Vulnerabilidade Social, Percepções de Riscos e Desastres, Conceitos e Abordagens No-do Urbano

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    Revista Brasileira de Geografia Fsica V. 09 N. 01 (2016) 144-162.

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    Medeiros, M. C. S., Barbosa, M. P.

    ISSN:1984-2295

    Revista Brasileira deGeografia Fsica

    Homepage: www.ufpe.br/rbgfe

    Vulnerabilidade social, percepes de riscos e desastres: conceitos e abordagens no/do urbano

    Monalisa Cristina Silva Medeiros, Marx Prestes Barbosa Doutoranda em Recursos Naturais. UFCG. Autor correspondente. E-mail: [email protected] Professor Titular Doutor. Departamento de Engenharia Agrcola. UFCG. E-mail: [email protected]

    Artigo recebido em 04/02/2016 e aceito em 10/02/2016

    R E S U M OO meio ambiente urbano reflete um leque de problemas de ordem social e ambiental, que resultado do processo deurbanizao desordenado observado sobretudo nas grandes cidades, e implica em situaes de risco e vulnerabilidadeque podem se materializar com o desastre. Diante desse cenrio, as preocupaes de pesquisadores se voltam paraestudos que possam contribuir na implementao de medidas que visem reduzir ou mitigar os riscos que fazem parte docotidiano destas populaes bem como suas vulnerabilidades. Assim, o presente texto oferece uma discusso sobre osaspectos conceituais referentes ao risco, vulnerabilidade social e desastre, e como esto interrelacionados, buscandotambm esclarecer as confuses conceituais que permeiam esta temtica. E ainda destaca a importncia da percepo dorisco no contexto urbano como uma importante ferramenta na gesto da diminuio do risco, buscando assim contribuircom as questes tericas que envolvem essa cincia emergente que trata dos riscos, em funo de sua importncia paranosso cotidiano e para a futura qualidade de vida das pessoas. Palavras-chaves: Risco; vulnerabilidade; desastre e percepo do risco.

    Social vulnerability, risk and disaster perceptions: concepts and approaches in/from theurban context

    A B S T R A C TThe urban environment reflects an array of social and environmental problems, which are the result of the disorderlyurbanization process observed mainly in larger cities, and imply risk and vulnerability situations that can materialize asdisasters. In this scenario, researchers worries are turning to studies that contribute to the implementation of policiesthat aim to reduce or relievethe risks of these populations everyday lives, as well as their vulnerabilities. Hence, the present study proposes a discussion about the conceptual aspects concerning risk, social vulnerability and disaster, andhow they are correlated, also aiming to clarify the misconceptions that permeate this theme. It also stresses theimportance of risk perception in the urban context as an important tool in risk reduction, thus aiming to contribute withtheoretical questions that involve this emerging science, risk studying, which is so important to our daily lives, as wellas to peoples life quality in the future. Keywords: Risk; vulnerability; disaster and risk perception.

    Introduo O processo de urbanizao brasileiro e

    latino-americano se intensificou no final do sculoXX e incio do sculo XXI, onde a populao passou a concentrar-se nas reas urbanas, marcada pela construo de cidades com contradies produzidas, o que gerou problemas complexos para a sociedade urbana, em virtude do uso egesto do espao apropriado.

    E nos pases em condio desubdesenvolvimento ou em desenvolvimento queapresentam condies sociais e econmicascomplexas, a exemplo do Brasil, estes problemasacabam gerando a segregao socioterritorial,diante de um planejamento urbano ineficaz outotalmente ausente, sendo o resultado da interaoentre sociedade e natureza, medida que o serhumano impe suas necessidades ao ambiente

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    natural sem se preocupar com as consequnciassocioambientais.

    Estes problemas so bastante conhecidose perceptveis no meio ambiente urbano, uma vezque quando se tem uma maior aglomerao de pessoas, consequentemente maior ser a presso eimpacto exercido sobre o ambiente natural,resultando em srios impactos negativos, aomesmo tempo em que torna essa populao maisvulnervel.

    Neste cenrio, cresce o nmero deocupaes nos espaos imprprios para aconstruo de moradia, que consequentementeacelera a degradao ambiental, e torna a populao vulnervel a diversos riscos.

    Alm dos custos ambientais, outracaracterstica consiste nas desigualdades sociais econsequente excluso social, pois estas reasconfiguram-se como espaos socialmentemarginalizados, esquecidos por um sistema que prioriza o crescimento econmico de poucos, sesobrepondo as questes ambientais e sociais,fazendo com que a parcela da populaodesfavorecida seja obrigada a ocupar e viver emassentamentos que no dispem de condiesadequadas para sua permanncia, e o ser humano para conseguir viver passa a ocupar habitaes precrias em situaes de pobreza em meio a umambiente muitas vezes totalmente degradado einsalubre.

    Uma das principais questes preocupantes que estes problemas so a realidade de uma parcela da populao (parcela significativa desta)que vive em condio de pobreza e misria, e soos que mais sofrem com as consequncias destasituao. Diante disso, pode-se dizer que estaconjuntura (pobreza e misria) est associada acondio de riscos e de vulnerabilidade, que asequela de uma gesto pblica omissa, bemcomo capital imobilirio especulativo, obrigandoa populao a viver em reas inadequadas.

    Ento, possvel visualizar situaes dedesigualdades em relao aos diferentesambientes em que se pode verificar a exposiodiferenciada de indivduos e grupos sociais aamenidades e ameaas (Alves, 2007, p. 32).

    Este fato produz e reproduz a segregaosocioterritorial somada a excluso social, que temcomo principal caracterstica a desigualdade nadistribuio espacial da populao, aliada acondio de vulnerabilidade social, observada naausncia de recursos essenciais para uma vidadigna da populao das reas perifricas, em meio deficincia de estrutura capaz de suprir asnecessidades bsicas da populao, vivendo emmeio aos riscos e sua possvel materializao, osdesastres, e ainda numa situao de incapacidade

    para responder com seus prprios recursos aosmais diversos problemas que lhes atingem, pois o poder pblico total ou parcialmente ausente.

    Cavalcante (2013) destaca que nocontexto dos estudos de populao e ambiente importante entender como se d a relao entreestes grupos populacionais, que so socialmentemarginalizados, em situao de risco, altamentevulnerveis e o ambiente no qual esto inseridos.

    Diante disso, as preocupaes de pesquisadores se voltam para estudos que possamcontribuir na implementao de medidas quevisam reduzir ou mitigar os riscos que fazem partedo cotidiano destas pessoas, bem como suasvulnerabilidades.

    Assim, este estudo visa apresentar ediscutir os aspectos conceituais referentes aorisco, vulnerabilidade social, desastres e ainda aimportncia da percepo do risco, sobretudo emreas metropolitanas onde se observa uma maior problemtica, contribuindo assim com as questestericas que envolvem essa cincia emergente quetrata dos riscos, em funo de sua importncia para nosso cotidiano e para a futura qualidade devida das pessoas.

    Risco: conceitos e abordagensO risco est presente na humanidade

    desde os primrdios. Qualquer atividade cotidianaest exposta a algum tipo de risco, por maissimples que seja, e, portanto incontestvel aonipresena do mesmo. Beck (1992, p. 21) afirmaque nossa sociedade cada vez mais complexadiante de perigos e inseguranas induzidas eintroduzidas pela modernizao. Estacomplexidade alertada por Beck revela que,sobretudo em pases que se encontram emcondio de subdesenvolvimento diante dasmudanas sociais e ambientais vivenciadas nasltimas dcadas, uma populao inserida numverdadeiro cenrio de risco.

    Neste contexto, falar do termorisco nosremete a uma diversidade de abordagens, que levamuitas vezes a imprecises conceituais. Cardona(2004) esclarece que h muitos anos risco era otermo usado para se referir ao que hoje chamadode perigo ou ameaa. Atualmente, h umaconfuso conceitual do termo risco evulnerabilidade, muitas vezes usadaserroneamente com a mesma conotao, e importante ressaltar que esses so dois conceitosdistintos, e sua definio correta importante parauma abordagem metodolgica que facilitar a

    compreenso para a gesto da reduo do risco oumitigao.

