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    MAX WEBER E O ESTADO RACIONAL MODERNO

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    MAX WEBER E O ESTADO RACIONAL MODERNO

    Marcos Augusto Maliska

    RESUMO

    O presente texto uma pequena reviso do pensamento de Max Weber sobre o EstadoModerno. Se o desenvolvimento das instituies sociais, econmicas e culturais, nassociedades ocidentais modernas, foi desencadeado por um processo geral deracionalizao, o ncleo organizativo do Estado Moderno caracteriza-se, entre outrosaspectos, por meio da introduo de um central e contnuo sistema tributrio, umcentral comando militar, pelo monoplio do uso da violncia e por uma administrao

    burocrtica. O presente texto no investiga as implicaes que o pensamento deWeber tem para os Estados abertos do sculo XXI, mas ele foi escrito com o objetivode se compreender o Estado Moderno e os seus desafios no sculo XXI.

    Palavras-chave: Estado Racional; burocracia; legitimidade do poder; carisma; Estadoaberto.

    Sumrio: 1 INTRODUO; 2 O ESTADORACIONAL; 3 AS TRS FORMAS DELEGITIMAO DO PODER;4ABUROCRACIA; 5REFERNCIAS.

    Captulo 4 da Primeira Parte da Tese de Doutorado Os desafios do Estado Moderno.Federalismo e integrao regional, defendida junto ao Programa de Ps-Graduao em Direito Doutorado da UFPR.

    Bacharel em Direito pela UFSC (1997), Procurador Federal (desde 1998), Mestre (2000) eDoutor (2003) em Direito Constitucional pela UFPR com estudos de Doutoramento na Ludwig

    Maximilians Universittde Munique, Alemanha (2001-2003). Atualmente Procurador Federal Chefeda Procuradoria Federal junto a Universidade Federal do Paran. Professor Pesquisador de DireitoConstitucional nos Cursos de Graduao e Ps-Graduao (Mestrado e Especializao) em Direito daUniBrasil e Professor Visitante de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de FranciscoBeltro Cesul. Ex-Bolsista do Deutscher Akademischer Austauschdienst DAAD, do CNPq e daCAPES. autor dos seguintes livros: Estado e Sculo XXI. A integrao supranacional sob a tica do

    Direito Constitucional (Rio de Janeiro: Renovar, 2006); O Direito Educao e a Constituio (PortoAlegre: Fabris, 2001); Pluralismo Jurdico e Direito Moderno. Notas para pensar a racionalidade

    jurdica na modernidade (Curitiba: Juru, 2000) e Introduo Sociologia do Direito de Eugen

    Ehrlich (Curitiba: Juru, 2001). Possui diversos artigos publicados em revistas especializadas.Endereo eletrnico: [email protected]

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    1 INTRODUO

    O desenvolvimento das instituies sociais, econmicas e culturais nassociedades ocidentais modernas foi desencadeado por um processo geral de

    racionalizao. Max Weber (1864-1920) foi o autor que melhor trabalhou esse

    processo de racionalizao, entendido como "o resultado da especializao cientfica e

    da diferenciao tcnica peculiar civilizao ocidental. Consiste na organizao da

    vida, por diviso e coordenao das diversas atividades, com base em um estudo

    preciso das relaes entre os homens, com seus instrumentos e seu meio, com vistas

    maior eficcia e rendimento. Trata-se, pois, de um puro desenvolvimento prtico

    operado pelo gnio tcnico do homem".1

    So diversas as anlises sobre o conceito de racionalidade e os sentidos que

    ele se apresenta na obra de Weber.2 De grande importncia, mas que infelizmente esse

    trabalho no comporta analisar, a recepo da teoria da racionalidade de Weber pelo

    marxismo, em especial na interpretao da racionalizao como "coisificao"

    (Verdinglichung) por Lukcs3 e na anlise de Marcuse, para o qual a concepoweberiana de Racionalidade e Racionalizao fornece uma viso neutra da pesquisa

    cientfica social e por isso atualmente de grande interesse ideolgico para especficos

    interesses dominantes.4

    1 FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Trad. Lus Cludio de Castro e Costa. 2. ed.Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 19.

