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BUSCA E APRENSÃO Ninguém pode ir à casa de ninguém com base em denúncia anônima e achar que "limpou" a ilegalidade porque não havia prisão em flagrante a ser lavrada. A função do Poder Judiciário é o de garantir Direitos Fundamentais do sujeito em face do Estado (PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Direito Penal e Estado Democrático de Direito: uma abordagem a partir do garantismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006), a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam se houver uma relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes . Por isto, para se investigar alguém, numa democracia, não se pode iniciar com o "denuncismo anônimo" contemporâneo em que a polícia recebe a denúncia anônima e se dá por satisfeita. Tanto assim que agora se fomenta programas denuncistas como o do "Informante Cidadão". É preciso que as investigações aconteçam no limite da legalidade. O processo da inquisição acontecia com testemunhas sem rosto, sem face, sem nome, num denuncismo sem limites. Para isto a Constituição da República em vigor há mais de VINTE ANOS, estabeleceu claramente no art.5º, IV: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. " . Paulo (A Linguagem pelo Avesso: a Denúncia Anônima como causa (i)legitimadora da Instauração de Investigação Criminal: Inconstitucionalidade e Irracionalidade. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (orgs). Processo Penal e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 477-494), promotor de Justiça no Rio de Janeiro, sem aceitar investigar a qualquer preço, pontua: "Pensamos que autoridade que determinar a instauração do procedimento criminal ou administrativo, tendo como base a denúncia anônima, ficaria sujeita, em tese, à responsabilidade criminal, nos exatos limites do art. 339 do CP. O denunciante anônimo se esconde atrás das vestes da impunidade, pois, se sua denúncia for falsa, ele não será responsabilizado. (...) O 'denunciado' tem o direito de demonstrar os motivos pelos quais quem o denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito, falta do que fazer etc. Sendo anônima a denúncia, não há como reagir contra o denunciante. Ele fica refém." Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo

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BUSCA E APRENSÃO

Ninguém pode ir à casa de ninguém com base em denúncia anônima e achar que "limpou" a ilegalidade porque não havia prisão em flagrante a ser lavrada.A função do Poder Judiciário é o de garantir Direitos Fundamentais do sujeito em face do Estado (PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Direito Penal e Estado Democrático de Direito: uma abordagem a partir do garantismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006), a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam se houver uma relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes. Por isto, para se investigar alguém, numa democracia, não se pode iniciar com o "denuncismo anônimo" contemporâneo em que a polícia recebe a denúncia anônima e se dá por satisfeita. Tanto assim que agora se fomenta programas denuncistas como o do "Informante Cidadão". É preciso que as investigações aconteçam no limite da legalidade. O processo da inquisição acontecia com testemunhas sem rosto, sem face, sem nome, num denuncismo sem limites. Para isto a Constituição da República em vigor há mais de VINTE ANOS, estabeleceu claramente no art.5º, IV: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.". Paulo (A Linguagem pelo Avesso: a Denúncia Anônima como causa (i)legitimadora da Instauração de Investigação Criminal: Inconstitucionalidade e Irracionalidade. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (orgs). Processo Penal e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 477-494), promotor de Justiça no Rio de Janeiro, sem aceitar investigar a qualquer preço, pontua: "Pensamos que autoridade que determinar a instauração do procedimento criminal ou administrativo, tendo como base a denúncia anônima, ficaria sujeita, em tese, à responsabilidade criminal, nos exatos limites do art. 339 do CP. O denunciante anônimo se esconde atrás das vestes da impunidade, pois, se sua denúncia for falsa, ele não será responsabilizado. (...) O 'denunciado' tem o direito de demonstrar os motivos pelos quais quem o denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito, falta do que fazer etc. Sendo anônima a denúncia, não há como reagir contra o denunciante. Ele fica refém." Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 218) sustenta: "se o nosso CP erigiu à categoria de crime a conduta de todo aquele que dá causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os 'denunciados' chamar à responsabilidade o autor da delatio criminis, se esta pudesse ser anônima- A vingar entendimento diverso, será muito cômodo para os salteadores da honra alheia vomitarem, na calada da noite, à porta das Delegacias, seus informes pérfidos e ignominiosos, de maneira atrevida, seguros, absolutamente seguros da impunidade. Se se admitisse a delatio anônima, à semelhança do que ocorria em Veneza, ao tempo da inquisitio extraordinem, quando se permitia ao povo jogasse nas

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famosas 'Bocas dos Leões' suas denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade viveria em constante sobressalto, uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro sentimento subalterno." Decidiu-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: "INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA ANÔNIMA.: Trata-se de habeas corpus em que se busca o trancamento de inquérito policial instaurado contra o paciente, visto que tal procedimento iniciou-se com a interceptação telefônica fundada exclusivamente em denúncia anônima. A Turma, por maioria, entendeu que, embora apta para justificar a instauração do inquéritopolicial, a denúncia anônima não é suficiente a ensejar a quebra de sigilo telefônico (art. 2º, I, da Lei n. 9.296/1996). A delação apócrifa não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária; é mera notícia vinda de pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do CP). Assim, as gravações levadas a efeito contra o paciente, por terem sido produzidas mediante interceptação telefônica autorizada em desconformidade com os requisitos legais, bem como todas as demais provas delas decorrentes, abrangidas em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada, adotada pelo STF, são ilícitas e, conforme o disposto no art. 5º, LVI, da CF/1988, inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação. Contudo, entendeu-se que é temerário fulminar o inquérito policial tão-somente em virtude da ilicitude da primeira diligência realizada. Isso porque, no transcurso do inquérito, é possível que tenha ocorrido a coleta de alguma prova nova e independente levada por pessoa estranha, ou seja, sem conhecimento do teor das escutas telefônicas. Realizar a correlação das provas posteriormente produzidas com aquela que constitui a raiz viciada implica dilação probatória inviável em sede de habeas corpus e a autoridade policial pode recomeçar as averiguações por outra linha de investigação, independente da que motivou a instauração do inquérito, ou seja, a denúncia anônima, tendo em vista que o procedimento ainda não foi encerrado, quer por indiciamento quer por arquivamento. Com esses fundamentos, concedeu-se parcialmente a ordem de habeas corpus. Precedentes citados do STF: Pet-AgR 2.805-DF, DJ 13/11/2002; RHC 90.376-RJ, DJ 18/05/2007; do STJ: HC 44.649-SP, DJ 8/10/2007; HC 38.093-AM, DJ 17/12/2004, e HC 67.433-RJ, DJ 7/5/2007." (HC 64.096-PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 27/5/2008).Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida,  a priori, como verdade, nem justifica qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação preliminar e, se for o caso, requerer-se ao Juízo competente o respectivo mandado de busca e apreensão, apresentando-se as investigações preliminares. Claro que se verificar alguma das hipóteses do art. 302, I ou II, do CPP, estará autorizada a agir. Mas esta ação precisa estar autorizada anteriormente, ou seja, o flagrante não pode ser pressuposto, mas deve estar posto, a saber,

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não se pode "achar" que há droga e se adentrar. É preciso que a droga e/ou arma tenha sido vista anteriormente ou sua entrega ou mesmo a venda, situação diversa da presente.Com efeito, não basta que o agente estatal afirme que alguém denunciou..., sem que indique quem fez a denúncia, bem como que "acharam" que havia droga e armas. É preciso que hajam evidências ex ante. Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional por violação do domicílio dos indiciados. Embora seja uma prática rotineira a violação da casa, não se pode continuar tolerando a arbitrariedade (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Tráfico e flagrante: apreensão da droga sem mandado. Uma prática (in)tolerável- In: PINHO, Ana Cláudia Bastos de; GOMES, Marcus Alan de Melo. Direito Penal & Democracia. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2010, p. 69-77.). Desde há muito se sabe – e os policiais não podem desconhecer a lei – que não se pode entrar na casa de ninguém – pobre ou rico – sem mandado judicial, salvo na hipótese de flagrante próprio, o qual não existe com denúncia anônima, nem sem a antevisão dos fatos. Nem se diga que depois se verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia contaminação pela entrada inconstitucional no domicílio. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (Processo Penal e Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 92) aponta: "Em conclusão, só é possível o ingresso em domicílio alheio nas circunstâncias seguintes: à noite ou de dia, sem mandado judicial, em caso de flagrante próprio (CPP, art. 302, I e II), desastre ou prestação de socorro; e durante o dia, com mandado judicial, em todas as outras hipóteses de flagrante (CPP, art. 302, III e IV). Reconheço que a falta de estrutura do sistema investigatório brasileiro, tornando inviável o contato próximo e a tempo com a autoridade judiciária, possa fazer com que o entendimento exposto se transforme em mais um entrave burocrático à persecução penal. Não é essa a intenção, mas não se pode aceitar que a doutrina fique à mercê da boa-vontade dos governantes para dotarem a polícia dos recursos técnicos e humanos necessários para o desempenho da função." Assim é que não se pode  tolerar violações de Direitos Fundamentais em nome do resultado, pois pelo mesmo argumento seria legítima a "tortura", a qual, no fundo não é tão diferente da ação iniciada exclusivamente por "denúncia anônima", à margem da legalidade e com franca violação dos Direitos Fundamentais. Qualquer um agora pode plantar droga em quem quiser e depois ligar para polícia denunciando anonimamente o depósito de drogas no terreno e a polícia, sem mais, vai até o local, sem mandado, e prende o proprietário. Não dá para tolerar isto! Não há verossimilhança, ainda mais com a constante acolhimento jurisdicional desta prática, mormente em se tratando de crime permanente, como de tráfico. A prevalecer esta lógica, a garantia do cidadão resta fenecida. Ana Maria Campos Tôrres (A busca e apreensão e o devido processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 153-154) sustenta: "Ora, sabendo que alguém tem em depósito drogas, vende droga, ou outras situações de permanência é que pode, conforme a Constituição, penetrar em

