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    O MUNDO COMO ESTiso de Babuc escrita por ele prprio

    Voltaire

    DICE

    RESENTAO

    OGRAFIA DO AUTOR

    MUNDO COMO EST

    PRESENTAO

    lson Jahr Garcia

    Em "O mundo como est" temos o mesmo Voltaire irnico e crtico em relao aos costumes de soca. Contudo, no o sarcstico de outras obras. Foi escrito na fase em que ainda lhe restava certoimismo e algum sorriso.Babuc foi encarregado, pelas divindades, representadas por Ituriel, de observar pessoalmente

    erspolis e apresentar um relatrio para que os deuses decidissem ou no pela destruio da cidade lgavam irremediavelmente contaminada.Em suas observaes demonstra que no possvel distinguir entre defeitos e virtudes como entidtanques e opostas, noo j existente h milnios e recuperada por Hegel e Marx, muito mais tardertulo de "unidade dos contrrios"

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    Aps verificar a destruio e morticnio gerados por uma guerra arrasadora Babuc percebe agenuidade e ignorncia dos soldados que participavam da batalha, inclusive do capito:

    Depois de dar um pequeno presente ao soldado, Babuc entrou no acampamento. Embreve travou conhecimento com o capito e perguntou-lhe o motivo da. guerra.- Como quer que eu saiba? - respondeu o capito. - E que me importa esse belo motivo?Moro a duzentas lguas de Perspolis; ouo dizer que foi declarada guerra; abandono emseguida a famlia, e vou procurar, segundo nosso costume, a fortuna ou a morte, visto quenada tenho que fazer.

    Do lado contrrio da contenda, reforou sua viso de que nenhum dos lados poderia serponsabilizado pelo mal que tinha duas faces:

    Absorto nesses pensamentos, passou ao acampamento dos indianos. Foi ali to bemacolhido como no dos persas, conforme lhe fora predito; mas viu os mesmos excessos que ohaviam transido de horror. "Oh! oh! - exclamou consigo - se o anjo Ituriel quer exterminaros persas, tambm o anjo das ndias tem de exterminar os indianos". Informando-se emseguida, mais detalhadamente, do que se passara em ambos os exrcitos, soube de atos dedesprendimento, de grandeza de alma, de humanidade, que o espantaram e comoveram."Inexplicveis humanos - exclamou, - como podeis reunir tanta baixeza e grandeza, tantasvirtudes e crimes?"

    At mesmo o negociante desonesto mostrou a Babuc outra perspectiva de suas prticas, alis muitmelhante defendida pelos neo-liberais de nossos dias:

    - No h nesta cidade nenhum negociante mais ou menos conhecido - respondeu-lhe ooutro - que no viesse devolver-lhe a bolsa; mas muito o enganaram, dizendo-lhe que eu lhevendera artigos quatro vezes mais caro do que valiam: vendi-os por dez vezes mais. E tantoisto verdade que, se daqui a um ms o senhor quiser revend-los, no obter nem essadcima parte. Mas nada mais justo: a fantasia dos homens que d preo a essas coisasfrvolas; essa fantasia que faz viver cem operrios que eu emprego, ela que me d umabela casa, um carro cmodo, cavalos, ela que anima a indstria, que mantm o gosto, acirculao e a abundncia. s naes vizinhas vendo eu essas bagatelas muito mais caro queao senhor, e assim sou til ao imprio.

    Por vezes Babuc se assusta com a falta de carter:

    Tinham algum conhecimento da misso de Babuc. Um deles pediu-lhe em segredo queexterminasse um autor que no o louvara suficientemente cinco anos atrs. Outro solicitou aperda de um cidado que nunca rira nas suas comdias. Um terceiro pediu a extino daAcademia, porque jamais conseguira entrar para ela. Findo o almoo, cada qual se retirousozinho, pois no havia em todo o grupo dois homens que se pudessem suportar, nemfalar-se a no ser em casa dos ricos que o convidavam para a sua mesa. Babuc julgou queno se perderia nada se toda aquela cambada perecesse na destruio geral.

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    Mais tarde, um sbio mostra um outro lado da realidade:

    - O senhor leu coisas bastante desprezveis - disse-lhe o sbio letrado. - Mas em todas aspocas, e em todos os pases, e em todos os gneros, sempre formiga o mau e escasseia obom. E se o senhor recebeu em casa o rebotalho do pedantismo porque, em todas asprofisses, o que h de mais indigno de aparecer sempre o que se apresenta com maior

    imprudncia. Os verdadeiros sbios vivem entre si, retirados e tranqilos; h ainda, emnosso meio, homens e livros dignos de lhe ocupar a ateno.

    Babuc tambm conheceu uma viso diferente da justia humana:

    Levou-o no dia seguinte ao tribunal, onde devia ser proferida importante sentena. Acausa era conhecida de todos. Os velhos advogados que a discutiam pareciam flutuar nassuas opinies; alegavam cem leis, nenhuma das quais era aplicvel ao fundo da questo;consideravam o assunto por cem pontos de vista, nenhum deles o adequado; os juizes

    decidiram mais depressa do que o tempo que gastaram os advogados em hesitar. O veredictofoi quase unnime; julgaram bem, porque seguiam as luzes da razo, e os outros haviamopinado mal, porque apenas tinham consultado os livros.

