Vosso Corpo é Sagrado

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Vosso Corpo é Sagrado ENSINAMENTOS sôbre o corpo humano aos cristãos hodiernos. Pe. PEDRO SCHMITZ SVD ·o 19 43 Editora "Lar Católico" - Juiz de Fora, Minas http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

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Transcript of Vosso Corpo é Sagrado

Vosso Corpo é Sagrado

ENSINAMENTOS

sôbre o corpo humano aos cristãos hodiernos.

Pe. PEDRO SCHMITZ SVD

·o

19 43

Editora "Lar Católico" - Juiz de Fora, Minas

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

IMPRIMI POTEST

Juiz de Pora, 3 - 9 - 1943.

P�. Sebastião Carlos

Sup. Prov. S.�V. D.

NIHIL OBSTAT

Juiz de Fora, 5 - ll - 1943.

Pe. Francisco Faastino KiU S. V. D. Lib. Censor.

IMPRIMATUR

Curta Dloc:esana de )ull! de Pora, 10-9-943.

Pe. Rui Nunes Vale

"de pec:ullarl mandato"

Prefaciando ... As presentes fôlhas representam assentamen·

tos de um curso de conferências que, em Viena, o autor fez a guias da juventude de ambos os sexos, a médicos e médicas, professores e professoras, etc . Ocasiões para perguntas e manifestações, foram ple­namente facultadas . Muitas perguntas foram feitas por escrito. Todo êste material foi tomado em con­sideração, no presente tr-abalho. Com isto, parecerá êle uma acentuada casuística, ou talvez uma conces­são feita a muitas questiúnculas. Seu conteúdo, en­tretanto, o autor pode assegurá-lo, não foi fantasiado num modorrento gabinete de trabalho, mas haurido na vida real. Assim, poder-se-ia justificar o desen­volvimento de muitos pormenores, ficando outros talvez nem lembrados, ou apenas de leve tocados na­queles que mereceriam maior explanação. Visto tra­tar-se de problemas que se deparam na prática e da prática foram apresentados, o autor esforçou-se em os expôr o mais simplesmente, sem torneios e ador­nos, bem como em dar-lhes cabal resposta . Precisa­mente à nossa atualidade, não se faz nenhum favctr, em rodear em longuíssimas curvas as suas questões palpitantes, ou disfarçá-Ias em frases sonoras, em vez de fazer-lhes frente decididamente, e dar-lhes resposta decisiva . Os homens de hoje aspiram a Yerdades claras - mormente com relação aos pro­blemas atuais, da essência ·e da atividade humanas . Que êste livrinho, pois, seja de ajuda e conselho a muita gente de hoje, em alguma situação difícil, de­parada pelo seu corpo material !

S. Gabriel - Modling, junto de Viena.

Na Festa da Epifania do Senhor, 1937.

O AUTOR

s

I ·· A Igreja, inimiga do corpo humano? A nossa atitude, para com o corpo humano, ne­

cessita de fllndamentos sólidos, no domínio da dou­trina católica da fé e dos costumes. Ela se vê diante da tarefa de traçar claras diretivas em todos os cha­mados movimentos de "cultura física" . Interessa a homens e mulheres, mas em particular à mulher ca­tólica, introduzida, pela sua posição social, na mo­derna "sociedade", um livro sôbre o corpo humano, haurido nas fontes da Revelação, há de ser um guia seguro.

Os "apóstolos das liberdades", com pasmosa unanimidade, têm levantado, contra a Igreja, a ca­lúnia de que ela hostiliza o corpo, e o considera co­mo instrumento do pecado, e, até, Jlo demônio. Que a perfeição de um católico genuíno consiste, em grande parte, na negligência e abnegação, na morti­ficação do corpo e seus instintos. Que mortificação e asceticismo é a verdadeira atitude cristã para com o ,corpo. Que todos e quaisquer consentimentos, a instintos do corpo, são pecados, e, por isto, proibidos sob eterna condenação. Que principalmente a se­xualidade é logo pecado, e que tudo o que com ela se relacione, traz em si mesmo, sem mais, o ferrete de aviltamento. Que também, dêste modo, o matri­mônio encontra justificação unicamente na necessi­dade natural de procriação do gênero humano, e no intuito de fugir ao rameirismo. (1)

Que, pelo contrário, a época, moderna descobriu o corpo humano, e o integrou nos seus direitos. Que, independentes das influências de preconceitos anti­quíssimos, mostraram a possibilidade de ser felizes,

a qual, até agora, . palpitava, imersa, numa racieaal afirmação do corpo e seus instintos. Que tambéa • corpo, no vasto âmbito de nossa cultura global, ea­controu seu lugar, nos chamados movimentos de " cultura física". Que, sob a divisa "Fôrça e Beleza" ou "Fôrça pela Alegria", também o corpo foi con­templado entre os cuidados e solicitudes humanas. e apontada e, respectivamente, avaliada a conser­vação de suas fôrças e saúde, como uma das maiores obrigações humanas. Levantam, expressamente, o _requisito de que, na educação, se deve chegar, de todo em primeiro lugar, a obter um corpo são, e� só em segundo lugar, uma alma sã, a qual só num cor­po sadio pode subsistir.

E' preciso concedermos que, em muitos meios católicos, o corpo não tem sido valorizado devida­mente, e, até, aquí e acolá, julgado de todo errônea­mente ; que, na maior avaliação da alma, o corpo tem sido profundamente subestimado.

1 - Erros dos antigos Disto, porém, não se pode inculpar a Igreja, nem

o cristianismo, nem cristão algum em particular, mas é coisa motivada no tal "espírito da época". Isto afe­tava já os primeiros cristãos. Quando, na volta do segundo século, o cristianismo penetrou no mundo grego, "saíu-lhe ao encontro um espírito que, por influência de Platão, tinha recebido um caráter acen­tuadamente hostil ao corpo e aos sentidos. Era mui­to natural, que os seus adeptos assim interpretas­sem, então, a imagem de ·Cristo e do cristianismo; que tôdas. aquelas sublimes palavras do Senhor, que se referem à cruz de cada dia, e ao desprêzo de si mesmo, êles as lessem e compreendessem, como pre­cisando o verdadeiro dmitador de Cristo repugnar o seu corpo, como algo desnatural e antinatural, como se se tratasse de humilhar o corpo humano, qual "veste ignominiosa", e de não só governar, mas dar

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cabo eompleto de tôdas as paJXoes dos sentidos, com tôd.a a vitalidade que fôr de sanguíneo vigor. Esta­mos dentes de como esta rude desfiguração da ima­gem espiritual de Jesús deformou a ética de Taciano e Tertuliano, e de como esta desfiguração, sob in­fluência do néo-platonismo se insinuou, mais tarde, até em piedosos círculos eclesiásticos, não por últi­mo no monacato sírio-egípcio, e ao próprio jovem Agostinho chegou a inquietar". (2)

Mesmo na Idade-Média a dentro, tiveram estas idéias sua influênci.a, por parte nas seitas, como dos gnósticos da Igreja primitiva, e dos albigenses me­dievais ; por parte também nos conceitos exagerados e unilaterais de algumas pessôas, homens e mulhe­res, influentes na Igreja, o que, porém, nunca expe­rimentou assentimento da autoridade eclesiástica. Pelo contrário, a Igreja precisou adotar as mais se­veras medidas, contra os albigenses e os cátaros, afim de prot.eger o direito do corpo, e livrar, dos desenfreamentos de um exagerado espiritualismo, a cultura do ocidente.

Não obstante, as idéias modernas deram o im­pulso, para uma direita e verdadeira consideração do corpo humano e seus valores . Infelizmente, po­rém, êstes movimentos de cultura física ascenderam demais, entrando de vários modos em conflito com a doutrina católica, de modo que, sem cautelas, não podem ser acompanhados pelos católicos .

2 - Erros dos modernos O acatólico e moderno conceito do corpo hu­

mano repousa num tríplice êrro . Primeiro, êle não passa de um puro materialis­

mo, o qual, não reconhecendo no homem nada mais sublime do que o corpo, e não admitindo que êste seja vivificado por um espírito imortal, se vê obri­gado a concentrar, no corpo e seu bem-estar, todo o seu principal interêsse .

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Segundo, esta afirmação do corpo decorre de um exaltado panteísmo místico : o deus panteístico se manifesta a cada homem e se deixa sentir, o mais perceptivelmente, no corpo de cada indivíduo, e na sua vida de deleite acentuado, o que tem sido decan­tado e celebrado em arroubamentos poéticos dignos de melhor objeto. Visto, porém, que não podem ad­mitir alma individual alguma, êles imaginam uma certa alma coletiva, um certo indeterminado algo, que nada tem que vêr, absolutamente, com a alma imortal .

Em terceiro lugar, pisando o chão do mais acen· drado materialismo, não podem êstes modernos, na­turalmente, admitir nenhum pecado original. Para êles, o homem é totalmente bom de natureza, e de nenhum modo vulnerado por algum pecado de nos­sos protoparentes. Com isto, chegam êles a um des­enfreado apôio a todos os instintos corporais, com a única condição de não lesar nenhum outro instin­to. Entraves morais, acima do homem, êles não po· dem admitir, e por isto, também, os não toleram; para o hom�m totalmente instalado em si mesmo, normas morais de espécie alguma, alheias ao ho· mem, podem criar .vinculo algum .

E tôdas estas aspirações de liberdades, com re­lação ao corpo;!foram afinal compendiadas, nêste dito absurdo: "Teu corpo te pertence!" - Palavrão, que todas as ideologias anti-cristãs fazem seu, pró­prio, estejam embora muito alheiadas uma da outra, em pontos outros, mórmente econômicos e sociais . Nêste particular, porém, os liberais de tôdas as côres extendem as mãos, fraternalmente, aos socialistas e comunistas.

O direito sôbre o próprio corpo é proclamado, particularmente, por mulheres, em favor do mundo feminino. A aspiração apaixonada a êste direito as­sume então, o mais das vezes, a nítida finalidade de libertar o corpo, e seus .instintos, e tôdas as suas partes, de tôda lei moral superior, e proclamar a ab-

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eol•ta aatoaomia do homem, sôbre seu corpo. Isto, �•pre de novo, implicando referências ao sexual . Apelando para êste direito, exigem, pois, o amor li­...-re, liberdade, sobretudo, fóra do casamento . Que, antes du casamento, possa cada um fazer o que qui­ser, a êste respeito, e que, também dentro do casa­mento, não haja compromisso nenhum, exclusivo, com um determinado comparte.

De modo todo particular, porém, êste direito é invocado como carta-branca, para o comércio se­xual sem consequências, e para justificação do em­prêgo de meios anti-concepcionais. A mulher de hoje, por isto, como propugnadora dos direitos sô­bre o próprio corpo, combate aquelas determinações legais, ainda hoje existentes, que vedam à mulher o livre uso de seu corpo, e isto, assim pensa a Dra. Eisa Herrmann, "não porque elas se prefiram a si mesmas, pelo prazer sensual, destruindo a vida em­brionária; mas porque, da propaganda e da generali­zação de facilidades na obtenção de meios anticon­cepcionais, prometem sanear o povo e a vida de fa­mília, bem como elevar o sentimento de maternida­de". -(3) Segundo outros, o direito sôbre o próprio corpo consiste, precisamente, "em que uma mulher queira, ou não, produzir a próle I" (4)

Aduzem, finalmente, ser o "direito sôbre o pró­prio corpo" a justificação apresentada a favor do suicídio, esta destruição da vida corporal, voluntá­ria, pelo que até lhe foi dado o nome de "morte li­vre" . O direito do homem, de dispôr de sua vida, atinge o aniquilamento de si mesmo ! Logo . . .

Ora pois, nós católicos, poderemos acaso acei­tar esta solução do direito sôbre o nosso corpo, de modo a podermos, a nosso talante, dispôr dêle e de seus membros e energias ? Pertence de fato o corpo ao homem ? a êle unicamente ?

Responder a isto, é hoje tanto mais urgente, quanto maiores são os danos causados pelo já cita-

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do palavrão, mórmente na juventude em amadureci­mento, uma vez que êle é apresentado como justifi­caado o gôso desenfreado da vida sexual. Quanto a isto, pois, todo educador da juventude deve armar­se de irretorquível resposta. Ela é sobremodo im­portante para o nosso mundo feminino, o qual pro­caram ganhar, com aquela frase, para a emancipa­ção fisiológica ou sexual .

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11 .. A quem pertence o corpo do cristão 1 Que diz a doutrlna católica, a respeito do corpo

humano ? A quem pertence o corpo do homem ?

1 - Ao seu autor e criador, a Deus O corpo�.ttumano é um·a maravilha de Deus. E'

a mais bela e majestosa criatura, entre todos os sê­res terrestres !

O corpo do primeiro homem proveio da mão criadora de Deus ; êle, pela própria mão de Deus oni­potente, formado, e logo vivificado por uma alma imortal. Para tôda a descendência de Adão, através de leis de geração, divinamente instituídas, forma-se o corpo humano, no seio materno . De Deus sobera­no têm sua eficácia as leis de suscitamento de vida humana por meio de pai e mãe. De Deus soberano emana, também, êste grande amor de homem e mu­lher, que os constringe à missão de suscitar a vida. Esta afeição, qual testemunha da eternidade junto às fontes da vida, é, com o amor materno, o maior incêndio afetivo, por meios puramente naturais, ateádo pelo próprio Criador, no coração humano ; e impele precisamente para a formação de um corpo humano, visto que a alma é, tôda e cada vez, criada pelo próprio Deus .

Dêste modo, em última via, todo corpo humano haure de Deus a sua orige m ; todo corpo humano é uma criatura de Deus, o qual, pelas suas leis físicas, ainda agora, como no comêço dos dias, age constante­mente. Ora, Deus soberano não abre mão de ne­nhuma de suas coisas; muito menos, do corpo hu­mano. Ele exalta seu divino direito sôbre esta per-

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feitíssima criatura material . Assim, não pode abso­lutamente o corpo do homem ser "veste ignominio­sa", mas é coisa de Deus, é sua propriedade ! :2le­pertence a Deus .

Tôdas as criaturas de Deus, porém, são boas,. eomo se lê no comêço da História da Criação. (5) Assim é também o corpo humano, e, a saber, na sua integridade . Por isto, parte alguma do corpo huma­no é deshonesta; apenas se póde falar é de deshones­to uso de certas partes do corpo, quando êste uso­não se comporta no âmbito das leis divinas morais . Em si mesmas, porém, nem as partes do corpo, nem. seu emprêgo, são deshonestos ou imorais. Já o Após·· tolo S. Paulo precisára de impugnar concepções gnóstieo-dualísticas, as quais, assim como tôd.a ma·· téria, também ao corpo tachavam de coisa má, da qual o homem se devesse libertar, o mais possível •. Contra êles, que proibiam as núpcias, e exigiam abs­tinência de muitos alimentos, escreve o Apóstolo das Gentes, a Timóteo : "Proíbem casar e receber certos­alimentos ; e, no entanto, Deus criou tudo isto, pa­ra que os fiéis conhecedores da verdade o recebam com ação de graças. Pois tudo o que Deus criou é­bom, e de tudo o que se recebe com ação de graças,. nada é rejeitavel". (6)

Com isto, e sem mais, se esclarece que a sexua-­lidade, em si mesma, absolutamente não é pecado e que a condição do instinto sexual, de ordem física e psíquica, é também boa em si, pois é criada por Deus, que tudo fez bom.

2 - Pertence • Cristo O corpo do cristão, além disto, é, em mística

união, incorporado ao maravilhoso corpo de Cristo . Por isto, clama S . Paulo aos Coríntios: "Não sabeis: que vossos corpos são membros de Cristo ?" (7)

Um membro de Cristo é, pois, o corpo do cristão, um membro daquele organismo sobrenatural e cheio-

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de mistérios, cuja cabeça é Jesús Cristo. O corpo humano é, assim, totalmente edificado, neste vinculo místico, com toda a sua estrutura, com todas as suas naturais funções de vida, com sua estatura e feições, com todas as suas atividades, até mesmo com todas as suas paixões e fôrças instintivas.

Com isto, as operações corporais tôdas, que se fizerem de acôrdo com a, vontade e lei divinas, tornam-se, também, operações daquela divina Cabe­·Ça, isto é, de Cristo, que vivifica e governa todos os seus membros . A potência sexual, nas suas ativida­des consagradas a Deus, não pode fazer a isto ne­nhuma exceção. Conseguintemente, também o pra­·zer sensível, inerente a esta ação determinada por Deus, precisa vivificar-se no âmbito desta participa­ção mística, e pode, nela, não apenas ser permitido, mas até procurado. Também as dôres corporais, como ensina . S. Paulo, falando de si mesmo, são dô­res daquela divina Cabeça ; suprem, nos membros, -{) .que falta aos sofrimentos de Cristo. (8)

Esta participação no corpo místico do Senhor se opéra pela gràça santificante na alma . A vida so­brenatural da alma é que arrebata igualmente o cor­po, arrancando-o de seus apêgos ao material, liber­tando-o de seu egoísmo i! ligações terrenas, contrá­rios ao seu fim, (9) e comunicando-lhe um sentido e -direção para o eterno, para o imortal.

Dêste modo, Cristo pode realmente apresentar um título de posse do corpo de seus fiéis. Como ca­beça de seu próprio corpo místico, êle precisa ter um direito radical, sôbre os corpos dos seus, os quais, na qualidade de membros, precisam usar os· seus corpos unicamente conforme o seu màndato. ·seus corpos, realmente, não lhes são ·próprios, mas são propriedade de Cristo. Po.r isto é verdadeira­mente de todo óbvio, que de nossos corpos a vida de Cristo resplandeça, pois, como membros que são, precisam haurir a vida do todo. Conforme a admoes­tação do Apóstolo, é preciso que "se revele em nos-

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so c:orpo, a vida de Jesús", "em nossa carne mor­tal". (10)

3 - Pertence ao Espírito Santo Os membros de Cristo precisam vivific:ar-se do

se u Espírito, que .é o Espírito Santo. Assim, é preciso que também o corpo dos fiéis cristãos seja ani,mado pelo Espírito Santo. Conseguintemente, pôde S. Pau­lo escrever aos Coríntios: "Não sabeis que vosso corpo é um templo do Espírito Santo, que em vós ha­bita, e que recebestes de Deus, e que não mais vos pertenceis a vós mesmos 1" (11)

O mais antigo cristianismo já precisou fazer va­ler esta doutrina, como norma prática de seu viver. Assim lemos no "O Pastor", de Hermas: "Vê que tua carne seja pura e sem mancha, afim de que o Espírito, que nela habita, dela p{)ssa prestar um bom testemunho, e. tua carne seja declarada justa. Cuida para que nunca venha ao teu coração o pensantento de que tua carne, sendo perecedora, possa, por isto, ser abusada com atos vergonhosos. Se deshonras tua carne; deshonras também ao Espírito Santo ; deshonrando, porém, a carne e ao Espírito Santo, não hás de ter a vida". (12)

Pela graça santificante da alma, é que o corpo do cristão se torna templo do Espírito Santo. Pela graça santificante, o Espírito Santo se torna o prin­cípio de vida sobrenatural da alma .

4- Pertence i SS. Trindade Com o Espírito Santo, porém, tôda a SS . Trin­

dade erige na alma e, com isto, no corpo humano, {) seu habitáculo terrena! . O corpo do cristão tor­nou-se moradia da SS. Trindade, consoante as pala­vras do Salvador: "Nós viremos, e faremos nêle nossa habitação". (13) O débil corpo humano, mortal, exposto a tantas contingências, é habitáculo 1.1e Deus Uno e Trino, e se torna, com isto, proprie-

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dade sua e deve, portanto, ser contemplado como coisa pertencente a Deus .

5 - Pertence à eternidade ll:ste corpo humano, esta maravilha entre as

feituras terrenas de Deus, êste membro de Cristo. êste templo do Espírito Santo e habitação da SS . Trindade, foi por Deus destinado mesmo para a eternidade . Separado da alma, êle precisa, é certo. passar pelo estádio da decomposição ; mas, no últi­mo dia, ao clangor das trombetas do Juizo Final, êle há de ressurgir, para nunca mais poder morrer ou acabar ! Conforme cada alma tiver usado o corpo que ani·mava, e que lhe servia de instrumento na prova, tal será a participação do corpo, na sorte da alma : condenação eterna no inferno, ou alegria in­finita, no céu. Morte eterna, ou eterna vida; ·eterna ruína, ou glorificação eterna, há de ser sua parti­lha . ll:le é, pois, uma "sementeira, lançada por Deus, na terra, a sazonar para o dia da colheita . O corpo humano' não pertence, pois, exclusivamente ao tem­po e a êste mundo, mas finalmente à eternidade e ao mundo dalém, para o qual, ditosamente transfi­gurado, êle, um dia, precisa evolar. Dêste modo. nosso corpo também é criado para o céu ; lá no alto, própriamente, é que está sua pátria, como escreve São Paulo aos Filipenses: "Nossa p�tria, porém, é o céu. De lá esperamos também o Salvador, o Se­nhor Jesús Cristo. ll:le transmudará nosso corpo hu­milhado, segundo a imagem de seu corpo glorificado, em virtude do poder pelo qual êle póde sujeitar a si também tôdas as coisas". (14)

E afim de que nosso corpo, no fim dos dias, pos­sa ressuscitar para a glória, nêle o próprio Cristo infunde o germe da imortalidade, por meio do seu próprio corpo e sangue a nós oferecidos debaixo das espécies de pão.

As palavras de Cristo : "Quem comer a minha t"arne e beber o meu sangue . • • eu o ressuscitarei no

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�. clia ". se referem, sobretudo, ao corpo de IlNS fiéis. pois a alma não está sujeita à transição e à decomposição. (15)

.!.cresce, porém, ainda, que todo corpo humano, •• -.atrimônio monógamo, estabelecido por Deus, se ú»n.a um jardim de cultura para a eternidade; pei:5 também com relação ao corpo, o matrimônio é • ... cultura da eternidade", "uma colônia de imor­tais D..a terra da mortalidade'', como o chamava D . Sailer. Sôbre cada áto procriador, paira, iminente e aterradora, a eternidade, pronta a adscrever, em sew âmbito, aquela vida humana, corpo e alma, a �-

6 - Pertence à sua alma imortal Esta é, em conclusão, a última resposta à per­

Pita: A quem pertence, em sentido cristão, o cor­,. do homem ? :Ele forma, com a alma, um só ho­aem. A natureza do indivíduo humano, na sua tota­litlade, consta de corpo e alma . O homem é, inteira­aente, de natureza corpóreo-espiritual. Ambas estas partes constitutivas não são, é certo, avaliadas do aesmo preço; mas o valor maior compete à alma, tt•e é imediato sôpro de Deus. Corpo e alma, entre­tanto, não subsistem puramente separados, cada um por si, ao lado um do outro, mas fundem-se, ambos, num só e U.nico ser humano, reduzindo-se, mutua­aente, um no outro, um por outro subsistindo . Isto tenhamos diante dos olhos, quando empregarmos aquele símile muito frequente· nos nossos meios, que fala do corpo, como de uma habitação ou instru­mento da alma. O corpo precisa ser companheiro fiel, da alma. Com ela o corpo precisa, sim, merecer­se um céu eterno ; mas com ela pode também amadu­recer para uma eterna condenação ! E' uma sábia disposição divina, que a alma humana, na sua exis­tência terrestre� não possa executar atos de espécie alguma - os assim ditos atos internos não excetua­dos ...,.. sem que precise tomar em consideração a

Vosso Corpo é Sagrado 2 17

ajuda do corpo. Um desarranjo cerebral pode con­denar nossa alma à inatividade ! tanto é literalmente certo que todos os seus merecimentos, para a eter­nidade, ela os ajunta em fiel compartilhação com o corpo, assim como, por outro lado, as suas faltas, unicamente por intermédio do corpo, ela as pode co­meter. Em tôda alternativa, o corpo, em seu destino, permanece unido à alma que o anima, em fiel com­partilhação, a qual é obrigada a considerá-lo seu.

