Voto desembargador que confirma rejeição da denuncia

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19/09/2016 Evento 18 ­ VOTO1

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RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 5050414­89.2015.4.04.7000/PRRELATOR : LEANDRO PAULSENRECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRECORRIDO : DALMEY FERNANDO WERLANGADVOGADO : RAIMUNDO CEZAR BRITTO ARAGÃORECORRIDO : MARIO RENATO CASTANHEIRA FANTONADVOGADO : ELIOENA ASCKAR

VOTO

O Senhor Desembargador Leandro Paulsen: Ao apreciar a inicial acusatória parafins de recebimento ou rejeição, assim se pronunciou o Juízo a quo:

(...)3. Conforme informado pelo Ministério Público Federal no documento INIC1 do evento 1, oconhecimento da prática do crime tipificado no artigo 138, caput c/ artigo 141, inciso II, do CódigoPenal, emergiu do contido nos autos de Notícia de Fato nº 1.25.000.001302­2015­65, que acompanhasindicâncias sigilosas conduzidas pela Corregedoria­Geral da Polícia Federal em Brasília.A intensidade do sigilo de tal procedimento, segundo a denúncia, impede o compartilhamento da suaintegralidade. Afirma o MPF: 'Todavia, em relação às coações narradas nesta denúncia, as provasainda pendentes não influenciarão na convicção acerca da inexistência do crime imputado às vítimas,daí a denúncia, nesse momento, apenas por esse delito. Anexam­se, apenas, as provas docometimento da calúnia, a qual, por sua natureza, será demonstrada por meio de testemunhos, já queo suposto coagido ­ APF Romildo ­ nega ter sofrido coação' (evento 1, INIC1).Pois bem.Acompanham a peça acusatória os seguintes documentos:a) documento apócrifo, dirigido ao Procurador da República Januário Paludo e com autoria indicadado denunciado Dalmey Fernando Werlang. No documento, o denunciado descreve fatos e solicita aoProcurador orientações de como proceder (doc. INF3);b) captura do que parece ser a tela de um celular, com a indicação de mensagem que teria sidoenviada pelo denunciado Mario Renato Castanheira Fanton a pessoa desconhecida, na qual afirmaestar em Brasília para relatar fatos aos 'Diretores' (doc. INF4);c) documento subscrito pelos Delegados de Polícia Federal Rosalvo Ferreira Franco, Igor Romáriode Paula, Márcio Adriano Anselmo, Erika Mialik Marena, Daniele Gossenheimer Rodrigues eMaurício Moscardi Grillo, representando ao Ministério Público Federal pela tomada das providênciascabíveis à vista da acusação de coação (doc. NOT_CRIME5).E mais nada.Ou seja: além da representação dos ofendidos ­ indispensável por exigência do artigo 145 do CódigoPenal e do artigo 24 do Código de Processo Penal ­, foram pelo Ministério Público Federalapresentadas, como indício de materialidade e autoria do crime de calúnia, a digitalização de umdocumento apócrifo e a imagem da tela de um celular.A primeira, frise­se, representa ­ em tese, porque sem assinatura e sem indicação do meio utilizadopara encaminhamento ­ a narração, dirigida a Procurador do Ministério Público Federal em busca deorientação, de fatos entendidos pelo réu Dalmey como crime. A segunda, por sua vez, representa oque seria uma mensagem enviada via celular a destinatário desconhecido, na qual o réu Máriotambém narra atos em seu entender criminosos e que é finalizada com a notícia de que ele estaria emBrasília para relatar tais fatos aos 'Diretores'.A peça acusatória, por outro lado, não acrescenta muito ao cenário, pois limita­se a superficialmentecitar alguns fatos, inteiramente alijados de qualquer contexto capaz de compor um panorama no qualseja possível, não apenas vislumbrar uma nesga do dolo específico exigido pelo artigo 138 do CódigoPenal, mas também minimamente estabelecer a natureza falsa das imputações atribuídas aos réus.Sem embargo das razões que determinaram tal resultado, há que se reconhecer que não somente éaparente, mas é indubitavelmente evidente o caráter genérico e indeterminado da imputação.Conforme expressivo precedente da lavra do Ministro Celso de Mello:'O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da plenitude de defesa,quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas.

