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Ação afirma�va para ingresso de negros no ensino superior: formação mul�nível da agenda governamental Taana Dias Silva Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da polí�ca para mulheres no Brasil Mariana Mazzini Marcondes, Ana Paula Rodrigues Diniz, Marta Ferreira Santos Farah Mobile government: uma análise dos aplica�vos estaduais como mediadores do relacionamento entre os cidadãos e os governos estaduais Rodrigo Diniz Lara, Marlusa Gosling, Izabela França Rodrigues Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo Bruna Ribeiro da Silva, Helena Araújo Costa O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e polí�cas públicas Frederico de Morais Andrade Counho, Danilo Bijos, Henrique Marques Ribeiro Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade Aleksandra Pereira Santos Gestão estratégica de pessoas no setor público: percepções de gestores e funcionários acerca de seus limites e possibilidades em uma autarquia federal Luana Jéssica Oliveira Carmo, Lilian Bambirra de Assis, Mariana Geisel Marns, Crisna Camila Teles Saldanha, Patrícia Albuquerque Gomes Governança das en�dades de fiscalização superior no Brasil e no México Monique Menezes Papel do fiscal de contratos administra�vos: uma análise sob a ó�ca gerencial na administração pública brasileira Vinicius Carvalho Santos Vol. 69, nº 2 Abr/jun 2018 ISSN: 0034-9240

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Ação afirma�va para ingresso de negros no ensino superior: formação mul�nível da agenda governamentalTatiana Dias Silva Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da polí�ca para mulheres no Brasil Mariana Mazzini Marcondes, Ana Paula Rodrigues Diniz, Marta Ferreira Santos Farah Mobile government: uma análise dos aplica�vos estaduais como mediadores do relacionamento entre os cidadãos e os governos estaduais Rodrigo Diniz Lara, Marlusa Gosling, Izabela França Rodrigues Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo Bruna Ribeiro da Silva, Helena Araújo Costa

O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e polí�cas públicas Frederico de Morais Andrade Coutinho, Danilo Bijos, Henrique Marques Ribeiro Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade Aleksandra Pereira Santos

Gestão estratégica de pessoas no setor público: percepções de gestores e funcionários acerca de seus limites e possibilidades em uma autarquia federal Luana Jéssica Oliveira Carmo, Lilian Bambirra de Assis, Mariana Geisel Martins, Cristina Camila Teles Saldanha, Patrícia Albuquerque Gomes Governança das en�dades de fiscalização superior no Brasil e no México Monique Menezes Papel do fiscal de contratos administra�vos: uma análise sob a ó�ca gerencial na administração pública brasileiraVinicius Carvalho Santos

Vol. 69, nº 2Abr/jun 2018ISSN: 0034-9240

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Brasília – 2018

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Missão da Revista do Serviço PúblicoDisseminar conhecimentos e estimular a reflexão e o debate, apoiando o desenvolvimento dos servidores, o seu compromisso com a cidadania e a consolidação de uma comunidade de praticantes, especialistas e interessados nos temas de políticas públicas e gestão governamental.