A' luz destas exposições, vê-se efetivamente cla­ro o que pensar de certos arrazoados, tais como faz Rosa Mayreder (16), aparentando seriedade. Ela dá, como doutrina cristã religiosa ( !), que a alma, 11or ser espírito, pertence a Deus, sumo ser espiri­tual ; mas o corpo pertence ao abomináv'el princípio material, ao demônio ! . . . Não ! o corpo também pertence a Deus ! A êle compete, igualmente, um destino eterno, o qual, em união com a alma imor­tal, há de alcançar !

7 - O corpo humano, na vida dà Igreja E' consoante esta doutrina, que o corpo huma­

no é acatado e valorizado na Igreja Católica . A Igre­ja segue, nisto, apenas o exemplo do seu divino Fun­dador: "O Filho de Deus assumiu um verdadeiro corpo humano".

O Verbo divino se fez carne, incarnou-se, real­mente, revestiu-se de carne. A segunda Pessoa da SS . Trindade assumia, de Maria Virgem, um corpo real, humano. Cristo teve, pois, Mãe realmente hu­mana, em cujas puríssimas entranhas, pela ação do Espírito Santo, sua humanidade santíssima se for­mou e se uniu à divindade, achando, ali, através de nove meses, sua primeira habitação terrena. E êste Filho de Deus feito homem, para realizar sua missão precípua - a salvação da humanidade - precisou particularmente do seu corpo: Pela sua Paixão e Morte, infinitamente dolorosas, fomos redimidos ! Para isto, o Salvador precisou de um corpo genuina-

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•�•te sadio (17) Do contrário, e humanamente h.laado, ter-lhe-ia sido impossível suportar as fa­� � amargas tribulações. E' certo, por isto, que o SalTador dispensou ao seu corpo santíssimo o de­w-:là.l ca.idado, para que êle fosse capaz de levar ao � as tarefas do seu apostolado, conforme a vonta­C.e i. o Pai . Disto já se infere que nem se pode falar llle a:aa desconsideração do corpo humano, por par­� i o cristianismo, que ficou fiel ao seu Autor. Se o corpo do homem tivesse algo em si de mau ou des­,rezinl, teria sido impossível a Cristo Senhor, rece­lter am. corpo humano.

8 - Santificação do corpo Por isto, não pode a Igreja ser omissa, tratando­

!>oe do corpo humano, mas precisa considerá-lo e esti­ai-lo como criatura, que êle é, de Deus. A maioria ie !>oeUS meios de santificação, ela os aplica à alma, aediante o corpo; e unge, com isto, também o corpo, ... a santa consagração.

Quasi todos os santos sacramentos são aplicados per meio de ritos feitos no corpo. Pela santa eomu­a.bão, Jesús, o próprio Deus humanado, faz entrada 110 corpo humano, tornando-se êste, pois, em sentido pleno, um vivo tabernáculo do Altíssimo l E a Igreja �•penha tôda a sua solicitude, para que o corpo do cristão, durante a vida inteira, se conserva unido com Cristo, sua cabeça mística, pela proteção e con­servação da graça santificante na alma.

Há uni número enorme ·de sacramentais e bên­çãos litúrgicas, que se aplicam, ou diretamente no corpo, ou em objetos destinados diretamente ao bem corporal. Um olhar ao índice do Ritual Romano de­aonstra bastantemente esta afirmação.

O corpo todo é eloquente na liturgia, interpre­tando as expressões da alma, e por isto a liturgia atribúe uma grande importância aos movimentos e atitudes do corpo. De modo particular animam-se

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aqai as aãos. Na bênção du lavu, pelo fim da sa­gração episcopal, a liturgia aplica às mãos, alegori­camente, as palavras do salmo: "anima mea in ma­nibus ·meia semper" - isto é: minha alma sempre nas minhas mãos. E os olhos 7 tão magistralmente correspondem êles ao pensamento interior, que, à fixidez do olhar, corresponde a da conciência, e à interior apercepção do nosso espí rito, corresponde a fixidez dos nossos sentidos. Ao ofertar da hóstia, os olhos seguem as mãos com a oferenda; seguem os pensamentos da alma, que vão a Deus nas altu­ras. Logo, porém, que o sacerdote fala nos "inume­ráveis pecados, afrontas e negligências", por cuja expiação a oferenda se faz, baixam os seus olhos, pois estas coisas provêm da baixeza, e fazem o ho­mém envergonhado, diante de Deus. Mas também os paramentos e suas côres são adaptados, o mais possível, à atitude interior, no divino culto. Onde quer que. seja, onde o homem se vê diante de Deus, ou se aproxima da divindade, é a posição do corpo que interpreta a adoração interior, seja nas reuniões, no templo de Deus, ou quando, com passo meditati­vo, êle acompanha as procissões religiosas. O corpo precisa, então, - para mexer com uma palavra de Nietzsche - ser, na realidade, o semáforo ou sina­leiro da alma !

Além disto, nas orações litúrgicas da Igreja, vol­tam sempre e retornam as súplicas em que não so­mente a salvação da alma se impetra, mas ainda o bem-estar e a saúde do corpo, ou se pede a Deus, suplicemente, afaste os perigos que à vida e saúde nos ameaçam .

Precisamente solícita do nosso corpo e de suas muitas e justas precisões a Igreja se revela, quando, nas ladainhas, pede do céu, publicamente: alimento, proteção, segurança .

Mesmo depois da morte, ela não abandona o corpo simplesmente à sua sorte, mas acomoda-o no campo-santo, em sepultura benta; planta-o, semente

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à ��o. na sepultara: ali é colocado na cor­� afia de ser suscitado, depois, incorrupto. {llt} Taabéa Cristo entregou seu corpo ao sepulcro, JIIU"& eJeTar-se depois, gloriosamente vitorioso. Assim, - cristãos seguem fielmente o exemplo do seu di· rill• llestre: entregam seus corpos à terra, para que, - raiar da Páscoa da eternidade, possam festejar a aacaifieência da sua glória primitiva.

9 - Ne arte cristã O corpo humano é o mais nobre objeto da arte

eclesiástica, e sobretudo nos templos de Deus. Nada é artisticamente representado com mais frequência llo que precisamente o Salvador, a santissima Mãe de Deus e os Santos da Igreja. Isto emana, natural­aente, da noção que a Igreja tem do corpo humano. O cultivo da arte é, pois, como diz · Carlos Adão, es­sencial ao catolicismo, visto que lhe é essencial o respeito ao corpo e ao natural. Nas representações artísticas do divino Fundador da Igreja e de seus Santos, o cristão precisa encontrar animação e estí· aalo, para nunca perder de vista, e com tôdas as fôrças, o anelar, aquele fim eterno, que os Santos já conseguiram.

Sim . O corpo do homem é realmente introduzi­do no culto. Para as solenidades do culto divino e o desempenho de santas funções, êle é revestido de paramentos de gala, são-lhe prescritas atitudes, de­terminadas a exprimir as intenções interiores da alma .

Tudo isto, uma vez mais, é sinal não de menos· prezo e aviltamento do corpo, mas indica bem a po· sição, prevista por Deus, para o corpo humano.

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111 •· O direito sôbre o corpo e a vida O corpo humano é, pois, uma pertença de Deus

Criador. E' evidente que êste opúsculo se refere ao corpo animado, vivo ; pois, sem a vida, êle fica à mercê da decomposição. E' da sua vitalidade, que lhe vem o grande valor .

1 - A vida, um dom de Deus Ao apresentarmos o corpo, como propriedade de

Deus Criador, já dizemos com isto também que a vida é um dom libérrimo de Deus. Sôbre a geração, nas­cimento, a morte do homem, jaz, até ao presente, um véu impenetrável, que a ciência não conseguiu de­vassar; e a formação genética do homem ficará, tal­vez sempre, velada por um mistério. Nós, crentes em Deus, achámos um esclarecimento satisfatório no fato da Criação divina, que faz surgir a vida cada vez, e sempre de novo a suscita . o homem não pode mesmo sujeitar ao seu querer 0 suscitamento, pro­priamente, da vida humana; esta se liga a muitas. circunstâncias naturais, e

-depende de muitas condi­

ções, as quais, por sua vez, escapam ao nosso al­cance, e têm igualmente sua causa e explicação so­mente em Deus. Acresce ainda que a alma, o princí­pio vivificante do corpo, é diretamente criada por Deus.

A vida é, por isto, no pleno sentido, um dÓm li­bérrimo de Deus, encontrando sua última explica­ção unicamente na vontade �riadora de Deus, na sua bondade e amor . A vida é de todos os bens na­turais e físicos, o maior e o mais precioso. Na con­ciência dos povos, é tida como sagrada, inviolável, intangível, subtraída aos arbítrios humanos. O ho­micídio se nos afigura como coisa monstruosa, não

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� .....-e êle 1111er ÜRr .. por aiDila própria •.a:::Me. alira.r e oatro ae iacrrto, •• acrescentar-lhe � reisa sõbre a qaal ea de aodo alpJB estou 011 reatiições de jalgar !" (21) - pois. para nós. � é certo que o destino, depois da morte, é a �-a�r11tirança eterna, ou a eterna condenação - - é llerrendo o homicídio, porque êle signüica a J1rri.a lle aais precioso bem físico,_ perda irrepará­'C"ft � aundo.

Seado Deus o proprietário imico do nosso corpo, �IIle o direito, exelusivo, sôbre o corpo e a �. Se quiser uma terrena jurisdição arrogar-se � direito, prove, neste caso, a divina autorização. t"• atentado, pois, contra o corpo e a vida dt' um b•rm, só pode ser justificado, quando o próprio Dew.s o tiver autorizado, seja po

'r expressa incum­

MBcia, seja através da ordem divinamente estabele­cida. donde se possa, indubitàvelmente, concluir ... tal direito de ação.

Ao homem individual é confiado o corpo e a rida. em certo sentido, unicamente para o seu uso. t:le é o curador, e Deus retém o direito de proprie­dade. Uma violação injustificada seria uma usur­pação, de divinos direitos, que nunca podem ser ou­torgados ao homem. Pelos mandamentos quinto e sexto do decálogo, Deus proibiu, expressamente, as arbitrariedades no uso do corpo.

Trataremos primeiro da proteção do corpo, por parte de Deus, tal como é garantida no quinto man­damento.

2 - Atentado contre os direitos do Altíssimo Dêste modo, para legitimar intervenções arbi­

trárias, não há lugar de espécie alguma. A favor do suicídio, pois, não subsistem justificações ou justi­ficativas artificiosas quaisquer. A glorificação do suicídio, a tal "morte livre, em sublimidade" (Ib­sen), foi a mais tétrica sombra do individualismo nos últimos decênios. Nunca se poderão aduzir mo-

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tivos, pan qae o laoaea düpoalaa, UBia, eoltenlla· mente, da sua rida corporal.

A Igreja sempre condenou o suicfdio, como am graYe pecado, e negou sepultura eclesiástica aos suicidas, suposto que o perpetraram com plena ad­vertência.

Sem um motivo proporcionadamente grave, não se póde, igualmente, expôr o corpo a um sério perigo de morte ou lesão. E aqui vem ao caso o duelo, com armas mortíferas, (ao qual se equiparam as tais "mensuras" dos estudantes), punido com penas ecle· siásticas, as quais não somente os duelantes, mas atingem também os participantes, substitutos, mé· dicos, etc., e aos caídos em duelo não se concede a sepultura eclesiástica. Arrolam-se ainda aqui as fa­çanhas de quebrar pescoço, a que se dão certos en­tusiastas do es�Wrte, como por exemplo uma primei­ra escalada de um pico, só pela glória de a ter feito primeiro ; ou um vôo oceânico, quando as máquinas, não tendo atingido a perfeição, não permitem uma segurança moralmente certa; ou uma cura, por die­ta, só para alcançar "linhas esbeltas", pois isto traz consigo o perigo de que, pela deficiente alimenta­ção, a· saúde tôda fique desorganizada.

Não se deve, contudo, roubar ao corpo a sua digna apresentação humana, ou capacidade de ação, como acontece nos exageros do esporte. Lendo a descrição de muitas porfias de box, acreditamo-nos transportados aos tempos dos gladiadores romanos : queixos quebrados, caras ensanguentadas, etc. Pela mesmá razão, são proibidos os entorpecimentos, o álcool, a nicotina, a cocaina, etc., enquanto arreba­tam a conciência e o uso racional dos átos humanos.

Por isto, as deformações, voluntáriamente cau­sadas, são um menoscabo da nobreza do corpo hu­mano. Certas artes cosméticas e ortomórficas que pretendem, por exemplo, dar ao corpo feminino um porte viril, não recuando para isto nem mesmo dian­te de certas amputações, trazem o ferrete de um cri-

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ae. Sibre a HeeitlaM H � edazi• fa. lareaos mais adiaate. A ntica 118&11C& de espartillae era aão sõmente ricHenla e martirizaate, mas até aeralmente reprovável. caso que, com êle, órgãos iJlteraos ficassem impedidos na sua função natural e a saúde de todo o corpo fosse posta em jôgo.

3 - Sanções contra o corpo e a vida do próxImo A ,sua iliceidade deflúe das mesmas considera­

Ç'ies já expostas, a não ser que intervenha um pre­peaderante direito comprovado .

A autoridade humana pode intervir na vida e in· �dade humana, unicamente para fins punitivos. Para expiação de um crime que fez o criminoso in· «"errer na pena de morte, pode a sentença ser la· "'8da. Que a autoridade legítima possa inflingir pe­•• de morte, não há dúvida alguma. Isto é tradicional u•trina católica, de fundamentos �a Sagrada Escri­nrra. Mas, sôbre se deve ou não ser posta em uso, � muitas vezes foi preciso deixar ao julgamento tle espírito e sentimentos da época .

A um particular assiste o direito de matar al­�ém unicamente no caso de legitima defesa, se um atentado contra sua vida, ou contra algum de seus bens supremos, não puder ser afastado de outro mo­do . Uma donzela, por exemplo, que não pudesse afastar de si um malvado que quisesse violentá-la, senão matando-o, seria justificada perante Deus e sua conciência, não sendo isto nenhum homicídio, nem assassínio, em sentido jurídico. Do mesmo mo­do, seria desculpado um defensor que lhe viesse em auxílio, e que não pudesse, dt! outra maneira, livrá-la da humilhação.

Lesar a integridade do corpo, mediante ampu­tações ou inutilizações, é lícito unicamente quando a saúde não pode ser restabelecida, por outra ma· neira, ou mesmo quando a vida não pode, de outro modo, salvar-se. Fora disto, é ilícita e proibida sob

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pecado, qualquer intervenção na vida ou no corpo de um homem são : seria isto uma injusta usurpa­ção dos direitos divinos.

A conclusão é que se deve deixar uma desimpe­dida liberdade à natureza, ao curso normal das leis da existência. E' ilícita, portanto, a destruição das chamadas "vidas inúteis". A vida humana está nas· mãos de Deus, em tôda a sua duração, não compe­tindo ao homem fazer julgamento sôbre a sua va­li!lez.

Por isto, é ilíclto, também, apressar diretamente a morte, mesmo quando as dôres são muito gran­des, e a compaixão nos leva a desejar um breve des­enlace. Não se deve, pois, empregar entorpecente algum para êste fim . :f!:ste modo de morte "ajudada" é conhecido pelo nome de "eutanásia". O conceito de eutanásia, - isto é, a arte de encaminhar a mor­te com suavidade - tem sido apresentado de vários modos . Há três principais: Primitivamente, enten­dia-se por eutanásia uma interior disposição do ho­mem, para enfrentar a morte, com serena tranquili­dade. Assim a entendiam os antigos gregos; e, neste sentido, a religiosa preparação para a morte é a me­lhor das eutanásias. A recepção dos últimos santos sacramentos, e a preparação do doente para isto, é a melhor eutanásia religiosa. Aqueles que o assis­tem, lhe fazem o mais nobre áto de caridade, se o chamarem, delicadamente, à atenção para isto. E' pois, inconcebível, e injustificável, que um católico, só pelo motivo de não alarmar o doente, o deixe sem os sacramentos e o não anime a recebê-los.

Mas por eutanásia se entende também a "solici­tude do médico, em suavizar ao doente, o mais pos­sível, a saída dêste mundo, principalmente procu­rando-lhe uma posição conveniente, ou afastando importunações, ou abrandando as dôres, por meios anestésicos e narcóticos". (24) A isto se pode, com razão, chamar de morte "ajudada". A eutanásia, as­sim compreendida, pertence à missão humanitária

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C.. .eüre: ria te• e• vista as dôres e trmaJatées l::a f'Sfenaidade. quando esta atinge o sea estádio ..:r::-.. . O aéd.ieo dispensa, eom isto, 1llll inestiaã­

Tei faTer - doente, quando êle, pelo lenitivo de dô­=- � perdida a esperança de curá-lo, ao me­- • Ir� saavemente, aos umbrais que separam a TiCL tia aorte. A aplicação de meios que não eli­-.... • aso dos sentidos é, sem mais, permitida, e a �Tel. Empregando-se, porém, entorpecentes, é )llll"eCise caidar-se que o doente se prepare bem para a -n.r. antes de se ver lfflvado da conciência.

�a opinião comum dos moralistas, o emprêgo H ais nmédios não é permitido, se com êles se eli­:a.:I:.area apenas as âncias comuns da agonia. Po­i��- pois, aplicar no caso de deverem ser mino­� liõres extraordinàriamente grandes, podendo­• n..-a..-elmente, para isto, pressupôr o consenso M )llaCieate. No caso de êste próprio o desejar, mes­- -. sofrendo extraordinàriamente, devem dei­� aa boa fé, e aplicar-lhe o medicamento, se ne­da!ou esperança houver, de que êle se converta (25)

� terceira forma de eutanásia pode chamar-se .:&a Terdadeira "causa-mortis" . Consiste na aplica­� lie preparados, os quais, por meio de princípios .a.:iTes diretamente letais, se destinam a apressar a ••::v. tornada já inevitável, pela enfermidade. • S} F isto o que hoje, mais comumente, se enten­� 110r eutanásia. Visto, porém, que a morte direta, � wciativa particular, nunca pode ser permitida, :a.s"H• esta espécie de eutanásia fica moralmente �renda. Uma morte direta não pode ser descul­]lla.lh.. nem mesmo pelas compaixões, humanamente �preensíveis, que se tenham por causa das dôres e as angústias do doente . Ela_ não pode, pois, ser r.aJireendida, nem por desejo dêste, nem por exi­�da dos seus parentes. (27)

rm terceiro modo de eutanásia é apresentado 110r Ruland, e por êle chamado de "motivo de mor­�e• e se refere ao que denominamos de destruição

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das vidas chamadas inúteis, inválidas. Isto é fóra de dúvida, o mesmo que aplicação imediata da morte, e sua iliceidade nem é disc:utivel para um ca­tólico. - A licenciosidade de destruir vidas "inú­teis" nos leva ao nível de certos selvagens da Sa­moa, das (28) ilhas de Fidji, ou de certas regioes africanas e árticas, os quais matavam seus parentes velhos. - ·Com a única diferença de que êstes "sel­vagens" o faziam afim (29) de proporcionar a ês­tes "felizes" uma feliz entrada no seu Além, ao pas­so que a moderna eu�ia provém de uma mera vertigem de humanitarismo, que desconhece a alma imortal.

·

4 - Pela vida dos não-nascidos Desta proteção gozam também os não-nascidos,

os quais têm os mesmos direitos à sua vida, como qualquer outro homem, direitos que podem exigir de sua própria mãe. l!:les devem ser considerados, não como partes do organismo materno, nem como "parasitas" que vivem à custa dêste organismo ; (30) mas são homens em formação, animados de alma imortal, e que, por determinação divina, tiveram seu primeiro berço no coração materno, precisando, para seu desenvolvimento continuo, do carinhoso conchêgo desta proteção. Já os padres antigos do cristianismo tinham falado do embrião humano, como sendo animado de uma alma humana nova, desde o momento da conceição ; de modo que o pró­prio fruto da entranha materna precisa ser conside­rado como um ente humano, desde aquele momento. (31) Com isto concorda a moderna biologia:

"Imediatamente após a fecundação, o óvulo fe­cundado tem vida própria; seus caraterísticos não são somente maternos, mas também paternos ; apre­senta tôdas as manifestações da vida orgânica, e forma seus próprios humores; sucede, até, que o san­gue materno é doente de leucemia, enquanto o san­gue do feto é completamente são, e, portanto, outro

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-..c-e- E" o próprio feto que aciona a circulação c- � lt•aores, mesmo não sentindo a mãe ne­� aorimento exterior. Com pasmosa rapidez. i-::.e se aperfeiçôa para um ser humano, e não outr o ; ilf4llCe se conclúe, necessàriamente, que êste desen­T.:...-me•to só se deve atribuir a um princípio vital �CJtaente humano. De todo outra coisa seria, ,_. exeaplo, um tumor, ou inchação, no corpo ma­JHWe: aão tem nenhum sistema próprio, de circula­çie. aas participa no da doente; não forma vasos )H"iilrios, mas deforma os da doente ; e é do sangue � e de sua linfa, que estes vasos são percorri­M:s .

Também não vale a objeção d e que é do orga­:ai:sao materno que o feto recebe o seu alimento. :Ele • rKebe, sim, _mas transforma-o, êle próprio, com JRWpria atividade, e tem uma pulsação mais fraca tie 1111e a mãe, ao contrário de um tumor. Também .s plantas, é da terra que tiram seu alimento ; mas daltoram-no, elas próprias, e no entanto seria um c.•trasenso dizer que as plantas fazem parte do daãe"'. (32) Assim, a opinião muito admitida ll.oje, é 1111e Deus cria a alma humana no momento da con­cepção biológica . Verdade é ser preciso confessar 1111e não em tôda parte esta opinião encontra incon­lficional apôio. Alberto Mitterer, por exemplo, "por �rtas razões, não quer, por enquanto, participar" iesta união ; êle não intenta, porém, contradizê-la. (!3) Reany William acha que a infusão da alma se lllê em algum momento depois da concepção, mo­aento que não se deixa bem determinar. (34) Vaga­aente também o outro se exprime, dizendo que Deus cria a alma para cada homem, logo que o embrião ltliBiano esteja apto para recebê-la (35)

Originando-se embora, diretamente, da mão de Deus, a criação da alma humana pertence, contudo, i. ordem natural, e não sobrenatural . Como bem escreve Wilh. Mook (36), "o sobrenatural é um aces­sério da graça, enquanto a origem da alma pertence

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absolutamente a urna ordem natural, embora não de todo à que chamamos de física. Isto, pois, apenas se pode compreender, se tôda alma humana or1g1· rtar·se diretamente da mão do -Criádor, não impor· tanc!.o tratar-se de um filho da vergonha ou da hon· ra ; do lar cristão, ou da hediondez de sujos alcovi· teiros ; filho duma união santificada e nobre, ou do crime violento; filho de pais sadios, ou de um de· mente hereditário, escapo da esterilização. E tanto se pode objurar a Deus pela criação destas almas, em casos tristes, corno se pode, pelas demais defi· ciências da natureza, ou pela sua divina cooperação, quando, nos assassínios mais abomináveis, êle como. que dá asas ao projetil, para atingir o coração ino· cente".

