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EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO
DA 1ª VARA JUDICIAL DA COMARCA DE PERUÍBE
Autos nº 0006739-15.2009.8.26.0441
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
SÃO PAULO, por meio de seu Promotor de Justiça que esta subscreve,
não se conformando com a r. sentença de fls. 1.708/1.713, que julgou
parcialmente procedente o pedido, proferida pelo MM. Juíza de Direito da
1ª Vara Judicial de Peruíbe, nos autos da ação civil de improbidade
administrativa ajuizada em face de GILSON CARLOS BARGIERI, vem,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, interpor recurso de
Apelação, com fundamento no artigo 513 e seguintes do Código de
Processo Civil.
Requer-se o recebimento do presente
inconformismo e seu processamento, nos termos da Lei Processual Civil.
Peruíbe,5 de maio de 2023.
LUCAS DAMASCENO DE LIMAPromotor de Justiça Substituto
1
Autos nº 0006739-15.2009.8.26.0441
Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo.
Recorrido: Gilson Carlos Bargieri.
RAZÕES DE APELAÇÃO
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
COLENDA CÂMARA
DOUTA PROCURADORIA DE JUSTIÇA
Trata-se de ação civil de improbidade
administrativa ajuizada pelo Ministério Público em face do recorrido em
razão de diversas irregularidades na sua administração pública durante o
exercício do cargo de Prefeito de Peruíbe nos anos de 2002, 2003 e 2004,
investigação iniciada após desaprovação das contas municipais pelo
Egrégio Tribunal de Contas.
Inobstante diversos atos cometidos estejam
tipificados expressamente nos incisos VI, VII, IX, X e XI do art. 10 da
Lei 8.429/92, a r. sentença guerreada julgou parcialmente procedente os
pedidos da inicial, condenando o requerido apenas por ato de improbidade
administrativa violador dos princípios da Administração Pública (art. 11 da
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LIA), entendendo o juízo que não houve comprovação do dano ao erário, o
qual seria pressuposto ao art. 10 da LIA.
Ainda, ao dosar as penas por ato violador dos
princípios da Administração Pública, com base no art. 12, inciso III, da Lei,
o Juízo ressaltou por diversas vezes a gravidade dos atos praticados,
notadamente pela reincidência nas condutas vedadas, mesmo após alertado
pelo Tribunal de Contas sobre os atos de 2002, repetindo-os em 2003 e
2004, porém, contraditoriamente, aplicou as sanções em patamar aquém à
gravidade dos atos, pois a multa civil foi fixada em apenas 10 vezes o
valor da remuneração do agente, quando permitida a aplicação em até
100 vezes o valor da remuneração, e suspensão dos direitos políticos no
prazo mínimo de 03 anos, quando o patamar máximo era de 05 anos.
Deste modo, a juíza sentenciante não agiu com o
costumeiro acerto, devendo ocorrer a reforma da r. sentença para condenar
o requerido como incurso no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa
e, consequentemente aplicar as penas do art. 12, II, da Lei, em seu patamar
máximo, ante a gravidade dos atos e número de irregularidades apontadas
pelo Tribunal de Contas, destacando-se que o dano ao erário está
comprovado, porém não apurado, o que deverá ser objeto de futura
liquidação de sentença.
Subsidiariamente, caso assim não entenda este
Egrégio Tribunal de Justiça, a r. sentença comporta reforma para majorar
as penas aplicadas (art. 12, III, da Lei) ao patamar máximo permitido,
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pelas mesmas razões acima mencionadas (gravidade das condutas e número
de irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas).
Dos fatos e irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas e suas
tipificações expressas nos incisos do art. 10 da Lei 8.429/92
Foram imputados ao réu uma série de atos de
improbidade administrativa, atos estes que ocorreram durante três
exercícios financeiros da municipalidade (2002, 2003 e 2004).
A Corte de Contas identificou, assim, diversas
irregularidades nas contas apresentadas pelo Executivo, à época
representado pelo requerido.
