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VALENÇA EM QUESTÃO // debate / crítica / opinião ano VII // edição 43 // agosto de 2012 // blogdovq.blogspot.com Memórias dos meus tempos de fábrica O que pode e o que não pode nas eleições // Quadrinhos dos anos 10 // ‘Ser professor é pensar para além da sala de aula’ Um grito de socorro silencioso // Fale com a nutricionista

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Jornal Valença em Questão

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VALENÇA EM QUESTÃO // debate / crítica / opinião ano VII // edição 43 // agosto de 2012 // blogdovq.blogspot.com

Memórias dos meus tempos de fábrica

O que pode e o que não pode nas eleições // Quadrinhos dos

anos 10 // ‘Ser professor é pensar para além da sala de aula’ Um grito de socorro silencioso // Fale com a nutricionista

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VALENÇA EM QUESTÃO

ano VII // edição 43 // agosto de 2012www.blogdovq.blogspot.com

Endereço:R. Francisco Di Biase 26 Torres HomemValença-RJ CEP [email protected] Tel.: 21-8187-7533

Colaboraram nesta edição:Vitor Castro (30.325 Mtb), André Dahmer, Bebeto, Carlos Brunno S. Barbosa, Jaqueline Cristina, Marianna Araujo, Patrícia Oliveira, Rafael Monteiro e Sanger Nogueira.

Ilustração de capa:Vitor Castro

Projeto Gráfico e Diagramação: Mórula Oficina de Ideiaswww.morulaideias.com.br

Tiragem: 1500 exemplares

Impressão:Gráfica PC Duboc Ltda.

O Valença em Questão circula no município de Valença, arredores e Rio de Janeiro, além de enviado via correio eletrônico e disponibilizado na internet.

Colabore Com o VQ: Banco Itaú – Agência 0380

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O VALENçA EM QUESTãO ESTá SOB LICENçA CREATIVE COMMONS. ALGUNS DIREITOS RESERVADOS:

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Ferramentas digitais para as eleiçõesPor natália Mazotte, do Canal Ibase

As eleições municipais se aproximam e com elas a res-ponsabilidade de eleger bons vereadores e prefeitos. Para facilitar um voto consciente, preparamos esta lista com algumas ferramentas, disponíveis na web, que permitem desde o acompanhamento da atuação de um determinado político até a exigência de compromissos voltados a me-lhorias em sua cidade.

// Veja no blog a lista e os links dos sites

Avenida BrasilPor samir resende, do Jornal local

(...) No caso da PM Fabiana de Souza, valenciana as-sassinada no Complexo do Alemão, a tragédia que nos-sa sociedade está envolvida se completa. A sorridente Fabiana, soldado recém formada que trazia sonhos e a admiração dos seus vizinhos no Parque Pentagna, foi al-vejada com um tiro de fuzil de uso exclusivo (?) que per-furou o colete a prova de balas (??) que a corporação usa.

// Leia o artigo completo no blog

// Deu no Blog do VQ

os DEsEnhos DE João PAulo MAIA

O Valença em Questão foi a coisa mais engraçada que aconteceu hoje [23/07] no Bar do Irineu. Todos os políti-cos lendo e comentando, mas até agora não sabem quem é aquele de óculos que está perto do André. Rômulo me disse que vai guardar o jornal como relíquia. Parabéns pelas reportagens, mas teve gente que ficou puto da vida. Me respondam quem é ele.

Ana Maria Magalhães, por email.

// Ana, as ilustrações foram feitas pelo grande artista valen-ciano João Paulo Maia. As caricaturas estampadas em nossa última capa reproduziram os velhos e novos nomes de nos-sa política. Além dos seis candidatos (Álvaro Cabral, Chico Lima, Fábio Ramos, Fernandinho Graça, Rômulo Milagres e Saulo Correa), estiveram por lá André Correa, José Graciosa, Leonardo Picciani e Vicente Guedes.