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    Na literatura internacional risco a probabilidade de ocorrer consequncias danosasou perdas esperadas (mortos, feridos, edificaesdestrudas e danificadas, etc.), como resultado deinteraes entre um perigo natural e as condiesde vulnerabilidade local (UNDP, 2004). Esteconceito bastante utilizado nas geocincias,sendo enfatizado e defendido por diversos autores,e tambm utilizado pela Poltica Nacional deDefesa Civil (Brasil, 2007 p. 8) que conceitua orisco como: medida de danos ou prejuzos potenciais, expressa em termos de probabilidadeestatstica de ocorrncia e de intensidade ougrandeza das consequncias previsveis.

    Embora este conceito seja amplamenteutilizado, essa concepo tem sido rejeitada poralguns autores, como Wilches-Chaux (1998),Lavell (2000), Cardona (2008) dentre outros.Wilches-Chaux (1998) define o risco como umresultado da coexistncia ou aproximaoestabelecida por dois fatores: a ameaa e avulnerabilidade. Para este autor a ameaa a probabilidade de que um fenmeno ocorra capazde desencadear um desastre. E a vulnerabilidade condio sob a qual a populao est exposta ouem risco de ser afetados pela ameaa. O autorainda destaca que o risco dinmico e mutvel, namedida em que eles (fatores) tambm soingredientes dinmicos e mutantes. Isso implicaque no podemos descrever um cenrio de risco

    como esttico.Por isso que Narvaez et al. (2009)discutem que na determinao da existncia dorisco e seus nveis, atuam diferentes foras dasociedade e da natureza, e nenhum desteselementos permanecem estveis no tempo, poissofrem mudanas e variaes de modo contnuo,que podem ser graduais ou abruptos e repentinos. No ambiente fsico podem-se destacar os fatoresclimticos ou geolgicos que causam mudanasrepentinas, e no ambiente social destacam-se asmudanas nos paradigmas sociais e econmicos,que podem ser abruptos, como o caso da criseeconmica, que atinge inevitavelmente as populaes mais vulnerveis. preciso mencionarque somos vulnerveis alguns mais, outrosmenos, mas no existe a vulnerabilidade zero.Embora vivamos em risco, a vida no umacondio de risco e nem o risco uma condiode vida.

    Lavell e Cardona ampliam o debate acercado conceito. De acordo com Lavell (2000) o risco a probabilidade de perdas futuras, que estabelecida pela existncia e interao de doiselementos: ameaa e vulnerabilidade. E Cardona(1996) diz que o risco probabilidade deocorrncia de eventos perigosos (Ameaa) e da

    vulnerabilidade dos elementos expostos a taisameaas, matematicamente expresso como a probabilidade de exceder um nvel deconsequncias econmicas e sociais emdeterminado local e em certo perodo de tempo.

    Cardona (1993) fala tambm, sobre aanlise do risco, e segundo ele, para avalia-lo sonecessrias as seguintes etapas: avaliao daameaa ou perigo; a anlise de vulnerabilidade eestimativa de risco, como resultado de vincular osdois parmetros acima. Alteraes em um ou maisdestes parmetros influenciam o risco.

    Lavell (2003) explica que risco dedesastres em particular entende-se, como a probabilidade de danos e perdas futurasassociados com o impacto de um acontecimentofsico externo em uma sociedade vulnervel, ondea magnitude e extenso podem comprometer acapacidade da sociedade afetada de se recuperarsozinha.

    Lavell (2002b) ainda afirma que amagnitude de risco sempre uma funo daamplitude das ameaas e vulnerabilidades, que,assim como o risco, so condies latentes nasociedade. O autor ainda explica que o risco cria ainterrelao entre esses dois fatores, mas comcaractersticas e especificidades heterogneas, pois o nvel ou grau do risco depende daintensidade da ameaa e dos nveis devulnerabilidade existente.

    Nestas perspectivas, o risco seria, portanto, a relao entre a ameaa evulnerabilidade, ou seja, uma funo da Ameaa(ou perigo) versus a vulnerabilidade, expresso pela frmula: R = A x V, em que:

    R: RiscoA: AmeaaV: Vulnerabilidade.O conceito de risco tambm algo

    subjetivo, fruto da noo humana ou social. A partir desta compreenso, este texto se basear noconceito de risco como uma construo histrica esocial, segundo a percepo dos indivduos(Veyret, 2007). De acordo com Oliveira (2012)esta noo de risco permite um dilogo entre ascincias naturais e cincias humanas.

    Cardona (2003) defende a ideia de que orisco um conceito complexo, por se tratar dealgo relacionado ao acaso e possibilidade, e queainda no se materializou em dano e perda. , portanto, imaginrio, de difcil compreenso ealgo mentalmente e intimamente relacionado como pessoal ou psicologia coletiva.

    Assim, o risco no uma coisa fsica e palpvel. O risco abstrato e se materializa no

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    um fenmeno, atividade humana ou condio perigosa que pode causar morte, ferimentos ououtros impactos sade, bem como danos propriedade, perda dos meios de subsistncia eservios, ruptura social e econmica, ou danoambiental.

    De acordo com Cardona, em seus estudoso autor define a ameaa como um fator de riscoexterno (de um indivduo ou sistema),representado pelo perigo latente de que umfenmeno fsico de origens natural ou antrpica semanifeste em um lugar especfico e durante umtempo de exposio determinado produzindoefeitos adversos s pessoas, bens e/ou ao meioambiente, matematicamente expresso como a probabilidade de exceder um nvel de ocorrnciade um evento com certa intensidade em umdeterminado local e em certo perodo de tempo.

    A partir disto, pode-se afirmar que aameaa pode ser de ordem natural e/ou antrpica.A primeira no tem qualquer relao com ainterveno humana, e a segunda reflete astransformaes ocasionadas pelo ser humano,induzidas socialmente, originando assim umagama de ameaas que cada vez mais podematingir as populaes vulnerveis. De acordo comCardona (2003), as ameaas ento podem ser:

    Natural: representada por fenmenos dageodinmica interna (terremotos, erupesvulcnicas, etc.) e externa (deslizamentos de terra,

    avalanches, etc.); fenmenos hidrolgicos(inundaes, desertificao, etc.); fenmenosatmosfricos (origem meteorolgica, comotornados, ventos, tempestades, etc.) e fenmenos biolgicos (epidemias e pragas podem afetar o serhumano).

    Antropognica: incluemdesenvolvimentos tecnolgicos (falhas do sistema por descuido, falta de manuteno, errosoperacionais, fadiga do material, maufuncionamento mecnico, ruptura de barragens,exploses, incndios industriais, etc.), eventoscontaminantes (agentes txicos ou perigosos paraos seres humanos e o meio ambiente; vazamentos perigosos, emisses ou fugas de produtosqumicos de radiao nuclear, lixo domsticoindustrial, etc. ), e eventos antrpicos (guerras,atos de terrorismo, vandalismo, conflitos civil emilitar violentos).

    Campos S. (2010) chama ateno para ofato de que as ameaas nem sempre se comportamde forma isolada, pois podem se inter-relacionar ecriar outras combinaes, at mesmo maisagressivas. O autor cita como exemplo um tremorde terra que pode desencadear inundaes,incndios, ruptura do dique por distrbioseltricos, e dependendo da condio de

    vulnerabilidade, essa ameaa pode ter um potencial muito mais destrutivo.

    Embora as ameaas naturais independamdo ser humano, pois ocorrem naturalmente, o seuimpacto depender da mediao humana, comotcnicas de uso da terra e materiais de construo,casa, etc. Ou seja, a magnitude de qualquerameaa est indissoluvelmente ligada vulnerabilidade da populao afetada, conformeafirma o autor supracitado.

    Por fim, vale destacar ainda que asameaas se incorporam ao imaginrio social, poisde um ponto de vista cognoscitivo, soantecipaes abstratas, pois so percebidas, principalmente devido s intervenes humanas(Campos S.,2010). Por isso que o autor afirma queo que atinge uma populao no apenas umevento de carcter destrutivo, mas um eventosocialmente construdo, que transformado pelamediao do sujeito coletivo que percebe,interpreta as suas causas e efeitos possveis antesde sua concretizao (p. 27).

    Classificao dos riscosQuanto classificao dos riscos, de

    acordo com a UNISDR (2009), eles podem ser: No aceitveis (relacionados aos

    fenmenos naturais), como os furaces, ciclones,terremotos, que so as ameaas ou perigosnaturais, e esto fora do controle humano.