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domicílio sem o consentimento do morador. Sabe, logo tem indícios que permitam solicitar ao juiz o mandado, imprescindível contra o abuso. Não basta a mera desconfiança, pois corre o risco de responder por descumprimento da lei, logo, impossível considerar válida a apreensão nesses casos, sem ordem judicial. Seria, como o é de fato, fazer vista grossa aos abusos policiais (...) Como entender urgente o que se protrai no tempo- É possível, graças à presença diuturna do judiciário guardião da lei, requerer e ser atendido em pouco tempo, o direito constitucionalmente previsto de entrar em domicílio. A facilidade do arguir-se urgência é forma espúria de desconhecer direitos, é subterfúgio para o exercício de força, é descumprimento do dever de acatar as diretrizes políticas assumidas pelo Estado. Impossível legalizar o ilícito. Deve, nestes crimes chamados permanentes, especificamente por durarem, não se reconhecer a urgência do flagrante próprio, pois nem se evita sua consumação, nem se impede maiores consequências, e, sobretudo, arrisca-se sequer determinar a autoria, interesse maior nesses casos. O argumento de urgência deve fundamentar pedido à autoridade judiciária, inclusive, modos legais de realização. Nada impede o respeito à intimidade nessa hipótese. (...) No caso do flagrante em crime permanente, vê-se com muita frequência não só o descumprimento da lei, mais que isto, um caminho perigoso a permitir retornem as más autoridade o modelo inquisitorial, buscando provar a qualquer custo, não se preocupando com mais nada, senão com a punição pela punição." Cabe destacar julgado relatado pelo Des. Geraldo Prado, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Criminal n. 2009.050.07372, uma verdadeira aula de como se deve proceder na garantia de Direitos Fundamentais:"EMENTA: APELAÇÃO. PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. ARTIGOS 171, § 2.º, INCISO V, NA FORMA DO ARTIGO 14, INCISO II, 299 E 340, TODOS DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. PROVA ILÍCITA. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO, INTIMIDADE, VIDA PRIVADA E DIREITO AO SILÊNCIO. CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO. Apelantes condenadas pela prática dos crimes definidos nos artigos 171, § 2.º, inciso V, na forma do artigo 14, inciso II, 299 e 340, todos do Código Penal. Prova ilícita. Ingresso indevido no quarto de hospedagem das acusadas. Inviolabilidade de domicílio, da intimidade e da vida privada (artigo 5.º, incisos X e XI, da Constituição da República). Rés que não foram informadas de seu direito ao silêncio (artigo 5.º, inciso LXIII, da Constituição da República). Apreensão dos bens falsamente furtados, portanto, ilícita. Prova oral que, decorrente exclusivamente dessa apreensão, também se revela ilícita. Desaparecimento da materialidade do crime. Absolvição. RECURSOS PROVIDOS." Consta do voto: "O ingresso não pode decorrer de um estado de ânimo do agente estatal no exercício do poder de polícia. Ao revés, é necessário que fique demonstrada a fundada – e não simplesmente íntima – suspeita de que um crime esteja sendo praticado no interior da casa em que se pretende ingressar e que o ingresso tenha justamente o propósito de evitar que esse crime se consume. Se assim não fosse, seria permitido ingressar

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nas casas alheias, de forma aleatória, até encontrar substrato fático, consistente em flagrante delito, capaz de ensejar a formal instauração de procedimento investigatório criminal. Mais que isso, seria incentivar que a autoridade policial assim fizesse e, com a intenção de se livrar de uma eventual imputação de abuso de autoridade, "encontrasse" à força o estado de flagrância no domicílio indevidamente violado."Desta feita, diante das condições em que a droga/arma continua sendo apreendida neste país, em franca violação dos direitos fundamentais, a prova deve ser declarada ilícita, especialmente nos casos de ilegal denúncia anônima, bem assim quando a atuação dos policiais acontece sem mandado judicial, implicando, pois, na ilegalidade da apreensão da droga/armas e, por via de consequência, da ausência de materialidade. Agora não se pode é se acovardar em nome do resultado. A função do Judiciário é de garantia! No caso presente, pois, declaro ilegal a apreensão e rejeito a denúncia, por ausência de materialidade constitucionalmente válida. III –

VIOLAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - ALERTA SOBRE A ATUAL

Foram inúmeros testemunhos dando conta de abusos de autoridade, extorsões, lesões corporais envolvendo tais tipos de abordagem policial, crescentes a cada dia. Há policiais atualmente presos pela 11ª Vara Criminal, acusados de tortura. Qual credibilidade passa a ter o trabalho policial para mim e, acredito, para o Ministério Público, para a Defensoria Pública e, principalmente, para a sociedade, depois de tantas denúncias? Só para dar uma dimensão do que assisti recentemente nos meios de comunicação, em relação à Zona >. Passei a me questionar com muito mais atenção acerca da licitude dos flagrantes de tráfico de drogas que aqui me chegam. Diz a Constituição Federal, em relação à questão: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador,

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salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; (...) LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; (...) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; (...) LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; Nesse momento, para mim urge identificar qual tipo de processo penal quero praticar, e quais direitos estarei eu garantindo através da atuação da Potestade Pública pelo Poder Judiciário. Com efeito, o trabalho de um juiz não em muito diferencia do executado pelo historiador. Como não presenciei os fatos, reproduzo em momento posterior, numa cadeia dos significantes que elejo como os mais importantes para produzir uma imagem mental do ocorrido, a historicidade dos fatos, para concluir qual a repercussão jurídico-penal que a eles devo atribuir. Para isso, preciso-me valer das provas colhidas durante a instrução, provas essas que devem repercutir um juízo de convencimento, após a filtragem hermenêutico-constitucional (significa dizer respeito pelo devido processo legal, pelo contraditório e ampla defesa, presunção de inocência, licitude das provas, etc.). O que me intriga, por ora, é o comum fato de que as drogas são apreendidas com base em denúncia anônima, sem mandado judicial prévio. Num Estado verdadeiramente Democrático, o juiz aplica o direito e o processo penais garantindo ao acusado o respeito aos seus direitos fundamentais. Um deles é o de não sofrer coação com base em denúncias anônimas. A relevância disso é grande, pois impede que haja abusos ou manipulações. E alguém pode perguntar como é que a polícia vai trabalhar? Ora, é fácil para uma boa parcela da população cobrar maior eficiência da polícia, pois usualmente estão imunizados de possíveis abusos cometidos sob o pálio do denuncismo sem rosto. Nesse país, aliás, tem sido tônica a existência de três classes de pessoas, tal qual alertado por Roberto Damatta: o cidadão, o sobrecidadão e o subcidadão. O primeiro é aquele que cumpre seus

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deveres e pode cobrar seus direitos. O segundo é aquele que não necessita do Estado, por isso me preocupa esse efienciencitismo. Não devo esquecer que a inquisição seguia um roteiro de delatores sem rosto, envoltos em sobras, e foram essas sombras responsáveis pela morte de centenas de milhares de pessoas (estima-se que somente na Alemanha, durante esse período do terror religiosos, cem mil foram queimadas na fogueira). Visando evitar tais posturas, nossa Constituição elegeu entre um dos seus princípios o de que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato." (CF-88, art. 5º, IV). Em recente decisão, entendeu o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, César Asfor Rocha, no HABEAS CORPUS nº 159.159 - SP (2010/0004039-3), o seguinte: Cumpre observar que o sistema jurídico do País e o seu ordenamento positivo não aceitam que o escrito anônimo possa, em linha de princípio e por si, isoladamente considerado, justificar a imediata instauração da persecutio criminis, porquanto a Constituição proscreve o anonimato (art. 5º, IV), daí resultando o inegável desvalor jurídico de qualquer ato oficial de qualquer agente estatal que repouse o seu fundamento sobre comunicação anônima, como o reconheceu o Pleno do STF no julgamento do INQ 1957, Rel. Min. Cézar Peluso (DJU de 11.11.2005), ainda que se admita que possa servir para instauração de averiguações preliminares, na forma do art. 5º, § 3º, do CPP, ao fim das quais se confirmará – ou não – a notícia dada por pessoa de identidade ignorada ou mediante escrito apócrifo. Nesta Corte Superior a orientação dos julgamentos segue esse mesmo roteiro, destacando dentre muitos e por todos o que decidido no HC 74.581 (Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 10.03.2008) e no HC 64.096 (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 04.08.2008). E como acentua Alexandre Morais da Rosa, em http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/2010/03/trafico-sem-mandado.html, “Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida, a priori, como verdade, nem justifica qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação preliminar e, se for o caso, requerer-se ao Juízo competente, o respectivo mandado de busca e apreensão, apresentando-se as investigações preliminares. Claro que se verificar alguma das hipóteses do art. 302, I ou II, do CPP, estará autorizada a agir. Mas esta ação precisa estar autorizada anteriormente, ou seja, o flagrante não pode ser pressuposto, mas

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deve estar posto, a saber, não se pode achar que há droga e se adentrar. É preciso que a droga tenha sido vista anteriormente ou sua entrega ou mesmo a venda, situação diversa da presente.” E prossegue: "Não basta que o agente estatal afirme que recebeu uma ligação anônima, sem que indique quem fez a denúncia, nem mesmo o número de telefone, dizendo que havia chegado droga, na casa do acusado, bem como que "acharam" que havia droga porque era uma traficante conhecido, muito menos que pelo comportamento do agente "parecia" que havia droga. É preciso que hajam evidências ex ante. Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional por violação do domicílio do acusado. Embora seja uma prática rotineira a violação da casa de pessoas pobres, porque a polícia não entra assim em moradores das classes ditas altas, não se pode continuar tolerando a arbitrariedade. Desde há muito se sabe – e os policiais não podem desconhecer a lei – que não se pode entrar na casa de ninguém – pobre ou rico – sem mandado judicial, salvo na hipótese de flagrante próprio, o qual não existe com denúncia anônima. Nem se diga que depois se verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia contaminação pela entrada inconstitucional no domicílio.

