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Caderno de Textos dos Facilitadores do 29° ENEEn – Salvador-BA. “Do Robô ao Macaco: Onde Me Encontro?” APRESENTAÇÃO Executiva Nacional dos Estudantes de Enfermagem – ENEEnf 1 29º Encontro Nacional dos Estudantes de Enfermagem - ENEEn Caderno de Textos dos Facilitadores 29 de Julho a 05 de Agosto, Salvador – BA / Brasil

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Caderno de Textos dos Facilitadores do 29° ENEEn – Salvador-BA.

“Do Robô ao Macaco: Onde Me Encontro?”

APRESENTAÇÃODiante da atual situação em que se encontram a Universidade, a Enfermagem, a

Saúde e a Sociedade, a Executiva Nacional dos Estudantes de Enfermagem – ENEEnf – constatou a necessidade de aprofundar a discussão das relações sociais, entendendo que estas são determinadas pelo modo de produção vigente.

“O modo de produção da vida material determina o caráter geral dos processos da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens o que lhes determina a realidade objetiva, mas, ao contrário, a realidade social é que lhes determina a consciência”. (MARX, K; ENGELS, F; 1845). Partindo do pressuposto de que o homem necessita

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produzir os meios da sua existência, e que estes são materializados através do trabalho, entendemos que o trabalho é a essência humana e através deste as relações sociais são construídas num processo histórico inerente a ele.

Portanto, o 29º Encontro Nacional dos Estudantes de Enfermagem – ENEEn – vem a apresentar uma metodologia diferente, trazendo essa discussão de forma propositiva, a partir do ponto de vista da radicalidade, ou seja, indo à raiz dos problemas para compreender as práticas sociais.

POR QUE DISCUTIR TRABALHO?

Aglutinar e aproximar os estudantes do processo de desalienação;

Apresentar como as relações sociais e culturais se manifestam a partir do trabalho;

Levar conceitos da luta de classes que é mascarada pela classe dominante;

Desvelar a precarização do trabalho e a exploração pelo trabalho;

Desvelar os mecanismos ideológicos do capital;

Fazer entender que há um modo de produção que determina nossas relações de existência.

Facilitadores do Processo de Formação Política do Movimento Estudantil de Enfermagem,

Este caderno de texto é mais um produto para auxiliar no processo de formação de nossa militância enquanto lutadores do povo. Este material servirá para a continuidade do I Módulo, visando o seu término do 29º ENEEn. Lêem e encaminhem uma resenha com dúvidas e colocações.

Abraços e boa leitura

Índice

Textos

I. Considerações em torno do Ato de Estudar 04

II. Análise de Conjuntura de Cláudio de Lira Santos Júnior 07

III. As transformações no mundo do trabalho na virada de século 12

IV. A Evolução Histórica da Enfermagem 29

V. Roda: Divisão Social e Sexual do Trabalho em Enfermagem 30

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VI. Enfermagem e promoção da vida com justiça social: um desafio a esperança 33

dos povos da América latina e caribe

VII. Os custos sociais do ajuste neoliberal no Brasil 47

VIII. A Formação que temos e a que queremos: um olhar sobre os discursos 52

IX. A Extensão contra hegemônica 59

X . As Tarefas dos Intelectuais, Hoje anexo II

"Para nós, não há outra definição válida do socialismo que não seja a abolição da exploração do homem pelo homem. Enquanto isto não se der, estamos no período de

construção da sociedade socialista."

(Ernesto Che Guevara)

Considerações em torno do ato de estudar 1

Toda bibliografia deve refletir uma intenção fundamental de quem a elabora: a de atender ou a de despertar o desejo de aprofundar conhecimentos naqueles ou naquelas a quem é proposta. Se falta, nos que a recebem, o ânimo de usá-la, ou se a bibliografia, em si mesma, não é capaz de desafia-los, se frustra, então, a intenção fundamental referida.

1 Escrito em 1968, no Chile, este texto serviu de introdução à relação bibliográfica que foi proposta aos participantes de um seminário nacional sobre educação e reforma agrária.

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A bibliografia se torna um papel inútil, entre outros, perdido das gavetas das escrivaninhas.

Esta intenção fundamental de quem faz a bibliografia lhe exige um triplo respeito: a quem ela se dirige, aos autores citados e a si mesmos. Uma relação bibliográfica não pode ser uma simples cópia de títulos, feita ao acaso, ou por ouvir dizer. Quem a sugere deve saber o que está sugerindo e por que o faz. Quem a recebe, por sua vez, de ter nela, não uma prescrição dogmática de leituras, mas um desafio. Deságio que se fará mais concreto na medida em que comece a estudar os livros citados e não a lê-los por alto, como se os folheasse, apenas.

Estudar é, realmente, um trabalho difícil. Exige de quem o faz uma postura crítica, sistemática. Exige uma disciplina intelectual que não se ganha a não ser praticando-ª

Isto é, precisamente, o que a “educação bancária” 2 não estimula. Pelo contrário, sua tônica reside fundamentalmente em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade. Sua “disciplina” é a disciplina para a ingenuidade em face do texto, não para a indispensável criticidade.

Este procedimento ingênuo ao qual o educando é submetido, ao lado de outros fatores, pode explicar as fugas ao texto, que fazem os estudantes, cuja leitura se torna puramente mecânica, enquanto, pela imaginação, se deslocam para outras situações. O que se lhes pede, afinal, não é a compreensão do conteúdo, mas a sua memorização. Em lugar de ser o texto e sua compreensão, o desafio passa a ser a memorização do mesmo. Se o estudante consegue faze-lo, terá respondido ao desafio.

Esta postura crítica, fundamental, indispensável ao ato de estudar, requer de quem a ele se dedica:

A) Que assuma o papel de sujeito deste ato.

Isto significa que é impossível um estudo sério se o que estuda se põe em face do texto como se estivesse magnetizado pela palavra do autor, à qual emprestasse uma força mágica. Se se comporta passivamente, “domesticadamente”, procurando apenas memorizar as afirmações do autor. Se se deixa “invadir” pelo que afirma o autor. Se se transforma numa “vasilha” que deve ser enchida pelos conteúdos que ele retira do texto para pôr dentro de si mesmo.

Estudar seriamente um texto é estudar o estudo de quem, estudando, o escreveu. É perceber o condicionamento histórico-sociológico do conhecimento. É buscar as relações entre o conteúdo em estudo e outras dimensões afins do conhecimento. Estudar é uma forma de reinventar, de recriar, de reescrever – tarefa de sujeito e não de objeto. Desta maneira, não é possível a quem estuda, numa tal perspectiva, alienar-se ao texto, renunciando assim à sua atitude crítica em face dele.

A atitude crítica no estudo é a mesma que deve ser tomada diante do mundo, da realidade, da existência. Uma atitude de adentramento com a qual se vá alcançando a razão de ser dos fatos cada vez mais fucidamente.

Um texto estará tão melhor estudado quanto, na medida em que dele se tenha uma visão global, a ele se volte, delimitando suas dimensões parciais. O retorno ao livro para esta delimitação aclara a significação de sua globalidade.

2 Sobre “educação bancária”, ver Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, , 4ª ed., (N.E.)

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Ao exercitar o ato de delimitar os núcleos centrais do texto que, em interação, constituem sua unidade, o leitor crítico era surpreendendo todo um conjunto temático, nem sempre explicitado no índice de obra. A demarcação destes temas deve atender também ao quadro referencial de interesse do sujeito leitor.

Assim é que, diante de um livro, este sujeito leitor pode ser despertado por um trecho que lhe provoca uma série de reflexões em torno de uma temática que o preocupa e que não é necessariamente a de que trata o livro em apreço. Suspeitada a possível relação entre o trecho lido e sua preocupação, é o caso, então, de fixar-se na análise do texto, buscando o nexo entre seu conteúdo e o objeto de estudo sobre que se encontra trabalhando. Impõe-se-lhe uma exigência: analisar o conteúdo do trecho em questão, em sua relação com os precedentes e com os que a ele se seguem, evitando, assim, trais o pensamento do autor em sua totalidade.

Constatada a relação entre o trecho em estudo e sua preocupação, deve separá-lo de seu conjunto, transcrevendo-o em uma ficha com um título que o identifique com o objeto específico de seu estudo. Nestas circunstâncias, ora pode deter-se, imediatamente, em reflexões a propósito das possibilidades que o trecho lhe oferece, ora pode seguir a leitura geral do texto, fixando outros trechos que lhe possam aportar novas meditações.

Em última análise, o estudo sério de um livro como de um artigo de revista, implica não somente numa penetração crítica em seu conteúdo básico, mas também numa sensibilidade aguda, numa permanente inquietação intelectual, num estado de predisposição à busca.

B)Que o ato de estudar, no fundo, é uma atitude em frente ao mundo.

Esta é a razão pela qual o ato de estudar não se reduz à relação leitor-livro, ou leitor-texto.

Os livros em verdade refletem o enfrentamento de seus autores com o mundo. Expressam este enfrentamento. E ainda quando os autores fujam da realidade concreta estarão expressando a sua maneira deformada de enfrentá-la. Estudar é também e sobretudo pensar a prática e pensar a prática é a melhor maneira de pensar certo. Desta forma, quem estuda não deve perder nenhuma oportunidade, em suas relações com os outros, com a realidade, para assumir uma postura curiosa. A de quem pergunta, a de quem indaga, a de quem busca.

O exercício desta postura curiosa termina por torná-la ágil, do que resulta um aproveitamento maior da curiosidade mesma.

Assim é que se impõe o registro constante das observações realizadas durante uma certa prática; durante as simples conversações. O registro das idéias que se têm e pelas quais se é “assaltado”, não raras vezes, quando se caminha só por uma rua. Registros que passam a constituir o que Wright Mills chama de “fichas de idéias”3.

Estas idéias e estas observações, devidamente fichadas, passam a constituir desafios que devem ser respondidos por quem as registra.

Quase sempre, ao se transformarem na incidência da reflexão dos que as anotam, estas idéias os remetem a leituras de textos com que podem instrumentar-se para seguir em sua reflexão.

3 Wright Mills – The sociological Imagination.

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C) Que o estudo de um tema específico exige do estudante que se ponha, tanto quanto possível, a par da bibliografia que se refere ao tema ou ao objeto de sua inquietude.

D) Que o ato de estudar é assumir uma relação de diálogo com o que o autor do texto, cuja mediação se encontra nos temas de que ele trata. Esta relação dialógica implica na percepção do condicionamento histórico-sociológico e ideológico do autor, nem sempre o mesmo do leitor.

E) Que o ato de estudar demanda humildade.

Se o que estuda assume realmente uma posição humilde, coerente com a atitude crítica, não se sente diminuído se encontra dificuldades, às vezes grandes, para penetrar na significação mais profunda do texto. Humilde e crítico, sabe que o texto, na razão mesma em que é um desafio, pode estar mais além de sua capacidade de resposta. Nem sempre o texto se dá facilmente ao leitor.

Neste caso, o que deve fazer é reconhecer a necessidade de melhor instrumentalizar-se para voltar ao texto em condições de entendê-lo. Não adianta passar a página de um livro se sua compreensão não foi alcançada. Impõe-se, pelo contrário, a insistência na busca de seu desvelamento. A compreensão de um texto não é algo que se recebe de presente. Exige trabalho paciente de quem por ele se sente problematizado.

Não se mede o estudo pelo número de páginas lidas numa noite ou pela quantidade de livros lidos num semestre.

Estudar não é um ato de consumir idéias, mas de criá-las e recria-las.

Análise de Conjuntura

CLÁUDIO DE LIRA SANTOS JÚNIOR

QUAIS AS PRICINPAIS CARACTERÍSTICAS DA REALIDADE ATUAL?

CRISE ESTRUTURAL (irreformável e incontrolável)

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É importante compreendermos o papel da crise para o capitalismo para compreendermos melhor a aparente apatia das forças populares. A crise é o momento em que o capitalismo se rejuvenesce, ainda que temporariamente. Nestes momentos o capital muda o papel do Estado, da produção tecnológica, da educação e muda - isto é importante - a composição da classe trabalhadora, transforma trabalhadores braçais em trabalhadores de “colarinho branco”, desemprega, joga trabalhadores na economia informal e no subemprego. Aprofunda a recessão e faz com que a luta sindical seja sufocada pelo medo da perda do emprego. Esta é a nossa “contemporaneidade” e, exceto pela natureza das medidas que são postas em marcha pelo capital, a estratégia é a mesma ao longo dos séculos: aumentar a taxa de exploração da classe trabalhadora. (FREITAS, 1991, p. 7)

crescente incapacidade do fundo público financiar a acumulação privada e manter as políticas sociais de reprodução da força de trabalho

Tendência à crescente diminuição das taxas de lucro. Crise do regime de acumulação (fordysmo/teylorismo) a questão ecológica atingiu um ponto que põe em risco a existência humana o aumento da distância entre países ricos e pobres a decadência moral da relação entre seres humanos. Nada conta a não ser o aqui e

agora o fim do sonho do pleno emprego DESEMPREGO ESTRUTURAL CRESCENTE a ampliação da violência BANALIZAÇÃO DA VIDA + BUNDIALIZAÇÃO DA

CULTURA + NARCIZISAÇÃO DO SER + SINDROME DO OLIMPISMO EXISTENCIAL

Ideário Neoliberal enquanto estratégia para conquista do consenso de que não nos resta alternativas a “nova ordem mundial”.

Ataque a direitos e conquistas históricas da classe trabalhadora O câncer da esperança com o atrofiamento da utopia, e da resistência social popular

organizada

INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA COMO GERÊNCIA DA CRISE.

IMPERIALISMO (LENIN, 1916) Concentração da produção e do capital na criação de monopólios Fusão do capital bancário e do capital industrial, formando o capital financeiro Surgimento de uma oligarquia financeira A exportação de capitais assumindo importância particular Formação de uniões internacionais de capitalistas que partilham o mundo entre si Partilha territorial do globo entre as maiores potências capitalistas

FASE SENIL DO CAPITALISMO

Fase que se exprime na inversão dos sinais de valores: a tendência para o desenvolvimento da forças produtivas, que caracterizava de maneira dominante o capitalismo ascendente, deu lugar à tendência dominante para a destruição das forças produtiva; a tendência para a industrialização deu lugar à tendência para a desindutrislização; a tendência para a expansão dos mercados deu lugar à tendência para

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contração dos mercados; o processo da constituição do mercado mundial deu lugar a um processo de desagregação do mercado mundial. (Glukstein s/d: 04).

OFENSIVA DO EUA PELA MANUTENÇÃO DA HEGEMONIA

ESTRATÉGIAS NOS ÃMBITOS

MILITAR (CRIANDO AS CONDIÇÕES REAIS E IMAGINARIAS DE INVENCIBILIDADE);

ECONOMICO (CONSTIUTINDO-SE EM MODÊLO DE REFERÊNCIA E/OU SUBORDINANDO);

POLÍTICO (FORJANDO E/OU SENDO ARBITRO DAS DECISÕES MUNDIAIS);

CULTURAL (UNIVERSALIZANDO SUA CONCEPÇÃO DE MUNDO).

MUNDIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

• Assalto as consciências;• Amoldamento das subjetividades;• Idiotização do ser;• Novo Analfabetismo + aumento do Analfabetismo funcional;• Educação como central para alívio da pobreza.

QUAL A ORGANIZAÇÃO ESTRATÉGICA E VITAL?AS LIÇÕES DERIVADAS DAS LUTAS

• DAS PRIMITIVAS LIGAS E ASSOCIAÇÕES

• AOS SINDICATOS

• AOS PARTIDOS POLÍTICOS

• AS INTERNACIONAIS (I, II, III,IV)

• AOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE LUTA

• AS RESISTÊNCIAS MUNDIAIS

QUAL A ORGANIZAÇÃO NECESSÁRIA E VITAL?

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• Estudantes docentes e técnico-administrativos;

• Movimento Estudantil;• Movimento Docente• Movimentos Populares• Sociedade Brasileira• As amplas massas

• Empresários• Monopólios Oligopólios• Banco Mundial-FMI• Governo Burguês• Imperialistas• Representações políticas• Instituições militares• Aparato cultural

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TÁTICA E ESTRATÉGIA

• BANDEIRAS

• REIVINDICAÇÕES

• ORGANIZAÇÃO

• INSTRUMENTOS DE LUTA

• AS DIREÇÕES

QUAL É A TAREFA HISTÓRICA?

• A TAREFA ESSENCIAL QUE SE COLOCA HOJE PARA O MOVIMENTO OPERÁRIO NA CIDADE E NO CAMPO É A CONSCIENTIZAÇÃO POLÍTICA, A EDUCAÇÃO IDEOLÓGICA E A SUA ORGANIZAÇÃO REVOLUCIONÁRIA. ESTAS TRÊS QUESTÕES DEVEM SER LEVADAS A TODOS OS RECANTOS DAS LUTAS OPERÁRIAS E DE MASSA” (Lukács. Teoria do Partido Revolucionário”

MOVIMENTO ESTUDANTIL, O QUE FAZER?

• CRITICAR (Método Materialista histórico dialético) • ESCLARECER• AGITAR• PROPAGANDIAR• MOBILIZAR• ORGANIZAR• RESISTIR• OFENSIVA• AMPLIAR OS LAÇOS DE SOLIDARIEDADE

TEORIA DA ORGANIZAÇÃO REVOLUCIONARIA

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• COM BASE NAS REIVINDICAÇÕES IMEDIATAS, MEDIATAS E HISTÓRICAS

• ORGANIZAR AS BASES• AUTONOMIA INDEPENDÊNCIA• PROCESSO DE ENFRENTAMENTO CONSTANTE

QUAIS AS REIVINDICAÇÕES?

• DEFESA DE DIREITOS E CONQUISTAS;• NÃO A ALCA;• REFORMA AGRÁRIA;• TETO PARA OS SEM TETO;• NÃO A REFORMA UNIVERSITÁRIA, SINDICAL E TRABALHISTA;• NÃO A CORRUPÇÃO;• NÃO AO PAGAMENTO DA DÍVIDA;• FORA DAQUI FMI/BM;• FIM DO SUPERÁVIT PRIMÁRIO – DINHEIRO PARA EDUCAÇÃO, SAÚDE,

EMPREGO, SANEAMENTO, ETC.;

E O GOVERNO LULA? OU CONSTRUINDO AS ALTERNATIVAS

• O GOVERNO LULA – EXPRESSÃO DIALÉTICA DA RELAÇÃO ENTRE GOVERNOS DE COALIZÃO DE CLASSE E REIVINDICAÇÕES HISTÓRICAS;

• NÃO SEPARAR TAREFA HISTÓRICA DAS LUTAS IMEDIATAS;• NÃO DEPOSITAR ESPERANÇAS NA LUTA NO SEIO DO PARLAMENTO;• INVESTIR NOS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA E NA REORGANIZAÇÃO

POPULAR;• NUNCA SUBESTIMAR O INIMIGO;• AMPLIAR O PADRÃO CULTURAL DA POPULAÇÃO

PARA ALÉM DO CAPITAL

O homem realiza a sua história, em um primeiro momento de acordo com suas paixões,mas em última instância, a força motriz é o grau de desenvolvimento das forças produtivas e a capacidade de organização e luta da classe trabalhadora para levantar suas bandeiras, manter suas reivindicações, defender sua organização, seus instrumentos de luta e ser consistente e coerente na direção.

“ (...) Não se trata, como na concepção idealista da história, de procurar uma categoria em cada período, mas sim de permanecer sempre sobre o solo da história real; não

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de explicar a praxis a partir da idéia, mas de explicar as formações ideológicas a partir da praxis material; chegando-se, por conseguinte, ao resultado de que todas as formas e todos os produtos da consciência não podem ser dissolvidos por força da crítica espiritual, pela dissolução na “auto-consciência” ou pela transformação em “fantasmas”, “espectros”, “visões”, etc.- mas só podem ser dissolvidos pela derrocada prática das relações reais de onde emanam essas tapeações idealistas; não é a crítica, mas a revolução a força motriz da história, assim como da religião, da filosofia e de qualquer outro tipo de teoria” (1987:56).

As transformações no mundo do trabalho na virada de século – Qual a educação predominante?

O presente texto consiste da sistematização de algumas das reflexões realizadas durante o primeiro semestre do curso de doutorado em educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no interior da Linha de Pesquisa Trabalho, Movimentos Sociais e

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Educação e se propõe a refletir as transformações do mundo do trabalho no qual a educação está inserida e sofre dialeticamente as influências das relações predominantes no modo em que a humanidade organiza a vida na atualidade.

Ao concordarmos com Saviani (2002:17), quando afirma não ser possível compreendermos radicalmente a história da sociedade contemporânea e a história da educação sem compreendermos o movimento do capital, optamos por privilegiar, na presente reflexão, um aprofundamento teórico na busca de entendermos as transformações do mundo do trabalho nesta virada de século de modo que isto nos permita apreendermos elementos mais sólidos para a compreensão da educação e da qualificação profissional no atual momento histórico.

Desta forma, destacaremos inicialmente o debate acerca da reestruturação produtiva no interior do modo de produção capitalista para, em seguida, analisarmos a realidade brasileira frente esta realidade de forma a demonstrar em que contexto se insere a educação e a qualificação profissional nesta virada de milênio e qual a finalidade que esta tem atendido.

Reestruturação Produtiva – a nova máscara do capital

Buscando evidenciar a realidade na qual desenvolvemos nosso estudo, optamos por inicialmente abordar algumas questões que envolvem as atuais transformações do modo de produção capitalista, no sentido de podermos captar suas particularidades e singularidades na realidade estudada.

Contudo, não intencionamos nos delongar em tal discussão, visto que este não constituí nosso objeto de estudo, porém torna-se imprescindível apreendermos as novas configurações que vêm se estabelecendo enquanto estratégias de reanimação do sistema capitalista, de forma a compreendermos o atual momento histórico, que por outro lado, também exige, e em alguns momentos tem evidenciado, possibilidades de reações da classe trabalhadora.

Resgatando o advento do capitalismo a partir do século XVI, parte-se de uma sociedade em que eliminava as formas de servidão existentes no feudalismo. Nesta nova sociedade, começava a emergir um tipo de homem que valoriza a si mesmo e não é valorizado devido ao seu sangue ou família (senhor feudal), mas agora por ter adquirido determinado poder econômico, começando também a adquirir poder político e prestígio social (burguês), valorizando o trabalho como uma unidade do corpo (natureza) e do espírito (vontade livre).

Aquele novo modo de produção que surgia, passava a ser constituído por homens considerados ‘livres’, onde alguns conseguiam atingir o status de proprietários privados dos meios de trabalho, enquanto outros, denominados trabalhadores livres passariam a vender sua força de trabalho de modo a manter sua subsistência e a de sua família. Estes últimos, despojados então das condições de servidão predominantes no feudalismo, passam então a ser despojados dos meios de trabalhar.

Conforme Marx (apud Chaui, 1994:14), estes eram considerados

Trabalhadores livres num duplo sentido, pois já não aparecem diretamente como meios de produção, como o eram o escravo e o servo, e também já não possuem seus próprios meios de produção, como o lavrador que trabalha na sua própria terra; livres e

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donos de si mesmos (...) O regime do capital pressupõe a separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu trabalho (...) Portanto, o processo que engendra o capitalismo só pode ser um: o processo de separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de seu trabalho, processo que, por um lado, converte em capital os meios sociais de vida e de produção, enquanto, por outro lado converte os produtores diretos em assalariados.

O trabalho, nestas condições, caracteriza-se então enquanto uma das expressões privilegiadas do homem “livre” percebido como um ser natural e espiritual, atividade em que a sua vontade passa a subordinar o seu corpo para a obtenção de determinado fim. Com o avanço do desenvolvimento da maquinaria também adquiriu o sentido de relação entre a máquina corporal e a máquina sem vida. Assim, o lado livre e espiritual do trabalho ficou encarregado ao burguês sendo este quem determina a finalidade de todo o processo. Enquanto da parte mecânica e corpórea do trabalho, encarregava-se o trabalhador, tal como um simples meio para fins que lhe são estranhos.

Este novo modo de produção que vinha se gestando trazia algo intrínseco à sua existência. Ou seja, o capital não tem como se reproduzir e se acumular sem a exploração do trabalho e do trabalhador, expressando a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção. Desta forma, encontrava-se em seu cerne a contradição enquanto categoria4[1] intrínseca a este modo de produção.