    Aceitveis, relacionados ao nvel de perdas potenciais que a sociedade ou comunidadeconsidera aceitvel, de acordo com o seudesenvolvimento social, econmico, poltico,cultural, tcnico e ambiental existente, ou seja, soos riscos relacionados s atividades humanas, quetm controle humano, e podem ser mitigados pelodesenvolvimento tecnolgico.

    A classificao acima tambm adotada por Wilches-Chaux (1993), pois o autor destacaque o risco pode ser de origem natural, quecorresponde aos riscos no aceitveis, e de

    origem humana, que so resultados das atividadesantrpicas, e que podem ser eliminados,controlados ou reduzidos, que corresponderia aorisco aceitvel.

    Lavell (2000a) em seus estudos diz que orisco um conceito complexo, e que suaidentificao essencial para o progresso e fins de planejamento de uma rea e sua respectiva populao. Assim, ele aponta quatro dimenses dorisco; o risco aceitvel e no aceitvel, e o riscoobjetivo e subjetivo.

    Cardona (1993) questiona o papel dasautoridades quanto aos riscos aceitveis, ao dizerque estes so probabilidade das consequnciassociais, econmicas e ambientais, quando as

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    decises das autoridades so consideradasinsuficientes para planejamento, formulao deexigncias dos elementos expostos e correo das polticas sociais, econmicas e ambientais.

    Diante do exposto, Lavell (1996) destacaa importncia das autoridades e organizaes pblicas e privadas frente aos riscos, uma vez queas decises tomadas por estes setores quedeterminaram a mitigao dos riscos, e o grau dosriscos inaceitveis. Lavell ainda amplia suareflexo e considera que:

    La capacidad de individuos yorganizaciones locales de mitigar niveles de"riesgo inaceptables" sigue siendo muy limitada.En los pases del tercer mundo, gran parte de la poblacin pobre bajo riesgo, aun cuando seaconsciente de los niveles de riesgo (seanaceptables o no), no tienen opciones importantes para mitigarlos. Este problema de la falta deopciones viables para grandes sectores de la poblacin requiere que el concepto de "riesgoaceptable" sea relativizado. As, existen mltiplescasos (si no la mayora) en que el riesgo bien puede ser "inaceptable" en trminos absolutos, pero "aceptable" en trminos relativos. Porejemplo, aquellos pobladores que, una vezrecibida la opcin de reubicacin (a travs de programas gubernamentales, etc.), se niegan oresisten frente a la posibilidad de una ruptura consus vidas cotidianas, lazos culturales u opciones

    de trabajo (1996, p. 24).O risco objetivo relativo probabilidadede que um evento ou condio negativa afetaruma populao ou indivduo, ou seja, trata-se deuma medio de perdas possveis do futuro, queest sujeito a diferentes variveis.

    E o risco subjetivo consiste nas perdasaceitveis, onde a sociedade possa gerenciar umcenrio de riscos aceitveis. Nesta perspectiva orisco aceitvel uma noo muito mais aplicvelaos avanados setores da sociedadedesenvolvida que tem a capacidade de calcular e

    tomar decises para evitar ou reduzir as perdas(Lavell, 2000a). O que no acontece com gruposmais vulnerveis, pois estes na maioria das vezesno dispem de meios para tomar decises, e o poder pblico que deveria agir por eles, apenasfecham os olhos para esta parcela da populaoque acaba vivendo e sobrevivendo a margem dasociedade.

    Vulnerabilidade socialO conceito de vulnerabilidade apresenta

    vrias definies, utilizado nas cincias naturais esociais, e cada campo tem manifestado umadefinio de forma diferente, levando assim a umasrie de definies e abordagens. Lavell (2000a)

    explica que este um conceito-chave utilizado naanlise de risco e desastre, mas que a construode seu conceito no est bem estabelecida.

    Discutir este conceito num primeiromomento parece ser bastante explcito ecompreensvel, pois o termo muito utilizado pelo senso comum, com o significado deinsegurana e tambm remete a algo negativo.Cardona (2004) aponta a confuso conceitualexistente, pois o adjetivo pode ser utilizado dediferentes maneiras em outras reas problemticasque o campo de desastres (por exemplo, em psicologia e sade pblica), e por isso necessrio atentar para uma conceituao correta e para fins deste estudo busca-se uma definiosobre a vulnerabilidade social, uma vez que estdirecionada ao ser humano, pois ele que seencontra numa situao vulnervel.

    Diante da problemtica ambiental e social,a vulnerabilidade social tem sido importante echamado ateno dos formuladores de polticasque demanda conhecimento sobre como gerenciaro risco em face de sistemas humanos complexos eseus inmeros desafios como a pobreza,desigualdade social, problemas ambientais, dentreoutros que estressam a sociedade e so umaconstante (Warner, 2007).

    Warner (2007), define a vulnerabilidadesocial em seu sentido mais amplo como umadimenso da vulnerabilidade a mltiplas presses

    e choques, incluindo catstrofes naturais. Blaikieet al. (1991, p. 9) entendem por vulnerabilidade;

    as caractersticas de uma pessoa ou grupo emtermos das suas capacidades de antecipar, lidar,resistir e recuperar do impacto de uma ameaanatural. Envolve a combinao de fatores quedeterminam o grau em que posto em risco a vidade algum por um evento discreto e identificvelque ocorre na natureza ou nasociedade .

    Nesta tica a vulnerabilidade exprime trscomponentes: a exposio a uma ameaa; acapacidade de reao e o grau de adaptao dianteda materializao do risco. O primeirocomponente varia conforme a localidade e problemtica analisada, enquanto os dois ltimoscompem a capacidade de resposta aos riscos aeventos danosos (Marandola Jr e Hogan 2006).Campos S. (2010) concorda com esteentendimento, pois segundo o autor, avulnerabilidade apresenta trs aspectos distintos,que so: a resistncia (diante da ameaa); aresilincia (adaptao as situaes adversas) e a

    capacidade de recuperao, diante de um aventodanoso.

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    Nesta situao, a capacidade de acordocom o UNISDR (2009) a combinao de todasas foras e recursos disponveis dentro de umacomunidade, sociedade ou organizao que podereduzir o nvel de risco ou os efeitos de um eventoou desastre, e tambm pode ser descrita comoaptido. Mas depende, sobretudo, de uma gestode recursos tanto em perodos normais comodurante tempos de crise ou condicionantesadversos.

    Campos S. (1998) afirma que o conceitode vulnerabilidade negativo, e refere-se principalmente a certas qualidades e fraquezas ouimpotncia de um grupo social enfrentar ameaasespecficas. E Lavell (2000b) complementa estaideia ao afirmar que a vulnerabilidade pode serdescrita como uma srie de caractersticas que jexistem e que levam predisposio de sofrerdanos ou perdas.

    Narvez et al. (2009) sugere que avulnerabilidade refere-se predisposio dosseres humanos, seus meios de vida e suporte dosmecanismos de danos e perdas para a ocorrnciade eventos fsicos potencialmente perigosos.Segundo estes autores, este tambm um processo de construo social.

    A colocao dos autores citados, vem aoencontro do conceito defendido pela UNISDR(2009), que aponta que a vulnerabilidade consistenas caractersticas e circunstncias de uma

    comunidade que susceptvel aos efeitos prejudiciais de uma ameaa.Em suas discusses, Wilches-Chaux

    (1993) prope a "vulnerabilidade global" paraintegrar os diferentes aspectos/componentes quecaracterizam a vulnerabilidade a partir de vrias perspectivas:Fsica (ou locacional): Refere-se ocupao e aoadensamento populacional de reas perigosas.Econmica: Existe uma relao inversa entrerenda per capita em nveis nacional, regional oulocal, e internamente a uma comunidade, e oimpacto dos fenmenos fsicos extremos, isto , a pobreza aumenta o risco de desastre.Social: Refere-se ao baixo grau de organizao ecoeso interna das comunidades em risco, queficam sem capacidade de prevenir, mitigar ouresponder a situaes de desastres.Poltica: Refere-se falta de autonomia de decisoem nveis regionais, locais e comunitrios, almda falta de participao, impedindo uma maioradequao das aes aos problemasdiagnosticados.Tcnica: Est ligada s tcnicas construtivasinadequadas de edificaes e de infraestruturas bsicas utilizadas em reas de risco, sem asmedidas devidas de preservao e estabilizao.