// Cartas dos Leitores

A matéria que ilustra a capa desta edição do VQ remete às recordações do ‘tempo das fábricas’ em Va-lença. Para a geração que nasceu a partir da década de 1990 pode parecer como uma novidade, mas Valen-ça foi por muitos anos um importante polo têxtil. Hoje o que vemos são os galpões abandonados em péssimas condições estruturais, mui-tos deles tombados como patrimônio – mas sem qual-quer finalidade promissora, infelizmente.

O texto de Carlos Brun-no, baseado nas memórias de sua mãe Vanda, uma das muitas trabalhadoras das fá-bricas de Valença, nos faz re-fletir sobre o nosso passado recente, e com isso podemos pensar – ou repensar – o nosso futuro. Ainda sobre as fábricas e as lutas dos traba-lhadores, o entrevistado da edição, o professor Gilson Luiz Gabriel, também re-lembra algumas passagens em que esteve presente, es-pecialmente quando partici-pou ativamente da greve das fábricas de Valença em 1988.

Gilson faz um paralelo entre as lutas dos traba-lhadores das fábricas e a sua atual luta junto à cate-goria dos profissionais da educação. Para ele, há uma dificuldade em criar uma identidade de classe entre os professores – diferen-te do que acontecia com os trabalhadores das fábricas.

Mas Gilson fala também das suas lutas atuais, da sala de aula, dos problemas da educação brasileira e do papel do professor.

eDITorIal

O que não poderia deixar de ser tratado nesta edição são as eleições municipais, que já iniciaram suas cam-panhas pelas ruas da cida-de. Fizemos uma lista do que é permitido e do que não é permitido durante a campanha eleitoral. Por exemplo, pagar para que alguém coloque um cartaz na sua casa é crime. Ofere-cer aos eleitores qualquer bem material também, como sacos de cimento, tijolos etc. Nada disso é permitido, embora seja mais comum do que gos-taríamos em nossa cidade. Um político que se presta a esse papel não merece o voto de ninguém. No caso de presenciar alguma irre-gularidade, qualquer pes-soa pode denunciar junto à justiça eleitoral.

Em nossa última página, a dica da seção Navegan-do é o blog da nutricionista Carol Morais, que mantém a página na internet para divulgar informações sobre saúde, nutrição e bem-estar. André Dahmer nos brinda com mais uma tirinha dos Quadrinhos dos anos 10, e a poetisa desta edição é Jaque-line Cristina, que grita para que acudam nossa Valença.

Vale destacar ainda a con-tribuição de mais uma em-presa parceira, a Vidraçaria Princesa da Serra, que junto ao Jopag Supermercado e à Miriam Lajes, colabora de-cisivamente para a manu-tenção da edição impressa. Caso queira colaborar, entre em nosso blog e veja como pode ajudar na construção e manutenção do VQ.

As memórias sobre o nosso passado podem nos ajudar a refletir sobre o que queremos para as novas gerações

Conhecer o passado para pensar o futuro

2 Agosto de 2012

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// Política

Já foi dada a largada para as campanhas eleitorais. No próximo dia 7 de outubro teremos eleições municipais em Valença – agora sem ris-co de cancelamento. Serão eleitos um prefeito e 12 vereadores – dois a mais do que nos pleitos ante-riores, quando elegíamos 10 candidatos.

Desde o dia 6 de agosto que está permitido a propaganda dos candidatos. E já na próxima ter-ça-feira, dia 21 de agosto, começa também o perí-odo das campanhas eleitorais na TV e no rádio.

Em Valença, para o cargo de prefeito, seis candidaturas foram registradas: Álvaro Cabral, Chico Lima, Fábio Ramos, Fernandinho Graça, Rômulo Milagres e Saulo Correa. Como as cam-panhas estão nas ruas, o VQ fez uma lista dos pro-cedimentos que são permitidos – e os que não são permitidos – durante a campanha eleitoral.