Em relação às contas de 2002, as principais
irregularidades foram as seguintes:
a) não aplicação do mínimo legal orçamentário na
área da educação;
b) crescimento da despesa de pessoal além do
permitido (LRF, artigo 22, parágrafo único e artigo 71);
c) manutenção de comissionados em direta
afronta ao texto constitucional (CF, artigo 37, incisos II e V);
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d) descumprimento da ordem cronológica de
pagamentos (Lei nº 8.666/93, artigo 5º);
e) balanços contábeis não confiáveis;
f) manutenção das disponibilidades de caixa em
instituições financeiras privadas, em ofensa ao artigo 164, § 3º, da CF.
Assim agindo, o recorrido incorreu em
tipificações expressas nos incisos do art. 10 da LIA, vejamos:
VI – realizar operação financeira sem observância
das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou
inidônea;
VII – conceder benefício administrativo ou fiscal
sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
espécie;
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas
não autorizadas em lei ou regulamento;
X – agir negligentemente na arrecadação de
tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do
patrimônio público;
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XI – liberar verba pública sem a estrita
observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua
aplicação irregular.
Desaprovadas as contas e após receber
recomendações do Tribunal de Contas, o recorrido, em 2003, reiterou em
atos graves, com tipificação expressa nos incisos do art. 10 da LIA, quais
sejam:
a) não aplicação do mínimo legal orçamentário na
área da educação;
b) superação do percentual de 10% de limite da
despesa com pessoal considerando o exercício anterior (ofensa ao artigo 71
da LRF);
c) manutenção indevida de comissionados;
d) balanços contábeis não confiáveis;
e) não observância dos ditames da LDO – Lei
Municipal nº 2.310/2002;
f) renúncia de receita com edição da Lei
Municipal nº 2.399/03 (REFIS Municipal) em desrespeito à Lei de
Responsabilidade Fiscal (LFR, artigo 114);
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g) abertura de créditos especiais e suplementares
sem justificativa prévia e sem a correspondente existência de recursos
disponíveis, uma das principais razões do déficit orçamentário (com ofensa
aos artigos 167, inciso IV, da CF e artigo 43 da Lei nº 4.320/64);
h) remanejamento de recursos orçamentários de
categorias de programação distintas (ofensa ao artigo 167, inciso IV, da
CF);
i) irregularidade na elaboração de demonstrativos
contábeis, constituindo embaraço intransponível para a boa gestão;
j) déficit orçamentário na ordem de 5,82%,
notadamente pela abertura de créditos suplementares com base no excesso
de arrecadação em valores superiores ao próprio excesso ocorrido e pela
abertura de créditos suplementares especiais com base no repasse do Plano
Comunitário de Melhoramentos – PCM, que ocorreram a menor do que o
esperado;
k) elevado déficit financeiro no exercício (quase
R$ 10.000.000,00) e resultado negativo na variação patrimonial;
l) aumento significativo da dívida flutuante,
evidenciando o descaso com a dívida de curto prazo e ofensa ao artigo 59
da LRF;
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m) manutenção das disponibilidades de caixa em
instituições privadas, com ofensa ao artigo 164, § 3º, da CF.
Diante do cometimento destas tantas
irregularidades, o recorrido está incurso nos incisos VI, VII, IX, X e XI do
art. 10 da Lei 8.429/92, acima já transcritos.