As provas no processo penal são o alicerce utilizado na demonstração da reprodução da verdade dos fatos ocorridos, para que o processo atinja seu verdadeiro fim, ou seja, compor litígios de forma justa. É repudiada a idéia de se punir um inocente.

A importância de tal fato se deve ao valor agregado às provas, principalmente no processo penal em que envolve um alcance social de suas conseqüências e valores individuais a serem protegidos.

Será através delas que o juiz num processo judicial vai formular o seu convencimento acerca da lide. Podendo se utilizar das variedades de formas admitidas no direito como a perícia, a oitiva de testemunhas, o depoimento das partes e da juntada de documentos.

As provas possuem um valor decisivo no processo, não na aplicação da pena, quanto na própria impulsão deste, posto que é através de

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indícios que assegurem a existência de um fato e a formação de culpa que se inicia um processo.

O criminal tem na prova o elemento determinador de sua atuação. É exigência vital a certeza para agir no campo do direito processual penal. Como define Eugenio Florian: “Prova é todo meio que produz um conhecimento certo ou provável acerca de qualquer coisa”.

Partindo dessa exposição da importância das provas e sua utilidade no processo e já prevendo a impossibilidade de obtê-la sempre por meios permitidos judicialmente, é que o jurista deve também admitir a existência das provas ilícitas no processo como meio de se obter a verdade.

II. AS PROVAS ILÍCITAS: SUA INADMISSIBILIDADE PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Segundo a constituição federal de 1988, as provas ilícitas não devem ser possíveis, pois estariam contrariando o que estabelece a mesma, no art. 5º, LVI, que explicita: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Veda-se a prova colhida com infração a normas ou princípios de direito material, sobretudo de direito constitucional, pois a problemática de prova ilícita se prende sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e garantias atinentes à intimidade, à liberdade, à dignidade humana.

Mas, também, de direito penal, civil, administrativo, onde já se encontram definidos na ordem infra constitucional outros direitos ou cominações legais que podem se contrapor às exigências de segurança social, investigação criminal e acertamento da verdade, tais os de propriedade, inviolabilidade, e outros.

III. O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

Com a influência da Carta Magna de 1988, a jurisprudência passou a adotar a absoluta inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, devendo ser desconsideradas dos autos do processo. Posicionamento encontrado em decisões, como por exemplo:

“Ainda no sentido do destranhamento da prova ilícita: STF, RTJ162/3; 164/1010; ED n º 731-9, 9, j.22.5.96, DJU de 7.5.1996, pág. 19.857;STJ, RMS nº 8559 , Rel. Min. Vicente Cernicchiano; j. 12.6.1998, DJU de 3.8.1998, pág.328”

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“Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’ por ela estabelecida, possa o juiz, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS 21.750, 24.11.93, Velloso); conseqüente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta , nas quais se fundou a condenação do paciente. (HC nº 69912-0/RS, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D. J. 25.03.94, deferido, por maioria”.

“Denúncia baseada em prova documental suficiente, além daquela contra a qual se insurge a interpretação (escuta telefônica). Pedido deferido, em parte, para determinar sejam extraídas dos autos as degradações irregularmente obtidas”. (STF-1ª T-HC-j.8.4.1996-Rel. Min. Octavio Gallotti- RTJ162/3660)”.

Então, a controvérsia acerca do assunto diz respeito sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e as garantias relativas à intimidade, à liberdade, à dignidade humana.

Ainda que seja discordante o fato de se considerar o uso das provas ilícitas, devem ser respeitados em primeiro momento os princípios constitucionais e os direitos fundamentais da pessoa, como o direito da intimidade, a efetividade do processo que deve atender a um interesse público de vasta relevância.

Questiona se deveria o juiz criminal absolver um criminoso ou condenar um inocente apenas porque não pode tomar conhecimento de um meio de prova obtido ilicitamente. O que deve ser feito nesse caso é obedecer ao princípio da presunção de inocência, ou seja, na falta de provas concretas em relação ao réu, o mesmo deve ser considerado inocente.

Apesar da grande massa da jurisprudência negar a viabilidade da prova ilícita, acredita-se que, baseado no princípio do livre convencimento motivado do juiz, se dar credibilidade a execução dessas provas, como afirma Tourinho Filho, quando considera

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possível a prova ilícita quando vier para beneficiar o réu ou seja para a defesa e ainda acha um não-senso sua inadmissibilidade.

IV. O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ

Esse princípio vai servir de base da análise desse artigo como pressuposto de admissibilidade das provas proferidas por meios ilícitos.

O princípio exposto, desde da época da Escola clássica do processo penal formou a exigência de uma tutela de liberdade individual, tendo no processo o caminho voltado a garantir o direito do acusado.

Os sistemas probatórios modernos utilizam esse princípio como um ponto de partida para o julgador expor o seu convencimento. Pacelli assim também se posiciona: “O livre convencimento motivado é regra de julgamento , a ser utilizada por ocasião da decisão final, quando se fará a valoração de todo o material probatório levado nos autos”.

O juiz deve tomar sua decisão baseada no seu convencimento desde que fundamente, explique o que decidiu. Deve declinar as razões que o levaram a optar por tal ou qual prova, fazendo-o com base em argumentação racional.

Já Mirabete, coloca em sua obra que a busca pela verdade real e o sistema do livre convencimento do juiz, que conduzem ao princípio da liberdade probatória levam também a doutrina a concluir que não se esgotam nos art. 158 a 250 do CPP os meios de provas permitidos na nossa legislação .

Mirabete tem um posicionamento menos radical, acreditando no entendimento tido pela doutrina nacional e estrangeira que é possível a utilização de prova favorável ao acusado ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, quando indispensáveis, e, quando produzida pelo próprio interessado (como a de gravação de conversação telefônica, em caso de extorsão, por exemplo), dar a idéia de legítima defesa, que exclui a ilicitude.

Hoje já se aplica o princípio da proporcionalidade e da ponderação quanto à inadmissibilidade da prova ilícita quando forem a única forma de defesa do réu, a doutrina já admite sua aplicação.

Nem o código de processo penal trata no seu capítulo referente às provas, desse tipo objeto da questão debatida.

E também se questionada as provas fruto de meios lícitos que obtidas através de meios ilícitos deveriam valer ou não pelo convencimento do juiz e se os elementos de prova que não devem ser admitidos no

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processo são aqueles e somente aqueles que decorram diretamente de uma fonte proibida.

O próximo ponto se destina a essa análise e outras direções que o poder que o juiz possui e às vezes não pode aplicá-lo baseado no seu direito relacionado ao seu livre convencimento.

Alexandre Morais da Rosa. Doutor em Direito (UFPR). Juiz de Direito (TJSC).

1. Ana Cláudia Pinho convidou-me para escrever um texto sobre o Direito e o Processo Penal. Lembrei-me imediatamente da eternal luta contra ilegalidades e/ou abusos cometidos em nome do resultado, ou seja, um "eficientismo penal" absurdo e nefasto (MORAIS DA ROSA; Alexandre; CARVALHO, Thiago Fabres de. Processo Penal Eficiente e Ética da Vingança. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010). Por isto, este breve texto procura apontar que não se pode, pelo resultado, validar-se violações aos Direitos Fundamentais, no caso, adentrar-se na residência de pessoas por mera suspeita, implicando, pois, na absolvição por ausência de materialidade.

2. Pois bem. A decisão no processo penal não é ato de conhecimento, mas sim de compreensão, em que os sujeitos incidentes, no evento semântico denominado sentença, realizam uma fusão de horizontes, para usar a gramática de Gadamer. Neste contexto, diante da apresentação de uma hipótese fático-descritiva pela acusação, procede-se a um debate em contraditório, entre partes, nos quais os ônus são compartilhados. O resultado da produção válida de significantes será composta em uma decisão judicial, a qual não se assemelha, nem de longe, ao mito ultrapassado da verdade real. A verdade real é empulhação ideológica que serve para "acalmar" a consciência de acusadores e julgadores. O que existe é a produção de significantes e uma decisão no tempo e espaço. As únicas garantias existentes são: a) um processo como procedimento em contraditório; b) processo acusatório, entre partes, sem atividade probatória do juiz, com as garantias constitucionais (presunção de inocência, etc.; c) decisão fundamentada por parte dos órgãos julgadores. A legitimidade desta decisão decorre, também e fundamentalmente, da sua concordância com a Constituição (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006).