    A prola, a concluso que a obra prima do texto: Babuc comprova que no se pode pretender arfeio absoluta do ser humano.

    Eis como se houve para apresentar esse relatrio. Mandou fazer no melhor fundidor dacidade uma estatueta composta de todos os metais, das terras e pedras mais preciosas e mais

    vis; e levou-a a Ituriel.- Destruirias - disse ele - esta linda esttua, porque no toda de ouro e diamantes?

    O texto um de um esplendor potico quase perfeito, preciso senti-lo antes de razoar sobre ele. nialidade no se julga, aprecia-se.

    OGRAFIA DO AUTOR

    FRANOIS-MARIE AROUET, filho de um notrio do Chtelet, nasceu em Paris, em 21 deovembro de 1694. Depois de um curso brilhante num colgio de jesutas, pretendendo dedicar-se agistratura, ps-se ao servio de um procurador. Mais tarde, patrocinado pela sociedade do Templo

    m particular por Chaulieu e pelo marqus de la Fare, publicou seus primeiros versos. Em 1717, acusser o autor de um panfleto poltico, foi preso e encarcerado na Bastilha, de onde saiu seis mesespois, com a Henriade quase terminada e com o esboo do OEdipe. Foi por essa ocasio que elesolveu adotar o nome de Voltaire. Sua tragdia OEdipe foi representada em 1719 com grande xito

    os anos seguintes, vieram: Artemise (1720), Marianne (1725) e o Indiscret (1725).

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    Em 1726, em conseqncia de um incidente com o cavaleiro de Rohan, foi novamente recolhido astilha, de onde s pode sair sob a condio de deixar a Frana. Foi ento para a Inglaterra e a sedicou ao estudo da lngua e da literatura inglesas. Trs anos mais tarde, regressou e publicou Brutu730), Eriphyle (1732), Zare (1732), La Mort de Csar (1733) e Adlade Duguesclin (1734). Datamesma poca suas Lettres Philosophiques ou Lettres Anglaises, que provocaram grande escndalo e

    brigaram a refugiar-se em Lorena, no castelo de Madame du Chtelet, em cuja companhia viveu at49. A se entregou ao estudo das cincias e escreveu os Elments de le Philosophie de Newton (17

    m de Alzire, L'Enfant Prodigue, Mahomet, Mrope, Discours sur l'Homme, etc.

    Em 1749, aps a morte de Madame du Chtelet, voltou a Paris, j ento cheio de glria e conhecidm toda a Europa, e foi para Berlim, onde j estivera alguns anos antes como diplomata. Frederico II

    nferiu-lhe honras excepcionais e deu-lhe uma penso de 20.000 francos, acrescendo-lhe assim artuna j considervel. Essa amizade, porm, no durou muito: as intrigas e os cimes em torno doscritos de Voltaire obrigaram-no a deixar Berlim em 1753.

    Sem poder fixar-se em parte alguma, esteve sucessivamente em Estrasburgo, Colmar, Lyon, Geneantua; em 1758, adquiriu o domnio de Ferney, na provncia de Gex e a passou, ento, a residir em

    mpanhia de sua sobrinha Madame Denis. Foi durante os vinte anos que assim viveu, cheio de glriamigos, que redigiu Candide, Histoire de la Russie sous Pierre le Grand, Histoire du Parlement dearis, etc., sem contar numerosas peas teatrais.

    Em 1778, em sua viagem a Paris, foi entusiasticamente recebido. Morreu no dia 30 de maro dessesmo ano, aos 84 anos de idade.

    MUNDO COMO EST

    so de Babuc escrita por ele prprio

    Entre os gnios que presidem os Imprios do mundo, ocupa Ituriel um dos primeiros lugares, e temu cargo o departamento da Alta sia. Desceu certa manh morada do cita Babuc, margem do Odisse-lhe:

    - Babuc, as loucuras e excessos dos persas atraram nossa clera; reuniu-se ontem uma assemblianios da Alta sia para decidir se se devia castigar Perspolis ou destru-la. Vai a esta cidade, examdo; conta-me fielmente o que vires; e eu resolverei, conforme o teu relato, corrigir a cidade outermin-la.

    - Mas, Senhor - observou humildemente Babuc, - eu nunca estive na Prsia; no conheo ningum

    - Tanto melhor - retrucou o anjo, - assim no sers parcial; recebeste do cu o discernimento, e eurescento-lhe o dom de inspirar confiana; anda, olha, escuta, observa, e nada temas: sers bemcebido em toda parte.

    Babuc montou no camelo e partiu com os seus criados. Ao cabo de alguns dias, encontrou nas

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    ancies de Senaar o exrcito persa, que ia combater o exrcito indiano. Dirigiu-se primeiro a umldado que encontrou sozinho. Falou-lhe, e indagou qual o motivo da guerra.