Neste sentido, consideramos que a história (...) não é sucessão de fatos no tempo, não é progresso das idéias, mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural. (Chaui, 1994:20). Assim, o capitalismo, tal como outros modos de produção, atravessa fases distintas, não avançando ao longo de uma curva contínua à medida que amadurecem suas contradições internas, mas seguindo um caminho descontínuo, marcado por segmentos distintos.

Ao desenvolver as significativas transformações em suas bases produtivas e em suas relações de produção (esta últimas definidas no sentido estrito das relações de produção do processo de trabalho, quanto entendidas como o conjunto de relações sociais), à medida que o capitalismo evolui, intensificam-se as contradições a ele inerentes (podemos tomar como exemplo as transformações que se evidenciam entre forças produtivas e relações de produção).

Estas transformações, que afetam todo o espectro das relações sociais bem como o quadro institucional da sociedade em que se produzem, lançam bases para distintas possibilidades de reorganização social, podendo-se também levar a transformações mais profundas bem como à origem de um novo modo de produção. Tais possibilidades5[2], enquanto o vir a ser, poderão ser determinadas a partir do jogo de forças das pressões expressas na realidade, a partir da luta de classes enquanto motor da história.

Conforme Dias (1998), desde seu início, o capitalismo teve que, permanentemente, revolucionar-se sem cessar e expropriar os trabalhadores, não só em relação aos instrumentos de produção, mas também no que diz respeito ao conhecimento e

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à identidade; expropriando-os na sua própria condição de existência enquanto classe, confirmando assim que a história do sistema capitalista é a história da “reestruturação produtiva” (1998:46).

A partir da segunda metade do final do século XX, podemos perceber mais uma nova expressão do modo de produção vigente em que, segundo Netto (1995:69), apoiado na teoria mendeliana, a ordem do capital ao longo deste século,

(...) mostrou-se inepta para promover o crescimento econômico-social em escala ampla, (...); esta inépcia, no entanto, é parte de uma dinâmica em que as crises inerentes ao movimento do capital se operavam no marco de ondas longas de crescimento; tais ondas longas expansivas – segundo a análise mendeliana -, de que é exemplo o padrão de crescimento das economias centrais entre o imediato segundo pós-guerra e a década de sessenta, experimentam uma reversão neste último decênio: impõem-se ondas largas recessivas, onde os picos de crescimento tornam-se conjunturais (Mandel, 1982). As profundas projeções mandelianas, frise-se, apontam para um largo lapso histórico de vigência deste novo padrão de desenvolvimento.

Diversos estudiosos têm se debruçado, neste final de século, sobre as transformações no mundo do trabalho, bem como sobre as mudanças em seu campo ideológico. Entre estes podemos citar NETTO (1990,1995); TONET (1997); FORRESTER (1997); EVANGELISTA (1997); LESSA (1998); DIAS (1998); BRENNER (1999); ANTUNES (1998, 1999, 2000).

Estes estudos têm apontado que as principais mudanças ocorridas no mundo do trabalho são oriundas das profundas transformações na estrutura produtiva do capitalismo, em sua materialidade; bem como em seu campo mais subjetivo, político, ideológico, em seu ideário que orientam suas ações práticas e concretas; apresentando uma acentuação de sua lógica destrutiva. A crise predominante, fez com que o capital impusesse um largo processo de reestruturação em busca da recuperação de seu ciclo de reprodução, afetando fortemente o mundo do trabalho. Esta acentuação da lógica destrutiva, segundo Antunes (1999:19), pode ser reconhecida sob dois aspectos fundamentais:

1. “O padrão produtivo taylorista e fordista vem sendo crescentemente substituído ou alterado pelas formas produtivas flexibilizadas e desregulamentadas, das quais a chamada acumulação flexível e o modelo japonês ou toyotismo são exemplos; e2. o modelo de regulação social democrático, que deu sustentação ao chamado estado de bem estar social, em vários países centrais, vem também sendo solapado pela (des)regulação neoliberal, privatizante e anti-social.

Neste sentido, buscando fazer frente à crise que se abateu nas últimas décadas do século que findou , o capitalismo articula esta dupla solução: a reestruturação produtiva e o neoliberalismo; ambas constituindo uma mesma processualidade. Assim,

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O capitalismo, “superados” os principais obstáculos à sua continuidade, entre eles o desmonte objetivo dos estados “socialistas”, coloca em questão o chamado bem estar social. Os capitalistas, “liberam-se” de todo e qualquer compromisso com a satisfação das necessidades reais da população e da ampliação da cidadania. Para tal, levaram a extremos as idéias de liberdade do mercado. Têm ainda uma vantagem adicional: os movimentos partidários, sindical e popular que se reivindicam dos trabalhadores estão, também eles, em uma brutal crise. (Dias, 1998:49).

As duas formas acentuadas de reação em busca de superação da crise, citadas por Antunes, por outro lado, desencadearam como conseqüências duas graves manifestações: a maior e mais intensa destruição e precarização da força humana que trabalha e ainda, a crescente degradação na relação metabólica entre o homem e a natureza, subproduto de uma lógica de funcionamento social que prioriza a produção de mercadorias à vida humana destruindo de maneira nefasta o meio ambiente6[3].

Até então, o padrão de produção vigente taylorista/fordista que se impôs durante o século XX com o aperfeiçoamento do processo industrial, constituia-se com base na produção em massa, tendo unidades produtivas concentradas e verticalizadas, o controle rígido dos tempos e dos movimentos, desenvolvidos por um proletariado coletivo e de massa e com um grande controle fabril. Este padrão, no intuito de aumentar as taxas de lucro em seu processo de produção, veio incorporando, a partir da segunda metade do século em que surgiu, uma nova modalidade de gestão fabril, deixando então de ser o único modelo dominante no processo de produção fabril.

O novo modelo que surgia, ainda de acordo com Antunes (1996 e 1999), denominado toyotismo, que se origina no pós-guerra japonês, expressou a necessidade de destruir o sindicalismo de classe lá existente, caracterizando-se como uma forma particular de expansão do capitalismo monopolista no Japão. Assim, suas principais configurações são a produção flexível, a existência de grupos ou equipes de trabalho que se utilizam crescentemente da microeletrônica e da produção bastante heterogênea, mantém os estoques reduzidos havendo um grande processo de terceirização e precarização do trabalho.

Conforme Dias,

A experiência taylorista foi a forma da subsunção real do trabalho ao capital, de forma ainda mais completa praticada o início do século XX. O fordismo, como conjunto de medidas de contratendência, incorporou uma nova modalidade de gestão fabril. O taylorismo foi o instrumento da criação de uma disciplina operária através da perda da sua subjetividade classista: os trabalhadores deveriam abrir mão do controle que possuíam sobre a produção e passar a executar o trabalho a partir da objetividade do capital, centrada na reconstrução das lógicas operativas. À quebra dos sindicatos forçada pela coerção, pelos métodos policiais, se acrescentou a imposição de uma nova subjetividade. (1998:47).

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Ao referir-se sobre a reestruturação do processo de produção, o mesmo autor

ainda acrescenta que

A gestão do processo produtivo é a forma condensada da política dos dominantes. Condensada porque impõe, no processo de trabalho, a desigualdade real e a impossibilidade da cidadania na esfera do privado. (...) Tenta-se levar o trabalhador ao máximo da desqualificação. (...) Busca eliminar a possibilidade autônoma do trabalhador coletivo porque ela pode propiciar-lhe o seu recusar-se ao capitalismo. E até mesmo, a possibilidade da construção de um novo bloco histórico, de um novo padrão societário. (Dias: 1998:47).

Ainda, acerca destas transformações ocorridas, Antunes destaca que

Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a expressão mais profunda da crise estrutural que assola a (des)sociabilização contemporânea: destrói-se força humana que trabalha; destroçam-se os direitos sociais; brutalizam-se enormes contingentes de homens e mulheres que vivem do trabalho; torna-se predatória a relação produção/natureza, criando-se uma monumental sociedade do descartável, que joga fora tudo que serviu como embalagem para as mercadorias e o seu sistema, mantendo-se, entretanto, o circuito reprodutivo do capital.(1999:19).

Conforme Antunes (1999), são quatro elementos essenciais que explicam a crise atual do mundo do trabalho. Um destes fatores geradores se mostrou com a crise estrutural do capitalismo, especialmente a partir do início dos anos 70, que assolou o conjunto de economias capitalistas com uma intensidade bastante profunda, tendo levado o capital a desenvolver

práticas materiais da destrutiva auto-reprodução ampliada do ponto em que se faz surgir o espectro da destruição global, em lugar de aceitar as requeridas restrições positivas no interior da produção para a satisfação das necessidades humanas. Mészáros, 1989:103 (in Antunes:1999:21).

Tal crise fez com que o capital buscasse implementar um vastíssimo processo de reestruturação visando a superação de seu ciclo de reprodução, com fortes conseqüências para o mundo do trabalho.

O segundo elemento relevante que provocou um encolhimento do movimento operário, é resultado do explosivo desmoronamento do Leste Europeu, bem como da quase totalidade dos países que tentaram uma transição socialista, com a ex-União Soviética à frente, provocando a falsa idéia do fim do socialismo no interior do mundo do trabalho.

Para Netto, a crise do socialismo real tem uma inequívoca centralidade política, a que remetem os bloqueios do crescimento econômico:

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deriva da ausência de uma plena socialização do poder político (...) onde somente a implementação da democracia socialista, capaz de socializar efetivamente o poder político e rebater imediatamente no ordenamento econômico, com reais processos autogestionários aptos para otimizar (com a liquidação de traços e excrescência burocráticos) a alocação central de recursos, poderia garantir o desenvolvimento exitoso das experiências pós-revolucionárias.  

Ele ainda acrescenta que

A crise do socialismo real, nesta ótica, apenas comprova que a superação positiva da ordem do capital reclama as radicais socialização do poder político e socialização da economia, sem as quais a alternativa comunista é impensável. É a crise de uma forma histórica precisa de transição, aquela que se processou localizadamente nas áreas em que as instituições próprias do mundo burguês mostravam-se de forma atrofiada. Não é, pois, a infirmação do projeto socialista revolucionário nem a negação da possibilidade da transição socialista. (...) a crise do socialismo real demonstra que a viabilidade da superação da ordem do capital é função de uma política – tão incompatível com os limites do movimento do capital quanto com as restrições de uma ditadura exercida, ainda que em seu nome, sobre os trabalhadores. (1995:72).

Com o fim do chamado bloco socialista, os direitos e as conquistas sociais dos trabalhadores têm sofrido forte ataque e rebaixamento nos países capitalistas centrais, já que, segundo o capital, dá-se a inexistência do perigo socialista.

Tal como um efeito dominó, soma-se a esta questão um terceiro elemento apontado por Antunes, que se caracteriza pelo desmoronamento da esquerda tradicional da era “stalinista”. Segundo ele, a maior expressão deste aspecto deu-se com um agudo processo político e ideológico de socialdemocratização da esquerda e de sua conseqüente atuação subordinada à ordem do capital. Com isto, as esquerdas sindical e partidária foram fortemente atingidas pela opção socialdemocrática, repercutindo diretamente no interior da classe trabalhadora; bem como acentuando a institucionalização e burocratização do sindicalismo de esquerda.

Nesta mesma direção, o quarto elemento central da atual crise, dá-se com o processo de regressão da socialdemocracia que, com a expansão do neoliberalismo a partir dos anos 70 e a conseqüente crise do “Welfare State”7[4], passou a atuar de maneira muito próxima da agenda neoliberal. Assim, o neoliberalismo passou a ditar, não o ideário, mas também os programas a serem implementados nos países capitalistas centrais, inicialmente, para em seguida se estenderem aos países capitalistas periféricos através da implementação e avanço da reestruturação produtiva, privatização acelerada, enxugamento do estado, e a submissão de políticas fiscais e monetárias sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital tal como o Fundo Monetário Internacional.

Segundo Netto, o fundamento sócio-político objetivado com o “Welfare State”, que veio a tona no pós Segunda Guerra Mundial e brilhou até a década de sessenta, 7

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consistia nos possíveis ganhos no marco da larga onda expansiva do capitalismo. Revertida esta onda, afirma que o arranjo capitalista se problematizou visceralmente onde

A crise do Estado de bem-estar social, (...) evidencia que a dinâmica crítica desta ordem alçou-se a um nível no interior do qual a sua reprodução tende a requisitar, progressivamente, a eliminação das garantias sociais e dos controles mínimos a que o capital foi obrigado naquele arranjo. Significa que o patamar de desenvolvimento atingido pela ordem do capital incompatibiliza cada vez mais o seu movimento com as instituições sócio-políticas que, por um decurso temporal limitado, tornaram-no aceitável para grande contingentes humanos. (1995:70).

Em relação a este contexto colocado para o final deste século, podemos então observar suas implicações sobre o mundo do trabalho, gerando mudanças específicas no processo de trabalho.

As inovações impostas pelo toyotismo, contrapondo-se ao taylorismo/fordismo, podem ser elencadas da seguinte forma: sua produção passa a ser muito vinculada à demanda dos produtos; fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções; e tem como princípio o “just in time”, buscando atingir o melhor aproveitamento possível do tempo de produção e funcionando segundo o sistema “kanban”, que é formado por placas ou senhas de comando que permitem a reposição de peças e de estoque que, no toyotismo, devem ser mínimos. Se na fábrica fordista aproximadamente 75% de um dado produto era produzido em seu interior, agora somente cerca de 25% é internamente produzido, horizontalizando o processo produtivo e transferindo a terceiros grande parte do que anteriormente era produzido dentro dela.

Ainda, a falácia da qualidade total no processo produtivo passa a ter um importante papel controlador. O Controle de Qualidade Total (CQT) difere dos controles de qualidades tradicionais, pois este agora tem caráter sistêmico e requer a mobilização e envolvimento de todos. Este modelo, apesar de dizer-se interessado na qualidade do produto ou serviço buscando a satisfação do cliente; seu alvo essencial é o controle do processo de trabalho através de formas requintadas de incorporação do saber dos trabalhadores, dadas pelo envolvimento incitado, cooptado e manipulatório de sua participação na gerência dos processos (Fidalgo, 1994: 07).

Assim, podemos observar que a nova forma flexibilizada de acumulação capitalista teve conseqüências enormes no mundo do trabalho e, em especial, ao que diz respeito à classe trabalhadora, dentre as quais levantamos aquelas apontadas por Antunes (1999:24):

1) há uma crescente redução do proletariado fabril estável, que se desenvolveu na vigência do binômio taylorismo/fordismo e que vem diminuindo com a reestruturação, flexibilização e desconcentração do espaço físico produtivo, típico da fase do toyotismo; 2) há um enorme incremento do novo proletariado, do subproletariado fabril e de serviços, o que tem sido denominado mundialmente de trabalho precarizado. São os terceirizados, subcontratados, ‘part-time’, entre tantas outras formas assemelhadas, que se expandem em inúmeras

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partes do mundo. (...); 3) vivencia-se um aumento significativo do trabalho feminino, que atinge mais de 40% da força de trabalho nos países avançados, e que tem sido preferencialmente absorvido pelo capital no universo do trabalho precarizado e desregulamentado; 4) há um incremento dos assalariados médios e de serviços, o que possibilitou um significativo incremento no sindicalismo destes setores, ainda que o setor de serviços já presencie também níveis de desemprego acentuados; 5) há exclusão dos jovens e pessoas de meia idade do mercado de trabalho dos países centrais (...); 6) há uma inclusão precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho, particularmente nos países asiáticos, latino-americanos, etc.; e 7) há uma expansão do que Marx (1978) chamou de trabalho social combinado, onde trabalhadores de diversas partes do mundo participam do processo de produção e de serviços. O que é evidente, não caminha no sentido da elimininação da classe trabalhadora, mas da sua precarização e utilização de maneira ainda mais intensificada. Em outras palavras: aumentam os níveis de exploração do trabalho.

Deste modo, evidencia-se uma fragmentação da classe trabalhadora, bem como uma maior complexificação e heterogeneização da mesma. Por um lado, em menor escala, criou-se o trabalhador polivalente e multifuncional da era informacional, com capacidade para operar máquinas mais sofisticadas, exercitando com maior intensidade sua dimensão intelectual. E por outro lado, origina-se uma massa de trabalhadores desqualificados, precarizados que hoje está se submetendo aos empregos temporários, parciais (“part time”), ou, ainda, vivenciando o desemprego estrutural.

Frente a tantos ataques, concordamos com Antunes quando afirma que

Ao contrário, entretanto, daqueles que defendem o fim do papel central da classe trabalhadora no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho8[5], nesta transição do século XX para o XXI, é soldar os laços de pertencimento de classe existentes entre os diversos segmentos que compreendem o mundo do trabalho. E, desse modo, procurar articular desde aqueles segmentos que exercem um papel central no processo de criação de valores de troca, até aqueles segmentos que estão mais à margem do processo produtivo, mas que, pelas condições precárias em que se encontram, constituem contingentes sociais potencialmente rebeldes frente ao capital e suas formas de (des)sociabilização. (1999:25).

Neste sentido, continua o autor,

desregulamentação, flexibilização, terceirização, downsizing, empresa enxuta, bem como todo esse receituário que se esparrama pelo mundo empresarial, são expressões de uma lógica societal onde tem-se a prevalência do capital sobre a força humana de trabalho,

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que é considerada somente na exata medida em que é imprescindível para a reprodução deste mesmo capital. Isso porque o capital pode diminuir o trabalho vivo, mas não eliminá-lo. Pode intensificar sua utilização, pode precarizá-lo e mesmo desempregar parcelas imensas, mas não pode extingui-lo.(idem, p. 26)

Além disso,

Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana. (Marx, 1988: 50).

Afirma-se, deste modo, que a tese do fim da classe trabalhadora, mesmo quando se restringe aos países centrais, é desprovida de fundamentação, tanto empírica quanto analiticamente, pois mesmo a simples sobrevivência da economia capitalista estaria comprometida com tal afirmação. Assim, confirma-se ainda, o equívoco da perspectiva de eliminação da classe-que-vive-do-trabalho, enquanto forem vigentes os pilares que mantêm o modo de produção capitalista.

E, por outro lado, enfatiza-se o sentido contemporâneo da classe trabalhadora (e do trabalho), compreendendo esta no seguinte sentido: 1) todos aqueles que vendem sua força de trabalho, incluindo tanto o trabalho produtivo quanto o improdutivo (no sentido dado por Marx); 2) inclui os assalariados do setor de serviços e também o proletariado rural; 3) inclui o proletariado precarizado, sem direitos e também os trabalhadores desempregados, que compreendem o exército industrial de reserva; 4) e exclui, naturalmente, os gestores e altos funcionários do capital, que recebem rendimentos elevados ou vivem de juros. (Antunes, 1999:27).

No quadro que se coloca, é preciso resgatarmos as alternativas possíveis em busca de uma nova lógica social porque (...)mesmo que não estejam “maduras” as condições para a transição socialista, é o conjunto de lutas que a tenham como escopo que pode bloquear e reverter a dinâmica que hoje compele o movimento do capital a rumar para a barbárie. (Netto, 1995: 85).

E neste sentido, ainda Antunes nos aponta quatro aspectos fundamentais em torno das alternativas que podem ser resgatadas, destacando que:

1.    “É preciso alterar a lógica da produção societal; a produção deve ser prioritariamente voltada para produzir valores de uso e não valores de troca. Sabe-se que a humanidade teria condições de se reproduzir socialmente, em escala mundial, se a produção destrutiva fosse eliminada e se a produção social fosse voltada não para a lógica do mercado, mas para a produção de coisas socialmente úteis. Trabalhando poucas horas do dia, o mundo poderia reproduzir-se de maneira não-destrutiva, instaurando um novo sistema de metabolismo societal;2.    A produção de coisas socialmente úteis deve ter como critério o tempo disponível e não o tempo excedente, que preside a sociedade

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contemporânea. (Mészaros: 1989). Com isso, o trabalho social, dotado de maior dimensão humana e societal, perderia seu caráter fetichizado e estranhado, tal como se manifesta hoje e, além de ganhar um sentido de auto-atividade, abriria possibilidades efetivas para um tempo livre cheio de sentido, além da esfera do trabalho, o que é uma impossibilidade na sociedade regida pela lógica do capital. Até porque não pode haver tempo verdadeiramente livre erigido sobre trabalho coisificado e estranhado. O tempo livre atualmente existente é tempo para consumir mercadorias, sejam elas materiais ou imateriais. O tempo fora do trabalho também está fortemente poluído pelo fetichismo da mercadoria.3.    É preciso empreender mudanças e resistências que, no plano imediato, incorporem as aspirações nascidas no interior da vida cotidiana da classe-que-vive-do-trabalho. Mas é fundamental que tenham, no seu sentido mais profundo, uma direção essencialmente contrária à lógica destrutiva do capital.4.    Reinventar um projeto socialista global, que resgate os valores mais essenciais da humanidade. O que confere uma enorme atualidade ao empreendimento socialista, por certo totalmente distinto da tragédia das experiências do século XX, que deformaram em quase tudo os mais profundos ideais de emancipação.” (1999:29).

         Sabemos que a realidade colocada, bem como os desafios que ela nos impõe, são bastante complexos. Contudo, o confronto da luta de classe frente à dinâmica da realidade, depende, neste momento histórico, da capacidade de reivenção de novas estratégias de superação da dominação. Neste viés, a classe trabalhadora já tem demonstrado historicamente sua potencialidade de recriação do novo.

Reestruturação Produtiva, Desemprego e Precarização - O caos brasileiro

A partir dos estudos do economista Jorge Mattoso (1999), dos quais nos utilizaremos aqui para caracterizar a atual situação brasileira, podemos perceber que a inserção do Brasil neste contexto da reestruturação capitalista no final do século XX, país localizado na periferia das grandes potências econômicas mundiais, expressa hoje, como nunca visto anteriormente, as mazelas de uma política econômica de submissão ao sistema capitalista e às relações de classe nele vigentes.

O conjunto de acontecimentos que demarcam a virada deste século para a humanidade, sob o modo de produção capitalista, impõe novos desafios a serem enfrentados pois, segundo Mattoso,

Na era da internacionalização e da financeirização do capital, os países que adotaram estratégias de inserção passivas e subordinadas no mercado mundial pagam um duplo preço. Submetem-se aos novos mecanismos por meio dos quais o grande capital busca maximizar a extração do excedente, ao mesmo tempo

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que debilitam a produção e o emprego nacional e colocam o trabalho – que nunca havia alcançado os níveis de integração dos países avançados – em condições de intensa desestruturação e anomia. (1999:19).

No Brasil, o processo de abertura comercial e financeira intensificado a partir do final da década de 80, jogou a economia na selva da competição internacional sem qualquer proteção e com medíocre crescimento da produção. Em tal dinâmica, as grandes empresas nacionais tornaram-se debilitadas frente aos seus concorrentes internacionais, do setor financeiro e do governo, submetendo-se ao predomínio da esfera financeira e dos credores, bem como à destruição da produção e do emprego nacional. Por outro lado,

(...) estas mesmas empresas se viram fortalecidas relativamente aos trabalhadores, cujo poder de barganha foi ainda mais depauperado pelo desemprego e pela precarização do trabalho. Em geral, quanto mais debilitadas e subservientes ao governo, às finanças e aos concorrentes são as empresas, mais tendem a exercer, de forma autoritária e unilateral o seu acrescido poder junto aos trabalhadores. (Mattoso,1999:19).

Conforme pode ser comprovado através dos indicadores sócio-econômicos, o estudioso nos aponta que

A economia não está apenas paralisada há vários anos, mas profundamente desarticulada, desestruturada e submetida aos desígnios de uma elite doméstica antinacional e do capital financeiro internacional. O Estado nacional foi desmontado a golpes de privatizações lesivas públicas. O desemprego atinge um em cada cinco habitantes das grandes cidades. A informalidade atinge outros dois em cada cinco. A pobreza alcança níveis até hoje desconhecidos. O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) considera que cerca de 57 milhões de brasileiros – o equivalente a 35% da população – estão atualmente abaixo da linha de pobreza e que entre 16 e 17 milhões de brasileiros vivem em condições de miséria absoluta. A violência tronou-se parte de um cotidiano que se assemelha a uma verdadeira guerra civil. Em um único fim de semana de 1999, os jornais noticiaram o assassinato de 59 pessoas em São Paulo. No mês de maio foram 415 assassinatos apenas em São Paulo. A sociedade brasileira, estruturalmente desigual, aparece agora fragmentada e contaminada por forte anomia, com uma acentuada desarticulação dos milhares de brasileiros sem teto, sem terra, sem salário, sem emprego e, sobretudo, sem esperança. (Mattoso, 1999:22).