No caso de presenciar alguma irregularidade, o eleitor pode denunciar junto ao Cartório Eleito-ral de Valença, que fica na Rua Araújo Leite, 166, Edifício do Fórum , Sala 1, térreo. A denúncia tam-bém pode ser feita por telefone: (24) 2452-4560. O procedimento pode ser feito ainda no site do Tri-bunal Regional Eleitoral (www.tre.rj.gov.br), atra-vés do Clique Denúncia disponível na página. Ao fazer pela internet é possível acompanhar o anda-mento do processo. No caso de irregularidade, o candidato e o partido são os responsabilizados.

o QuE não PoDE

- Outdoors (Multa de R$ 5.320,50 a R$ 15.961,50)

- Confecção, utilização e distribuição, por candi-dato, comitê, ou com a sua autorização, de camise-tas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas bá-sicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.

- Showmício ou evento assemelhado para a pro-moção de candidato e a apresentação, remunera-

o que pode e o que não pode nas eleiçõesOutdoors, brindes como camisetas, bonés e canetas, a doação de cestas básicas, sacos de cimento ou qualquer outro bem que possa trazer vantagens para o eleitor é proibido e constitui crime eleitoral. Showmícios e trio elétrico, entre outras atividades, também são proibidos

da ou não, de artistas com o objetivo de animar co-mício e reunião eleitoral. A proibição se estende aos candidatos profissionais da classe artística.

- Trio elétrico, exceto para sonorização de comí-cios entre 8h e 24h.

- A propaganda sob qualquer forma (inclusive a pichação, inscrição a tinta, fixação de placas, es-tandartes, faixas e assemelhados) em bens públi-cos; nos bens de uso comum, ou seja, os definidos pelo código civil e também aqueles a que a popu-lação em geral tem acesso (cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios e estádios, ainda que de propriedade privada); em postes de iluminação pública e de sinalização de tráfego; em árvores e jardins localizados em áreas públicas, bem como em muros, cercas e tapumes divisórios; em viadutos, passarelas, pontes, paradas de ôni-bus e outros equipamentos urbanos.

o QuE PoDE

- Fixação de faixas, placas, cartazes, pinturas ou inscrições até o limite de 4m² e que não contra-riem a legislação eleitoral, em bens particulares, desde que autorizado pelo proprietário. Deve ser espontânea e gratuita, vedado qualquer pagamen-to em troca do espaço.

- Colocação de cavaletes, bonecos, cartazes, mesas para distribuição de material de campanha e ban-deiras ao longo das vias públicas, desde que não dificulte o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos. A mobilidade estará caracterizada pela colocação e retirada entre 6h e 22h.

- Realização de comícios com utilização de apa-relhagem de sonorização fixa e trio elétrico (en-tre 8h e 24h), passeatas, carreatas e caminhada - até as 22 horas da véspera da eleição.

- Distribuição de volantes, folhetos, santinhos e ou-tros impressos, até as 22 horas da véspera da eleição.

- Uso de alto-falantes entre 8h e 22h, mantida distância maior que 200m de hospitais, escolas, igrejas, bibliotecas públicas e teatros quando em funcionamento, até a véspera da eleição.

- Comercialização de material institucional (do partido) desde que não contenha nome e número de candidato, bem como cargo em disputa.

- No dia da eleição é permitida a manifestação in-dividual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos.

- Em jornal impresso, até 48 horas antes da eleição, é permitida a divulgação paga e a reprodução na in-ternet de jornal impresso, de até 10 anúncios de pro-paganda eleitoral, por veículo, em datas diversas, para cada candidato, no espaço máximo, por edição, de 1/8 (um oitavo) de página de jornal padrão e de 1/4 (um quarto) de página de revista ou tablóide.

Acima expomos o que pode e não pode em ter-mos de propaganda eleitoral. Porém, o mais im-portante é que as candidaturas parem de gravi-tar em torno de lideranças individuais e famílias tradicionais, como disse o professor Paulo Ro-berto Leal em nossa última edição. Não podemos mais esperar que a solução para os problemas e a busca por oportunidades de desenvolvimento venham da “iluminação” de uma única pessoa. Precisamos – e queremos – um projeto de muni-cípio, com políticas públicas claras e construídas junto com a sociedade.

