Weber a Ciencia Como Vocacao

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UnB - Prof. Bráulio Matos Cópia para uso pessoal 1 A CIÊNCIA COMO VOCAÇÃO Max Weber (excerto publicado no site Escola Sem Partido http://www.escolasempartido.org ) "[...] Neste momento, detenhamo-nos por um instante nas disciplinas que me são familiares, que são a sociologia, a história, a economia política, a ciência política e todos os tipos de filosofia da cultura que têm por fim a interpretação dos diversos tipos de conhecimento precedentes. É costume dizer, e eu concordo, que a política não tem lugar nas salas de aulas das universidades. Primeiramente, não tem mesmo, no que se refere aos estudantes. Deploro, entre outras coisas, que, [na sala de aula] de meu antigo colega Dietrich Schafer, de Berlim, certo número de estudantes pacifistas se haja reunido em volta de sua cátedra, para fazer uma manifestação. Também deploro o comportamento de estudantes antipacifistas que, ao que tudo indica, organizaram manifestação contra o professor Foerster, do qual, em virtude de minhas concepções, me sinto, por isso, muito afastado e por muitos motivos. Mas a política não tem lugar também, no que compete aos docentes, principalmente quando eles tratam cientificamente temas políticos. A política está, mais do que nunca, deslocada. Certamente, uma coisa é tomar uma posição política prática, e outra coisa é analisar cientificamente as estruturas políticas e as doutrinas de partidos. Se, numa reunião pública, discute-se democracia, não se faz segredo da posição pessoal adotada e a necessidade de tomar partido de maneira clara se impõe, então, como um dever [...]. As palavras empregadas numa ocasião como essa não são instrumentos de análise cientifica, mas constituem apelo político destinado a solicitar que os outros tomem posição. Longe estão de ser relhas de arado para remexer o campo imenso do pensamento contemplativo, constituindo-se em armas para conter os adversários, ou, em outras palavras, meio de combate. Empregar palavras dessa maneira numa sala de aula seria torpe. Em um curso universitário, quando se manifesta a intenção de estudar, por exemplo, a “democracia”, procede-se ao exame de suas diversas formas, o devido funcionamento de cada uma delas e indaga-se das conseqüências que uma ou outra acarretam. A seguir, à democracia opõem-se as formas não- democráticas da ordem política e tenta-se levar essa análise até a medida em que o próprio ouvinte se ache um condições de encontrar o ponto a partir do qual poderá tomar posição, fundamentado em seus ideais básicos. O verdadeiro professor terá escrúpulos de impor, do alto de sua cátedra, uma tomada de

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    A CINCIA COMO VOCAO Max Weber

    (excerto publicado no site Escola Sem Partido http://www.escolasempartido.org)

    "[...] Neste momento, detenhamo-nos por um instante nas disciplinas que me

    so familiares, que so a sociologia, a histria, a economia poltica, a cincia

    poltica e todos os tipos de filosofia da cultura que tm por fim a interpretao

    dos diversos tipos de conhecimento precedentes. costume dizer, e eu

    concordo, que a poltica no tem lugar nas salas de aulas das universidades.

    Primeiramente, no tem mesmo, no que se refere aos estudantes. Deploro,

    entre outras coisas, que, [na sala de aula] de meu antigo colega Dietrich Schafer,

    de Berlim, certo nmero de estudantes pacifistas se haja reunido em volta de

    sua ctedra, para fazer uma manifestao. Tambm deploro o comportamento

    de estudantes antipacifistas que, ao que tudo indica, organizaram manifestao

    contra o professor Foerster, do qual, em virtude de minhas concepes, me

    sinto, por isso, muito afastado e por muitos motivos. Mas a poltica no tem

    lugar tambm, no que compete aos docentes, principalmente quando eles

    tratam cientificamente temas polticos. A poltica est, mais do que nunca,

    deslocada.

    Certamente, uma coisa tomar uma posio poltica prtica, e outra coisa

    analisar cientificamente as estruturas polticas e as doutrinas de partidos. Se,

    numa reunio pblica, discute-se democracia, no se faz segredo da posio

    pessoal adotada e a necessidade de tomar partido de maneira clara se impe,

    ento, como um dever [...]. As palavras empregadas numa ocasio como essa

    no so instrumentos de anlise cientifica, mas constituem apelo poltico

    destinado a solicitar que os outros tomem posio. Longe esto de ser relhas de

    arado para remexer o campo imenso do pensamento contemplativo,

    constituindo-se em armas para conter os adversrios, ou, em outras palavras,

    meio de combate. Empregar palavras dessa maneira numa sala de aula

    seria torpe.