Segundo este economista, apesar de o Brasil ter sido capaz de assegurar taxas de crescimento econômico mais elevadas e ter apresentado condições de gerar mais empregos que a maioria dos países do mundo no pós-Segunda Guerra mundial, isto não resultou em

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melhorias da distribuição da renda no país. Para tanto, aponta quatro fatores que podem nos fazer compreender melhor este processo, os quais são resultantes de uma sólida aliança conservadora entre os novos ricos oriundos da industrialização do campo e da cidade e os velhos ricos da grande propriedade fundiária.

Inicialmente, é preciso ser reconhecido que esta herança social vem de longe, do escravismo, de uma estrutura vigente de grande propriedade rural e da solução conservadora historicamente dada à questão agrária no país. Ou seja, a ausência de uma reforma agrária somente reforçou a concentração da propriedade e o atraso produtivo.

Assim, a partir dos anos 60, a combinação da ausência de reforma agrária com um processo de modernização agrícola levou à reprodução da pobreza, de baixos salários e à desintegração econômica e social dos pequenos produtores. Mesmo com o intenso processo de migração para as cidades, o imigrante rural encontrou espaços de inserção econômica nos grandes centros urbanos, inicialmente na construção civil e posteriormente na indústria e nos serviços. Porém, intensificou-se o “inchaço” das cidades, de forma precária, devido à intensa concorrência entre trabalhadores, em sua maioria pouco qualificados, resultante das pressões oriundas de um processo rápido de urbanização e de acentuados movimentos migratórios.

Um segundo aspecto apontado pelo autor, ressalta o lento processo de organização dos trabalhadores, bem como de maior pressão social em prol da democratização das condições e relações de trabalho e por uma melhor distribuição de renda, o que teria sido bloqueado pela repressão político-militar, após ter parecido se ampliar com as reformas de base propugnadas no final dos anos 50 e início dos anos 60. Esta conjuntura demonstrava que os mesmos setores conservadores, que historicamente impediram a transformação da estrutura agrária no país, buscaram o apoio militar para impedir que uma organização sindicalista e social pudesse impulsionar a distribuição da renda e a constituição de uma sociedade mais justa.

O terceiro fator responsável pela degradação das relações sociais no Brasil nesta virada de milênio, pode ser percebido no fato de que as políticas sociais também foram tardiamente desenvolvidas em formas pouco universalizantes e cidadãs, favorecendo assim a desigualdade no acesso as necessidades básicas de bem estar como a educação, saúde e a previdência ou assistência social.

Em quarto lugar, afetando diretamente a classe trabalhadora, o salário mínimo sofreu um rebaixamento bastante significativo desde os anos 60, promovendo-se assim uma acentuada diferenciação entre os salários e colocando o Brasil como vencedor de mais um dos índices indicadores da desigualdade social. Assim, o país se caracteriza hoje por ter um dos mais altos diferenciais entre os salários mais altos e os salários de base, demonstrando serem comuns diferenças salariais superiores a 1 para 100 no interior de uma mesma empresa. Com isso, esta maior desigualdade entre os assalariados apenas veio somar-se à já intensa desigualdade entre rendimentos e lucros ou entre proprietários e não-proprietários.

Conforme Mattoso (1999:39), desde os anos 60 houve um significativo rebaixamento do salário mínimo, sendo que hoje, o valor do salário mínimo é de cerca de U$75. Apesar de que desde 1995 se mantém estável em termos reais, não apresenta mudanças significativas em seu extremamente baixo patamar. Ainda, soma-se a este dado, o fato de que não são poucos os brasileiros que ainda recebem salário mínimo, apresentando-se o índice de 21 % dos trabalhadores ocupados recebendo até um salário mínimo; e 18,7% recebendo entre um e dois salários mínimos.

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Desta forma, todo este conjunto de fatores contribuiu para dificultar a organização social, a estruturação mais favorável do mercado de trabalho urbano, bem como uma distribuição de renda de forma democrática, evidenciando-se naquele período, conforme os dados apresentados, o acirramento da concentração de renda no país (ver tabela abaixo).

Tabela 1: Distribuição de renda entre pessoas economicamente ativas com rendimento

– Brasil – 1960/1990

Ano 50% mais pobres 10 % mais ricos 10% mais pobres

1960 17,7 39,7 1,2

1970 15,0 46,5 1,2

1980 14,1 47,9 1,2

1990 11,9 48,7 0,8

Fonte: GONÇALVES, 1998 (apud MATTOSO, 1999, p.11).

O produto destas posturas políticas que se apresentaram naquele período e que têm sido hegemônicas na história brasileira, apresentou suas formas mais degradantes durante a década de 90, anos em que o crescimento econômico e a mobilidade social pareciam ter sucumbido à nossa realidade. Para Mattoso,

Depois dos anos 80, a “década perdida”, parecia que nada poderia ser pior. No entanto, o desempenho econômico da década de 1990 não somente foi a metade do ocorrido nos anos 80 como foi o pior do século, e com ele se esvanece o sonho de uma melhor distribuição de renda e de uma sociedade mais justa. (1999:21).

Ao longo dos anos 90, intensificam-se o desemprego e a precarização das condições9[6] e relações de trabalho10[7], fenômenos de amplitude nacional que apresentam maior destaque no primeiro governo de FHC (1995-1998). Segundo Mattoso,

O Brasil nunca conviveu com um desemprego tão elevado. Tampouco com um grau crescente de deterioração das condições de trabalho, com o crescimento vertiginoso do trabalho temporário, por tempo determinado, sem renda fixa, em tempo parcial, enfim, os milhares de bicos que se espalharam pelo país.(1999:09).

O governo de Fernando Henrique Cardoso, que, como dito anteriormente, assumiu a presidência em 1995, teve como principais medidas a busca da estabilidade econômica e 9

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as reformas constitucionais necessárias para atrair investimentos estrangeiros para o país. Durante os anos de 1995-1997, consegue derrubar o monopólio em setores como petróleo, telecomunicações, gás canalizado e navegação de cabotagem, também privatizando grandes empresas estatais como a Companhia Vale do Rio Doce. Em 1997, seu governo investe toda sua força política para conseguir a aprovação da emenda que permite a reeleição dos ocupantes de cargos executivos, o que também permitiu sua reeleição em 1998.

Segundo Mattoso, este governo

(...) consolidou a abertura comercial e financeira indiscriminada, iniciada por Collor e Itamar Franco, dispensou a constituição de um projeto de desenvolvimento ou de políticas setoriais de defesa da produção e do emprego nacionais e caracterizou quaisquer políticas de defesa da produção e do emprego nacionais como “corporativas” ou “inflacionárias”. (...) Essa política aventureira – baseada no tripé abertura econômica e financeira indiscriminada, sobrevalorização do real e juros elevados – teve por conseqüência um crescimento econômico medíocre e uma profunda desestruturação produtiva, cujas trágicas conseqüências sobre o mercado de trabalho nacional já observamos, além da ampliação dos desequilíbrios das contas públicas e das contas externas e do veloz desmonte do Estado. (1999:23).

Durante os anos 90 foram queimados cerca de 3,3 milhões de postos de trabalho formais da economia brasileira, sendo que após a entrada do governo de FHC, contabilizou-se uma queima de 1,8 milhão de empregos formais, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados (CAGED), do Ministério do Trabalho. (apud Mattoso, 1999:18). Assim, em dez anos, a taxa de desemprego no Brasil pulou de 3,4% em 1989 para 7,8% em 1999. (IBGE, in Mattoso, 1999), aumentando também o processo de precarização das relações e condições de trabalho, conforme pode ser visto nos índices a seguir.

Tabela 2: Distribuição dos ocupados por posição na ocupação - Total regiões

metropolitanas (junho/1999).

Dezembro 1989 (%) Junho 1999 (%)

Assalariados com carteira 59,5 44,7

Assalariados sem carteira 18,4 26,9

Conta própria 17,7 23,5

Empregadores 4,4 4,9

Fonte: PME/IBGE (in MATTOSO, 1999: 15).

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Já os dados de maio de 2002, ainda demonstram a continuidade do agravamento destes índices conforme podemos ver nos percentuais de desemprego de algumas das principais capitais brasileiras: Salvador (28,4%), Recife (21,7%), São Paulo (19,7%) e Porto Alegre (16,0%)11[8].

O crescimento dos trabalhadores sem carteira de trabalho assinada e por conta própria demonstra uma redução do mercado formal de trabalho, ou seja, aquele regulamentado pelas leis trabalhistas, integrado aos mecanismos institucionais, que garante a proteção social ao trabalhador tais como a Previdência Social, seguro-desemprego, e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

A partir das pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), Mattoso afirma que

(...) hoje mais de 50% dos ocupados brasileiros das grandes cidades se encontram em algum tipo de informalidade, grande parte sem registro e garantias mínimas de saúde, aposentadoria, seguro-desemprego, FGTS. Ou seja, três, em cada cinco brasileiros ativos das grandes cidades estão ou desempregados (um em cinco) ou na informalidade (dois em cada cinco), sendo que destes últimos uma grande parcela apresenta evidente degradação das condições de trabalho e de seguridade social.”, em que “seriam cerca de 24 milhões de brasileiros nessas condições, dos quais mais de 12 milhões trabalhariam sem registro em carteira porque se encontram desempregados e não conseguem outro tipo de trabalho. (1999:16).

A história de uma política sócio-econômica favorável apenas às classes dominantes que vem predominando no Brasil, tem demonstrado o brutal ataque que a classe trabalhadora vem enfrentando em âmbito mundial e que se expressa com suas particularidades em cada país.

Frigotto (1998:39), ao evidenciar que as dimensões mais cruciais dos limites do capital se demonstram através espectro da destruição de postos de trabalho, bem como da precarização deste e da abolição dos direitos sociais, num quadro de aumento do capital morto e diminuição do capital vivo, questiona se esta crise de final de século do modo de produção capitalista seria igual às anteriores. Ele mesmo nos responde que a continuidade desta lógica apenas se manterá sob o aumento cada vez maior da destruição do meio ambiente, destruição e esterilização do trabalho e o aumento da expropriação dos trabalhadores.

Ainda, este autor (1998:44), ressalta que novamente afirma-se que a inserção e o ajuste dos países ‘não desenvolvidos’ ou ‘em desenvolvimento’ no processo de globalização e reestruturação produtiva dependem da educação básica, bem como da qualificação e requalificação da formação profissional. Mas qual seria esta educação e formação?

Conforme as próprias palavras do autor,

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Trata-se de uma educação e formação que desenvolvam habilidades básicas no plano do conhecimento, das atitudes e dos valores, produzindo competências para gestão da qualidade, para a produtividade e competitividade e, conseqüentemente, para a “empregabilidade”. Todos estes parâmetros devem ser definidos no mundo produtivo, e portanto os intelectuais coletivos confiáveis deste novo conformismo são os organismos internacionais (Banco Mundial, OIT) e os organismos vinculados ao mundo produtivo de cada país. (1998:45)

 Com certeza, não podemos negar as possibilidades contraditórias existentes na realidade de maneira que a educação possa permitir que o trabalhador adquira consciência de classe. Contudo, este ideário educacional predominante, dentro da atual realidade social do mundo do trabalho que acabamos de levantar, nos leva a crer que tem essencialmente visado à adequação do agravamento e intensificação da exploração do trabalho assalariado e das demais formas de trabalho subordinado ao capital com a finalidade do aumento das taxas de lucro.

12[1] A categoria contradição, conforme Cheptulin (1982), “(...) é a unidade dos contrários e a luta de contrários que se excluem e se supõem mutuamente.” onde “Os contrários, sendo aspectos diferentes de uma única e mesma essência, não apenas excluem-se uns aos outros, mas também coincidem entre si, e exprimem não apenas a diferença, mas também a identidade. (...) Assim, a identidade dos contrários é um momento da contradição, que é tão necessária, quanto sua diferença.” (p. 288).13[2] A categoria possibilidade é entendida como “(...) as formações materiais, propriedades, estados, que não existem na realidade, mas que podem manifestar-se em decorrência da capacidade das coisas materiais (da matéria) de passar umas nas outras. A possibilidade, realizando-se, transforma-se em realidade, e é por isso que podemos definir a realidade como uma possibilidade já realizada e a possibilidade como realidade potencial.” (Cheptulin:1982:338).

14[3] Nos últimos cinqüenta anos do século XX, os Estados Unidos (liberando 186,1 bilhões de dólares), a União Européia (liberando 127,8 bilhões) e a Rússia (liberando 68,4 bilhões) bateram os recordes de emissão de gás carbônico – o principal responsável pelo aquecimento global que, tem provocado o derretimento das geleiras polares que pode aumentar o nível do mar em até 80 centímetros. Segundo previsão de especialistas, a continuar os altos índices de liberação de dióxido de carbono (em 2000 foram liberados 7 bilhões de tonelada na atmosfera) a temperatura média da Terra pode aumentar 5,8 graus celsius até 2100. Com o fenômeno, ainda viriam as secas prolongadas e agudas. Com isto, em 25 anos, também 5,4 bilhões de pessoas teriam de racionar água. Destacam-se nesta problemática, os retrocessos na busca de soluções. O maior país emissor de gases poluentes, com 25 % de todas as descargas de gases que aumentam a absorção de calor

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pela atmosfera, expressa através de seu atual presidente, Georg W. Bush, sua negação em cumprir os acordos internacionais de controle do efeito estufa. Outra problemática ambiental vivida na atualidade é que a humanidade despeja na natureza 30 bilhões de toneladas de lixo todos os anos, poluição que também afeta principalmente os recursos hídricos. Apesar de dois terços do planeta ser cobertos por água, apenas uma fração dela se mantém potável. Com isso, a falta aguda de água já atinge 1,3 bilhão de pessoas em todo o mundo. Quanto à questão das áreas de floresta, já dois terços das florestas nativas das Américas foram destruídas. No Brasil, 93% da Mata Atlântica, 50% do cerrado e 15% da Floresta Amazônica já foram perdidos. (Revista VEJA, 2001, Ano 34, No. 15).15[4] O “Welfare State” caracteriza-se por ser o estado de bem-estar social, ou intervencionista que surgiu após a Segunda Guerra Mundial, na Europa, garantindo mínimos direitos sociais, como saúde, educação, habitação, etc.

16[5] Termo original de Ricardo Antunes.17[6] Entendemos o termo precarização das condições de trabalho caracterizando-se como o “Aumento do caráter precário das condições de trabalho, com a ampliação do trabalho assalariado sem carteira do trabalho independente (por conta própria). Esta precarização pode ser identificada pelo aumento do trabalho por tempo determinado, sem renda fixa, em tempo parcial, enfim, pelo que se costuma chamar de bico. Em geral, a precarização é identificada com a ausência de contribuição à Previdência Social e, portanto, sem direito à aposentadoria.” (Mattoso, 1999:08).18[7] Acerca da precarização das relações de trabalho compreendemos esta como o “processo de deterioração das relações de trabalho, com a ampliação da desregulamentação. Dos contratos temporários, de falsas cooperativas de trabalho, de contratos por empresa ou mesmo unilaterais.” (Mattoso, 1999:08).

19[8] Fonte: Informe PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego na região metropolitana de Porto Alegre, da Fundação de Economia e Estatística (FEE). Porto Alegre, Ano 11, no. 06, Junho/2002, p. 04.

A Evolução Histórica da Enfermagem

(Texto baseado na dissertação de mestrado da professora Ana Cristina Passarela Brêtas, intitulado: “As enfermeiras, o poder, a história: um estudo exploratório sobre mentalidades” )

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Até a institucionalização da Enfermagem como profissão, os cuidados aos doentes foram prestados por distintas categorias. Salientava-se desde o início a junção de qualidades de caráter moral, socialmente construídas, às qualificações técnicas dos exercentes.

Com o advento do Cristianismo, a Igreja assumiu o atendimento aos doentes, cabendo aos agentes da Enfermagem executar nos hospitais, o cuidado, mediado pelo modelo religioso. O hospital existente no Ocidente, antes do século XVIII, não era concebido para curar, não era uma instituição médica, da mesma forma que a Medicina não era uma prática hospitalar. Era essencialmente uma instituição destinada aos pobres, de assistência e exclusão, visto que o pobre doente podia ser fonte de contágio e, portanto, perigoso para a sociedade. O hospital existia para assistir material e espiritualmente, aos pobres. O pessoal que nele trabalhava, não estava destinado a realizar a cura, mas, sim, conseguir sua própria salvação. As pessoas que prestavam o cuidado, eram leigos e religiosos, fundamentalmente com visão caritativa.

A igreja vai, então, impregnando a Enfermagem dos ideais de servir, de caridade, de desprendimento, de amor ao próximo, trazendo-lhe, também, a conotação de uma atividade sublime.

Com as Cruzadas, no século XI, tem-se a criação de ordens militares de Enfermagem, todas de cunho militar-religioso que passam a trabalhar sob os desígnios da Igreja, tendo como uma de suas finalidades cuidar dos doentes. Nesse momento, além da interferência dos ideais cristãos na profissão, observa-se a construção dos princípios de disciplina, ordem e obediência no ato de cuidar. Vale lembrar que, no plano político, as Cruzadas aceleraram a crise do feudalismo, contribuindo, dessa forma, para o declínio do poder da igreja, visto a interação existente entre Igreja e feudalismo.

A transição entre a queda do feudalismo e a instalação do capitalismo, além da Reforma Protestante, no século XVI, representaram para a Enfermagem um período de mudanças. Tem-se a saída dos religiosos dos hospitais com conseqüente substituição

por outros agentes, descritos na história como sendo pessoas despreparadas – alcoólatras, meretrizes, ladrões -, cabendo às mulheres a adjetivação de bêbadas, imorais ou analfabetas.

Observa-se, neste período de laicização do cuidado de Enfermagem, que houve mudança de classe social entre os agentes que a exerciam e os que passam a exercê-la. Também nesta época, os agentes da Enfermagem, predominantemente mulheres, começam a ser remuneradas, passando, em troca, a ter jornadas de trabalho exaustivas (12 a 48 horas seguidas) e a responder também pelos serviços de casa: esfregação, lavagem de roupas e outros.

O período situado entre os séculos III e X é marcado por longos conflitos e guerras, onde os homens se ausentavam muito de casa, e também morriam em demasia, o que contribuía para que as mulheres se envolvessem em questões de domínio público.

Após esta fase, do século XIV até meados do século XVIII, presencia-se, em toda a Europa, uma repressão sistemática ao feminino. Esse período é conhecido como de Caça às Bruxas. A maior acusação às bruxas era o delito de curar, que era monopólio da Igreja. Desta feita, numa era teocrática, o não-cumprimento das determinações da Igreja, representava também uma transgressão política – com conseqüentes eliminações da sociedade.

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A instauração da Medicina como uma nova profissão, no século XV, também contribuiu muito para a desarticulação da mulher enquanto ser que cura. Impedidas de cursar a universidade (interditada ao sexo feminino até o século XIX), onde se processa a formação para a profissão médica, e tendo a sua prática de cura catalogada como maléfica, as mulheres são obrigadas a aplicar, de forma marginal e clandestina, seus conhecimentos e aptidões nesta área.

O saber popular feminino cai na clandestinidade, quando não é assimilado como próprio pelo poder médico masculino já solidificado.

Com o término da Caça às Bruxas no séc. XVIII e a solidificação da profissão médica, as atitudes e as representações coletivas das mulheres normatizam-se, elas tornam-se dóceis e não questionam o sistema.

Assim, construía-se a ideologia da Enfermagem: a ideologia do cuidado, centrada basicamente nos princípios de submissão, disciplina e abnegação, mediada pelo poder da Igreja e/ou pelo poder do Estado, sem uma produção sistemática do saber e, portanto, sem poder.

Neste contexto, mudanças significativas ocorrem no setor da Saúde no começo do século XVIII: os hospitais perdem a característica essencial de assistência aos pobres, deixam de ser gratuitos e se medicalizam. A Enfermagem, até então independente da prática médica, passa a ser dependente e subordinada ao poder médico. Ordens religiosas deixam de controlar economicamente os hospitais passando aos médicos esse poder.

Os hospitais passam a ser administrados com vistas a manter o controle econômico e social sobre os indivíduos, deixando de ser “morredouros”, tornando-se local de cura. Isso ocorre, primeiramente, nos hospitais militares, alastrando-se depois aos demais, através de uma tecnologia política: a disciplina. É o momento em que se consolida a hegemonia médica nos hospitais, respaldada pelo poder econômico e político.

Enquanto a Medicina avança, tanto em termos de conhecimento, como no âmbito do poder, a Enfermagem (majoritariamente a feminina) detém-se exclusivamente aos serviços domésticos, até meados do século XIX, quando em 1854 eclode a Guerra da Criméia – entre a Inglaterra, França e Turquia, contra Rússia – onde Florence Nightingale (1820 – 1910), membro da aristocracia inglesa, é chamada pelo ministro da guerra para organizar os serviços de enfermaria dos Hospitais Militares. Esse fato figura entre os antecedentes imediatos da profissionalização da Enfermagem.

Florence organizou os serviços das enfermarias tendo por base o cuidado com o ambiente hospitalar e o disciplinamento do pessoal de Enfermagem. Obteve êxito expressivo em sua atuação, visto que a mortalidade dos combatentes feridos caiu de 40% para 2%, uma vez que esses morriam mais pela falta de cuidado, do que em conseqüência de suas feridas.

Em 1960, Florence cria a Escola Nightingale, junto ao Hospital St. Thomas, em Londres, uma escola onde “as enfermeiras passam a ser formadas numa atmosfera conducente ao processo moral, e aprendem a ser úteis, adquirindo habilitações necessárias à prestação de bons serviços”.

Pode-se afirmar que na Escola Nightingale, tem-se a institucionalização da divisão social do trabalho de Enfermagem, visto que eram preparadas “nurses” para exercer os serviços usuais da Enfermagem hospitalar e domiciliar e “ladies-nurses”, para as atividades de supervisão, administração e ensino. As “ladies-nurses” eram oriundas de famílias de “classe alta”, que custeavam seus estudos, e as ‘nurses”, de famílias pobres, recebendo ensino gratuito. A escola só recebia “moças de bom caráter, de 25 a 35 anos,

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sóbrias, honestas, sinceras, responsáveis, pontuais, quietas, ordenadas, limpas e bem postas”.

Florence Nightingale legitimou a hierarquia e disciplina no trabalho de Enfermagem, trazidas da sua alta classe social, da organização religiosa e militar, materializando as relações de dominação e subordinação, reproduzindo na Enfermagem as relações de classe social. Introduziu o modelo vocacional ou a arte da Enfermagem.

Florence conquistou para si e, a posteriori, para outras mulheres um espaço profissional. No entanto, não conseguiu romper com o espaço “permitido” para as mulheres: o doméstico, reforçando a Enfermagem como extensão do trabalho do lar.

Os lugares de exclusão e privilégio são socialmente construídos. Acreditamos que a não-consciência da situação de exploração pelos estudantes de Enfermagem e pelos enfermeiros, tem sido um entrave na (des)construção dos rígidos estereótipos de submissão, abnegação e disciplina que permeiam a profissão, obviamente expressando as relações de gênero e de classe socialmente determinadas. A consciência disso por parte dos estudantes de Enfermagem do país é fundamental para o encaminhamento de lutas dirigidas para a libertação da Enfermagem dos lugares de exclusão que ocupa.

Roda: Divisão Social e Sexual do Trabalho em Enfemagem

Facilitadoras: Mônica Mendes (ENEEnf) e Jackline Alvarenga (ENEEnf)86º Conselho Nacional dos Estudantes de Enfermagem e IV Seminário de Formação

Política da ENEEnf

Objetivo: Introduzir a discussão e conceitos sobre divisão social e sexual e que se configura na enfermagem, como reflexo destas na sociedade.

Um breve historico sobre a enfermagem antes de sua instituição enquanto profissão.

Com o advento do cristianismo, a Igreja Católica assumiu a ação do cuidado, com caracteristicas de abnegação, do cuidado como um dom e para purgar os pecados. O espaço hospitalar, era destinado aos pobres, com papel de exclusão social, e ainda para assistência espiritual para pessoas iam para morrer, não havia uma lógica curativa. Todas as pessoas que exerciam o cuidado eram vontados para assistência.