    - Por todos os deuses - replicou o soldado, - nada. sei. Isso no da minha conta; o meu ofcio mser morto para ganhar a vida; no importa a quem sirva. Poderia at passar amanh mesmo para oampamento dos hindus, pois dizem que pagam a seus soldados, por dia, cerca de meia dracma de cmais do que recebemos neste maldito servio da Prsia. Se quer saber por que nos batemos, fale coeu capito.

    Depois de dar um pequeno presente ao soldado, Babuc entrou no acampamento. Em breve travounhecimento com o capito e perguntou-lhe o motivo da. guerra.

    - Como quer que eu saiba? - respondeu o capito. - E que me importa esse belo motivo? Moro auzentas lguas de Perspolis; ouo dizer que foi declarada guerra; abandono em seguida a famlia, eocurar, segundo nosso costume, a fortuna ou a morte, visto que nada tenho que fazer.

    - Mas os seus camaradas - diz Babuc - no estaro um pouco mais informados do que o senhor?

    - No - responde o oficial, - s os nossos principais strapas que sabem precisamente por que noatamos.

    Babuc, espantado, introduziu-se entre os generais, conquistando-lhes a intimidade.

    - A causa desta guerra que h vinte anos assola a sia - disse-lhe afinal um deles - provm de umauerela entre o eunuco de uma mulher do grande rei da Prsia e um funcionrio do grande rei das ndatava-se de uma taxa que montava pouco mais ou menos trigsima parte de um drico. O primeirinistro das ndias e o nosso sustentaram dignamente os direitos de seus senhores. De ambas as parte

    mou-se um exrcito de um milho de soldados. preciso recrutar anualmente, para esse exrcito, cquatrocentos mil homens. Multiplicam-se os assassnios, e os incndios, as runas, as devastaes

    niverso sofre, e o encarniamento continua. Nosso primeiro ministro e o das ndias protestamguidamente que s se trata da felicidade do gnero humano; e, a cada protesto, h sempre algumasdades destrudas e algumas provncias devastadas.

    No dia seguinte, devido a um boato, que se espalhara, de que ia ser concluda a paz, o general pergeneral hindu apressaram-se em travar batalha; esta foi sangrenta. Babuc assistiu-lhe a todos os errominaes; testemunhou as manobras dos principais strapas, que fizeram o possvel para que o se

    efe fosse batido. Viu oficiais mortos pelas prprias tropas; viu soldados que acabavam de matar osmaradas agonizantes, para lhes arrancar alguns despojos ensangentados, rotos e cobertos de lamantrou nos hospitais para onde conduziam os feridos, cuja maioria expirava, pela desumana neglignqueles mesmos que o rei da Prsia pagava regiamente para os socorrerem. "Sero homens - exclam

    abuc - ou animais ferozes? Ah! bem vejo que Perspolis vai ser destruda".

    Absorto nesses pensamentos, passou ao acampamento dos indianos. Foi ali to bem acolhido comos persas, conforme lhe fora predito; mas viu os mesmos excessos que o haviam transido de horror.Oh! oh! - exclamou consigo - se o anjo Ituriel quer exterminar os persas, tambm o anjo das ndias t

    exterminar os indianos". Informando-se em seguida, mais detalhadamente, do que se passara em

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    mbos os exrcitos, soube de atos de desprendimento, de grandeza de alma, de humanidade, que opantaram e comoveram. "Inexplicveis humanos - exclamou, - como podeis reunir tanta baixeza eandeza, tantas virtudes e crimes?"

    A paz foi firmada. Os dois chefes contrrios, nenhum dos quais alcanara vitria, mas que, em seuclusivo interesse, haviam derramado o sangue de tantos homens seus semelhantes, acorreram sspectivas Cortes, para disputar recompensas. Celebrou-se a paz em ditos pblicos que anunciavamda menos que a volta da virtude e da felicidade face da terra. "Louvado seja Deus! - disse Babuc

    erspolis ser a manso da esclarecida inocncia; no ser destruda, como o queriam esses mesquinnios: corramos sem tardana capital da sia".

    Chegou a esta cidade imensa pela antiga entrada, que tinha um brbaro aspecto e cuja desagradvsticidade ofendia a vista. Toda essa parte da cidade ressentia-se do tempo em que fora construda; pesar da teimosia dos homens em louvar o antigo custa do moderno, cumpre confessar que, em tudprimeiros ensaios so sempre grosseiros.

    Babuc misturou-se a uma multido composta do que havia de mais sujo e feio em ambos os sexos

    ssa multido precipitava-se com ar estpido em um vasto e sombrio recinto. Pelo continuo vozerio ovimento que ali notou, pelo dinheiro que algumas pessoas davam a outras para terem o direito dentar-se, julgou achar-se num mercado onde vendiam cadeiras de palha; mas em breve, vendo querias mulheres se punham de joelhos, fingindo olhar fixamente para a frente e olhando os homens dslaio, compreendeu que estava num templo. Vozes agudas, roucas, selvagens, discordantes, faziambada reboar de sons mal articulados, que produziam o mesmo efeito da voz dos onagros quandospondem, nos campos dos pictvios, trompa de corno que os chama. Babuc tapava os ouvidos; mteve quase a tapar tambm os olhos e o nariz, quando viu entrarem alguns operrios com ferramentgueram uma grande laje, e lanaram direita e esquerda uma terra de onde se exalava um cheirostilento; depositaram em seguida um cadver naquela abertura e colocaram-lhe a pedra em cima.