Contudo, não bastasse as condutas vedadas já
mencionadas, mais uma vez, no exercício de 2004, o recorrido praticou:
a) desrespeito ao artigo 212 da CF, por aplicação
a menor dos valores destinados à educação;
b) não aplicação do percentual exigido para o
ensino fundamental (artigo 60 dos ADCT);
c) ausência de comprovação de utilização de
verba do FUNDEF sem verificação de sua existência em conta vinculada;
d) aumento de despesa de pessoal nos últimos seis
meses de governo em percentual além do permitido pelo artigo 21,
parágrafo único, da LRF;
e) balanços contábeis não confiáveis;
f) quebra da ordem cronológica de pagamentos
(artigo 5º da Lei nº 8.666/93);
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g) não observância da LDO – Lei Municipal nº
2414/2003;
h) edição de leis prorrogando o REFIS Municipal
(Lei 2.399/03) até dezembro de 2004 (Leis 2482, 2505, 2511,2523,2539,
2533 e 2575), implicando em renúncia de receita em inobservância da Lei
de Responsabilidade Fiscal (artigo 114);
i) abertura de créditos especiais e suplementares
sem justificativa prévia e sem a correspondente existência de recursos
disponíveis, uma das principais razões do déficit orçamentário (ofensa aos
artigos 167, inciso IV, da CF e artigo 43 da Lei nº 4.320/64);
j) antecipação indevida de receita, com emissão
do carnê de IPTU com recebimento de imposto do ano de 2005 ainda no
final de 2004 (último ano de mandato), implicando em prejuízo à
administração subsequente;
k) constituição de créditos tributários indevidos,
lançados em dívida ativa, que dificilmente serão recebidos, implicando em
inconsistência da receita tributária;
l) não obstante o superávit de execução
orçamentária, ocorreram excessos na abertura de créditos suplementares
com base no excesso de arrecadação em valores superiores ao próprio
excesso ocorrido e pela abertura de créditos suplementares especiais com
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base no repasse do Plano Comunitário de Melhoramentos – PCM, que
ocorreram a menor do que o esperado, com alto índice de restos a pagar
sem cobertura financeira;
m) elevado déficit financeiro no exercício (mais
de R$ 15.000.000,00) e resultado negativo na variação patrimonial;
n) má gestão financeira no governo de 2001/2004,
considerando o aumento da dívida consolidada líquida, não obstante a
majoração de receita corrente líquida;
o) aumento significativo da dívida líquida de
curto prazo (restos a pagar menos disponibilidade de caixas), também
evidenciando má gestão financeira;
p) assunção de despesas nos últimos 8 meses de
governo sem lastro financeiro (ofensa ao artigo 42 da LRF);
q) manutenção das disponibilidades de caixas em
instituições financeiras privadas.
Deste modo, mais uma vez, o recorrido se vê
incurso nos incisos VI, VII, IX, X e XI do art. 10 da Lei 8.429/92, sendo
certo o dano ao erário, por previsão expressa em lei, além de evidente na
prática, ante os diversos atos praticados em desacordo com imperativos
legais.
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Há que se destacar que eventual superávit ao
término do mandato não é suficiente a excluir o dano ao erário, pois o
recorrido se valeu de artifícios ilegais para aumentar a arrecadação, mesmo
em prejuízo à administração subsequente, como os relatados nas letras “j”,
“k” e “l”, agora colacionados em nota de rodapé1, evitando-se repetições.
Ora, assim, não se tratam de danos ao erário
presumidos, mas certos, porém ilíquidos, institutos diversos, os quais
não devem ser confundidos, conforme veremos no próximo item deste
recurso.
Outrossim, cumpre destacar que para demonstrar
a certeza do dano ao erário, estes autos foram instruídos com o Inquérito
Civil 85/07, e contam atualmente com 18 volumes, totalizando mais de
1.715 páginas, contando com esta nova impugnação ministerial.
Assim, todas as condutas vedadas praticadas pelo
requerido estão devidamente documentadas e, na petição inicial, a fls. 01-
f/01-w, consta a relação pormenorizada dos atos praticados, com a
previsão legal desrespeitada pelo recorrido, indicando as páginas do IC
que documentam e comprovam o alegado. Deste modo, evitando-se
1 j) antecipação indevida de receita, com emissão do carnê de IPTU com recebimento de imposto do ano de 2005 ainda no final de 2004 (último ano de mandato), implicando em prejuízo à administração subsequente; k) constituição de créditos tributários indevidos, lançados em dívida ativa, que dificilmente serão recebidos, implicando em inconsistência da receita tributária;
l) não obstante o superávit de execução orçamentária, ocorreram excessos na abertura de créditos suplementares com base no excesso de arrecadação em valores superiores ao próprio excesso ocorrido e pela abertura de créditos suplementares especiais com base no repasse do Plano Comunitário de Melhoramentos – PCM, que ocorreram a menor do que o esperado, com alto índice de restos a pagar sem cobertura financeira;
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repetições desnecessárias, reitero fls. 01-f/01-w da petição inicial, que
demonstram e comprovam o dano ao erário.
No mais, como já destacado em réplica (fls.
1.562/1.580) e em alegações finais (fls. 1.666/1.674), muitos dos atos
imputados ao réu são incontroversos e devem ser presumidos verdadeiros,
ante a falta de impugnação específica em contestação, sendo mais um fator
a ensejar a reforma da r. sentença para condenar o réu como incurso no art.