Quando passamos pela nossa formação acadêmica, principalmente na disciplina da História da Enfermagem, busca-se descatar este fato da enfermagem como uma “profissão” abnegada, como uma arte.

As cruzadas aceleram a crise do feudalismo, baseado na terra, não possuem mais o valor que possuia anteriormte, fazendo com que a Igreja comece a perder poder. A reforma protestante – religiosa – juntamente com a crise, faz surgir outras religões, tendo reflexo na enfermagem, pois nesse momento a enfermagem passa a ser exercida não mais por realiosos, mas por pessoas leigas dentre elas, por mulheres leigas, que a partir de tal tempo, começaram a ser remuneradas, mas a remuneração não era adequada e também a jornada de trabalho chegava a ser de 48 horas, além das atividades domésticas.

Em outro momento, com as guerras, as mulheres passam a ocupar espaços públicos, a partir da ida dos homens para a guerra.

Diante da ameaca de perder seu poder do conhecimento, os “medicos” da época e

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a propria Igreja, na tentando retomar seu poderio promovem, a caça as bruxas, que nada mais eram mulheres cuidadoras e parteiras, as quais lhes era atribuido o delito de curar.

Com a instituição da medicina, todo o saber popular foi apropriado enquanto saber médico e agora cientifico.

O hospital passa a ser uma espaço das cuidados médicos, a enfermagem surge então nesse consto a partir da divisão social do trabalho da medicina, os quais julgavem –se superiores para exercer cuidados manuais. Com a revolução industrial o Hospital passa a ser então não mais um local de morte, mas de cura, pois agora são necessárias pessoas, mão de obra.

A hegmonia médica, se estabelece nesse constexto. E em meio a emergencia do Capitalismo, surge no episodio da guerra da Crineia, a figura de Florence, que organiza os serviços de enfermagem, e onde apos comprovar que os servicos de enfermagem foram funadamentais para a redução da mortalidade, é concebida a Florence licença para criar a Escola Nithingale, que proporcionam a formação da mulher para prestar serviços, e ai vemos a formação das nurse e das lady nurse, que eram respctivamente, mulheres de classes sociais distintas sendo as primeira de classes mais populares e as segundas da elite burguesa que ascendia, e assim tambem dividiam o trabalho as nurses eram responsaveis possuiam um papel da assistencia, enquanto as ladies nurses da gerencia da assistencia, erafirmando a divisão social do trabalho existente na sociedade capitalista.

A enfermagem é uma pratica social, e sendo assim, não é neutra. E esse conhecimento mas dá a condição de escolha de manter esse estado histórico, ou construir a nossa parte da história, seguindo por uma novo viês, mas que veis é esse que vamos seguir, queremos deixar de ser oprimidos para sermos opressores?

Aberto o Detabe ...A universidde hoje reproduz o modelo de sociedade que vivemos, e percebemos

isso na maneira pela qual a Enfermagem. Legitima valores como divisão social, hierarquia e submisão. A enfermagem foi instituida enquanto profissão para apoiar ideologicamente a logica capitalista e manter o status quor dentro da saúde. A universidade brasileira é elitista, isto significa que quem entra é escolhido, entram na univeridade aqueles que tem condições materias para passar pelo seu processo seletivo.por isso majoritariamente reproduzimos o conhecimento tecnico e cientifico.

Considerando ainda o papel da Universidade na formação de profissionais para a manutenção do modelo hegemonico temos uma formação que nos sufuoca, metodica e cheia de tecnicas, onde não temos espaços para leitura extras porque há um acumulo de materias tradicionais e ainda a intensa carga horária, o curriculo nos sufoca. Temos na formação a chave para sermos alienados. Não se vê a formação como projeto de mudança mas sim com uma máquina de produção de tecnicos para alimentar o mercado neoliberal.

Nossa formação deveria atender a fazer-nos entender a importancia do poder dos sujeito. Isto é, temos que dar poder ao outro e fazer com ele se reconheçac como sujeito. A nossa assitencia é tecnica, mas defendemos que o cuidado deve estar vinculado a sentimentos, devemos entender que o cuidar é um ato politco.

Quanto a profissionalização de enfermagem exigia que somente se aceita mulheres solteiras, e não podia ter familia e nem filhos pois a enfermagem deveria ser exercida de forma exercida de forma abnegada.

Subornado sempre seremos a medicina pois na divsão social do trabalho e só terá mudança quando tivermos a mudança de modelo do modo produção capitalista, pois essa a

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subordinação é um dos valores essenciais para manuntenção de modo de produção.de que lado a enfermagem está

O que é competencia do enfermeiro e do tecnico? Ao enfermeiro cabe o que o médico não faz. Ao tecnico cabe fazer as tecnicas repetitivas, de forma mecanica. E ao auxiliar não cabe, nada, pois ele não pode realizar prodecimentos de ordem tecnica, que envolva conhecimento cientifíco, pois ele não tem capacidade para tal. Ele realizaria procedimentos com higiene.

A nossa lei de regulamentação da profissão, é mal articulada, mal elaborada.Eu não posso fazer aquilo que eu não tenho capacidade de fazer, pois o

instrumento da nossa ação pessoas. Temos que fazer escolhas, e essas escolhem trazem consequencia.

Devemos descontruir a visão romantica da enfermagem, onde nós enfermeiros somos seres bons, que cuidamos do proximo, mas na verdade temos queatentar que estamos mergulhados no sistema e hoje trabalhamos para o mantermos. O enfermeiro vende a sua mão de obra, e esse cuidado tão abnegado que ainda hoje defendemos, é uma mentira, que nosso cuidado é a mercadoria que temos para vender e sobreviver.

Enfermagem e Promoção da vida com justiça social: um desafio a esperança dos povos na América Latina e Caribe

Laura Tavares Soares

Apresentação

Em primeiro lugar quero agradecer às organizadoras deste Congresso o convite e dizer que para mim é uma honra e um privilégio apresentar esta conferência em tão importante evento. Quero também parabenizar pela escolha do tema VIDA COM JUSTIÇA SOCIAL!

Saludos a las (y los) colegas latinoamericanas y caribeñas! Bienvenidas!Saudações às (e aos) colegas do Brasil!Certamente promover a vida com justiça social se constitui hoje no maior desafio

dos povos latino-americanos, principalmente em um cenário de regressão social após uma década de neoliberalismo.

No Brasil o cenário político mudou. Mudou para melhor. O enorme significado da eleição de Lula como presidente do Brasil extrapola nossas fronteiras. Em compensação hoje o desafio é muito maior, porque se trata de construir outro país. A distância entre o que queremos e o “possível” ainda é longa. Mas a batalha do possível no cotidiano não pode nos afastar nem de uma perspectiva de futuro nem de uma visão crítica sobre os elementos do passado que ainda perduram no presente e que nos impedem de avançar. É sobre os riscos da permanência desses elementos e suas conseqüências que farei minha apresentação, aproveitando este importante espaço.

A renovação do consenso neoliberal

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Infelizmente a ortodoxia neoliberal não se mantem apenas no campo do econômico. Também no campo do social, tanto no âmbito das idéias como no terreno das políticas, o neoliberalismo fez estragos e ainda continua hegemônico.

O conservadorismo no social se expressa no retorno à naturalização da desigualdade social ou à aceitação da existência do “fenômeno” da pobreza como inevitável. Retrocedemos historicamente à noção de que o bem-estar social pertence ao âmbito do privado, atribuindo às pessoas, às famílias e às “comunidades” a responsabilidade pelos seus problemas sociais, tanto pelas causas como pelas soluções. Como afirma Bourdieu, o “retorno do individualismo, espécie de profecia auto-realizante que tende a destruir os fundamentos filosóficos do Welfare State e em particular a noção de responsabilidade coletiva (nos acidentes de trabalho, na doença ou na miséria), essa conquista fundamental do pensamento social (e sociológico), ... é o que permite “acusar a vítima”, única responsável por sua infelicidade, e lhe pregar a “auto-ajuda”...” i.

Tal como no econômico, a intervenção do Estado no social passou a ser vista como pouco “recomendável”, devendo ser substituída por um tipo de “mercado” especial que vai desde a grande seguradora financeira (que passa a garantir previdência social e saúde para os que podem pagar pelo seguro) até o chamado “terceiro setor”, o qual inclui uma vasta e heterogênea gama de “atores” (desde as antigas associações comunitárias ou igrejas, até as modernas Organizações Não Governamentais de todo tipo).

A mercantilização dos serviços sociais - mesmo os essenciais como saúde e educação - também é vista como “natural”: as pessoas devem pagar pelos serviços para que estes sejam “valorizados”. As pessoas que não puderem pagar devem “comprovar” sua pobreza.

A filantropia substitui o direito social. Os pobres substituem os cidadãos. A ajuda individual substitui a solidariedade coletiva. O emergencial e o provisório substituem o permanente. As micro-soluções “ad hoc” substituem as políticas públicas coletivas. O local substitui o regional e o nacional. É o reinado do minimalismo no social para enfrentar a globalização no econômico. “Globalização só para o grande capital. Do trabalho e da pobreza, cada um que cuide do seu como puder. De preferência com um Estado forte para sustentar o sistema financeiro e falido para cuidar do social.”.

Frente ao quadro social presente na maioria dos países periféricos, onde se constata a reprodução e a brutal ampliação das desigualdades sociais, com uma pauperização generalizada da população, faz-se escolhas que assumem um caráter trágico ao eleger apenas soluções “tópicas” para os problemas.

Por trás do quase irresistível apelo feito à chamada “participação da comunidade” e aos inúmeros exemplos “bem sucedidos” (colocados em quadros coloridos e chamativos nos relatórios internacionais) o que se vê são “pequenas histórias” contadas em meio a um mar de dramas sociais.

Existe, portanto, uma flagrante e recorrente contradição nas propostas hegemônicas feitas pelos organismos internacionais e adotadas pelos governos. Os programas de “alívio à pobreza” focalizados nos “mais afetados” ou nos mais

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“vulneráveis” continuam sendo recomendados, mesmo reconhecendo que os problemas sociais não são “residuais” e que “os mais afetados” são na realidade a maioria. O caráter de “alívio” desses programas não apenas não têm sequer “compensado” as perdas e danos dos mais pobres, como nem chegam perto das suas verdadeiras causas.

Como é feito o desenho desses programas? Os Estados dos países pobres e periféricos (sempre chamados de “em desenvolvimento”) devem contratar empréstimos externos, implicando em muitos casos no aumento de suas dívidas, para implementar “pacotes” que em sua maioria não apenas já estão prontos como impõem uma série de “condicionalidades” para a utilização “correta” dos recursos.

Quais são essas “condicionalidades”? Que os Estados não aumentem seu gasto público para não produzir “déficit fiscal”; que ao invés de atuar diretamente através de suas próprias redes, os governos devem estabelecer “parcerias”, repassando seus serviços que passarão a ser prestados por instituições comunitárias ou ONGs; os recursos devem ser “focalizados” nos mais pobres, e devem ser priorizados nos chamados “subsídios à demanda” e não na ampliação da oferta de serviços públicos; as pessoas que trabalharão nesses programas devem ser preferencialmente “da própria comunidade”, estimulando-se sempre o “trabalho voluntário”; e o programa deve ser encerrado no momento em que a própria comunidade esteja em condições de se “auto-sustentar”.

Aos países periféricos são recomendadas políticas de “ajuste” – com abertura indiscriminada, “rigor” fiscal e “reformas” – que não são adotadas pelos países centrais que comandam os órgãos multilaterais proponentes e supostamente financiadores dessas políticas. As conseqüências ou os desajustes sociais provocados por essas políticas são considerados ou como inevitáveis ou inerentes a um processo em direção à “modernidade”. Optamos tratar dessas conseqüências sociais como desajustes em contraposição à noção de ajuste subjacente às políticas neoliberais como algo “necessário” para que os países “em desenvolvimento” possam atingir uma suposta “estabilidade”, condição para um futuro crescimento e, quiçá, alguma distribuição das “sobras” num futuro ainda mais remoto. Criticamos aqui o conceito de “transição” tal como vem sendo empregado pelos organismos internacionais, trazendo consigo uma falsa idéia de “evolução” em direção a uma situação supostamente melhor ou “mais avançada” – noção típica da matriz sociológica que supõe a “modernização por difusão”. Como contraponto a esta visão, é possível constatar o retrocesso social de parcelas crescentes da população mundial frente às políticas deliberadas de corte neoliberal.

Quando tratamos dos países latino-americanos e caribenhos, aonde já existiam desigualdades estruturais e históricas, a distância entre os mais ricos e os mais pobres aumentou ainda mais, provocando uma polarização que tem levado a rupturas sociais agudas e violentas. Esses países ficaram com o “pior dos mundos”, agravando suas situações de pobreza e extrema miséria, ao mesmo tempo em que se vêm frente ao processo contemporâneo de desfiliação daqueles que pertenciam ao circuito do mercado de trabalho, com algum grau de proteção social.

Assim, o que a “modernidade” nos trouxe foi a superposição perversa de antigas situações de desigualdade e miséria com uma “nova pobreza” causada pelo aumento massivo e inusitado do desemprego e pela generalização de situações de precariedade e instabilidade no trabalho, aumentando o contingente daqueles que se tornaram “vulneráveis” do ponto de vista social pela redução ou mesmo ausência de mecanismos de proteção social.

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Sempre partindo de um recorrente “modelo único”, as formas pelas quais o ajuste foi implementado em cada um dos países periféricos variaram, dependendo dos respectivos contextos nacionais e internacionais e das condições econômicas, sociais e, sobretudo, políticas presentes em cada país. Apesar das condicionalidades impostas externamente pelos organismos financeiros internacionais, a sua aceitação ideológica e a sua implementação interna em nossos países sempre contaram com o valioso apoio e empenho das nossas elites locais acompanhadas dos nossos governos nacionais. Mesmo considerando a diversidade do espectro político, esse apoio foi marcado por um autoritarismo que oscilou desde medidas explícitas e violentas (como no caso do Chile) até aquelas que foram implementadas dentro do das regras do “jogo democrático” vigente. No entanto, em todos os países os processos políticos de implantação do ajuste, guardadas as proporções, foram também marcados pela corrupção, pelo clientelismo e pela cooptação. Muitos presidentes latino-americanos condutores desses processos em alguns países estão foragidos e/ou com processos na justiça.

Ao analisar os países da América Latina, podemos esquematizar o impacto do ajuste sobre as Políticas Sociais em três modalidades. Uma primeira e mais radical - e que foi pioneira e plenamente executada no Chile do General Pinochet no início dos anos 80 – foi a substituição total do aparato estatal de proteção social pela privatização irrestrita das suas instituições. Os sistemas públicos e universais foram substituídos por seguros privados, ligados ao capital financeiro, com um gigantesco subsídio de recursos públicos por parte do Estado.

Uma segunda modalidade foi o desmonte de políticas sociais pouco sólidas, onde os mecanismos de proteção social eram frágeis e não chegavam a constituir um sistema de proteção social. Nestes casos, foi mais fácil eliminar os poucos direitos sociais existentes; introduzir a privatização de bens e serviços públicos; e substituir o aparato estatal de assistência à pobreza por organizações não governamentais (ONGs). Um dos casos paradigmáticos dessa alternativa na América Latina foi o Peru.

Finalmente, uma terceira modalidade, da qual o Brasil pode ser citado como um exemplo, foi a combinação do desmonte de políticas sociais dirigidos aos mais pobres ou “excluídos” (como a Assistência Social) com “reformas” constitucionais que reduziram ou eliminaram direitos constituídos ao longo de décadas e consagrados na Constituição de 1988 - tratando de desmontar, principalmente, a Seguridade Social. Foram introduzidos mecanismos que interromperam o processo de construção de uma Seguridade Social mais ampla e generosa, baseada nos direitos de cidadania e no dever do Estado, e que incorporava três áreas sociais da maior relevância: Saúde, Previdência e Assistência Social.

Ao invés de evoluirmos para sistemas verdadeiramente públicos e universais que garantissem os direitos essenciais de cidadania das parcelas majoritárias da população, reduziu-se mais ainda a já debilitada capacidade de intervenção do Estado no social. O frágil direito de cidadania que vinha sendo construído a duras penas .. foi substituído por “atestados de pobreza” que permitem apenas o acesso a precários e mal financiados serviços públicos.ii

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Possibilidades e limites de uma perspectiva não neoliberal

Em primeiro lugar, entendemos que uma perspectiva que se oponha à visão neoliberal da sociedade precisa também de um diagnóstico “não-neoliberal” antes de propor as mudanças “não-neoliberais”. É muito comum escutarmos que os diagnósticos “já estão feitos” e o que se precisa agora é de “fazer algo”. Infelizmente, mesmo as propostas que se dizem de “mudança” muitas vezes se baseiam em diagnósticos equivocados, o que tem levado senão a propostas “equivocadas” pelo menos a propostas cujo potencial ou capacidade de mudança é muito limitado. Termina sendo uma variação de “mais do mesmo” na medida em que se limita apenas a “combater” ou minimizar as conseqüências.iii Neste ponto, outra confusão muito comum é a justificativa da adoção dessa atitude pelo critério do que “poder ser feito” dadas as restrições internas e externas, etc. Também aqui gostaríamos de pontuar que uma coisa é realizar o diagnóstico correto – inclusive para identificar bem quais são essas restrições ou limitações para superá-las - e outra é incorporá-las ao discurso teórico e político assumindo-as como “verdades imutáveis” ou “variáveis fixas” nas quais não se pode mexer.

Ao tratar do debate das “alternativas” e da dificuldade das forças de esquerda em pensar a sua própria identidade frente à longa hegemonia das idéias e das políticas liberal-conservadoras, Fioriiv afirma “O certo é que, toda vez que aceitam e partem das mesmas premissas, despolitizando o fenômeno da globalização e das novas “restrições”externas e internas criadas pelas próprias políticas e reformas liberais, acabam repetindo as teses e, em alguns casos, as próprias políticas dos adversários”. Certamente construir um pensamento e uma ação próprios não é tarefa fácil, sobretudo se reconhecemos, como Fiori, “que a visão liberal e hegemônica sobre a natureza da “grande transformação” que ocorreu nestes últimos 25 anos não é apenas uma teoria equivocada; trata-se, na verdade, de uma operação ideológica fatalista, conservadora e desmobilizante de toda e qualquer luta por uma alternativa popular ao neoliberalismo.”v

No campo da oposição ao pensamento único, é preciso reconhecer que não existe propriamente um “consenso” e sim muitos elementos de debate (o que consideramos como uma característica saudável e certamente muito mais democrática do que a imposição de “consensos”). Ao contrário daqueles que ainda afirmam que o Brasil nunca seguiu o modelo neoliberal – apesar das evidências cada vez maiores – sempre defendemos a tese de que, infelizmente, nós não escapamos ao hegemônico processo de ajuste neoliberal imposto em quase todos os países latino-americanos. Apesar da sua entrada “tardia” com relação aos seus países vizinhos, o Brasil recuperou rapidamente o seu “atraso” tratando de cumprir com todas as regras do referido ajustevi e implementar todas as políticas dele derivadas.

Hoje muitos críticos do neoliberalismo consideram que ele já estaria “superado” dado o visível desastre que causou. Gostaríamos de problematizar um pouco essa questão.

A leitura dos diagnósticos nos mostra que se bem o desastre se evidencia, a sua causalidade ainda não fica suficientemente clara. Ou melhor, em raríssimas exceções, e assim mesmo mescladas com assertivas acerca da suas “vantagens comparativas”, se assume que o verdadeiro responsável por esse desastre social é o modelo atual com a preponderância das políticas neoliberais. Os modelos explicativos são tautológicos e circulares, onde causas e efeitos são confundidos e colocados num mesmo plano de determinações. Assim, a violência causa pobreza, a qual causa a fome, que por sua vez leva à pobreza e à violência.

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Sem propor um “modelo único” e sem ter a pretensão de colocar todos os elementos explicativos da atual situação – por demais complexa para ser esgotada aqui neste curto espaço sem cair em simplificaçõesvii – trataremos ao menos de resgatar (sem grandes “inovações”) alguns desses elementos contrapondo-os ao diagnóstico neoliberal.

O primeiro deles é a História ou o caráter histórico das mudanças e também da permanência de alguns traços nas distintas formações sociais, ou, se quisermos, nos países e regiões do mundo. Rejeita-se assim o “fim da história” (“idéia-síntese” da euforia liberal da década de 90, segundo Fioriviii) e a “inexorabilidade” dos fatos. É também a História que nos permite entender que tanto o “diagnóstico” como as “soluções” propostas pelo neoliberalismo não têm nada de “novo”. A História do capitalismo mostra a recorrência e os problemas das soluções “liberais” em tempos de crise e de reestruturação do capital. A chamada “globalização” também tem sido um elemento essencial do mundo capitalista desde o século XVI.

A associação das pessoas em “grupos não-governamentais” também não é novidade. A novidade é que eles comecem a assumir funções que outrora pertenciam à esfera estatal. Nas palavras de Wallerstein “torna-se até preciso retornar ao sistema pré-moderno: devemos providenciar a nossa própria segurança. Assumimos as funções de polícia, do arrecadador de impostos e do professor de escola. Além do mais, uma vez que é difícil assumir todas essas tarefas, submetemo-nos a “grupos” construídos de diversas maneiras e com diversos rótulos”. “Depois de cinco séculos de fortalecimento das estruturas estatais, ..., não é coisa de somenos importância. É um terremoto histórico do qual somos participantes. Esses grupos aos quais nos submetemos representam algo bem diferente das nações que construímos nos dois últimos séculos. Os membros não são “cidadãos”, porque as fronteiras dos grupos não são definidas juridicamente, mas miticamente; não para incluir, mas para rejeitar.”

Também do ponto de vista histórico o papel do Estado não é uma coisa tranqüila. Do ponto de vista das classes subalternas, “os estados foram certamente opressivos, pouco confiáveis, mas foram também e ao mesmo tempo fontes de segurança cotidiana” ix. Na ausência do Estado, quem garantiria a vida e até a propriedade pessoal? Há uma desistência hoje generalizada da crença nos Estados, “não somente no Estado em mãos dos “outros”, mas em todo o Estado”.

Por outro lado, esse “antiestatismo radical” assume feições cínicas quando assumido por setores capitalistas amplamente favorecidos pelos próprios Estados. Portanto, apesar do discurso de que o Estado deve “se retirar do econômico e permanecer no social”, a realidade é inversa. Trata-se de reformular o Estado, retirando-o de algumas áreas (da “mão esquerda”x do Estado) e reforçando-o em outras (a “mão direita”xi). Para que as medidas de ajuste e as reformas sejam implementadas é preciso que o próprio Estado garanta recursos financeiros e poder aos novos setores “estratégicos” para o capitalismo, como o setor financeiro. O Estado é absolutamente necessário para desregulamentar a economia e flexibilizar as relações de trabalho. É o Estado que garante a tão almejada estabilização econômica, suposta etapa preliminar para um futuro crescimento e uma futura, cada vez mais remota, distribuição da riqueza. E, finalmente, é também o Estado que patrocina e executa as famosas “reformas” consideradas “indispensáveis”, emprestando-lhes um caráter mágico e infalível na solução de todos os nossos problemas.

Segundo Atílio Borónxii os capitalistas locais e seus sócios metropolitanos obtiveram inúmeras vantagens com essas políticas, modificando “a seu favor e de maneira decisiva, a correlação de forças entre o mercado e o Estado, condicionando desse modo os

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graus de liberdade que pudesse ter algum futuro governo animado por uma vocação reformista ou transformadora.” Diante desse quadro, reafirma não ter dúvidas de que a tarefa mais urgente que os países da América Latina teriam que enfrentar no “pós-neoliberalismo” seria a reconstrução do Estado.xiii

Isto é particularmente mais grave em se tratando de um Estado totalmente desmontado e destruído em seus mecanismos mais elementares de funcionamento, sobretudo quando se quer resgatá-lo para uma intervenção efetiva baseada em um novo projeto de desenvolvimento econômico e social, ou, em um projeto “anti-neoliberal”. Sob o recorrente argumento da necessidade de “reformas”xiv, junto com aquilo que poderia ser considerado o “velho” e que de fato poderia ser “dispensado”, jogou-se fora uma série de instrumentos do Estado vitais para qualquer projeto que levasse em conta o seu fortalecimento numa perspectiva de mudança “não-neoliberal”.