    2 Assim, por exemplo, segundo Johannes Wei, Weber fala de Racionalidade eRacionalizao em no mnimo trs sentidos, a saber no sentido da cincia emprica, da interpretao eda tica. WEI, Johannes. Max Webers Grundlegung der Soziologie. Eine Einfhrung. Mnchen:Verlag Dokumentation, 1975, p. 137. De outro modo, observa Reinhard Bendix que na obra de Webera racionalidade se apresenta como (i) uma importante manifestao da liberdade individual, (ii) comosinnimo de clareza e (iii) como conduta de vida. (BENDIX, Reinhard. Max Weber: Das Werk.Darstellung, Analyse, Ergebnisse. Trad. do original em ingls para o alemo por Renate Rausch.Mnchen: Piper, 1960, p. 403).

    3 Ver BEIERSDRFER, Kurt. Max Weber und Georg Lukcs. ber die Beziehung vonVerstehender Soziologie und Westlichen Marxismus. Frankfurt am Main: Campus, 1986, p. 156.

    4 WEI, Johannes. Das Werk Max Webers in der marxistischen Rezeption und Kritik.Opladen: Westdeutscher Verlag, 1981, p. 147. Ver tambm (Industrialisierung und Kapitalismus imWerk Max Webers In. MARCUSE, Herbert. Kultur und Gesellschaft. 4. ed. Frankfurt am Main:

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    Habermas observa em Weber trs tipos de racionalizaes: a da sociedade, a

    cultural e a da personalidade. Weber conceitua igualmente a "modernizao da

    sociedade" (Modernisierung der Gesellschaft) como Marx faz ao falar em

    "diferenciao" (Ausdifferenzierung) da Economia Capitalista e do Estado Moderno.

    Ambas completam-se assim em suas funes, estabilizando-se mutuamente. O ncleo

    organizativo da economia capitalista molda a empresa capitalista, entre outros

    aspectos, por uma contabilidade racional, pela introduo de uma eficiente e formal

    mo de obra livre, pela utilizao do conhecimento tcnico-cientfico e por decises de

    investimento orientadas para o mercado. Por outro lado, o ncleo organizativo do

    Estado Moderno caracteriza-se, entre outros aspectos, por meio da introduo de umcentral e contnuo sistema tributrio, um central comando militar, pelo monoplio do

    uso da violncia e por uma administrao burocrtica. O meio de organizao da

    economia capitalista e do Estado Moderno, como tambm as relaes entre ambos,

    realizado pelo princpio normativo assentado no direito formal. So esses trs

    elementos, segundo Habermas, que constituem a racionalizao da sociedade. A

    racionalizao cultural, caracterizada pela previsibilidade, pelo clculo e pelo controle

    organizativo e instrumental dos processos empricos, encontrada por Weber na

    moderna cincia e tcnica, na arte e na religio autnomas guiadas por Princpios

    ticos. Por fim, a racionalizao da personalidade refere-se conduta racional de vida

    (methodische Lebensfhrung), que considerada o ponto de ligao entre as

    racionalizaes cultural e social.5 A racionalizao da personalidade significa,

    basicamente, "que no basta a constatao de fatores materiais, faz-se necessria uma

    internalizao de valores e de idias".6

    Segundo a anlise de Karl Loewenstein, Weber foi um pensador que foi alm

    Suhrkamp, 1967, p. 107-129).5 HABERMAS, Jrgen. Theorie des Kommunikativen Handelns. Frankfurt am Main:

    Suhrkamp, 1988. v. 1, p. 226 e 227.6 (ARGELLO, Katie. O caro da modernidade. Direito e Poltica em Max Weber. So

    Paulo: Acadmica, 1997, p. 70-71). No tocante a "internalizao de valores e idias", observa VolkerHeins ao trabalhar a Racionalidade versus Conduta de Vida, que Max Weber, em sua vida privada,decidiu-se pela igualdade da Mulher, subordinado a racionalidade da moralidade do erotismo, ficandoigualmente dividido pela nostalgia de um erotismo irresponsvel. (HEINS, Volker. Max Weber. Zur

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    do seu tempo e de sua gerao ao ficar indiferente s clssicas ideologias da poca

    (Capitalismo Liberal e Socialismo ou Estado Total Comunista e Fascismo). Para ele, a

    esperada socializao era um meio tcnico de aperfeioamento da gerncia empresarial

    do Estado, porm sem valor absoluto.7

    De importncia ao presente estudo a sociologia poltica de Weber, em

    especial os seus estudos sobre o Estado Racional, as formas de legitimao do Poder e

    a questo da burocracia.