Enap Escola Nacional de Administração Pública

Presidente: Francisco GaetaniDiretora de Formação Profissional e Especialização: Iara Cristina da Silva Alves Diretor de Educação Continuada: Paulo MarquesDiretor de Inovação e Gestão do Conhecimento: Guilherme Alberto Almeida de AlmeidaDiretor de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Senso: Fernando de Barros Filgueiras Diretora de Gestão Interna: Camile Sahb MesquitaConselho Editorial: Antônio Sérgio Araújo Fernandes (Universidade Federal da Bahia - UFBA); Andre Luiz Marenco dos Santos (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS); Armin Mathis (Universidade Federal do Pará UFPA); Barry Ames (University of Pittsburgh - Estados Unidos); Carla Bronzo Ladeira (Fundação João Pinheiro – FJP); Celina Souza (Universidade Federal da Bahia – UFBA); Claudia Avellaneda (Indiana University - Estados Unidos); Fernando Luiz Abrucio (Fundação Getúlio Vargas – FGV-SP); Francisco Longo (Escuela Superior de Administración y Dirección de Empresas – Espanha); Frank Fisher (Rutgers Univeristy – Estados Unidos); Guy Peters (University of Pittsburgh – Estados Unidos); James L. Perry (Indiana University Bloomington - Estados Unidos); José Antônio Puppim de Oliveira (Fundação Getúlio Vargas – FGV-SP / United Nations University – Estados Unidos); José Carlos Vaz (Universidade de São Paulo – USP); Marcelo Fabián Repetto (Universidad de Buenos Aires – Argentina); Marco Aurélio Chaves Cepik (Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS); Marcus André Melo (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE); Maria Paula Dallari Bucci (Universidade de São Paulo – USP); Maria Rita Loureiro (Fundação Getúlio Vargas – FGV-SP); Mariana Llanos (German Institute of Global and Area Studies – Alemanha); Michael Barzelay (London School of Economics – Reino Unido); Nuria Cunill Grau (Universidad De Los Lagos – Chile); Paulo Carlos Du Pin Calmon (Universidade de Brasília – UnB); Tânia Bacelar de Araújo (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE).Conselho Científico: Fernando de Souza Coelho (Universidade de São Paulo – USP); Frederico Lustosa da Costa (Universidade Federal Fluminense – UFF); Gabriela Lotta (Universidade Federal do ABC – UFABC); Márcia Miranda Soares (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG); Mariana Batista da Silva (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE); Marizaura Reis de Souza Camões (Escola Nacional de Administração Pública – Enap); Natália Massaco Koga (Escola Nacional de Administração Pública – Enap); Pedro Lucas de Moura Palotti (Escola Nacional de Administração Pública – Enap); Pedro Luiz Costa Cavalcante (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea); Ricardo Corrêa Gomes (Universidade de Brasília – UnB); Thiago Dias (Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN).

Periodicidade

A Revista do Serviço Público é uma publicação trimestral da Escola Nacional de Administração Pública.

Expediente

Editor responsável: Fernando de Barros Filgueiras. Editor executivo: Flavio Schettini Pereira. Colaboradora: Ana Paula Soares Silva. Revisão: Luiz Augusto Barros de Matos, Renata Fernandes Mourão e Roberto Carlos R. Araújo. Projeto gráfico e editoração eletrônica: Amanda Soares Moreira. Revisão gráfica: Ana Carla Gualberto Cardoso. Capa: Alice Prina. (Servidores da Enap).

Revista do Serviço Público. 1937 - / Escola Nacional de Administração Pública. Brasília: ENAP, 1937 - .

v.: il.; 25,5 cm.

Editada pelo DASP em nov. de 1937 e publicada no Rio de Janeiro até 1959. A periodicidade varia desde o primeiro ano de circulação, sendo que a partir dos últimos anos teve predominância trimestral (1998/2007).

Interrompida no período de 1975/1980 e 1990/1993.

ISSN:0034-9240

1. Administração Pública – Periódicos. I. Escola Nacional de Administração Pública.

CDU: 35 (051)

Catalogado na fonte pela equipe da Biblioteca Graciliano Ramos – ENAP

As opiniões expressas nos artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, as da RSP.

A reprodução total ou parcial é permitida desde que citada a fonte.

ENAP, 2018

Tiragem: 300 exemplaresAssinatura anual: R$ 40,00 (quatro números) Exemplar avulso: R$ 12,00Os números da RSP Revista do Serviço Público anteriores estão disponíveis na íntegra no sítio da Enap: www.enap.gov.br

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Sumário

Contents

Ação afirmativa para ingresso de negros no ensino superior: formação multinível da agenda governamental 7

Tatiana Dias Silva

Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil 35

Mariana Mazzini Marcondes, Ana Paula Rodrigues Diniz, Marta Ferreira Santos Farah

Mobile government: uma análise dos aplicativos estaduais como mediadores do relacionamento entre os cidadãos e os governos estaduais 62