É claro que votamos em indivíduos, mas é nossa obrigação conhecer os ideais de seus parti-dos, suas plataformas políticas, sua visão da coisa pública. O candidato deve ser o representante de uma ideologia e prática partidária, construídas por um coletivo de pessoas interessadas no bem comum. E isso não se faz da noite para o dia...

3Agosto de 2012

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// Memória

Por Carlos Bruno S. BarbosaIlustrações Vitor Castro

Não que eu seja uma daquelas pessoas que só vê o lado negativo das coisas; nem fica bem pra um ser humano ser assim, né? Mas confesso que às vezes me dá uma sensação estranha, meio que uma tristeza, quando vejo todas essas fábricas têxteis fechadas aqui em Valença. Elas fazem parte de minha história, de minhas memórias. Sou de um tempo em que essas fábricas moviam a economia da cidade; você saía de uma delas e logo em seguida já arrumava emprego em outra.

Me lembro bem de meu início de trabalho nessas fábricas. Acho que foi nos idos de 1969 quando comecei a trabalhar em fábrica (me desculpe, mas faz muito tempo e a gente sabe como é a nossa memória: às vezes ela engana a gente e recria as nossas histórias). Fazia um ano que papai tinha morrido, éramos 11 pessoas na família numa

Hoje a grande maioria das fábricas está fechada e a cidade sem perspectivas de crescimento econômico. O que as fábricas representaram para a população valenciana?

Memórias de meus tempos de fábrica

Continuamos votando errado, trocando voto por saco de cimento, dentadura, um dinheirinho e quem paga a conta somos nós mesmos

casa grande na roça e precisávamos ajudar nas finanças da casa. Como eu já tinha completado 14 anos, mamãe conseguira uma vaga na Fábri-ca da Chueke pra mim (sim, é aquela mesma onde fica a Richards hoje em dia).

Eu morava no Cambota. Naquele tempo, o bairro não era asfaltado; ainda havia até os tri-lhos de trem na estrada. Como não havia mais trem por lá, colocaram até um ferro pra impedir a passagem deles nos trilhos – minha irmã Ma-ria e eu já nos machucamos passando por ali na-quela época. Tenho a cicatriz até hoje, bem aqui nessa perna, veja só. Pra chegar na Chueke, an-dava quatro quilômetros e meio e trabalhava na noveleira – aquela que fazia os rolos - das cinco da manhã até uma da tarde. Trabalhei apenas um mês lá, pois mamãe achava ruim eu cami-nhar tão mocinha pela estrada de madrugada.

4 Agosto de 2012

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Carlos Brunno é poeta e professor, e escreveu este texto baseado nas memórias de sua mãe, Vanda Silva Barbosa, de 56 anos

se a gente não tiver memória, como vamos conquistar um futuro melhor para nossa terrinha? Mas, já disse isso e nunca custa lembrar, não devemos trazer na cabeça só coisas negativas, a gente fica até doente assim, não é verdade?

De fábrica em fábricaMamãe optou por me colocar na Fábrica de

Renda e Bordado, em frente ao que hoje é a Me-tamorfose, pois minha irmã mais velha, a Yara (na época com 20 anos de idade) trabalhava lá e assim poderíamos sempre ir juntas ao tra-balho. Lá trabalhei na máquina automática de fiação durante um ano e pouco. Todas as me-ninas da família, minhas irmãs, trabalharam lá, com exceção da Dinah, minha irmã mais nova. Como eu dissera antes, a história dessas fábricas fazia parte da trajetória de trabalho de nossa família, de nossa luta pela sobrevivência sem papai aqui para nos amparar – tínhamos que manter nossa casa, dar boas condições para mamãe e para nós mesmas.