3. Destaque-se, por básico, que a pseudo-prova produzida no 'Inquérito Policial' somente pode servir para análise da condição da ação (GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Justa Causa no Processo Penal: Conceito e Natureza Jurídica. In: BONATO, Gilson (Org.). Garantias Constitucionais e Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen

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Juris, 2002. p. 199-200), ou seja, dos elementos necessários para o juízo de admissibilidade positivo da ação penal. No mais, não há qualquer possibilidade de valoração democrática, no Processo Penal constitucionalizado, por ser ela desprovida das garantias processuais. A recente reforma do CPP, dando nova redação ao art. 155, ao indicar a possibilidade de seu uso é flagrantemente inconstitucional (MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 83-97; BARROS, Flaviane de Magalhães. (RE)Forma do Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 23-27; GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) Do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008)23-36). É que quando de sua produção ainda não existia acusação formalizada, despreza o defensor – além de alguns ainda negarem a publicidade dos atos, embora sumulada a situação – e, ademais, viola a garantia de que seja produzida em face de juiz imparcial, sob contraditório (PIZA, Evandro. Dançando no escuro: apontamentos sobre a obra de Alessandro Baratta, o sistema penal e a justiça. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e reverso do controle penal: (des) aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 106-108.). Decorrência direta do princípio da publicidade é a conclusão de somente as provas produzidas (significantes) em face do contraditório é que podem ser levadas em consideração nos debates e também na decisão judicial. Os elementos indiciários não devem adentrar validamente no debate porque, por evidente, não havia acusação quando colhida, violando, dentre outros, o princípio da publicidade. Logo, as declarações prestadas naquele momento são – para se utilizar o estatuto probatório italiano, perfeitamente aplicável ao brasileiro –, absolutamente inutilizáveis, conforme lição de Paolo Tonini (A prova no processo penal italiano. Trad. Alexandra Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 76): "O termo inutilizabilidade descreve dois aspectos do mesmo fenômeno. Por um lado, indica o 'vício' que pode conter um ato ou um documento; por outro lado, ilustra o 'regime jurídico' ao qual o ato viciado é submetido, ou seja, a não possibilidade de ser utilizado como fundamento de uma decisão do juiz. A inutilizabilidade é um tipo de invalidade que tem a característica de atingir não o ato em si mas o seu 'valor probatório'. O ato pode ser válido do ponto de vista formal (por exemplo, não é eivado de nulidade), mas é atingido em seu aspecto substancial, pois a inutilizabilidade o impede de produzir o seu efeito principal, qual seja, servir de fundamento para a decisão do juiz." No Processo Penal democrático, o conteúdo do Inquérito Policial está maculado pela ausência de contraditório, sendo utilizável exclusivamente para análise das questões prévias (condições da ação e pressupostos processuais aplicáveis – MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A natureza cautelar da decisão de arquivamento do Inquérito Policial. In: Revista de Processo, São Paulo, n. 70, p. 49-58, 1993.). Enfim, é absolutamente antidemocrática a utilização dos elementos do Inquérito Policial

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para efeito de condenar o acusado. Claro que se for consultar Damásio, Mirabete e Capez, todos dirão da validade, pois ainda não fizeram o giro democrático que a Constituição de 1988 preconiza!

5. A função do Poder Judiciário é o de garantir Direitos Fundamentais do sujeito em face do Estado (PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Direito Penal e Estado Democrático de Direito: uma abordagem a partir do garantismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006), a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam se houver uma relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes. Por isto, para se investigar alguém, numa democracia, não se pode iniciar com o "denuncismo anônimo" contemporâneo em que a polícia recebe a denúncia anônima e se dá por satisfeita. Tanto assim que agora se fomenta programas "covardes" como o do "Informante Cidadão". É preciso que as investigações aconteçam no limite da legalidade. O processo da inquisição acontecia com testemunhas sem rosto, sem face, sem nome, num denuncismo sem limites. Para isto a Constituição da República em vigor há mais de VINTE ANOS, estabeleceu claramente no art. 5º, IV: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato." Paulo Rangel (A Linguagem pelo Avesso: a Denúncia Anônima como causa (i)legitimadora da Instauração de Investigação Criminal: Inconstitucionalidade e Irracionalidade. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (orgs). Processo Penal e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 477-494), promotor de Justiça no Rio de Janeiro, sem aceitar investigar a qualquer preço, pontua: "Pensamos que autoridade que determinar a instauração do procedimento criminal ou administrativo, tendo como base a denúncia anônima, ficaria sujeita, em tese, à responsabilidade criminal, nos exatos limites do art. 339 do CP. O denunciante anônimo se esconde atrás das vestes da impunidade, pois, se sua denúncia for falsa, ele não será responsabilizado. (...) O 'denunciado' tem o direito de demonstrar os motivos pelos quais quem o denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito, falta do que fazer etc. Sendo anônima a denúncia, não há como reagir contra o denunciante. Ele fica refém." Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 218) sustenta: "se o nosso CP erigiu à categoria de crime a conduta de todo aquele que dá causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os 'denunciados' chamar à responsabilidade o autor da delatio criminis, se esta pudesse ser anônima? A vingar entendimento diverso, será muito cômodo para os salteadores da honra alheia vomitarem, na calada da noite, à porta das Delegacias, seus informes pérfidos e ignominiosos, de maneira atrevida, seguros, absolutamente seguros da impunidade. Se se admitisse a delatio anônima, à semelhança do que ocorria em Veneza, ao tempo da inquisitio extraordinem, quando se permitia ao povo

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jogasse nas famosas 'Bocas dos Leões' suas denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade viveria em constante sobressalto, uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro sentimento subalterno." Decidiu-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: "INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA ANÔNIMA.: Trata-se de habeas corpus em que se busca o trancamento de inquérito policial instaurado contra o paciente, visto que tal procedimento iniciou-se com a interceptação telefônica fundada exclusivamente em denúncia anônima. A Turma, por maioria, entendeu que, embora apta para justificar a instauração do inquérito policial, a denúncia anônima não é suficiente a ensejar a quebra de sigilo telefônico (art. 2º, I, da Lei n. 9.296/1996). A delação apócrifa não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária; é mera notícia vinda de pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do CP). Assim, as gravações levadas a efeito contra o paciente, por terem sido produzidas mediante interceptação telefônica autorizada em desconformidade com os requisitos legais, bem como todas as demais provas delas decorrentes, abrangidas em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada, adotada pelo STF, são ilícitas e, conforme o disposto no art. 5º, LVI, da CF/1988, inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação. Contudo, entendeu-se que é temerário fulminar o inquérito policial tão-somente em virtude da ilicitude da primeira diligência realizada. Isso porque, no transcurso do inquérito, é possível que tenha ocorrido a coleta de alguma prova nova e independente levada por pessoa estranha, ou seja, sem conhecimento do teor das escutas telefônicas. Realizar a correlação das provas posteriormente produzidas com aquela que constitui a raiz viciada implica dilação probatória inviável em sede de habeas corpus e a autoridade policial pode recomeçar as averiguações por outra linha de investigação, independente da que motivou a instauração do inquérito, ou seja, a denúncia anônima, tendo em vista que o procedimento ainda não foi encerrado, quer por indiciamento quer por arquivamento. Com esses fundamentos, concedeu-se parcialmente a ordem de habeas corpus. Precedentes citados do STF: Pet-AgR 2.805-DF, DJ 13/11/2002; RHC 90.376-RJ, DJ 18/05/2007; do STJ: HC 44.649-SP, DJ 8/10/2007; HC 38.093-AM, DJ 17/12/2004, e HC 67.433-RJ, DJ 7/5/2007." (HC 64.096-PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 27/5/2008).

6. Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida, a priori, como verdade, nem justifica qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação preliminar e, se for o caso, requerer-se ao Juízo competente, o respectivo mandado de busca e apreensão, apresentando-se as investigações preliminares. Claro que se verificar alguma das hipóteses do art. 302, I ou II, do

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CPP, estará autorizada a agir. Mas esta ação precisa estar autorizada anteriormente, ou seja, o flagrante não pode ser pressuposto, mas deve estar posto, a saber, não se pode achar que há droga e se adentrar. É preciso que a droga tenha sido vista anteriormente ou sua entrega ou mesmo a venda, situação diversa da presente.