O abôrto, procurado, é sempre e em tôda parte, a morte voluntária de um inocente, ainda de todo indefeso. E', propriamente, um crime horripilante, para cuja atrocidade, infelicíssirnarnente, vastos cír· culos do nosso povo perderam tôda sensibilidade. ll:le constitúe um crime que brada aos céus, punido, pela Igreja, com a pena da excomunhão !

Naturalmente, embora não perseguida com a mesma pena eclesiástica, é do mesmo modo repe· lente a chamada craniotornia, a perfuração, ou esfa· celarnento, do crâneo infantil, no áto do nascimento, no intuito de salvar a vida à parturiente, que, do contrário, e com certeza, pereceria no parto. Isto é sem tirar nem pôr, um homicídio, para salvar uma vida; mas não se pode matar ninguém diretamente, para salvar a vida de outrem, nem mesmo extermi· nar a prole que faz perigar a vida materna .

5 - A esteriliza�io Nós, católicos, precisamos, por conseguinte, re·

pelir também a esterilização que não seja por fins penais ou medicinais. A ablação, porém, de órgãos genitais, não pode ser considerada como castigo, pois deixa ilesa a aptidão para os atos sexuais. Fôsse

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talvez esterilizado um fidalgo, um primeiro na sua descendência, de modo que sua estirpe ficasse eli­minada, quando muito neste caso, poder-se-ia falar de uma punição; mas a ampla maioria recebe, com isto, é uma carta branéa, para viver tanto mais des­enfreadamente, visto não precisarem temer conse­quências.

Além disto, somente por motivos do bem comum a esterilização poderia ser admitida; a não ser que seja operação empreendida para curar, não podendo a vida e saúde do corpo ser procurada doutra ma­neira. Entretanto, já a Igreja declarou, solenemente, que razões nenhumas podem ser apresentadas, pelas quais o bem comum possa alicerçar o seu direito de agredir a liberdade

' pessoal e a integridade do corpo

humano, com intuitos meramente preventivos. E porque a Igreja resolveu, definitivamente, esta ques­tão, não podem nunca mais estas razões ser procu­radas . Com isto, para nós católicos, ficou êsse pro­blema liquidado ; para n1is que, mui principalmente em questões de fé e de costumes, somos do mesmo pensamento de obediência. A Igreja, como autêntica intérprete do direito natural, nos trouxe incondicio­�:.al clareza, sôbre o assunto .

Seria preciso provar a ascendência de uma irre­cusável necessidade, contra os direitos naturais das pessoas, contra os quais a esterilização representa •• atentado. Poderia aduzir-se que por nenhum ou­tro expediente o bem comum ficaria suficientemente pr�tegido. l!:ste argumento, porém, hoje o não for­çam, nem eugenistas, nem · biólogos racistas, nem •esmo políticos. A seu modo de ver, êles demons­traram que tal .medida pode servir e beneficiar o bem comum . Isto, entretanto, não é suficiente, para abalar uma esfera de direitos que pode apresentar •m seguro título à inviolabilidade. Esta evasiva pode ser forçada numa guerra, quando se põe em jôgo a vida e saúde de grande parte do povo, e nenhum outro meio resta de defesa da pátria. Mas, quanto

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ao impedir uma geração de tarados, restam ainda meios outros a se empregar, irrepreensíveis, lícitos, como por exemplo o isolamento dos indivíduos doentes. Desta forma, nenhuma sólida razão pode ser arguida a favor da liceidade moral da esteriliza­ção, seja voluntária ou forçada.

E', pois, uma malévola calúnia, quando a opo­sição feita pelos católicos à lei de esterilização, na Alemanha, é atribuída ao cego ódio de um "catoli­cismo político" ou até a jesuitismo que tenha encon­trado nisto uma alavanca para trazer "desavença, e dúvida, e desarranjo, ao povo alemão" ; é grave ca­lúnia, quando se fala em complicada urdidura do je­suitismo, "que o combate, não contra esta lei, mas contra o Estado, e contra o movimento nacional­socialista, e que justamente para estes círculos al­tamente traidores qualquer meio é reto, desde que possam esmagar a conciência da raça, que se levan­ta no povo". (37) Não ! para justificar a esteriliza­ção, como medida preventiva, faltam fundamentos intrínsecos. Fiquemos na comparação da sociedade, com um organismo, e veremos que os membros dês­te organismo só poderão ser eliminados, ou inutili­zados, no caso de doença, quando a saúde do todo não pode ser salva de outra maneira. Entretanto, dentro do organismo moral-espiritual da comunida· de, só e unicamente um delito realmente perpetrado e nocivo ao bem comum, pode ser considerado como doença. Com isto, uma doença física, um mal here­ditário, e coisas semelhantes, mesmo trazendo for­temente em si o germe de desvios morais, nenhuma motivação oferecem, suficiente, para uma interven­ção violenta, como é a esterilização. A mera precau­ção não cria direito de espécie alguma, para a vio­lação da integridade corporal. (38) O justo confron­to dos direitos de cada um, naturais e divinos, com os da sociedade, é o que nos força ao repúdio da es­terilização por motivos "eugênicos".

Uma vez feita a brecha no edifício da moralida­de, mais e mais êle aos poucos irá cedendo. Com

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forçada rapidez, a evolução precisou permitir tam­bém interromper o tempo da gestação, ou melhor dito, permitir o abôrto, por razões de eugênia. Foi o que de fato aconteceu (na Alemanha) pela lei de 26 de Junho de 1935. Consoante ela, é licito (para os alemães) interromper o tempo da gestação, por mo­tivos eugênicos, sob três condições: no caso de doen­ça hereditária, circunscrita por lei, com declaração obrigatória do entendido médico-legal ; se a própria gestante o requerer, ou der para isto o assentimen­to ; se o feto não fôr ainda maduro, e a operação ne­nhum perigo sério trouxer para a vida e saúde da paciente. Além disto, é preciso constar ainda um pa­recer sôbre a esterilização da gestante. (39) E as­sim, pela vereda escorregadia, chega-se a medidas que nós, católicos, precisamos tachar de assassínios.

Certamente, pode-se falar que o Estado tem di­reito a que os cidadãos sejam hereditàriamente ro­bustos. No entanto, à família assiste o direito aos filhos, direito mais forte que o do Estado. E' o di­reito da família que prevalece. Nêste sentido, é nos­so dever afirmar e defender o primado da família, perante as exigências do Estado .

Com isto, não queremos absolutamente defender a multiplicação incontável e sem escrúpulos de indi­Tíduos anormais. Como o Santo Padre expressamen­te o diz, pode-se até dar o conselho de que se abste­nham do casamento, e, com isto, dos filhos . Que eles

' sigam os conselhos, é possível conseguir com

outros meios. Se o doente fôr ·mentalmente apto, por exemplo um portador de cegueira ou surdez heredi­tária, então é preciso frisar, pastoral e pedagogica­mente, a sua responsabilidade e sentimento de dever para com a prole vindoura. Para com os mentalmen­te inválidos, resta o recurso da internação num es­tabelecimento, com o que êle pode permanecer efi­cazmente isolado da corrente da vida. (39)

Vosso Corpo é Sagrado 3 33

6 - Atropelamentos e desastres Os modernos meios de transporte, mormente

automóveis e motocicletas, na forma em que hoje se usam, exigem dà" teologia moral uma ponderada re­flexão, com respeito ao perigo a que expõem o cor· po e a vida. Os dois citados veículos estão para ga· nhar a dianteira do próprio extermínio em massa, da guerra !

Vejamos as cifras · (arredondadas em milhares) !

Segundo informações do gabinete de comércio de automóveis nos Estados Unidos, nada menos de 136 . 000 pessoas pereceram, em atropelamentos ou acidentes automobilísticos, desde 1.0 de janeiro de 1919, a 31 de dezembro de 1926. Comparando com a guerra: A guerra mundial {1914) custou aos Estados Unidos 120 . 000 mortes (segundo outros, apenas 59 . 000; est� diferença se explica pelo diferente modo de entender o que seja propriamente uma vítima da guerra). Entretanto, o número de desastres e de ví­timas têm subido constantemente. No ano de 1924 contaram-se lá 450 . 000 feridos em desastres de auto­móvel ; em 1926, já mais de 700 . 000; em 1933, cêrca de 30 . 000 mortes (incluindo 4 . 900 menores de 15 anos) e 850 . 000 feridos (contando 180. 000 menores de 15 anos). Nos primeiros 10 meses de 1934, já 28 . 400 mortos e 740 . 000 feridos. Comparando com igual tempo do ano precedente, vê-se um aumento de 16 %. Nota-se ainda que a crise econômica di­minuiu, não

. pouco, o número de autos, com relação

aos anos anteriores. Eis ainda um cotejo significa­tivo : Nos últimos 15 anos, contaram-se nos Estados Unidos 325 . 000 casos de morte por automóvel; no entanto, as guerras tôdas daquele país, em 150 anos, custaram apenas 300 . 000 mortes . Com razão, pois, lembra o redator de uma revista americana o fato seguinte : Que o número total dos cidadãos america· nos, vitimados pelos submarinos alemães, que de­ram aos Estados Unidos a ocasião próxima, para a

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entrada na guerra, não foi tão grande como o das vítimas de automóveis, em só dois lindos e soalheiros dias de verão ! Também na Europa multiplicou-se, assustadoramente, o número das vitimas de carros . !\lo ano de 1930, numa alocução na câmara dos co­muns, foi divulgado que, na Inglaterra, os autos causam na média 20 mortes, diàriamente, e 500 fe­ridos . O que dá por ano mais de 7. 000 mortos e 180 . 000 feridos. Nos primeiros meses de 1934, se· gundo os jornais, as vítimas de veiculos, naquele país, já ascendiam a 3 .224 mortos e 101 . 694 feridos. !\los últimos 8 anos, o número total seria de 54. 138 mortos e 1 . 522 . 704 feridos. Isto significa, mais ou menos, o triplo das baixas britânicas, na batalha do Somme, em 1916. Viena, com seu movimento de car­ros relativamente pequeno, já contava em 1932 uns 3 . 566 desastres, com 57 mortos e 5 . 000 feridos. Cote­jando o número de vítimas, com o de autos e motoci­cletas, chega-se ao resultado : um desastre, por ano, com vítimas, corresponde a cada 8 autos e a 11 mo· tocicletas. Vejamos de Berlim somente um grito de alarme, dado por um dos seus maiores diários, de começos de novembro de 1934: "As vítimas diárias não se reduzem a casos alguns, somente; elas for­mam lista !" A capital do Reich seria, em breve, a 111ais perigosa cidade do mundo . • .

A ninguém admirará êstes números temíveis, se tivermos experiência da impossibilidade técnica de faz.er parar, subitamente, um carro em vertiginosa corrida . Alguns dados sôbre isto : Numa velocidade de 100 quilômetros, não pouco comum nos veículos modernos, mesmo com os melhores freios, ainda se requer um percurso de pelo menos 56 metros . Isto quer dizer: Percebendo o motorista algum obstáculo, repentinamente, e refreando com tôda a fôrça, o car­ro só vai parar depois de 56 metros. Com freios pio­res, mas de confiança, isto se dá só depois de 100 metros. Mas, ainda mesmo com a velocidade máxi­•a de 35 quilômetros, muitas vezes permitida nos

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centros habitados, os melhores freios precisam ain­da um caminho de 6,5 metros, para imobilizar o car­ro ; os inferiores, mas de confiança, requerem 12 metros I Quem souber disto, não é verdade que jul­gará perigosas estas máquinas, para as ruas que servem ao trânsito geral 7 Mesmo ignorando aquela terrível estatística, da qual tiramos êstes poucos exemplos ! Acresce ainda que êstes dados, para o bom refreamento, valem unicamente para estradas bôas, em tempo sêco. Que será, então, quando fal­tarem estas condições, mormente em tempo chuvo­so ? Inumeráveis acidentes acontecem então, pelo refreamento brusco, ou porque, pelo molhado das estradas, o carro derrapa num arremêsso. Precisa­mente nêstes casos, muitos pedrestes, livres da mí­nima culpa, ficam horrivelmente feridos ou mortos .

Mais concienciosidade e cautela, é urgentemen­te necessário ! Zunir através de povoações, com in­gente velocidade, ou delirar por sôbre estradas e caminhos, onde surgem talvez pedestres, que não podem ser vistos com suficiente antecipação, ou não ater-se às normas de trânsito dos caminhos si­nuosos, isto é fazer perigar a segurança e a vida dos outros, e não é coisa de moral indiferença ! As queixas, quase diárias, de respeitáveis jornais, con· tra as inconsideradas correrias de autos e motoci­clos e às vezes mesmo de bicicletas, em mãos de gente nova, causa de tantos ferimentos e mortes, deviam suscitar, das autoridades, severos castigos. De todo exemJilar, entretanto, devia ser a punição, quando o brutamontes, feito o desastre, azula na escapadela, nada se lhe dando da sua vitima !

Tais são os deveres de proteção, que o 5.0 man­damento nos impõe, com respeito ao nosso corpo .

Em seguida, apontaremos a guarda da sua digni­dade, tal como no-la impõem, como dever católico, as particulares circunstâncias hodiernas, e como o 6.0 mandamento do decálogo no-la desenvolve .

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IV •• Doutrina crista dos sexos O supremo domínio de Deus, sôbre o corpo hu­

mano, veda não sómente atentados contra a vida e integridade do corpo; mas coloca também, numa es­fera divina, tôdas as suas atividades, mormente aquelas destinadas a satisfazer a finalidade dos se­xos. Nêste ponto, é o 6.0 mandamento do decálogo que notàvelmente protege a significação social do corpo humano . Providências de proteção especial rodeiam aquelas partes e instintos, destinados a ser­vir à espécie.

1 - O pudor Já o grande S. Tomaz de Aquino ensinou qne o

uso das fôrças generativas do homem está destinado ao bem comum . Para mostrar, por assim dizer, que estas partes não se limitam ao próprio eu, o Criador as envolveu no pudor, e com êste sentimento iso­lou-as das outras partes. O pudor é essencialmente a repulsa ao contac:to de outrem, e a defesa da inti­midade e da personalidade, contra a indiscreção ; relaciona-se com o que de mais íntimo e profundo existe no ser humano ; e precisamente por isto se manifesta como uma conduta inerente ao sexo, por­que é de parte do sexo que se procura invadir o ín­timo domínio pessoal de outrem. Podemos dizê-lo em outras palavras : O verdadeiro pudor tem suas raízes no respeito à santidade das coisas que êle en­cerra. O santo horror de atirar aos cães e suinos, o que é santo : isto é: o pudor. O falso pudor envergo­nha-se das coisas sexuais, como de coisas profanas, vergonhosas, vis. O que o verdadeiro pudor encobre,

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perante a santidade, por respeito, isto é escondido pelo falso pudor, como por vergonha de uma coisa baixa e aviltante. (41)

Além disto, o pudor enraíza-se mais profunda­mente é na conciêneia da desharmonia entre corpo e alma, desharmonia que, como grande

-lesão em

coisas sexuais, o pecado original deixou em nós to­dos . O sentimento de pudor não é, pois, afetação ; é prudência. Quem puser de lado o sentimento de pudor, seja qual fôr o pretexto, ver-se-á em breve às voltas com um fracasso moral. Assim a frase de que por meio "do nudismo desfazem-se as paixões· asfixiantes, e as coisas sexuais se tornam ingênuas e naturais, é uma frase de há muito demonstrada co­mo mentirosa por todos os homens sensatos. O aba­lo do sentimento de pudor significa uma certa vio­lência contra a natureza, visto que "temos nêle mais do que um grande mentor: nêle age uma como fôrça física, levando sempre a vida sexual a reto­mar a senda traçada pelo Criador. O que prevalece no sentimento do pudor, é a sublimação da natureza espiritual, da parte melhor, contra as ex1geneias in­feriores da carne." (42) Por isto, o pudor não foi inventado, como os defensores da cultura ·nudista nos querem fazer crêr; êle é inato, como "auxiliar" da "natureza", para proteger a reverência que se deve ao corpo, e mórmente à fonte da vida, nêle es­condida.

Ora, ninguém expõe e compromete aquilo que \"enera e honra. Por isto, repilamos a cultura nudis­ta ! Ela sempre foi rejeitada pelos conhecedores da natureza humana, e pelos amigos honrados da hu­manidade. "E' uma vergonha, desnudar o corpo en­tre os cidadãos", escreve Cicero (Tusc. 4, 33). Sue­tônio dizia: "Apareceu a falta de pudor, apareceram todos os outros crimes". (43)

A moderna cultura do nudismo, seja apoiando-se na tal "nobre naturalidade", seja procurando fun­damento na garantia sôbre a pureza da raça, fecha

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os olhos ao dogma católico do pecado original, do­gma que, em tôda avaliação do corpo humano, não podemos perder de vista . O pecado original vulne­rou, notadamente, a esfera dos sexos. A cotidiana experiência da vida nos confirma ser funesta qui­méra o que diz, por exemplo, Manes: "Os jovens precisam aprender a ver, com alegria, uma nobre e viva nudez, sem que a concupiscência nêles se le­vante !" (44) Ao fato de, da contemplação dum cor­po nú -de pessôa doutro sexo, resultar, o mais das vezes, um incitamento do instinto, nenhuma mu­dança trará a opinião de que o nú deva ser visto, não inoportuna e inesteticamente, mas só com um puro gôsto estético. Quem é desta opinião - escre­veu um antigo guia de juventude socialista e ex-par­tidário do nudismo - quem é desta opinião, tem é mêdo da verdade. "A nua beleza de corpos jovens, na água e no sol, o brilho da pele e a proximidade­não são eroticamente indiferentes; a possibilidade de satisfações sexuais provoca a vontade para isto" • . (45) O culto da nudez conduz ao arrasamento de todas as ban:eiras da moralidade; por isto, foi re­jeitado e reprovado pela Igreja. Sua atitude, a êste respeito está confirmada pela experiência de todos os séculos; ela é, na experiência, a mais antiga sabe­doria da humanidade, datando de quando o próprio Deus Criador, recolhendo peles de animais, vestiu nossos protoparentes, quando expulsou-os dÕ pa­paraíso.

2 - A mode Mas isto mesmo vale, igualmente, para uma cer­

ta nudez "encoberta" que de várias maneiras se en­contra nas modas · femininas, e que, nos vestidos, procura acentuar importunamente as formas do corpo, ou até apresentar tendências nudistas. Esta ostentação do corpo, francamente proposital, em última análise, deve sua origem a um modo de en­carar a vida, cínico e pagão, e está calculado para o

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incitamento da sensualidade. Isto pode ser qualifi­cado, simplesmente, de uma despersonalização da mulher, visto obrigá-la a ostentar-se como um ente meramente sexual, nos seus vestidos. Nêste particu­lar, um vestido por demais ajustado, é ainda bem pioi" e mais repugnante do que um decotado e de mangas curtas. Impossível é julgar tudo pelo mesmo padrão, e depende também imensamente de cada mulher, de como faz ela falar a sua alma, através de movimentos e atitudes do corpo. (46) O conceito de decência, em matéria de vestuário, de modo ne­nhum é antiquado para nós. Precisamente para sen· sualizar é que o vestido não deve servir; mas para espiritualizar. Tenha cada senhora uma certeza: Todo vestuário equivale a uma confissão: aquí. de uma cobiça má; ali, de uma nobre singeleza.

Duríssimas palavras tem merecido a moda femi­nina, tal como vem predominando nestes últimos anos. Ela visa, certamente, a comodidade e a econo­mia. "O chapelinho agarrado na cabeça, - palavras do dr. J. W. Samson - a sáia curtinha (a qual nos últimos tempos alongou-se um tanto), o cabelo ar­ranjado num só golpe de pente (o que traz, ainda, o máu costume ·de "pentear-se também à mesa, nos hotéis, etc.), tudo isto está a serviço da moda." (47) "Entretanto, o maior pêso da moda de hoje é devido ao prazer, ou melhor, ao sexo. Por isto, ela sabe muito bem desnudar-se, cobrindo-se. Até, se crermos neste autor, "o ideal de beleza modista está intima­mente relacionado com o mistér de variar o sexo do indivíduo" . E, não sem ironia acrescenta êle en­tão: "O tolo homem impõe sua vontade à mulher, a qual, tanto mais prazcirosamente, se lhe sujeita, julgando-a uma vontade . . . feminina" (48). Com is­to, a moda acompanha "aquelas finalidades que vi­sam é menos afastar do que fomentar, menos de­fender do que aliciar ... : o ser desejado cupidinosa­mente". (49) Além disto, ela vem de acôrdo, prin­cipalmente, com as "aspirações de virilidade" dor-

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mitantes no mais íntimo subconciente feminino•• (50). Concluindo, afirma ainda o mesmo autor: "Não padece a menor dúvida que a tendência de re· juvenescimento e de infantilização nas modas de hoje, e nos atuais conceitos de beleza feminina, tem suas raízes, últimas, nos componentes impulsivos, homo-sexuais, pedófilos, incestuosos, mesmo da vi· da instintiva, normal, do homem". (51)

Verdade é que não precisamos subscrever, em tudo, êste terrível julgamento da atual moda femi· nina. Ao menos, porém, êste julgamento nos paten­teia quão diversas correntes se podem distinguir nas modas, e quantas de fato se distinguem. São coisas enfim, que se prendem com a honra das senhoras . Uma admoestação, pois, às senhoras católicas, isto devia ser mais uma vez, a não imitar e julgar bo­nita, assim de todo irrefletidamente, qualquer in­venção da moda . Isto mostra, devéras claramente, que a voz admonitora da Igreja não provém de um criticismo bJ;onco, mas, sim, da franca intuição da vida. Nos vestuários é bem permitido uma preocu­pação com a beleza e variação. Alegrar-se com um l"estido novo, não precisa ser vaidade, mas é satis­fação do sentimento de estética. Um certo acomoda­mento com a moda, dentro do lícito e conveniente, pode ser perfeitamente justüicado. E não é preciso rejeitar qualquer moda, só pelo fato de ser nova, ou por mostrar um estilo diferente do passado.

Nêste sentido, finalmente, virá a posição social impor também obrigações à mulher católica, às quais ela, só por modéstia a simplicidade mal enten­didas, poderá fugir.