    Como! - estranhava Babuc. - Ento esses povos enterram os mortos no mesmo local onde adoram aivindade?! Como! Ento os seus templos so pavimentados de cadveres?! No mais me espanto destes que seguidamente assolam Perspolis. A corrupo dos mortos, e a de tantos vivos reunidos eertados no mesmo local, capaz de envenenar o globo terrestre. Porca cidade, esta Perspolis! Sem

    vida os anjos querem destru-la para construir outra mais bela e povo-la de habitantes menos sujoue cantem melhor. A Providncia pode ter l as suas razes: deixemo-la agir".

    Entrementes, o sol aproximava-se do alto da sua carreira. Babuc devia ir jantar no outro extremo ddade, em casa de uma dama a quem levava carta do marido, oficial do exrcito. Deu primeiro vria

    oltas por Perspolis; viu outros templos mais bem construdos e ornamentados, cheios de polida genssoantes de belas harmonias; notou fontes pblicas que, embora mal situadas, agradavam pela beleaas onde pareciam respirar em bronze os melhores reis que haviam governado a Prsia; outras pra

    nde ouvia o povo exclamar: "Quando veremos aqui o senhor a quem queremos?" Admirou as ponteagnficas que atravessavam o rio, os cais soberbos, cmodos, os palcios erguidos de um lado e out

    m edifcio imenso onde, cada dia, velhos soldados feridos e vencedores rendiam graas ao Deus dosrcitos. Chegou enfim casa da dama, que o esperava para jantar, em companhia de distintas pessocasa era limpa e ornada, a dama jovem, bonita, agradvel, atenciosa, a companhia digna dela; e Bazia consigo a cada instante: "O anjo Ituriel zomba do mundo em querer destruir uma cidade tocantadora".

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    Notou, entretanto, que a dama, que comeara por lhe pedir ternamente notcias do marido, falavanda mais ternamente, no fim da refeio, com um jovem mago. Viu um magistrado que, em presenmulher, assediava vivamente a uma viva; e essa viva indulgente enlaava com uma das mos oscoo do magistrado, enquanto estendia a outra a um jovem cidado muito bonito e modesto. A mu

    o magistrado foi quem primeiro se ergueu da mesa, para ir falar, num gabinete vizinho, com o seuretor, que chegara atrasado e a quem haviam esperado para jantar; e o diretor, homem eloqente,lou-lhe, naquele gabinete, com tanta veemncia e uno, que a dama tinha, ao voltar, os olhos mid

    faces vermelhas, o passo inseguro, a voz trmula.

    Ento Babuc comeou a recear que o gnio de Ituriel tivesse razo. O seu dom de atrair confiana-lo conhecer no mesmo dia os segredos da dama; confessou-lhe esta a sua inclinao pelo jovem massegurou-lhe que, em todas as casas de Perspolis, encontraria o equivalente do que vira na sua. Bncluiu que uma sociedade assim no poderia subsistir; que o cime, a discrdia, a vingana, deviamsolar todos os lares; que todos os dias deviam correr lgrimas e sangue; que sem dvida os maridoatariam os gals de suas mulheres, ou seriam mortos por estes; e que enfim Ituriel fazia muito bem struir de uma vez por todas uma cidade entregue a contnuos desmandos.

    Achava-se mergulhado nessas funestas idias quando se apresentou porta um homem grave, deanto negro, que pediu humildemente para falar ao jovem magistrado. Este, sem se levantar, sem olhra ele, deu-lhe altivamente, e com um ar distrado, alguns papis, e despediu-o. Babuc indagou quea aquele homem.

    - um dos melhores advogados da cidade - disse-lhe em voz baixa a dona da casa. - Faz cinqentos que estuda as leis. O magistrado, que tem apenas vinte e cinco anos e que strapa de lei apena

    ois dias, encarrega-o de fazer a smula de um processo que deve julgar, e que ainda no leu.

    - Esse jovem estouvado faz muito bem - disse Babuc - em pedir conselho a um velho; mas por quo esse velho o juiz?

    - O senhor est brincando - retrucou a dama. - Os que envelheceram em empregos laboriosos ebalternos jamais atingem s dignidades. Esse jovem exerce um alto cargo porque o seu pai rico, eui o direito de distribuir justia compra-se como um terreno.