    Ideolgica: Est relacionada a concepes demundo e do meio ambiente, em que passividade,fatalismo e prevalncia de mitos podem limitar acapacidade de agir adequadamente frente aosriscos.Cultural: Expressa pela identidade dascomunidades sem cultura de autodefesa, sofrendoinfluncia dos meios de comunicao, quefrequentemente levam formao de imagensestereotipadas, transmitindo-lhes informaesdeturpadas.Educacional: Est associada ausncia completade programas de educao, desde a formal bsicae ambiental, at os formadores de cidadania e decultura de autodefesa. Ecolgica: Relaciona-se a modelos caractersticosde desenvolvimento e de ocupao do solo, que sefundamentam na dominao por destruio domeio ambiente.Institucional: Reflete-se na obsolescncia erigidez das instituies, especialmente as jurdicas, onde prevalecem a burocracia e oscritrios personalistas ou eleitoreiros.

    Neste vis, Lavell (2000) considera queum esquema como este relevante parareconhecer que a "vulnerabilidade global" de umgrupo da sociedade o resultado da combinaoou interao de diferentes tipos genricos devulnerabilidade. E Wilches-Chaux (1993) aindaexplica que cada vulnerabilidade apresentada

    representa apenas um ngulo especial paraanalisar o fenmeno global, onde as diferentes"vulnerabilidades" esto intimamente interligadas.Portanto, em concordncia com Lavell (2000a), avulnerabilidade envolve uma combinao defatores que determinam o grau em que a vida dealgum e seus meios de subsistncia so postosem risco por um evento discreto e identificvel nanatureza ou na sociedade.

    Lavell (2005) destaca cinco componentesda vulnerabilidade apontados por Wisner et al.; Ascondies de bem-estar existentes; O nvel deresilincia ou elasticidade da base materialeconmica (subsistncia); Os nveis deautoproteo dos indivduos; Os nveis de proteo social e a sociedade civil e os nveis deambientes de desenvolvimento e instituies participativas. Segundo o autor, atravs dacombinao e interao destes elementos, possvel melhor compreender as vulnerabilidadesde grupos sociais especficos.

    Mansilla (2000) ainda explica que avulnerabilidade manifesta-se de duas maneiras. A primeira corresponde a reas suscetveis a danoscausados por riscos de diferentes magnitudes, e aconcentrao de elementos como a habitao,infraestrutura, servios, etc., expostos a ameaas

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    em larga escala, como um furaco por exemplo. Ea segunda maneira decorre da gerao eacumulao de diferentes tipos devulnerabilidades, resultante do crescimento edesenvolvimento das cidades, que nos pases emdesenvolvimento no oferecem uma melhoria dascondies de vida para a populao,intensificando as suas vulnerabilidades.

    Outros pesquisadores, como os membrosda Rede de Estudos Sociais em Prevencin deDesastres en Amrica Latina (La RED) - a Redede Estudos Sociais de Preveno em Desastres naAmrica Latina - afirmam que a vulnerabilidade socialmente construda e o resultado de processos econmicos, sociais, polticos ehistricos.

    Portanto, necessrio modelar avulnerabilidade, considerando no apenas osaspectos fsicos, mas tambm fatores sociais, taiscomo a fragilidade da famlia e da economiacoletiva; a ausncia de polticas; falta de acesso propriedade e ao crdito; recursos de ar e gua poludos; altas taxas de analfabetismo; e aausncia de oportunidades educacionais (Wilches-Chaux, 1989; Lavell, 1992; Cardona, 1993;Maskrey, 1994; Lavell, 1996; Cardona, 1996;Mansilla, 1996a pud Cardona 2004).

    Estas condies so resultado de um processo de desenvolvimento desigual daeconomia que sofre a influncia de diferentes

    fatores econmicos e polticos e produz profundasdesigualdades que podem se acentuar em virtudedas divises regionais, tnicas, de classe e gnero,conduzindo certos grupos sociais a condies devida altamente vulnerveis.

    Corroborando com essa ideia Mansilla(2000 p. 52) explica que:

    (...) os estilos de processos de produ o,formas de utilizar a tecnologia e formas deorganizao social, econmica e poltica queopera sob a lgica da explorao capitalista, produziram um aumento no nmero de ameaas egeraram graves desequilbrios nos ecossistemas. No entanto, estas alteraes no tm sidoacompanhadas por uma melhoria na capacidadeda sociedade para resistir ao impacto dessasameaas (...) Por outro lado, os nveis devulnerabilidade da sociedade como um todosubiram substancialmente. Hoje no s ocorremmais desastres, mas o seu impacto cada vez maiscrescente, e maior o tempo que leva pararecuperar as reas afetadas por eles .

    Fica claro que diante da organizao elgica do sistema capitalista alguns fatorescontribuem para ampliar a vulnerabilidade dosindivduos, e esta se tornou uma condio humanae de suas estruturas, sobretudo nos pases em

    desenvolvimento, pois uma parcela significativada populao vive em condio de vulnerabilidadee no dispem de mecanismo para lhe darem eenfrentar as ameaas. Sobre isso, Warner (2007)nos diz que as pessoas mais afetadas so osgrupos marginalizados, como os pobres, asmulheres, crianas e idosos.

    A condio de vulnerabilidade de umgrupo humano pode levar a novos riscos, que, porsua vez, geram novas vulnerabilidades e,consequentemente, novas possibilidades dedesastre (Cardona, 1993).

    Este um processo que vem seacumulando a longo prazo, pois como afirma(Mansilla, 2000), as mudanas radicais nos processos econmicos, polticos e sociais nasregies subdesenvolvidas, no s contribui para aconcentrao de vulnerabilidades, mas tambm a

    sua acumulao, que com o crescimento dascidades (sem planejamento) conduziu a umamudana no padro de vulnerabilidade.

    Neste novo padro, destaca-se ento a pobreza, como uma circunstncia que estassociada vulnerabilidade, intimamenterelacionados, mas ao mesmo tempo distintos.

    A pobreza no uma condio varivel,enquanto que a vulnerabilidade sim. Neste sentidoLampis (2010) esclarece que existe a pobrezatransitria e a crnica. A primeira pode ser afetada

    por medidas de contingncia: o acesso a programas de crdito e medidas de sade pblica,e a segunda requer mais ao estrutural: ocrescimento da renda e do emprego, melhoria dosrecursos fsicos, a construo de capital humanodentre outros.

    A vulnerabilidade ir variar de acordocom o nvel de pobreza de um indivduo, onde osgrupos sociais com nveis econmicos maisinferiores (pobreza crnica) sero maisvulnerveis e menos propensos a uma resposta

    positiva quando da ocorrncia de um desastre(Souza e Zanela, 2009). Ou seja, estes tm maisdificuldades para se recuperar, uma vez que, osmais vulnerveis so aqueles que tm maioresobstculos para reconstruir as suas vidas aps odesastre (Blackie et al., 1991),

    Ser pobre, no significa necessariamenteser vulnervel, e por isso que (Cardona, 2004)afirma que preciso entender que a pobreza no a vulnerabilidade em si e essencial estudar de perto os fatores que tornam as populaesvulnerveis.

    Neste contexto ainda pertinente ressaltaroutros processos sociais que contribuem para a

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    vulnerabilidade dos padres atuais que envolvemuma srie de fatores presentes principalmente nasreas urbanas, pois lcus da ausncia de planejamento que produz e reproduz avulnerabilidade social.

    De um ponto de vista social, a

    vulnerabilidade significa o dficit ou ausncia dedesenvolvimento. Nos pases emdesenvolvimento, a vulnerabilidade ser a junode vrios fatores; crescimento urbano acelerado eincontrolvel e degradao ambiental, que levamas perdas na qualidade de vida, a destruio deRecursos naturais, da paisagem e a diversidadecultural. Isto posto, Cardona (2004) recomendaque para analisar a vulnerabilidade como parte de padres sociais mais amplos, necessrioidentificar profundamente as causas davulnerabilidade a desastres e os mecanismos

    dinmicos e processos subjacentes.Para reduzir a vulnerabilidade social so

    essencial esforos que unam o desenvolvimentosustentvel e a melhoria da qualidade de vida,assim como destaca (Warner, 2007), mas o que seobserva que a reduo da vulnerabilidade edesenvolvimento econmico contradiz as forasdo crescimento, e assim a condio persiste, poisenquanto indivduos dentro de um contexto devulnerabilidade social pode romper o "crculovicioso", a vulnerabilidade social em si pode

    persistir por causas estruturais - ou seja, sociais e polticas - influncias que reforam avulnerabilidade (Warner, 2007),

    Por estes motivos a noo devulnerabilidade no mbito das relaes entre populao e desenvolvimento pode igualmente servista como o aspecto negativo mais relevante domodelo de desenvolvimento baseado naliberalizao da economia e na abertura comercial,e tambm como a manifestao mais clara dacarncia de poder que experimentam gruposespecficos, mais numerosos, da humanidade.(Deschamps, 2004, p.18).