Rodrigo Diniz Lara, Marlusa Gosling, Izabela França Rodrigues

Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo 89

Bruna Ribeiro da Silva, Helena Araújo Costa

O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e políticas públicas 116

Frederico de Morais Andrade Coutinho, Danilo Bijos, Henrique Marques Ribeiro

Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade 145

Aleksandra Pereira Santos

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Gestão estratégica de pessoas no setor público: percepções de gestores e funcionários acerca de seus limites e possibilidades em uma autarquia federal 163

Luana Jéssica Oliveira Carmo, Lilian Bambirra de Assis, Mariana Geisel Martins, Cristina Camila Teles Saldanha, Patrícia Albuquerque Gomes

Governança das entidades de fiscalização superior no Brasil e no México 192

Monique Menezes

Papel do fiscal de contratos administrativos: uma análise sob a ótica gerencial na administração pública brasileira 226

Vinicius Carvalho Santos

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EditorialO avanço da governança do setor público guarda uma relação direta com a

perspectiva de maior inclusão dos diversos agentes sociais nas políticas públicas, por um lado, e o desenvolvimento institucional que assegure maior controle, eficiência e efetividade das políticas. Estabelecer mecanismos de fiscalização que aprimorem a transparência e a eficiência das políticas, a maior inclusão dos agentes e transformações gerenciais que sejam mais resilientes para o enfrentamento de crises e problemas públicos desafiam a gestão pública.

Este número da Revista do Serviço Público traz dentre seus artigos diversas análises sobre estas questões. O ponto comum a todas elas é que precisamos ir além dos mecanismos gerenciais. É necessário um trabalho de maior fôlego que considere esses mecanismos gerenciais inseridos em diversas conjunturas e problemas, sejam eles sociais, políticos ou econômicos. Aprimorar estes mecanismos inseridos na sociedade é o que possibilita avançarmos em uma perspectiva mais sólida de governança do setor público. Isso implica em pensarmos instituições inovadoras, um trabalho multinível e que demanda estruturas de coordenação política e a orientação por um interesse público difuso.

Os desafios colocados e presentes nos artigos publicados nesse número elaboram diferentes perspectivas por meio das quais a governança pode avançar no Brasil. E a difusão de conhecimento é aspecto chave nesse processo, fazendo convergir teoria e prática, disseminação de evidências e análises sólidas sobre a realidade de governos.

Os dois primeiros artigos tratam de temas relevantes e candentes para a gestão pública. A promoção de ações afirmativas, como o ingresso de negros no ensino superior, e problemas transversais de políticas públicas, como o caso de políticas de gênero, demandam de gestores públicos processos criativos para a maior inclusão social e política de atores relevantes. Promover a inclusão é um processo complexo que exige a escuta e a interlocução permanentes.

Da mesma forma, a governança depende de inovações com o uso de tecnologias para prover e ampliar novos padrões de comunicação entre a burocracia e os cidadãos. O investimento em instrumentos de e-government podem representar soluções simples e motivadoras de um novo padrão de interação entre cidadãos e estados. Iniciativas de Mobile Government trazem o aspecto da simplificação, redesenho de processos e flexibilidade. Avaliar esses mecanismos é fundamental para o aprimoramento destas ferramentas e para o redesenho de serviços públicos.

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Outro aspecto relevante é o gerenciamento de crises e problemas relacionados a migrações internacionais. Os artigos que, respectivamente, analisam essas questões trazem para o centro do debate os problemas relacionados ao enfrentamento de crises e a constituição de soluções que extrapolem o cotidiano da gestão. Como gestores públicos lidam com crises e como podem constituir soluções para elas desafiam os processos de gestão.

Por fim, é necessário pensarmos os mecanismos de gestão. Gerir pessoas, alinhar competências e fazer com que as organizações sejam capazes de promover o melhor das pessoas não é um assunto trivial. Representa ganhos de eficiência e efetividade, desde que pessoas estejam mobilizadas e que a gestão pública seja capaz de ativar suas capacidades. Associado a isso, institucionalizar práticas de fiscalização e controle são essenciais para o desenvolvimento, de forma a assegurar mecanismos sólidos de integridade e accountability.