3 - O banho promíscuo Um costume muito aparentado com o nudismo, e

quase irmão dêle, é o da exibição de corpos mal co­bertos, nos banhos em promiscuidade de sexos, mor­mente entre a juventude. A questão da liceidade de tais banhos, em comum, nas piscinas, ao ar livre,

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nas praias, também hoje alvoroça ainda muitos e não somente católicos. Vejamos, antes de tudo, a atitude da autoridade eclesiástica em nossas terras (na Alemanha) . Em 1925, os bispos alemães decr.e­taram "Normas e diretivas católicas, em várias mo­dernas questões de costumes", nos quais, sob o nú­mero VIII, 2 se lê : '1Em banhos de praia (em mar ou rio) deve-se exigir absoluta separação dos se­xos, quer no próprio banho, quer nos vestiários, cuja instalação deve ser imposta às autoridades locais ; deve-se urgir igualmente decorosas roupas de ba­nho, e constante vigilância. - O mesmo se deve re­querer para os banhos de ar e sol, seja para adultos ou crianças". - O episcopado austríaco adotou es­tas normas, em tôda plenitude, citando-as, textual· mente, em 1926.

Deve-se notar, antes de tudo, que é debalde que­rer desacreditar estas determinações, ·como se fôs­sem absolutas proibições dos banhos, por parte da Igreja. A Igreja jamais se pronunciou contra os ba­nhos ; pelo contrário, louvou-os, fomentou-os. Só àl­guns Santos singulares, que em tôda sua vida - se crermos nos seus hagiógrafos - nunca se banha­ram, não podem ter influência na atitude oficial da Igreja. Sôbre a valorização do bimho, no cristianis­mo, escreve Mausbach: "Lemos, casualmente, que já o evangelista S. João, em t:feso, visitando a casa de banhos públicos, por acaso encontrou lá o here­ge Cerinto. Sabemos que, na Igreja antiga, o banhar­se era tido como coisa absolutamente lícita em si mesma. O próprio Tertuliano exagerado repara que os cristãos, assim como tinham em comum o mer­cado e o comércio, assim tinham também os banhos com os outros cidadinos pagãos. No decorrer do tempo dos Césares, porém, os banhos tornaram-se logradouros de selvagem impudicícia e sensualida­de; sobretudo, em consequência dos banhos em pro­miscuidade dos sexos. Segundo Quintiliano, perdia o seu bom nome, também entre os romanos, uma se-

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nhora que se banhasse em companhia de homens. Tanto mais se volbrvam os Santos Padres, contra êste abuso. Já o banhar-se com crianças de eerto crescimento, parecia a S. Ambrósio ama coisa ia­permissível. Leis eclesiásticas, e sínodos. veda• aos cristãos os banhos com mulheres; lembram.. de pas­sagem, que mesmo pagãos sensatos viram nisto •• "grave escândalo". O código civil de Jnsti..Ue concede ao marido, cuja espôsa visitasse baaJtes promíscuos, o direito de lhe dar carta de desqaite.. Embora um ou outro padre da Igreja tenha acu­do nos abusos a ocasião para exagêros de proibiçãe radical e incondicional dos banhos, a própria � ja, contudo, apesar das piores degradações, nunca "assustou a criança com o banho", isto é, jamais igualou o bom e o mau uso do banho . Os próprios papas, com o tempo, restauraram ·os banhos de Ro­ma, e erigiram novos. Em plena Idade-Média, des­envolvia-se o costume de banhos públicos e particu­lares, no sentido de cultura do povo. A pronta ins­talação de banhos para pobres valeu até como me­ritória obra de caridade, da qual, como de funda­ção de missas, se ocuparam testamentos. Dêste tem­po para .cá, principalmente . regiões católicas, como o Tiro], guardaram para si o antigo costume dos ba­nhos, nas suas formas e instalações singelas.

Devéras, também na Idade-Média, o último tem­po trouxe um período de crúa degeneração e imo­ralidade; e, de novo, devido ao banho coletivo, dos sexos . Com isto, promulgaram-se proibições por parte das autoridades eclesiásticas e civis, seguindo­se uma limitação crescente, até ao completo desapa­recimento dos banhos públicos, no que, aliás, entra­ram em jôgo também motivos financeiros.

Diante destas exposições, vem a seguinte con­clusão : O verdadeiro amigo e promotor das instala­ções balneárias não pode hoje fazer coisa mais pru­dente, do que encaminhar, para o seu rumo ordena­do e moral, a natural ânsia pela água, o ar, e a l��Z.

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tal como irrompe natural e irresistivelmente da po­pulação, em vez de deixá-la degenerar e embrutecer e soprar-lhe, assim, nas velas, um vento de neces• sária reação.

Ao bom conhecedor não admira o fato notavel de que a Igreja, mesmo nos tempos de tais deturpa­ções, não tenha emitido uma proibição do banho. A Igreja, se é que assim posso dizer, está dpgmàtiea• mente impossibilitada de lavrar uma tal proibição ; ela não pode vedar o banho natural, porque jamais esquece ter tido origem nêle, o santo batismo, o ba­nho sobrenatural da alma. Foi até o próprio Salva­dor quem desceu às torrentes do Jordão, a fazer do precioso elemento da água, o significativo símbolo, e místico portador da graça de mais alta e celeste vida. Assim, perante a humanidade, o sobrenatural empresta ao banho natural uma dignidade inegualá­vel, ao passo que o desnatural o tem cada vez avil­lado, e por muito tempo o rebaixou e pisou". (52)

Entretanto, uma pergunta agora: As diretivas traçadas pelos bispos alemães e austríacos, nos anos de 25 e 26, estão ainda hoje em seu vigor 7 Em 1930 elas foram de novo, energicamente inculcadas pelo cardeal-arcebispo de Colônia .

Nêste meio tempo, nos acomodámos, certamen­te, e muitas coisas já não julgamos tão repelentes, como antes deveríamos julgar. No seu conjunto, po­l'ém, os inconvenientes ligados aos banhos coletivos de ambos os sexos, têm de ser os mesmos hoje em dia .

A razão óbvia, por que os supremos pastores eclesiásticos dirigem assim o seu olhar atento, para os banhos públicos, é que também os assistentes, transeúntes, passeantes, podem ser alí testemunhas de cenas desagradáveis, e escandalizar-se em muita ação e atitudes. (53)

Preciso é dizer-se, com toda clareza: o banho, em promiscuidade de sexos, não nasceu do amor à

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água, ar, luz e sol; êle deve a existência à sensa.ali­dade, e principalmente a um relaxad� conceito de coisas sexuais . Pela intromissão de aotiTos baixos e libertinos, ficou deturpado o verdadeiro sealitle do banho . Na ânsia de água e ar, luz e sei. iasD­se o erotismo e o sexo . E' o que se repana, cea tôda clareza, naqueles lugares em que foi a •• o banho comum, e prescrita a instalação, se,uaà. para cada sexo : o povo se manteve acÜlteaeaae longe destas instalações. l!:stes fatos projetaa, -todo o caso, uma luz singular sôbre a. ingênua .. ia­parcialidade e objetividade dos desejos de sol, ác-, ar e movimento !" (54)

O menor mal é o próprio banho, o movimeate dentro d'água. A temperatura do frio elemento � calmante e sedativa, sôbre a vida impulsiva do cor­po, de modo que só mesmo numa anormal complei­ção apetitiva se podem suscitar mo.rais complica­ções, a não ser que estas, por parte da vontade, se­jam intencionalmente procuradas.

Muitíssimo mais perigoso é o ficarem juntos, fo­ra do banho ; o deitarem-se, em desordenado ajun­tamento, nos tais banhos de sol ou ar, sobretudo quando o vestuário fôr muito deficiente. O que uma vez dissemos, precisamos de novo acentuar: A nu­dez, de modo nenhum, tem ação neutralizadora sô­bre os sentidos de um homem normal. Muito acer­tadamente observa Mausbach : "Homens e mulheres. fortes e sadios, nunca simularão indiferença para com o outro sexo, nem irão gastá-la nunca com sim­ples naturalidade; fazê-lo com sinceridade o po­dem sõmente sêres estéreis e anormais. Assim ve­mos também nisto, continúa êle, como o desenfreado naturalismo, hoje em moda, muito contraditõria­mente, redunda em louvor do . . . desnatural". (55) Merece, por isto, muito louvor, e é um benefício para a moralidade pública, que a polícia de vários lugares tepha proibido sob severa pena o demorar­se em trajes de banho, nos hotéis de praia, ou nos

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caminhos e trilhas abertas ao trânsito. E não tem mesmo nenhum cabimento, fechar os olhos aos peri· gos morais que estes banhos trazem consigo. Pro· vam-no, bastante, os desenfreamentos observados, todo dia, nas estações balneárias. Evitá-lo de todo, mediante adequada vigilância, em meio daquele mo­vimento gigantesco que reina em muitos locais de banho, deve ser coisa impossível. A muitos parecerá um delírio, se se fizer a séria proposta de separar para os sexos ao menos os lugares dos banhos de sol . Com isto poder-se-ia, ao menos, ter uma prova da verdadeira ou falsa legitimidade do entusiasmo pelo ar e sol . Em todo caso, uma grande parte das situações imorais ficariam com isto dominadas.

Particularmente da bôca de senhoritas e senho­ras, ouve-se a observação de que, nos banhos pro· tníscuos, absolutamente nada encontram e não con­seguem simplesmente compreender como se pode achar nisto alguma coisa ; que, elas próprias, jamais viram nisto algo de mau ou lamentável, e que nunca foram, de maneira alguma, desacatadas por nin· guém. Isto pode ser sincero e, de comêço, pode acon· tecer ; pois a experiência ensina que, nas moças li· vres de anormais influências hereditárias ou mun· danas, o instinto de sexo tarda mais e é, por isto, mais difícil de ser despertado, do que geralmente nos rapazes. Mas, outra coisa também é certa, justa­mente nesta convivência não constrangida com o outro sexo, o instinto tem despertado abrutamente, e pôsto a alma feminina na mais funda inquietação. Observa-se ainda o fato real, constatado quase por todos: olhado o rosto de um banhista, o olhar procu· ra logo outras partes, em geral vedadas aos olhares e que, por vontade do Criador, devem ser retraídas pelo pudor. Isto não causa reflexões ?

Demais, a missão providencial da mulher está, precisamente, em sossegar a impetuosidade do ho­mem, por meio de sua índole feminina e maternal, e ajudá-lo a redimir-se da grande violência de seus

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instintos. Mas a expos1çao do corpo feminino aos olhares de todos, efetuará justamente o contrário; e quem arcará com os sefrimentos, de uma desen­freada sensualidade, serão finalmente as próprias mulheres . Quanto namôro, iniciado nas praias de. banho, foi o comêço de tragédias femininas ! Estas praias, em todo caso, são as mais impróprias feiras de casamento ; relações, iniciadas ali, podem unica­mente ser transitórias, apoiadas, como são, em mo­mentanea emotividade.

Seria quase para desejar, que a chatice dos ba· nhos ainda aumentasse . Isto teria igualmente um bem. Quanto pior se tornasse, tanto mais os ho­mens sensatos se retrairiam . . . Com isto, o banho em promiscuidade ficaria deselegante, e prosáico. (56) São comentários que já se ouvem. E oxalá isto acon• tecesse ! Tal banho perderia, então, seu atrativo; tornar-se-ia um escândalo geral, e assim pereceria. Dêste modo, talvez, por via de realidades, o escân• dalo dos banhos poderia ser dominado. Isto depen­de, porém, imensamente muito, do exemplo dos sen­satos, mormente dos católicos, os quais, · em todo o sentido da palavra, precisariam julgar abaixo da sua dignidade, visitar uns tais dissolutos lugares de banho.

4 - O ebu1o do corpo Os apóstolos das falsas liberdades modernas, das

mais variadas orientações, ouvem, muito contraria­dos, que o corpo humano, precipuamente em coisas do sexo, precisa ater-se a normas divinamente es­tabelecidas. Que o uso sexual do corpo está ligado a pressupostos morais absolutamente determinados. Que a ordem moral, estabelecida por Deus, está de­limital:{a no matrimônio monogâmico, vàlidamente contraído. Contra isto, elevam êles o clamor da li­berdade:' "Todo homem tem direito às suas expan­sões sexuais, e ninguém pode roubar-lhas, e nin­guém pode estorvar-lhe, na alma, com moral fictí-

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cia., aquele momento da mais alta afirmação da vida, que, dentro ou fora do matrimônio é o mesmo. "E continuam : "Puro é o homem que livremente retor· na à natureza. - Puro é o homem que faz aquilo que a natureza na pujança da vida criou e nela con­serva". (57)

Isto é o tal naturalismo moral dos nossos dias, cujos adeptos se contam, pràticamente, em legiões, principalmente se se levanta contra êle o exclusivo caráter de monopólio do matrimônio, com relação a intimidades sexuais.

Sem exceção nenhuma, é efetivamente verda­deiro e exato que unicamente o matrimônio pode justificar a união corporal de homem e mulher. A oferta do próprio corpo e a aceitação do alheio, com o fim de exercer aqueles atos destinados, por si mesmos, a suscitar a vida, é prerrPgativa exclusiva do matrimônio.

Desencaminhou-se de vastas rodas, a conciência da iliceidade de relações sexuais, fóra do matrimô­nio. Os apregoadores da libertinagem acharam, em tôda parte, bons auditórios. Na hodierna juventude, até fileiras a dentro da mocidade católica, muitas vezes está para se achar a compreensão de que só e unicamente o matrimônio, sem exceção, está auto­rizado para isto. E' coisa louvada como óbvia, e si­nal de "amor" verdadeiro, que dois jovens, amando­se com "gôsto", também se entendam para coisas derradeiras . . .

E' igualmente para ambos os sexos que valem as proibições do sexto mandamento. Proclamem embora, as vastas rodas, uma certa dupla moral, medindo os deslizes morais das mulheres com me­didas outras, que não para os homens . . . A Igreja anatematizou sempre rigorosamente esta dupla mo­ral: homem e mulher são sêres iguais, de alma -es­piritual racional; precisam sujeitar-se de modo igual à lei dos costumes ; estão de igual modo in· cluídos na ordem divina . \

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5 - Liberdade perigosa Como consequência lógica desta atitude da Igre­

ja, a moral católica proíbe também todo brinquedo leviano com o corpo e seus instintos e aquele flirtar e galantear que, em homens normais, suscitam forço­samente desejos só um passo pequeno, a mais das Tezes, distanciados da execução. Também os tais "semivirgens", permitindo tôdas as liberdades,' só aão deixando chegar aos extremos, de modo ne­ahum podem ser julgados moralmente acima daque­les que realmente abalam para os extremos.

As liberdades com o corpo de outrem começam �eralmente com ingênuas bagatelas, com pueris e, quase se podem dizer, inocentes gracejos, mas não raro terminam em paixão incendiada, e· pecados mor­tais . E' coisa da experiência, bastante-mente com­,rovada, que não ficam nas primeiras liberdades ; à primeira segue-se a segunda, logo maior e, se não se impõe a parada, a paixão cresce assustadoramen­te. Pois, uma vez despertado o instinto - e entre pessoas normais êle se faz logo sentir - então êle se impõe cada vez mais, até à plena satisfação, e ar­rebata, finalmente, aqueles direitos que unicamnte ao matrimônio podem existir. Por êste motivo, o iastinto, ao anunciar-se, deve ser tido como nm si­•al avisador de que as fronteiras do lícito estão atin­pdas, e que, por conseguinte, um desenvolvimento cenciente, uma continuação, tem de ser vista como transgressão das barreiras diyinas, e, portanto, um pecado. Naturalmente, tanto mais forte e apressura­tio será o incidente, se as liberdades licenciosas dis­�rem respeito àqueles ca�aterísticos que consti­tllem a diferença entre os dois sexos. Tais liberda­lies só podem provir do surdo instinto sexual, ou sim como fim a sua irritação e satisfação. Geral­aente; pois, tais intimidades entre não-casados se­rio objetivamente pecaminosas.

Vosso Corpo é Sagrado 4 49

6 - Carícias Relativamente a isto, surge expontâneamente a

questão de até que ponto se podem conceder ou permitir confianças e ternuras, antes do casamento . Urge mormente a pergunta da liceidade do beijo, en­tre jovens e entre noivos. Tentaremos resolver esta questão, sem rigor exagerado, mas, ao mesmo tem­po, de acôrdo com a móral católica.

Deve entender-se bem que, no beijo simplesmen­te entre dois jovens de sexo diferente, não se trata daquelas ternuras entre parentes, ao saudar, ou despedir-se, ou de pais e filhos, ou mesmo do beijo usual em várias regiões, entre gente conhecida. Ca­so fôssem apenas isso, os beijos entre moço e moça, então não se poderia mover, contra êles, nem uma só objeção, moralmente fundada. Um tal beijo, além disto, é o mais das vezes coisa rápida que, já por isto, suscita pouca atenção. ,

-E' também manüesto não se cogitar aqui de bei­jos de mãos, mas, sim, os beijos de lábios é que temos em vista. Se o beijo de mão sempre se mantém uni­camente dentro dos limites da cortezia, indica quasi sempre uma pura formalidade, é quando muito a expressão de um certo respeito e veneração, o beijo nos lábios, pelo contrário, significa muito mais . Aqui se fala só do beijo com lábios fechados. O tal beijo de língua transgride, sempre, as fronteiras do decoroso e permitido, reconhecido fàcilmente como sendo imitação e suplente de um certo áto que é de direito matrimonial somente .

O beijo nos lábios causa, já por -si, maior apro­ximação das pessôas, obrigando-as a pôr-se, local­mente, em estreito contacto. _Ele traz, por isto, mui­to mais, o cunho de personalidade, isto é, nêle está um certo ceder e um certo ganhar da personalidade do outro. Por isto, êle se justifica unicamente só, quando duas pessôas já se pertençam, espiritualmen­te, ou de coração. :f!:le é a expressão de uma união

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bastante íntima de alma e coração, patenteia ... união cordial, particular. Assim, pelo menos. � ser êle avaliado pela maioria dos homens sérios.

Disto, porém, já resulta que êle significa .. malbarato da própria personalidade, do que sobreh· do são acusáveis as mulheres. Uma mocinha, per exemplo, eomo se ouviu num debate, ao primeiro encontro, depois de dez passos, já estava pronta para um beijo ! Pode ter resultados tristíssimos, e levar a consequências que farão a gente chorar a vida intei­ra, um comportamento imponderado e leviano nêste sentido, como por exemplo se pode observar aqui e alí, entre gente aliás bôa, sob influência do álcool ; ou como se impõe, às vezes, como " castigo", no brin­quedo de prendas, ou como pode suceder no fim de visita à escola de dansas. São, 'muitas vezes, a pri­meira mancha na honra de donzelas e senhoras, que, desde então, perdem serppre mais o seu fulgor, e, fi· nalmente, perecem de todo.

O estreito aconchêgo dos corpos, o apêrto de um no outro, resultado destas ternuras, não pode, com o tempo, ficar sem influências sexuais em pes­soas normalmente constituídas. Está latente, em todo amor, a aspira9ão ao mais estreito contado com a pessoa amada. Visto quererem compenetrar-se mu· tuamente as almas que se amam, .a aspiração mútua fórça a uma eliminação, a mais completa possível, de tôda distância. E' o reflexo corporal, da aspiração psíquica. E é próprio do amor sexual, levar, até à posse do corpo, esta eliminação das distâncias. As­sim, o beijo nos lábios pode ser manifestação de que dois jovens queiram vincular-se e perder-se mutua­mente um no outro.

Também no caso de um impulso não vir do se­xo, pode, contudo, acontecer que a esfera sexual, de­vido ao eontacto com o corpo alheio, não fique sem despertar-se. Tanto mais será o caso disto, quanto mais durar o ósculo, e quanto mais vier acompanha­do de apêrto e conchêgo dos corpos. Dado uma vez

4 • 51

o alarme do instinto, é o sinal para o retrocesso. Muito certo psicologicamente é o que um VlgarJo, o Revmo. Pe. dr. Metzger faz um moço escrever à noiva: " . . . além disto, propús-me ser mais reservado (em carinhos). Com boas razões ! Quanto mais vi­vaz e apaixonado eu fui para contigo, tanto maia me aproximei do teu corpo e mais violentamente ane· lei' aquilo que o casamento me dá. Eu não tenho que­rido dizer-te, precisamente os momentos que mais forte te mostraram meu amor, exigiram de mim uma batalha. Muitas vezes o combate prosseguia, não es· tando eu mais junto de ti". (58) Oxalá todos os jo­vens católicos, que têm noiva e pensam seriamente em casamento, fôssem tão sinceros . consigo I Muitas vezes, jovens leais fariam semelhante confissão. Verdade é que muita jovem, de comêço, não pode compreender bem isto, mormente quando são bem educadas, ou não tiveram precoces incitamentos. Também aquela noiva, destinatária das palavras aci­ma citadas, o não compreendeu. Ela escreveu no seu diário : "Preciso .dizer: Como é que entre cari­nhos se pode pensar em combate ! Pois bem : por minha causa êle está reservado ! Que engraçados êstes homens !"

7 - Guarda dos olhos Jesús Cristo Nosso Senhor proíbe até mesmo

cobiçosos olhares e pensamentos. "Quem olhar uma mulher, para cobiçá-la, já adulterou, com ela, em seu coração !" Tais olhares e avidezes, voluntària­mente entretidos e feitos, constitúem logo uma pro· fanação do corpo do alheio sexo, no qual se deve espelhar em primeiro lugar, a imagem pessoal de Deus, e não a essência do sexo. Esta palavra do Se­nhor sôa como dura . . . desnatural . . . aos ouvidos da humanidade moderna. Cristo teria exigido alguma coisa impossível . . . Muitas vezes, para isto, invocam Lutero, o qual teria dito não poder, êle próprio, contemplar nenhuma, sem desejá-la. (59) Cristo de

52 http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

nenhum modo se exime de reconhecer que tais pea­samentos e cobiças podem irromper da natureza, vulnerada pelo pecado original ; mas, com aquelas palavras, apesar disto, êle exprimiu a ordem de se governarem êstes pensamentos e não se deixarem ascender a uma concupiscência que marcha para a execução, fóra da sua ordem moral que também dêle dimana. E' falso que Cristo condene o instinto natural, que o chame de pecaminoso, ·QUe o declare como detestável. (60) Pelo contrário, êle apenas le­vantou, nitidamente legivel, uma tabela de preven­ção : não tentar a satisfaçio do instinto, contra a vontade de Deus.

Por causa disto, êle precisou proibir também os pensamentos e desejos voluntàr'iamente cobiçosos •.• Esta proibição provém da sua antiga sabedoria ex­periente. A desordem sexual, começa na complacên­cia minima, aparentemente inócua, que acompanha o pensamento- cobiçoso. Não sendo subjugada e es­magada, lança mão da alma, com crescente poder, e finalmente, numa ininterrupta consequêneia, im­pele para a total exoneração. (60)

Tais olhares nio são nenhumas bagatelas em moralidade. Como observa o antropólogo francês R. Guyader (62), elea levam consigo a pessôa intei­ra, e podem com isto efetuar uma espécie de profa· nação. Mas tão santamente eatá a personalidade aos olhos de Cristo, que é dever não seja ela profanada por tais olhares.