7. Com efeito, não basta que o agente estatal afirme que recebeu uma ligação anônima, sem que indique quem fez a denúncia, nem mesmo o número de telefone, dizendo que havia chegado droga, na casa do acusado, bem como que "acharam" que havia droga porque era uma traficante conhecido, muito menos que pelo comportamento do agente "parecia" que havia droga. É preciso que hajam evidências ex ante. Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional por violação do domicílio do acusado. Embora seja uma prática rotineira a violação da casa de pessoas pobres, porque a polícia não entra assim em moradores das classes ditas altas, não se pode continuar tolerando a arbitrariedade. Desde há muito se sabe – e os policiais não podem desconhecer a lei – que não se pode entrar na casa de ninguém – pobre ou rico – sem mandado judicial, salvo na hipótese de flagrante próprio, o qual não existe com denúncia anônima. Nem se diga que depois se verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia contaminação pela entrada inconstitucional no domicílio. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (Processo Penal e Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 92) aponta: "Em conclusão, só é possível o ingresso em domicílio alheio nas circunstâncias seguintes: à noite ou de dia, sem mandado judicial, em caso de flagrante próprio (CPP, art. 302, I e II), desastre ou prestação de socorro; e durante o dia, com mandado judicial, em todas as outras hipóteses de flagrante (CPP, art. 302, III e IV). Reconheço que a falta de estrutura do sistema investigatório brasileiro, tornando inviável o contato próximo e a tempo com a autoridade judiciária, possa fazer com que o entendimento exposto se transforme em mais um entrave burocrático à persecução penal. Não é essa a intenção, mas não se pode aceitar que a doutrina fique à mercê da boa-vontade dos governantes para dotarem a polícia dos recursos técnicos e humanos necessários para o desempenho da função." Assim é que não se pode tolerar violações de Direitos Fundamentais em nome do resultado, pois pelo mesmo argumento seria legítima a "tortura", a qual, no fundo não é tão diferente da ação iniciada exclusivamente por "denúncia anônima", à margem da legalidade e com franca violação dos Direitos Fundamentais. Perceba-se que a coisa é tão grave que a droga foi encontrada, por certo, conforme a denúncia, fora da casa do acusado, ainda que na sua propriedade, mas em lugar aberto, sem cercas, no meio do mato. Qualquer um agora pode plantar droga em quem quiser e depois ligar para polícia denunciando anonimamente o depósito de drogas no terreno e a polícia, sem mais, vai até o local, sem mandado, e prende o proprietário. Não dá

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para tolerar isto!

8. Claro que o argumento seguinte é: mas o proprietário autorizou a entrada! Será que alguém acredita mesmo que o acusado autorizou? Não há verossimilhança, ainda mais com a constante acolhimento jurisdicional desta prática, mormente em se tratando de crime permanente, como de tráfico. A prevalecer esta lógica, a garantia do cidadão resta fenecida. Ana Maria Campos Tôrres (A busca e apreensão e o devido processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 153-154)

Sistemas legalista e constitucionalista sobre provas ilícitas. 

A disciplina jurídica da prova ilícita (que viola regras de direito material e distingue-se da prova ilegítima que conflita com regra de direito processual) pode ser enfocada e enquadrada em dois grandes sistemas: (a) o legalista e (b) o constitucionalista. Superficial análise da jurisprudência brasileira revela, com clareza meridional, a evolução de um para outro sistema.

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A prova ilícita no sistema legalista. 

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Da vigência do Código de Processo Penal (01.01.1942) até meados da década de setenta preponderou no nosso sistema jurídico a visão legalista da prova ilícita, que a admitia no processo penal (leia-se: não se respeitava a regra da exclusão) e, mais do que isso, a considerava válida, salientando-se unicamente que o responsável pela ilicitude deveria ser devidamente sancionado. Esse é o sistema do male captum, bene retentum (Franco Cordero: prova mal colhida mas bem produzida) (cf. Ricardo Melchior de Barros Rangel, A prova ilícita e a interceptação telefônica no direito processual penal brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 81). 

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Muitos são os julgados que retratam essa longínqua e ultrapassada perspectiva (RT 148, p. 154; RT 175, p. 523; RT 161, p. 51 etc.), que ignorava que a verdade judicial exige estrita observância de alguns limites, que não podem ser menosprezados (sobre esse período jurisprudencial legalista cf. Grinover, Fernandes e Gomes Filho, As nulidades no processo penal, 7. ed., São Paulo: RT, 2001, p. 139). Para uma visão geral da evolução do assunto cf.: Fernando Capez, Curso de processo penal, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 226; Júlio

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Fabbrini Mirabete, Código de Processo Penal Interpretado, São Paulo: Atlas, 1994, jurisprudência citada na p. 219, especialmente RT 698/344; Vicente Greco Filho, Manual de processo penal, São Paulo: Saraiva, 1991, ps. 176-178; Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 6. ed. em CD-ROM, São Paulo: Saraiva, 2001, notas ao artigo 155 do CPP; Hidejalma Muccio, Curso de processo penal, v. 1, São Paulo-Bauru: Edipro, 2000, p. 119-120; Francisco de Assis do Rêgo Monteiro da Rocha, Curso de Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1999, ps. 331-334; Fernando da Costa Tourinho Filho, Manual de processo penal, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 16-17 e 371-374.

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A prova ilícita é admissível, apurando-se a ilicitude em outro processo.

 Dizia-se nessa época: eventual ilicitude da prova é matéria que deve ser reconduzida a um processo penal ou administrativo, leia-se, deve ser apurada em procedimento específico, que não interfere nem influencia a admissibilidade (e validade) dela no processo (cf. Ali Mazloum, Crimes do colarinho branco, Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 157).

A prova ilícita é aceita por força de vários princípios. 

Fundamentalmente, como bem sintetizou o magistrado paulista Ricardo Cintra Torres de Carvalho, A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal: um estudo comparativo das posições brasileira e norte-americana, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 3, n. 12, out-dez/1995, p. 167 e ss., o sistema (legalista) da admissibilidade (e validade) das provas ilícitas tinha assento em três princípios: (a) do livre convencimento (cabe ao juiz atribuir a cada prova o valor que merecer); (b) da fé pública (as provas produzidas pelas autoridades públicas são presumidas verdadeiras, cabendo ao interessado a prova de que são inválidas); (c) da veracidade da prova (a prova é analisada pela carga de convencimento que contém, abstraindo-se a forma de sua obtenção).

Não se questiona os abusos do Estado. 

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No sistema legalista e formalista (burocrático por excelência), que idolatrava o Estado ("Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum" - cf. Exposição de Motivos do CPP, assinada por Francisco Campos) e não desconfiava da polícia nem dos seus

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métodos de investigação, não se questionava seriamente os abusos dos próprios órgãos estatais encarregados da obtenção da prova. 

Havia, é certo, opositores a esse sistema (cf. RT 440, p. 368; RT 440, p. 343 etc.), mas até o final da década de setenta prosperou a conivência da Justiça com as arbitrariedades da Polícia, especialmente nesse âmbito da colheita da prova. 

Do sistema legalista ao constitucionalista: a contribuição do STF. A passagem do sistema legalista (admissibilidade da prova ilícita) para o constitucionalista (inadmissibilidade da prova ilícita) deu-se em virtude da firme posição do STF, desde 1977, quando, pela primeira vez, determinou o desentranhamento do processo de fitas gravadas clandestinamente (RTJ 84, p. 609, Xavier de Albuquerque). 

Em 1984, no RE 1000.094-PR, Rafael Mayer, salientou-se que a interceptação telefônica clandestina infringe a garantia constitucional do direito da personalidade e ademais é moralmente ilegítima (RTJ 110, p. 798). 

No âmbito do processo penal a primeira decisão do STF que reconheceu a inadmissibilidade da prova ilícita deu-se em dezembro de 1986 (RTJ 122, p. 47). Tratava-se também de um caso de interceptação telefônica clandestina. Determinou-se o trancamento do inquérito policial, fundado nessa prova: "Os meios de prova ilícitos não podem servir de sustentação ao inquérito ou à ação penal". 

Posição do legislador constituinte de 1988. 

O legislador constituinte de 1988 acabou consolidando esse enfoque constitucionalista do tema, inserindo-se no art. 5º, inc. LVI, a seguinte regra: "São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". 

A regra constitucional (no sistema jurídico pátrio), portanto, é a da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito (exemplos: interceptação telefônica sem ordem de juiz, busca e apreensão sem fundamentação, confissão mediante tortura etc.). 

Ainda que muito evidente, sublinhe-se que a antiga posição da jurisprudência (legalista), que admitia a prova ilícita e a considerava válida, conflita (hoje) frontalmente não só com o texto constitucional destacado senão também com a própria filosofia e a ética que estão detrás da sua literalidade. Em outras palavras, pelo que se depreende do atual quadro axiológico constitucional já não há espaço para a provecta concepção legalista, especialmente em matéria de prova ilícita (cf. RT 725, p. 575 e ss.). 

prova ilícita vale pro reo. 

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A única exceção que é reputada como legítima a essa regra consiste na utilização da prova ilícita para comprovar a inocência de um acusado (ex.: uso de uma interceptação telefônica clandestina que comprove o verdadeiro autor do delito que foi atribuído injustamente a um inocente). A exceção, como se sabe, fundamenta-se no princípio da proporcionalidade: na colisão entre a inocência e a proibição do uso da prova ilícita, há que preponderar a primeira (cf. Grinover, Fernandes e Gomes Filho, As nulidades no processo penal, 7. ed., São Paulo: RT, 2001, p. 136 e ss.).

Prova ilícita: exclusão dos autos do processo. 

Se bem compreendida a regra (constitucional) da inadmissibilidade da prova ilícita logo se verifica que jamais seu substractum material (ressalvada a prova ilícita pro reo) pode permanecer nos autos do processo. A conseqüência primeira (e mais irrefutável) do reconhecimento da ilicitude de uma prova consiste em sua (incontestável) exclusão dos autos do processo. 