Como se não bastasse, a supremacia do privado estendeu-se ao social: todos aqueles setores dos sistemas de proteção social considerado “rentáveis” (como a Previdência e a Saúde) foram privatizados em nome da preservação de um Estado para atender os mais “pobres”. O resultado foi o que já vimos: o que sobrou foi um Estado “pobre” ou, mais uma vez, “mínimo” para os “pobres”.

Outro ponto polêmico e delicado nesse debate, por suas implicações frente ao desenho das alternativas, é o caráter estrutural na reprodução ou na mudança das condições sociais. Ou seja, se as conseqüências sociais do ajuste são apenas de natureza “conjuntural”, podendo ser mais facilmente revertidas uma vez passada essa “conjuntura neoliberal”, ou se o que se está configurando é de fato uma “nova situação social” cuja estruturação vem se dando de tal maneira que torna mais difícil a sua reversão ou mudança. Esta certamente não é uma questão trivial quando se pensa nas “alternativas não neoliberais” na construção e implementação de políticas públicas e sociais a partir do Estado.

Em nossa tese de doutoradoxv já problematizávamos o fato de que a “destruição” provocada pelo ajuste tornaria muito difícil o caminho “de volta” ou o caminho da reconstrução. Cabe, portanto, sempre relembrar o caráter amplo do ajuste, que não se limita apenas a políticas macroeconômicas, mas que possui todo um arcabouço ideológico e político que orientaram políticas estruturantes do Estado e suas relações com a Sociedade. As medidas de ajuste, portanto, não se limitaram a mudanças conjunturais: elas também provocaram mudanças estruturais cuja possibilidade de reversão depende do grau de destruição e da profundidade da transformação promovida pelo ajuste.

Fica também evidente no diagnóstico que as chamadas “micro-auto-soluções” ficam muito distantes de resolver os problemas que atingem grandes proporções, sobretudo nos países periféricos. A pergunta que fica é qual a chance dessas parcelas da população de serem “incluídas” pelo mercado, mesmo em condições de crescimento econômico. A última década demonstrou a baixa capacidade de absorção das economias em períodos de retomada do crescimento: a velocidade da destruição de postos de trabalho é sempre muito maior que a da recuperação dos mesmos, que dirá da sua ampliação.

Por outro lado, a enorme e crescente concentração de riquezas nos permitiria uma margem não desprezível de redistribuição. Nessas condições, parece imperativo recorrer, uma vez mais, a um Estado que pudesse cumprir com esse papel redistributivo e, ao mesmo tempo, que sustentasse a existência de circuitos ou redes públicas que permitisse a inclusão por meio da garantia dos direitos de cidadania, como o acesso à educação, à saúde, à habitação, ao saneamento básico, à cultura e ao lazer. Essa “inclusão” não se daria apenas por meio da transferência de renda – que corre o risco de

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reproduzir apenas as políticas de subsídio à demanda – mas pela existência de redes públicas universais que garantissem o acesso através da ampliação e da redistribuição dos bens e serviços públicos. A transferência temporária e isolada de um mínimo em termos monetários na maioria das vezes é totalmente insuficiente para adquirir no “mercado” bens e serviços essenciais.

Outra restrição é a “focalização” naqueles que conseguem “comprovar” a sua pobreza em termos de insuficiência de renda, deixando “de fora” aquelas famílias que porventura estejam um pouco acima da “linha de pobreza” e, no entanto, em igual situação de precariedade e desamparo, podendo “cair” abaixo dessa linha a qualquer momento ou por situações freqüentes nessa faixa da população, como o desemprego ou a doença. O critério da renda quando utilizado de modo exclusivo termina por excluir. Além disso, o chamado “cadastramento de pobres”, fica quase sempre submerso em obscuros caminhos que levam ao clientelismo e a critérios nem sempre justos de “inclusão”.

Nesse sentido, somos mais favoráveis à estratégia que chamamos de “universalização territorial”. Partindo do pressuposto, já consagrado pela maioria das evidências e dos estudos ou mapas da pobreza ou da “exclusão”, a pobreza possui uma distribuição espacial ou territorial bem nítida. Dessa forma é perfeitamente possível garantir que os serviços e bens “cheguem aos mais pobres” de forma universal e não discriminatória, sempre e quando estejam localizados próximos aos domicílios desses mesmos pobres. Mais ainda, como em geral as carências não se apresentam de forma isolada ou independente, as políticas universais territoriais têm ainda a vantagem de permitir integrar, no território, as diversas políticas públicas que se façam necessárias. Isto permitiria uma integração não apenas das políticas como também da população beneficiária, superando a marca da fragmentação tão presente hoje na área social. Aonde há doença há falta de saneamento, e aonde há criança desnutrida há uma mãe que precisa de assistência também. Vou mais longe: essa integração no território permitiria, ainda, uma “economia de escala”xvi dos recursos envolvidos, bem como uma potencialização dos mesmos, com resultados muito mais efetivos do ponto de vista do impacto social do que aqueles obtidos com programas fragmentados.

É preciso voltar a utilizar a noção de espaço-território para as políticas públicas no Brasil. Nem sempre há uma concordância ou uma coincidência desses espaços com os definidos em termos político-administrativos. Portanto, as políticas não deveriam ser “municipais” ou “estaduais” apenas. A dimensão regional deve ser resgatada em âmbito nacional, assim como os territórios “supra-municipais” em âmbito estadual. Ou ainda, no caso das regiões metropolitanas ou dos grandes municípios-capitais, os espaços/territórios são “infra-municipais”.

A gestão descentralizada de programas sociais, embora casos isolados consigam alguma sinergia, não tem escala suficiente para substituir o Governo Central (Federal) e o Regional (Estadual) naquilo que é a principal missão no campo da Política Social: criar uma dimensão de igualdade no território nacional no imenso espaço de desigualdades sociais.xvii

Por outro lado, não existe uma “receita única” para todas as políticas sociais. Respeitando a natureza específica de cada política e os seus propósitos, devem ser desenvolvidas estratégias específicas, sempre garantindo o princípio da universalidade no acesso a redes públicas de serviços e a constituição de sistemas integrados, onde cada ente federativo assuma a sua responsabilidade - de acordo com suas realidades e possibilidades – no financiamento, na gestão, na execução e na fiscalização das várias políticas.xviii

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Além da integração das políticas públicas sociais nos âmbitos territorial e populacional, tratando de superar a fragmentação e a exclusão, temos outra questão relevante que é o caráter público dessas políticas, que, a nosso ver, passa por uma atuação estatal. Isto tem um contraponto com as propostas “hegemônicas” vistas anteriormente de que o âmbito do privado tem supremacia frente ao estatal e que os governos devem estimular as “parcerias” com o setor “não governamental”. Respeitadas as experiências históricas e particulares que possam ter sido consideradas “bem sucedidas”, sempre e quando estejam garantidas “as boas intenções” e o “espírito solidário” da “organização não governamental”, as controvérsias nesse terreno são muitas.

Em primeiro lugar, aquilo que se convencionou chamar de “3o. setor” é hoje uma ampla gama de organizações e instituições, locais, regionais, nacionais e internacionais, que vão desde a associação de moradores local até uma grande empresa multinacional com “responsabilidade social”. Independentemente de suas boas intenções, a maioria dessas organizações, “por políticas explícitas por parte dos próprios governos, vem assumindo um papel substitutivo ao Estado, sobretudo naqueles lugares mais pobres e retirados, de onde o Estado ou se retirou ou simplesmente não existia. É justamente esse caráter “substitutivo” e não complementar que desmascara as supostas “parcerias” entre o Estado e a Sociedade.”xix.

Em estudos realizadosxx, podemos constatar que quanto mais forte é a presença social do Estado, maiores as possibilidades de sinergia e de atuação conjunta com as chamadas “entidades civis”, as quais, inclusive, não assumem a responsabilidade pela prestação do serviço público e ficam mais livres para exercer seu papel fiscalizatório e propositivo no planejamento e na avaliação das políticas. Quando o Estado é omisso ou ausente, e quanto mais carente é a “comunidade” onde se está atuando, as entidades não-governamentais assumem uma responsabilidade que não deveria ser delas, além de muitas vezes não ter condições nem técnicas nem operacionais de garantir a prestação continuada daqueles serviços. Por outro lado, por mais idôneas que sejam essas organizações, algum grau de discricionariedade ocorre na medida em que elas não são capazes de propiciar a abrangência e a continuidade necessárias para que suas ações produzam algum impacto coletivo. Assim, enquanto alguns grupos ou indivíduos são “assistidos”, outros ficam “de fora” por critérios muitas vezes alheios à sua vontade. Exatamente por sua limitada abrangência ou capacidade de cobertura, o seu “caráter exemplar” fica muitas vezes prejudicado quando se tenta replicar pequenas experiências em um âmbito maior de atuação. Dessa forma, o impacto dessas ações tem sido muito limitado na transformação das condições gerais de vida de grandes parcelas da população, visto que o simples somatório dessas experiências localizadas não resulta numa Política Social integrada de âmbito nacional, regional, ou mesmo local, dependendo das dimensões da população a ser assistida.

Outra questão relevante na perspectiva da reconstrução democrática do Estado é o “controle social” e o “controle público”, tratando de superar uma certa confusão existente no debate. O controle social deveria ser exercido de forma independente e autônoma pela sociedade organizada, cuja participação deve nortear a ação governamental, e não substituí-la. Tampouco as experiências de controle social têm sido homogêneas no território nacional. Quase sempre elas tiveram uma presença mais forte exatamente naqueles lugares onde se elegeram governos populares e democráticos, em sua grande maioria liderados pelo PT. O que reforça, mais uma vez, a nossa tese de que sem um Estado democrático que assuma um projeto popular e, portanto, anti-neoliberal, fica muito mais difícil essa

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participação social em benefício dos interesses da maioria, e não dos interesses privados das eternas elites minoritárias que dominaram historicamente os nossos Estados.

Outra coisa é o “controle público” para o qual se supõe a existência de instituições do próprio Estado que devem cumprir esse papel, como o Ministério Público. Paradoxalmente, paralelamente ao desmonte do Estado brasileiro, esse tipo de instituição abre perspectivas no sentido de cumprir seu papel fiscalizatório sobre os governos em prol do interesse público. Algumas experiências já são referência no Brasil, como no caso da articulação do Ministério Público com entidades civis na defesa do caráter público do Sistema Único de Saúde (o SUS), mostrando, neste caso, uma sinergia entre o controle público por parte do Estado e o controle social por parte da sociedade organizada. É evidente que esse caráter público da fiscalização por parte de órgãos do próprio Estado ainda tem muito que avançar e nem se dá de maneira uniforme em todo o território nacional, mas é um espaço potencial que precisa e deve ser fortalecido na construção de um Estado verdadeiramente democrático.

Conclusão

Concluindo, apesar do otimismo militante e da esperança que continuo compartilhando com a maioria dos brasileiros pela eleição de Lula como presidente do Brasil, não posso deixar de expressar preocupação sobre esse debate em torno às chamadas alternativas para enfrentar e superar a difícil e complexa situação social que vivemos hoje. Nós que não acreditamos na “modernização excludente” – herança dos governos do passado - além de batalharmos pelas inevitáveis medidas de curto prazo para que, como diz o próprio presidente Lula, as pessoas não passem fome, temos também a obrigação de pensar alguma perspectiva de futuro que comece a ser construída no presente . Nessa perspectiva, mais do que nunca, no Brasil atual, torna-se imperativo uma verdadeira POLÍTICA SOCIAL que deixe de ser residual e que represente, nela mesma, uma alternativa real de desenvolvimento que incorpore nos circuitos de cidadania aqueles que nem tão cedo terão condições de incorporar-se pelo “mercado” (nem o de trabalho nem o de bens e serviços). Isto implica em perder o medo (que ainda persiste em muitos setores da esquerda) de pensar e reconstruir o Estado como um espaço público e como uma alternativa democrática de incorporação cidadã das grandes maiorias que não tem voz nem poder de pressão no âmbito da sociedade.

Ao contrário dos organismos internacionais, não acreditamos nem em fórmulas nem em receitas. O caminho é político. E as diversas formas de luta, segundo a história de cada um de nossos países, são legítimas.

Precisamos preservar os “espaços de resistência e de esperança”xxi [como o deste Congresso] sem medo de enfrentar os enormes desafios para promover a vida com justiça social não apenas em nosso país, mas em todo o continente latino-americano! [MUITO OBRIGADA!]

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Os custos sociais do ajuste neoliberal no Brasil

Laura Tavares Ribeiro Soares

Introdução

O Brasil adotou “tardiamente” o receituário neoliberal das chamadas políticas de ajuste estrutural v i s - à - v i s a maioria dos países latinoamericanos. Isto trouxe conseqüências de natureza política e social importantes, que provavelmente explicam o estágio em que nos encontramos frente a essas políticas. As chamadas Políticas de Ajuste Estrutural, como propostas e medidas econômicas bem como estratégias político-institucionais, partem do entendimento do NEOLIBERALISMO como um projeto global para a sociedade, com políticas articuladas, que não se limitam a medidas econômicas de efeitos conjunturais e/ou transitórios, trazendo conseqüências sociais graves e permanentes, muitas vezes de difícil volta atrás.

Como introdução ao tema, tratarei de sintetizar o que estou chamando de Custos Sociais das Políticas de Ajuste entendidos, de um lado, como deterioração das Políticas Sociais, e de outro, como agravamento das condições sociais. Na realidade, estes são processos que se dão de forma simultânea e que possuem uma retroalimentação. Dessa forma, as especificidades dos impactos sociais das políticas de ajuste dependem:

• da estruturação anterior das Políticas Públicas (âmbito nacional; grau de universalidade no acesso; forma de financiamento; cobertura; etc.);

• das condições sociais encontradas em cada formação social específica (características histórico-estruturais de Desigualdade Social e intensidade das situações de exclusão e pobreza);

• bem como do tipo e da intensidade das políticas de ajuste (ortodoxia das políticas, gradualidade das medidas, etc.).

As mudanças provocadas pelo ajuste podem ser conjunturais e estruturais. Suas possibilidades de reversão são inversamente proporcionais à sua capacidade ou poder de destruição.

As propostas de ajuste econômico e estrutural se repetem de modo cansativo entre os países. O Brasil não foge à regra. As políticas de ajuste e estabilização econômica estão calcadas na âncora cambial – com sobrevalorização cambial; nos juros internos altos; nas medidas de liberalização financeira; na entrada de capitais especulativos de curto prazo; com riscos e desestabilização evidente na balança de pagamentos do país. A emissão de títulos da dívida pública trouxe, aliada à política de juros, um aumento incontrolável da dívida interna

Como país retardatário, no entanto, o Brasil já entrou na fase das chamadas “medidas corretivas” do ajuste preconizado pelo Consenso de Washington, combinando, assim, as já conhecidas políticas ortodoxas no campo econômico com propostas ditas de “reforma do Estado”, aliadas a programas de “alívio” para a pobreza, tratando de enquadrar-se (ao menos na retórica) no chamado “Ajuste com Rosto Humano” proposto por alguns organismos internacionais como o PNUD, ou na “humanização da globalização” conforme declaração recente de ex-diretor do FMI.

Como sempre, a distância entre os processos reais e a doutrina – esta última travestida de um discurso “preocupado com a pobreza” nesta nova etapa - foi ficando cada

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vez maior. O ajuste brasileiro tornou-se recessivo. Tal como alhures, houve queda nos salários, redução do emprego, informalidade nos negócios, evasão de impostos e diminuição da base de arrecadação tributária. O chamado ajuste fiscal permanente trouxe um enorme custo para o setor público, com corte de gastos essenciais e desequilíbrio patrimonial p e r m a n e n t e .

A combinação perversa entre a reestruturação recessiva da economia e do setor público; a geração de novas situações de exclusão social; e o agravamento das já precárias condições sociais daquela parcela da população já considerada “em situação de pobreza” , resulta naquilo que estamos chamando de custo social do ajuste no Brasil.

As conseqüências diretas do ajuste sobre a desigualdade social e a pobreza

O âmbito deste ensaio nos permite apenas introduzir o tema, evidentemente extenso e complexo, e que continua sendo nosso objeto de investigação. Neste sentido queremos aportar alguns elementos da discussão do agravamento da pobreza pós estabilização econômica - concretamente no caso brasileiro, após o Plano Real. Em extenso levantamento dos estudos sobre a pobreza no Brasil, constata-se que um grande número de autores afirma que a renda, de forma isolada, é fator insuficiente para mensurar a pobreza nas suas múltiplas dimensões. Nos estudos

que pretendam dar uma visão mais abrangente e completa da pobreza no Brasil, a tendência é a de incorporar na análise outras variáveis sociais, além da renda; construindo, ou não, indicadores sintéticos. Tendência essa, por sinal, observada também em alguns estudos internacionais que comparam as situações de desigualdade social e pobreza entre países.

Na mensuração da pobreza pela renda surgem, pelo menos, dois grandes problemas. O primeiro refere-se a que variável de renda utilizar. A maioria dos autores brasileiros têm adotado a renda familiar per capita como sendo aquela que levaria em conta todos os rendimentos dos membros da família, o tamanho da família e seu papel como unidade redistributiva da renda (Rocha, 1996a)

No entanto, esta variável é tida como estática. Fatores como a redução do tamanho das famílias brasileiras e a incorporação de um número crescente de membros da família no mercado de trabalho, contribuindo para o aumento da renda familiar, não são levados em conta. Escolhida a variável, o segundo problema refere-se à definição do valor da linha de pobreza que separa os pobres dos não-pobres. Esta linha de pobreza é o aspecto mais controvertido na mensuração da pobreza absoluta. Cada definição e metodologia produzirá um resultado diverso, mais ou menos otimista sobre a evolução da pobreza.

Estabelecido o valor dessa linha divisória, resta saber o que ela efetivamente representa em termos do que se considera hoje no Brasil “potencial de consumo” por parte dos pobres. Achar, por exemplo, que com um quarto, meio ou até um salário mínimo, mesmo em “tempos de estabilidade”, o pobre poderá atender suas “necessidades básicas no âmbito do consumo privado”é, no mínimo, de uma total frieza estatística e de um absoluto distanciamento da realidade. Em estudo que aponta para a melhoria da pobreza absoluta entre 1994 e 1996 nas seis principais regiões metropolitanas do país, Rocha (Rocha, 1996), baseia- se exclusivamente na renda. Os valores encontrados para a linha de pobreza – que segundo a autora (Rocha,op.cit.) refletem a estrutura de consumo da população de baixa renda em cada uma das regiões metropolitanas estudadas (não fica explicitado o que essa “estrutura de consumo” inclui) - não chegam, em nenhuma das regiões (nem em São Paulo,

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que apresenta o maior valor) a 100% do salário mínimo. Estes valores permitem, na melhor das hipóteses, adquirir uma cesta básica de alimentos. Isto, segundo a CEPAL, utilizando critérios comparativos entre países latino americanos, representa o valor da linha de indigência, que está abaixo da linha de pobreza. Esta incluiria, além do valor da cesta básica, o valor estimado para o atendimento de outras necessidades essenciais, como vestuário, habitação, transporte, educação, medicamentos, entre outros. Estes serviços básicos, com o corte dos investimentos públicos no período pós-plano Real, ficaram, em sua maioria, à mercê do “mercado” - sofrendo uma elevação real de preços – tornando piores, sobretudo para os mais pobres, suas condições de acesso.

Se optamos pelo critério de renda, além da mensuração da incidência da pobreza absoluta, torna-se necessário também avaliar quanto a insuficiência de renda - medida pela diferença entre a renda média dos pobres e a linha de pobreza - se altera no tempo. Cabe registrar que ela se amplia nos anos 90, significando que os pobres do “pós-Plano Real” ficaram ainda mais pobres, com uma renda familiar per capita média inferior ao período anterior, que já era bem baixa!

Se não se pode atribuir tais resultados exclusivamente ao Plano Real, pode- se afirmar que, em sua vigência, as políticas econômicas e sociais não foram (e continuam não sendo) capazes de reverter o quadro de pobreza e exclusão social. Pelo contrário, além de não reduzir a pobreza, gerou um sem número de novas formas de exclusão social, na medida em que agravou as condições de emprego e trabalho (informalização, diminuição dos salários e corte dos, já reduzidos, direitos sociais) e criou um desemprego cuja dimensão supera qualquer outra marca histórica já vista no Brasil.

O trabalho informal cresceu 62% na década. O último levantamento oficial a respeito nas seis principais Regiões Metropolitanas do país revela que o número de pessoas ocupadas sem carteira assinada cresceu 62% entre 1990 e 1999. Em São Paulo, esse crescimento foi de 81%! Esta tendência tende a agravar-se: entre as 217 mil pessoas que entraram no mercado de trabalho paulista no ano passado, 57% (ou 157.312) estão trabalhando sem carteira assinada. No Brasil praticamente todo o acréscimo de pessoas ocupadas no último ano ocorreu no mercado informal: das 433 mil pessoas que entraram no mercado de trabalho no período, 78% não assinaram carteira. Levando em consideração apenas as seis principais regiões metropolitanas, o levantamento do IBGE indica que existem 4,4 milhões de pessoas trabalhando sem carteira. Este número é ainda mais assustador quando são incluídos os 3,8 milhões de pessoas que, segundo a mesma pesquisa do IBGE, trabalham “por conta própria”. A grande maioria desses “autônomos” também está na informalidade.

Como um importante indicador da precarização das relações de trabalho, a informalidade se reflete na proporção daqueles que contribuem com a Previdência Social. A já historicamente baixa proporção de trabalhadores ativos contribuintes – pouco mais da metade – se reduz à menos da metade a partir de meados dos 90. A proporção de pessoas ocupadas com carteira assinada (ou seja, contribuintes da Previdência Social) diminuiu de 56,9% em 1990 para 44,5% em 1999, significando uma queda de 12,6% . Isto traz óbvias implicações para a já instável situação de financiamento da Seguridade Social no Brasil, situação essa que vem sendo justificativa para a Reforma da Previdência com corte linear nos benefícios sociais (Soares, 1999b)

Associado à crescente informalização está o desemprego, seguramente o custo social mais alto que se está pagando hoje pelo ajuste. A indiscriminada abertura comercial desta década, além de acelerar “o encolhimento relativo” dos empregados no setor formal,

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provocou enorme destruição de postos de trabalho na indústria – da ordem de 30 a 35% dos existentes em 1989 – o equivalente a pelo menos 1,5 milhões de empregos (Lessa et alli, 1997: p.72).

O desemprego aberto medido pelo IBGE no Brasil tem mantido a taxa média entre 7 e 8%, atingindo, em janeiro deste ano, 7,6%, a segunda maior taxa desde janeiro de 1984 (7,5%). Em algumas regiões metropolitanas, as taxas foram superiores, como em Salvador (Bahia) com 11,3%, e São Paulo com 8,2%. Ao contrário dos que afirmam que a ausência de qualificação é a causadora do desemprego no Brasil, pode-se comprovar que a dita reestruturação da economia brasileira redundou na demissão do trabalhador qualificado, adulto, homem, relativamente mais bem remunerado ainda que com menor escolaridade, resultando na contratação de jovens e mulheres, em ocupações de baixa qualificação. Os salários pagos nos novos “empregos” são inferiores aos que remuneravam os postos de trabalho perdidos, apesar da maior escolaridade dosque assumiram os novos postos vis-à-vis àquela dos que ocupavam os postos perdidos (Lessa et alli, 1997: p. 73).

Enquanto crescem a informalidade e o desemprego, cai o rendimento daqueles que ainda conseguem permanecer trabalhando. Dados do próprio IBGE indicam que a renda média dos trabalhadores brasileiros caiu 8% na década de 90, apresentando uma queda de 5,5% só no ano passado. São Paulo, antigo líder das mais altas taxas de crescimento econômico e renda, passou a liderar a maior redução - 7,6% - dos salários em 1999 entre as seis principais regiões metropolitanas do país. Não por acaso: as maiores quedas foram registradas na indústria (-10,1%). Em segundo lugar estão os trabalhadores por conta própria, com uma redução da sua renda de 9,9%, o que desmistifica o discurso que o governo federal e a mídia vem tratando de impor no Brasil de que a “saída” do trabalhador para aumentar sua renda seria trabalhar por conta própria. Outro mito derrubado é que na informalidade o trabalhador teria menos perdas de salário: em 1999, em São Paulo, não existiu praticamente diferença entre a queda de rendimento entre as pessoas ocupadas com carteira assinada (4,7%) daquelas sem carteira (4,1%).