Não se deve, então, contemplar mulher nenhu­ma absolutamente, a não ser a própria ? Não se po• de admirar, apreciar, o atrativo das meninas, a be­leza das mulheres ? Seria exagerado. Nosso Senhor falou, sim, expressamente, da concupiscente contem­plação da mulher. Encanto e beleza, que no reino da criação é um reflexo da eterna beleza de Deus, a �ente pode contemplar honradamente, onde quer que esteja ; logo, também, na humanidade; logo, tam­bém, no outro sexo. Mas então dever-se-á contem-

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piar a mulher, a jovem, não de outro modo, mas, co­mo Klug uma vez lindamente se exprimiu, (62a) : ••assim como se deixa repousar o olhar sôbre lírios l'm alheio jardim, ou sôbre jóias no mostruário do joalheiro, das quais a inscrição diz que já encontra­ram seu dono, sôbre o altar coberto de níveos li­nhos". E' óbvio que isto vale igualmente, no mundo das mulheres, com relação aos homens.

8 - A vírgindade Em última análise, esta defesa, da qual o nosso

corpo está circundado, dimana do supremo domínio de Deus, sôbre o nosso corpo, dominio que se deixa divisar através da ordem moral, racional: Natural­mente, a guarda do corpo, a êste respeito, precisa provir de uma atitude morai; que nós chamamos virtude da castidade. Corporal inviolabilidade, sem a virtude da castidade, é sem valor. Isto vale parti­cularmente também para a mulher. Já S. Cipriano o insinuou. Uma virgem, consagrada, foi arguída de deshonestidade, e aduziu para sua defej3a: "Podem me examinar e ver se ainda sou Virgem". A isto re­plicou o Santo : "Por esta loquela, pensa talvez al­guma em defender-se, mas em vão. Olhos e mãos de obstetriz não trazem nenhuma certeza. Encontran­do-se, embora, ilesa uma virgem, na parte do corpo em que pode ser deshonrada, ela pode, contudo, ha­ver pecado em outra parte, suscetível, sim, de ser violada, não de ser examinada". Tais semivirgens, que deram ao homem tudo, "menos uma coisa só", são sepulcros caiados, interiormente cheios de bo­lor e podridão, mesmo podendo demonstrar, ainda, incolumidade corporal.

·

A virgindade, pois, deve originar-se num impé­rio da vontade que, concientemente, toma sua posi­ção dentro da ordem divina, e que, pelo reconheci­mento do domínio de Deus, sôbre o corpo e seus instintos, e por amor de Deus, governa estes instin­tos. A virgindade é, por isto, nas pessoas de sanida-

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de normal, o indício de uma certa pos1çao moral eainente. E' só assim que a Igreja tem entendido, e, �uante séculos, propugnado o valor da virgindade • .1' cultura cristã é que não se aplica em todo caso • IÜio de Wexberg: "O valor da virgindade encon­lr'M l��g&r somente dentro das culturas nas quais a ..U.er tem o caráter de mercadoria". (63) E' sim­�ente exagerada trivialidade a comparação, que -.. fu da integridade corporal, com "sigilos de d&alto, postos Das amostras das mercadorias ex­� com o fim de vedar-lhes o uso" . Para êle, • a.&é um augúrio da maior valorização da mulher, • M! sua igualdade com o homem, que a virgindade I!!Rja descendo no câmbio dos dias de hoje. Sofia �eld (64) qualifica também de "uma questão M direito de posse sôbre o corpo da mulher", o fato • aaitos homens sustentarem ainda "ser a incolu­aillade corporal o bem supremo , das mulhéres". Não iLã dúvida, mas, como vimos, a incolumidade corpo­::-al não constitue, sozinha, o valor da mulher inte­:8erata: ela precisa radicar-se, profundamente, numa a.l.aa casta.

Nem tão pouco é verdadeiro que o valor da vir­�dade esteja fundado no antôjo do homem, na sua ,resunção de se mostrar soberano, em coisas se­x.ais. (Feldegg - 65).

Para Freud, e com êle a psico-análise, a estima­ma da virgindade se deduz da observação feita de 111•e, entre os povos primitivos, a virgindade vale como um "tabú" . Onde o primitivo imagina um ta­bú, lá teme êle um perigo. Na " nossa matéria, o peri­�o para os primitivos consistia no fato de o primeiro 2mplexo amoroso ser geralmente uma decepção para a virgem, pois ela sente, nêle, uma dôr corpo­ral. Isto, como diz Freud, pode desencadear "inimi­zades contra o homem", as quais, "podem assumir caráter patológico e manifestar-se, bastantes ve­zes, em entraves na vida de amor conjugal" . . . O mêdo dêste perigo, mediante a cultura crescente,

ss

ter-se-ia desenvolvido para uma alta estimativa ! -Tais tentativas de explicação podem brotar, unica­mente, do chão do materialismo, e correspondem a um naturalismo que de antemão se recusa a ver, nes­ta cogitação, a alta veneração da virgindade, que se encontra em quase todos os povos, bem como a voz de Deus e a convicção de uma ordem moral emana­da de um supremo Legislador.

Bertrando Russel (66) fornece, para a estima da virgindade feminina, a seguinte explicação : "Os mo­tivos capitais para o ansioso cuidado, em tôrno da vir­tude feminina, eram o mêdo do inferno � o mêdo da gravidez. Agora, porém, êste cuidado não é mais ne­cessário", pois o dúplice mêdo foi retirado da huma­nidade: "Um desapareceu com a decadência da orto­doxia teológica ; o outro, pelos meios anticoncepcio­nais". Sim, é mesmo, quando a verdadeira divina fé desaparece, ou quando só perde na sua pureza, então a pureza de nossas mulheres se torna também fran­gíveL Só uma coisa: o motivo profundíssimo, para a vida casta, não é o mêdo do inferno, mas a prazentei­ra afirmação da vontade de Deus, por seu amor, por sua veneração. Nós confessamos o supremo domínio de Deus sôbre nós mesmos e sôbre nossos corp.os; nós sabemos que só os devemos empregar, segundo a von­tade de Peus ; às exigências de vários instintos, deve­mos negar satisfação ; pois nossa idéia de castidade não nasce de "homens pobremente fecundos" (67), mas de homens de carne e sangue comum . Sabemos que muitas vêzes custa acesos combates e duro sacri­fício, sobretudo àqueles que nunca, ou só depois de muito tempo, se casam. Mas, de bom grado, nos con­fiamos à vontade divina, que nos quer bem, porque é a vontade do Pai celeste.

Reafirmamos, por isto, uma vez mais, que casti­dade e virgindade são essencialmente atitudes da al­ma e que, portanto, não param no elemento corporal. Nem o brilho destas virtudes pode ser, de qualquer maneira, embaciado por acidentes corporais que esca-

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pem ao nosso livre arbítrio, e que se passam em qual­quer homem normalmente adulto. O que acontece sem

a nossa vontade, ou contra ela, em estado de incon­eiência, como no sono, de nenhum modo pesa sôbre a conciência, nem a oprime • . Acidentes meramente fisiológicos, nunca são pecados; aliás, é impossível pecar alguma vez só corporalmente, poia a alma pre­cisa dar, sempre, a decisão, e só aquilo que a nossa advertência e a nossa livre vontade determinou, traz responsabilidade, perante Deus e a conciência.

Há, ainda, um exagêro que pede retificação. Pela (Jualificação de "virtude angélica", tem-se muitas vê­zes a impressão de que a castidade e a virgindade devam ser colocadas, como sendo as mais altas virtu­des. Se a castidade é a "mais bela" de tôdas as virtu­des, poder-se-ia talvez discutir ; a mais alta ela não é de modo nenhum. A mais alta das virtudes pode ser, unicamente, a caridade teologal. A caridade divina precisa ter, incondicionalmente, o primado sôbre a castidade. Aliás, já lembrámos que a castidade só tem preciosidade e é virtude, quando levada no amor de Deus, e por êle incendiada.

Com bom direito se pode duvidar: avalia-se bem a castidade, com o denominá-la "virtude angélica" ! A castidade é chamada "angélica", e, a saber, porqne o Anjo não pode ser impuro. Isto é mais um sinal de que a gente imagina a castidade, como alguma coisa negativa, em v:ez de positiva. Como se a gente já fôsse puro, quando se não é impuro ! Não ! castidade não é uma virtude dos Anjos, mas especificamente humana . O Anjo não pode ser casto ou não casto, porque êle é um espírito. Castidade só é possível, onde houver plena vida de sentidos, unida a uma plena e livre es­piritualidade. Produza-se esta união na fôrça da gra­ça (e, acrescentemos, por amor a Deus) e será ela uma virtude cristã. Assim, pela prática da castidade, poderá o amor dar a prova de uma entrega inteira e incondicional, do homem, a Deus, entrega que incláe o corpo, iminentemente. E podemos reconhecer à cas-

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tidade uma certa primazia, porque ela subjuga o ini­migo em si mesma, e porque, no vigor da divina ca­ridade, ela conquista, sôbre si mesma, uma vitória que os poétas e teólogos celebram, como sendo a mais linda das vitórias.

9 - Casamento e virgindade Apesar de tudo, fica sempre a verdade, e para nós

católicos um dogma inconcusso, de que a virgindade está acima do estado matrimonial. Isto, porém, não se funda, absolutamente, na integridade corporal, mas reside no domínio da alma, da religião. E' unica­mente a virgindade exercida e cultivada por amor de Deus, que pode demandar esta precedência. Nêste caso, está ela acima da vida matrimonial, porque aponta o amor do coração humano, imediata e indivi­samente para Deus, e porque, por amor de Deus, não quer entrar naquela mais íntima sociedade entre os homens, sociedade que significa cessão de personali­dade, uma divisão da vida de amor, segundo as pala­vras de S . Paulo : "Quem está sem espôsa, é solícito das coisas que são do Senhor, de corno agradar ao Se­nhor. Mas quem está com espôsa, é solícito de coisas do mundo, de como agradar à esposa, e está dividido. A mulher não casada, e a virgem, pensam nas coisas que são do Senhor, em que sejam santas de corpo e alma. A casada cogita coisas do mundo, como agradar ao marido". (68)

E', por isto, anticristão, é paganismo, olhar as pessoas solteiras, virgens, como sêres de segunda categoria, tê-las em pouca monta, em confronto com pessoas casadas, e especialmente com relação à mu­lher, defender a opinião de que ela perdeu a razão de existir, não encontrando nenhum marido. Urna certa depreciação da vida celibatária parece estar ainda radicada na alma do povo. Ela se manifesta, por ve­zes, em estultas e conhecidas superstições. (69)

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1 O - A sexualidade, na opiaiio ela. �

Uma palavra ainda, sôbre a atim4e &.s pe..-._ com relação ao sexo. E' bom conlaecê-b.. ,.an ..-e w saiba como estão as coisas para com aq-la a� feita à Igreja, de que foi ela, a Igreja, q•e• e� & sexualidade como coisa pecaminosa e desp�eL Do seguinte modo é resumida, por Sarasin. (71) a opinião dos povos: "E' uma surpreendente realid.allle que, no fundo, a idéia de matrimônio e celibato seja aproximadamente a mesma em todo o gênero hum&Jl.O. Em povos de bai:l;a cultura, como nos da mais alta civlização, encontramos a depreciação do celibato, e a noção de necessidade do casamento, como única coisa normal; mas, ao mesmo tempo, e portanto em contradição, acha-se a conciência do perigo dos atos sensuais e sua impureza, originando- uma alta estima e consagração das pessôas que, sendo castas, são, por isto, consagradas a poderes sobrenaturais. Natural­mente, estas convicções, em povos de cultura infima, se manifestam de modo mais rude e grotesco do que­nos altamente civilizados; mas o traço fundamental do pensamento é inconfundível." E' mesmo chocha aquela palavra de Nietzsche, de uso muito querido, e muito contra a Igreja: "O cristianismo deu veneno ao Cupido ; êle não morreu, mas ficou viciado". Pois também entre os povos, também fóra do cristianismo� êle é tido como "intoxicado".

1 1 - Etica sexual Nós confessamos uma ética sexual. As normas­

para a nossa conduta, neste sentido, encontramo-las em máximas, não humanas, mas de origem divina, que se nos apresentam como normas obrigatórias. Só uma atitude filosófica que não crê em nenhum Deus,. pode também nestas coisas "não reconhecer a moral como a competente julgadora" (71) Somente uma concepção das coisas, puramente fundada n o que é terreno, pode decidir-se a afugentar a moral de todr)'

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o âmbito da vida sexual (72). O católico, porém, que r-econhece um Deus, e que o adora, não só como Criador, mas também como Conservador c Governa­dor do mundo, o católico, também com a sua vida se­xual, está estabelecido numa ordem divina. l;:le vê, bem nitidamente, as fronteiras que aos impetos -é ilícfto transpôr, apresentem-se embora os 10eus de­sejos com as ânsias mais tempestuosas - ou far-se-ia -culpado de um atentado de usurpação dos supremos direitos divinos ! Dêste modo, o católico se reconhe· ce dependente de Deus, também nas suas fôrças e as­pirações sexuais. l;:ste vínculo em Deus dá-lhe a fir­me persistência que, através das tempestades e amea­.ças do instinto, lhe permite festejar sua mais sublime vitória, no recinto da própria personalidade.

Que tenham liberado a vida sexual, da sua de­_pendência de Deus, e entregado à "liberdade" de ca­.da um, foi a causa dos descomedimentos dos homens atuais nestas coisas, mormente entre a juventude I .Acertadamente, uma jovem americana: "Primeira­mente afugentastes lá do inferno o diabo, depois dés­tes em terra coJD. as colunas do céu ; logo, não tendo mais o que temer, nem o que esperar, por que have­.mos ainda de subjugar instintos 7" (73). E' mesmo, -e é verdade também o que Hans Driesch uma vez es­creveu (74) : "Para os radicais negadores da imorta­lidade, aliás na maioria ateus e materialistas ou ao menos mecanistas, tudo moralmente é de fato, no .fundo, a mesma coisa •.• O negador da imortalidade, sendo censequente, não pode absolutamente ser um homem cientemente moral; e se por felicidade o mais .das vêzes ainda o é, isto se deve à sua inco�sequên­cia teórica".

Efetivamente, os adversários e impugnadores da moral sexual cristã são materialistas e naturistas, que no homem nada mais vêem do que um animal supe­riormente desenvolvido. Autores como se lêem, por -exemplo, na revista americana "Marriage Hygiene", bradam com voz crescente, por uma nova "moral",

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que deve ser não teológica, mas biológica. Esta nova moral deve conceder o direito de livre comércio se� xual, antes do casamento, com o pretêxto de que, he­je, os homens se casam mais tarde do que outroray. quando já se podia entrar em casamento, mal atingida. a maioridade sexual. No casamento, porém, conti­nuam, dever-se-ia pôr o maior cuidado em que as­poucas crianças nascidas fôssem da melhor qualidade possível. Seguem-se, então, estas significativas pala­vras: "Nenhum criador de animais sonharia, alguma. vez, em suscitar bons exemplares, segundo o método do matrimônio humano, monogâmico. Se se désse a um criador de cavalos, ou de cães, o conselho de pau­tar-se pelos princípios monogâmicos, êle morreria de­rir-se. Ora, um sistema que para a criação de ani­mais é extremamente mau, não pode, absolutamente, ser eugemco para o homem". (75) E' a tal coisa:­Quem arrebata às mãos de Deus a vida sexual, acaba·. morando - na cocheira.

Entre a juventude, a emancipação da carne cau­sou os mais assustadores estragos, e fez amadurecer· a orientação sôbre estas coisas, que Ernesto Fischer descreve com selvagem clareza no seu livro: Volta e­meia ouvem-se as palavras de jovens ingênuos e

leais, que tomam parte em discussões sôbre o proble-· ma sexual: "Não gastem tanta palavra ! Dêem-nos. um espaço onde nos encontremos, e um meio com que· evitemos a prole . . . e não haverá mais problema sexual".

r!:ste horroroso cinismo da juventude moderna., tem dado aliás o que pensar a muita gente. Educado­res e guias da juventude, médicos e estadistas, estão de novo clamando por uma rigorosa moralização_ Entretanto, vivem ainda os médicos que aconselham atos sexuais, como saudáveis, a jovens de ambos os: sexos, a jovens que os procuram talvez devido a per-­turbações nervosas, e êles lhes aconselham êstes átos, como o iinico meio que lhes pode valer ! Ora, de mo-· do algum pode estar certo em medicina, aquilo que é>

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moralmente reprovável ! Tais_ médicos terão passado por escolas onde se educaram desta maneira ; conce­demos, pois, que sejam subjetivamente perdoáveis ; -objetivamente, porém, como curadores do corpo, transformaram-se em pervertedores das almas -hienas da moralidade, chamou-os um escritor de nos­

;gos dias. Por outro lado, entre os médicos de hoje, multiplicam-se também as vozes que declaram, não .ser a continência, de modo algum, prejudicial a uma :saúde normal. (76) Reconhece-se, também hoje, que .a devassidão moral foi uma causa essencial na ruina ·de povos e raças. "Pois unicamente pela repressão dos instintos sexuais . . • · é possível a cultura" (77) Aconselham até, expressamente, "a continência, para ,que o corpo e o espírito amadureçam, e se fortifi­quem, para a geração de uma sadia posteridade". (78) Dêste modo, a moral católica vingou ainda mais uma -vez, por meio da história, e precipuamente pelas tris­tes e corruptoras consequências do afastamento das normas divinas. Se o espírito moderno está no cami­:nho de volta à metafísica, está também, em nossa .questão, à procura de normas mais sublimes que de .novo estabeleçam a ordem, na vida sexual da atuali­dade. E' que, uma vez mais, se comprovou a veracida­de da tese: que tudo o que moralmente não está certo, também não pode ser saudável para o homem, nem para a vida social humana, mas, pelo contrário, é for­çoso que seja prejudicial. Deu-se, realmente, o afas­tamento de uma grande culminância, o que só pode -ocasionar uma grande depressão.

Apresentemo-nos agora, em alguns breves traços, :a avaliação religiosa, da vida sexual. E' o cerne da ·ética sexual católica, o que iremos tocar.

1 2 - A vida sexual do cristio Religião, é viver em Deus. Por isto, a avaliação

·religiosa da vida sexual dimana da sua relação com ·Deus . O homem, pois, com a sua potência genética oem geral, e na vida sexual no matrimônio, precisa fi-

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car unido a Deus. Não se deve alheiar de Deu esta esfera da vida humana ; pelo contrário, é preciso cpe ela concorra para uma aproximação mais íntima coa Deus. Mostremos, pois, em primeiro lugar, a relação que tem com Deus a vida sexual; Isto já foi exposto por parte, pela demonstração do supremo domínio de Deus, sôbre as potências sexuais humanas; mas não será inconveniente, fazê-lo de novo aqui, em con­junto.

Em três coisas a vida sexual depende de Deus: Primeiro, na sua origem. Ela origina-se de Deus.

F determinação de Deus, por isto tem Deus por au­tor. Ela data ainda do paraíso, do tempo da justiça original de Adão e Eva . Também no paraíso ter-se-ia o gênero humano propagado como hoje, ensina o �:rande S. Tomaz de Aquino. A r�lação do sexo é, pois, um plano de Deus, no qual se pode cogitar ; uma invenção do Espírito de Deus, para o bem da huma­nidade ; e, por isto, é coisa santa, como o é seu autor; uma realização

-boa de Deus, porque Deus fez tudo

hom . Ela requer, pois, a nossa reverência e admira­ção, como todas as obras de Deus. Acentuemos, en­tão, mais uma vez: O instinto sexual não é pecado. Contudo, precisamente aqui, o pecado original reali­zou os maiores danos . Foi no terreno da vida sexual que a natureza humana ficou lesada o JJtais sensivel­mente. Portanto, é nisto, antes de tudo, que o homem precisa ostentar e impôr sua razão.

Segundo, esta dependência se manüesta pela du­pla finalidade que Deus lhe deu: A primeira finalida­de é o suscitamento de uma

·nova vida humana, com

que se origina urna nova vida imortal. A alma huma­na, imortal, origina-se, é claro, da ação imedinta de Deus . A alma, cada uma, é criada por Deus, quando, mediante os atos da vida sexual, se realizam as con­dições naturais da geração . Dês te modo, Deus é sem­pre um intermédio, quando dois entes humanos se tornam pai e mãe. Na relação sexual humana, está, as­sim, latente, uma certa ampliação do poder criativo

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divino, relativamente à crlac;lio de novos sêres huma• nos, cujos corpos se desenvolvem, segundo leiS' bioló­gicas de geração, por Deus estabelecidas. O que se ge­ra é um ser, em tôda plenitude, destinado para a eter­nidade, e, portanto, imortal (visto que a morte de todos é passageira) e imperecivel. Isto deveria pene­trar os cônjuges de um santo respeito, ou melhor, tre­mendo respeito, diante do ato conjugal. - A outra fi­nalidade dêstes atos é a felicidade dos esposos, fim também determinado por Deus. Preparar felicidade. fazer felizes, é o mais nobre áto que homens possam fazer entre si . Verdade é, esta tarefa da vida sexual só pode estar preenchida, quando o mútuo cumpri­mento do dever conjugal é realizado e animado num verdadeiro amor, do qual êle é, na vida conjugal, a principal expressão. A realização desta felicidade, além disto, - é preciso sempre acentuá-lo, contra as relaxadas idéias dos modernos - deve ser procura­da unicamente no matrimônio validamente contraído. Esta é a ordem estabelecida por Deus. Toda ação se­xual, fóra do matrimônio, ou indevidamente executa­da, é pecado grave e nenhum motivo a justifica. A mútua felicitação dos esposos, enfim, precisa subor­dinar-se ao fim primário, do matrimônio, que é a sua fecundidade. f.:ste fim primário é preciso que não seja frustrado por nenhuma ação humana intencional.

Em terceiro lugar, a vida sexual cristã está de­pendente de· Deus, pela sua dependência de Cristo e sua santificação sobrenatural, por meio de Cristo . Dá-se isto de novo duplamente: Primeiro, a vida se­xual, sendo vida de membros do nosso corpo, está em dependência do corpo místico do Salvador. Pois nossos membros, desde a nossa encorporação no Se­nhor, por meio do santo batismo, não mais nos per­tencem, mas são propriedade de Cristo ; a tal ponto, que, para o Apóstolo S. Paulo, o impudico arrebata um membro a Cristo, para apropriá-lo a uma meretriz. Assim, pois, a vida sexual está no âmbito do corpo místico, na sua dependência sobrenatural da comu-

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nhão com Jesús, da comunhão dos Santos. Isto por si só a eleva, e, com ela, todo o nosso ser, a uma altura sobrenatural, sem com isto arrebatar-lhe o natural. - Segundo : por meio do sacramento do matrimônio, a vida sexual recebeu uma consagração especial . O ato conjugal se efetua nas mesmas ,condições sobre­naturais e místicas. E' um feito de Cristo, santificado pelo seu preeiosfssimo Sangue, e, pelas graças do sa­cramento do matrimônio, diretamente ligado à Cruz de Cristo. E', pois, em Cristo, que os cônjuges se dão esta prova máxima de amor, e é finalmente também o próprio Cristo que, por meio dos cônjuges, dá novas l"idas ao mundo. A relação intima dos cônjuges é, por isto, por assim dizer, uma ação sacramental. Ela não é um pecado que Deus só "não inculpa por alta mise­ricórdia", como Lutero imaginou: não é pecado ne­nhum ; pelo contrário, é um ato sobrenaturalmente meritório, se fôr efetuado nos limites da ordem, que Deus impôs. O áto intimo, conjugal é, segundo Santo Alberto Magno, "um áto honesto e abençoado por Deus". Nisto vai, igualmente, um enobrecimento do prazer corporal, o qual pode ser admitido e anelado em sua plena e natural extensão, no áto conjugal. E nisto está, indiscutivelmente, o concurso da Igreja, pasmosamente valioso, relativo à santificação do cor­po humano, e à santificação de suas paixões elemen­tares de ânsias de ações de prazer acentuado. Dêste modo, o ato conjugal só pode ferir a um sentimento de dignidade exagerado. "A uma dignidade humilde, perante o Altíssimo; êle não fere" - diz muito acer­tadamente Hans Driesch. (79) Para nós, católicos, portanto, também não vale aquela máxima budista: "O sábio deve evitar a vida de casado, como se fôsse uma cova cheia de acesas brasas flamejantes". Só uma coisa precisamos, os católicos: Ver e aquilatar a vida sexual, na sua dependência de Deus, e santificação em Cristo.