Inadmissibilidade da prova ilícita e nulidade. 

Impõe-se considerar que inadmissibilidade não se confunde com nulidade (cf. Antonio Magalhães Gomes Filho, Direito à prova no processo penal, São Paulo: RT, 1997, p. 94 e ss.; sobre a diferença entre o sistema italiano da inutilizabilidade da prova ilícita e a nulidade cf. Tommaso Basile, La prova penale nello giurisprudenza di legittimità, Milano: Giuffrè, 1997, p. 45; Giulio Ubertis, La prova penale, Torino: Utet, 1995, p. 73 e ss.; Paolo Tonini, La prova penale, 4. ed., Padova: Cedam, 2000, p. 58 e ss.; sobre a inutilizabilidade do prova ilícita no direito espanhol cf. Jacobo Lopes Barja de Quiroga, Lãs escuchas telefônicas y la prueba ilegalmente obtenida, Madrid; Akal, 1989, p. 82 e ss.; José Maria Paz Rubio et alii, La prueba em el proceso penal, Madrid: Colex, 1999, p. 405 e ss.; para uma visão mais ampla de direito comparado: Luiz Francisco Torquato Avolio, Prova ilícitas, 2. ed., São Paulo: RT, 1999, p. 161). 

Os atos irregulares (e, portanto, anuláveis, nulos ou inválidos) podem ser enfocados desde uma perspectiva ex ante ou ex post. 

O sistema das nulidades é inteiramente fundado nesta última (ex post). A nulidade, conseqüentemente, é examinada posteriormente à produção (introdução) da prova no processo. O julgamento (necessariamente) vem depois. Não existe impedimento (prévio) da introdução da prova nula no processo. Mais ainda: enquanto não é julgada nula e ineficaz, produz efeitos jurídicos. 

Considerando-se que a nulidade ora é absoluta ora é relativa, pode ser que o julgamento (ex post) acabe (inclusive) por concluir pela

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irregularidade do ato processual (ou probatório), porém, sem retirar-lhe qualquer eficácia (ex.: nulidade relativa não argüida tempestivamente e que não tenha causado nenhum prejuízo). 

O sistema da inadmissibilidade da prova ilícita (acolhido pelo legislador constituinte brasileiro em 1988) é distinto (do sistema legalista) justamente porque parte de uma perspectiva ex ante, isto é, impede que tal prova seja introduzida nos autos. Nem sequer pode ser juntada. 

Enquanto a nulidade pretende nulificar a eficácia de uma prova, o modelo da inadmissibilidade orienta-se no sentido de impedir seu ingresso no processo (porque a prova ilícita tem todas as características de um ato inexistente).

O sistema da nulidade foi pensado para operar depois da produção da prova; o da inadmissibilidade foi criado para ter incidência antes da produção (introdução) da prova nos autos. No sistema das nulidades uma prova irregular (ausência de curador ao menor, por exemplo) pode ter eficácia e influenciar o convencimento do julgador. No modelo da inadmissibilidade, de modo algum pode a prova ilícita permanecer no processo (tendo em conta sobretudo o risco - certo ou eventual - de produzir efeitos no convencimento do juiz). 

Em tese (leia-se, em teoria), tinha o legislador constituinte a possibilidade de escolher entre um sistema e outro. Acabou fazendo sua opção pelo da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito. Resta-nos agora (tal como vem insistentemente proclamando o STF) ser coerentes com o sistema eleito (sob pena de adotarmos discursos inconstitucionais) (cf. Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 230 e ss.). 

Se ele é absoluto ou relativo é outra questão (e dela neste momento não parece oportuno cuidar; também dela não cuidou, ad exemplum, o v. acórdão da Primeira Turma do STF no HC 80.420-9-RJ).

A admissibilidade da prova constitui, portanto (segundo o autorizado magistério de Antonio Magalhães Gomes Filho, Direito à prova no processo penal, cit., p. 95), "um conceito de direito processual e consiste numa valoração prévia feita pelo legislador, destinada a evitar que elementos provenientes de fontes espúrias, ou meios de prova reputados inidôneos, tenham ingresso no processo e sejam considerados pelo juiz na reconstrução dos fatos; daí sua habitual formulação em termos negativos: inadmissibilidade, proibição de prova,"exclusionary rules"".

A prova ilícita não pode ingressar no processo. 

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O escopo maior (e mais enfático) da regra da inadmissibilidade da prova ilícita consiste, como se vê, em impedir não só o ingresso jurídico da prova no processo, senão sobretudo sua própria introdução material ou física nos autos. 

Prova ilícita e sua exclusão. 

Mas e se apesar de ilícita a prova acabar sendo introduzida nos autos do processo? Quid iuris? Deve, prontamente, ser excluída. No processo penal democrático (e de partes), regido por todas as garantias do fair trial (do justo processo), ao direito à prova (lícita, ou seja, legitimamente obtida ou produzida) corresponde o direito à exclusão da prova ilícita, leia-se, da prova obtida com violação patente de preceitos materiais (constitucionais ou penais).

Direito à exclusão da prova ilícita: limites. 

O direito à exclusão da prova ilícita possui regras, possui limites. Por exemplo: não pode a acusação pretender a exclusão dos autos de uma prova ilícita que comprove a inocência do acusado (prova ilícita pro reo). Vê-se que não se pode conceber a regra da exclusão das provas ilícitas em termos absolutos.

A "exclusionary rule" no Direito norteamericano.

No Direito norte-americano há uma longa tradição (e polêmica) em torno das denominadas exclusionary rules, que significam o desentranhamento dos autos da prova reputada ilícita:

"Exclusionary Rule. This rule comande that where evidence hás been obtained in violation of the privilege guaranteed by the U.S. Constitution, the evidence must be excluded at the trial. Evidence which is obtained by an unreasonable search and seizure is excluded from evidence under the Fourth Amendment, U.S. Constitution and this rule is applicable to the States (Mapp. V. Ohio, 367 U.S. 643, 81 S. Ct. 1684, 6 L. Ed. 2d. 1081) (Black´s Law Dictionary, St. Paul Minn., West Publishing Co., 1979, p. 506 e 914".

A prova ilícita deve ser desentranhada dos autos. 

O sistema constitucional pátrio acabou enveredando-se por essa seara aberta pelos norte-americanos. Por conseguinte, a prova obtida ilicitamente ("illegally obtained evidence"), havendo provocação do interessado ("motion do suppress"), deve ser desentranhada dos autos por força da regra de exclusão ("exclusionary rule"). 

Há muita controvérsia sobre a extensão e os limites da exclusionary rule (cf., por exemplo, RTJ 163, p. 724 e ss.), entretanto, quando já há expressa determinação nesse sentido (tal como fez a Colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 80.420-9-RJ: "...

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ordem concedida em parte, para o efeito de excluir os papéis que foram objeto da busca e apreensão irregular), não há o que se discutir (ou argumentar). 

Nesse caso, o deferimento do pedido de exclusão das provas ilícitas dos autos torna-se absolutamente imperioso. De modo algum o pedido de supressão da prova viciada pode ser indeferido, justamente porque a "motion to supress" consiste numa "Device used to eliminate from the trial of a criminal case evidence which has been secured illegally". 

finalidades da regra da exclusão da prova ilícita. 

rMúltiplas são as finalidades da regra da exclusão da prova: (a) evitar buscas e apreensões desarrazoadas, (b) os Tribunais não podem tornar-se cúmplices de uma deliberada infringência da Constituição, ainda mais quando emana de quem jurou sua defesa (por exemplo: parlamentares), (c) o povo tem que ter certeza de que a Justiça não obtém vantagem de uma atividade ilícita etc. (cf. Ricardo Cintra Torres de Carvalho, A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal: um estudo comparativo das posições brasileira e norte-americana, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 3, n. 12, out-dez/1995, p. 169 e ss.). 

Mas de todas as possíveis finalidades da regra da exclusão (dos autos) da prova ilícita, entretanto, uma é de substancial relevância: evitar influências indesejáveis sobre o convencimento do julgador (cf. Guido Galli, L´inammissibilità dell´atto processuale penale, Milano, Giuffrè, 1968, p. 24, apud A. M. Gomes Filho, Direito à prova, cit., p. 95, nota 13). 

Poder-se-ia argumentar que o juiz, no momento da sentença, pode perfeitamente não considerar as provas ilícitas contidas nos autos do processo. Mas qual é a garantia que o cidadão (e principalmente o possível prejudicado por elas) tem de que o contrário não possa ocorrer?

Motivação-documentação e motivação-atividade. 

Dir-se-ia que a garantia reside na motivação da sentença. Bastaria ler a sentença e descobrir se o juiz faz (ou não) referência a tais provas espúrias. Mas tudo isso não é tão simples assim, porque uma coisa é a motivação-documento ou motivação-produto (uma coisa é o que o juiz documenta ou escreve na sentença) e outra bem distinta é a motivação-atividade (outra coisa é o que efetivamente leva o juiz a concluir pela culpabilidade ou inocência do acusado) (Sobre a distinção cf. Comanducci, citado por Antonio Magalhães Gomes Filho, Direito à prova no processo penal, São Paulo: RT, 1997, p. 167). 