    - costumes! desgraada cidade! - exclamou Babuc. - Eis o cmulo da desordem. Os que assimmpraram o direito de julgar, com certeza vendem os seus julgamentos. No vejo aqui seno abism

    iquidade.Como assim externasse a sua dor e surpresa, disse-lhe um jovem guerreiro, que chegara naqueleesmo dia do exrcito:

    - Por que no quer o senhor que se comprem os cargos da justia? Quanto a mim, comprei o direitrontar a morte frente de dois mil homens que comando; desembolsei quarenta mil dricos de ourote ano, para dormir por terra trinta noites seguidas, e receber dois belos flechaos de que ainda messinto. - Se me arruino para servir ao imperador persa, a quem nunca vi, o senhor strapa de toga puito bem pagar qualquer coisa para ter o prazer de dar audincia a litigantes.

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    abuc, indignado, no pde deixar de condenar, no intimo, um pas onde se punham em leilo asgnidades da paz e da guerra; concluiu precipitadamente que ali deviam ignorar de todo a guerra e ais e que, mesmo que Ituriel no os exterminasse, pereceriam por obra da sua detestvel administra

    Sua m opinio agravou-se ante a chegada de um homem corpulento que, depois de saudarmiliarmente a toda a companhia, se aproximou do jovem oficial e disse-lhe: "S lhe posso emprestnqenta mil dricos de ouro, pois, na verdade as alfndegas do imprio apenas me renderam trezen

    il este ano". Babuc informou-se sobre quem era aquele homem que se queixava de ganhar to poucube que havia em Perspolis quarenta reis plebeus que arrendavam o imprio da Prsia, e que davaguma coisa ao monarca.

    Foi depois a um dos mais soberbos templos da cidade; sentou-se em meio a um grupo de mulhereomens que ali tinham ido passar o tempo. Num elevado balco apareceu um mago, que faloungamente do vcio e da virtude. Esse mago dividiu em vrias partes o que no tinha necessidade devidido; provou metodicamente tudo o que era claro, ensinou tudo o que se sabia. Apaixonou-se a friu suando e sem flego. Toda a assemblia ento despertou e julgou ter assistido a uma instruo. "

    m homem - disse Babuc - que fez o melhor que pde para aborrecer a duzentos ou trezentos de seusncidados; mas a sua inteno era boa e por isso no h motivo de destruir Perspolis". Ao sair dessemblia, levaram-no a ver uma festa pblica que era celebrada todos os dias; era numa espcie deslica, ao fundo da qual se via um palcio. As mais belas cidads de Perspolis, os mais considervtrapas, colocados em ordem, constituam um espetculo to belo, que Babuc julgou a princpio queuilo era toda a festa. Duas ou trs pessoas, que pareciam reis e rainhas, apareceram logo no vestbuquele palcio; sua linguagem, muito diferente da do povo, era medida, harmoniosa e sublime.ingum dormia, todos escutavam em profundo silncio, apenas interrompido pelos testemunhos densibilidade e admirao. O dever dos reis, o amor da virtude, os perigos das paixes, eram expresso

    m tiradas to vivas e comoventes, que Babuc rompeu em pranto. No duvidou que aqueles heris e

    ronas, aqueles reis e rainhas que acabava de ouvir, fossem os predicadores do imprio; props-se,duzir Ituriel a que viesse ouvi-los, certo de que tal espetculo o reconciliaria para sempre com a cid

    Terminada a festa, quis ir visitar a principal rainha, que declamara naquele belo palcio uma moraobre e to pura; fez-se apresentar a Sua Majestade; levaram-no, por uma estreita escada, a umartamento mal mobiliado do segundo andar, onde encontrou uma mulher mal vestida, que lhe dissem um ar nobre e pattico: "Este ofcio no d para viver; um dos prncipes que o senhor viu me fezho; em breve vou dar luz; no tenho dinheiro, e sem dinheiro no se pode ter filhos". Babuc deu-m dricos de ouro, dizendo consigo: "Se no houvesse seno esse mal na cidade, Ituriel no teria ra

    incomodar-se tanto".Dali, foi passar a noite no estabelecimento de uns vendedores de magnficas bagatelas, aonde o le

    m homem inteligente com quem travara relaes. Escolheu o que lhe agradou, e que lhe venderamolidamente por muito mais do que valia. Seu amigo, na volta, fez-lhe compreender como o haviamganado. Babuc inscreveu nas suas tabuinhas o nome do negociante, para indic-lo a Ituriel no dia d

    unio da cidade. Enquanto escrevia, bateram-lhe . porta: era o prprio negociante que vinha trazebolsa que ele havia esquecido sobre o balco.

    - Como se explica - estranhou Babuc - que o senhor se mostre to fiel e generoso, quando no tev

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    rgonha de vender-me bugigangas quatro vezes acima do seu valor?

    - No h nesta cidade nenhum negociante mais ou menos conhecido - respondeu-lhe o outro - queesse devolver-lhe a bolsa; mas muito o enganaram, dizendo-lhe que eu lhe vendera artigos quatro vais caro do que valiam: vendi-os por dez vezes mais. E tanto isto verdade que, se daqui a um msnhor quiser revend-los, no obter nem essa dcima parte. Mas nada mais justo: a fantasia dos

    omens que d preo a essas coisas frvolas; essa fantasia que faz viver cem operrios que eu emprela que me d uma bela casa, um carro cmodo, cavalos, ela que anima a indstria, que mantm o

    osto, a circulao e a abundncia. s naes vizinhas vendo eu essas bagatelas muito mais caro quenhor, e assim sou til ao imprio.