Vosso Corpo é Sagrado 5 65

1 3 - Profinaçio do casamento Isto é, realmente, um divino ajustamento do cor­

po, a um plano sábio ! No matrimônio é que está o exclusivo direito, de viver a vida sexual. Para êste fim, está incluída, no munus conjugal, a recíproca oferta dos corpos . Contudo, também êste direito, de modo nenhum, é ilimitado de maneira que os casado& possam viver a sua vida como entendem. Pois, assim diz o direito eclesiástico, o consentimento matrimonal "é o ato da vontade, pelo qual, ambas as partes dão e recebem o direito perpétuo e exclusivo sôbre o corpo, com relação àqueles atos próprios, por si, para gera­ção da prole". Com estas palavras, ficam determina­das nítidas fronteiras .

Uma anormal satisfação de instintos não pode, absolutamente, ser jamais exigida, sob .invocação do direito de casamento, nem muito menos sob pretexto da obediência que a espôsa jurou ao espôso, no al­tar. Se, porém, uma senhora fôr obrigada a ações contra a natureza ou fóra do natural, isto será, para ela, a mais. terrível cruz matrimonial, porque nisto sente-se ela ferida, o mais profundamente, no seu brio de espôsa. Infelizmente, uma tal deshumanida­de não se encontra só nas camadas vis do povo, mas, muito frequentemente, nas chamadas "melho­res" -e "distintas" camadas sociais, onde a alcova conjugal precisa presenciar as mais atrozes orgias do tal "amor à francesa" .

Caso provenham tais pretensões, da extrava­gância de variar, então é preciso reconhecer uma aberração do instinto, que · precisa ser sanada por todos os i:neios moralmente lícitos. Tratando-se, po­rém, de uma exigência mórbida, que não se contenta senão com meios anormais, então pode o matrimônio ser até inválido.

A norma do direito canônico, acima citada, in­dica, porém, ainda, que é preciso ser deixada ao ato conjugal a sua finalidade procreativa ; ou, com outras

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palavras, que para ninguém existe direite alcua ,._ ra aqueles atos, em cuja execução "a aatarea fic::a frustrada". Em catolicismo, não existe direi&. al­gum que autorize tais ações, como, de outre W-. nenhuma obrigação de concedê-las . Tal proc:e4er é sempre objetivamente um pecado mortal. pe� é uma grosseira aberração da ordem de Deu. lsae nos dizem, claramente, as palavras do Santo Pa4re: "Visto que o ato conjugal, por natureza, se destiaa à suscitação de nova vida, por isto, procedem. eea­tra a natureza e perpetram algo de torpe e intrbase­camente imoral, aqueles que, na sua execução, Ute

roubam a fôrça natural". E, de novo, com aaier clareza ainda: "Vai ao encontro à lei de Deus, e eea­tra a natureza, todo uso do matrimônio, em e.ja execução o ato se vê privado da sua fôrça natural, pelo arbítrio do homem; e os que tal coisa pratieaa. mancham a sua coneiência com uma culpa mortal". Em seguida, o Santo Padre acentúa ainda, expressa­mente, que não há fundamento absolutamente ne­nhum que possa justificar a evitação de filhos, por meio de técnica preventiva ou mediante "alerta sô­bre si" ; esta ação permanece, semp.re e em tôda parte, objetivamente, pecado grave. Nela consiste "a profanação do matrimônio", hoje tão lamenta­da. Ela é essencialmente um abuso do corpo, contra a lei divina, abuso que se não pode acobertar no amor; não existe amor pecaminoso. Livre de culpa fica somente o cônjuge que· "apenas sofre o ato pe­caminoso, o não executa, enquanto, por motivos ponderados, deixa acontecer a transgressão ela reta ordem, sem qÚe êle próprio o queira, e que, por isto, de nenhuma culpa se encarrega, enquanto permane­ce tendo em vista apenas o mandamento da carida­de, e não omite desaconselhar do pecado o compar-te, e retrai-lo da ação. (81-83) " .

·

Também sob êste respeito, fica demonstrada a tese de que nenhuma coisa, moralmente reprovável. pode ser medicinalmente saudável. Médicos especia-

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listas, com tôda clareza, têm afirmado que os meios anticoncepcionais e os métodos, sem exceção algu­ma, são nocivos à saúde; que não há meio nenhum até hoje, que se possa empregar sem detrimen­to da saúde. As secções ginecológicas de nos­sas clínicas e casas de saúde enchem-se, notada­mente, de senhoras que ficaram d,oentes, nio pelos filhos que possúem, mas pelos que não têm ! Muitas inflamações, neurastenias, histerias, têm nisto a sua causa e raiz. (84) O uso de meios e métodos anticon­cepcionais é, pois, um pecado também contra o cor­po. Diz uma in verdade, ou fecha os olhos às reali­dades, aquele que, invocando a ciência, afirina a in­teira inocuidade de tais meios - declara o médico norte-americano dr. W. Gerry Morgan.

1 4 - Cestidede metrimoniel E' claro que o mútuo prazer sensível, externado

por mimos e afagos, em todo o amor conjugal, é sim­plesmente lícito entre cônjuges. Por motivos psico­lógicos, como também, segundo médicos, fisiológi­cos, sobretudo com relação à mulher, tais afagos são até necessários. Como complemento ou efeito natu­ral do ato conjugal, são coisas previstas por Deus, e permitidas. Devem, porém, naturalmente, ficar no limite do conveniente.

Esposos que se comportem dentro do âmbito da lei divina, observam, com isto, uma castidade própria do seu estado - a castidade matrimonial . Pois, assim fala o Santo Padre, a conduta confiante dos espôsos trará o caráter de castidade, "se êles se empenharem em dirigir-se, em tudo, pelas normas da lei divina e do direito da natureza, e se, com grande veneração para com a obra de Deus, êles se­guirem a vontade do · Criador oniciente e bonís­simo".

Nem é exagêro o que afirma um escritor mo­derno, num livrinho sôbre o casamento, que dirige aos maridos cristãos: "O .tálamo conjugal é um ai.

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tar; não o profanes com selvagerias. Ardam ali, constantemente, os fachos da fé e do amor, afim de que todo ato, ali realizado, possa ser confirmado pelo céu". (86)

E' preciso, tôda vez, que esta unificação corpo­ral e espiritual dos esposos seja a solene linguagem do amor de suas almas. Ela deve, portanto, ser go­vernada por um amor genuíno. Também para isto o Santo Padre chama a atenção ; aliás, seria uma união desprovida de sentido e indigna do homem . Seria talvez o mais profundo desvirtuamento dêste ato, considerá-lo mera função corporal, mera satis­fação dos instintos e não uma comunicação e união das almas. 2le cessaria de ser um débito conjugal, um dever conjugal, se fôsse, só e unicamente, um processo corporal. Pois, neste caso, seria u-ma sim­ples função fisiológica, e não se distinguiria de um processo excretório qualquer. Sujeitar-se, porém, a coisas de tal espécie, não pode ser imposto como dever a quem quer que seja, nem mesmo a pessoas desposadas. Fóra dos limites do que é essencialmen­te humano, cessam tôdas as obrigações. Os próprios árabes afirmam, sem rodeios, que o casamento, assim procedido, deturparia o amor. Por isto, requer-se uma •atitude respeitosa particular, para com o es­tado psíquico e a disposição espiritual do comparte. O espôso precisa, pois, tomar em consideração as disposições de espírito e emotividade da espôsa ; a que, entretanto, deve sempre bem distinguir de ex­centricidades. Saibam os cônjuges que a sua íntima união é uma coisa sagrada, que não se pode exigi� brutalmente, mas que também não se pode omitir le­vianamente. A união, no casamento, não significa a dominadora supremacia de um homem que aspira a nele dessedentar suas paixões. Ela é, pelo contrá­rio, um delicado e respeitoso convite, para uma mú­tua cooperação, na qual não há um senhor e escra­vo, vencedor e vencido, mas somente um Deus e duas criaturas, que lhe obedecem . A extorsão do ato con:

jugal, sem que para isto se verifique a disposição psíquica da outra parte, assemelha-se a um atenta­do. O fato de, pràticamente, se verificar uma tal coisa frequentemente, tem concorrido, não pouco. para afirmarem os inimigos da Igreja que a maior parte dos casamentos contraídos sacramentalmente, com seus laços indissolúveis, nada mais são, propria­mente, do que uma prostituição legalizada. Isto é um horroroso julgamento que, seguramente, não tem ca­bimento em tôda amplitude, mas que, infelizmente, tem de ser constatado aqui e alí . Também no matri­mônio, pois, é necessário patentear-se, e a vida ma­trimonial deve nisto orientar-se : estar o corpo hu­mano vivificado por uma alma espiritual; e que esta alma é uma parte integrante da humana personali­dade; e que, por isto, a mútua oferta do próprio corpo é uma mútua comunicação de personalidade .

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V • · O cristão, e a cultura fisica Pelo exposto, já se depreende que o cristão pre­

cisa definir-se, de um modo absolutamente positivo, com relação ao seu corpo. Menosprezar o corpo e, em consequência, deixá-lo definhar, alegando para isto razões e motivaçõ�s cristãs, seria uma ascese e piedade mal compreendidas. Se particularmente muitos Santos têm transposto a razoável medida na mortificação do corpo, isto deve ser desculpado pelo seu estado subjetivo, e bem se compreende, tam­bém, pela sua ilimitada consagração ao que é espi­ritual e eterno; mas isto não pode ser apresentado como sendo a concepção e a praxe da Igreja. A Igreja não mata o corpo, mas consagra-o para o ser· viço" do espírito, diz o bispo U . Sailer. O cristão pre­cisa ver, no seu corpo, uma idéia de Deus e consi­derá-lo como feitura divina, que realmente o é .

Perguntemos, então, agora, que posição espiri· tual deva o cristão assumir, com relação ao seu cor­po, bem como sua atitude, para com o corpo de.-ou­trem. O que valer para cada um em perticular, isto valerá, da mesma maneira, para com o corpo do próximo. E' a todos os cristãos que se aplicam as palavras dirigidas por S. Paulo aos Romanos: "De­dicai. . . vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça". (87)

1 - Respeitar b corpo O cristão deve respeitar o seu próprio corpo,

e isto, não obstante as muitas fraquezas e imperfei­ções que nêle tem de descobrir. O corpo é, simples­mente, uma criatura de Deus; é a forma ideada por Deus, exterior e visível, do nosso ser humano; é um

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autêntico membro de Cristo, é um templo do Espí­rito Santo, e habitação da Santíssima Trindade. E' o companheiro, dado por Deus à alma, na sua pere­grinação por esta vida terrena, e o instrumento de santificação, com que o homem precisa merecer, pa­ra o seu corpo e sua alma, uma imperecível glorifi­cação. Tal se nos apresenta o corpo humano, na concepção cristã. Acatamento precisa animar o cris­tão, perante o destino do seu corpo, como instru­mento da alma, espêlho da alma, expressão da al­ma; como um meio de formar a própria alma, e aperfeiçoá-la, segundo Deus e segundo Cristo ; final­mente, como relicário de nova vida para a eternida­de. Perante o corpo humano e sua finalidade, pode o cristão, em todo o sentido da palavra, quedar res­peitoso e maravilhar-se religiosamente. E êste res­peito, e esta religiosa admiração para com o próprio corpo e o dos outros, deviam ser aprendidas, sobre­tudo, pela juventude, e, a saber, desde a primeira infância.

Igualmente qualquer obséquio prestado ao cor­po precisa ser animado duma atitude de reverência. Isto se entende do próprio corpo, em dias de saúde, como nos de enfermidade . Ainda quando nenhuma testemunha se nos apresente, mesmo assim, uma irreverência contra o corpo equiv�le à sua deshon­ra, aos olhos do Criador. Entendem-se aqui a cuida­dosa solicitude que a mãe precisa dispensar à crian­cinha, bem como as profissões, cuja principal preo­cupação está em tôrno da saúde e bem-estar do cor­po, como sejam a de ama, de parteira, de enfermeira, e a de médicos e farmacêuticos. O verdadeiro senti­do destas profissões provém do respeito, que as ani­ma, para com o corpo humano ; êste respeito afasta todo automatismo e mecanicismo, e anima para deli� cadeza e fino tato, e para alegre abnegação e espírito de sacrifício.

2ste respeito se deve ao próprio corpo inanima· do. A Igreja nos precede com seu bom exemplo, e

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acomoda o �orpo em terra santificada, onde êle. o­jeito às leis naturais de corrupção, é semeado ea corruptibilidade, para ressuscitar em glorificação. E, sôbre a plácida eleTação do túmulo, onde seu restos se ocultam, eleva-se a cruz, o sinal da Reden­ção, em cuja plenitude também o corpo partilhará, no derradeiro dos dias . Atendo-se a uma muito anti­-ga tradição eclesiástica, podendo apoiar-se no exem­plo do próprio Cristo, que ao seu próprio corpo morto qÓis fôsse sepultado, a Igreja proibe a crema­·ção, e recusa sepultura eclesiástica e exéquias àque­les que tiveram ordenado a incineração de seus cor­pos. (87) Podendo-se embora julgar como coisa, em si, indiferente, a 'inumação ou cremação dos cadá­veres, contudo, a sepultura de Cristo tornou em uma coisa óbvia, para todos os católicos, a praxe eclesias­tica do sepultamento ; ao passo que, pelo contrário, a propagação do uso de cremar é devida a um espí­rito materialista, o qual pensa que, com a morte, tudo deixa de ser, e que, portanto, com a incinera­�ão, intenta prestar um trabalho mais completo de destruição. O cristianismo crente, entretanto, tem visto no corpo uma como semente, a ser semeada afim de que possa, mais tarde, ressurgir em glória . Sugeriram-no as pálavras de S. Paulo : "E' semeado em corrupção e despertado em incorrupção ; semeado em abatimento, e despertado em glorificação ; semea­do em fraqueza, e despertado em poder; semeado em corpo terrenal, e despertado em corpo espiri­tual". (89) Exprimem-no, também, infantil e pro­fundamente, as antigas estrofes de um canto reli-gioso :

Vai nosso corpo à quietação

Da tumba, e o cobre um frio chão,

Conforme Deua quis decretar :

Em terra, em pó te hás de tornar ! Por Deua 6 feito plantação

Que, um dia, Deua suscitará !

Semeado, assim, na corrupção,

E um dia, lntáctll, surgirá !

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Do trlto o .:rão, que ali se esvai,

Não morre, não I apenas vai •

Dar ao aeu l'erme o evoluir, Crescer ao colmo, e produzir,

Espiga cheia oferecer Ao se&'ador. E assim será :

Ao corpo Deus o chamará,

Da calma tumba subirá I

Mais respeito, porém, ainda deve o cristão para. com a vida. Nosso tempo tem sido apresentado, de­muitos modos, como sendo principalmente uma afir­mação de vitalidade; êle deve estar sendo impelido­por uma grande vontade de viver. (90) No entanto, em muitas coisas, êle é tão terrivelmente inimigo da. vida ! O desprezo do viver tem assumido formas particularmente grotescas. Bem que se procura, com uma nervosa ansiedade, desconhecida em tempos de­antanho, deter a vida. Ao temor da situação de de­pois da morte, temor que ansiava os homens religio· sos do passado, substituiu-se, precisamente, um exa­gerado mêdo de morrer. A ânsia de viver, o mêdo de­morrer, são dados, até, como caraterística da moder­na humanidade. Dai o exigirem doentes, e seus pró­ximos, de médicos de hoje, que nenhum modo dêem a entender, nem mesmo a possibilidade de fatais des­enlaces. (91) O sacerdote é mantido longe do leito­de agonia, para que o doente "não leve sustos", e. assim, muito católico se despede_ dêste mundo, sem as consolações da religião.

O respeito da vida alheia, e das leis naturais e­fôrças destinadas a suscitá-la, anda bem longe des­norteado da humanidade moderna. O homem de ho· je não está mais possuído daquele santo temor, que devia traspassar marido e espôsa naquele ato do qual, em consequência com a divina onipotência, po­de resultar a criatura mais sublime entre os sêres terrenais, um homem imortal. O cristianismo anti­go tomou um próprio Anjo, como patrôno da gera­ção. Nós, homens de hoje, fomos educados para o-

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egoísmo, e, com isto, nos tonaaa• tie ...... ._ e de espírito tão apoucado, q•e Tiv� a •11:11-lt..

friamente, sôbre os mistérios da Tida. Pel. • =

mais esdrúxulos, que o mais das vezes ��e ..- �

comodidade pessoal, impede-se a neTa rill&.. �­mesmo se recua de atentar contra uaa ri11a já � ciada sob o coração materno, e que, por iste. ií escã nas mãos de Deus, como qualquer inf .. te rec:e-­nascido, e isto, por motivo de alguma ex� a­

tivai, ou algum torneio de "ski", planejado ,.ra •

inverno I Da falta de respeito para com a n.la à­queles que, para seu ulterior desenvolvimento, care­

cem ainda das vísceras maternas, veiu uma coae ae­nha de morte, que, de ano para ano, tem feito U.... meráveis vítimas, inocentes, indefesas - o .-e. além disto, se busca acobertar sob a máscara e progresso cultural, e justificar e glorificar na cari­catura de um alto sentimento de responsabilid.allie. para com as gerações vindouras. I

2 - Amar o corpo O amor próprio, bem ordenado, precisa referir­

se ao homem todo: por conseguinte, não pode ex­cluir o corpo. "Não somente à alma devemos amar, mas também ao corpo, o qual, como de boa fonte.. origina-se de Deus ; como feitura maravilhosa, glo­rifica ao Criador; ajuda-nos para o bem, e, para a glória do céu, está destinado". (92) E' evidente, con­tudo, que, relativamente à alma, ao corpo se deve dar o segundo lugar, e, por causa dos seus instintos re­beldes, êle deve ser mantido· em contínua e rigorosa vigilância. Pois "muitas vêzes a carne cobiça con­tra o espírito, para arrebatar-lhe a supremacia". � finalmente, como observa S. Bernardo, "de fato não é justo que se ame do mesmo modo aquilo q«e ve• da terra e é terreno, e aquilo que vem do alto e foi criado segundo uma Natureza mais sublime". (93)

Mesmo a Igreja nos educa neste amor hem or­denado, para com o corpo; ela o inclúe nas suas ora-

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·ções. Ora ela pede que possamos gozar uma saúde ·constante de corpo e alma; ora clama ao Senhor, pelo afastamento dos perigos que ameaçam corpo .e alma; ora nos impetra luz e fôrça de vontade, para fazermos do corpo o companeiro fiel da alma, e ser­virmos, com êles, ao Senhor; ou para que lhe sirva­mos com corpo casto, e lhe agrademos com um pu­ro coração. Aliás, a própria fruição do corpo e san­

·gue de Jesús nos é um meio de proteção do corpo e da alma.

Como vemos, tudo converge para isto, e, através .do reto amor ao corpo, tudo o exige: que conduzamos o corpo às relações que Deus nêle quer, para com a alma, e estabeleçamos uma reta harmonia, entre corpo e alma. Neste confronto, é evidente que a al­·ma, imaterial, espiritual, imortal, coloca-se acima do_ corpo, o qual é formado de matéria. Trata-se de -salvá-Ia, antes de tudo; todo o resto seria vão, fôsse embora a obtenção do universo inteiro ! Isto diz, claramente, o próprio Salvador, e nos avisa ser for­çoso sacrificarmos tôda espécie de valores corpo­rais, cada vez que, só por êste modo, fôr possível

.assegurarmos a salvação eterna da alma. t:ste é o sentido de suas palavras, quando êle fala de arran­carmos os olhos, e cortarmos pés e mãos, que nos forem escândalo, ou quando nos exproba os cuidados e afãs por demais ansiados, de conservarmos a vida corporal. A vida da alma é mais necessária que to­dos os gozos do mundo e tôdas as riquezas do uni­"Verso. E' preciso que viva a alma, ainda quando o corpo tenha de sofrer detrimento. Nisto está a justi­ficação da muito ludibriada mortificação dos senti­dos, que nada mais intenta, do que sacrificar gozos corporais, em favor da vida da alma; ela faz entrar nos fins eternos da alma imortal, a sujeição dos ane­los corporais; ela realiza a exortação de S. Paulo: ''Irmãos, eu vos aconselho, pela misericórdia de Deus: ofertai vosso corpo, qual hóstia vivente, saa­ta e agradável a Deus . Perfareis, dêste modo, ua 8acrifício espiritual.

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Não é sempre coisa fácil estabelecer a devida harmonia, entre corpo e alma, visto que, pelo pecadc. original, a relação entre êles, primitiva e normal, foi perturbada. Os impulsos do corpo revoltam-se­contra as pretensões da alma; precisam ser mantidos em obediência. Isto, muitas vezes, é bem difícil O cristão, no entanto, não se vê diante de uma impos-· sibilidade. A orientação êle a descobre nos manda­mentos de Deus e da Igreja, e no exemplo do seu di­vino Mestre ; e a fôrça, para o cumprimento, estão· nos meios da divina graça, que a Igreja oferece. Com a ajuda da divina graça, encontrará saída. Por isto. êstes auxílios sobrenaturais, da oração e recepção dos santos sacramentos, precisam ser conjugados, na educação de uma verdadeira harmonia, entre corpo· e alma.

Criar esta harmonia, afim de realizar a concor­dância do natural e o sobrenatural, e afim de fazer •. da vontade de Deus e seu reino, uma realidade na alma humana, eis a tarefa da ascese cristã. Ascese, como mortificação e negação de si mesmo, como des­materialização, nunca é um fim, por si só . O fim da mortificação não é esfomear a natureza, amorda­çá-la, prejudicá-la, destrui-la, mas protegê-la, vigiá­la, conduzi-la, ordená-la, educá-Ia, melhorá-la; por isto, o seu fim é levar o corpo, e seus instintos, a que sirvam ao destino supremo da humanidade, o que se lê numa oração da Santa Igreja: "ut . . • car-­ne mortificati, facilius c�elestia capiamus", para que, morrendo ao carnal, mais fàcilmente obtenha­mos o que é celestial. (95) Não se trata, pois, abso­lutamente, de matar, aniquilar o corpo. Várias ex­centricidades de ascetas, como bem observa Fass­lfender, devem-se, pois, avaliar "como superabun­dância de ardente caridade divina ; mas não como­resultado de uma ascese cristã, retamente com­preendida". (96)

A observância do jejum eclesiástico, isto é, a. abstenção de alimentos, de modo a matar a fome uma

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Tez por dia, não é contra o amor devido ao corpo. Esta prescrição eclesiástica antiquissima, pelo con­trário, tem-se mostrado muito benéfica à saúde. 'Temos, hoje, tôda uma literatura, sôbre a saudável -significação do jejum. Da classe médica, não faltam pareceres a aconselhar o jejum, como por exemplo : "Jejuar uma vez por semana, pode ser útil a muitos homens de vida sedentária", - palavras do médico -dinamarquês dr. Hindhede, no seu livro "Saúde, por meio de alimentação acertada e frugal". (97) Otto Buchinger, no seu livro "Das Heilfasten und seine Hilfsmethoden ais biologischer Weg", (Stuttgart­Leipzig 1935), encara o jejum, sob o " ponto de vista da moderna terapeutica natural, e o apresenta, como um remédio extraordinário e eficaz, não só contra as doenças de metabolismo, mas também contra o cancro e outros males. Dêste modo, foi novamente reconhecido, como uma bênção para a humanidade, 'Um mandamento da Igreja, outrora tão espezi­nhado (98).