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Existem, na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal, um nexo deindiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa ejuridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado a ampla defesa. A imputação penalomissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado,qualifica­se como causa de nulidade processual absoluta. A denúncia ­ enquanto instrumentoformalmente consubstanciador da acusação penal ­ constitui peça processual de indiscutível relevojurídico. ela, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria res in judiciodeducta. A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso, em toda sua essência e comtodas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe­se ao acusador como exigênciaderivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício, em plenitude, do direito dedefesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta'. (STF, HC70.763, Dj 23­9­94).E nem socorre ao Ministério Público Federal a expectativa da prova por meio oral, já que, paratanto, seria necessário superar a precedente ausência de informações e indícios de materialidade ­ oque, pelas peculiaridades do caso, tal como expostas pelo parquet, não parece possível. Semmencionar, por óbvio, que toda e qualquer prova oral não é completamente isenta de interesse deresultado no processo, e isso parece ainda mais verdadeiro em se tratando da prova dos crimescontra a honra.Destarte, forçoso reconhecer a ausência de justa causa para o exercício da ação penal, que noprocesso penal brasileiro, é exigida pelo artigo 395 do Código de Processo Penal e reflete apreocupação do legislador de que ­ à vista das repercussões de ordem social, patrimonial e pessoalda persecução criminal na vida do acusado, além dos custos inerentes à movimentação da máquinajudiciária ­ sejam rigorosamente observadas as condições da ação e os requisitos legais elencados noartigo 41 do CPP.Tem a justa causa, portanto, dupla função: evitar o constrangimento desnecessário de acusados emprocessos fadados ao fracasso; e obstar que o Estado arque com os custos de uma ação penal inútil.A respeito, mutatis mutandis, observe­se a recente orientação do Superior Tribunal de Justiça:AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. GOVERNADOR DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL.DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA.QUEIXA­CRIME. INÉPCIA. CRIMES CONTRA A HONRA. EXIGÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃODO INTENTO POSITIVO E DELIBERADO DE LESAR A HONRA ALHEIA. ANIMUS INJURIANDIVEL DIFFAMANDI. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA EVIDENCIADA DE PLANO. DECADÊNCIA.PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PRIVADA. RENÚNCIA PARCIAL AODIREITO DE QUEIXA (QUE A TODOS SE ESTENDE, EM FACE DO MENCIONADOPRINCÍPIO, NA AÇÃO PENAL PRIVADA). EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. REJEIÇÃOINTEGRAL DA QUEIXA.I. Se o querelante se limita a transcrever algumas frases escritas pelo segundo querelado, em sua'linha do tempo' da rede social facebook, sem mais esclarecimentos, impedindo uma análise doelemento subjetivo da conduta, a peça inaugural falece de um maior delineamento do fato criminoso esuas circunstâncias, sendo inepta.II. Na peça acusatória por crimes contra a honra, exige­se demonstração mínima do intento positivoe deliberado de lesar a honra alheia. Trata­se do animus injuriandi vel diffamandi.III. Exordial acusatória não instruída com nenhum elemento de prova capaz de embasar minimamenteos fatos ali narrados, revelando­se temerária a instauração de ação penal para se verificar, somenteem juízo, a idoneidade das imputações feitas ao primeiro querelado. Ausência de justa causa.IV. O exame do prazo para o exercício do direito de queixa, em contraste com a ocasião em que oqueixoso tomou conhecimento dos fatos, deixa patente que se operou o instituto da decadência.Inteligência dos arts. 103 do CPB; 38 do CPP; e art. 107, IV, do CPB. No caso sub examinem, emque pese a afirmação, pelo querelante, de que tomou conhecimento da publicação em 27/5/13, oexame das peças e documentos juntados dão conta de que a ciência do fato se deu muito antes.V. Ao final da peça de acusação, o querelante formulou proposta de composição de danos a dois dosquerelados, o que implica, em sendo aceita e homologada judicialmente, a renúncia ao direito dequeixa, nos termos do disposto no art. 74, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. A renúncia, expressaou tácita (art. 104 do CPB), é causa extintiva da punibilidade, sendo irretratável (art. 107, V, CPB).E, por força do princípio da indivisibilidade, a manifestação do intento de não processar parte dosenvolvidos, a todos se estende, pois a renúncia beneficiará todos os envolvidos.VI. Extinção da punibilidade, pela decadência e renúncia (art. 107, IV e V, CPB).VII. Rejeição da queixa­crime, nos termos do voto do relator. (APn 724/DF, Rel. Ministro OGFERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/08/2014, DJe 27/08/2014)Da mesma sorte, o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