E deu tudo certo, graças a Deus! Após a Fá-brica de Renda e Bordado, trabalhei na Fábrica Progresso e na Santa Rosa. Não faltava traba-lho em fábrica naquela época.

Como os tempos mudam. Hoje, se você não quer ficar desempregado, tem que buscar vaga no comércio, que, naquela época, era quase inexistente. As pessoas saíam de Valença pra comprar as coisas, nenhuma loja grande dura-va na cidade por muito tempo. Agora, está tudo mudado: o comércio cresceu muito e todas as fábricas nas quais trabalhei fecharam. Fico impressionada com essas mudanças bruscas; se bem que eu adoro passar no centro e poder fazer minhas comprinhas sem ter que sair da cidade. Como disse, não se pode ver só o lado negativo das coisas.

sindicato tem culpa?Ah, mas tinha uma coisa que eu não gosta-

va nem um pouquinho da época em que traba-lhava em fábrica: como eu era menor de idade, meu salário era muito mais baixo que de um trabalhador maior de idade. E tinha que dar a mesma produção [atingir as metas] que os mais velhos, veja só! Era uma pressão danada, eu me virava, até dava produção, mas não passava da meta. As colegas que davam produção maior às vezes me ajudavam. Não posso esquecer jamais da minha amiga Zilma, que, na época da Santa Rosa, dava produção e ainda me ajudava pra que eu alcançasse a minha meta. Atitudes como essa não acontecem muito hoje em dia, com todas essas câmeras internas, com todo esse desespero para se manter no emprego. Hoje é mais cada um por si. Mas acaba que, pensan-do nas fábricas de Valença hoje em dia, não há nem união, nem cada um por si, afinal, não há mais fábricas como antigamente por aqui. Às

vezes, vem gente me dizer que foi por causa do sindicato que as fábricas fecharam, mas eu não sou boba: na década de 1990, a Santa Rosa, por exemplo, muito antes das brigas com o sindi-cato, já funcionava meia boca, pagava os fun-cionários com atraso; esse negócio de ficar cul-pando os outros pelos nossos próprios erros é uma atitude que eu não aceito, sempre fui mui-to honrada e não gosto de mentira e covardia. Que cada um admita o seu defeito, conviva com seus pecados e arrume um jeito de encontrar a sua redenção.

É... parece que pecamos demais como ci-dadãos valencianos e nada de acharmos uma redenção. Continuamos votando errado, tro-cando voto por saco de cimento, dentadura, um dinheirinho e quem paga a conta somos nós mesmos: aí estão as fábricas fechadas, Valença

estagnada, um cenário triste que não me deixa mentir. A cidade tinha tudo pra dar certo, não tinha? Mas não dá. Ver as fábricas fechadas me faz pensar em tudo isso, me faz relembrar – se a gente não tiver memória, como vamos con-quistar um futuro melhor para nossa terrinha? Mas, já disse isso e nunca custa lembrar, não devemos trazer na cabeça só coisas negativas, a gente fica até doente assim, não é verdade? Te-nho fé em Deus que um dia Ele vai iluminar a cabeça da minha gente e o povo vai se conscien-tizar. Sim, um dia, a gente vai usar a memória pra funcionar, aprender com nossos erros e ver nossa cidade voltar a crescer!

5Agosto de 2012

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lutas popularesMinha primeira relação com lutas contra as condições de

trabalho foi quando trabalhava no antigo supermercado Mer-val, em 1980. Lutávamos pelo que se chamava de semana in-glesa, que é a semana que o comércio deveria parar 12 horas e o supermercado deveria começar na segunda-feira a partir do meio dia, exatamente para compensar a extensão que se fazia no sábado. Depois que conseguimos implementar a semana in-glesa nos supermercados, eu e meu irmão continuamos fazendo denúncias e reivindicações de melhores condições de trabalho nas reuniões do sindicado. Logo depois fomos mandados em-bora. O interessante é que só eu e meu irmão fomos demitidos.