3 - Racional cuidado do corpo Já o Apóstolo das gentes estabelece, como coisa

.evidente, que "ninguém odeia sua carne, mas cuida dela e a nutre". Uma atitude hostil, do cristianismo, ·contra o corpo humano, seria, por isto, nada menos que uma deserção, contra o seu Mestre. Um cuidado -racional do corpo, é requerido pelo próprio Deus. Ele resulta, simplesmente, da doutrina cristã, acima 1lXposta, concernente ao corpo.

A Igreja considera, por Isto, a educação física ·dos filhos, como um dos mais graves deveres injun­tos aos pais . (99) Pio XI, numa encíclica educacio­nal (100), declara, expressamente, que o objeto da educação católica, é o homem integral : "o espírito, unido ao corpo, numa unidade de natureza." "Com isto, a educação cristã abrange, integralmente, todo ·o âmbito da vida humana, tanto o sensível, como o ·supra-sensível" (101) , afim de que, segundo as pa-

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lavras do Apóstolo, a vida de Jesús se pateateie -nossa carne mortal. (102) Assim, é dever do a.Ue católico pedagógico "formar a juventude para a pie­dade interior, juntamente com a recreação e adextra­mento corporais" (103). A educação física tenha .. fundo moral: u.ma forma bela, que oculte uma alaa belamente formada; mas não venha, jamais, eoa aquela intenção de, como inculpou Borries a educa­ção de Muenchhausen", fazer do corpo, o indiscutí­vel deus da época". (104).

E' evidente, pois, sem mais preâmbulos, qae o cristão precisa dar-se ao trabalho de satisfazer, ra­zoàvelmente, às precisões do seu corpo. �le seguirá, com isto, apenas o exemplo do seu Senhor e Mestre. De vários modos, passou êlé à sua ação messiânica, no auxílio que prestava às necessidades corporais dos homens . Seu cuidado, com os corpos, preparava­lhe o caminho para as almas . Embora nos tenha posto diante dos olhos, com tôda clareza, a finalida­de suprema da existência, naquelas graves palavras: "Procurai, primeiro, o reino de Deus e sua justiça", contudo, êle intercala, na sua divina oração social. no Padre-Nosso, o pedido de pão quotidiano. (105) Dêste modo, assinou êle o devido lugar para o cor­po, e suas precisões. O reino de Deus é o mais su­blime de todos os valores; a êle deve o corpo sub­meter-se, com seus instintos, a êle servir. Mas o ope­rário é digno de sua recompensa, e esta lhe devemos tribuir, na medida, ponderada, de suas precisões. (106) E' preciso proceder-se, àssim, na natureza, tan­to material como espiritual, do homem ; então, uma vida moral poderá também desenvolver-se. Um es­tômago faminto não receberá a palavra de Deus, como aquele que está saciado ; talvez, mesmo, nem a queira ouvir, de modo algum. E' por isto, que também S. Tomaz de Aquino ensinou: "Uma provi­são suficiente de bens terrenos, e seu uso, é indis­pensàvel para a virtude (107). "E, segundo a doa­trina dêle, os bens temporais, empregados para sa·

tisfazer às prec1soes do corpo, podem ser desejados. imediata e simplesmente, se forem considerados meios para as virtudes, que nos conduzem ao des­tino supremo. (108) A Igreja reza, também, pelo fun­damento material da vida humana: que "apoiados abundantemente pelos bens temporais, tanto mais seguramente cheguemos aos eternos" .

E' óbvio, portanto, que s e deve providenciar. na medida do possível, .para a manutenção e o resta­belecimento da saúde do corpo. Por muito que acen­tuemos o valor duma alma sã, não devemos, por is­to, desvalorizar o cuidado da saúde corporal. Tam­bém êste cuidado nos é imposto, moralmente ; o quinto mandamento no-lo impõe como dever. Se­gundo uma palavra da Sagrada Escritura, não há riqueza maior nenhuma, do que a riqueza de um corpo sadio (109) .

4 � Esportes E' até mesmo um dever, fortificar as energias

corporais e, se possível, aumentá-las, afim de que possam deparar à alma um instrumento melhor e mais prestativo. Por isto, é possível, também do nosso ponto de vista cristão, apoiar· o movimento esportivo; naturalmente, sempre dentro da moral, e isto quer dizer, antes de tudo: E' preciso que o esporte não seja um fim ; mas êle deve contentar-se com o seu lugar secundário, entre as precisões e utilidades da alma, e deixar que se prove, neste pon­to, a sua autorização. Por êste motjvo, não podemos dar a palavra a um descabido delírio de "records", e somos obrigados a rejeitar, como animalismo, o entusiasmo esportivo que passar as barreiras da moral e da conveniência.

O esporte não é desconhecido para os sagrados livros. No Novo Testamento, S . Paulo encontra, no esporte do seu tempo, um grandioso símile, para a nova e monumental tarefa dos cristãos. Na sua ci­dade natal de Tarso, êle foi testemunha de tantos

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campeonatos gregos ! Uma vez convertido, êle tras­lada, para a vida em Cristo, a animação e a termino­logia daqueles campeonatos. Nesta vida, como na­quela, exige-se o heróico, a aplicação de tôdas as fôr­ças. :f!:le próprio, o Apóstolo, compara-se ao atleta corredor, demandando a meta (110), e todo homem se lhe afigura, como chamado por Deus à arena, ao lugar de combate da vida. Trata-se, aqui, de comba­ter "o bom combate", que desenvolve tôdas as fôr­ças, e nos proporciona ganhar a meta e a recom­pensa. Assim êle escreve a Timóteo, como também aos da cidade dos Jógos lstmicos, de celebridade mundial, aos Corintios (111) .

Num jornal católico de Salzburgo, foram apre­sentadas, a respeito do esporte e da cultura física, umas normas, de que damos as s.eguintes:

Cultura ffsica e esporte não se devem condenar radicalmente, visto que, ambas as coisas, se devem considerar como meio valioso a serviço da alma e de seus interesses eternos.

Tudo o que diz respeito ao corpo, e, portaate. também o esporte, precisa subordinar-se ao fiBe res­peita à alma.

Aos exercícios corporais não nenhuma importância exagerada, conservação das fôrças e saúde caráter.

se deve atrillm no seatido de e formação do

De modo algum deve o esporte e cultura física abster-se dos deveres religiosos e vocacionais.

E' preciso que não criem perigo nenhum aos costumes cristãos e à moralidade.

Qualquer ameaça séria ao corpo e à vida, à saú­de e à integridade do corpo, precisa ser impedida .

Também o Santo Padre se volta contra a exa­gerada apologia dos exercícios físicos, exercícios nos quais, fàcilmente, são transpostas as justas medidas, obrigando-se aos jovens, por exemplo, a fazer mili­tarmente o tal adextramento corporal (e por vêzes

Vosso Corpo é Sagrado 6 81

até, contra o sentido natural, às jovens) e muitas vê­zes ainda nos dias santificados, usurpando o tempo que devia estar consagrado aos deveres religiosos, e ao santuàrio da família. No mais, não atentamos censurar o que possa haver de bom em tais métodos, no espírito de disciplina, na ousadia que se detém nos devidos -limites. Queremos estigmatizar, unica­mente, qualquer excesso, como por exemplo, o es­pírito de violência, o qual não se identifica com o espírito de fortaleza, nem com o valor do soldado na defesa da pátria e da boa-ordem ; a exageração do esporte, que também na antiguidade clássica pa­gã determinou a degenerescência e a ruína da ver­dadeira educação física. (113) " E' preciso que o es­porte seja acomodado com a ambiência da vida reli­giosa. Pois um homem que nada mais fôsse do que ·um organismo sadio, seria menos do que um ho­mem. A fisionomia típica do esportista revela sem­pre um quê de inferior e retrógrado. Cultura corpo­ral, unicamente por causa de si mesma, é uma coisa odiosa, porque ela vai de encontro à nobreza da personalidade e sua finalidade última, espiritual . (114) Por outro lado, entretanto,. exereícios corpo­rais, de qualquer espécie, semeiam benefícios no organismo, também com relação à vida espiritual. Quem uma vez provou das suas bênção, de bom gra­do os arrolará entre os quotidianos compromissos de amor para consigo mesmo .

Precisaríamos lastimar profundamente, como abdicação da sua nobre dignidade e inversão da or­dem divina, o fato de alguma senhora casada re­nunciar a filhos, por motivo de sua mania de espor­tes, vendo, assim, na maternidade, um impecilho contra a sua paixão desportiva .

Competir, não é absolutamente para senhoras. E', pelo contrário, uma humilhação para todo o fe­minismo. Suas fisionomias, fantàsticamente retor­cidas, se tornam objeto de horror, para todos que, uma vez, tiveram oportunidade de apreciar algum campeonato feminino.

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"Devem-se proscrever os jógos e campeonatos de senhoras e senhorinhas" dizem as instruções e normas dos bispos alemães, com relação a várias questões étnicas da atualidade, pois "êles pleiteiam modos absolutamente nada femininos. Esta pros­crição vale também para instalações, dentro de clu· bes". E', por isto, uma aquisição mais do que duvi· dosa, que "a mulher tenha conquistado o esporte". Abanando a cabeça, a gente reflexiona, diante de manifestações como estas: "Ovacionam-se, hoje, em tôdas as terras, as mulheres esportistas nas suas pe­lejas que, não sendo menos árduas, não decorrem, contudo, menos emocionantemente, que as dos ho­mens, seus colegas. (115) " Certamente, a mulher deve dedicar-se a exercícios ; mas não deve dar ne­nhuma exposição pública. Isto não é nenhum roncei­rismo acanhado da Igreja. O fundador dos jógos olímpicos, o barão Coubertin, defende o mesmo pa· recer. Segundó êle opina, não é bom que senhoras e moças participem em jógos públicos. Elas devem, sim, dedicar-se a esportes, mas não devem mostrar· se, publicamente. No entanto, aquele presidente da junta de organização dos jógos olímpicos de 1936 foi chamado "um dos maiores educadores do mun­do !" (116).

Além do mais, o prejuízo de saúde, que atinge a mulher desportista, não é insignificante. Exceda-se ela no esporte, e , danos permanentes de saúde serão

a consequência, os quais podem mesmo aduzir à es­terilidade. Tem-se constatado, firmemente, que o corpo da mulher desportista se modifica, confor­mando-se com o masculino, e que a mulher fica sem­pre menos apta para a missão da maternidade. O antropólogo dr. B. Skerlj, através cJe suas pesquisas em tôrno do esporte feminino, chega ao seguinte l'esultado : "Os exercícios corporais da mulher ainda estão se dirigindo demais pelo modêlo masculino.

Tais exercícios, do modo como têm side praticados nas escolas, como nos jógos e c:aapeo.a-

6 •

tos, atuam no corpo feminino, no sentido da mascu• linização.

Esta mudança de proporções, unida às perturba­ções menstruais, dificultam os partos e, certamente, também a fecundidade.

A mulher pode, e deve, praticar exercidos cor­porais. Deve, porém, abster-se em absoluto, de pu­gnas esportivas. Até hoje não se conhece, fóra da ginástica ritmica, outro sistema que seja segura­mente inofensivo ao organismo feminino. Temos, no entanto, motivos sólidos, para nos colocarmos, se­riamente, contra as escolas de esporte e, sobretudo, .contra os treinos e campeonatos.

Os resultados, até agora obtidos, sem dúvida al­guma, são importantes. Será agora tarefa dos altos dirigentes do esporte, restringir o esporte feminino àquelas espécies que se adaptam ao corpo da mu­lher, e, mesmo tais jógos, só permiti-las, com ex­clusão de tôda concurrência a campeonatos. (117) "

A dona de casa, não .teria absolutamente neces­sidade de se deixar conduzir pela moderna fúria de esportes. Ela pode, entre os variados mistéres ca­seiros, praticar uma ginástica, apropriada e sau­dável. (118).

5 - EnFermidades Quão grande bem seja a saúde do corpo, nós o

enxergamos e avaliamos só quando o perdemos, quando assaltados por uma enfermidade. ·Mas o cor­po enfêrmo - não terá valor algum ?

A humanidade de todos os tempos, ante o pro­blema dos sofrimentos, dos quais, como diz Artur Baumgartner (119), a dôr corporal é a pior repre· sentante, tem quedado inquiridora, tem procurado a solução, e a não tem encontrado. "Nada é mais com­preensível no mundo, do que o prazer, ao passo que a dôr nos apresenta o enigma de todos os enigmas. (120) ". O sentido e o valor do sofrimento nasceu,

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para o mundo, unicamente com o cristianismo, e de novo se perde, onde quer que rejeite a doutrina cris­tã, da Cruz.

O "cristão sofredor" é "um criador de valo­res", como escreve o Pe. Svoboda, numa carta aos doentes. "E' à dôr, que devemos o benefício de fa· zer-nos conhecer a nós mesmos", escreve um filó­sofo francês. (121) Efetivamente, a dôr revela as mais interiores profundezas da alma, mas isto, do mesmo modo como também a auxilia, para uma mais profunda vida interior.

Sôbre os leitos de sofrimento amadurece, real­mente, muito mais vêzes, um heroísmo muitíssimo maior e uma grandeza moral muito mais imponente, do que na vida de muito homem sadio que vai levan• do a vida, de um dia para o outro, entre a saturação farta e chá e a despreocupação. A virtude cuja prá· tica se torna, com o tempo, a mais düícil possível, é a paciência; guardá-la inquebrantável, no sofri­mento e na cruz, na dôr e nos gemidos, é um heroís· mo, em dóse gigantesca.

Fala-se hoje tanto de ação católica, e todos são para ela concitados pelo Santo Padre; é dever de to• dos nós coadjuvar na recristianização do mundo. Mas, a êste católico movimento, é preciso associar­se o católico sofrimento, visto que Cristo não so· mente pela sua ação teândrica redimiu o mundo, mas, principalmente, pela sua amarga Paixão e Morte o redimiu. Na estreita união do- Cristo místico, viven­te em nós, um notável .papel a desempenhar, no so­frimento católico, compete aos enfermos, que agora, e realmente, têm a completar, em seu próprio cor­po, o que ainda falta aos sofrimentos 4e Cristo ; sua partilha, na recristianização da humanidade é, se­gundo o modêlo do Cordeiro de> Deus, a de viver a Paixão dolorosa.

Há, finalmente, ainda uma parte importante, no apostolado da dôr: o sofrer pelos outros, o sofri­mento de reparação, para o qual o Santo Padre nos

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convidou por uma endclica (122). Considerar, dêste modo, doenças e dôres, não só como penitência e castigo dos próprios erros e pecados, mas também como expiação dos �rros alheios e delitos que a hu­manidade sadia comete contra o Criador, significa seguir bem de perto o Salvador padecente, o qual (e êle aliás unicamente como expiação pelos outros pô­de aplicar sua Paixão) tomou na sua Cruz os pecados dos homens de todos' os tempos e regiões . Seria de desejar que êste conceito da cruz encontrasse guarida, junto de todos os enfermos católicos !

Isto são algumas indicações, para uma avaliação católica, do sofrimento ; são uns estímulos e auxílios, que podem contentar a um católico sofredor. Mas, igualmente, são pensamentos diretivos, que precisam ser introduzidos no quarto de todo enfêrmo católico, para que o lugar do seu sofrimento se torne imagem do Calvário.

E a pessôa que estiver compenetrada dêste pen­samento, e nêle vir a solução do problema da dôr, só com santo respeito penetrará num quarto de doente e, unicamente com verdadeira comoção es­piritual, prestará aos enfermos seus desvelos ; tal pessôa, com alegria e abnegação, prestará seus ser­viços e trabalhará no reerguimento dos doentes, pois a maioria das doenças hão de ser, apenas, uma passageira visitação de Deus.

6 - Sóbrio trato do corpo O trato do corpo e cultura física, considerada

como habilitação do corpo no interêsse da alma, torna-se uma questão de moral.

Sob êste aspecto, é dever conservar o asseio do corpo. Desasseio que resulta em prejuízo da saúde, é não somente desmazêlo, mas também um pecado.

A êste respeito, diz acertadamente um antigo es­critor eclesiástico, do quarto século : "Banhar o cor­po, é bom e condizente com a castidade . . . pois, se a alma estiver purificada pela luz da sabedoria, ela

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tomará, igualmente, o necessário cuidado, inspirado e puro, de que também o elemento exterior, sua pró­pria carne, seja limpa". (123) :Este trato higiênico precisa dispensar-se a tôdas as partes do corpo. So­mente um tôlo receio, ou deplorável ignorância, po­d�ria julgar eximidas disto certas partes do corpo.

Do mesmo modo, existe o dever de uma sufi­ciente recreação, cada vez que as fôrças do corpo, devido a trabalhos estafantes, se esgotarem, preci­sando refazer-se. Austeridades corporais e mortifi­cações, ainda mesmo as de intenções mais nobres, encontram, nisto, suas limitações.

Uma descabida fúria de trabalho, sem razão coerciva, a destruir as fôrças do corpo, pode tam­bém chocar no quinto mandamento.

7 - O cultivo da beleza Dever-se-ia considerar coisa inofensiva, o real­

çar, de certo modo, a beleza do corpo. Pois também as belas linhas do corpo são uma dádiva do Cria­dor, as quais podem ser reconhecidas e afirmadas. Mas, bem entendido, a formosura deveria ser a res­plandecência da beleza, ainda maior, da alma, como · bem opina o poéta teutônico, Vitor Buchgraber (124), na sua poesia "A uma bela senhora":

D e tua beleza, o teu andar é dom I Guardo-as, que as sabes, as riquezas tuas I Dêste fulgor, já que és assim dotada,

Como um dever sempre o trarás, precioso I Traze-o, contudo, qual preciosa eolsa

- Multo frangível - que em prudentes mãoa,

A gente traz ! . . .

Do espêlho teu, a luminar lisura,

Turvar não deixes, na poeira vã,

E a jaça Impura de tuas próprias culpas I

Um templo, o corpo I nunca seja máacara !

E já Que Deus assim te faz mais linda,

Sê Jinda nalma I e aempre, então, serás !

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A quem contempla um corpo bem formado, in­teressa-. porém, ainda hoje, as palavras, já lança­lh.s por S. Clemente de Alexandria ( + 217) : "Quem coatempla a bele/za, mirando-a com uma vontade carnalmente pecaminosa, endeusando a carne, será condenado. Quem, entretanto, a olha com casto amor, achará linda, não a carne, mas a alma ; e achará, no corpo, uma como estátua, pela qual, auxi­liado do artista, se eleva à beleza ideal". (125) .

Tôda beleza e faceirice, numa pessôa vã e sem coração, faz lembrar a dura comparação da Escritu­ra: "Mulher bela, mas fátua . . . argola de ouro, no seu nariz !" (126) .

E' claro que um realce de beleza não é lícito, quando inspirado em intenções de caráter sexual. No mais, é lícito combinar, com o talhe, e a côr da pele, o corte e a côr do vestido, e fazer alguma me­lhora na pele, com o arminho do pó-de-arroz. Pode­se conceder também a conveniência de um certo tra­to ameno do corpo, com 'reparados modernos, co­mo com água-de-colônia, e-�cosméticos. Naturalmen· te, não é lícito exceder os limites do natural, do conveniente, do decoroso.

Será lícita a intervenção cirúrgica, por motivo de embelezar o corpo ? Na revista "Medizinische Welt" (Mundo médico), o dr. Hildegard Wulle (127) propõe-se a respondê-lo. Caso esteja a operação rela­cionada com um fim curativo, pode o médico execu­tá-Ia. Estão nêste caso, por exemplo, deformações da arcada bucal, saliência do maxilar, etc., porque tais· defeitos dificultam a mastigação. Podem ser cor­rigidas, pela cirurgia, as deformações oculares que trazem defeito de visão, bem como deformações mórbidas nasais e a falsa conformação dos pés. Mes­mo as operações de seios podem contar com fins, não somente, embelezadores: um volume muito exagera­do dos seios pode éausar morbidez de porte, e até defeitos cardíacos e respiratórios, e inflamações da

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pele. Muita gente sofre acabrunhamentos de inferio­ridade, só por ter de arrastar consigo qualquer de­feito físico exterior, mormente na juventude, o que, -além do mais, dificulta, não pouco, as perspectivas ·de casamento. Não se pode censurar o empreendi­mento de uma operação que conseguir encorajar uma -pessoa jovem e possibilitar-lhe um feliz matrimônio. 'Vale isto igualmente quando, por uma correção or­topédica levada a efeito por exemplo no nariz ou na orelha, se possibilitar a uma pessoa a sua ascen­·ção numa carreira profissional, por exemplo de mo­·dista, ou numa carreira em que, devido ao valor re­presentativo, muito contribuir um lamentavel de­feito exterior. Portanto, para uma operação ortopé­.dica, que não ameaçar a vida ·e a saúde, poder-se-á, com certa facilidade, encontrar justificação. Repro­váveis seriam tais operações, se fôssem executadas sem motivo, ou só por vaidade, ou até na intenção de, tanto melhor, "agir" sôbre o outro sexo .

Mas, bem entendido, tôda mutilação do corpo é condenável, e não pode harmonizar-se com o con­ceito cristão do corpo humano. Mutilar o corpo, de­-ve ser considerado, até, corno crime perpetrado con­tra a mais preciosa criatura material de Deus . Arro­lam-se aqui certas vestes dos tempos idos, aperta­díssimas, arrochadas, defotrnantes, corno também quaisquer vestes contrárias às leis mais elementares da higiene. Muitas "artes" de toucador, com que as damas do mundo pensam adaptar os seus vultos ao moderno ideal de beleza, as senhoras católicas pre­cisam rejeitar. Certas drogas cosméticas de nossos dias precisam não ser permitidas, mórmente porque apagam a natural frescura; precisam ser vistas co­mo um sinal de cultura decadente. Se o verniz das unhas, em vermelho, verde, marrom, concorre para o adôrno da mulher, eu não sei. Só uma coisa sei, com certeza, e é que, corno escreve Hans Rost, "bem envernizado ficaria o rapaz, cujo coração precisasse admitir, no seu lar, urna tal planta envernizada".