    2 O ESTADO RACIONAL

    Max Weber formou-se em Direito, mas desde logo sua me j observava que o

    filho interessava-se mais pelo desenvolvimento histrico do Direito sua aplicao

    prtica, pois, segundo ela, ele como um funcionrio no era suficientemente prtico e

    organizado para o trabalho burocrtico dirio.8 Aps se decidir pela carreira

    acadmica, Weber dedicou-se a estudar a sociedade burguesa ocidental em seus

    diversos aspectos, em especial atravs do resgate histrico dos diversos fatores que

    tiveram influncia no seu desenvolvimento. Segundo Wolfgang Schluchter, o primeiro

    tema de Weber o Capitalismo, relacionando-o, de incio, com uma perspectiva

    histrica e como problema de organizao. J na sua primeira grande publicao, no

    estudo sobre a Histria das Companhias de Comrcio nas cidades medievais italianas,9

    Einfhrung. Hamburg: SOAK im Junius Verl., 1990, p. 22).7 LOEWENSTEIN, Karl. Max Webers staatspolitische Auffassungen in der Sicht unserer

    Zeit. Frankfurt am Main e Bonn: Athenum Verlag, 1965, p. 18.8 Segundo KRGER, Christa.Max & Marianne Weber. Tag und Nachtansichten einer Ehe.

    Zrich, Mnchen: Pendo, 2001, p. 20. Sobre o desenvolvimento intelectual de Weber, conforme relataMarianne Weber na biografia sobre o marido, vale mencionar o seu precoce interesse pela leitura emgeral, em especial pelos clssicos. Aos doze anos Weber relatou a sua me que tinha se curvado aoPrncipe de Maquiavel e que leria sobre antimaquiavel e tambm lanaria uma olhada sobre a obra deLutero. (WEBER, Marianne.Max Weber. Ein Lebensbild. Tbingen: Mohr e Siebeck, 1926, p. 48).

    9 WEBER, Max.Zur Geschichte der Handelsgesellschaften im Mittelalter. Stuttgart, 1889.

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    encontra-se essa anlise.10 Na anlise de Mommsen, os temas dominantes na obra

    sociolgica de Weber so o crescimento do moderno Capitalismo industrial e o

    desenvolvimento social. Segundo Mommsen, Weber prognosticou, j em 1893, que o

    capitalismo dentro de poucas geraes destruiria todas as formas tradicionais de

    estruturas sociais e a estrutura social tradicional no seria reintroduzida. Para Weber o

    moderno Capitalismo seria um poder revolucionrio mau (schlechthin revolutionre

    Macht).11

    Neste cenrio, o estudo que Weber realizou sobre o Estado todo permeado,

    em especial, por consideraes acerca da poltica, da histria e da economia. Segundo

    escreve Katie Argello, pode-se afirmar que existe um "nexo de dependncia causal"

    entre as vrias dimenses da estrutura social, ou seja, "de uma tica religiosa

    racionalizada, da organizao administrativa fundada no clculo racional, do direito

    racional-formal, do Estado Moderno, depende o capitalismo racional moderno e vice-

    versa".12

    Reinhard Bendix apresenta quatro caractersticas para uma comunidade

    poltica ter a existncia do Estado Moderno, segundo a teoria de Weber: i) umaadministrao e uma ordem jurdica, na qual as alteraes se do por normas; ii) uma

    administrao militar, na qual os seus servios realizam-se em concordncia com

    rigorosos deveres e direitos; iii) monoplio de Poder sobre todas as pessoas, tanto

    sobre as que nasceram na comunidade quanto aquelas que esto nos domnios do

    territrio; iv) legitimao da aplicao do Poder nos limites do territrio por

    concordncia com a ordem jurdica.13

    10 SCHLUCHTER, Wolfgang. Die Entwicklung des okzidentalen Rationalismus. EineAnalyse von Max Webers Gesellschaftsgeschichte. Tbingen: Mohr e Siebeck, 1979, p. 15.