Greve de 88Na greve de 1988 foi feita uma conversa com a diretoria da fá-

brica para se trabalhar 8 horas de segunda a sexta e só um turno no sábado, ou seja, 4 horas. Eu era da Santa Rosa Máquinas (se-tor de metalurgia da indústria) e decidimos em assembleia pela greve, já que a diretoria da fábrica negou as propostas que fize-mos. Éramos cento e poucos trabalhadores nesta indústria me-talúrgica. Mas percebíamos que o setor têxtil tinha muito mais a reivindicar do que nós e continha uma efervescência muito gran-de. Com isso começamos a tentar organizá-los. A greve durou 10 dias e num primeiro momento não conseguimos ganhos mate-riais, mas conseguimos estabelecer um ganho político enorme, pois organizamos os trabalhadores e, assim, fizemos oposição à direção do sindicato e ganhamos as eleições no ano seguinte.

Mas só vou participar do sindicato mesmo quando volto de uma tentativa frustrada de ganhar a vida em São Paulo. No co-meço da década de 1990 sou convidado a ser assessor do sindicato para contribuir na organização dos trabalhadores e de suas lutas.

Fundação do PTO grupo que queria fundar o PT, do qual eu participei, co-

meçou a estabelecer discussões com este objetivo antes de 1986. Era um grupo bastante heterogêneo, havia pessoas ligadas ao PDT, tinha gente ligada ao grupo que queria falar com o PSB, gente que não sabia o que queria e gente de várias categorias

O entrevistado do VQ deste mês é Gilson Luiz Gabriel,

um personagem que construiu uma história de luta contra as

oligarquias que dominam e dominaram Valença. Afinal, foi co-

fundador do PT em Valença em 1986 (então um partido pequeno

e que se sustentava nos movimentos sociais), participou das pri-

meiras greves das indústrias valencianas de 1988, e foi candida-

to a prefeito em 1992. Formou-se em ciências sociais em 2002 e

em história em 2004 (ambos os cursos na Faculdade Dom André

Arcoverde). Desde 2005 é professor de sociologia da rede pública

estadual. Permanece lutando contra os interesses privados que se

apropriam daquilo que é público. Mas hoje o seu campo de ação

não é mais as portas das fábricas e, sim, a sala de aula e tudo que

envolve a educação pública. Leia a seguir os principais trechos da

entrevista realizada por Sanger Nogueira e Rafael Monteiro.

foto Vandré Fraga

// Entrevista

6 Agosto de 2012

‘ser professor é pensar para

além da sala de aula’

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organizadas. Após o processo eleitoral de 86 (para a Assembleia Constituinte) voltamos à discussão da fundação do PT em Valença.

Em 92, a base da campanha do PT para a pre-feitura foi o sindicato dos têxteis, uma campanha marcada pela total falta de grana. Hoje vejo que há condições mais favoráveis para uma eleição de um partido sem estrutura, pois há outros meios de comunicação – como a internet – que podem ser utilizados e que naquela época eram inviáveis.

o fim das indústrias têxteis em ValençaMuitos da elite valenciana gostam de dizer que

o sindicato e os trabalhadores foram os principais responsáveis pelo fim destas indústrias em Valen-ça. Mas quem conhece um pouco a história de lutas e a forma como estas empresas eram gerenciadas sabe que essa afirmação é um grande absurdo. Afi-nal, no começo da década de 1990 houve a abertura econômica dos mercados brasileiros e houve um protecionismo muito grande por parte dos Esta-dos Unidos com relação aos produtos de indústrias brasileiras. Assim, estas indústrias com capitais externos e que tinham uma tecnologia de ponta tiveram que voltar sua produção para o mercado interno, o que levou a pequenas empresas como as da Santa Rosa a perderem o mercado, já que suas máquinas eram sucateadas e não tinham como competir. O sindicato, depois que a Santa Rosa havia decretado a sua falência, ainda tentou criar mecanismos de autogestão para manter a empresa funcionando, mas o Julio Vito [Pentagna] não acre-ditou nas propostas que apresentamos, de alugar o espaço e as máquinas e fazermos a empresa voltar a funcionar. Ou seja, os trabalhadores buscaram a todo momento restabelecer as empresas falidas.