Essa tendência à queda no rendimento dos trabalhadores, após um período de recuperação pós plano Real, é atribuída ao crescimento do desemprego. Segundo “avaliação geral” publicada na imprensa “é melhor ganhar menos que não ganhar nada”.

Para finalizar este ponto, retiramos da mesma imprensa uma comparação muito ilustrativa dos anos 90 vis à vis os anos 80, considerados como a “década perdida”: “os dados relativos ao rendimento médio divulgados ontem pelo IBGE contrastam com os números registrados no auge do Plano Cruzado, por exemplo. Em 1986, os trabalhadores de São Paulo tiveram um aumento de 33% nos rendimentos”.

O impacto do ajuste sobre a Política Social

Neste ponto estaremos abordando uma segunda dimensão do custo social provocado pelas políticas de ajuste: o seu impacto sobre a(s) Política(s) Social(is). A criação e/ou agravamento de situações sociais de exclusão, desigualdade e pobreza gera, do nosso ponto de vista, demandas sociais incompatíveis com as restrições impostas pelo ajuste às Políticas Sociais.

Em contraponto à uma enorme concentração do poder e da gestão do econômico – acorde com os tempos de “globalização” - vive-se hoje, no Brasil, uma crescente fragmentação da gestão do social – acorde com a pulverização daqueles que hoje demandam os serviços sociais, crescentemente destituídos de voz e poder de decisão sobre

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o seu destino. Aqui podemos levantar uma série de pontos para discussão a respeito da resolutividade dos chamados programas “alternativos” de combate à pobreza - focalizados e emergenciais - particularmente em países como o Brasil.

Cabe discutir se o que resta hoje como alternativa de política social seriam as ações específicas e focalizadas, o que chamarei aqui de “pequenas soluções ad hoc” ou “o reinado do minimalismo” (também conhecido, em tempos de globalização, como “small is beautiful”). Daí derivam várias perguntas. Seria o somatório dessas pequenas soluções ad h o c capaz de dar conta dos problemas sociais brasileiros, complexos e de grandes dimensões? Como articular a multiplicidade de ações e de pequenos programas em uma Política Social, ou seja, em algo que se constitua de forma orgânica e abrangente, ou isto já estaria completamente fora de possibilidades ou “fora de moda”?

Esses pequenos e pulverizados programas quase sempre são associados a uma estratégia mais geral - chamada de Descentralização - que é a da total responsabilização dos Municípios pela implementação de Políticas Sociais. No caso brasileiro (e eu diria em boa parte dos países latinoamericanos) venho denominando esse processo de Descentralização Destrutiva: de um lado se tem o desmonte de Políticas Sociais existentes - sobretudo aquelas de âmbito nacional - sem deixar nada em substituição; e de outro se delega aos Municípios as competências sem os recursos correspondentes e/ou necessários. Em todos os âmbitos da Política Social – Saúde, Educação, Saneamento Básico – onde essa estratégia de descentralização foi acompanhada por um desmonte, o resultado foi um agravamento da iniqüidade na distribuição e oferta de serviços. Os municípios que lograram manter uma boa qualidade de serviços básicos sociais, estão tendo, como “prêmio”, a invasão de populações vizinhas onde isso não acontece.

Essa política gerou, ainda, um profundo desequilíbrio na já complicada federação brasileira, retirando dos estados, enquanto entes federativos de maior porte, as possibilidades (financeiras, técnicas e políticas) de planejar e coordenar os programas sociais de forma regional e mais eqüitativa. Baixo os argumentos de que o cidadão vive no “município” e de que o controle e a participação social se realizariam plenamente se os serviços fossem geridos pelo “poder local”, a descentralização de programas sociais tem provocado um enorme reforço do “caciquismo” ou do “coronelismo” local, expressões que no Brasil significam o reforço de esquemas tradicionais de poder das elites locais. É só observar como se dá a distribuição de cestas de alimentação nos municípios, onde proliferam todas as formas de clientelismo político e de dominação social. Essa distribuição pulverizada de alimentos é o “carro chefe” do P ro g r a m a Comunidade Solidária, hoje considerado a “Política Social” de âmbito federal no Brasil. Este programa é liderado pela primeira dama do país, na melhor tradição dos programas filantrópicos, em mais uma demonstração da “modernidade” neoliberal. .

Tem ficado cada vez mais evidente a ausência de resolutividade/efetividade dessa modalidade de programas focalizados e ad hoc, sobretudo em regiões metropolitanas e/ou em grandes espaços urbanos, unidades espaciais e sociais de natureza muito mais complexa, onde se concentra hoje grande parcela da população brasileira. As periferias urbano-metropolitanas, locais de grande concentração de pobres (concentração espacial esta que dispensa qualquer tipo de estratégia focalizada, bem ao gosto neoliberal), demandam uma intervenção de natureza mais abrangente, com a coordenação de todos os vetores da política pública, extrapolando os limites e possibilidades dos governos locais / municipais – sobretudo nessas localidades de baixo potencial de arrecadação e de reduzida capacidade de intervenção. Note-se que essa já reduzida capacidade ficou ainda mais limitada com a

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crise financeira dos governos locais. Em 1999 as Prefeituras nordestinas no Brasil fizeram uma “greve”, num movimento de paralisação explícita que denunciava sua absoluta incapacidade de dar resposta aos mais elementares problemas de suas cidades.

As inovações introduzidas pelas organizações não governamentais e níveis locais de governo, na formulação e gestão descentralizada e participativa de programas sociais, embora em casos isolados consigam alguma sinergia, não têm escala para substituir os Governos Central (Federal) e Regional (Estadual) naquilo que é sua principal missão no campo da política social: criar uma dimensão de homogeneidade no enorme espaço de desigualdades sociais no território nacional.

Os ajustes sobre as Políticas Sociais no Brasil provocaram, ainda, Reformas Administrativas em áreas do Setor Público – chamadas, por seus mentores, de “Modernização do Setor Público” ou de “Reformas do Estado”. Estas mal chamadas re f o r m a s (ver Dain e Soares, 1998: pp.31-72) quase sempre se restringem a cortes quantitativos e lineares do funcionalismo público e a alterações nos mecanismos de gestão dos serviços públicos, o que vem provocando modificações importantes no caráter público dos serviços sociais - com a sua concomitante privatização e/ou mercantilização (introdução da lógica privada nos serviços públicos, com privilégio da racionalidade da eficiência restrita ao custo/benefício das ações). O que é alegado como motivo para a privatização tem sido o próprio “sucateamento” dos serviços públicos, o que vem causando uma restrição importante no acesso - sem falar na perda de qualidade dos mesmos.

Têm ocorrido alterações na cobertura, na universalidade e na eqüidade de importantes políticas no âmbito da Seguridade Social brasileira, a qual ainda possui a maior cobertura, tanto urbana como rural, da América Latina, bem como o único sistema público de saúde com acesso universal para os não segurados. Além disso, o sistema previdenciário brasileiro incorpora, desde a sua conformação, um corpo de benefícios sociais de natureza assistencial muito importante para uma parcela relevante da população brasileira não segurada. É o caso da proteção social dirigida à velhice, alternativa para diminuir a precariedade da inserção deste segmento da população através da incorporação nos chamados circuitos da cidadania materializados em direitos sociais. Estes circuitos são absolutamente essenciais em países como o nosso, já que deles depende o segmento da população que não tem outras alternativas de incorporação. Dessa forma, a Previdência (ainda) representa uma poderosa política social para amplos e desfavorecidos setores no Brasil. Em inúmeras cidades de pequeno e médio porte, os benefícios previdenciários, sobretudo as aposentadorias, se constituem hoje na única e/ou principal fonte de renda das famílias de baixa renda.

A principal ofensiva no âmbito das reformas dirigidas a esse importante conjunto de políticas sociais foi, até agora, a Reforma da Previdência Social proposta pelo governo federal e ainda em curso no Congresso Nacional. Ao analisar-se a Reforma no marco proposto pelos Org a n i s m o s Internacionais para as Reformas da Seguridade Social na América Latina, o Brasil, de um ponto de vista bem geral, estaria adotando um sistema misto, mantendo uma Previdência Pública Básica e abrindo espaço para uma Previdência Complementar predominantemente privada. A aplicação mecânica desses modelos, no entanto, na maioria dos casos não leva em consideração nem a evolução histórica nem a composição estrutural de cada sistema de seguridade social, desrespeitando, portanto, as especificidades de cada país. O caso brasileiro não foge a essa regra.

O modelo misto proposto na Reforma, no entanto, aparentemente tão claro e tão lógico, na complexa realidade brasileira reveste-se de múltiplas interrogações e

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indefinições, além de, obviamente, muitos e poderosos interesses em jogo. Não é à toa que o processo de reforma já leva praticamente sete anos e ainda não consegue completar-se.

As principais questões que estão postas e que constituem pontos problemáticos nessa Reforma seriam (Soares,1999 a: p.61):

• O tamanho da Previdência Pública: qual será a abrangência da previdência estatal e sua cobertura. Se mantidos os atuais tetos (de contribuição e de benefícios) em dez (10) salários mínimos, a cobertura se manteria mais ou menos como está hoje, ou seja, com uma abrangência ainda relevante dada a distribuição salarial da população empregada, mas sem cumprir um papel redistributivo na medida em que apenas reproduz a atual estrutura salarial.

Caso esses tetos sejam rebaixados, a Previdência Pública se tornaria excludente, ao reduzir sua cobertura e excluindo parcela importante da população assalariada, jogando-a nos braços da Previdência Complementar Privada. Note-se que hoje a classe média possui cada vez menos condições de pagar por um seguro privado, como já se verifica nos Seguros-Saúde privados.

• Qual seria o preço pago pela Sociedade, em termos de subsídios e incentivos fiscais, para financiar a expansão da Previdência Complementar Privada.

• A existência de uma baixa taxa de contribuição para a Previdência: hoje, menos da metade da população ocupada no Brasil contribui para a Previdência, o que tende a agravar-se com o aumento da informalidade e o desemprego (conforme o já demonstrado acima).

• O problema anterior associa-se à grave, e não resolvida na Reforma, questão do Financiamento: dadas as tendências apontadas de aumento da informalidade e do desemprego, não se pode manter a folha de salários como base quase exclusiva do financiamento da Previdência. O princípio da multiplicidade e diversidade de fontes, combinando recursos contributivos com recursos fiscais, já apontado na Constituição de 1988, não está previsto na atual Reforma.

• O corte de benefícios, além de não resolver esse problema estrutural do Financiamento, traz conseqüências sociais graves, sobretudo em momentos de crise e de recessão. Os limites já impostos às aposentadorias na atual Reforma são exemplos disso. Lamentavelmente todas essas questões não estão encontrando nem canais de expressão nem foros de debate políticos eficazes, na medida em que o Congresso, principal locus de discussão e decisão (formal) em torno da Reforma, encontra- se totalmente controlado e manipulado pelo Executivo e eivado pelos interesses da Previdência Privada.

Outras modificações importantes e decisivas no desmonte das Políticas Sociais são aquelas que dizem respeito ao financiamento geral das mesmas. À redução da arrecadação e aos cortes lineares do gasto público social se associam estratégias do tipo Fundo Social (antigamente denominados de Emerg ê n c i a), mais recentemente abandonadas no Brasil e transformadas naquilo que, aliás, era o seu principal objetivo: o denominado Fundo de Estabilização, que atualmente fica com 20% de todos os recursos previstos nos orçamentos dos ministérios do governo federal, inclusive os sociais, sem nenhum tipo de vinculação, dando uma total margem de liberdade aos executores da política econômica para fazer uso desse recurso como bem lhes aprouver (ou melhor, para atender às metas do FMI).

Também neste aspecto existe uma associação perversa entre critérios nacionais (determinados pelas metas do ajuste fiscal) para cortes lineares de recursos públicos (mais uma vez a “globalização” do econômico) e a pulverização dos mesmos, através da

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descentralização focalizada de serviços e benefícios sociais. Isto traz graves conseqüências para a eqüidade na distribuição desses recursos destinados “ao social”, além de abolir totalmente a sua visibilidade quanto ao seu montante, suas fontes e seus destinos.

Aqui cabe a discussão, a meu ver central, sobre as possibilidades de elevar o patamar do gasto social para dar conta de políticas sociais universais, redistributivas, eqüitativas. Em inúmeros trabalhos, a Profa. Sulamis Dain comprova que no Brasil, nos anos 90, não se configurou uma situação de normalidade para a Seguridade Social (portadora do maior volume de recursos na área social) que garantisse a apropriação plena das receitas de contribuições instituídas pela Constituição de 1988 para as finalidades previstas no apoio à cidadania social. Ou seja, a tão propalada crise de financiamento de uma Seguridade Social que nunca chegou a se constituir plenamente, poderia ter sido muito atenuada se, ao contrário do que afirma o governo federal, a alocação dos recursos vinculados às suas principais políticas – Saúde, Previdência e

Assistência Social – tivesse respeitado sua destinação constitucional (ver, entre outros, Lessa et alli.,1997: pp. 71-72).

A título de conclusão: modernização das Políticas Sociais ou retrocesso?

Segundo a concepção neoliberal de política social, o bem-estar social pertence ao âmbito do privado. Esta concepção aplicada de maneira “global” tem trazido, entre todas as conseqüências já vistas, uma “volta ao passado”. Se concordamos com J.K. Galbraith que o Estado de Bem-Estar Social se constitui numa das mais importantes invenções dos Tempos Modernos, estamos vivendo um enorme retrocesso histórico. Mesmo em nosso país, onde jamais fomos capazes de construir um efetivo Estado de Bem Estar Social, ao invés de evoluirmos para um conceito de Política Social como constitutiva do direito de cidadania, retrocedemos à uma concepção focalista, emergencial e parcial, onde a população pobre tem que dar conta dos seus próprios problemas. Esta concepção vem devidamente encoberta por nomes supostamente “modernos” como “participação comunitária”, “auto-gestão”, “solidariedade”, onde a solução dos problemas dos pobres se resume ao “mutirão”.

O processo de retração estatal e concomitante privatização das políticas sociais no Brasil e na América Latina - com a introdução de cobranças “seletivas” para determinados serviços básicos essenciais, como a assistência médica – tem levado à dualidade no acesso a esses serviços, criando um setor público para pobres, sem recursos e cada vez mais desfinanciado; e, de forma “complementar”, um setor privado (representado hoje por empresas e conglomerados financeiros de seguro) para quem pode pagar e, o que é mais grave, cada vez mais subsidiado com recursos públicos.

Este processo - causado por políticas deliberadas de ajuste e não por uma “fatalidade global”- é um dos principais mecanismos geradores de exclusão hoje no Brasil e na América Latina, trazendo conseqüências muitas vezes fatais para aqueles que dependem, cada vez mais, do setor público para sua sobrevivência.

Para finalizar, quero enfatizar o entendimento do papel primordial da Política Social no combate a essa exclusão. Trata-se de resgatar um conceito mais amplo de Política Social no âmbito das Políticas Públicas, que não se limite às concepções setoriais; ao minimalismo das práticas locais “bem-sucedidas”; ao reducionismo econômico e, sobretudo, que não se submeta a uma supostamente necessária cronologia estabilização - crescimento econômico - redistribuição.

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Somente uma concepção estratégica de políticas econômicas e sociais mais integradas, seria capaz de abrir espaço para que o gasto social pudesse acentuar sua natureza redistributiva, na sua dupla dimensão de direito da cidadania e de incorporação dos “não incorporados”, através de políticas universais de maior significado transformador, como Educação e Seguridade Social.

Dar as costas a essa temática mais abrangente e definir a política social como um “nicho incômodo” não é mais do que projetar para o futuro a reprodução ampliada da pobreza, da desigualdade e da exclusão, típicas do “Brasil Real” de hoje.

A Formação que temos e a que queremos: um olhar sobre os discursos20

Osvaldo Peralta Bonetti21

Maria Henriqueta Luce Kruse22

Resumo

O estudo procura aprofundar o conhecimento sobre as ações e políticas construídas para garantir a formação dos profissionais que trabalham nos serviços do Sistema Único de Saúde, considerando a relação direta e intrínseca entre a formação e a qualidade final do mesmo. Dividida em três eixos, aqui denominados de vozes, buscamos identificar através dos discursos do controle social da área da saúde, da gestão do sistema e da formação, representada pelas escolas de enfermagem, quais são as críticas e proposições referentes à formação de profissionais para o SUS. O texto aborda os termos utilizados no contexto do ensino profissional, assim como a reflexão crítica sobre as novas tendências e paradigmas que estão em pauta nos debates e discussões atuais.

1. INTRODUÇÃO

Um currículo é um recorte dos conhecimentos desejáveis para a formação e, como tal, possui uma determinada ordem. Nesta, estão em luta visões de mundo e a possibilidade de produção de representações, narrativas, significados sobre coisas e seres do mundo1. Assim, o currículo não deve prestar-se apenas a formação profissional mas precisa instigar e ampliar a visão de mundo, aperfeiçoando os acadêmicos e acadêmicas em sua condição

20 Trabalho de conclusão de curso apresentado à disciplina Estágio Curricular da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EEUFRGS).

21 Enfermeiro graduado pela EEUFRGS.22 Enfermeira. Doutora em Educação. Professora Adjunta da EEUFRGS.

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de cidadãos e cidadãs. Observamos que a formação de enfermeiras e enfermeiros no Brasil apresenta grande diversidade, principalmente se temos como foco os currículos das escolas de enfermagem. Este é um fato preocupante pois, embora não seja desejável a existência de um currículo padronizado, esta discrepância não oferece a garantia da qualidade que desejamos.

A cidadania pressupõe a ciência de deveres e direitos. No Brasil, a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantida no artigo no 196 da Constituição Federal de 1998 e, também, em outros artigos de leis complementares como a de no 8080 de 1990. As deliberações do Estado intervêm na lógica da formação, possibilitando a superação do modelo hegemônico político pedagógico vigente. Sendo assim, as universidades públicas, influenciadas pelo Estado, devem participar articuladamente na construção de políticas que visem a reordenação da formação dos profissionais de saúde, a fim de efetivar seu comprometimento social, afirmação que também encontra amparo na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB - RH/SUS). Neste contexto, é necessário que se implemente um sistema público de saúde comprometido e condizente com as demandas sociais sendo, portanto, necessária a formação de profissionais capazes de atuar neste sistema.

O Sistema Único de Saúde (SUS) possui uma natureza ideológica de extrema simplicidade, embasada em princípios de igualdade e cidadania. Porém, para seu pleno funcionamento, necessita de uma complexa rede de articulações e pactuações. Um dos possíveis entraves parece ser a dificuldade dos profissionais inseridos no SUS em conduzi-lo, tanto no aspecto administrativo, quanto no assistencial. Para minimizar este problema deve haver um redirecionamento dos aparelhos formadores em saúde, no sentido do fortalecimento do SUS, ou seja, a revisão das estruturas curriculares, para que sejam enriquecidas com o debate relativo à política, legislação e trabalho no SUS, bem como, através da articulação dos aparelhos formadores com os segmentos do controle social do SUS2.

Vivemos hoje numa sociedade na qual o capital financeiro é quem dita as regras a serem seguidas, quais as necessidades de trabalho e sua forma de organização. Esta é a lógica de algumas instituições de ensino, cedendo principalmente às necessidades do mercado quando articulam suas diretrizes e tendências na formação. Discordamos da visão corrente de que o mercado resolverá os problemas na formação acadêmica, pois quem deve se apropriar de tal tarefa é o Estado, cumprindo com o seu papel de responsável pela estruturação, regulação, controle e ajustes na política de recursos humanos para a saúde3.

Este trabalho tem por objetivo analisar os discursos referentes à reforma dos currículos na área da saúde e suas implicações na formação de profissionais de enfermagem capazes de atuar no Sistema Único de Saúde. Os materiais analisados são textos, documentos e artigos, aqui vistos como discursos autorizados sobre o assunto, já que partem de pesquisadores, universidades e principalmente do governo. Esses discursos mostram-se produtores de realidade em determinadas condições históricas. Partindo dessa premissa, não é o sentido per si que buscamos neles, mas sim a função que lhes é atribuída e os efeitos de verdade que produzem4.

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2. QUESTÕES E MÉTODO

Com o objetivo de conhecer os discursos autorizados sobre a formação em enfermagem, especificamente sobre a formação para o Sistema Único de Saúde, buscou-se identificar as vozes que se cruzam e quais as temáticas recorrentes em relação ao assunto. Este trabalho tem como propósito principal fomentar discussões sobre a necessidade do reordenamento da formação de recursos humanos para o SUS. Também pretende auxiliar as representações discentes a ampliarem seus debates acerca do assunto, instigando a reflexão de acadêmicos/as acerca de sua formação, no sentido de avaliar o comprometimento social dos mesmos, possibilitando uma mudança nos seus modos de agir.

O estudo consiste em uma pesquisa bibliográfica5, a qual é desenvolvida através de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Nesta revisão de literatura foram utilizados textos publicados em periódicos, anais de congressos, documentos governamentais, projetos da área de educação, artigos de revistas, teses, dissertações e livros. Documentos oriundos de pesquisa on-line em sites de entidades, universidades e bases de dados como BDENF, LILACS e Medline, também foram considerados.

A análise consistiu nos seguintes passos5: leitura exploratória; leitura seletiva; leitura analítica e, por fim, a leitura interpretativa. Posteriormente, fez-se a tomada de apontamentos, anotando as idéias principais e os dados importantes em relação aos objetivos da pesquisa, como o registro dos conteúdos das obras e comentários acerca das mesmas, com base no referencial teórico.

3. VOZES QUE SE CRUZAM

Durante o período mais repressivo da ditadura militar, enquanto as classes populares e seus representantes eram silenciados pelo regime, desenvolveu-se um pensamento transformador na área da saúde. Desta forma, a modificação no pensamento médico-social, mesmo com as vozes silenciadas, já existia, eclodindo com a organização dos movimentos sociais. Assim o movimento sanitário encontra seu referencial nas classes trabalhadoras e populares6.

Partindo desta referência, este trabalho é dedicado a todas as “vozes”, que influenciaram ou protagonizaram estes discursos que são, por hora, utilizados neste trabalho. Elas reivindicam e lutam pela efetivação de uma saúde pública preservadora dos direitos sociais dos brasileiros.

3.1 Vozes do Controle Social

Iniciamos a análise pelas vozes do controle social, provenientes das Conferências Nacionais de Saúde (CNS). Estas Conferências têm sido um espaço de reflexão e

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proposição coletiva, na qual estão representados todos os segmentos e agentes envolvidos no processo formativo, dentre estes, os usuários do SUS, constituindo-se nos principais implicados na qualidade da política de formação de recursos humanos, já que a formação se reflete fortemente na qualidade da assistência prestada.

O tema Recursos Humanos permeia as discussões desde antes da 8a Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em 1986, na qual se efetivou a criação do SUS, cujo tema foi a “Reformulação do Sistema Nacional de Saúde”. Mesmo assim, iniciamos nossa análise a partir desta Conferência pela sua significância histórica. Desde então, tem sido apontada a necessidade de readequar o processo formativo aos princípios do Movimento da Reforma Sanitária, tais como a integralidade, a universalidade, a hierarquização e a resolutividade das ações de saúde. Para tanto, é necessário integrar a formação de recursos humanos aos serviços de saúde respeitando sua regionalização e hierarquização, como também a inclusão de práticas alternativas nos currículos das escolas e a necessidade de integração entre hospitais universitários e o SUS7.

O Movimento da Reforma Sanitária surgiu nos anos 70, primeiramente no meio universitário, com posterior adesão de técnicos, especialistas e pensadores. Ao longo do tempo, passou pelas experiências da medicina comunitária, pelos movimentos populares e avançou no movimento municipalista. Seu principal objetivo era se contrapor à ditadura, por entendê-la incompatível com as propostas de saúde coletiva preconizadas pelo movimento. Já na década de 80, em seus encontros, esse inconformismo era expresso na denúncia da crise do setor saúde, que se encontrava fortemente marcado pela privatização da assistência e compra de serviços, verticalização e centralização administrativa, exclusivista ou classista, pois apenas tinham acesso os trabalhadores que contribuíam com a Previdência Social. Dos seus ideais e lutas nasceu o Sistema Único de Saúde.