    Babuc, depois de haver cismado um pouco, riscou-o das suas tabuinhas.

    Babuc, muito incerto do que deveria pensar de Perspolis, resolveu avistar-se com os magos e ostrados: pois uns estudam a sabedoria, e os outros a religio; e esperava que esses pudessem salvar osto do povo. Na manh seguinte transportou-se para um colgio de magos. O arquimandritanfessou-lhe que tinha cem mil escudos de renda por haver feito voto de pobreza, e que exercia um

    mprio bastante extenso em vista do seu voto de humildade; depois do que, deixou Babuc aos cuidadum irmo menor, que lhe fez as honras da casa.

    Ora, enquanto esse irmo lhe mostrava as magnificncias daquela casa de penitncia, espalhou-semor de que Babuc ali fora para reformar todos aqueles estabelecimentos.

    Comearam logo a chegar-lhe memoriais de cada uma das referidas casas; esses memoriais diziamdos, em substncia: Conservai-nos, e destru todas as outras. A julgar por suas apologias, essasciedades eram todas necessrias. Mas, a julgar por suas acusaes recprocas, mereciam ser todasiquiladas. Admirava-se de como no havia nenhuma delas que, para edificar o universo, no lhe

    uisesse conseguir o imprio. Apresentou-se ento um homenzinho que era um semimago e que lhesse:

    - Vejo que os tempos vo cumprir-se, pois Zerdust voltou terra; as meninas profetizam, recebennaos pela frente e chicotaos por trs. Pedimos, pois, vossa proteo contra o Gro-Lama.

    - Como! - exclamou Babuc. - Contra esse pontfice-rei que reside no Tib?

    - Ele mesmo.

    - Ento lhe declarastes guerra, e ergueis exrcitos contra ele?

    - No, mas o Gro-Lama diz que o homem livre, coisa que ns no acreditamos; escrevemosnfletos, atacando-o, e que ele no l; quando muito, ouviu apenas falar de ns; e limitou-se a nosndenar, como um proprietrio ordena que destruam as lagartas de sua horta.

    Babuc estremeceu ante a loucura daqueles homens que faziam profisso de sabedoria, as intrigasqueles que haviam renunciado ao mundo, a orgulhosa ambio e cobia daqueles que pregavam a

    umildade e o desinteresse; e concluiu que Ituriel tinha boas razes para destruir toda aquela espcie

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    De regresso a casa, mandou procurar livros novos para suavizar suas penas e convidou alguns letrra jantar, a fim de distrair-se. Veio o dobro do que convidara, como vespas que o mel atrai. Essesrasitas no faziam mais que comer e falar; louvavam duas espcies de pessoas, aos mortos e a siprios, e nunca a seus contemporneos, exceto o dono da casa. Se algum deles dizia uma boa frase

    utros baixavam os olhos e mordiam os lbios de dor por no lhes haver ocorrido isso. Eram menosssimulados que os magos, pois no tinham to grandes ambies. Cada qual disputava um lugar decaio e uma reputao de grande homem; diziam-se em cara coisas insultantes, que julgavam frases

    prito. Tinham algum conhecimento da misso de Babuc. Um deles pediu-lhe em segredo queterminasse um autor que no o louvara suficientemente cinco anos atrs. Outro solicitou a perda dedado que nunca rira nas suas comdias. Um terceiro pediu a extino da Academia, porque jamaisnseguira entrar para ela. Findo o almoo, cada qual se retirou sozinho, pois no havia em todo o gr

    ois homens que se pudessem suportar, nem falar-se a no ser em casa dos ricos que o convidavam psua mesa. Babuc julgou que no se perderia nada se toda aquela cambada perecesse na destruio g

    Logo que se desfez deles, pe-se a ler alguns dos novos livros, nos quais reconheceu a mentalidadus convivas. Viu sobretudo com indignao essas gazetas de maledicncia, esses arquivos do mau

    osto, que a inveja, a baixeza e a fome ditaram; essas covardes stiras onde se poupa o abutre e setraalha a pomba; esses romances destitudos de imaginao, onde se vem tantos retratos de mulhue o autor no conhece.

    Lanou ao fogo todos aqueles detestveis escritos e saiu a passear. Apresentaram-lhe um velhotrado, que no for a aumentar o nmero daqueles parasitas. Esse letrado fugia sempre multido,nhecia os homens, o que muito lhe aproveitava, e falava com discrio. Babuc falou-lhe amargame

    o que lera e do que tinha ouvido.