10 da Lei de Improbidade Administrativa.
Assim, são incontroversos, em 2002: 1)
Manutenção das disponibilidades de caixa em instituições financeiras
privadas; em 2003: 1) Não observância na prática dos ditames da LDO –
Lei Municipal nº 2.310/02, 2) Abertura de créditos especiais e
suplementares sem justificativa prévia e sem correspondente existência de
recursos disponíveis, uma das principais razões do déficit orçamentário
(ofensa ao artigo 167, inciso IV, da CF e artigo 43 da Lei nº 4.320/64), 3)
Remanejamento de recursos orçamentários de categorias de programação
distintas (ofensa ao artigo 167, inciso IV, da CF), 4) aumento significativo
da dívida flutuante, evidenciando o descaso com a dívida de curto prazo e
ofensa ao artigo 59 da LRF e 5) Manutenção das disponibilidades de caixa
em instituições financeiras privadas; em relação ao ano de 2004: 1) Não
aplicação de percentual exigido para o ensino fundamental (artigo 60 dos
ADCT), 2) Ausência de comprovação de utilização de verba do FUNDEF
sem verificação de sua existência em conta vinculada, 3) Não observância
na prática dos ditames da LDO; 4) Abertura de créditos especiais e
suplementares sem justificativa prévia e sem a correspondente existência de
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recursos disponíveis, uma das principais razões do déficit orçamentário
(ofensa ao artigo 167, inciso IV, da CF e artigo 43 da Lei nº 4.320/64, 5)
Antecipação indevida de receita, com emissão do carnê do IPTU com o
recebimento do imposto do ano de 2005 ainda no ano de 2004; 6)
Constituição de créditos tributários indevidos, lançados em dívida ativa,
que dificilmente serão recebidos, implicando inconsistência da receita
tributária; 7) Não obstante o superávit de execução orçamentária,
ocorreram excessos de arrecadação em valores superiores ao próprio
excesso ocorrido e pela abertura de créditos suplementares especiais com
base no repasse do PCM que ocorreram a menor do que o esperado, com
alto índice de restos a pagar sem cobertura financeira e 8) Manutenção das
disponibilidades de caixa em instituições financeiras privadas.
Presunção de dano x futura liquidação da sentença
Mesmo com todas estas provas acima
mencionadas, sobre a comprovação e demonstração do dano ao erário, com
condutas tipificadas expressamente nos incisos do art. 10 da LIA, o Juízo a
quo não condenou o requerido como praticante de ato de improbidade
ensejador de dano ao erário.
Para tanto, o Juízo se valeu da assertiva de que o
dano ao erário não teria sido comprovado e, sendo este essencial ao ato
tipificado, não poderia ocorrer dano presumido, fazendo-se obrigatória
a desclassificação da conduta do requerido como mera violadora dos
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princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei de Improbidade
Administrativa).
Nos termos da sentença (fls. 1.712vº):
“[...]. Não obstante a ilegalidade do
comportamento do Administrador Público,
que por si só, causou prejuízos à imagem da
Administração, é certo que não houve
demonstração suficiente do alegado dano ao
erário municipal, já que no caso presente, não
há como afirmar a ocorrência e a dimensão do
prejuízo, que não se presume.”
Mais a diante, com patente erro meramente
material, pois houve menção a ano não objeto de julgamento nos autos
(2002 a 2004) e município diverso (não Peruíbe), temos:
“Frisa-se, por oportuno, que as contas de 2008
(destaque nosso) demonstram que houve, de
fato, superávit e não déficit, concluindo-se que
o requerido deixou o cargo com saldo positivo
em caixa. Em outras palavras, não houve
prejuízo ao erário municipal de Álvaro de
Carvalho (grifo nosso). Se o requerido não
logrou maior proveito ou ainda
enriquecimento ilícito com a prática do ato
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impugnado, não se pode proferir decreto
condenatório obrigando-o a ressarcir dano que
não ocorreu. Portanto, como não houve
prejuízo constatado ao erário público, não se
há falar em dano material reprovável.”
Neste ponto, o Juízo colacionou julgado do TJSP
sobre a impossibilidade de se presumir o dano ao erário, de relatoria do
Desembargador Rui Stoco.