Valoração das provas: evolução histórica. 

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Historicamente o sistema de valoração das provas evoluiu dos métodos irracionais (sistema ordálio) para o das provas legais (cada prova tem seu valor; o processo inquisitivo era regido por essas regras) e deste para o sistema do livre convencimento (ou livre valoração ou livre convicção ou persuasão racional).

Livre convicção e íntima convicção. 

Não há que confundir o sistema da livre convicção (livre convencimento) com o da íntima convicção: a diferença reside no seguinte: no primeiro o juiz decide (intimamente) e depois tem que motivar sua decisão; no segundo o juiz (jurados, no nosso caso) decide (intimamente) e não exterioriza sua convicção.

Processo decisional e processo justificativo. 

Bem examinada a diferença dos dois últimos sistemas nota-se que a valoração das provas é composta de dois processos (de dois momentos): processo decisional (essa é a atividade mental do juiz que conduz à decisão do caso) e processo justificatório (que consiste em motivar, em explicitar as razões pelas quais se chegou à decisão).

Há portanto (em toda decisão de um juiz) um contexto de descobrimento e um contexto de justificação (cf. Juan Igartua Salaverria, Valoración de la prueba, motivación y control en el proceso penal, Valencia: Tirant lo blanch, 1995, p. 145). No primeiro pode haver critérios ou momentos irracionais (o juiz pode sofrer influências de seus preconceitos, de suas crenças, de suas idiossincrasias etc.; emprega critérios lógicos, jurídicos, cognitivos, valorativos mas também, às vezes, irracionais); já o segundo é o espaço em que não importa como se chegou à decisão, sim, como justificá-la ou como apresentá-la com ares de razoabilidade.

A fase heurística (decisional) e a fase justificativa implicam estratégias e critérios distintos e, ademais, estão regidas por processos mentais diferentes. Nada impede, por conseguinte, que o juiz, quando motiva sua sentença, despreze totalmente todos os critérios que o levaram a decidir (intimamente) o caso. Isso comprova que a motivação nem sempre reflete fielmente o iter mental decisório.

Na realidade, como oportunamente pondera Juan Igartua Salaverria (Valoración de la prueba, motivación y control en el proceso penal, Valencia: Tirant lo blanch, 1995, p.183), "a motivação (motivação-produto ou motivação-documento) é algo mais que o processo decisório (motivação-atividade) porque pode utilizar argumentos não empregados para decidir; é algo menos porque talvez não contenha todos os fatores que influenciaram na decisão; é algo distinto porque sua função elementar é a justificação (do que já foi decidido) não a heurística (não a explicitação do processo mental decisório)." 

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Decisão e justificação. 

Decidir, conseqüentemente, é uma coisa, justificar é outra. Os jurados decidem e não precisam justificar; o juiz decide e tem que demonstrar a razoabilidade da sua conclusão. Tradicionalmente a communis opinio nos explica que o juiz primeiro justifica para depois decidir. A motivação deve explicitar todos os passos (mentais) percorridos pelo juiz para se chegar a uma determinada conclusão.

Teoria psicológica da justificação. 

Essa concepção clássica ajusta-se sem dúvida à textura externa da sentença e, de outro lado, exprime a chamada "tese psicológica da justificação". Mas hoje acha-se inteiramente questionada. A justificação (a explicitação documentada), na verdade, não expressa o processo mental do juiz que conduz a uma decisão. Todo o contrário: o juiz primeiro decide e depois busca explicação (motivação) para essa sua decisão. A justificação, em outras palavras, não expressa o processo mental decisório do juiz, senão a busca de razões para a decisão que já foi tomada (intimamente). 

Necessidade de exclusão da prova ilícita. 

Tudo isso explica porque a prova considerada ilícita tem que ser desentranhada (excluída) dos autos do processo. Não há dúvida que ela pode influenciar o processo decisional (decisão íntima do juiz) e não figurar (uma linha sequer) no processo justificativo. O juiz pode se convencer da culpabilidade do imputado em razão das provas ilícitas e não fazer nenhuma menção a elas depois no momento da justificação. 

a decisão se toma ex ante; a justificação é um processo ex post. Como o juiz deve apresentar motivos razoáveis (que passarão pelo controle dos tribunais), parece certo que nunca fará qualquer referência a tais provas (viciadas). Embora elas possam ter tido influência incontestável (insuperável) no processo mental decisório.

A prova ilícita, por conseguinte, nunca pode permanecer nos autos do processo porque, apesar da sua manifesta influência na convicção do magistrado, nunca o Tribunal poderá fazer qualquer controle sobre sua valoração (na medida em que ela não aparece explicitada na justificação). 

O Tribunal não reúne capacidade para fiscalizar o que se passa no foro íntimo do juiz. Não existe possibilidade de controle da sua liberdade interior. O Tribunal só examina o que o juiz explicitou. Logo, convém que ele fique distanciado (física e materialmente) das provas ilícitas. Com ela não pode ter nenhum contato. Do contrário, há risco de contaminação assim como de uma segunda grave violação dos

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direitos fundamentais (cf. Luis Rodriguez Sol, Registro domiciliário y prueba ilícita, Granada: Comares, 1998, p. 306 e ss.). 

O que não está nos autos não está no mundo. 

Quod non est in actis, non est in mundo! Interpretado em sentido contrário, tudo que fica (que está) nos autos está no mundo (e pode produzir efeito de convencimento, ainda que depois isso não fique explícito na sentença). Pode o juiz convencer-se da culpabilidade do agente com base numa prova ilícita e, depois, no momento justificativo, não fazer qualquer referência a seus critérios pessoas de convencimento íntimo.

Imperiosidade do desentranhamento da prova ilícita. 

Só o desentranhamento (dos autos do processo) da prova ilícita nele introduzida, como se vê, é que previne indiscutivelmente eventual influência espúria (eventual contaminação) que possa decorrer de sua presença nos autos. O correto é nem introduzir (produzir) a prova no processo. Mas se isso já ocorreu, não há como fugir da inevitável conseqüência do seu desentranhamento (leia-se: da sua exclusão) (cf. nesse sentido César Dario Mariano da Silva, Provas ilícitas, 2. ed., São Paulo: Leud, 2002, p. 28 e ss.; Maria Cecília Pontes Carnaúba, Prova ilícita, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 79; Ricardo Raboneze, Provas obtidas por meios ilícitos, Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 20). 

Impõe-se sempre advogar, conseqüentemente, pela absoluta impossibilidade de a prova ilícita produzir qualquer efeito (seja probatório, seja decisório) (cf. Eduardo de Urbano Castrillo e Miguel Angel Torres Morato, La prueba ilícita penal, Madrid: Aranzadi, 1997, p. 54). E isso só se consegue retirando a prova ilícita dos autos quando ela já foi juntada (quod non est in actis, non est in mundo). 

A regra da exclusão da provas na jurisprudência. 

São incontáveis os precedentes das nossas Cortes de Justiça nesse sentido (STF, RHC 74.807-MT, Maurício Corrêa, DJU de 20.06.97, p. 28.507; STJ, HC 4.927-MT, Edson Vidigal; STJ, HC 2.132-2-BA, Cernicchiaro, j. 31.08.92; STJ, REsp 143.520-SC, Cernicchiaro, DJU de 11.05.98, p. 165; TRF 3ª Região, Correição Parcial 92/90; TJRS, MS 590.019.089, Lio Cezar Schmith; RTJ 110, p. 798; RTJ 84, p. 609; RT 635, p. 208; RT 621, p. 384; cf. ainda Luciana Fregadolli, O direito à intimidade e a prova ilícita, Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 221 e ss.). 

Julgados mais expressivos na matéria. 

Mas os mais expressivos (verdadeiros leading cases) são os seguintes julgados: HC 69.912-0-RS, Sepúlveda Pertence e julgamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal (EDInq. 7319-141-DF, Néri da

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Silveira), que se deu no caso Collor/PC Farias e tem a seguinte ementa:

"Ação penal. Denúncia recebida. Prova ilícita. Embargos de declaração pleiteando seu desentranhamento. Constituição, art. 5º, inc. LVI. 2. Reconhecida a ilicitude de prova constante dos autos, conseqüência imediata é o direito da parte, à qual possa essa prova prejudicar, a vê-la desentranhada. 3. Hipótese em que a prova questionada foi tida como ilícita, no julgamento da Ação Penal n. 307, fato já considerado no acórdão de recebimento da denúncia. 4. Pedido de desentranhamento formulado na resposta oferecida pelo embargante e reiterado em outro instante processual. 5. Embargos de declaração recebidos, para determinar o desentranhamento dos autos das peças concernentes à prova julgada ilícita, nos termos discriminados no voto condutor do julgamento".

 Uma vez reconhecida a ilicitude da prova, assentou o Colendo STF, o direito (da parte potencialmente prejudicada) à sua exclusão dos autos do processo (exclusionary rule) emerge incontestável, cristalino, líquido e certo. Assim o STF vem decidindo reiteradamente: JSTF 220, p. 386; JSTF 233, p. 307. 

Em recentíssimo julgado esse Colendo Tribunal reafirmou seu posicionamento salientando: "STF, Primeira Turma, HC 80.949-SP, Sepúlveda Pertence, j. 30.10.01, v.u. - EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal". 

regra de exclusão e o respeito aos direitos e garantias fundamentais. 