    - O senhor leu coisas bastante desprezveis - disse-lhe o sbio letrado. - Mas em todas as pocas, e

    dos os pases, e em todos os gneros, sempre formiga o mau e escasseia o bom. E se o senhor recebm casa o rebotalho do pedantismo porque, em todas as profisses, o que h de mais indigno de

    arecer sempre o que se apresenta com maior imprudncia. Os verdadeiros sbios vivem entre si,tirados e tranqilos; h ainda, em nosso meio, homens e livros dignos de lhe ocupar a ateno.

    Enquanto aquele assim falava, veio juntar-se-lhes outro letrado; e o que disseram ambos foi toradvel e instrutivo, to acima dos preconceitos, e to conforme virtude, que Babuc confessou jamr ouvido nada semelhante. "Eis a uns homens - murmurava ele - em quem o anjo Ituriel no ousarcar, a menos que seja muito impiedoso".

    Acomodado com as letras, continuava todavia em clera contra o resto da nao. "O senhor trangeiro - dizia-lhe o avisado homem que lhe falava, - de modo que os abusos se lhe apresentam eultido, e passa-lhe despercebido o bem, que est oculto e s vezes resulta desses mesmos abusos".oube ento que, entre os letrados, alguns havia que no eram invejosos e que, at entre as magos,via-os cheios de virtude. Compreendeu ento que aquelas grandes sociedades que pareciam, em setrechoques, preparar a runa comum, eram no fundo instituies salutares; que cada agrupamento dagos era um freio a seus rivais; que, se diferiam em algumas opinies, esses mulos pregavam todoesma moral, que instruam o povo e viviam submissos s leis, semelhantes aos preceptores que vigfilhos da casa, enquanto os donos os vigiam a eles. Conversou com vrios desses magos e descobr

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    mas celestiais. Reconheceu at que, entre os loucos que pretendiam guerrear o Gro-Lama, haviaomens eminentes. Suspeitou enfim que, com os costumes de Perspolis, poderia acontecer a mesmaisa que com os edifcios: uns lhe pareciam dignos de lstima, outros o enchiam de admirao.

    Disse ao seu letrado:

    - Reconheo que esses magos, a quem julgara to perigosos, so, com efeito, muito teis, sobretuduando um sbio governo os impede de se tornarem demasiado necessrios; mas ao menos confesse

    seus jovens magistrados, que compram um cargo de juiz logo que aprendem a montar a cavalo, develar nos tribunais tudo o que a impertinncia tem de mais ridculo e a iniqidade de mais perversoelhor seria ceder gratuitamente esses lugares aos velhos jurisconsultos que passaram toda a vida a ppr e o contra.

    - Antes de chegar a Perspolis - replicou o letrado, - viu o senhor o nosso exrcito; sabe que os noiciais se batem muito bem, embora tenham comprado as divisas; igualmente h de ver que os nossovens magistrados no julgam mal, embora tenham pago para isso.

    Levou-o no dia seguinte ao tribunal, onde devia ser proferida importante sentena. A causa eranhecida de todos. Os velhos advogados que a discutiam pareciam flutuar nas suas opinies; alegavm leis, nenhuma das quais era aplicvel ao fundo da questo; consideravam o assunto por cem ponvista, nenhum deles o adequado; os juizes decidiram mais depressa do que o tempo que gastaram vogados em hesitar. O veredicto foi quase unnime; julgaram bem, porque seguiam as luzes da raz

    os outros haviam opinado mal, porque apenas tinham consultado os livros.

    Babuc concluiu que muita vez havia excelentes coisas nos abusos. Viu no mesmo dia que as riqueos financistas, que tanto o haviam revoltado, podiam produzir um timo efeito; pois tendo o imperacessidade de dinheiro, encontrou, em uma hora, por intermdio deles, o que no conseguiria em se

    eses pelas vias ordinrias; viu que aquelas grossas nuvens, infladas do orvalho da terra, devolviam uva o que haviam recebido. Alis, os filhos desses homens novos, no raro mais bem educados qufamlias mais antigas, valiam s vezes muito mais; pois nada impede que se seja um bom juiz, um

    avo guerreiro, um hbil homem de Estado, quando se tem um pai bom calculista.

    Insensivelmente, perdoava Babuc a avidez do financista, que no , no fundo, mais vido que osutros homens, e que necessrio. Escusava a loucura dos que se arruinavam para julgar e bater-se,ucura que produz grandes magistrados e heris. Passava por alto sobre a inveja dos letrados, entre o

    uais se encontravam homens que esclareciam o mundo; reconciliava-se com os magos ambiciosos e

    trigantes, entre os quais havia ainda maiores virtudes que pequenos vcios. Mas ainda lhe restava mue censurar; e principalmente as galanterias femininas, e suas possveis conseqncias o enchiam dequietao e temor.