    Diante destas questes importanterefletir sobre as condies que fragilizam umdeterminado grupo social, de que maneira essascondies se estabelecem e se interrelacionam e,ainda, so mantidas em nossa sociedade paraento se ter uma compreenso das reais condiesque conduzem a alta vulnerabilidade.

    Nos dias atuais, diante da complexa produo do espao nos moldes capitalista, nosdeparamos com um sistema social altamentecomplexo. Assim, Warner (2007) chama ateno para o fato de que o maior desafio da pesquisa eao compreender a interao e relao dos

    fatores dentro de sistemas sociais que contribuem para a vulnerabilidade social. Existe umainfinidade de definies e teorias especficas decada disciplina, mas fundamental umaabordagem multidisciplinar para lidar com acomplexidade dos sistemas sociais, e os padresde vulnerabilidade nesses sistemas.

    Cardona (1993) concorda com esta ideia, pois o autor afirma que uma anlise davulnerabilidade necessita de uma equipemultidisciplinar. Cada profissional dentro de suarea pode contribuir para um trabalhointerdisciplinar, e dessa forma mais consistente,como por exemplo, os socilogos podemcontribuir com o avano do conhecimento sobre a percepo de risco e resposta a desastres;gegrafos desenvolverem ferramentas e mtodos para identificar as pessoas em risco; antroplogos

    investigarem riscos locais e estratgias deenfrentamento, e climatologistas acrescentar anoo de riscos de adaptao e de longo prazo(Warner, 2007). Uma abordagem multidisciplinar proporcionar conceitos e estruturas de modo queos aspectos dos sistemas sociais complexos podem ser entendidos no contexto de todo osistema e no apenas a partir de uma nicadisciplina cientfica.

    Cardona (1993) tambm prope que aanlise da vulnerabilidade um processo que

    contribuir para a compreenso do risco atravsde interaes dos elementos (indivduo e ameaa)com o ambiente perigoso. Os elementos em riscoso o contexto social e material representado pelas pessoas, os recursos e servios que podem serafetados pela ocorrncia de um evento, ou seja, asatividades humanas, sistemas feitos pelo homem,e as pessoas que os utilizam.

    Face o exposto, embora a vulnerabilidadesocial seja uma temtica relativamente recente, e por isso ainda existe uma impreciso conceitual, asua compreenso ir contribuir de formaconsistente e significativa para avaliar o alcancedas polticas sociais, principalmente a condio deindivduos ou grupos em situao de fragilidade,que corresponde s classes mais pobres e menosfavorecidas da sociedade, e requer ateno paramltiplos planos, sobretudo, para estruturassociais vulnerveis.

    DesastresDesastre tambm um conceito permeado

    por imprecises conceituais. E diante disto, aquise busca uma definio apropriada para ummelhor entendimento acerca do tema em questo.

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    Alguns autores falam que o desastre o prprioevento fsico (no Brasil esta ideia bastantedifundida, e confunde-se ameaa com desastre).

    Mas, segundo Cardona (1996) osdesastres so processos sociais resultantes daocorrncia instantnea e real de um fenmeno que

    caracteriza uma ameaa, onde a condio devulnerabilidade dos elementos expostos favoreceou facilita uma vez que quando a ameaa e riscose concretizam causa efeitos danosos a todas asdimenses que compem o meio ambienteurbano. Os riscos se materializam nos desastres.

    O "desastre" tambm se refere a situaesde anormalidade grave, que afetam a vida, asade, os bens e habitat de populaes humanasalm do limite de resistncia e resilincia dossistemas envolvidos (Cardona, 2008, p.3).

    E sobre os seus efeitos, conforme osensinamentos de Cardona (1993 p.47), (...)variam de acordo com as caractersticas doselementos expostos e da natureza do evento emsi. O impacto pode causar diferente s tipos dealteraes.

    Para Cardona (1996) os efeitos podem serclassificados em perdas diretas e indiretas. Perdasdiretas so relacionadas a danos fsicos, comovtimas, danos aos servios de infraestrutura pblica, em edifcios, espao urbano, da indstria,do comrcio e da degradao do meio ambiente,ou seja, alterao fsica do habitat. As perdasindiretas geralmente esto relacionadas aos efeitossociais, tais como interrupo do transporte,servios pblicos, meios de comunicao e daimagem desfavorvel que uma regio pode tomarsobre os outros; e efeitos econmicos tais como perturbaes do comrcio e da indstria, comoresultado do declnio da produo, desincentivos para os custos de investimento e de gerao dereabilitao e reconstruo.

    De acordo com Lavell (2000b) desastresso situaes nas quais os nveis de perda edestruies sofridas excedem a capacidade normalde resposta e recuperao da populao afetada,exigindo medidas extraordinrias ou apoioexterno para restaurar ou melhorar os nveisanteriores de bem-estar e oportunidades.

    E quanto s caractersticas do desastre,Cardona (1993) fala que podem ser causados porum fenmeno natural ou pelo ser humano. Eleexplica que alguns desastres naturais so ameaasque dificilmente no podem ser neutralizadas,

    embora em alguns casos possa ser parcialmentecontrolada, como por exemplo, um terremoto,tsunami, vulco, etc. E os desastres de origem

    antrpica, ocorrem por falhas tcnicas, que podedesencadear uma srie de falhas podendo originaroutros efeitos de grandes propores, comoguerras, incndios, epidemias, acidentes, dentreoutros. E ainda destaca as dimenses de umdesastre, considerando a dimenso demogrfica,temporal e espacial.

    Segundoa ISRD (2009), desastre uma profunda ruptura no funcionamento de umacomunidade ou uma sociedade, causando perdashumanas, materiais, econmicas e ambientais queexcedem a habilidade de lidar com o problema por parte da comunidade ou sociedade afetada usandoseus prprios recursos.

    Na perspectiva da UNCCD, 2009(Glossrio de termos e conceitos usados nocontexto da UNCCD), em geral, pode-seconsiderar o conceito de desastre sob 3 aspectosdistintos:

    Desastres naturais: furaces, tsunamis ouseca. Estes eventos tm uma dinmica prpria eno so causados diretamente pelos homens. Noentanto, considera-se que as atividades humanas podem intensificar ou reduzir os efeitos dosdesastres. Os sistemas de alerta precoce e os programas de preparao para as secas podemminimizar melhor e mitigar as perdas humanas eeconmicas.

    Desastres humanos: como a guerra, afome ou uma epidemia, que so causadas peloshomens e no tm relao direta com o ambiente,mas podem impactar profundamente o ambiente.Considera-se que algumas guerras civis na fricacausaram profundos danos aos recursos naturais.

    Desastres Humanos-Naturais: refletemuma combinao de atividades /comportamentoshumanos em condies naturais ou ambientaisespecficos. Em geral, os desastres mistos tmuma dinmica baseada em mecanismos deretroalimentao entre causas e consequncias.

    Por fim, vale destacar os questionamentosde Wilches-Chaux (1993), sobre a possibilidadede evitar a ocorrncia de um desastre, ou reduziras consequncias nocivas para uma comunidadeafetada. O autor explica que evitar ou reduzir asconsequncias de um desastre dependero da preveno dos riscos (eliminao ou preveno),mitigao das vulnerabilidades e preparao parao desastre, pois em algumas situaes, por maisque se tomem medidas possvel ocorrncia dodesastre e necessrio preparar a comunidade para enfrent-lo, buscando reduzir o mximo

    possvel a durao do perodo de emergncia eacelerar o incio das etapas de reabilitao ereconstruo, e assim reduzir a magnitude do

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    sofrimento coletivo e individual e possveistraumas econmicos e institucionais.

    Em resumo, alguns autores consideramaspectos distintos sobre o conceito de desastre,mas de modo geral, ele a materializao do riscoque afeta negativamente a sociedade e seuscomponentes, bem como os ecossistemas e meioambiente natural como um todo, causando prejuzos, sendo resultado, portanto, do riscoversus a vulnerabilidade.