O conjunto de problemas e questões levantadas nas páginas da Revista do Serviço Público promovem conhecimento avançado sobre os diversos desafios da gestão pública no Brasil. Sem fazer avançar o conhecimento, corre-se o risco de neutralizar avanços ou promover retrocessos para o enfrentamento concreto de problemas da sociedade brasileira.

Fernando Filgueiras

Editor-Chefe da Revista do Serviço Público

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7Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 07-34 abr/jun 2018

Ação afirmativa para ingresso de negros no ensino superior: formação multinível da agenda governamental

Tatiana Dias SilvaUniversidade de Brasília (UnB) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Este texto analisa o processo de formação da agenda governamental que passou a considerar o problema da desigualdade racial no ensino superior. Procura-se identificar os elementos que permitiram que uma situação conhecida há tanto tempo passasse a receber atenção da sociedade e do governo. Para tanto, recorreu-se aos modelos de Múltiplos Fluxos e do Equilíbrio Pontuado. Além de pesquisa documental, procurou-se incorporar a perspectiva dos atores por meio de análise de audiência pública organizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cujo tema era a política de cotas para estudantes negros na Universidade de Brasília (UnB). Como resultado, verificou-se que os fluxos dos problemas, alternativas e da política criaram janela de oportunidade para o tema, tanto no nível das instituições de ensino superior (IES) como na política nacional. Processos de mudança multinível se mostraram cruciais para abrir espaço na agenda governamental para essa “nova” temática.

Palavras-chave: agenda pública – Brasil, ação afirmativa – raça, inclusão social, acesso à educação - ensino superior

[Artigo recebido em 23 de janeiro de 2017. Aprovado em 26 de setembro de 2017.]

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Ação afirmativa para ingresso de negros no ensino superior: formação multinível da agenda governamental

8 Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 07-34 abr/jun 2018

Acción afirmativa para ingreso de negros en la enseñanza superior: formación multinivel de la agenda gubernamental

Este trabajo analiza el proceso de formación de la agenda de gobierno que ha considerado el problema de la desigualdad racial en la educación superior. Se trata de identificar los elementos que permitieron que una situación conocida pase tanto tiempo para recibir la atención de la sociedad y el gobierno. Por lo tanto, se utilizaron los modelos de múltiples flujos y equilibrio puntuado. Además de la investigación documental, se intentó incorporar la perspectiva de los actores a través de un análisis de audiencia pública organizada por el Tribunal Supremo (STF), cuyo tema era la política de cuotas para estudiantes negros de la Universidad de Brasilia (UNB). Como resultado, se encontró que los flujos de los problemas, de las alternativas y de la política crearan una ventana de oportunidad para el tema, tanto a nivel de instituciones de educación superior (IES) como en la política nacional. Procesos de cambio multinivel fueron cruciales para hacer espacio en la agenda del gobierno para este “nuevo” tema.

Palabras clave: agenda pública - Brasil, acción afirmativa - raza, inclusión social, acceso a la educación - enseñanza superior

Affirmative action for afro-brazilians to access higher education: multilevel setting of the governmental agenda

This text analyses the process of the formation of the governmental agenda, which began to considerate the problem of racial inequality in higher education. It is trying to identify the elements which allow a situation, already quite well known for some time, to receive attention by society and the government. All in all, it goes back to the models of Multiple Streams and Punctuated Equilibrium. Besides the document research, it has tried to incorporate the analysis from the perspective of the actors of the public audition, which has been organized by the High Court (STF), and which topic was the quota policy for black students at the Universidade de Brasilia (UnB). As a result, it confirmed that the various streams of problems, different solutionary choices and policies raise awareness for the topic, as well as on the level of higher education as on the level of national politics. Multilevel processes of change prove themselves crucial to open space on the government agenda for this “new” topic.