A 1a Conferência Nacional de Recursos Humanos, ocorrida em 1986, foi organizada para permitir o debate do tema central: “Políticas de Recursos Humanos Rumo à Reforma Sanitária”. Percebe-se que desde aquele momento a formação na área da saúde vinha sendo elaborada, inclusive com algumas críticas que se conservam até hoje, como a necessidade de uma articulação mais estreita entre as instituições que prestam serviços e aquelas que formam pessoal de saúde8.

Nos discursos que constam do relatório desta conferência, nota-se que os diagnósticos sobre a formação de recursos humanos apresentaram muitos avanços, porém as proposições enfatizavam a capacitação e treinamento de ingresso no Sistema através de programas de especialização e pós-graduação. Pensa-se que o Movimento da Reforma Sanitária acreditava que as mudanças no ensino superior seriam decorrentes da mudança nos modelos de atenção e no mercado de trabalho, inerentes às transformações que ocorreriam no processo de democratização da área. No entanto, existiam entraves que dificultavam as mudanças, como o grande distanciamento entre os currículos e o novo conceito de saúde que se desenhava, acrescido das características das estruturas hierárquicas das universidades que não tinham e não têm a flexibilidade necessária para facilitar estas mudanças. Assim, mesmo sinalizando a necessidade de alterações nas propostas de mudança na formação, os cursos de graduação não eram percebidos como passíveis de habilitar profissionais para atuarem no SUS. A valorização da formação para o trabalho em equipe já era bastante enfatizada.

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O saber na área da saúde é, por natureza, fragmentado em vários saberes, sendo que cada profissional detém apenas a área específica de sua formação para a atenção em saúde. A divisão social do trabalho faz com que haja a repetição de tarefas em determinados níveis de complexidade, hierarquizando os profissionais. Essa divisão do conhecimento científico e a hierarquização dos profissionais refletem no resultado final do trabalho. Um dos efeitos que ela produz é a precarização do saber sobre saúde que a população detém8.

Ainda na 1º Conferência de Formação de Recursos Humanos encontra-se uma análise do Programa de Integração Docente-Assistencial (IDA). Este programa mobilizou as universidades na década de 80. Estas identificaram como um problema a alienação da escola em relação à realidade social da população, a divergência entre a estrutura autoritária das escolas e as propostas do SUS e a desarticulação intra e interinstitucionais na relação serviços/escolas. As propostas para superar tais entraves foram: a participação ou inclusão dos espaços de ensino-aprendizagem nas comissões interinstitucionais de saúde em seus diversos níveis, no controle social e na pactuação do SUS; a co-responsabilização dos serviços pela produção do ensino e da pesquisa; a inclusão dos hospitais de ensino no SUS; a democratização das estruturas de escolas e serviços e uma reforma curricular que contemplasse a inclusão de novas práticas pedagógicas. No relatório, está expressa também a necessidade de se realizar “práticas extra muros” para reforçar as ações de prevenção, tornando visível a necessidade de integração entre Hospitais de Ensino/Centros de Saúde/Distritos – Escolas.

Em 1992, em meio à conjuntura caótica por que passava o sistema público de saúde, decorrente das políticas do governo Collor, acontece a 9a Conferência Nacional de Saúde, cujo temário foi "Municipalização é o Caminho". Nesta, foi destacada a necessidade de assegurar uma política de formação e capacitação de recursos humanos, construída de forma articulada com os órgãos formadores, considerando os quadros nosológicos e epidemiológicos de cada região. Mais enfaticamente se defendia a reformulação dos currículos das carreiras da área da saúde para que se adequassem às realidades sócio-epidemiológicas e características étnico-culturais das populações, especialmente a indígena. Paralelamente à reivindicada inserção da Universidade no SUS, assegurava-se a necessidade de mecanismos de avaliação contínua do ensino em saúde. A inclusão da fitoterapia nos currículos é destacada reforçando a necessidade de terapias alternativas ou complementares na formação, uma antiga reivindicação. Atrelada à exigência da imediata regulamentação do artigo 200, inciso III, da Constituição Federal que atribui ao SUS a tarefa de “ordenar a formação dos RH”, é destacada a importância da garantia de recursos orçamentários para a educação dos profissionais de saúde, bem como a importância da criação de núcleos de desenvolvimento de trabalhadores junto à gestão de recursos humanos. Ainda sobre as políticas de recursos humanos, a 9a CNS, em 1993 e a II Conferência Nacional de Recursos Humanos, tem como tema “Os Desafios Éticos Presentes na Atualidade Histórica da Sociedade Brasileira”. Nesta Conferência foi produzido um denso documento sobre o tema, que fazia um alerta detalhado e preciso sobre os riscos da falta de uma política de recursos humanos para o SUS.

“Onde dá SUS, dá certo”! Esta era a chamada da 10a CNS7. Nesta, houve deliberações quanto à formação e desenvolvimento de recursos humanos em Saúde. Houve a exigência de que o Ministério da Saúde apresentasse, após ampla discussão com as

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entidades representativas da área, um Plano de Ordenamento da Capacitação, Formação, Educação Continuada e Reciclagem de Recursos Humanos em Saúde, para deliberação pelo Conselho Nacional de Saúde. Este plano deveria ser articulado nacionalmente, inclusive com previsão de repasses financeiros específicos para essas atividades, sendo baseado nos seguintes princípios: criação de Comissões Permanentes para integração entre os Conselhos de Saúde, os serviços de saúde e as Instituições de Ensino Fundamental e Superior, para deliberar sobre a capacitação, formação, educação continuada e reciclagem dos Recursos Humanos em Saúde, a partir da ótica do SUS; estímulo à utilização das unidades e serviços do SUS como espaço prioritário para a formação de trabalhadores em saúde (sistema de saúde-escola), com a supervisão das unidades de ensino e de serviço, garantindo um intercâmbio qualificado entre essas instituições e a formação de profissionais com perfil mais compatível com o SUS9.

Nesta 10a Conferência é reforçada a exigência da revisão dos currículos mínimos dos cursos de nível superior da área da saúde, com a participação dos gestores do SUS e Conselhos de Saúde, adequando-os às realidades locais e regionais, aos avanços tecnológicos, às necessidades epidemiológicas e às demandas quantitativas e qualitativas do Sistema Único de Saúde. Também se deliberou o apoio, participação e valorização de projetos de avaliação do ensino como os da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Médico e da Rede Unida, por parte dos Gestores do SUS e os órgãos de fomento à pesquisa. A reivindicação da integração ensino-serviço reaparece qualificada pela inclusão da comunidade, na construção da política de recursos humanos.

Os participantes da 11a CNS10 entenderam que a formação dos trabalhadores da saúde não se orientava pelas necessidades sociais em saúde. Em seu relatório final, dentre as críticas apontadas ao processo de formação, aparece a supervalorização das tecnologias e da especialização, os quais não atendem ao perfil demandado pelo SUS, pois não garantem acesso universal, qualidade e humanização da atenção com controle social. Afirmam que há uma deficiência técnica e ética no preparo para a humanização, existindo um estímulo ao “diagnóstico armado” ou pré-estabelecido, em detrimento da avaliação clínica, dando origem a um enorme número de exames subsidiários, agravando a busca e a espera pela assistência.

Ainda no relatório da 11a CNS encontra-se referência ao distanciamento entre os organismos de gestão e de participação social das instituições que propunham as políticas educacionais (Ministério da Educação, Universidades, Sociedades de Especialista). Também é destacada a inobservância da intersetorialidade na formulação e implementação das políticas públicas que regem as reformas curriculares entre Ministério da Saúde e da Educação, principalmente em relação à implementação destas nas universidades privadas. O relatório evidencia ainda a ausência do saber acadêmico na construção e na formação dos profissionais para atuarem nos modelos de gestão do SUS, o que é refletido em ações sem planejamento e em conflitos internos nas equipes de saúde10.

Dentre as propostas encontramos a construção de um debate “articulado e articulador” de gestores, conselheiros, trabalhadores e formadores de RH para implementar a NOB-RH/SUS e aperfeiçoá-la, assim como introduzir o conceito de equipe multiprofissional, segundo as necessidades sociais em saúde10. Nota-se também a necessidade de interdisciplinaridade no processo de trabalho das equipes de saúde e nos processos de formação, porém surgem conceitos corporativos, tais como, profissionais não-

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médicos. Defende-se que o Ministério da Saúde efetive os protocolos de ações de saúde, o que determina a necessidade da inclusão de conhecimentos sobre estes assuntos durante a formação. Reivindica-se uma canalização de recursos financeiros para a formação dos recursos humanos para o SUS, definindo o perfil profissional apropriado a partir de necessidades concretas locais10. Salienta-se, ainda, a necessidade de redirecionar o papel dos aparelhos formadores em saúde (universidades e escolas técnicas) no fortalecimento do SUS e a revisão das estruturas curriculares para que se enriqueçam pelo debate da política, legislação e trabalho no SUS10. Em relação ao papel das universidades, foi reivindicado na 11a CNS o cumprimento da deliberação da 10a CNS, exigindo a revisão imediata dos currículos mínimos dos cursos de nível superior com a participação dos gestores do SUS e Conselhos de Saúde, visando à adequação das realidades locais e regionais, aos avanços tecnológicos, às demandas quantitativas e qualitativas do SUS e a implementação das novas diretrizes curriculares para o ensino médio e superior. Isto possibilitou a formação de profissionais de saúde de acordo com as políticas propostas pelo SUS, incluindo a saúde coletiva na pauta das discussões7, o que possibilitou uma articulação entre as instituições formadoras, gestores e controle social, por meio da horizontalização e democratização da gestão das escolas, para buscar a resolução dos problemas de saúde de cada região e do país como um todo, com e para a sociedade, como ocorre, por exemplo, na extensão universitária7.

Estabeleceu-se a ressalva de que os órgãos formadores em saúde deveriam ter seus papéis revistos para que se enriqueçam com o debate das políticas de saúde, da legislação e do trabalho no SUS. A articulação do controle social com os órgãos formadores e a realidade do SUS foi proposta mais uma vez, sendo enfatizada a importância do reordenamento dos currículos de formação na área da saúde.

Quanto à formação na área da saúde destaca-se a importância de estabelecer regras nacionais de articulação entre o MEC, as Sociedades de Especialistas e o CNS e passar ao SUS a decisão sobre especialidades a serem criadas ou extintas, bem como a regulamentação da diversificação dos papéis das profissões de saúde e das oportunidades formativas nos ambientes de trabalho da saúde 10. Com o objetivo de orientar a formação de profissionais, a regulação e o papel das universidades, os Conselhos de Saúde e de Educação deveriam criar critérios rígidos que regulassem a criação de novas instituições formadoras, a abertura de cursos e a ampliação de vagas na área de saúde e, dentre eles, fosse considerada a necessidade social de cada região, em cumprimento à Lei nº 8.080/90. Também foi recomendada a participação da comunidade nos Conselhos Superiores das Universidades como forma de contribuir, acompanhar e fiscalizar a formação dos profissionais de acordo com as necessidades sociais da população10.

Paralelamente às Conferências, o Conselho Nacional de Saúde organizou oficinas e seminários descentralizados a fim de sistematizar e aprofundar as discussões acerca da política de recursos humanos. Deste trabalho resultou a elaboração dos “Princípios e Diretrizes para uma Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para o SUS”, que se constitui em um material propositivo de ações e normas estabelecedoras de um maior comprometimento dos gestores federal, estadual e municipal, estabelecendo como necessidade que o modelo de educação permanente seja baseado nas atribuições e competências dos trabalhadores do SUS e para equipes de trabalhadores, para tornar possível a implementação do SUS em novos modelos assistenciais e de gestão10.

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A 12a CNS, cujo relatório final não foi finalizado, desenvolveu o tema “O Trabalho na Saúde”, destacando que as mudanças no mundo do trabalho, ocasionadas pelo processo de globalização e pela incorporação de novas tecnologias, acarretariam no desafio de implantar uma política que reduza a precarização nas relações de trabalho no setor de saúde, possibilitando mais investimentos na capacitação e educação continuada dos profissionais e melhores resultados dessas ações, regulando a formação em todos os níveis para adequá-la às necessidades do sistema de saúde11.

Cabe destacar que a afirmação de que há um grave descompasso entre a formação acadêmica e a realidade social do País tem sido freqüente nos relatórios das Conferências. Do mesmo modo, a reivindicação da efetivação do artigo 200 da Constituição Federal, que coloca sob responsabilidade do SUS ordenar a formação dos recursos humanos para a saúde, foi expressa em todas as Conferências. Também é oportuno esclarecer que a análise focaliza-se nos eixos referentes à formação contidos nos relatórios, porém explicita-se que estas reivindicações se deram por uma política de recursos humanos no seu sentido mais amplo, que reformasse a própria gestão dos Recursos Humanos da saúde, pois para a efetiva implementação do SUS, faz-se necessário o tratamento ordenado de sua força de trabalho10.

Por fim, analisando os discursos das vozes do controle social não se encontram as falas da população assistida por estes serviços. As falas relatadas são marcadas por vozes da academia ou dos serviços. Esta observação leva a questionar se estas vozes não se manifestam somente no que se refere aos recursos humanos ou se os relatórios que tanto as defendem não dão espaço para suas expressões em seus modos de ser e agir.

3.2 Vozes da Gestão

A legislação que rege o Sistema Educacional Brasileiro é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), instituída pela Lei N.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. A LDB promove a descentralização e a autonomia das escolas e universidades, além de instituir um processo regular de avaliação do ensino. Para garantir as especificidades de cada curso na construção das Diretrizes Curriculares, são estabelecidos um conjunto de orientações, pareceres e resoluções.

Até o ano de 1999, o Conselho Nacional de Educação (CNE) estabelecia os currículos mínimos dos cursos de graduação com validade nacional, devendo as instituições observar rigorosamente suas disposições, quando da elaboração de seus currículos plenos. Esta política de formação pretendia produzir um profissional “estandardizado” (padronizado) para se adaptar ao mercado de trabalho especializado, o qual seria ditado pelas relações competitivas características do capitalismo, propondo um profissional mais adaptado às necessidades regionais, respeitando as vocações institucionais e locais12.

No Parecer no 776/97, intitulado “Orientações para as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação” (DCN) observamos a crítica ao modelo dos currículos mínimos, que, segundo este documento, caracterizam-se por uma excessiva rigidez, ferindo a liberdade concedida às Instituições de Ensino Superior pela LDB em relação à elaboração de seus currículos. Avalia, ainda, que esta uniformização trouxe um certo nivelamento entre estas

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instituições ou “semelhança formal” como refere, porém não garantiu a qualidade desejada, assim como as inovações e a benéfica diversificação da formação oferecida13. No entanto, não fica claro quais seriam estas inovações necessárias e benéficas para a formação do profissional que vai atuar no SUS. Neste parecer também é referenciada a importância de se rever a tradicional burocratização dos cursos, que assumem uma postura dicotômica em relação às atuais tendências contemporâneas que consideram a formação ao nível da graduação como uma etapa inicial de formação, sendo necessária uma posterior especialização, bem como à crescente heterogeneidade, tanto da formação prévia como das expectativas e dos interesses dos alunos. Este discurso não estaria se contrapondo àquelas vozes do controle social que reivindicavam uma melhor formação profissional no período de graduação? Não se estaria criando um novo espaço ou abertura para a cultura da especialização? Quais seriam estas expectativas que não são contempladas nos currículos?

Encontra-se também, no mesmo parecer, a indicação de que as novas diretrizes curriculares devem se pautar pela tendência de redução da duração dos cursos de graduação. Porém, não há explicação sobre que tendência seria esta, qual seria a sua origem? Seria proveniente da visão das políticas neoliberais, defensoras da diminuição dos papéis do Estado, na busca de menor comprometimento com o processo educativo? O parecer também aponta a necessidade da fundamentação em cada área ou campo de saber, para que o estudante se sinta incentivado a busca ativa, ou seja ao estudo independente, visando seu crescimento intelectual e profissional. Que leitura deve ser feita desta proposição? Seria uma estratégia para possibilitar a diminuição da carga horária, ou o Ministério da Educação, ao propô-la, estaria manifestando sua preocupação com a construção político emancipatória dos sujeitos?

Este parecer que orienta a construção das Diretrizes Curriculares Nacionais indica ainda que os currículos deveriam ser construídos preservando a liberdade das Instituições Superiores em estabelecer a carga horária e os conteúdos necessários para a formação profissional. A autonomia no contexto educacional que temos hoje, onde predominam entidades privadas no oferecimento dos cursos superiores, não ameaçaria alguns dos princípios centrais da formação de recursos humanos privilegiando a formação para o mercado de trabalho? No mesmo parecer, também é salientada a necessidade de aliar a teoria à pratica através de estágios, estudos e pesquisas independentes, como também, a participação na extensão universitária.

Em 2001, é publicado um novo Parecer, o de no 583/2001. Neste, as proposições e observações do anterior são reafirmadas, sendo definida a duração, carga horária e tempo de integralização dos cursos, o que será objeto de um Parecer e/ou uma Resolução específica da Câmara de Educação Superior. Dentre os pontos levantados encontra-se: o perfil do formando/egresso/profissional; o projeto pedagógico, que deverá orientar o currículo para um perfil profissional desejado; competência/habilidades/atitudes; habilitações e ênfases; conteúdos curriculares; organização do curso; estágios e atividades complementares; acompanhamento e avaliação14. Neste mesmo ano de 2001, o MEC institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem, através da Resolução CNE/CES nº 3, substituindo o conceito de "currículo mínimo" para as profissões superiores pelo conceito de "diretrizes curriculares". O documento que institui as diretrizes foi ou deveria ter sido construído em um processo colaborativo, desencadeado no ano de 1997, quando então o MEC provocou a discussão de sua construção.

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Construído pelo Fórum de Pró-Reitores de Graduação (ForGrad), o qual teve importante participação no processo de construção das diretrizes, segundo o próprio MEC, o Plano Nacional de Graduação traz a referência de que as IES devem reformular suas políticas de graduação. O plano propõe que sejam superadas as práticas vigentes, derivadas da rigidez dos currículos mínimos, que se traduzem em cursos com elevadíssima carga horária, número excessivo de disciplinas encadeadas em sistema rígido de pré-requisitos. Destaca também o privilegiamento da visão corporativa das profissões, ao invés de contemplar o contexto científico-histórico das áreas de conhecimento, o atendimento às demandas existentes e a indução de novas demandas mais adequadas à sociedade15.

A participação de nossa categoria profissional nesta construção esteve liderada pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN). Para ampliar e socializar o debate acerca das DCN a enfermagem se organizou nos Seminários Nacionais de Diretrizes Curriculares (SENADEN), para coletivamente discutir os caminhos que necessitava e desejava percorrer em relação às mudanças na graduação. Embora não se encontrem críticas ao processo de construção em documentos da enfermagem, o ForGrad refere que as instituições ao construírem seus pareceres acerca das diretrizes foram pautadas pela visão ministerial, pois seguiram as determinações expressas no Edital no 4/97 da Secretaria de Educação Superior, o qual continha um conjunto de elementos constitutivos que as diretrizes deveriam contemplar. Esta afirmativa provoca a reflexão sobre a autonomia do processo criativo da categoria de enfermagem ao discutir as novas diretrizes curriculares.

A Resolução das DCN determina as orientações que devem ser seguidas pelas instituições de ensino superior na reformulação dos seus projetos pedagógicos e conseqüentemente dos currículos dos cursos de graduação que, segundo o documento deveriam ser pautados pela ótica das competências. Currículo por competência corresponde a um conjunto de experiências de aprendizagens concretas e práticas, focadas em atividades que se realizam nos contextos ou situações reais do trabalho. Privilegia a aprendizagem em ritmo individual, gradual e o desenvolvimento da capacidade de auto-avaliação16.

O documento instituinte das novas diretrizes curriculares para graduação em enfermagem dita o perfil esperado de enfermeiros e enfermeiras, com enfoque para a formação generalista, humanística com habilidade crítica e reflexiva, capacidade de reconhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional e comprometimento com a cidadania14.

Para atingir este perfil são requeridos um conjunto de competências e habilidades, tais como, conhecimento técnico-científico, agilidade na tomada de decisão, comunicação, liderança, administração e gerenciamento, como também realizar educação permanente, entre outras. O documento apresenta diretrizes que se ancoram na educação centrada na práxis, privilegiando a inserção do estudante na sua realidade concreta, o mundo do trabalho em saúde. Segundo parecer da comissão de especialistas que construíram as diretrizes, a mesma tem como concepção norteadora à visão emancipatória que forma o indivíduo para a vida, com base na educação cidadã e solidária. Neste parecer, é inserido pela primeira vez o conceito de competência como um norteador da formação. Também constam no documento os conteúdos necessários para a construção do currículo.

A flexibilização, tão utilizada no meio econômico, foi citada como tendência a ser seguida no mundo da educação e das Diretrizes Curriculares, pois o currículo baseado em

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competência estaria modificando a formação de enfermeiros e enfermeiras. No entanto, o distanciamento do mundo do trabalho, sem a devida adaptação às novas características estruturais, resulta na constatação de que a formação na área da saúde ainda oferta pouco prestígio à saúde coletiva na sua estrutura curricular e que a concepção hospitalocêntrica, médico-centrada e procedimento-centrada (medicalizadora) da saúde ocupa um espaço hierarquicamente superior na cultura acadêmica ou na “imagem” do trabalho em saúde17.

A emergência dos processos de flexibilização trabalhista tem gerado fenômenos tais como ampliação do trabalho precarizado, no qual o operário multiqualificado, polivalente, deve exercer na automação, funções muito mais abstratas e intelectuais, implicando cada vez menos trabalho manual e cada vez mais manipulação simbólica18. A flexibilização no mundo do trabalho teria sido concebida em uma lógica de recomposição da hegemonia capitalista naqueles países que se encontravam em crise estrutural18. Na educação, sua inserção nos países da América Latina estaria associada ao ajuste macroeconômico, pelo qual os mesmos se submeteram na década de 90 para superar a inflação e a estagnação econômica sofrida na década de 8018.

Competência é a capacidade de articular e mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes, colocando-os em ação para resolver problemas e enfrentar situações de imprevisibilidade, em uma dada situação concreta de trabalho em um determinado contexto cultural19. A competência na saúde é essencial, na medida que as necessidades em saúde são extremamente dinâmicas, social e historicamente construídas, não são estruturas fisiopatológicas ou anátomo-clínicas biologicamente determinadas e, portanto, exigem que os serviços de saúde desenvolvam dispositivos também dinâmicos e extremamente flexíveis, para escutar, retraduzir e trabalhar essas necessidades20.

O termo competência remete a três dimensões, sendo elas: as capacidades (recurso cognitivos), as atividades de trabalho e o contexto em que estas atividades são realizadas. Já que os métodos de avaliação da formação por competências devem ocorrer por meio de um processo gradual e articulado, mais amplo e complexo do que o diretamente observável, nenhum fazer em si, isoladamente, expressa efetivamente as competências de uma pessoa; se assim fosse, poder-se-ia pensar em formação unicamente pela perspectiva do treinamento. É imprescindível não perdermos de vista a perspectiva histórica dos processos de trabalho e de formação, pois se a formação estiver puramente voltada à esfera profissional, em detrimento de uma formação integral que abranja a dimensão de cidadania, corremos o risco de fazermos uma redução no termo competência21.

O reconhecimento da necessidade de mudança do currículo levou a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde a realizar o Seminário Nacional de Incentivo às Mudanças na Graduação das Carreiras da Saúde, ocorrido em maio de 2003. Neste, ficou firmada a responsabilidade do Ministério da Saúde com a formulação das políticas orientadoras da formação, cumprindo seu papel de gestor do SUS. Nas discussões são destacados alguns nós críticos ainda existentes na política de formação de recursos humanos para o SUS, como a falta de conexão ou articulação entre as políticas já existentes, as mudanças curriculares nos cursos de Medicina, Saúde da Família e a profissionalização dos trabalhadores/as de enfermagem, dentre outras, as quais continuariam sendo elaboradas e implementadas desarticuladamente, o que dificultaria a proposta de transformar a realidade. Também é discutida a preocupação com o perfil da formação profissional que estaria distante da realidade da gestão descentralizada do SUS,

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sendo inclusive colocada em evidência a necessária transformação do modelo tradicional de ensino nas universidades, baseado na organização disciplinar e nas especialidades, quando deveriam se contrapor ao modelo hegemônico de formação e cuidado à saúde, procurando transformar as práticas de gestão e do controle social em saúde.