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PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. USO DE SELO OUSINAL PÚBLICO FALSO. ARTIGO 296, §1º, I, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE NÃOCOMPROVADA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. 1. A justa causa,como uma das condições para o exercício da ação penal, consiste na prova da materialidade delitivae, pelo menos, indícios da autoria. 2. A ausência de justa causa para o exercício da ação penalconduz à rejeição da denúncia. 3. Recurso criminal em sentido estrito desprovido. (TRF4 5001763­06.2014.404.7212, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão João Pedro Gebran Neto, juntado aos autos em20/08/2015)PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 289, §1º, DO CÓDIGO PENAL. MOEDA FALSA. GUARDA.AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA. Na ausência de indícios suficientes de autoriaa amparar a acusação oferecida contra a acusada, pela prática do delito de guarda de moeda falsa,prevista no artigo 289, § 1º, do Código Penal, impõe­se a manutenção da rejeição da denúncia, comapoio no art. 395, inc. III, do Código de Processo Penal. (TRF4 5011834­88.2014.404.7205, SétimaTurma, Relator Sebastião Ogê Muniz, juntado aos autos em 09/06/2015)A bem da argumentação, por fim, registre­se que ambos os documentos trazidos ao processo indicamque, se é que os réus de fato agiram, o que fizeram foi levar ao conhecimento da autoridade ­Procurador da República e Diretores da Polícia Federal ­ fatos considerados por eles comocaracterizadores de crime.E assim, teriam incorrido no tipo específico do artigo 339 do Código Penal: 'dar causa à instauraçãode investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquéritocivil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando­lhe crime de que o sabeinocente'.Em função do princípio da especialidade, portanto, a denunciação caluniosa excluiria a aplicação dotipo penal da calúnia e, por extensão, os demais tipos estabelecidos no capítulo V do Código Penal.Neste sentido, a propósito, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:'PENAL. CRIMES CONTRA A HONRA. EXPRESSÕES CONSTANTES DE REQUERIMENTO PARAABERTURA DE INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO ADMINISTRATIVO CONSIDERADASOFENSIVAS À HONRA.Não configuração de crime.Ao noticiar fato criminoso, desde que as expressões se contenham nos limites da narrativa, nãocomete o noticiante ou requerente infração penal contra a honra. Se, a posteriori, verificar­se falsa aimputação, o crime, em tese, será o de denunciação caluniosa.Queixa­crime que se rejeita'. (STJ, Corte Especial, Apn nº 191/DF, Rel. Ministro José Arnaldo daFonseca, DJ de 29/04/2002, p. 151)Nada obstante, uma vez mais, ainda que aceita a desclassificação para denunciação caluniosa,pereceria a denúncia pelos mesmos motivos adrede indicados.Em face do exposto, rejeito a denúncia, nos termos do artigo 395, III do Código de Processo Penal.Intime­se. Cientifique­se o Ministério Público Federal.Nada mais sendo requerido, procedam­se às devidas anotações e comunicações e baixe­se oprocesso. Não há reparos a serem feitos sobre a decisão.A análise da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, ainda que em

cotejo com as 'provas' que a instruíram, é bastante tormentosa, porquanto, como bem salientou omagistrado de primeiro grau, são lançadas imputações genéricas e pouco elucidativas. Ao que tudoindica, o elevado grau de generalidade da peça se deve à proximidade pessoal do signatário dainicial com os fatos, fazendo com que tenha conhecimento acerca de premissas fáticas que qualqueroutro leitor da peça desconhece. Entretanto, como é sabido, elementos estranhos aos autos sãoabsolutamente incapazes de subsidiar persecução criminal.

Os documentos juntados no evento 01 também são completamente incapazes dedemonstrar sequer indícios da prática criminosa. Ora, indagação feita por agente da polícia federal aProcurador da República acerca do correto procedimento a ser adotado diante de fato que, naopinião daquele que formula a consulta, constitui crime, passa ao largo do crime de calúniatipificado pelo Código Penal. Saliente­se, outrossim, que sequer a autenticidade de tal documentoresta evidente, porquanto apócrifo.

A segunda 'prova' consiste em mensagem de celular atribuída ao Delegado de PolíciaFederal denunciado, FANTON, em que ele relata ter sido 'coagido a manipular provas pelo dpf Igor,sua esposa dpf Daniele, dpf Moscardi e até do escrivão do feito (sic)'. Ato contínuo, afirma que está

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em Brasília para relatar aos 'Diretores' o que presenciou. Novamente estamos diante de elemento deprova inapto a revelar o destinatário da mensagem e as circunstâncias da 'coação' (rememorando queo crime de calúnia somente resta tipificado quando seu autor atribuiu a alguém um fato criminoso com suas circunstâncias).

Tais ponderações não afastam a possibilidade de que a imputação feita pelo MinistérioPúblico Federal tenha consistência jurídica, não obstante, para tanto, deve o parquet apresentar umpatamar mínimo de elementos de convicção que autorizem ao poder judiciário determinar oandamento de persecução criminal. O processo penal não se presta a apurar fatos como se deprocedimento investigatório se tratasse, mas sim a confirmar ou infirmar, assegurando­se osprincípios do contraditório e da ampla defesa, os indícios de autoria e materialidade previamenteamealhados por aquele que acusa.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso em sentido estrito.

Desembargador Federal Leandro PaulsenRelator

Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Leandro Paulsen, Relator, na forma doartigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 demarço de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônicohttp://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador8387254v5 e, se solicitado, do código CRC 941C6CEF.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): Leandro PaulsenData e Hora: 15/09/2016 14:05