    O desastre uma questo poltica. NoBrasil e em muitos pases do mundo no inserema questo da gesto da reduo dos riscos nos planejamentos. Isto teria uma conotao socialmuito importante, pois implicaria em se ter polticas eficazes no combate no que diz respeito pelo direito vida digna de todos os cidados.

    Percepo de riscosO estudo da percepo

    Segundo Tuan (1980), estudos sobre a psicologia social, a sociologia, a antropologia, aeconomia e as cincias afins vm tentandocompreender por que as pessoas possuemdeterminados comportamentos ou como elasescolhem sobre alternativas. E partir da dcada de70 esses estudos ganham destaque no campocientfico com o objetivo de compreender edeterminar a relao dos problemas humanos como centro psicolgico da motivao, dos valores e

    atitudes que dirigem o comportamento humano.De acordo com o psiclogo Hochberg(1973, p. 11), a percepo um dos mais antigostemas de especulao e pesquisa no estudo dohomem [...] Estudamos a percepo numatentativa de explicar nossas observaes domundo que nos rodeia. Segundo Furtado (2012 p.5);

    A percepo o processo de interpretar,organizar e selecionar os estmulos e informaesque recebemos do ambiente em que estamosinseridos. Todo ser humano tem a capacidade da percepo, a qual est relacionada aos seus processos cognitivos, e afetivos, constituindo osseus comportamentos. Como processo, a percepo se transforma, se desenvolve, seamplia, a depender da qualidade das relaes dosseres humanos uns com os outros e deles com omeio ambiente. Ento, no est pronta e nemacabada, a percepo muda. (...) A percepo efeito da cultura e determina nossoscomportamentos, orientando nossa tomada dedeciso referente ao que se percebe.

    A percepo utilizada em vrios camposdo conhecimento, e por isso existem muitasabordagens e enfoques dados por diferentesautores, como Tuan (1980), Chau (1996), Del Rio

    (2001), Oliveira (1977), Unesco (1977), dentreoutros. No entanto, todas as teorias tm um pontoem comum, por identificarem o papel dassensaes e dos sentidos na formao da percepo.

    Para Chau (1996) a percepo a sntesedas sensaes, e para termos sensaonecessitamos de todos os sentidos, para assimcompreendermos melhor o mundo volta.

    A Unesco (1977) define que a percepo a maneira pela qual o homem sente ecompreende o meio ambiente, (o natural ou citado

    por ele) e avana no sentido em considerar osfatores culturais como importantes para aformao da percepo. Neste sentido, a percepo ajuda a perceber e compreender omundo com seus mais variados elementos e comoeles se comportam e se relacionam.

    Santelices (2004) ainda explica que aformao das percepes envolve processos deaprendizagem de maior ou menor complexidade, etodo indivduo desenvolve predisposies perceptuais, ou seja, tende a interpretar o que percebe com base em chaves aprendidas, crenase valores.

    Oliveira (1977), ainda assinala que asteorias que explicam o processo perceptivotambm so apresentadas em estudosdesenvolvidos por Gestalt, Gibson e Piaget.

    De acordo com Santelices (2004) o

    primeiro marco do debate terico sobre este temaconsiste entre os associacionistas e gestaltistas,onde o primeiro grupo argumenta que as percepes se originam como compostoselementares, dados sensoriais, ou sensaes,definida por Wundt como "os primeiros dadosconscientes". E o segundo defende que ainterveno de certos padres, originados porfatores determinados e constantes da forma, dosentido e contedo aos estmulos percebidos.

    J na perspectiva piagetiana, com maiorinfluncia, a percepo e o processo cognitivoesto diretamente associados e a percepo vistacomo uma forma de compreender a sociedade,seus valores, ou seja, o entendimento do mundo.A percepo para Piaget parte dos processoscognoscitivos mais complexos (Santelices, 2004).

    Segundo Piaget (196 apud Oliveira 1977),o cognitivo e o afetivo so distintos, masinseparveis, uma vez que a interao homem-meio necessita de uma estruturao e umavalorizao. O aspecto cognitivo refere-se ao processo de estruturao da conduta, enquanto oafetivo refere-se aos sentimentos que regulam osinteresses individuais e os valores. A condutahumana um constante processo de adaptao ereadaptao do homem ao meio ambiente e

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    envolve dois aspectos interdependentes ocognitivo e o afetivo.

    Rapoport (1978 apud Souza e Zanella2009) corrobora com esta ideia ao afirmar que para analisar as interaes existentes entre osseres humanos e o meio necessrio que trsreas sejam conhecidas e so elas: a cognio(processos de perceber, conhecer e pensar);afetividade (que est relacionada aos sentimentos,sensaes e emoes) e a conexo entre a aohumana sobre o meio, como resposta a cognio eafetividade.

    Diante destas colocaes, conclui-se que a percepo um processo que permite perceber einterpretar o mundo.

    A percepo pode, portanto, ser encaradacomo parte integrante da vida dos sujeitos,desempenhando um papel relevante na construodo pensamento lgico e, consequentemente, na percepo do meio ambiente, onde o espao percebido refere-se ao espao em que os homensvivem e onde a conduta humana uma contnuaadaptao, realizada atravs de dois processosinterativos: um de assimilao do meio ambiente eoutro de acomodao ao meio ambiente (Oliveira,1977). Ento, pode-se dizer que processoscognitivos resultam do contexto das relaessociedade com o ambiente.

    por isso, que a Gegrafa Lvia deOliveira se reporta a Percepo do Meio

    Ambiente, com uma perspectiva piagetiana. Paraela a percepo do meio ambiente ocorre emvrias escalas, da local ao global, e preocupa-secom os processos pelos quais as pessoas atribuemsignificados ao seu meio ambiente, querepresentam valores destes indivduos de acordocom sua realidade, envolvendo vrios aspectos,como cultura, idade, sexo, classe, religio, etc.

    A percepo do meio ambiente permiteestudos que englobam vrias reas deconhecimento. Portanto, consiste numa ferramentainterdisciplinar e nesta perspectiva, para fins desteestudo destaca-se a temtica sobre a percepodos riscos, uma vez que existe uma significativademanda por estudos desenvolvidos nesta tica(Souza e Zanella, 2009).

    A percepo de riscosA percepo do risco refere-se

    associao do conhecimento e sentimento, diantede uma situao ou um conjunto de circunstnciasque impliquem em consequncias (Kasperson etal., 1988). Deste modo, procura a compreenso dasubjetividade que existe acerca das relaes entreo ser humano e os riscos.

    O estudo da percepo do risco iniciou-sea partir dos anos 60, e os primeiros a se

    preocuparem com esta temtica foram os norte-americanos. Os primeiros estudos sobre os riscosforam realizados nos Estados Unidos, no incio dosculo XX, buscando a soluo para controle deinundaes. Esse estudo foi puramente tcnico, ealgumas questes importantes no foramcomtempladas, como a avaliao/percepo dosriscos pelos prprios moradores e s decises queestes tomavam frente s situaes de ameaa. A partir de ento, surge necessidade de investigarestas questes, onde pesquisadores foramconvidados para atuao neste cenrio e surgemento os primeiros trabalhos sobre a percepodos riscos (White, 1973).

    Desse modo, os trabalhos que antes eramapenas objetivistas, voltado mais para reas decincias exatas como a engenharia, diante de suaslacunas deram espao para estudos subjetivistas,de um ponto de vista mais social a partir dascincias sociais, onde a percepo do risco passa aconsiderar os aspectos culturais esocioconstrucionistas (Marandola Jr. e Hogan,2004).

    Tem-se ento uma abordagemsubjetivista, que inicialmente apresenta dois paradigmas distintos ou linhas de pesquisa. A primeira a psicomtrica, que tem uma relaomais direta com a psicologia, e enfoca os fatorescognitivos e a escala individual e se assenta naideia de que o risco subjetivo, onde as pessoas

    podem ser influenciadas por um grande nmerode fatores psicolgicos, sociais, institucionais eculturais (Queirs e Palmas, 2006)

    E a teoria cultural aborda o contextosociocultural, e ressalta o papel da cultura nadelimitao da percepo do risco, ou seja, baseia-se predominantemente nas respostas dos gruposaos riscos, e o risco emana de fatores sociais eculturais. Esta teoria baseada nas obras daantroploga M. Douglas e embora tenha sido alvode crticas, por ser considerada incompleta aono considerar outros fatores, tem sua relevncia,sobretudo por considerar o conceito de cultura aosestudos sobre riscos (Queirs e Palma, 2007). Eainda segundo os autores, Apesar de em muitosestudos aparecerem separadas, estas duasorientaes fazem parte de um mesmo movimentoque necessita ser analisado em paralelo. (p. 12).