    11 MOMMSEN, Wolfgang.Max Weber. Gesellschaft, Politik und Geschichte. Frankfurt amMain: Suhrkamp, 1974, p. 144.

    12 ARGELLO, op. cit., p. 83. Essa posio tomada tambm por Volker Heins, quandoescreve que, por um lado, as formas de domnio poltico possuem tambm o status de foras deesclarecimento (erklrungskrftigen) das condies de formao do processo religioso e do modoinverso tambm da necessidade de esclarecimento da estrutura poltica, em especial da foraparticipativa da Religio Crist no surgimento dos Estados Ocidentais. (HEINS, op. cit., p. 47).

    13 BENDIX, op. cit., p. 317.

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    Identificado como o Estado racional, o Estado Moderno Ocidental, segundo

    Weber, diferenciou-se de outras formas estatais, como as de base patriarcal e

    patrimonial. sob a gide de um Estado racional pautado em um direito racional e em

    uma burocracia profissional que ir se assentar o desenvolvimento do capitalismo

    moderno.14 Weber anota tambm que no Estado Moderno foi decisivo o apoio dos

    juristas, pois segundo ele, contrrio ao Imprio Chins em que o Monarca no tinha

    juristas a sua disposio, no Ocidente encontrou-se disponvel um direito formal,

    produto do gnio romano, no qual os funcionrios, como tcnicos administrativos,

    tinham o Direito como superior a tudo.15 Essa racionalidade que permeou o agir da

    burocracia estatal moderna possibilitou os mecanismos necessrios para odesenvolvimento capitalista. Weber lembra que na antiga China, um homem que

    vendesse sua casa e que algum tempo depois ficasse pobre, segundo o antigo

    mandamento chins da ajuda mtua (Bruderhilfe), tinha o direito de retornar para a

    casa e nela permanecer como "Locatrio forado" (Zwangsmieter), sem pagar aluguel.

    Com um tal direito, observa Weber, o capitalismo no teria como funcionar

    economicamente.16

    Para Weber, o Estado, sociologicamente, s se deixa definir pelo meio

    especifico que lhe peculiar, tal como peculiar a todo outro agrupamento poltico, ou

    seja, o uso da coao fsica.17 Em outras palavras, o Estado define-se como a estrutura

    ou o agrupamento poltico que reivindica, com xito, o monoplio do constrangimento

    fsico legtimo. A esse carter especfico do Estado, acrescentam-se outros traos: de

    um lado, comporta uma racionalizao do Direito com as conseqncias que so a

    especializao dos poderes legislativo e judicirio, bem como a instituio de umapolcia encarregada de proteger a segurana dos indivduos e de assegurar a ordem

    pblica; de outro lado, apia-se em uma administrao racional baseada em

    14 Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriss der Verstehenden Soziologie. 5. ed. Tbingen:Mohr Siebeck, 1980, p. 815.

    15Ibid., p. 817.16Ibid., loc. cit.17

    Politik als Beruf. Gesammelte Politische Schriften. 5. ed. Tbingen: Mohr Siebeck, 1988,p. 506.

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    regulamentos explcitos que lhe permitem intervir nos domnios os mais diversos,

    desde a educao at a sade, a economia e mesmo a cultura. Enfim, dispe de uma

    fora militar, por assim dizer, permanente.18

    Citando uma frase de Trotsky: "todo Estado se funda na fora", Weber observa

    que se s existissem estruturas sociais das quais a violncia estivesse ausente, o

    conceito de Estado teria tambm desaparecido e apenas subsistiria o que, no sentido

    prprio da palavra, se denomina "anarquia". A violncia no , evidentemente, o nico

    instrumento de que se vale o Estado no haja a respeito qualquer dvida , mas seu

    instrumento especifico. Em nossos dias, a relao entre o Estado e a violncia

    particularmente ntima. Em todos os tempos, os agrupamentos polticos mais diversos