Por que Ciências sociaisDurante o período de sindicato eu consegui fazer

o curso do Núcleo 13 de Maio de formação política dos trabalhadores para atuar dentro dos movimen-tos sociais. O curso era ministrado em São Paulo e tinha duração de dois anos. Fazer o curso me esti-mulou a seguir a carreira de professor. A grande vantagem do curso de ciências sociais é que o currí-culo me permite fazer certas discussões com os alu-nos dentro da sala de aula. Além de ciências sociais, eu sou formado em História, também pela FAA.

MagistérioEntrei no concurso de 2004 para professor do

estado em Sociologia. Foi um ano bastante compli-cado, já que a primeira prova do concurso foi anu-lada. Lembro que além de mim entraram o Samir Resende e a Beth Delai. A minha segunda matrí-cula foi em 2007. Nesse ano também tivemos a pri-meira prova do concurso. Entramos eu e o Cícero

Tauil. Na segunda matrícula eu fui dar aula no co-légio Barão do Rio Bonito em Barra do Piraí.

O meu primeiro ano no chão da escola foi em um CIEP de Pinheiral. Eu não tinha a menor ideia do que era dar aula numa escola pública. Era uma escola boa pra trabalhar. Eles desenvolviam vá-rios projetos pedagógicos. No entanto, percebi que os professores não tinham nenhum envolvi-mento com a luta dos profissionais de educação. Não existia nenhuma mobilização.

Lá em Pinheiral eu pude perceber como os professores priorizavam o relacionamento pes-soal em detrimento de suas reivindicações. Tanto na categoria dos profissionais de educação como a categoria do funcionalismo público é muito indi-vidualista. Comparando os professores e a minha experiência na fábrica, percebo uma extrema difi-culdade do professor em perceber que todos estão no mesmo barco. É muito difícil criar uma identi-dade de classe entre os professores.

Educação públicaO problema da educação é a forma como se ad-

ministra o setor. Como questionar a falta de com-promisso do professor sem observar que as exigên-cias partem sempre de cima pra baixo, quando o professor quase nunca é chamado pra opinar? Fica difícil falar do não comprometimento quando se está colocando um projeto de educação que os pro-fissionais de educação não concordam. Eu não te-nho comprometimento com algo que me é imposto.

Hoje o estado está implementando um projeto que olha a escola como uma empresa que tem que dar lucro. Eles não querem melhorar a qualidade da educação. Isso fica muito claro já que eles não abrem espaço pra discussão., ignoravam nossas reivindicações e não nos escutam quando dize-mos que o projeto deles está cheio de falhas.

Problemas na educaçãoA questão do envolvimento da comunidade

escolar passa pela participação da mesma nos as-suntos escolares. Portanto, é necessário a eleição dos diretores de escolas. Transformaram o cargo de diretor em um cargo “técnico”. Ora, nas aulas de ciências sociais estudamos que todo cargo técnico exprime uma visão de mundo. Técnico não quer dizer bom. Até porque a única diferença entre a indicação política para diretor e o concurso é a exi-gência da prova. Nos dois casos, o diretor tem que ser favorável ao projeto de educação do Estado. Se ele se opor, ele é exonerado do cargo. Quando le-

vantamos a bandeira da eleição para diretores, a secretaria finge que esta reivindicação não existe.

Outro exemplo é a implementação na Gide (Ges-tão Integrada da Escola). As pessoas que trabalham no Gide trazem as respostas prontas. Muitas delas nunca entraram numa sala de aula para experimen-tar aquilo que elas propõem. A questão da escola não é uma questão de elevar percentuais. Temos que perceber que a escola está integrada com a socieda-de. A escola recebe um conjunto de alunos oriundos de uma sociedade preconceituosa, machista e com sérios problemas de drogas. Toda essa complexida-de não é vista pela Secretaria de Educação.