Keywords: public agenda - Brazil, affirmative action - race, social inclusion, access to education - higher education

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Tatiana Dias Silva

9Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 07-34 abr/jun 2018

Introdução

A diferença de oportunidades entre negros e brancos sempre foi marca estrutural das desigualdades no Brasil. A história de séculos de exploração foi alimentada inclusive por medidas governamentais que restringiam a integração da população negra liberta (Theodoro, 2008). O racismo travestido de ciência deu lugar, ao longo da primeira metade do século 20, a um discurso de elogio da mestiçagem e de democracia racial (Osório, 2008). A negação do racismo constituía-se em política de Estado, a despeito das denúncias constantes dos movimentos sociais negros (Rios, 2012). Desse modo, ao passo que, em 1966, o chanceler brasileiro, em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), afirmava que o Brasil era “um exemplo proeminente [...] de uma verdadeira democracia racial” (Silva, 2008, p. 69), em 1970, foi retirada do censo demográfico a questão sobre cor, presente desde 1872 (Silva, 2013). O problema era assim constantemente negado.

A despeito da retórica dos governos e da visão da sociedade, ora pendente para o mito da democracia racial, ora ignorando solenemente a questão e transformando-a em tabu, as desigualdades raciais no país mostravam-se expressivas em diferentes campos da vida social. Na educação, essas desigualdades não eram apenas impressionantes, mas fundamentais para o cerceamento do acesso da população negra a outros direitos. Não por acaso, o acesso à educação antirracista e de qualidade sempre foi uma das bandeiras prioritárias dos movimentos sociais negros (Santos, 2014).

Na área da educação, a desigualdade no ensino superior sempre se apresentou com maior magnitude, dadas as restrições de acesso geral. Mesmo com persistentes demandas dos movimentos negros e denúncias de especialistas, essas últimas especialmente a partir dos anos 1980, a situação ainda não era considerada problema relevante. Assim, embora as desigualdades raciais fossem discutidas em círculos de especialistas nas décadas mais recentes, nem os relatórios oficiais ou processos de avaliação de políticas públicas incorporavam a análise racial para averiguar a efetividade dos programas governamentais. Embora o IBGE tenha coletado dados raciais desde o século 19, os registros administrativos eram marcados pela ausência de dados desagregados, o que configurava uma verdadeira “invisibilidade estatística” (Paixão; Rosseto, 2012).

Cabe destacar que, em diferentes campos, houve redução das desigualdades raciais nos últimos anos, em que pese sua persistente magnitude. Nos dados de acesso ao ensino superior, verifica-se também desigualdade persistente, com inflexão a partir dos primeiros anos da década de 2000. Em 1992, apenas 4,6% dos jovens entre 18 e 24 anos frequentavam o ensino superior (1,5% dos jovens negros

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Ação afirmativa para ingresso de negros no ensino superior: formação multinível da agenda governamental

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e 7,2% dos brancos). Em 2013, o acesso melhorou para ambos os grupos (10,7% dos jovens negros e 23,4% dos brancos). As diferenças, ainda que tenham sofrido redução – especialmente na última década –, permaneceram expressivas. Em 1992, a taxa de frequência líquida dos jovens negros era apenas 21% da taxa dos jovens brancos. Em 2013, essa razão passou para 46% (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2015). Em parte, a redução das desigualdades nessa etapa esteve ligada à expansão das vagas no ensino superior1.

Além desse fator, os últimos anos testemunharam a implementação de programas de ação afirmativa que incluíram, como público-alvo, a população negra. Além de ações afirmativas de âmbito privado, a exemplo de programas de bolsas ou cursinhos preparatórios para comunidades carentes e estudantes negros, em 2005 foi institucionalizado o Programa Universidade para Todos (Prouni)2, que previa bolsas de estudo para estudantes com baixa renda, negros e indígenas. Ademais, desde 2001, foram criados, em diferentes formatos, programas de ação afirmativa em instituições de ensino superior (IES) brasileiras. A primeira iniciativa foi encetada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), por meio de lei estadual, com cotas sociais e posteriormente inclusão de cotas raciais3. Já em 2004, a Universidade de Brasília (UnB) consolidou-se como a primeira instituição federal de ensino superior com cotas, nesse caso, especificadamente para negros. Em 2012, havia 129 IES com algum tipo de ação afirmativa, em 535 cidades, entre as quais 51 eram universidades federais e 52 IES tinham programas com cotas ou subcotas para negros. Os outros critérios de ação afirmativa, isolados ou combinados, envolviam estudantes de escola pública, indígenas, pessoas com deficiência, quilombolas, baixa renda ou critério regional (Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, 2012).