    a comear pela famlia recorreram violncia fsica, tendo-a como instrumento

    normal do poder. Em nossa poca, entretanto, deve-se conceber o Estado

    contemporneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de

    determinado territrio a noo de territrio corresponde a um dos elementos

    essenciais do Estado reivindica o monoplio do uso legtimo da violncia fsica. E,

    com efeito, prprio de nossa poca o no reconhecer, em relao a qualquer outro

    grupo ou aos indivduos, o direito de fazer uso da violncia, a no ser nos casos em

    que o Estado a tolere: o Estado se transforma, portanto, na nica fonte do "direito"

    violncia.19

    O agrupamento poltico, ou seja, o Estado, um agrupamento de domnio

    (Herrschaft). O domnio em geral, como conceito sem contedo concreto, um

    importante elemento das relaes sociais. Na verdade, nem todas as relaes sociais

    apresentam-se como estruturas de domnio, mas, no entanto, tem ele, para a maioria

    delas, uma elevada importncia.20 O domnio uma forma especial de Poder (Macht).

    O domnio, no sentido geral do Poder, assim como a possibilidade de uma vontade de

    se impor em relao outra, pode se apresentar de diferentes formas.21 Segundo Julien

    18 FREUND, op. cit., p. 159.19 WEBER, Max. Politik als Beruf ..., p. 506.20 WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft..., p. 541.21Ibid., p. 542.

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    Freund, o conceito de poderio (Macht) se caracteriza pela oportunidade de um

    indivduo de fazer triunfar, no seio de uma relao social, sua prpria vontade contra

    resistncias, e o conceito de domnio como a oportunidade de a encontrar pessoas

    dispostas a obedecer s ordens que lhe so dadas.22 Segundo Weber, o verdadeiro

    domnio encontra-se no Estado Moderno, o qual no se realiza no discurso

    parlamentar, nem nas Enunciaes do Monarca, seno na aplicao diria da

    Administrao, necessria e inevitavelmente nas mos do funcionalismo

    (Beamtentums), seja militar ou civil.23

    3 AS TRS FORMAS DE LEGITIMAO DO PODER

    Ao tratar da legitimidade do poder,24 Weber, em sua Sociologia Poltica,

    distingue trs tipos de dominao legtima: a tradicional, a carismtica e a racional

    legal. Deve-se registrar que Weber, quando trata dos tipos de dominao, deixa claro

    que se tratam de tipos-ideais,25 e, por conseguinte, que nunca se encontram, ou s

    muito raramente, em estado puro na realidade histrica.26 Segundo Weber, para a

    22 FREUND, op. cit., p. 160-161.23 WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft..., p. 825.24 "A legitimidade, na sua condio de categoria da teoria poltica, tem sido compreendida

    como uma relao de correspondncia entre algo e seus destinatrios, sob um aporte axiolgico,portanto, ressaltando os valores em questo numa relao de poder". (PASOLD, Cesar Luiz.Reflexes

    sobre o poder e o direito. Florianpolis: Estudantil, 1986, p. 20).25 A categoria do tipo ideal a ponte que liga o componente subjetivo nas cincias da cultura

    com o conhecimento estritamente emprico. O tipo ideal o principal meio metodolgico tanto paraestabelecer o significado cultural dos fenmenos, quanto para formular proposies empricas sobreeles. O conceito de tipo ideal obtido pelo realce unilateral de um ou de vrios pontos de vista e areunio de uma multido de fenmenos singulares, difusos e discretos que se encaixam naquelespontos de vista dentro do quadro conceptual em si unitrio. Essa unidade conceptual o que confereao tipo ideal a univocidade que permite a objetividade na comparao de vrios fenmenos do mesmotipo. O tipo ideal o modo de construo de conceitos peculiar ao mtodo histrico ouindividualizante, cujo sabemos que o estudo da realidade e dos fenmenos em sua singularidade.Ver: SAINT-PIERRE, Hctor L.Max Weber. Entre a Paixo e a Razo. Campinas: Unicamp, 1994, p.

