel/courses/wc/lectures/30yearswar.html

[25] Newman, A.H., A Manual of Church History ( Um manual da histria da igreja ) , Tomo II. p. 411. [26] Aberly, An Outline of Missions ( Um esboo das misses), pp.47-48.

Todos os textos bblicos citados neste livro fazem parte de: A Bblia Sagrada - Traduo de Joo Ferreira de Almeida, (ACF) Sociedade Bblica Trinitariana do Brasil 1994,199