Essa mudança na política e na forma de abordar a questão racial é deveras impressionante. Após séculos de escravidão e décadas de construção e reprodução do mito da democracia racial, o modo de encarar as desigualdades raciais em um campo tão exclusivo e eivado de privilégios havia, não sem resistência, sofrido alterações estruturais. A partir dos anos 2000, a desigualdade no acesso de negros ao ensino superior passou a ser considerada como tema relevante e a ser objeto da atenção e decisão em nível governamental – tanto em organizações públicas de ensino superior como no nível federal.

1 As matrículas no ensino superior (graduação presencial) passaram de 2.694.245 em 2000 (32,9% nas IES públicas) para 6.152.405 matrículas em 2013 (28,9% nas IES públicas) (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2001, 2014a).

2 Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. 3 Lei nº 3524, de 28 de dezembro de 2000, e Lei nº 4.151, de 4 de setembro de 2003, do Estado do Rio de Janeiro.

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Questiona-se, então, quais os elementos que permitiram que uma situação de desigualdade tão pujante no contexto brasileiro há tanto tempo e tão negligenciada pelos governos passasse a receber atenção da sociedade e do governo e a ser tema recorrente de acalorados debates. Por meio de quais mecanismos, a desigualdade racial no acesso ao ensino superior ganhou espaço e consolidou-se como uma legislação nacional em 2012?

Diante dessa problemática, este texto tem como objetivo analisar o processo de inclusão do tema da desigualdade racial no acesso ao ensino superior na agenda governamental. Compreender melhor esse processo pode contribuir com a análise da implementação e resultados dessa política tão recente, além de identificar fatores críticos que devam ser monitorados para sua eficácia. Pode contribuir também para melhor compreensão e intervenção em outras políticas afirmativas levadas a cabo nos últimos anos, como as cotas para ingresso na administração pública.

Para analisar essas questões e a trajetória dessa mudança institucional e social na realidade recente brasileira, será adotada a perspectiva de formação de agenda (agenda-setting) para discutir os principais fluxos, atores e visões compartilhadas que nortearam o debate e permitiram essa mudança. Para tanto, será utilizado como referencial teórico a abordagem dos Múltiplos Fluxos, originalmente desenvolvida por John Kingdon (2007a, 2007b, 2011), complementada pelo modelo do Equilíbrio Pontuado, cujo desenvolvimento inicial é atribuído a Jones e Baumgartner (2012).

O modelo conceitual da pesquisa procura analisar a formação de agenda por meio da conjunção entre múltiplos fluxos (problema, política e alternativas), incorporando uma dimensão multinível. Por meio de pesquisa documental, procura-se reconstituir esses elementos e compreender melhor o processo de formação de agenda.

Além desta introdução, este texto apresenta mais cinco seções. Na seguinte, será apresentado o referencial teórico que embasa esta análise. Em seguida, serão detalhados os procedimentos metodológicos e o modelo de análise, para, depois, apresentarem-se os resultados. Por fim, são apresentadas considerações finais, que incluem as limitações da investigação e possibilidades de novos estudos.

A formação da agenda governamental

A abordagem dos múltiplos fluxos: como surge um problema

No modelo de Múltiplos Fluxos (MF) de Kingdon (2007b, 2011), a preocupação principal não está direcionada às alternativas que vão ser deliberadas ou a como ocorrem os processos decisórios no âmbito dos poderes Executivo ou Legislativo.