    67-83.26 "[...] o domnio carismtico, por exemplo, no inteiramente desprovido de legalidade, e a

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    pesquisa cientfica, o conceito de tipo-ideal pretende instruir a deciso: ele no

    hiptese, porm ele quer indicar a direo da formao hipottica. Ele no

    representao do real, porm ele quer proporcionar, claramente, um meio de expresso

    da representao.27

    Dentre as formas de legitimao do poder, o domnio tradicional tem por base

    a crena na santidade das tradies em vigor e na legitimidade dos que so chamados

    ao poder em virtude do costume. A autoridade no pertence a um superior escolhido

    pelos habitantes do pas, mas sim a um homem que chamado ao poder em virtude de

    um costume (primogenitura, por exemplo). Ele reina a ttulo pessoal, de sorte que a

    obedincia se dirige sua pessoa e se torna um ato de piedade. Os governados so

    sditos que no obedecem a uma norma impessoal, mas ordens legitimadas em virtude

    do privilgio tradicional do soberano. Segundo o humor deste, podem-se obter seus

    favores ou cair em desgraa. No entanto, a tradio no assimilvel ao puro arbtrio,

    pois se o soberano a viola, arrisca-se a provocar uma resistncia que, certamente, no

    visa ao sistema, mas sim a sua pessoa ou a seus favoritos.28

    O domnio carismtico, de outro modo, repousa no valor pessoal de umhomem que se distingue por sua santidade, seu herosmo ou seus exemplos. Constitui

    o tipo excepcional do poderio poltico, no pelo fato de se encontrar raramente, mas

    porque deturpa os usos da vida poltica ordinria. Weber entende por carisma a

    qualidade inslita de uma pessoa que parece dar provas de um poder sobrenatural,

    sobre-humano ou pelo menos desusado, de sorte que ela aparece como um ser

    providencial, exemplar, ou fora do comum e, por essa razo, agrupa em torno de si

    discpulos ou partidrios. O comportamento carismtico no peculiar apenas

    atividade poltica, pois pode ser igualmente observado em outros campos, como os da

    religio, da arte, da moral e mesmo da economia, conquanto, segundo Weber, um dos

    traos do carisma consista em permanecer estranho ou hostil ao jogo econmico

    tradio encerra certos aspectos carismticos ou mesmo burocrticos". (FREUND, op. cit., p. 167).27 WEBER, Max.Methodologische Schriften. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1968, p.

    42.28 FREUND, op. cit., p.168 e WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft..., p. 130, 131.

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    normal. Em poltica, este domnio toma diversas formas: a do demagogo, do ditador

    social, do heri militar ou do revolucionrio.29

    Segundo Stefan Breuer, em seu livro Brokratie und Charisma, Weber noentendeu a modernizao simplesmente como racionalizao, seno como uma ao

    recproca (Wechselwirkung) (segundo o autor, falar em Dialtica seria exagero) de

    racionalidade e carisma. Partindo disso, aborda o autor, por exemplo, o Carisma da

    Razo, entendido como expresso de um Carisma impessoal, e o Carisma da Nao,

    presente em vrios momentos da histria, com na Frana de 1789 ou na Alemanha de

    1914.30

    Por fim, o domnio racional legal, tpico do Estado Moderno, tem por

    fundamento a crena na validade dos regulamentos estabelecidos racionalmente e na

    legitimidade dos chefes designados nos temos da lei. Neste sentido, todo direito, seja

    ele estabelecido por conveno ou por outorga, vale em virtude de um procedimento

    racional. O conjunto das regras de direito constitui um mundo abstrato de prescries

    tcnicas ou de normas, em que compete Justia a aplicao das regras gerais aos

    casos particulares, enquanto a administrao tem por objeto proteger os interesses noslimites das regras de direito, graas a rgos institudos para tal fim. O chefe legal e as

    instncias superiores, inclusive o Presidente da Repblica eleito, devem respeitar a

    ordem impessoal do direito e se orientar segundo a mesma. Os membros do

    agrupamento s obedecem ao direito e so chamados cidados, isto quer dizer que no

    so obrigados a submeter-se seno nas condies previstas pela lei.31

    O domnio racional legal consiste em um empreendimento contnuo de

    funes pblicas institudas por leis e distribudas em competncias diferenciadas. A

    aplicao desses inmeros regulamentos exige uma equipe de funcionrios

    qualificados, que no so donos de seus cargos, nem tampouco dos meios da

    administrao. Por outro lado, so protegidos, no exerccio de suas funes, por um

    29 FREUND, op. cit., p.169 e WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft..., p. 140 e seg.30 BREUER, Stefan. Brokratie und Charisma. Zur politischen Soziologie Max Webers.

    Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1994, p. 2, 59, 110, 111.31 WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft..., p. 125.

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    estatuto. O procedimento administrativo repousa no princpio de documentos e

    fichrios a serem conservados: todas as decises, decretos e ordens de servio so

    escritos. A mais tpica forma do domnio racional legal a burocracia.32

    4 A BUROCRACIA

    O domnio racional legal se expressa atravs da burocracia. Entendida como o

    governo da razo,33

    a burocracia o meio atravs do qual se expressa a lei e sob oqual age o Estado Racional Moderno. A burocracia , portanto, um produto histrico

    peculiar e inevitvel do desenvolvimento da racionalidade formal no Estado Moderno.

    Segundo anota Katie Argello, "o objetivo da burocracia o de gerir o poder. Esta

    gesto, por sua vez, pode ser mais racional, quando mediada pelo tipo de

    administrao burocrtica pura, (administrao burocrtico-monocrtico), que ressalta

    os aspectos da preciso, disciplina, continuidade, calculabilidade, aperfeioamento

    tcnico, enfim, de eficcia. Em termos histricos concretos, essa instrumentalidade do

    agir racional com relao aos fins diz respeito funo da fora poltica do Estado

    moderno desenvolvido no Ocidente".34

    Ao questionar qual o entendimento de Weber sobre Burocracia, Arnold

    Zingerle observa que Weber no apresenta em nenhum lugar uma definio de

    burocracia, seno que apresenta ele a burocracia como um modo de administrao

    (administrao atravs e em uma organizao de Escritrios) sobre uma caractersticacoletiva de pessoas que so representantes de tal administrao, at a caracterizao

    dessa relao como domnio (domnio atravs da burocracia).35

    32 FREUND, op. cit., p.167.33 BINS, Milton.Introduo sociologia geral. Porto Alegre: Mundo Jovem, 1985, p. 37.34 ARGELLO, op. cit., p. 82-83.35

    ZINGERLE, Arnold. Max Webers Historische Soziologie. Aspekte und Materialien zurWirkungsgeschichte. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1981, p. 113.

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    Como caractersticas gerais da burocracia tm-se que as atribuies dos

    empregados so fixas, definidas. No mando os poderes so distribudos de forma clara

    e delimitada e, na execuo, cada um tem tarefas definidas. Num e noutro caso as

    responsabilidades so especficas. Existe um sistema organizado de mando e

    subordinao. As autoridades superiores inspecionam as inferiores, podendo estas

    apenas apelar. O mando vertical e descendente, sendo a forma hierrquica mais

    desenvolvida aquela em que no topo da pirmide h uma s pessoa (monocracia). A

    Administrao baseada em documentos. Para efeitos da administrao, s tem

    existncia eficaz o assunto registrado por escrito. Ocorre uma ntida separao entre as

    atividades burocrticas e as atividades pessoais dos empregados, bem como entre osbens da administrao e os bens pessoais dos empregados. Os empregados so

    protegidos mediante um estatuto e mediante a garantia de uma remunerao regular

    em dinheiro. O recrutamento para ocupao das vagas existentes se d por meio de

    provas e diplomas.36

    As burocracias reais divergem consideravelmente do tipo-puro descrito por

    Weber, sendo as organizaes administrativas estatais as que possuem o maior grau de

    desvio em relao ao modelo abstrato definido. Dentre as causas para tal desvio,

    observa Milton Bins, que existe o mito de que a administrao (pblica) pode ser

    separada da poltica. Os partidos polticos e outros grupos de interesse disputam

    avidamente os cargos pblicos em razo dos vastos recursos de poder que os mesmos

    propiciam. Os costumes tradicionais o paternalismo, o nepotismo, o clientelismo

    etc., costumam adentrar s organizaes. No h distino ntida entre os bens

    pblicos e os bens privados, tornando-se, o cargo de alto a baixo na hierarquia fonte de lucro pessoal e de toda sorte de outras corrupes. Por fim, existe a

    incompetncia pura e simples e a acomodao.37

    36 WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft..., p. 126-127.37 BINS, op. cit., p. 41.

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