Contudo, tal assertiva (impossibilidade de se
presumir o dano) não é suficiente a se afastar o ato de improbidade do art.
10 da Lei de Improbidade, sob pena de perigoso esvaziamento da norma,
razão pela qual o Legislador achou por bem estatuir fatos expressos nos
incisos do artigo mencionado, afirmando, peremptoriamente, que em casos
tais há dano ao erário.
Há inúmeros casos elencados nos incisos do art.
10 da LIA em que a demonstração do dano efetivo não é plausível, não
sendo fator para se afastar a sua incidência. Podemos citar como exemplo o
inciso VIII – frustrar a licitude de processo licitatório -, no qual o prejuízo
ao erário é a impossibilidade de selecionar a melhor proposta. O dano,
neste caso, é demonstrado in re ipsa ("da própria coisa" ou "pela própria
coisa", ou ainda "pela própria existência da coisa").
Neste sentido:
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Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CARTA CONVITE. Pretensão do Ministério Público de anular contrato celebrado pelo Município de Terra Roxa, em decorrência de procedimento licitatório fraudulento, bem como ver ressarcido o erário. Sentença de procedência na origem. Preliminares – Impossibilidade jurídica do pedido, inadequação da via eleita, falta de interesse processual na propositura da ação civil pública, inaplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos e inconstitucionalidade parcial do art. 12, da Lei n.º 8.429/92, por ultrapassar os limites da previsão constitucional. Inocorrência. Matéria preliminar rejeitada. Mérito – Irregularidade da contratação. Violação às regras de licitação e aos ditames da Lei n.º 8.666/93. Inexistência de competição, por ausência de competidores. Direcionamento do certame. Elementos coligidos nos autos que comprovavam a malícia dos réus para alterar a realidade, com intuito de dar ares de legalidade e higidez ao procedimento. Violação ao princípio da isonomia e impessoalidade. Atos de improbidade configurados. Danos evidenciados. Conduta dos envolvidos que impediu a contratação da melhor proposta pela Administração. Prejuízo "in re ipsa". Aplicação do art. 59 da Lei nº 8.666/93. Sentença de procedência do pedido mantida. Recursos não providos. (TJSP - 9000002-59.2009.8.26.0660. Relator(a): Djalma Lofrano Filho. Órgão julgador: 13ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 05/08/2015. Data de registro: 12/08/2015. Comarca: Viradouro)
Com esta mesma perspectiva o STF já decidiu:
AÇÃO POPULAR - PROCEDENCIA - PRESSUPOSTOS. Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato praticado. Assim o e quando dá-se a contratação, por município, de serviços que poderiam ser prestados por servidores, sem a feitura de licitação e sem que o ato administrativo tenha sido precedido da necessária justificativa. (RE 160381, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 29/03/1994, DJ 12-08-1994 PP-20052 EMENT VOL-01753-03 PP-00479)
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Também o STJ:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DANO AO ERÁRIO. LICITAÇÃO. ECONOMIA MISTA. RESPONSABILIDADE.[...]. 6. É imprescritível a Ação Civil Pública visando a recomposição do patrimônio público (art. 37, § 5º, CF/88).[...]. 9. Contratações celebradas e respectivos aditivos que não se enquadram no conceito de notória especialização, nem no do serviço a ser prestado ter caráter singular. Contorno da exigência de licitação inadmissível. Ofensa aos princípios norteadores da atuação da Administração Pública.10. Atos administrativos declarados nulos por serem lesivos ao patrimônio público. Ressarcimento devido pelos causadores do dano.11. Recurso do Ministério Público provido, com o reconhecimento de sua legitimidade.12. Recursos das partes demandadas conhecidos parcialmente e, na parte conhecida, improvidos.(REsp 403.153/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/09/2003, DJ 20/10/2003, p. 181)
Neste passo, a doutrina mais abalizada afirma que,
praticados os atos previstos nos incisos do art. 10 da LIA, deve ocorrer
verdadeira inversão do ônus da prova, obrigando ao requerido demonstrar
a inexistência de dano.
Neste sentido:
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“A respeito do elemento em exame, questão
polêmica consiste em saber se a prova da ocorrência de perda patrimonial é
sempre necessária, ou se em alguns casos ela se presume, por força de lei.