    Apesar da carncia destes estudos noBrasil, vrios trabalhos j foram desenvolvidosnesta perspectiva (percepo dos riscos). Podem-se citar os estudos desenvolvidos por: Kashiwagi,2005 (O processo de percepo e apropriao doespao nas comunidades marginais urbanas: ocaso da favela do Parolin em Curitiba PR);Mendes, 2006 (Percepo dos riscos ambientaisem cortio vertical, uma metodologia de

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    avaliao); Souza e Zanella, 2009 (Percepo dosriscos de escorregamentos na Vila Mello Reis,Juiz de Fora (MG); Percepo dos riscos deinundao no Geniba II: Fortaleza- CE) entreoutros.

    Segundo Marandola Jr. e Hogan (2004), a princpio os estudos de percepo de risco foramdesenvolvidos para integrar os estudos deavaliao e gesto do risco, com o intuito deaprimorar este modelo terico j utilizado porvrios profissionais. E esperava-se que estasabordagens poderiam de alguma forma, diminuiras incertezas com as quais convivemoscotidianamente.

    Os principais conceitos utilizados porestudos desta natureza so de grande interesse para o gerenciamento de riscos, no apenas no quese refere populao envolvida, mas tambm paraa adequao das polticas pblicas adotadas aograu de percepo do risco desta populao ou amodificao do grau de percepo por meio de processos de educao, informao ecomunicao (Nogueira, 2002).

    Kuhnen (2009) salienta que o processo da percepo de risco de natureza social. Furtado(2012 p. 5) nesta mesma linha de pensamentoafirma que o risco e a percepo de risco soresultados de construes sociais, tendo umadimenso fsica, subjetiva e multidimensional.

    O risco um aspecto da percepo da

    qualidade ambiental, e h fatores que influenciamas pessoas a perceberem o risco, assim tambmcomo sua condio de vulnerabilidade, o quedetermina o comportamento diante dos riscos.Investigar esta percepo pode reduzir a probabilidade de desastres, j que o risco sematerializa no desastre, e quem propicia aeminncia de um desastre frente a uma ameaa avulnerabilidade (Kuhnen, 2009).

    Segundo Santelices (2004) necessrioenfatizar que por sua prpria natureza, comomodalidade cognoscitiva e ainda mais pelo carterabstrato de seu objeto, a percepo do riscoincorpora sempre a interpretao ativa de seus protagonistas.

    Compreender a percepo dos riscosconstitui uma importante ferramenta para auxiliaro planejamento de aes, sejam elas emergenciaisou polticas pblicas, e por isso tem sido bastanteindicado como metodologia de preveno, pois a partir da avaliao e conhecimento cotidiano dequem conhece e vivencia uma determinadarealidade possvel identificar os riscos e destemodo preveni-los a sua materializao, uma vezque os tcnicos ou polticos na maioria das vezesno possuem os mesmos critrios para perceber orisco.

    As percepes esto determinadas porfatores que muitas vezes no so consideradosrelevantes pelos especialistas, onde existe umconhecimento significativo e importante a partirdas percepes dos "no-especialistas" quecontribuir para preveno de desastres(Santelices, 2004).

    De acordo com Souza e Zanella (2009 p.34) a investigao no campo da percepo dosriscos apresenta, entre seus principais objetivos, oreconhecimento das diferentes respostas humanas tipologia de eventos extremos e s situaes de perigo. A percepo torna-se um componentedecisivo na estruturao de respostas ao perigo,influenciando vrios aspectos da vida individual ecoletiva.

    Estudos desta natureza so capazes decolaborar de forma eficiente com possveisiniciativas que possibilitem benefcios para asociedade, revelando um potencial significativo,to importante na atualidade.

    necessrio que haja uma interrelaoentre a populao, polticos e comunidadecientfica e conforme Burton, Kates e White(1993, p. 248 apud Souza e Zanella, 2009) [..]uma anlise de risco deve ter em conta a formacomo ela percebida diretamente pelas pessoas,indivduos e organizaes envolvidas na respostaao risco, bem como as percepes dos cientficose tcnico analistas.

    Os estudos de percepo de riscos ajudama compreender as interrelaes que se estabelecementre a populao e os ambientes diante de umasituao de risco, e revela situaes que procedimentos puramente tcnicos no socapazes de apreender, dificultando muitas vezes acompreenso total da realidade e relaes de uma populao vulnervel exposta ao risco.

    Oliveira (2012) menciona que a realizaode estudos de percepo permite a aproximaoentre o gestor de riscos e a populao, tornando o processo de elaborao da estratgia de gesto dosriscos compartilhado e com melhores chances deatingir seus objetivos.

    pertinente destacar outras trscontribuies muito bem ressaltadas por Souza eZanella (2009), que apontam: a elaborao deestratgias de comunicao, de educaoambiental e de participao popular comoimportante auxlio no trabalho de preveno deacidentes.

    Kuhnem (2009) ressalva que para umagesto efetiva dos riscos essencial participaodos atores envolvidos, em todas as etapas do processo. Como afirma Lavell (2002b) gesto deriscos no apenas a reduo de riscos, mas oentendimento de termos a participao de vrios

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    estratos sociais, setores, grupos de interesses decomportamentos e estilos de vida representativos para entender como se constri uma sociedade derisco coletivo, com a concordncia dos diversossetores de uma regio, sociedade, comunidade oulocalidade.

    fundamental estabelecer uma relaoentre estes mtodos tradicionais e a percepo, ouseja, o conhecimento e aceitao do risco pela populao. Este pode-se dizer que um dosmaiores desafios da gesto dos riscos, masconsiste no caminho que possibilitar umacontribuio mais confivel para os objetivos quese deseja alcanar.

    Fatores que influenciam a percepo do riscoSouza e Zanella (2009) discutem que

    algumas caractersticas ou qualidades prprias dassituaes de risco (portanto, parte da sua realidadeobjetiva) so especialmente capazes de influenciara percepo, atenuando ou agravando a avaliaoque se faz da realidade, como a causa do risco, otipo de consequncia, as vtimas envolvidas e o possvel cenrio de destruio.

    Um indivduo pode ser influenciado porvrios fatores e por isso importante considerar a percepo de todos para uma avaliao maisconsistente. Lavell (1996) tambm destaca fatoresque podem influenciar as diferentes percepes,como a classe, etnia, raa e gnero, idade, nvel

    educacional, crenas religiosas, experinciasanteriores e envolvimento organizacional, entreoutros.

    Souza e Zanella (2009) falam de outrofator que pode afetar a percepo, a avaliao da probabilidade de ocorrncia de acidentes. Sobreisso, observa-se que a ocorrncia de acidentes emreas de riscos na maioria das vezes estrelacionada a fatores naturais, e os fatoreshumanos, bem como a dimenso poltica acabamsendo negligenciados, quando na verdade fazem parte de um conjunto que podem levar aocorrncia de um desastre e afetar diretamente a percepo das pessoas.Queirs e Palma (2007)destacam quatro nveis principais da formao da percepo, abordado nos estudos de Renn eRohrmann (2000), que consideram tanto as

    manifestaes coletivas, quanto individuais(Figura1).Segundo os autores supracitados, o primeiro nvel corresponde aos processosheursticos de processamento da informao. Aheurstica, ou a formao de julgamentos dosriscos, um processo criado pelo indivduo parasolucionar problemas complexos, atravs de suasregras prticas, senso comum. Assim, se explica asobreestimao de riscos com grande potencialcatastrfico que os indivduos conhecem e asubestimao de riscos que no conhecem Renn eRohrmann (2000 apud Queirs & Palma 2007).

    O segundo nvel associa os fatoresafetivos e cognitivos, onde se considera oconhecimento sobre o risco, as crenas pessoais efatores emocionais que so decisivos na formaoda percepo, pois ambos influenciamdiretamente.