    Em um curso universitrio, quando se manifesta a inteno de estudar, por

    exemplo, a democracia, procede-se ao exame de suas diversas formas, o

    devido funcionamento de cada uma delas e indaga-se das conseqncias que

    uma ou outra acarretam. A seguir, democracia opem-se as formas no-

    democrticas da ordem poltica e tenta-se levar essa anlise at a medida em

    que o prprio ouvinte se ache um condies de encontrar o ponto a partir do

    qual poder tomar posio, fundamentado em seus ideais bsicos. O verdadeiro

    professor ter escrpulos de impor, do alto de sua ctedra, uma tomada de

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    posio qualquer, tanto abertamente quanto por sugesto j que a maneira

    mais desleal evidentemente a que consiste em deixar os fatos falarem.

    Essencialmente, por que razes devemos abster-nos? Deduzo que determinado

    nmero de meus respeitveis colegas opinar no sentido de que , geralmente,

    impossvel pr em pratica esses escrpulos pessoais e que, se [fosse] possvel,

    seria fora de propsito adotar precaues semelhantes. [Bem], no se pode

    demonstrar [cientficamente] a ningum aquilo em que consiste o dever de um

    professor universitrio. Nada mais se poder exigir dele do que probidade

    intelectual ou, em outras palavras, a obrigao de reconhecer que existem dois

    tipos de problemas heterogneos: de um lado, o estabelecimento de fatos, a

    determinao das realidades matemticas e lgicas ou a identificao das

    estruturas intrnsecas dos valores culturais; e, de outro, a resposta a questes

    referentes ao valor da cultura e de seus contedos particulares ou a questes

    relativas maneira como se deveria agir na cidade e em meio a agrupamentos

    polticos.

    Agora, se me fosse perguntado por que esta ltima serie de questes deve

    ser excluda de uma sala de aula, eu responderia que o profeta e o

    demagogo esto deslocados em uma ctedra universitria. Tanto ao

    profeta quanto ao demagogo se deve dizer: V s ruas e fale em pblico,

    quer dizer, que ele fale em lugar onde possa ser criticado. Em uma sala de

    aula enfrenta-se o auditrio de maneira totalmente diversa: a palavra

    do professor, e os estudantes esto condenados ao silencio. Impem as

    circunstncias que os alunos sejam obrigados a seguir os cursos de um

    professor, tendo em vista a futura carreira e quem ningum dos presentes

    a uma sala de aula possa criticar o mestre. imperdovel a um professor

    valer-se dessa situao para buscar incutir em seus discpulos as suas

    prprias concepes polticas, em vez de lhes ser til, como de seu

    dever, atravs da transmisso de conhecimento e de experincia

    cientifica.

    Positivamente, pode ocorrer que este ou aquele professor apenas de forma

    imperfeita consiga fazer calar as suas preferncias. Nesse caso, estar sujeito

    mais severa das crticas no intimo de sua prpria conscincia. Todavia, uma

    falha dessas no prova nada em absoluto, pois que existem outros tipos de falha

    como, por exemplo, os erros materiais, e tambm [estes] nada provam contra a

    obrigao da busca da verdade. [Com outras palavras: a dificuldade concreta

    em fazer calar as prprias simpatias e preferncias, no induz concluso de

    que o professor esteja desobrigado de buscar a verdade. Assim como a

    dificuldade em praticar a caridade, a justia, a honestidade, etc. no implica a

    abolio desses deveres.] Se no bastasse, exatamente em nome do interesse

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    da cincia que eu condeno essa forma de proceder. Recorrendo s obras de

    nossos historiadores, tenho condio de lhes fornecer prova de que, sempre

    que um homem de cincia permite que se manifestem seus prprios

    juzos de valor, ele perde a compreenso integral dos fatos. Contudo, essa

    demonstrao se estenderia para alm dos limites do tema que nos ocupa esta

    noite e exigiria digresses demasiado longas. (...)

    Seria desconfortante para todo professor titular de uma ctedra universitria

    abrigar o sentimento de estar colocado diante da impudente exigncia de

    provar que um lder. Mais desconfortante ainda seria pressupor-se que todo

    professor de universidade poderia ter a possibilidade de desempenhar esse

    papel na sala de aula. Efetivamente, os indivduos que a si mesmos se julgam

    lderes so, as mais das vezes, os menos qualificados para tal funo. De

    qualquer forma, a sala de aula no ser jamais o local em que o professor possa

    fazer prova de uma aptido dessa. O professor que sente a vocao de

    conselheiro da juventude e que goza da confiana dos moos deve

    desempenhar esse papel no contato pessoal de homem para homem. Caso

    ele se julgue chamado a participar das lutas entre concepes de mundo e

    entre opinies de partidos, deve faz-lo fora da sala de aula, deve faz-lo

    em lugar pblico, isto , atravs da imprensa, em reunies, em

    associaes, onde achar melhor. Sem dvida, muito cmodo exibir

    coragem num local em que os assistentes e, provavelmente, os oponentes,

    esto supliciados ao silncio.

    (Transcrito de Cincia e Poltica, Duas Vocaes, Editora Martin Claret, 2006.

    Destaques e colchetes inseridos.)