[...]. Outros, contudo, entendem que a prova da efetiva perda patrimonial
nem sempre é necessária, havendo hipóteses legais de presunção de dano
ao erário2. Sob esse prisma, qualquer fato que se amolde às hipóteses
elencadas nos incisos do art. 10 da LIA, ou então às hipóteses previstas no
art. 4º da Lei da Ação Popular (Lei 4.717/1965), tem a sua lesividade
implícita. Nesses casos, opera-se a inversão do ônus da prova (grifo
nosso), é dizer, basta ao autor a prova do fato descrito no tipo, cabendo ao
demandado a prova de inexistência do dano. Para os defensores dessa tese,
é preciso distinguir: a) nas hipóteses descritas nos incisos do art. 10 da LIA,
bem como no art. 4º da Lei da Ação Popular (Lei 4.717/1965), presume-se
o dano ao erário; b) já nas hipóteses enquadráveis no caput do art. 10 não
há presunção legal de dano ao erário, exigindo-se prova da efetiva perda
patrimonial.” (Masson, Cleber et al. Interesses Difusos e Coletivos
Esquematizado. ed. Método, 2011. p. 665.)
Cumpre destacar, neste ponto, que o recorrido
não comprovou que suas condutas, vedadas expressamente por
imperativos legais, não ensejaram dano ao erário, devendo ser este fato
mais um fundamento à reforma da r. sentença e condená-lo como
incurso no art. 10 da Lei 8.429/92.
2 A propósito, entre outros, vejam-se: MARINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 250-254; SALGADO FILHO, Nilo Spinola et al. Manual de difusos. Coordenação de Vidal Serrano Nunes Junior. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 630; e MARINS, Fernando Rodrigues. Controle do patrimônio público: comentários à lei de improbidade administrativa. 4. ed. 2010. p. 275.
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Por outro lado, mesmo que este não seja o
entendimento desta Egrégia Corte (eventual presunção e inversão do ônus
da prova, sob pena de esvaziamento da norma do art. 10 da LIA), há que se
destacar que o dano ao erário, objeto destes autos, é certo e não
presumido.
Além das tipificações expressas nos incisos do art.
10 da LIA, os danos são evidentes, inobstante ilíquidos.
Ora, a apuração do valor do dano não é
essencial para a condenação, mas sim a certeza de sua ocorrência.
Há que se destacar que o recorrido praticou
diversas condutas lesivas ao erário e, a sua quantificação será
extremamente trabalhosa, devendo ser objeto de futura liquidação de
sentença, com elaboração de perícias contábeis e outros recursos,
incompatíveis com o processo de conhecimento.
Note, como já mencionado, que o feito,
atualmente, conta com 18 volumes e mais de 1.715 folhas, tramitando
desde 2009. Assim, a apuração do valor do dano retardaria por demais a
instrução e o final julgamento do processo.
O recorrido, conforme já relacionado neste
recurso, praticou inúmeros atos que ensejaram dano ao erário, no exercício
de 2002, 2003 e 2004. Assim, a r. sentença deve ser reformada para não
gerar prejuízo ainda maior à sociedade de Peruíbe, pois além do
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recorrido, por todos os seus atos irregulares (ao menos 06 atos em atos em
2002, 12 atos em 2003 e 16 atos em 2004, totalizando 34 atos de
improbidade administrativa), ter recebido pena menos gravosa, as do
inciso III do art. 12 da LIA, o prejuízo ao erário não poderá ser
contabilizado (por futura liquidação de sentença) e ressarcido, tendo em
vista que a r. sentença não o condenou na obrigação de reparar o dano.
Por fim, o fundamento da r. sentença de que
eventual superávit demonstra que não teria ocorrido dano ao erário é
equivocado, sendo mais um motivo à reforma da r. sentença.
Ora, mesmo ensejando dano ao erário, ao término
de um mandato eletivo pode o administrador entregar a administração
com superávit, bastando, para tanto, um aumento de receita maior do
que o dano gerado, como, por exemplo, um aumento significativo na
arrecadação.
Porém, o caso dos autos, é mais gravoso e o
superávit não se deu por aumento normal de arrecadação, mas sim por
manobras do administrador, visando a acobertar os danos anteriormente
causados.
Como já mencionado anteriormente, o recorrido
se valeu de artifícios ilegais para aumentar a arrecadação, com evidente
prejuízo à administração subsequente, quais sejam (itens j, k e l dos atos de
2004, já citados):
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1. Antecipação indevida de receita, com emissão
do carnê de IPTU com recebimento de imposto do ano de 2005 ainda no
final de 2004 (último ano de mandato), implicando em prejuízo à
administração subsequente;
2. Constituição de créditos tributários indevidos,
lançados em dívida ativa, que dificilmente serão recebidos, implicando em
inconsistência da receita tributária;
3. Não obstante o superávit de execução
orçamentária, ocorreram excessos na abertura de créditos suplementares
com base no excesso de arrecadação em valores superiores ao próprio
excesso ocorrido e pela abertura de créditos suplementares especiais com
base no repasse do Plano Comunitário de Melhoramentos – PCM, que
ocorreram a menor do que o esperado, com alto índice de restos a pagar
sem cobertura financeira;
Deste modo, o dano ao erário é evidente e deve
ser aferido em futura liquidação de sentença, neste sentido:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Utilização de veículos e funcionários do Município em horário de expediente para fins particulares. Desrespeito aos princípios basilares que regem a administração pública, tais como legalidade, moralidade e publicidade, bem como em prejuízo ao erário público. Ressarcimento aos cofres públicos dos danos verificados no Inquérito Civil nº 16/13 a ser apurado em fase de liquidação de sentença. Dano não verificado no Inquérito Civil nº 1558/12, pois houve o recolhimento da taxa devida. Multa Civil que deverá ser fixada em 2 (duas) vezes a remuneração da ré recebida à época dos fatos. Mantidos os demais termos da R. Sentença. Recurso
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da Ré não provido e provido parcialmente o recurso do Ministério Público.(TJSP - 3000702-83.2013.8.26.0180 – Apelação - Improbidade Administrativa. Relator(a): Ronaldo Andrade; Comarca: Espírito Santo do Pinhal; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 22/09/2015; Data de registro: 07/10/2015)
Assim, sendo evidente o dano ao erário, a r.
sentença deve ser reformada para condenar o recorrido como incurso no
art. 10 da LIA – improbidade administrativa ensejadora de dano ao erário.
Da violação dos princípios da Administração Pública
Com relação a este aspecto, pouco há para ser
debatido.
Os fatos trazidos a julgamento são,
acertadamente, violadores dos princípios da Administração Pública. Assim,
o juízo a quo, ao entender que não ficaram comprovados os atos do art. 10
da Lei, condenou o requerido como incurso no art. 11, aplicando-se as
penas do art. 12, III, da Lei 8.429/92.
Contudo, como já afirmado, o caso comporta
aplicação do art. 10 da Lei e consequentes punições do art. 12, II, devendo
haver reforma da r. sentença, como já mencionado.
Porém, caso este Egrégio Tribunal comungue da
mesma opinião do Juízo sentenciante, dúvidas não há sobre a patente
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violação de princípios administrativos, obrigando a condenação do réu com
base no pedido subsidiário da inicial – art. 11 da Lei.
Mas, ainda assim, a sentença comporta reforma
com relação às penas aplicadas, majorando-as para serem aplicadas no
patamar máximo permitido (art. 12, III, da Lei 8.429/92) – multa de 100
vezes a remuneração do agente e suspensão dos direitos políticos por
05 anos.
Das Penas
É cediço que o julgador não é obrigado a aplicar
todas as penas previstas em cada um dos incisos do art. 12 da Lei 8.429/92.
O que outrora se tratava de discussão tormentosa
na doutrina e na jurisprudência, pacificou-se com a alteração legislativa
operada pela Lei 12.210/09 que incluiu a expressão “isolada ou
cumulativamente” no caput do artigo acima citado.
Assim, de acordo com a gravidade e número dos
atos praticados, pode o julgador aplicar todas as penas e dosá-las do
mínimo ao máximo permitido.
Deste modo, há que se destacar que os atos
praticados pelo recorrido são extremamente gravosos, tratando-se de
verdadeira gestão fraudulenta, sendo apontadas diversas irregularidades
pelo Tribunal de Contas.
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Como já mencionado anteriormente, o recorrido
praticou 34 atos de improbidade nos anos de 2002, 2003 e 2004.