A atual pedagogia da transmissão, também chamada de bancária, parte da premissa de que o conhecimento e as idéias são os pontos mais importantes da educação, logo o estudante é visto como uma página em branco. Quanto às relações estabelecidas entre os agentes envolvidos no processo educativo, sejam eles educador e educando ou professor e estudante, este ocupa um papel de agente passivo e ignorante e o professor seria aquele que detém todo o conhecimento. Como possíveis fatores que colaboram para dificultar as mudanças estão o despreparo do corpo docente, os currículos ultrapassados nos quais o ciclo básico e o ciclo clínico não se relacionam, a excessiva carga horária, a dissociação entre teoria e prática e a ênfase na assistência especializada e no uso maciço da tecnologia22.

Como alternativa para a estruturação pedagógica na formação, o relatório apresenta a metodologia da aprendizagem significativa. Esta requer a articulação da academia e dos órgãos de gestão na seleção dos conteúdos prioritários a serem inseridos no processo de formação do futuro trabalhador, na produção do conhecimento e desenvolvimento de competências através da aproximação dos espaços de gestão/serviços ao espaço de formação. Nesta metodologia o professor assume um novo papel, o de facilitar o processo de ensino-aprendizagem, que deve estimular o aprendiz a ter atitude ativa, crítica e reflexiva durante o processo de construção do conhecimento23.

No seminário acima referido, é lançada a estratégia ou política de Educação Permanente, alicerçada na necessária responsabilização dos serviços de saúde com a transformação das práticas profissionais, se configurando como espaços de construção de conhecimento comprometido com a realidade social da população usuária. A proposta de Educação Permanente estaria alicerçada na aprendizagem significativa, propondo que a capacitação dos profissionais de saúde seja enraizada na metodologia da problematização do processo e da qualidade do trabalho ofertado em cada serviço de saúde. Com isso, propõe-se transformar as práticas profissionais e a organização do trabalho, tendo como conceitos a descentralização, implantação ascendente multiprofissional e transdiciplinar, desafiando universidades e gestores a testarem sua capacidade de articulação, através da democratização de suas instituições24. Esta proposta pretende ser diferente da Educação Continuada que buscaria manter e estender o conhecimento profissional em qualquer área da prática médica, através da atualização de seus conhecimentos. Nela, o aprendizado é construído de maneira fragmentada, seguindo as necessidades detectadas em campos profissionais específicos, seccionados em categorias profissionais, logo distante do objeto que seria a equipe de saúde, a qual constitui a estrutura do processo de trabalho no SUS.

A Educação Continuada privilegia o ensino após a graduação, com finalidades mais restritas de atualização, aquisição de novas informações ou atividades de duração definida e através de pedagogias tradicionais25. Já a Educação Permanente amplia seu campo de atuação, abrangendo também a graduação e, desde então, com uma metodologia contra-hegemônica, em que o educando é protagonista do processo ensino-aprendizagem, tendo como campo de estudo o próprio processo de trabalho, expressando o esforço em transformar as práticas dos serviços de saúde, revendo seus valores e conceitos. Assim,

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teria como eixo provocador os determinantes sociais e econômicos, inseridos nas ações pedagógicas e no espaço do trabalho.

Para garantia da integralidade nas ações de saúde e, por conseguinte do processo formativo, os serviços de saúde devem se adaptar a concepção da rede de cuidados, ou cadeia de cuidados progressivos. Atualmente, o sistema está organizado na hierarquia de complexidade crescente (onde primeiramente se localizam as Unidades Básicas de Saúde e PSF, logo as Policlínicas e Pronto Atendimentos e por último os hospitais e centros especializados) e adotam uma postura “prescritivista” marcada pelo racionalismo funcionalista. O espaço de debate, articulação e construção destas ações ou políticas locorregionais, terá como locos os Pólos de Educação Permanente (PEP), criados pelo Ministério da Saúde através da Portaria Ministerial no 198/2004. Segundo este documento, tais PEP seriam núcleos de articulação entre gestores municipais e estaduais do SUS, representações dos Conselhos de Saúde, instituições formadoras representadas por seus discentes e docentes, entidades das várias categorias e a população representada pelo controle social e movimentos sociais organizados.

Segundo a Portaria que regulamenta os Pólos de Educação Permanente, estes buscam superar os limites da formação e da prática clínica: estabelecendo vínculo, a responsabilização, a integralidade da atenção, a clínica ampliada, o conhecimento sobre a realidade, o trabalho em equipe multiprofissional e a intersetorialidade. Também se propõe a alterar a atual estrutura da verticalidade única e hierarquizada na construção das políticas de RH, no momento em que coloca como princípio construtivo e deliberativo a gestão colegiada nestes Pólos, afirmando que tais agentes detêm os conhecimentos necessários para a construção das políticas, em conformidade com a realidade local da saúde. Esta estratégia vem ao encontro do que dita a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para o SUS, no sentido de que as políticas de formação de RH devem ser construídas respeitando o perfil epidemiológico e demográfico de cada região do país, revelando que o princípio da regionalização do SUS seria a forma organizacional que melhor garantiria a universalização do direito à saúde. Assim, as políticas deveriam estar sendo construídas o mais próximo possível das populações usuárias, para que tenham melhor capacidade de resposta às demandas da população.

3.3 Vozes da Formação

A primeira Escola de Enfermagem surgiu em 1923, na cidade do Rio de Janeiro, época em que o país enfrentava um forte processo de urbanização em suas capitais. Esta situação forçou o governo a construir uma política sanitária centralizada para controlar as doenças endêmicas que se alastravam pelos centros urbanos. Devido às concepções de saúde e educação existentes na época, o ensino em enfermagem já nasce desvirtuado de sua finalidade, pois a formação trazia uma forte valorização do ensino prático, porém este se dava fundamentalmente atrelado aos hospitais.

A criação das primeiras escolas foi apoiada pela Fundação Rockfeler, a qual tinha como uma de suas atividades primeiras a construção de hospitais. Isto influenciou fortemente a construção de políticas públicas, pois a Fundação detinha um alto poder

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político e econômico neste período28. Assim, o ensino de enfermagem foi centralizado na realização de práticas em serviços majoritariamente hospitalares, tornando-se então, um serviço coadjuvante da prática médica hospitalar 28. Em 1949 ocorre a primeira mudança nos currículos de enfermagem, sendo estabelecido um prazo de sete anos para extinguir-se o ingresso nos cursos de enfermagem de estudantes cuja escolaridade fosse apenas o curso ginasial. Somente em 1961, as Escolas começam a exigir que os candidatos tivessem o curso secundário completo, correspondente ao nível médio de hoje29.

O currículo vigente desde 1972 não era capaz de dar as respostas necessárias às necessidades de formação da enfermeira, havendo então uma grande mobilização da categoria para construir um currículo mínimo. Em 1994 entrou em vigor um novo Currículo Mínimo Nacional, cuja elaboração foi fortemente influenciada pelas discussões ocorridas na ABEN. Porém, as divergências que este currículo buscou superar não foram resolvidas, tais como fragmentação do eixo formador, mantendo os ciclos básico e profissional, o ensino centrado no modelo médico, a dicotomia teórico-prática, a desarticulação entre conteúdos e disciplinas, e a adoção de práticas pedagógicas tradicionais30. Assim, concluiu-se que não estava sendo atingindo o objetivo de formar uma enfermeira critica, reflexiva, competente e transformadora da realidade30. Para que nosso leitor possa se situar, destacamos que neste período foi instituído o Sistema Único de Saúde, alterando assim, o modelo de atenção e gestão do setor saúde.

As DCN para os cursos de enfermagem foram construídas em um processo coletivo, através de muitos debates descentralizados, onde a categoria de enfermagem teria participado ativamente31. A enfermagem vem discutindo qual o profissional mais adequado para a tender as demandas sociais desde a década de 80, acompanhando a redefinição dos papéis dos profissionais de saúde que se deu com a Reforma Sanitária34. Encontra-se hoje em um cenário político e de saúde favorável às mudanças em todos os níveis de formação profissional, sendo que a implementação das diretrizes curriculares como estratégia para estas mudanças vêm ao encontro das necessidades de saúde da população e ao fortalecimento do SUS34.

A adesão dos docentes a um novo referencial teórico é importante para a efetiva apropriação do que está sendo implementado. Observam que os discursos na área educacional provocam “modismos e encantamentos” pois muitas vezes o novo, em se tratando de proposta educativa, se configura, entre os professores, como alternativa mágica, podendo ser incorporado sem reflexão, à linguagem dos educadores gerando uma certa banalização de conceitos como o da prática reflexiva. Entre as novas “seduções” temos a pedagogia das competências, e expressões como “aprender a aprender” usadas indistintamente, como um jargão que, por si só, trariam qualidade ao processo educativo. Observa-se que caberia a educadores e educadoras reconhecer a realidade social não para elaborar uma crítica a esta realidade e, conseqüentemente, construir uma educação comprometida com as lutas por uma transformação social, mas sim, apenas para conhecer quais competências a realidade social estaria exigindo dos indivíduos35.

Aponta-se que as DCN propõem-se a desenvolver uma flexibilidade buscando romper com o modelo arcaico e rígido de ensino, instituindo o Projeto Pedagógico como base de gestão acadêmico-administrativa de cada curso e fornecendo os elementos das bases filosóficas, conceituais, políticas e metodológicas que definem as competências e habilidades essenciais à formação dos profissionais de saúde36. Porém, esta flexibilização

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expressa no mercado de trabalho, produziu a realidade que temos hoje na formação, onde o desafio seria romper, tanto no nível superior como no nível técnico, com a tradição tecnicista do ensino, em virtude do próprio modelo de atenção à saúde existente no Brasil, marcado historicamente, por um certo pragmatismo e pela ênfase no aspecto curativo de atendimento37.

Dentre as mudanças que as DCN trouxeram encontramos a do paradigma profissional, pois esta indica que o enfermeiro deverá ter uma formação generalista. E o que vem a ser com formação generalista? Este termo comporta múltiplas definições38, o que por si só já determina uma indefinição sobre o tipo de profissional que se deseja formar. Podemos questionar se essa expressão anuncia alguma contrariedade entre conhecimento geral e especializado? O egresso deste currículo teria de ser capacitado para atuar em todos os cenários de prática? Seu objetivo seria o de enfatizar a importância da formação ir além dos aspectos técnicos, do saber fazer, atingindo outras competências?

Outro aspecto presente nos discursos é a questão da integralidade na formação. Integrar as práticas e saberes exige a articulação entre as várias disciplinas que compõem o novo currículo para formação do/da profissional de saúde, e entre serviços e instituições formadoras como também trabalhar a saúde como qualidade de vida por meio de práticas intersetoriais39. Desta forma, é inviável um/uma profissional ter a integralidade como valor para o exercício de sua função se essa não tiver sido ensinada durante todo o seu processo de formação39. Durante a formação é necessário não só abordar questões relativas à doença, envolvendo a biologia humana, o estilo de vida e a organização do sistema de atenção à saúde, mas também uma agenda de formação que inclua princípios éticos e políticos da Reforma Sanitária, privilegiando modos de fazer saúde que levem em conta a integralidade, a intersetorialidade e o trabalho em equipe39.

Em 2001, foi criado o Programa de Sustentabilidade para Implantação das Diretrizes Curriculares de Enfermagem, tendo como propósito potencializar o movimento de transformação buscado pelas Escolas/Cursos de Enfermagem. Foi desenvolvido pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN), através de sua Diretoria de Educação e pelo Ministério da Saúde, em parceria com as Instituições de Ensino Superior organizadas nos Fóruns de Escolas, uma organizaçõa da ABEn que está sendo fomentada em cada Estado. Sua estratégia é articular e apoiar Faculdades/Escolas e Cursos de Enfermagem na implementação das DCN, propondo a realização de seminários e oficinas, em cada estado e em eventos nacionais, em busca da sensibilização e mobilização para a mudança, tendo como referencial as diretrizes curriculares nacionais.

Também entendemos que é necessário apontar que, dentre as possíveis dificuldades na implementação de um currículo capaz de atender às reivindicações da sociedade brasileira, a formação do professor é uma das maiores, pois não é fácil para um professor cuja formação nunca passou por um currículo “fundamentado no humanismo”, cumprir esta missão, pois a graduação historicamente tem privilegiado o tecnicismo e trazemos em nossa bagagem, obviamente, a sua influência40.

4. CONFLITOS E CONVERGÊNCIAS

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Neste momento, faz-se necessária uma reflexão sobre os conflitos e as convergências suscitadas pelos discursos que estas vozes do controle social, da gestão e da formação produzem. Esta reflexão possibilita construir um outro discurso, tão frágil ou onipotente quanto os que foram analisados, não possuindo a intenção de ser uma verdade única4.

Ao Analisar as vozes do Controle Social, observamos que um discurso interfere sobre o outro, estabelecendo o que se conhece por subordinação4. Sendo assim, estes discursos, por mais que tenham sido construídos num espaço representativo, muitas vezes de conflitos ideológicos e divergência de opiniões, são reflexos de um contexto histórico, ou seja, são fortemente influenciados por tendências, são construídos em contextos onde as questões políticas, econômicas e do trabalho exercem grande papel em sua constituição. Logo, estas vozes são carregadas de múltiplas visões de mundo4.

Ao descrever as vozes autorizadas a falar sobre a formação de RH para a saúde, observamos que a afirmação de que há um grave descompasso entre a formação acadêmica e a realidade social do país tem sido freqüente nos relatórios das Conferências. Percebe-se que as vozes do controle social e da gestão, pelo vocabulário que utilizam, trazem um enfoque bastante tendencioso à medicina, porém são direcionadas a toda à área da saúde. É preciso refletir em que medida afirmações, como a de que os RH atuais apresentam um déficit técnico e ético no seu preparo para a humanização, encontrão reflexo na formação de profissionais do cuidado. Acredita-se que, para iniciar esta análise, é fundamental problematizar a questão da desigualdade entre os currículos das escolas, privilegiando enfocar a dicotomia existente entre o campo profissional e a formação protagonizada pelos cursos.

O campo profissional se encontra em constante mutação devido às conquistas e avanços que ocorrem diariamente na organização do trabalho em saúde, e a escola nem sempre consegue acompanhá-los, por ter uma natureza intrinsecamente conservadora. A preservação desta dicotomia é defendida por quem argumenta que a escola tem o papel de legar a cultura para as novas gerações. O fato de aprender está inevitavelmente voltado para o passado e o papel do educador supõe um imenso respeito pelo passado, esta é uma atitude conservadora sem a qual a educação é total e simplesmente impossível40.

Observa-se uma crítica à maneira desarticulada com que Ministério da Saúde e da Educação vem trabalhando na discussão da política de recursos humanos, indicando que projetos importantes estão sendo implementados sem a devida articulação e debate entre estes agentes, influenciando apenas determinada área, o que comprometeria o impacto ou transformação desejada por tais políticas. Assim, acredita-se que tais reflexões sobre o passado próximo devem estar sempre presentes nesta nova conjuntura de mudanças.

Encontra-se nos discursos da gestão a crítica ao distanciamento da formação dos espaços da gestão descentralizada do SUS. Entendemos que devemos apoiar esta descentralização da gestão fomentando a participação popular neste processo. Esta descentralização quando ditada pelo modelo das competências profissionais, busca também a precarização das relações e vínculos de trabalho. Logo, precisamos refletir sobre quais intenções e gestos nosso Estado está manifestando neste processo de mudança, quais cuidados tem tomado para não reduzir esta proposta a um simples “tira e põe” disciplinas nos currículos dos cursos. Se tivermos o ímpeto de nos constituirmos como profissionais

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cidadãos, comprometidos em colaborar com o resgate da cidadania dos usuários, creio que nossa estratégia está na socialização do saber, a fim de que os usuários adquiram autonomia em seu processo de cuidado, o que viria ao encontro das vozes expressas nesta pesquisa. É possível pensar que deste respeito ou comprometimento ético provenha o reconhecimento social que tanto desejamos.

Ainda na perspectiva da gestão consideramos importante destacar que a enfermagem, dentre os cursos da saúde, é a que mais trabalha com temas como planejamento, liderança, coordenação de equipes e de serviços. Este preparo é explicitado no campo profissional quando percebemos um grande número de enfermeiros/as ocupando cargos de chefia de equipes, gerindo sistemas em secretarias de saúde. Porém devemos nos interrogar: em que medida esta atuação tem garantido a qualidade dos serviços prestados? Quais modelos de gestão estamos desenvolvendo em nosso trabalho? Deveríamos ainda, avaliar qual a influência da visão hospitalocêntrica e do modelo neoliberal nesse processo e se os conhecimentos ensinados nos cursos de graduação evoluíram suficientemente para acompanhar às novas demandas administrativas do sistema. Será que esta formação administrativa, não está muito empresarial, distante dos conceitos de saúde defendidos atualmente? Será que a qualidade da assistência, que é direito do cidadão, tem se pautado pela excelência? Quais as vivências proporcionadas aos acadêmicos de enfermagem nos processos de gestão do SUS? Como proporcioná-las em um campo marcado por um corporativismo hegemônico?

Durante a análise dos discursos percebe-se que cada qual tinha suas peculiaridades. Naqueles provenientes do controle social, assim como nos da gestão, encontra-se um tom provocativo, por vezes agressivo, no primeiro, isto se explica pelo caráter reivindicatório, já no segundo, talvez por ter uma tradição de ser o implementador das regras que, nesta lógica, os tornaria responsáveis por manter a ordem social.

Já nos discursos da formação esta característica não é tão marcante, talvez por serem os próprios autores os responsáveis pela ação prescrita nos discursos. Porém estes também trazem suas dicotomias. Mostram-se defensores da participação coletiva na construção deste processo formativo almejado, porém reafirmam que os discursos têm características ambivalentes4, no momento em que, não citam a necessidade da participação popular em seus processos de mudança. Seria esta mais uma das características conservadoras apontadas pelas vozes da gestão e do controle social?

Apesar de buscar uma posição problematizadora, consideramos que sempre apresentamos alguma tendência, pois ao descrever estruturas somos contagiados pelos discursos dominantes4. No entanto, reconhece-se que o discurso é poroso à práxis e a práxis é modificada pelo discurso4. Assim, faz-se esta reflexão como um movimento político para que ela possa produzir novas subjetividades e novos domínios de saber.

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A extensão contra hegemônica

Douglas Estevão de Miranda23

Flávio Bandeira24

Francisco Thiago Souto de Sousa25

ENEEnf Gestão 2005/2006

A sociedade civil, através de suas organizações sociais (sindicatos, associações, partido, CA´s e DA´s) vive um intenso processo de refluxo e desacúmulo, fruto da cultura capitalista neoliberal que constrói e reforça o conformismo e o individualismo dos seres, colaborando e influenciando, com o processo de fragmentação das organizações. Não obstante, se trouxermos pra nossa realidade, isso se reflete na atual situação de esvaziamento e dificuldade em trabalhar de forma propositiva os centros e diretórios acadêmicos do país.

A dificuldade em lidar com o conflito SIGNIFICANTE X SIGNIFICADO, ou seja, em superar as crises decorridas da não compreensão única do significado da palavra (significante), um dos principais instrumentos utilizados pela pós-modernidade para confundir e dificultar a unificação das organizações sociais.

23 Estudantes de Enfermagem da PUC MINAS em Betim e da Coordenação de Finanças da ENEEnf – Gestão 2005/2006

24 Estudante de Enfermagem da UFC e da Coordenação de Educação Popular e Extensão da ENEEnf – Gestão 2005/2006

25 Estudante de Enfermagem da UFPB e da Coordenação de Educação Popular e Extensão da ENEEnf – Gestão 2005/2006

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SIGNIFICANTEOBJETO

SIGNIFICADOENTENDIMENTO E

COMPREENSAO (MODO DE VER)

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A Universidade é uma instituição da Comunidade, talvez seja difícil enxergar isso mais nitidamente, porém dentro da atual conjuntura das Instituições de Ensino Superior, a Universidade fecha-se em si mesma, como se fosse um feudo, onde uma fração muito pequena da população tem acesso, sem se preocupar com as reais necessidades da comunidade. Sem duvida, essa Universidade não tem justificativa de existir, pois perde seu sentido social, de cidadania. A Universidade precisa estar atenta às reais necessidades da sociedade, ter um comprometimento com as transformações de uma sociedade em crise como a que vivemos, atenta ao fato de que a universidade é um espaço para produzir conhecimento, mas não se trata de qualquer conhecimento, trata-se da produção de conhecimento significativo que precisa dar conta do avanço da fronteira da ciência, da tecnologia, da cultura e dos problemas atuais que envolvem a comunidade.

Dentro do modelo educacional executado atualmente, a universidade é estruturada em seu tripé de ensino, pesquisa e extensão, que não devem ser tomados isoladamente, mas formando um conjunto indissociável. Porém, constata-se que, na realidade, a universidade configura-se priorizando o ensino e a pesquisa como fundamentos do ensino superior, influenciados pelos interesses do sistema neoliberal, que incita a individualidade do sujeito e amplia seus interesses mercadológicos; trata a extensão universitária como mero processo assistencialista, não ampliando as possibilidades de compreensão das mudanças estruturais e conjunturais da dinâmica da sociedade.

É por meio da extensão que a universidade tem sua oportunidade de exercer seu papel social, fazendo a comunidade participar de suas atividades.

Em tempos de um ensino universitário, de modelo tecnicista, voltado para a produção cientifica, visando atender às demandas do mercado, carecemos cada vez mais de um trabalho voltado para a formação do individuo critico e reflexivo comprometido com o próximo. Aquela característica do ensino superior vem a reforçar o processo de alienação imposto para a sociedade, a fim de manter o modelo capitalista, falido e desumanizador.

Dentro do referido contexto, presenciamos o esforço empenhado pela extensão popular, para confrontar toda essa lógica hegemônica, conseguindo em alguns casos, supera-lá, através de projetos socialmente referenciados, ou seja, que buscam a emancipação social através de processos educativos e formativos, com o propósito de valorização de princípios humanitários como coletividade, solidariedade, cooperatividade e o amor.

Algumas experiências indicam o sucesso do trabalho com extensão sob a luz da Educação popular, por exemplo, onde este pode ser o viés para a transformação da universidade e de avanço do movimento popular, pois na medida que a população se insere num contexto mais amplo de criação de um novo projeto de universidade popular, capaz de contribuir para que as classes populares possam se reapropriarem dos meios técnicos e científicos necessários à construção de sua hegemonia.

Esse modelo de extensão popular difere de outros modelos de extensão por não enxergar a comunidade como um campo de implementação de técnicas da profissão, e nem por utilizá-la para desenvolver projetos, muitas vezes não compreendidos e assimilados

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Extensão Técnica

Extensão Popular

Extensão Cientifica

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pela comunidade, tornando-se assistencialistas sem compromisso como a elevação do nível de consciência.

Através de práticas de extensão popular, que é um instrumento pedagógico que permite sensibilizar pelo contato in loco - com a realidade - e construir, a partir de trocas, um tipo de saber orgânico, que valoriza o aprendizado de outras linguagens e saberes, podemos refletir a idéia de mundo que construímos anteriormente, e com autonomia, fazer a opção do modelo de sociedade.

Nessa perspectiva, torna-se real a desconstrução do processo de alienação em que se encontra a grande maioria dos estudantes, e a realização de uma práxis que contribua para formar um homem critico e consciente do processo histórico que está inserido, e que o mesmo perceba de que é por meio da luta coletiva que se forjará um novo modelo de sociedade.

A prática extensionista popular realizando um trabalho social baseado na metodologia da Educação Popular possui o objetivo de aproximação dos saberes populares e científicos, proporcionando uma resignificação do ensino através da reflexão do processo acadêmico, dando um novo sentido para o ensino e pesquisa através da extensão universitária.

Trabalhando na perspectiva da mobilização, formação e organização dos atores envolvidos, se contribui para uma troca horizontal de saberes, permitindo que haja transdisciplinaridade, dialogando e perpassando por princípios que mostrem o ensino como prática de construção e não de transferência de conhecimentos.

No Brasil, a extensão universitária é bastante marginalizada e renegada pelas instituições, porém, esse tipo de extensão popular, apesar das dificuldades, vem acontecendo e dando certo em alguns lugares, contribuindo para a reflexão do nosso atual sistema.i

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