Em síntese, pela regra (constitucional) da inadmissibilidade da prova ilícita o certo é não permitir seu ingresso físico nos autos do processo. Mas se isso ocorrer, torna-se impostergável sua exclusão, porque essa é "a única forma de garantir o respeito a direitos individuais constitucionalmente assegurados, de evitar que os Tribunais se tornem cúmplices da ilegalidade e de assegurar ao povo que o Governo [leia-se: que os órgãos da persecução penal] ou agirá dentro da lei, ou não terá benefícios quando agir fora dela" (Ricardo Cintra Torres de Carvalho, A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal: um estudo comparativo das posições brasileira e norte-americana, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 3, n. 12, out-dez/1995, p. 172).

Esse mesmo autor (p. 176) ainda sublinha, com maestria, que a efetivação da garantia constitucional da exclusão da prova ilícita pressupõe (dentre tantas outras coisas): (a) consciência de que as

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garantias constitucionais são limites à ação do Estado (principalmente) e, no caso em tela, também à ação dos particulares; sendo limites, demarcam zonas que não podem ser transpostas; (b) consciência de que a finalidade de tal exclusão não é resolver o caso passado, mas prevenir e evitar abusos futuros; é não realizar a vontade concreta da lei em um determinado caso (...) para realizar um comando maior que visa a evitar condutas abusivas futuras".

roda essa doutrina já encontrou eco no Supremo Tribunal Federal, que no famoso caso Collor (STF, Plenário, IP 307-3-DF, Ilmar Galvão, DJU de 13.10.95; RTJ 162, p. 3 e ss.) pontificou: "É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em Estado de Direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que podem ser violados, ensina Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência criminal, transcrita pela defesa. A Constituição brasileira, no art. 5º, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

Ana Cláudia Pinho convidou-me para escrever um texto sobre o Direito e o Processo Penal. Lembrei-me imediatamente da eternal luta contra ilegalidades e/ou abusos cometidos em nome do resultado, ou seja, um "eficientismo penal" absurdo e nefasto (MORAIS DA ROSA; Alexandre; CARVALHO, Thiago Fabres de. Processo Penal Eficiente e Ética da Vingança. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010). Por isto, este breve texto procura apontar que não se pode, pelo resultado, validar-se violações aos Direitos Fundamentais, no caso, adentrar-se na residência de pessoas por mera suspeita, implicando, pois, na absolvição por ausência de materialidade.

2. Pois bem. A decisão no processo penal não é ato de conhecimento, mas sim de compreensão, em que os sujeitos incidentes, no evento semântico denominado sentença, realizam uma fusão de horizontes, para usar a gramática de Gadamer. Neste contexto, diante da apresentação de uma hipótese fático-descritiva pela acusação, procede-se a um debate em contraditório, entre partes, nos quais os ônus são compartilhados. O resultado da produção válida de significantes será composta em uma decisão judicial, a qual não se assemelha, nem de longe, ao mito ultrapassado da verdade real. A verdade real é empulhação ideológica que serve para "acalmar" a consciência de acusadores e julgadores. O que existe é a produção de significantes e uma decisão no tempo e espaço. As únicas garantias existentes são: a) um processo como procedimento em contraditório; b) processo acusatório, entre partes, sem atividade probatória do juiz, com as garantias constitucionais (presunção de inocência, etc.; c)

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decisão fundamentada por parte dos órgãos julgadores. A legitimidade desta decisão decorre, também e fundamentalmente, da sua concordância com a Constituição (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006).

3. Destaque-se, por básico, que a pseudo-prova produzida no 'Inquérito Policial' somente pode servir para análise da condição da ação (GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Justa Causa no Processo Penal: Conceito e Natureza Jurídica. In: BONATO, Gilson (Org.). Garantias Constitucionais e Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 199-200), ou seja, dos elementos necessários para o juízo de admissibilidade positivo da ação penal. No mais, não há qualquer possibilidade de valoração democrática, no Processo Penal constitucionalizado, por ser ela desprovida das garantias processuais. A recente reforma do CPP, dando nova redação ao art. 155, ao indicar a possibilidade de seu uso é flagrantemente inconstitucional (MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 83-97; BARROS, Flaviane de Magalhães. (RE)Forma do Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 23-27; GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) Do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008)23-36). É que quando de sua produção ainda não existia acusação formalizada, despreza o defensor – além de alguns ainda negarem a publicidade dos atos, embora sumulada a situação – e, ademais, viola a garantia de que seja produzida em face de juiz imparcial, sob contraditório (PIZA, Evandro. Dançando no escuro: apontamentos sobre a obra de Alessandro Baratta, o sistema penal e a justiça. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e reverso do controle penal: (des) aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 106-108.). Decorrência direta do princípio da publicidade é a conclusão de somente as provas produzidas (significantes) em face do contraditório é que podem ser levadas em consideração nos debates e também na decisão judicial. Os elementos indiciários não devem adentrar validamente no debate porque, por evidente, não havia acusação quando colhida, violando, dentre outros, o princípio da publicidade. Logo, as declarações prestadas naquele momento são – para se utilizar o estatuto probatório italiano, perfeitamente aplicável ao brasileiro –, absolutamente inutilizáveis, conforme lição de Paolo Tonini (A prova no processo penal italiano. Trad. Alexandra Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 76): "O termo inutilizabilidade descreve dois aspectos do mesmo fenômeno. Por um lado, indica o 'vício' que pode conter um ato ou um documento; por outro lado, ilustra o 'regime jurídico' ao qual o ato viciado é submetido, ou seja, a não possibilidade de ser utilizado como fundamento de uma decisão do juiz. A inutilizabilidade é um tipo de invalidade que tem a característica de atingir não o ato em si mas o seu 'valor probatório'. O ato pode ser válido do ponto de vista formal (por exemplo, não é eivado de nulidade), mas é atingido em seu aspecto substancial, pois

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a inutilizabilidade o impede de produzir o seu efeito principal, qual seja, servir de fundamento para a decisão do juiz." No Processo Penal democrático, o conteúdo do Inquérito Policial está maculado pela ausência de contraditório, sendo utilizável exclusivamente para análise das questões prévias (condições da ação e pressupostos processuais aplicáveis – MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A natureza cautelar da decisão de arquivamento do Inquérito Policial. In: Revista de Processo, São Paulo, n. 70, p. 49-58, 1993.). Enfim, é absolutamente antidemocrática a utilização dos elementos do Inquérito Policial para efeito de condenar o acusado. Claro que se for consultar Damásio, Mirabete e Capez, todos dirão da validade, pois ainda não fizeram o giro democrático que a Constituição de 1988 preconiza!

4. Enfrentei, na condição de juiz estadual, imputação de tráfico de drogas, prevista, em tese, no art. 33 da Lei n. 11.343/06, na qual a droga foi apreendida por denúncia anônima, sem mandado judicial, cujos fundamentos seguem.

5. A função do Poder Judiciário é o de garantir Direitos Fundamentais do sujeito em face do Estado (PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Direito Penal e Estado Democrático de Direito: uma abordagem a partir do garantismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006), a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam se houver uma relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes. Por isto, para se investigar alguém, numa democracia, não se pode iniciar com o "denuncismo anônimo" contemporâneo em que a polícia recebe a denúncia anônima e se dá por satisfeita. Tanto assim que agora se fomenta programas "covardes" como o do "Informante Cidadão". É preciso que as investigações aconteçam no limite da legalidade. O processo da inquisição acontecia com testemunhas sem rosto, sem face, sem nome, num denuncismo sem limites. Para isto a Constituição da República em vigor há mais de VINTE ANOS, estabeleceu claramente no art. 5º, IV: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato." Paulo Rangel (A Linguagem pelo Avesso: a Denúncia Anônima como causa (i)legitimadora da Instauração de Investigação Criminal: Inconstitucionalidade e Irracionalidade. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (orgs). Processo Penal e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 477-494), promotor de Justiça no Rio de Janeiro, sem aceitar investigar a qualquer preço, pontua: "Pensamos que autoridade que determinar a instauração do procedimento criminal ou administrativo, tendo como base a denúncia anônima, ficaria sujeita, em tese, à responsabilidade criminal, nos exatos limites do art. 339 do CP. O denunciante anônimo se esconde atrás das vestes da impunidade, pois, se sua denúncia for falsa, ele não será responsabilizado. (...) O 'denunciado' tem o direito de demonstrar os motivos pelos quais quem o denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito, falta do que fazer etc. Sendo anônima a denúncia, não há como reagir contra o denunciante. Ele fica refém."

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Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 218) sustenta: "se o nosso CP erigiu à categoria de crime a conduta de todo aquele que dá causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os 'denunciados' chamar à responsabilidade o autor da delatio criminis, se esta pudesse ser anônima? A vingar entendimento diverso, será muito cômodo para os salteadores da honra alheia vomitarem, na calada da noite, à porta das Delegacias, seus informes pérfidos e ignominiosos, de maneira atrevida, seguros, absolutamente seguros da impunidade. Se se admitisse a delatio anônima, à semelhança do que ocorria em Veneza, ao tempo da inquisitio extraordinem, quando se permitia ao povo jogasse nas famosas 'Bocas dos Leões' suas denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade viveria em constante sobressalto, uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro