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RELATÓRIO DAS RODAS NAS COMUNIDADES Aldeia Tibá (Pataxó) – Prado / Bahia Na aldeia Tibá, contamos com uma grande participação das/os anciãs/ãos; todas/os que se envolveram nas atividades da primeira etapa do projeto ficaram interessadas/os em seguir e aprofundar o trabalho através das rodas de conversa na escola. Sentimos que aqui o diálogo já começou partindo do coração... Trocas sobre ancestralidade em que houve uma grande e potente abertura para falar sobre sonhos, trazendo a dimensão dos ensinamentos e das falas para muito além do racional. Desta forma, anciãs/ãos que já partiram se fizeram também presentes (como Zabelê e outros integrantes da família Ferreira), com seus ensinamentos atualmente transmitidos por sonhos sendo compartilhados na roda. Também Zé Fragoso, ancião muito envolvido no Memória Viva, havia sonhado com Eduardo (facilitador do projeto) lhe transmitindo uma mensagem que lhe foi de grande significância. Foi muito bonito o elo criado a partir daí para as trocas que seguiram. Nessas primeiras rodas pudemos ter lições sobre a facilitação das rodas, no sentido de valorizarmos as falas das/os jovens com seus saberes e opiniões, criando um contraponto situacional a falas de algumas/uns anciãs/ãos que afirmavam o desinteresse da juventude (e, com isso, criando/potencializando um afastamento geracional). Também a abertura e o fechamento dos trabalhos com awês (torés) se mostraram essenciais, trazendo a bênção e momentos de forte união dialógica e espiritual entre as gerações presentes. Um desafio que percebemos que provavelmente teríamos que lidar ao longo de todo o seguimento do projeto é a circulação da palavra, de forma que a roda não se configure enquanto uma palestra, mas sim uma escuta mútua onde a memória se efetive enquanto viva e possa (re)criar e

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RELATÓRIO DAS RODAS NAS COMUNIDADES

Aldeia Tibá (Pataxó) – Prado / Bahia

Na aldeia Tibá, contamos com uma grande participação das/os anciãs/ãos; todas/os que se envolveram nas atividades da primeira etapa do projeto ficaram interessadas/os em seguir e aprofundar o trabalho através das rodas de conversa na escola. Sentimos que aqui o diálogo já começou partindo do coração... Trocas sobre ancestralidade em que houve uma grande e potente abertura para falar sobre sonhos, trazendo a dimensão dos ensinamentos e das falas para muito além do racional. Desta forma, anciãs/ãos que já partiram se fizeram também presentes (como Zabelê e outros integrantes da família Ferreira), com seus ensinamentos atualmente transmitidos por sonhos sendo compartilhados na roda. Também Zé Fragoso, ancião muito envolvido no Memória Viva, havia sonhado com Eduardo (facilitador do projeto) lhe transmitindo uma mensagem que lhe foi de grande significância. Foi muito bonito o elo criado a partir daí para as trocas que seguiram.

Nessas primeiras rodas pudemos ter lições sobre a facilitação das rodas, no sentido de valorizarmos as falas das/os jovens com seus saberes e opiniões, criando um contraponto situacional a falas de algumas/uns anciãs/ãos que afirmavam o desinteresse da juventude (e, com isso, criando/potencializando um afastamento geracional). Também a abertura e o fechamento dos trabalhos com awês (torés) se mostraram essenciais, trazendo a bênção e momentos de forte união dialógica e espiritual entre as gerações presentes.

Um desafio que percebemos que provavelmente teríamos que lidar ao longo de todo o seguimento do projeto é a circulação da palavra, de forma que a roda não se configure enquanto uma palestra, mas sim uma escuta mútua onde a memória se efetive enquanto viva e possa (re)criar e fortalecer o elo entre os saberes tradicionais e escolares. Para isso, o uso do objeto da palavra foi de grande valia. Às vezes sendo uma maraka, com seu significado de conexão com os saberes tradicionais, o fortalecimento e o encorajamento que ela traz a quem a segura (“perde a timidez na hora!”), às vezes, no improviso, sendo uma batata, mas sempre com um bom enredo criado para que aquele objeto trouxesse o sentido da escuta respeitosa e entregue e da fala espontânea e responsável.

Percebemos, na aldeia Tibá, um reconhecimento muito grande dos saberes das/os anciãs/ãos por partes das professoras, manifestando a valorização de sua presença e com grande vontade e ânimo de darem continuidade às propostas trazidas pelo projeto. Em momento muito bonito, falam da pedagogia de Zabelê, mãe das anciãs e anciãos presentes, grande guerreira que ensinou (e, de outras formas, ainda ensina) muito ao seu povo sobre a resistência e sabedoria pataxó, e tem, nesses encontros, seu sonho vivo.

Aldeia Kay (Pataxó) – Prado / Bahia

Na aldeia Kay contamos com a participação ativa da diretora Rita e das professoras, articuladas com o projeto e contribuindo muito nas rodas. Também Ester, jovem que participou na primeira etapa, esteve super presente, motivando muito as/os jovens. É muito bom percebermos o quanto o projeto faz sentido nas comunidades, quando vai ao encontro a uma demanda real da aldeia e em relação a qual a escola se mobiliza, com a inclusão das/os anciãs/ãos no cotidiano escolar. Infelizmente apenas um ancião pôde participar das rodas no dia em que estivemos lá (muitas/os moram/trabalham na vila perto da aldeia), mas para continuidade do projeto protagonizada pela escola, várias/os anciãs/ãos foram mencionadas/os para participar.

Em todas as três rodas, aconteceram diálogos profundos, participação interessada das/os jovens e muita disposição e satisfação do ancião (Seu Jonga), potencializando assim as trocas de conhecimentos, com perguntas interessantes, debates, construção coletiva da narrativa da história da aldeia, sentimentos em relação às lutas, retomadas e resistências do dia-a-dia. Pode-se conversar sobre o passado e sobre o futuro, pensando juntas/os a importância da memória e a responsabilidade de todas as gerações, unidas e fortalecidas, na construção da vida que se quer.

Nos chamou especialmente a atenção a valorização das jovens na aldeia Kay, com grande apoio da comunidade às suas iniciativas, e inclusive citação de letras da banda das meninas (“Mipâ’iré Pãx Suniatá’xó”, em português: "meninas sentir no

canto"), por parte de professoras, para exemplificar lições de vida: “Posso ser quem você é sem deixar de ser quem sou”. Através das músicas, cujas letras partem de aprendizados com anciãs/ãos, as meninas contam sua história, debatem preconceitos, incentivam o orgulho de ser indígena e afirmam a importância das lideranças mulheres.

No final da terceira roda, em que conversamos muito também através das músicas, Seu Jonga expressou sua vontade de aprender a tocar flauta e elas prontamente se dispuseram a ensinar – elos que vão para muito além da escola.

Aldeia Pequi - Pataxó Prado.

Na aldeia Pequi a equipe do projeto foi muito bem acolhida pelas famílias de alguns anciãos e essa relação foi o fio condutor do processo na aldeia. A escola também estava aberta e receptiva à iniciativa interessada em integrar o conhecimento tradicional e a presença dos anciãos à vida escolar. Foram realizadas 4 rodas com os diferentes públicos da escola e pelo menos uma delas com bastante mesclada, de crianças bem pequenas a adultos do EJA. Além de anciãos que participaram da primeira etapa do projeto.

As rodas tiveram dinâmicas diferentes de acordo com as idades e o grupo de educandos e anciões presentes. Na primeira, que teve o público bastante variado, incluindo alguns professores e lideranças da aldeia, o diálogo fluiu com bastante naturalidade, após a exibição de alguns vídeos feitos nas aldeias, os anciãos tiveram oportunidade de responder às perguntas e aprofundar o que haviam apresentados nos vídeos. Também muitos participantes deram exemplos de aprendizagem com os mais velhos e, principalmente professoras, expressaram o desejo de que atividades desse tipo aconteçam com mais frequência.

As rodas com crianças menores apresentaram alguns desafios quanto à dinâmica do diálogo com as crianças inicialmente tímidas e as vezes um pouco dispersas, porém a familiaridade com os anciãos que participaram e o interesse em conhecer suas histórias permitiram ultrapassar esses limites.

Um ponto a destacar é o fato de ser uma escola, e uma aldeia, recente onde muitas coisas estão em construção e existe o interesse numa educação diferenciada integrando conhecimentos tradicionais, a cultura, o idioma, etc. O desafio maior talvez seja o de ultrapassar os formatos da educação formal.

Aldeia 2 Irmãos

Um fato importante foi que essa aldeia não participou da primeira etapa do projeto, o que em si já representa uma expansão do projeto. A roda foi realizada na pequena escola da comunidade onde crianças do primeiro ao quinto ano estudam numa turma multiseriada com uma professora. Além das crianças participaram a professora, duas jovens do PCI, um jovem agente de saúde e a anciã Ciaura.

Ela abriu a roda dando um depoimento maravilhoso de como ela era uma mulher vítima de violência que sofria calada e que acreditava que esse era seu papel no mundo. Não imaginava sair da situação em que vivia e muito menos em ser capaz de falar e ajudar outras mulheres e que foi a participação na Rede de Mulheres Indígenas que a fez reconhecer a força que tinha. Ela fez questão de transmitir isso às crianças e permitiu a abertura de um diálogo muito rico com uma participação muito legal da professora e dos jovens, em especial do agente de saúde, além das crianças, super interessadas em compartilhar coisas que haviam aprendido com seus avós e a fazer perguntas a anciã Ciaura. Um dos pontos altos foi quando falávamos sobre plantio e ela demonstrou na prática como fazer muda de bananeira no canteiro ao lado da escola. A professora contou que eles tem o projeto de fazer uma horta com as crianças.

Tupinambá de Olivença

Na Aldeia oram realizadas três rodas na sede da Escola Estadual Indígena Tupinambá Amotara.. As duas primeiras, com crianças do ensino fundamental tiveram dinâmicas um pouco distintas. A primeira, com um número menor de crianças foi possível, através dos vídeos e de algumas brincadeiras desenvolver uma linha de diálogo interessante valorizando o papel

dos anciãos e também das crianças. Na segunda, as crianças, em maior número, estavam bastante agitadas, o que gerou falas, ou sermões, de anciãos e professoras condenando de forma geral o comportamento "das crianças de hoje em dia". Essa é uma fala que aconteceu em algumas rodas de conversa e que não ajuda na construção do diálogo. Em geral, procuramos contornar encontrando pontos de "encontro" entre os jovens e os anicões.

A terceira roda foi com a turma da noite de jovens e adultos o que incluía alguns anciões e lideranças. Muitos demonstraram grande interesse pelo projeto e também em assistir aos vídeos de outras aldeias. Havia uma professora especialmente impactada pois ainda não haviam feito nada desse tipo na escola. Ela falou também da importância de construir materiais didáticos próprios dentro da cultura indígena trazendo o conhecimento tradicional não só em conteúdo mas também em forma. Há de se destacar, como em todas as escolas indígenas em algum, momento a luta para que as crianças possam ser educadas dentro de suas aldeias. Isso está muito forte na escola Amotara e é muito bonito ver o amor de todos por esse ideal.

Acuípe de cima - núcleo escola Amotara

A equipe de coordenação do projeto sugeriu a realização de uma roda de conversa nessa aldeia que não havia participado da primeira fase. A mesma foi organizada em conversa com liderança da comunidade localizada na zona rural. Foi uma experiência incrível. Contou com a presença de duas turmas multisseriadas do Fundamental I, suas professoras, o coordenador pedagógico da Escola Amotara (a qual está ligada o núcleo) e da anciã D. Maria. Foi emocionante ver a autonomia das crianças que não só entravam nas dinâmicas propostas como também propunham suas próprias. Puxaram o Toré, faziam perguntas complexas e demonstravam grande maturidade ao falar de sua comunidade e do saber dos mais velhos. Assistimos a um vídeo feito na aldeia Itapoã sobre plantio e também de outras etnias falando sobre a caça e a pesca. O coordenador e as professoras contaram que esse tipo de prática, não só de trazer uma anciã ou um ancião para conversar, mas também de ir até eles em suas casas ou locais de trabalho, eram frequentes na comunidade e na escola. Inclusive as crianças contaram que estão programando um dia de pesca tradicional. Para encerrar as crianças se alternaram contando "causos"e encenando uma peça de contos populares da aldeia. Passei poucas horas ali, mas foi uma pequena amostra do efeito que uma educação emancipadora pode ter no comportamento das crianças e na sua maneira de estar no mundo valorizando sua identidade cultural. Claro que essa é uma observação superficial. Seria interessante observar o conjunto da comunidade com calma.

Escola Katuana

A escola está localizada no centro de Olivença e recebe crianças de diversas aldeias que também não haviam participado da primeira fase. Havíamos combinado a roda no dia anterior e a professora havia se encarregado de convidar os avós dos alunos, porém no dia não veio ninguém. Vemos que, com poucas exceções, o convite feito dessa forma, sem que a

equipe converse previamente com o ancião, não funciona. Também é difícil quando os professores não conhecem e não se comprometem com o projeto. Esse foi o caso, os professores "liberaram" os alunos e foram tratar de outros assuntos.

A impressão deixada por essa roda foi, de certa forma, oposta ao dia anterior. As crianças em si apresentam, como sempre uma riqueza impressionante, porém nota-se que estão habituadas a um tipo de aula convencional que não estimula a participação e a autonomia. Ainda assim, assistimos a alguns vídeos e fizemos algumas atividades em torno dos temas, quando perguntados respondiam a algumas questões porém não houve um diálogo.

Aldeia Velha (Pataxó) – Arraial D’ajuda / Bahia

A direção estava muito aberta a nos receber, assim como os professores, que mostraram interesse na proposta do projeto, e cederam seus períodos para as Rodas. Tivemos também o apoio com a infraestrutura da biblioteca e equipamentos, além da cooperação de funcionários.

Optamos em fazer as atividades com os alunos do 5° ano até o 9° ano, abrangendo um total de 126 jovens ao final de 7 rodas realizadas. A/os anciãs/os presentes foram Maria D’ajuda (Jaçanã), Maria Raimunda, Áureo Cancela Conceição, Maria Rosa Jesus dos Santos e Silvino Lopes Espírito Santo (Ipê), que se mostraram muito felizes em participar das rodas e ver seus vídeos.

Na maioria das rodas as crianças se sentiram confortáveis em dialogar e fazer perguntas, mostrando real interesse numa maior presença de anciãs/os na escola para troca de saberes. Já na primeira roda foi falado sobre visitas na casa da anciã Jaçanã para ela ensinar sobre remédios de ervas e contar histórias, e ela prontamente abriu a casa dela para receber quem tivesse interesse.

Sentimos que as rodas foram realmente uma oportunidade de aproximação dos jovens com as/os anciãs/os, propiciando um espaço seguro onde eles puderam inclusive fazer perguntas de nível pessoal para o ex-cacique Ipê, assim como esclarecer muitas dúvidas sobre a história da retomada da aldeia.

Foram trazidos assuntos de temas diversos, quase sempre relacionados com os saberes aprendidos nos vídeos. Discutiu-se muito sobre partos, ervas, entidades da mata, mas principalmente sobre a história da retomada da aldeia com conversas muito ricas e esclarecedoras. Mundinha foi a anciã que mais participou das rodas, retornando sempre que era convidada, mostrando o interesse em trazer seus conhecimentos e estar mais perto da escola e dos jovens.

Os professores estavam muito envolvidos durante as rodas, o que gerou insights importantes para que haja uma continuidade dos trabalhos na consolidação e aprofundamento de uma educação diferenciada. Foi dialogado sobre os desafios da educação nas escolas indígenas e da importância de uma aproximação maior entre jovens e anciãs dentro ou fora da escola, para a continuidade e preservação da identidade do povo Pataxó.

Pataxó Hãhãhãe – Pau Brasil /BA

As rodas de conversa foram organizadas com as jovens do PCI e a anciã Mayá, que haviam feito os vídeos da primeira fase. Com essa equipe decidimos quais anciãos convidaríamos, os horários e dividimos tarefas. Fomos à Escola Estadual Indígena Caramuru e conversamos com os professores e direção.

A primeira roda foi muito rica contando com a presença de 3 anciões. Foram exibidos vídeos realizados na própria aldeia e depois abrimos o diálogo. Vale destacar que todo o processo foi co-facilitado pelas jovens do PCI e pela anciã Mayá. Também tivemos uma participação efetiva de três professores que não só colaboraram em toda organização como expuseram seu pensamento, ressaltando a importância de aprender com os anciãos e de trazer esse aprendizado para a escola. Por outro lado o grande número de educandos participantes dificultou a fluidez do diálogo e nem todos puderam se expressar.

A anciã Mayá abriu a roda com todos de pé seguindo a tradição, cantando alguns torés e dizendo algumas palavras de abertura. Em seguida propusemos algumas dinâmicas que ajudaram os jovens a se expressar utilizando o corpo. Já nesse momento colocaram a importância de aprender com os anciãos e também de transmitir o que eles sabem, geralmente relacionado ao uso da tecnologia. Essa abertura, além do número adequado de participantes, permitiu um diálogo mais aberto após assistir aos vídeos. As jovens do PCI expuseram como foi para elas participar do projeto e muitos jovens contaram com interesse conhecimentos que haviam adquirido com seus avós, tios, e anciões da aldeia, e também fizeram perguntas que foram respondidas pela anciã presente.

A equipe escolar se demonstrou muito interessada em dar continuidade às trocas entre jovens e anciãos e algumas atividades nesse sentido já foram definidas no calendário.

Após as rodas foi feita ainda uma roda de avaliação com Mayá e as jovens.

Com o apoio da Líder Maria Muniz foi possível articular que na comunidade pataxó Hãhãhãe parte das rodas acontecessem na casa das próprias anciãs. Jovens e velhos da aldeia estiveram presentes nestas duas rodas que abrangeram um total de 23 jovens.

As jovens do Ponto de Cultura Indígena estiveram presentes durante as rodas, e foi exposto que ali estava começando a se realizar um sonho antigo de Maria Muniz de transformar o Ponto de Cultura em um espaço para educação infantil indígena. Onde pudesse de fato ser criada uma educação diferenciada para as crianças da aldeia.

O ponto de Cultura de mostrou articulado em relação ao projeto, tomando frente em dinâmicas durante as rodas e fazendo registros para serem compartilhados para a comunidade. Ao final foi realizada uma avaliação onde pode-se falar na continuidade do projeto dentro da aldeia, com a produção de novos vídeos .

Kariri-Xocó – Porto Real do Colégio (Alagoas)

No primeiro momento do Memória Viva em Kariri-Xocó, foram realizadas duas rodas, com a participação da anciã Renilda e dos anciãos João Gringo e Zé Nunes (Nhenety). No total participaram 43 alunas/os e 5 integrantes do GT. Foram duas rodas muito diferentes entre si – uma com as crianças do 4º ano e outra com a turma adulta do EJA.

Na primeira, foi ótimo o diálogo fluido, com as crianças interessadas, perguntando e também respondendo questões sobre as quais o professor e a/os anciã/ãos queriam ouvi-las. Foi um momento de respeito e valorização às diferenças

de gerações, de opiniões, e entre as crianças mesmas. As relações estabelecidas se percebiam muito carinhosas, com o professor presente, facilitando junto o diálogo, com pró-atividade e empolgação. Várias/os meninas/os estão aprendendo ou já sabem fazer cerâmica (assunto principal da primeira roda), como também colares e outros artesanatos, através dos ensinamentos das pessoas mais velhas de suas famílias. Já na segunda roda, foi muito rica a diversidade dos assuntos conversados, com as pessoas um pouco mais velhas podendo também compartilhar entre si e com o ancião presente (João Gringo) suas experiências, opiniões e interesses.

Um aspecto desafiador no trabalho foi as diferenças de gênero: no encerramento da primeira roda, com as crianças, houve um toré bonito e forte, com inclusive um menino com necessidades especiais e dificuldades na fala tirando um toré que todo mundo acompanhou. Nesse momento, que era de união e integração, as meninas estavam tímidas, entravam na roda e logo saíam de cabeças baixas, cantavam baixinho como se para ninguém escutar. Também esse aspecto foi marcante na segunda roda, mas nessa o protagonismo masculino era quanto ao uso da palavra, no compartilhamento de suas experiências e expressão de opiniões. As mulheres jovens estavam ali, presentes e atentas, mas parecia que a elas caberia mais escutar.

Foram realizadas ainda duas rodas na E.E.I Pajé Francisco Suíra e uma na "escolinha da língua" onde voluntariamente ensinam e aprendem o idioma materno. A rodas na E.E.I Pajé Francisco Suíra foi realizada no pátio da escola com crianças do fundamental I e a presença do Sr. João Batista e de José Nunes, Nhenety. Foi acima de

tudo um grande momento de integração e celebração. Brincamos, dançamos o toré puxado pelas crianças, assistimos a vídeos de outras aldeias (as crianças já haviam participado de uma roda onde haviam assistido aos vídeos de sua aldeia). Conversamos sobre a pesca, a caça, o artesanato e festejamos a identidade indígena. A segunda roda, com a presença dos mesmos anciãos e crianças do sexto ano foi mais focada na conversa. O sr. João Batista, depois de apresentado o vídeo no qual apresenta sua criação de ovelhas pode responder a perguntas sobre esse e outros assuntos. Conversamos muito sobre os artefatos utilizados na pesca. nhenety chegou a desenhar com as crianças um "Buvu" armadilha utilizada tradicionalmente na pesca.

A escolinha informal onde crianças jovens e adultos pesquisam aprendem e criam a língua materna é uma iniciativa em sua natureza "memória viva" que não apenas "lembra" mas segue se recriando a todo momento. Nesta roda estavam presentes os três professores voluntários e um grupo de crianças. Conversamos muito sobre a língua e os costumes relacionados, assistimos a alguns vídeos e as crianças se interessarem em especial por um vídeo no qual apareciam algumas palavras na língua Pataxó.

Pankararu (Pernambuco)

No primeiro momento do projeto em Pankararu, foram realizadas 3 rodas de conversa, envolvendo 6 turmas (das escolas Ezequiel Pankararu e Carlos Estêvão), 2 anciãs, 55 alunas/os e 10 membros do GT.

Sempre tentamos colocar que as rodas não eram uma atividade obrigatória da escola, e quem as/os alunas/os pudessem se sentir à vontade para participar ou não. É importante que fique quem tem interesse real em estar ali; entretanto, ao longo do projeto foram poucas/os jovens que se retiraram – seja porque mesmo dispersivamente tinham vontade de participar, seja porque pela lógica comum escolar isso poderia carretar alguma represália. Porém, na primeira roda realizada em Pankararu, com o 6º ano, nos surpreendeu que todos os meninos, com a exceção de um, prontamente saíram. Avaliamos que foi positivo, pelo fato de ter havido espaço para as meninas, interessadas, participarem mais ativamente e com maior proximidade da anciã. Mas ficamos nos perguntando a respeito dessa diferença de comportamento de gênero... Será que as meninas - que talvez não quisessem participar - se sentem menos autorizadas a seguirem autonomamente sua vontade sem serem barradas pelo comportamento delas esperado? Por que será que os meninos não se mostraram interessados em conversar com a anciã? Será mesmo que não tem interesse em trocar sobre os saberes de sua cultura ou esse comportamento teria mais a ver com a construção da grupalidade masculina nesses jovens? Enfim,

questões complexas que envolvem muitas dimensões culturais, mas que se fizeram marcantes nas atividades.

Uma das rodas, bastante desafiadora, foi com duas turmas cujos meninos eram extremamente agitados. Da dificuldade de escuta mútua, surgiu o recurso do desenho, que acabou sendo muito bom para a reflexão sobre memória, identidade, cultura e aprendizados que querem ter.

Outro aspecto marcante das rodas em Pankararu foi a praticidade na transmissão dos saberes: dona Maria de Dion, ceramista, levou barro, e dona Amélia levou ervas medicinais, e assim, através de visualização, cheiros, texturas, foram “aulas” muito sensíveis. A maioria das crianças já tinha alguns conhecimentos da cerâmica e conhecia várias ervas, sabendo pelo menos um uso medicinal de cada uma delas.

Uma semana antes, professoras haviam proposto um trabalho para as turmas que fez todo sentido com as rodas, como uma culminação mesmo das atividades. E com dona Maria já ficou combinada uma grande oficina de pratos de barro em sua casa na semana seguinte, como atividade escolar. Foi assunto da roda também a presença de anciãs/ãos na escola, sua importância e como as próprias crianças gostariam que acontecessem esses encontros. Com isso percebemos que o projeto insere-se como uma potencialização de ações em curso na aldeia, sendo um ponto propulsor importante para movimentos que o antecediam e que, a partir desses encontros, crescem e firmam aberturas e parcerias entre os fazeres escolares e os fazeres tradicionais.

As rodas de conversa foram organizadas com o PCI. Decidimos fazer uma roda na escola Carlos Estevão, no Brejo dos Padres e outra na Escola Pankararus em Saco dos Barros. Essa foi uma sugestão dos jovens para expandir o projeto a outras comunidades frente a uma demanda dos professores de lá. A ideia é ainda no futuro levar também a outras.

Na Carlos Estevão contamos com a participação de Dona Maria, anciã que havia participado da primeira fase demonstrando seu conhecimento sobre a cerâmica. Outro ancião com quem havíamos combinado não compareceu. Não foi uma roda fácil. Os alunos de 5 a 7 ano muito agitados, não só os que estavam participando como os de outras turmas também. Porém, contamos com a boa participação da professora e assistentes e dos jovens Antônio e Gabriele que haviam participado da primeira fase e animaram boa parte da roda. No momento em que Dona Maria começou a falar e mostrou o barro que havia trazido, foi como mágica, todos queriam pegar e começar a moldar seus pedaços. Muitos começaram a falar sobre o que já sabiam fazer ou sobre o que queriam aprender, e o resultado foi bem positivo. Quanto ao comportamento geral da crianças acreditamos que vale a pena uma avaliação mais aprofundada do contexto geral da escola que não cabe aqui.

Karapotó Plaki-ô / Alagoas

A Escola da aldeia atende alunos até o 6º ano, tendo turmas multiseriadas, devido ao número pequeno de estudantes. Durante as 05 rodas realizadas abrangemos um total de 40 jovens com idades variando de 7 à 13 anos. A Diretora Ana Lúcia nos recebeu muito aberta à proposta do projeto, e logo na primeira conversa já conseguimos organizar os horários onde aconteceriam as atividades para chamar as/os anciãs/os.

As rodas foram bem diversificadas, algumas com mais diálogos, outras com contação de história, torés e cantos. Marciana, a mulher mais velha da comunidade, esteve presente na maioria das rodas, e ainda com muita disposição, cantou e contou histórias da retomada da aldeia junto com Euclídea e Vandelita. Lindinauva, esposa do atual cacique, também esteve presente contando sua participação na retomada da aldeia.

As rodas em karapotó-Plakiô tiveram momentos muito especiais de união entre as gerações, onde até crianças que estavam fora do período de aula vieram participar de danças puxadas pelas anciãs. Outro momento tocante foi quando jovens em período de alfabetização ajudaram uma das anciãs a escrever seu nome na lista de presença.

Os jovens do Ponto de Cultura de Karapotó Plaki-ô estiveram presentes durante as rodas, o que é muito importante para uma continuidade do projeto dentro da escola. Visto que eles são um dos responsáveis pela articulação de atividades que envolvam a comunidade e a preservação da cultura indígena local.

Após a finalização das atividades foi realizada uma reunião junto com os jovens do Ponto de Cultura e a diretora da escola, onde ela pode expor a importância das Rodas de Conversa para a montagem do programa escolar do segundo semestre. Foram discutidas ideias e formas de atender as necessidades dos anciãs/os dentro da comunidade, assim como despertar nos jovens interesse pelos saberes e conhecimentos ancestrais dentro da escola.

Na escola, combinamos de fazer uma roda no turno da tarde e outra no turno da noite, com turmas que ainda não haviam participado. Pela manhã visitamos as anciãs Vandelita e Marciana que acietaram participar das rodas. Não conseguimos contato com outros anciãos.

Na primeira roda, os alunos de 4o, 5o e 6o ano, já haviam assistido aos vídeos da aldeia e, portanto, passamos de outras aldeias que despertaram muito interesse entre as crianças e estimulou um diálogo animado com as anciãs Vandelita e Marciana e com os jovens do PCI

No turno da noite fizemos uma roda com os alunos do EJA, havia poucas pessoas e não contamos com a presença física dos anciãos. Houve porém, a partir dos vídeos, uma interaçao interessante com os alunos professores e jovens.