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Ouçamos, ainda, a palavra vivaz de um São Jerônimo, numa carta a Marcela: "Para olhos cris­tãos, precisam ser objeto de horror aquelas donas que, com rouge e variadas drogas, pintam cara e olhos ; suas fisionomias, aparentando gêsso, defor­madas pela forte pintura, têm o efeito de máscaras fantásticas. Corra uma vez alguma lágrima impre­vista, e deixará, escoando, um sulco. A contagem das primavéras não pode convencê-Ias de que já são mu­lheres velhas. De cabelos alheios, amontôam-se penteados, e esticam suas peles, na .intenção de res­tabelecer a passada juventude. Andam, enfim, de passinhos, trêmulas à fraqueza da idade, em tôrno uma chusma de netos, como se foram mocinhas . . . ,. Logo, vale sempre o provérbio : Nada de novo . . .

O guia mais seguro no assunto há de ser um bom­gôsto, unido a um fino tato e sentimento para com tudo que fôr conveniente e decoroso. Uma nobre dis­crição é, também, a mais eficaz proteção da mulher.

Além disto, as despesas de tais recursos de bele· za devoram fabulosas somas de dinheiro do nosso povo. E, mais ainda, não são drogas sempre inofen­sivas. Por estas razões, parece que se levanta, no­mundo inteiro, uma reprovação aos exagêros d a "maquillage".

No Reich alemão, já se averiguára, em 1932, que 30 milhões de marcos eram entregues anualmente, em Paris, em trôco de batons de toucador. Nos Es­tados Unidos, as despesas dêste gênero foram avalia­das em 50 milhões de dólares. O presidente Roosevelt aconselhou as americanas a que gastassem, em leite e pão, para os seus filhos, ou para os filhos neces­sitados, de outrem, o dinheirQ.,__ empregado em drogas no�ivas, de �e�eza. Na ChiJ_ta "''� Japão, é .expres­samente proibida a "maqulllage, . --Na Ungna e na Bulgária, foi proibido às empregadas, apresentarem­se pintadas no local de seu trabalho. A rainha Mary, da Inglaterra, só com desagrado via as damas apre­sentarem-se, nos bailes da côrte, com faces coloridas

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e sobrolhos raspados; suas filhas e nora desprezaa tais artifícios. Em muitos países, também doutores e doutoras, da classe médica, inauguraram uma campa­nha contra êste mau costume, e em brochuras e palestras expuzeram suas nocivas consequências. Realmente, em tôda parte do mundo, os cosméticos e batons têm feito numerosas vítimas, devido ao al­vaiade e a escamas de peixe apodrecido. Infelizmen­te, desde o "Edito da Pintura", do Imperador Au­gusto, e as severas instruções do Imperador José 11� sempre se tem visto ser baldado o combate, visto que muitas mulheres pensam poder aparentar, por meio do retoque, beleza e juventude, onde não exis­tem ; ou, quando existam, melhorá-las. Será que as moça� de hoje ficarão de melhor aviso ?

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E P I L O G O A atitude dos homens, para com seu corpo,

:apoiada e mantida de vários modos, pelas religiões, tem balanceado sempre entre dois extremos: Entre o epicureísmo, que fazia do corpo um centro, um fim, um deus; e entre as idéias de várias correntes espiritualistas, hostis ao corpo, que viam no orga­nismo a fonte do mal, e consideravam, por isto, o

-corpo, como propriamente o inimigo da humanida­de. A doutrina católica dá ao pêndulo o acertado lu­gar de repouso, trá-lo exatamente ao devido lugar de parada. Nem como deus, nem como objeto de in­terêsse primordial, devemos encarar o corpo; -- mas tão pouco êle equivale a uma obra do demô­nio, à incarnação do mal. Logo, é vedado nimbá-lo com gloriólas de divino e incondicional, ao qual se devam reconhecer todos os direitos imagináveis, co­mo também êle não é essencialmente nenhum ins­trumento das tenebrosas potências infernais que, por êle, queiram somente penetrar na alma humana. Há no universo valores de ordem superior à do cor­-po humano, o qual, entretanto, representa o mais subido valor, entre as coisas puramente materiais .

'No ambiente terrenal, o Reino de Deus ocupa o ápi­ce de todos os bens - com a sua finalidade essen­cial de salvamento da alma imortal do homem, a qual mais tarde, e com ela também o corpo, há de subir à eterna glorificação. No Reino de Deus, em seu centro, está o cristão constituído como um ser cor­poral e espiritual. Ao Reino de Deus, pois, na terra,

precisa o nosso corpo sujeitar-se, com todos os seus instintos ; precisa ordenar-se, segundo as leis dêste .Reino, dêste Reino do Céu, e a elas subordinar-se.

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No Reino de Deu8, compete ao corpo u-.a h-a­ção servil, e não senhoril. :21e está ao serviço da

consecução da mais alta finalidade do gênero ha­mano sôbre a terra: a multiplicação e a consolida­ção do Reino de Deus, neste mundo, e a salvação da alma humana, no outro. A palavra "servo" não é ''coisa" ou cega escravidão. :f!:le pode fazer valer seus direitos e exigir o que, por vontade do Criador, lhe competir. Pois também a seu respeito é válido, que o operário merece a remuneração, E' preciso tri-­buir-lhe tudo o que exigirem as suas justas preci­sões. Mas também é preciso que com isto êle se con­tente. Os prazeres e contentos ocultos na racional satisfação de seus desejos, podem ser-lhe proporcio­nados, e, dentro da ordem moral, êle pode desejá-los, . como, por exemplo, os prazeres da alimentação ou do casamento. :f!:les são, aliás, · acréscimos, intencio-­nalmente dados pelo próprio Deus. Mais longe, en­tretanto, é ilícito avançar. Bom carregador, o ju­mento o é sem dúvida ; guia é que não pode ser. As­sim, da alma, o corpo é um bom servidor e admirá-­vel auxiliar, que_ há de ajudá-la numa ascensão bem alta, ao céu. E visto que êle provém da sabedo­ria infinita de Deus, nem mesmo é possível imagi­narmos um melhor ajudante da alma, na atual ordem universal. Como senhor, entretanto, êle não serve ; êle arruína a vida verdadeira, pois arrasta o homem para fóra do seu mais santo e eterno fim. Tempos ­d e exaltações d o corpo têm sido sempre tempos de · incúria do espírito. Sempre, e em tôda parte, onde· as proezas do corpo, com refugo das coisas da alma, tem sido celebradas triunfalmente, apresentadas co­mo o mais subido valor, onde a fôrça muscular, a flexibilidade, a velocidade, são postas acima das­aptidões espirituais e morais, lá vemos o espírito aproximar-se da extinção, e, com isto, a cultura to­mar o caminho ·do descendimento. Isto é um sinal infalível, de ter a humanidade perdido o sabor do que é espiritual - a alma de tôda cultura, a cultura da alma . . . morreu . A apoteóse da fôrça bruta, em

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qualquer forma que se mostre, oprime sempre mais � e�pírito.

Isto constitúe um perigo, que de tempos em tem· .pos irrompe na História, e que mais de perto ameaça o mundo masculino. O "sexo forte" gosta de fazer gravitar sua fôrça em tôrno do elemento corporal . Capacidade corporal, a começar do recordismo no esporte, até à capacidade sexual, tem sido exaltada como fruto da virilidade. O "herói" da atualidade é o homem da musculatura. Com aptidões corporais, podem-se lograr êxitos, hoje, que estão aos olhos de todo o mundo . Disto jaz o homem todo, literalmen­te, absorvido, e seu interêsse totalmente arrebatado. A "animação" para com muita espécie de esportes e esportistas, encobre assustadoramente a "desanima­ção" dos nossos tempos, e conduz a uma sempre maior "desespiritualização" dos homens de hoje. Mas . . . dizer que seria glorificado, da mesma fór­ma, um sábio que, após gr.andes canseiras e pesqui­l!as, tenha descoberto um remédio contra a peste do cancro . . . do mesmo modo como se leva em triunfo a muito temerário "crack" . . •

Isto é inversão da ordem de Deus . Não é o ho­.mem espiritual, que precisa ser alijado ao rebaixa­mento do homem carnal, mas é o corpo, que precisa submeter-se, como servo fiel, ao serviço da alma. O arrebatamento, provocado por sucessos de trainings

-e proezas corporais, e a incessante preocupação do homem, com tais coisas, é uma degeneração, da nos­sa melhor parte, uma destruição do ajustamento, no nosso ser - "Anima symphonialis est et symphoni­..zans", dizia o da Idade-Média, "a alma é uma har­.monia em si, e também harmonizante". A verdadei­ra justa medida do ser humano precisa repousar no espiritual, e do espiritual precisa desenvolver-se. 'Tôda acrobacia de músculos e pescoços, toda expo­.sição espetac�;.�lar de flexões e librações, com lindas .formas de corpo, com humilhação da alma, que tudo -vivifica, tudo forma, é um naufrágio do homem, de

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sua grandeza, haurida de Deus, e é perdição de si mesmo naquilo que, não sendo seu destino, não é, por isto, também o de Deus nosso Pai . Não o endeu­samento do corpo é a tarefa do homem sôbre a ter­ra, mas a glorificação de Deus, para o que o corpo humano tem de trazer o seu quinhão. O que o cris­tianismo ensinou a respeito do corpo humano, isto pessoa alguma, antes dêle, ou de parelha, jamais en­sinou. �le é focalizado, na mais estreita relação para com o Senhor Deus, o Bem Supremo : �le é uma criatura de Deus, um membro de Cristo, um templo do Espírito Santo, uma habitação da Santíssima Trindade; êle, assim como a alma, é destinado para a eternidade ; o ponto final do corpo do homem não está, pois, na terra, mas no céu.

Por isto, não se pode estabelecer melhor divisa, para delimitar a atitude do cristão para com o seu corpo, do que o fez S. Paulo, escrevendo aos Corín­tios: "Glorificai, e comportai Deus em vosso cor­po !" (128) Estas palavras da revelação encerram uma incumbência que Deus nos fez. Também o cor­po precisa conduzir-nos para Deus. E todo desvêlo, todo trato e cultura, que dispensarmos ao corpo e suas faculdades, hão de ter para nós um sentido cristão, unicamente quando nos habilitarem, a che­gar para mais perto de Deus, nosso último destino e fim.

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N O T A S 1 - Russel Bertrand, Ehe und Moral, Mflnchen 1930,

S. 31 f.f .. 2 - Adam Karl, Jesus Christus und der Gebt unserer

Zeit, ein Vortrag. Augsburg 1935, S. 7.

3 - So ist die neue Frau. Hellerau 19ll9, S. 65.

4 - Scheffler Carl, 'Del" oeue Mensch, Leipzig 1932,

S. 139.

5 - Genes. 1, 31 . 6 - I Tim. 4, 3-5. 7 - I Kor. 6, 15 . 8 - Koloss. 1, 24.

9 - Das Wesen des Katholizismus, 7 . AU!fl., -Düssel-dorf, 1934, S. 191 f.

10 - 2 Kor. 4, 11-12.

11 - 1 Kor. 6, 19.

12 - Bei ,Müller Dr. Josef, Das seiuelle Leben der Võlker, 3. Aufl., Paderborn 1935, S. 235 ..

13 - Joh. 14, 23. 14 - 3, 20, 21 . 15 - Job. 6, 55 .

16 - Der letzte Gott, Stuttgart und Berlin 1933. S. 147.

17 - Jesus Christus, Augsburg 1936, S. 107.

18 - 118, 109.

19 - Linus Bopp, Zeitstil der Seelsol'lge, iFreiburg 1934, S. 29.

20 - 1 Kor. 15, 42. 21 - Harns Dl"iesch, Die sitUiche Tat, Leipzig 1927,

S. 76. 22 - c. 2351 . 23 - c. 1240.

Vosso Corpo é Sagrado 7 97

2-1 - Walter ·Franz, Die Eutharnasie urnd die Heilig­keit des Leberns, München 1935, S. 65 ..

25 - Vgl. Jone Dr. Heribert, Kathollsche Moraltheo­logie, 3 . Aufl., Paderborn 1931, S. 81 f ..

26 - Fassbender ·in Zeitschrift für Aszese und MYI!.­tik, 1935, 3, 166.

27 - Ruland L., Die Euthanasie, 3 .. Aufl., Paderborn 1935, S. 3 .

2 8 - Bind·ing-Hoehe, iDie Freigahe der Vernichtnng lebensunwerten . Lebens, ihr Mass und ihre Form. Leipzig 1920.

29 - V gl. Zwemer Samuel, The origin of :religion, Nash-ville, USA., 1935, S. 224.

30 - Kautzky Karl, Soziale Hygiene -der Frau, Prag o. J. S. 27.

31 - Dõlger Fra:uz Josef, Antike und Christentum, IV, 1, S. 32.

32 - Schmitt Albert, Um das Leben der Ungebore­nen, Linz, 1931 S. 6 ; hei Frelsen, Empfãugnisverhütung und Fruehtabtreibung, Innsbruck 1932, S. 11.

33 - Mann und Weib nach d.em biologischen Welt­bild des hl. Thomas und dem der Gegenwart, Zeitschrift für katholische Theologie, 57. Jg. (1933), S. 606.

34 - The creation of the human j!Oul, New-York, 1933 .

36 - Der Fels 1932/33, S. 428. 36 - Hochland, Dezemher 1934, S. 199. 37 - Volk und Rasse, September 1935, ·S. 281 . 38 - Welty Eberhard, Gemeinschaft und Einzel­

mensch, 2 Aufl. Salzburg-Leipzig 1935, S. 302 ff. 39 - Volk und Rasse, September 1935, S. 274 f. 40 - V gl. dazu Schmitz Peter, Di e modernen euge­

ll!ischen Bestrebungen in theologischer und 5oziologis­cher Beleuchtung, � Aufl., Tyrolia, I!Ulsbruck-München­Witm 1934.

41 - V.gJ. Allers Rudolf, Sexualpãdago�, Salzburg 1934 S. 141 ff.

42 - Dr. Kunzle bel Anton Klotz, Documen.te . . . Innsbruck-München-Wien 1932, S. 81 .

43 - Müller Dr. Josef, a. a. O., S. 189.

98

44 - Die sexuelle Not u.nserer: Ju.gend, Leipzig o. J. S. 36 . .

45 - Fischer Ernst, Krise der J.ugend, Wi.en-Lelpzlg 1931, S. 41 .

46 - Vgl. Um Sitte und Sittlichkeit. Katholische Schulorganisation 1926, S. 23 u. 95 ff.

47 - ·Die Fmuenmode der Gegenwart, eine medizl-

nisch- psychologische Studie, Ber:lin und Kõln 1927, S. 11. 48 - a. a. O., S. 3, 4. 49 - a. a. 0., S. 8. 50 - a. a • .O., .s. 10. 51 - a. a. O., S. 14. 52 - Sittlichkeit und Badewesen, Kõln 1930, S. 9 f. 53 - Vgl. die Schrift " Strandbãder, ist's denn wirk-

lich so �chlimm, Kinderseelen klagen dich an", Katholi­scher Tatverla:g, Kõln 1930.

54 - Mausba.ch, a. a. O., S. 29. 55 - a. a. 0., S. 25 , 5 6 - Mausbach, a. a . O ., S . 31. 57 - Schõffer Carl, Das Recht auf den elgenen Kõr­

per, Berlin 1926, S. 14. 58 - Die Ehe, Innsbruck-Wien-München 1935 S. 111. 59 - Scheffler Carl, det: neue Mensch, Lelpzig 1932.

S. 120. 60 - a. a. 0., S. 122. 61 - V gl. dazu Duynstee-Hehemann, Das 11echste Ge­

bot illll modernen Leben, lmlsbrw:k-Wien-Mün.chen 1934, S. 96 f.

62 - Revue anthropologique, 1935, S. 235. Ein Jahr­buch der Seele, 1. Jg. 1919, S. 112.

63 - Wexberg Erwin, Ei.nführung in die •Psyehologie des Geschlechtslebens, Berlin 1930, S. 83 .

64 - Wie die Frau den Mann 1!rlebt, Leipztg-Wien 1931, S. 268.

65 - Geis.t und Sitte im Geschlechtsleben, Wlen­Leipzig o. J., S. 24.

66 - Ehe und Moral, elne Sexualethlk. Milnehen 1930, S. 62.

67 - Theilhaber Dr. Fe14 A., Dle !JDeiD.sehliehe Llebe, Berlin 1928, S. 16.

7 *

68 - 1 Ror. 7, 32-34. 69 - .Saras-in Fmtz, Dle A.nschau.ungen der Võlker

über Ebe und Jnnggesellentum, Ba·sel 1�34. 70 - a. a. O., S. 45. 71 - Feldegg a. a. O., S. 34. 72 - Fischer a. a. O., S. 69. 73 - Bei Meyer Dr. A., Geda.nken zur modernen Se­

xúalmoral, Stuttgart 1930, S. 63. 74 - Die �Lttlich.e Tat, Leipz!,g 1927, S. 186. 75 - So der Heransgeber de5 Marriage Hygiene, ·u

(Au.gust 1935) 1, S. 9 f. a. a. O. S. 45 . 7 6 · - Vgl. Sochmitz Peter, Die Mission des Artztes an

Ehe UD.d Familie, Linzer Q.ua-rtalscbrift 1935, 4, 724. 77 - Hope Dr. med., ,seelische nnd ·nervõse Sexuallei·

den bel M,a,n,n und Frau Sl()Wie deren Heilung, Hannovei' 1930, S. 24.

78 - a. a. O. S., 25. 79 - me ·sittlicbe Tat, ·Leipzlg 1927, S. 67 . 80 - Cc. 1081 . 81 - Cc. 55. 82 - Cc. 57. 83 - Cc .. 60. 84 - F. J. Mac Cann, Empfãng.nlsverhO.tung ais

hii.nfige Ursache von Krankheite.n, Limbur.g 1933; Kar­ner, Die fruchtha.ren und UJDt'rw:htharen Tage de!' Frau. Wie.n 1935, S. 64.

85 - Cc. 22. 86 - Beta:zzi Rudolf, Keusches Ebeleben, Mahnwort

an cbristliche junge Ehemãner. Aus dem Ltallenischen sinngemãss übersetzt von P. Thomas Vl.llanova Gerater, Turin-Rom 1934, S. 7ó.

87 - 6, 13. 88 - CJC. c . 1240. 89 - 1 Kor. 15,·42--44. 90 - Vgl. Behn SLegfried, Das Ethos der Gegenwart,

BolllD 1934, S. 6 . 9 1 - Ruland L., Die Euthanasie, 3 . Au.fl., Paderborn,

S. 5 . 92 - Zimmer:mann Otto, S . J. Lebrbuch der Aszeti.k,

Freiburg 1929, S. 404.

100

93 - a. a. ó. 94 - Rom. 12, 1 . 9 5 - Fest des beil. Petrus von Alk.ant.ara, 1 9 Oktober. 96 - Altchristliches Lebensideal und neuzeitlich-

hygienil:lche Lehensreform, 1n Zeitschrüt für Aszese und Mystik, 1935, S. 178.

97 - Fassbender, a. a. O., S. 181 . 98 - Vgl. z. B . Dr. F. Parkers-Weber, Gedankeh

eines A·rztes über Seele, Natur und Gott, Stuttgart 1933 . 99 - CJC. c. 1113. 100 - Lateinisch-deutscbe Herderaus,gabe, S. 49. 101 - a. a. 0., S. 79. 102 - 2 Kor. 4, 1 1 . 103 - a . a . O., S . 36. 104 - Wien Alfred, .Oie Stadt in Qen Wolken, Braun­

.schweig 1933, S. 177. 105 - Lenhart Dr. Ludwig, Seelennot und Lebensen­

ge, Madnz 1933, S. 311 . 106 - Sta!nley Jones, Cb:rls.tus auf der Bergkanzel,

Bremen 1933, S. 195. 107 - De regimine principum, I, 15. 108 - S. Th. 1, 2. qu. 114, a. 10. 109 - Sirach 30, 16. 110 - PJiil. 3, 12-16. 111 - 1 Kor. 9, 24-27. V. van Venhues, Der�Leib und

sein Recht, Müncben 1930, S. 29, 30 . 112 - Nr. 24, 1933, S. 189. 113 - DJM .. S. 36. 114 - V. van Venhns, a. a. O., S. 27. 115 - Arbeiterwoche, 2 November 1935 . 116 - Stlmmen der Zeit, November 1935, S. 126 . 117 - .Die Leihesübungen der Frau ais bevõlkerungs­

polithches Problem, Zeitschrift für Rassenkunde, 1935, 2. Bd., 2. Heft, iNr. 184.

118 - V gl. die Amlei.tung von M. Kommer in der Reichspost vom 30 April 1933.

119 - .Der Weg des Menschen, elne Philosophie der Moral und des Rechts, Tübingen, 1933, S. 200.

120 - a. a. O., S. 197.

101

121 - Vialle L., Prestige de la douleur, Journal de Psychologie, 1935, Nr. 5-6, S. 360.

122 - Caritate Christi compulsl vom 3 Mal 1?32. 123 - J� Zellinger, Bad und Biider in der altchrist-

lichen Kirche, S. 60, 61. 124 - Reichspost, 29 April 1935. 125 - Bei Müller, Dr. Jos. a. a. 0., S. 243. 126 - Provérbios 11, 22. 127 - Vgl. Schõnere Zukunft, 13 Oktobe� 1935, S. 51. 128 - 1 Kor. 6, 19.

J.02

r N D I C E

Prefaciando

I - A Igreja, Inimiga do corpo humano ? 1 - Erros dos antigos

2 - Erros dos modeMos

Pags. 5

7 8

11 - A quem pertence o corpo do cristão ? 1 - Ao seu autor e criador, a Deus 2 - Pertence a Cristo . . . . . . . . 3 - Pertence ao Espírito Santo . . . . . . 4 - Pertence à Santíssima Trindade

12 13 15 15

5 - Plertence à eternidade . . . . . . . . 16 6 - Pertence à sua alma imortal . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 7 - O corpo humano, na vida da Igreja

8 - Santifioação do corpo

9 - Na arte cristã

111 - O direito sôbre o corpo e a vida

18 19 21

1 - A vida, U!ID dom de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 2 - Atentado contra os direitos do Altís-simo . . . . . • 23 3 - Sanções contxa o corpo e a vida do próximo . . . 25 4 - Pela vida dos não..nascidos 28 5 - A esterilização . . . . . . . . 30 6 - Atropclamentos e desastres 34

IV - Doutrina cristã dos sexos 1 - O pudor

2 - A moda • . . • • . . • • • 3 - O banho promiscuo

4 - O abuso do corpo

103

37 39 41 47

5 - Liberdade perigoSI!\ 6 - Carícias . . • • . . . . 7 - Guarda dos olhos 8 - A vir.gindade . . . . . . . . . . 9 - Casamento e v.irgindade . . . . . . . . .

10 - A sexualidade, llla opinião dos povos 11 - Etica �xual . . . . . . • • 12 - A vida sexual do cristão 13 - Profanação do casamento 14 � Castidade matrimonial . . . . . .

V - O crlstao, e a cultura flslca 1 - R-espeitar o corpo 2 - Amar o COI'liO • • • • • • • • 3 - Ra.cional cuidado do corpo 4 - Esportes . . . . . . . . 5 - Enferonidades1 6 - Sóbrio trato do corpo 7 - O cultivo da beleza

104

Epllogo

Notas

Paga . 49 50 52 54 58 59 59 62 66 68

71 75 78 80 84 86 87

92

97

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