Os fatos apurados poderiam ser, assim por se
dizer, objeto de 34 ações de improbidade distintas e, a soma das penas
isoladamente aplicadas, seriam superiores ao máximo permitido nos incisos
do art. 12 da LIA.
Por evidente, a punição do recorrido não poderia
passar do máximo permitido, porém trago esta argumentação para ficar
evidenciada a gravidade das condutas praticadas pelo ex-Prefeito.
Não bastasse isso, fator preponderante é que após
a rejeição das contas de 2002, o Tribunal de Contas expediu
recomendações ao recorrido, que não só persistiu nas irregularidades, como
também progrediu nas irregularidades, agravando sua conduta.
Ora, da narrativa dos fatos na petição inicial e
trazidos também neste recurso, percebe-se que, em 2002, o recorrido
praticou 06 atos de improbidade, em 2003, praticou 12 atos ímprobos,
ao passo que, em 2004, praticou 16 atos indevidos, demonstrando a
gradação e aumento em sua conduta danosa, sendo extremamente gravosa,
que deverá ter reflexo na gradação das penas a serem impostas ao
recorrido.
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Assim, reformada a r. sentença para condenar o
réu como incurso no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, as
penas do art. 12, II, da Lei, devem ser aplicadas em sua totalidade, ou seja,
todas elas cumuladas e no patamar máximo permitido (ressarcimento
integral do dano a ser apurado em futura liquidação de sentença; suspensão
dos direitos políticos por 08 anos; multa civil de 02 vezes o valor do dano,
que será futuramente apurado; proibição de contratar com o Poder Público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoas jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de 05 anos).
De modo subsidiário, caso não seja reformada a
r. sentença para condenar o requerido como incurso no art. 10 da LIA, a r.
sentença deverá ser alterada com relação às penas aplicadas, com base no
art. 11 e inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92.
Ora, pelas mesmas razões acima explanadas, as
condutas praticadas pelo requerido são numerosas e gravosas, devendo as
penas serem reformadas para aplicação de todas as possíveis previstas no
inciso III do art. 12 da LIA, no patamar máximo, pois a r. sentença,
inobstante tenha destacado a reincidência do requerido, que alertado pelo
Tribunal de Contas, persistiu em suas condutas, foi contraditória ao aplicar
as penas de suspensão de direitos políticos em 03 anos (patamar mínimo) e
a multa civil em 10 vezes o valor da remuneração percebida, quando
possível a aplicação em até 100 vezes este valor.
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Assim, diante dos vários atos praticados (34, em
gradação crescente, 06, 12 e 16), além da persistência do requerido em
cometer os mesmos atos após alertado pelo Tribunal de Contas, a r.
sentença deve ser reformada para ao menos aplicar, além das outras penas
já fixadas, a suspensão dos direitos políticos por 05 anos e multa civil de
100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente.
Dos pedidos
Diante de todo o exposto e mais os sempre
pertinentes argumentos da Douta Procuradoria de Justiça, o Ministério
Público requer o CONHECIMENTO deste recurso, pois presente todos os
seus pressupostos e, no mérito, o PROVIMENTO para que a r. sentença
de fls. 1.708/1.713 seja reformada para:
1. Condenar o requerido como incurso no art.
10 da Lei de Improbidade Administrativa, pois evidente e devidamente
comprovado o dano ao erário, que será objeto de futura liquidação de
sentença;
2. Aplicar todas as sanções do art. 12, inciso II,
da Lei 8.429/92, condenando o requerido, além da obrigação de ressarcir
integralmente do dano a ser apurado em futura liquidação de sentença,
nas seguintes penas:
a) suspensão dos direitos políticos por 08 anos;
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b) Multa civil de 02 vezes o valor do dano, que
será futuramente apurado;
c) Proibição de contratar com o Poder Público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoas jurídicas da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de 05 anos;
3. De forma subsidiária, sejam aplicadas as
sanções do art. 12, III, da Lei 8.429/92 em seu patamar máximo. Assim,
além das penas já aplicadas, seja suspenso os direitos políticos do
requerido por 05 anos e multa civil de 100 vezes o valor da
remuneração percebida pelo agente.
Peruíbe,5 de maio de 2023.
LUCAS DAMASCENO DE LIMAPromotor de Justiça Substituto
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