Esse discurso de que é preciso extinguir discipli-nas como Sociologia e Filosofia para ter mais carga horária de Português e Matemática está alinhado ao pensamento que quer projetar o Brasil no rumo do ‘desenvolvimento industrial’. É um discurso velho do tempo em que se falava do ‘Brasil grande’. Essa ideia de que “não precisamos de filósofos ou soci-ólogos, precisamos de engenheiros”, é uma visão tecnicista que evita discutir quais são os rumos do nosso país. Um grupo de administradores que evi-tam fazer a pergunta de que Brasil queremos? Em sala de aula observo que, muitas vezes, aquele aluno que desenvolve uma paixão com a área de ciências humanas (história, geografia, filosofia e sociologia) também desenvolve um conflito interior com a ideia de que ele precisa fazer algo para ganhar dinheiro.

sexo, política e religião se discute na escola? Não é questão de querer. São coisas que estão co-

locadas pela sociedade. A escola não está separada da sociedade. É melhor repensar a pergunta: quem quer que o professor não discuta isso? Acho que esse tabu é uma forma de algumas pessoas de “protege-rem” seus filhos. Acreditam nesse tabu com o receio de perder o controle sobre os jovens. Se a escola não consegue fazer esse debate, a escola deve ser fechada.

Papel do professorNão devemos ter medo de expor nossas opini-

ões. Por exemplo, não tenho receio em afirmar que o marxismo é o melhor instrumento para compre-ender a sociedade. Mesmo tendo que mostrar aos alunos várias abordagens, isso não me impede de divulgar a minha preferência.

Ser professor é pensar para além da sala de aula. É uma profissão curiosa porque você não a deixa em seu local de trabalho. Ao ler um jornal, ver um filme ou ouvir uma música, você está sempre pensando em como trazer aquilo para a sala de aula.

a elite valenciana gosta de dizer que o sindicato e os trabalhadores foram os responsáveis pelo fim destas indústrias. Mas quem conhece um pouco a história sabe que essa afirmação é um grande absurdo

7Agosto de 2012

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// Navegando

A dica da vez é de culinária:

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O blog é mantido pela nutri-cionista Carol Morais e, como ela mesmo explica, tem o objetivo de divulgar informações sobre saúde, nutrição e bem-estar. Lá, a Carol partilha dicas sobre alimentação, receitas e indica hábitos e comidas mais saudáveis.

As dicas da nutricionista, claro, não substituem a ida ao médico. Mas o serviço oferecido pelo blog pode ser útil do dia a dia. Um bom exemplo é a tabela de sazonalidade de frutas e verduras que foi postado recentemente. Com ela, é possível saber a época certa de buscar cada produto na feira ou no hortifruti.

A sessão de receitas chama a atenção porque elas são sempre bem didáticas e com lindas fotos (a exemplo da que ilustra este texto). E, claro, são sempre saudáveis. O VQ já testou e aprovou algumas delas.

www.falecomanutricionista.com.br

Se você gosta de cozinhar, visite, teste e nos conte como foi. Mas mesmo se não leva jeito pra co-zinha, vale a pena conhecer as dicas da nutricionista para uma vida mais saudável.

8 Agosto de 2012

Por Jaqueline Cristina

Quando nasci era um bebê rosinhaCresci uma pícara sonhadoraQueria ser grande, importante e sozinhaTal como executiva valenciana.

Os anos foram passandoA adolescência surgindoResponsabilidades aumentandoE as expectativas diminuindo.

Hoje na maturidadeConstato avessa ao ideal a realidadePois não depende só do sonhador,Mas de toda a sociedade

Em meus tempos de infânciaNão havia malícia como atualmenteMas em meu pensamentoMinha Valença parou no tempo.

Ah minha terra querida!Estais ferida!Oxalá que todos olhem para ti E devolvam-lhe à vida!

[deliciosailusao.blogspot.com.br]

Um grito de socorro

silencioso

// Poesia