    Como quisesse estudar todas as condies humanas, fez-se conduzir a um ministro; mas, no camintinuava a recear que alguma mulher fosse assassinada na sua presena pelo marido. Chegado aobinete do ministro, esperou duas horas na antecmara antes de ser anunciado, e mais duas horas deo ter sido. Propunha-se, nesse intervalo, recomendar ao anjo Ituriel esse ministro e seus insolentes

    iciais. A sala de espera estava cheia de damas de todas as condies, de magos de todas as cores, dizes, de homens de negcio, de militares, de pedantes; todos se queixavam do ministro. O avarento

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    urrio diziam: "Com toda a certeza, esse homem pilha as provncias"; o caprichoso lhe estranhava quisitice; "Ele s pensa nos prazeres", dizia o libertino; o intrigante suspirava v-lo em breve perdi

    or uma cabala; as mulheres esperavam que lhe dessem em breve um ministro mais jovem.

    Babuc, que os ouvia a todos, no pde deixar de dizer consigo mesmo: "Eis ai um homem bastantliz; tem todos os seus inimigos na antecmara; aplastra com o seu poder aqueles que o invejam; v us ps os que o detestam". Afinal entrou: viu um velhinho curvado ao peso dos anos e dos trabalhoas ainda vivo e cheio de esprito.

    Babuc agradou-lhe, e pareceu a Babuc um homem estimvel. A palestra tornou-se interessante.onfessou-lhe o ministro que era muito infeliz; que passava por homem rico, e era pobre; que o julgado-poderoso, e era contrariado; que s prestara servio a ingratos, e que, num trabalho contnuo de

    uarenta anos, mal tivera um momento de consolo. Babuc sentiu-se comovido e pensou que, se aqueomem cometera faltas e o anjo Ituriel o quisesse punir, no precisava extermin-lo, mas apenasnserv-lo naquele posto.

    Enquanto falava ao ministro, entra de sbito a bela dama em cuja casa havia jantado. Liam-se-lhe

    hos e na fronte os sintomas da dor e da clera. Explodiu em censuras ao homem de Estado; chorouueixou-se amargamente de haverem recusado a seu marido um lugar a que o seu sangue permitia asque os seus servios e ferimentos mereciam; exprimiu-se com tanta fora, ps tanta graa nas suasueixas, destruiu to habilmente as objees, fez valer com tamanha eloqncia as suas razes, que niu do gabinete sem ter feito a fortuna do marido.

    Babuc estendeu-lhe a mo.

    - Ser possvel, minha senhora - disse-lhe ele, - que se haja dado a todo esse trabalho por um homuem no ama e de quem tem tudo a temer?

    - Um homem a quem no amo! - exclamou a dama. - Pois saiba que meu marido o melhor amigoue tenho no mundo, que no h nada que eu no lhe sacrifique, exceto o meu amante, e que ele fariado por mim, menos abandonar a sua amante. Quero que a conhea; uma mulher encantadora, cheprito e tem o melhor carter do mundo; ceamos juntas esta noite com o meu marido e o meuaguinho: venha compartilhar da nossa alegria.

    A dama conduziu Babuc at a casa dela. O marido, que chegara imerso em dor, tornou a ver a espm transportes de alegria e gratido; beijava sucessivamente a amante, a mulher, o mago e Babuc. A

    nio, a alegria, o esprito e as graas foram a alma daquela ceia.- Saiba - disse-lhe a bela dama - que aquelas a quem chamam s vezes de desonestas tm quasempre os mritos que constituem um homem honrado; e, para convencer-se disso, v amanh jantarmigo em casa da bela Teone. H algumas velhas vestais que a estraalham; mas Teone faz maior b

    ue todas elas juntas. Seria incapaz de cometer uma pequena injustia pelo maior dos interesses; nou amante seno conselhos generosos; este coraria diante dela se deixasse escapar alguma ocasio dzer o bem; pois nada incita mais s aes virtuosas do que ter, como testemunha e juiz, uma amantja estima se busca merecer.

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    Babuc no faltou ao encontro. Viu uma casa onde reinavam todas as atraes; Teone reinava sobras; sabia falar a cada qual a sua prpria linguagem. Seu gnio natural punha vontade o dos outrosradava quase sem querer; era to amvel quanto bondosa; e, o que aumentava o preo de todas as s

    oas qualidades, era bela. Babuc, por mais cita e mensageiro celestial que fosse, sentiu que, se semorasse mais em Perspolis, esqueceria Ituriel por Teone. Afeioava-se cidade, cujo povo era pocfico e benvolo, embora leviano, tagarela e cheio de vaidade. Temia que Perspolis fosse condenmia at o relatrio que teria de fazer.

    Eis como se houve para apresentar esse relatrio. Mandou fazer no melhor fundidor da cidade umtatueta composta de todos os metais, das terras e pedras mais preciosas e mais vis; e levou-a a Ituri

    - Destruirias - disse ele - esta linda esttua, porque no toda de ouro e diamantes?

    Ituriel soube compreender; nem mesmo pensou em corrigir Perspolis, e resolveu deixar o mundomo estava. Pois, disse ele, se nem tudo est bem, tudo passvel. Deixou pois subsistir Perspolisnge estava Babuc de se queixar, como Jonas, que se agastou por no terem destrudo Nnive. Maspois que a gente passou trs dias dentro de uma baleia, no se sente de to bom humor como depoi

    ver estado na pera, na comdia, e de ter jantado em boa companhia.

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