    O terceiro nvel refere-se estrutura sociale poltica em que o indivduo est inserido.Destaca-se a influncia destas esferasinstitucionais, os valores pessoais e interesses, bem como as estruturas socioeconmicas e polticas. Estes aspectos so importantes naavaliao do risco, pois possvel analisarvariveis como a confiana nos mecanismos eentidades de controle e gesto do risco, ainformao veiculada e a percepo da justia nadistribuio dos benefcios e riscos. Alm de poder verificar os processos de tomada de deciso

    por parte do poder pblico e suas consequncias para a populao (Queirs & Palma, 2007).O quarto nvel corresponde aos fatores

    culturais, que condizem com a teoria cultural,onde esta influencia de forma direta na formaoda percepo, bem como comportamento eidentidade do indivduo.

    Tambm pertinente mencionar que osgrupos sociais que residem em reas altamente precrias, muitas vezes aceitam o risco de forma pacfica, pelo fato de que existem outrasprioridades, como alimentao, sade,

    segurana, etc. Cardona (1993) explica que a percepo do risco no linear, pois existemoutros valores importantes para a sociedade.

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    Figura 1: Nveis de percepo do risco. Fonte: Queirs e Palma (2007).

    Alm disso, existe a possibilidade destas percepes no serem totalmente verdadeirasdevido ausncia de informaes de algumas pessoas ou compromisso com a situao e porisso, a percepo deve ser vista como umaferramenta a mais, devido sua importncia nocontexto social (Souza e Zanela 2009).

    Os riscos so mais facilmenteidentificados em reas onde a populao tem umamaior condio de vulnerabilidade, que noscentros urbanos encontram-se nas chamadasfavelas ou comunidades. Sobre isso, Fortunato

    (2012) destaca alguns pontos sobre a percepo deriscos nas comunidades:- Cada comunidade constri de maneira especficao universo dos significados, privilegiandoexplicaes e encorajando certos tipos de reaese aes frente aos riscos. necessrio reconheceros ritos existentes na comunidade para lidar comos riscos a que esto expostas;- As pessoas selecionam os riscos que devem darimportncia e os que no do;- No h uma relao direta entre o conhecimentodos riscos e perigos e a utilizao de medidas de

    proteo efetivas;- A existncia de uma elaborao de que o que invisvel no traz riscos;

    - Presena de vis otimista: no serei afetado pelorisco;- A literatura esclarece que a aceitao das novas prticas para gesto do risco depende de sua possibilidade de integrao s prticas vigentes;- As mudanas so vinculadas a benefcios, comomaior produo e melhores oportunidades, elasso avaliadas como positivas e os indivduos so propensos a minimizar seus riscos;- Comum a crena de que as organizaes emdia exageram os riscos;- Negam o risco que no tem condies de

    controle, por isso a sua percepo depende dasestratgias de adaptao e possibilidade decontrole sobre a realidade.

    Estudos que investigam percepes comoestas, possibilitam uma grande contribuio desubsdios para a gesto de riscos, formulaes deestratgias e polticas pblicas.

    E para investigar a percepo dos riscosde modo a contribuir para um melhorgerenciamento e avaliao essencialcompreender os fatores cognitivos individuais e oscoletivos, pois conforme explica (Marandola Jr. e

    Hogan, 2004), o dilogo entre as diferentes perspectivas e abordagens fundamental paracompor um quadro analtico mais rico e mais

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    prximo da realidade, entendendo assim suamultidimensionalidade, considerando todos osaspectos de um grupo social.

    apropriado esclarecer que a anlise dorisco difere da percepo do risco, pois muitasvezes os conceitos so confundidos. A primeiraconstitui a objetividade, a segunda refere-se ao processo subjetivo, baseado nas imagensindividuais ou coletivas de um grupo social sobreos riscos (Navarro e Cardoso, 2005).

    Diante destas colocaes, Queirs (2000)considera a importncia da objetividade esubjetividade nos estudos dos riscos, sendo, portanto complementares e no excludentes,atravs de uma posio intermdia que aceite procedimentos cientficos que consideram que osriscos no so puramente objetivos e a introduode valores a eles associados uma condionecessria.Modelos diferentes de comportamento frente ssituaes de risco

    Dentro da temtica discutida, oportuno ressaltar os diferentes modos de comportamentodiante de uma situao de risco. Souza e Zanella(2009), em seus estudos, apresentam quatromodelos diferentes, baseados nas obras de Park(1985) e Burton et al., (1993);A. O risco no percebido: nesse caso, osindivduos no tm conscincia da ameaa, pois julgam sua manifestao ou seus efeitos pouco

    provveis. Geralmente, ainda no ocorreram perdas ou, se ocorreram, foram insignificantes eos seus impactos absorvidos com facilidade. Porisso, o risco no se converte em uma preocupaoe a comunidade se mantm merc dascircunstncias. Comportamento tpico em reasameaadas por fenmenos com longos intervalosde recorrncia (como as erupes vulcnicas) oucom evoluo lenta e gradual (como a poluioatmosfrica);B. O risco percebido, mas aceito de forma passiva: as ameaas so reconhecidas e toleradas, pois consideradauma espcie de preo pelamoradia. O limiar da conscincia foi atingido emdecorrncia da experincia com as situaes perigosas, por isso os indivduos sabem do risco, porm aceitam passivamente suas consequncias, j que no encontram solues para o problema. Aresposta mais comum nesses casos a evacuaoda rea e a busca por socorro, como em algumassituaes de enchentes ou de escorregamentosenvolvendo comunidades pobres;C. O risco reduzido mediante uma atitude positiva: esforos so realizados no intuito dereduzir as perdas, ou seja, diminuir avulnerabilidade frente ao fenmeno, pois j foiatingido o limiar da ao. Os moradores tomaram

    conscincia do risco e da importncia das perdas,adotando ajustamentos mais efetivos para preveno e controle. Comportamento tpico deregies mais desenvolvidas, cujos prejuzoseconmicos so altos em casos de acidentes e acomunidade dispe dos meios necessrios para seajustar (embora nem sempre tais medidas sejamideais);D. O risco leva mudana (migrao) ou a umatransformao no uso do solo: nesse tipo desituao, o limiar da intolerncia foi atingido e orisco impe a modificao do uso do solo (porexemplo, troca de uma cultura agrcola por outraatividade econmica ou reverso de uma antigarea residencial para atividades de lazer ou preservao ambiental), a mudana do local demoradia, ou uma combinao de ambos.

    Estes comportamentos ocorrem de acordocom a aceitao do indivduo, e a percepo que omesmo tem sobre a situao, ou seja, como percebe o risco ou no.

    ConsideraesEste artigo buscou esclarecer imprecises

    conceituais so bastante comuns nessa rea deconhecimento, e reflexes no apenas paradestacar a construo dos conceitos de risco,vulnerabilidade, desastre e percepo dos riscos,mas tambm enfatizar a sua importncia para osespecialistas, bem como para as populaes locais

    que so os protagonistas destes cenrios,observadas principalmente em reas de grandeadensamento populacional.

    relevante frisar a influncia que osfatores sociais, econmicos e culturais tm sobreos indivduos que vivem em setores de riscosnuma condio de vulnerabilidade. Percebe-seento a importncia das abordagens qualitativasassociadas mensurao do risco, pois muitasvezes nos deparamos apenas com metodologiasquantitativas que acabam sendo limitadas, por noserem capazes de interpretar a situao real dosgrupos populacionais.A articulao entre tcnicos, especialistase participao ativa da populao muitoimportante, pois este conhecimento contribuir demodo significativo na construo de estratgias demitigao espacialmente mais detalhadas (Nossaet al., 2013),

    evidente ainda a interligao entre risco,vulnerabilidade social, desastre e percepo derisco no contexto urbano, e para ter sucessoquanto gesto dos espaos necessrio umconhecimento correto e adequado destesconceitos, para ento usar metodologias maisadequadas e que se complementem, buscando

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    alternativas viveis considerando as particularidades das regies.

    Por fim destaca-se que no h ocorrnciade desastre onde no h vulnerabilidade e por isso essencial que as polticas pblicas sejamexecutadas continuamente (com a efetiva participao de todos os setores da sociedade), buscando o restabelecimento destas populaesem condio de vulnerabilidade e expostas a riscode desastres naturais ou antrpicos, assim como, areestruturao de servios essenciais ao seu bemestar (Cmara et al. 2014).

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