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Ação afirmativa para ingresso de negros no ensino superior: formação multinível da agenda governamental

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Sua atenção se concentra no modo e motivação pelos quais alguns problemas recebem atenção e outros não. Sua análise volta-se aos momentos pré-decisórios, em uma abordagem que rechaça, por um lado, a concepção de racionalidade total, e por outro lado, uma visão sequencialista de políticas públicas. Nesse sentido, se afilia a uma concepção mais fluida, em que diferentes processos, organizados por lógicas distintas, previsíveis ou não, se encontram em momentos propícios, gerando uma “janela de oportunidade” para a política pública. Assim, uma situação pode ser reconhecida como um problema e ser alçada à agenda decisória governamental. Esse modelo se aproxima da proposta do Garbage Can (GC), ou lata de lixo, de March e Olsen, avançando, segundo Zahariadis (2007), em seu escopo e alcance.

Kingdon (2007a, 2011) identifica a formulação de políticas públicas como conjunto de processos que envolve o estabelecimento de uma agenda, a especificação das alternativas, a escolha e a implementação dessa opção. Nas duas primeiras fases (pré-decisórias), atuam três correntes: reconhecimento do problema, formulação de propostas e soluções e a dinâmica política.

A agenda consiste em uma relação de temas ou problemas alvos de séria atenção em um determinado momento. Enquanto há uma agenda de governo, com temas a serem objeto de atenção, há também uma agenda de decisão, cujo conteúdo será submetido à apreciação. Por conseguinte, a formação da agenda consiste em filtrar temas para consolidar lista de assuntos que vão merecer atenção do governo, a partir da atuação de três fluxos centrais.

No fluxo dos problemas, analisam-se tanto os meios pelos quais um problema passa a ser conhecido, como os fatores que levam à crença de que, uma vez reconhecido, a situação exige decisão no sentido de alterá-la. Os meios de reconhecimento de um problema podem envolver indicadores, eventos-foco (como crises, acidentes ou símbolos) e feedback (formal ou informal) de programas e ações do governo. Por sua vez, situações passam a ser percebidas como problemas quando se acredita que é preciso fazer algo para alterá-las. Situações que contrariam valores importantes, ou que apresentem relevância por comparação histórica ou com outras unidades de análise, ou ainda que sejam submetidas à mudança de categoria de análise de um fenômeno podem funcionar como elementos de convencimento para ação governamental. Ainda assim, os problemas podem igualmente desaparecer da agenda, por já estarem sendo tratados, por frustração ao não se conseguir resolvê-los ou quando os meios que chamaram atenção para o problema mudam ou ainda quando novas questões assumem preponderância na agenda.

Kingdon (2007b, 2011) chama de empreendedores da política atores diversos que, em suas áreas de atuação e especialidade, se esforçam para que as instâncias decisórias reconheçam o problema. Empreendedores da política são aquelas

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Tatiana Dias Silva

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pessoas dispostas a investir recursos na promoção da política. Agem por interesse próprio, por uma causa, por reconhecimento ou por valores. Atuam no fluxo dos problemas, na indicação de alternativas e na viabilização das três correntes.

Em uma dinâmica diferente do fluxo do problema, o fluxo da política (politics) funciona com a lógica do consenso por negociação, mais do que por persuasão. Os participantes desse fluxo podem ser visíveis (políticos, alto escalão do governo) e geralmente são estes que definem as agendas. No entanto, os participantes invisíveis atuam nos bastidores e geralmente têm maior poder na escolha e defesa das alternativas (burocratas, acadêmicos, especialistas). Nesse fluxo, a opinião pública sobre determinado tema e a ação de grupos de interesse organizados atuam fortemente na construção de um ambiente de debate e defesa de posições. Igualmente, a mudança de governo por si só pode permitir que uma situação passe a ser analisada sob outro prisma, tanto por diferenças ideológicas em relação ao governo anterior ou mesmo pela assunção de novos gestores e abertura a novas ideias.

Por fim, o fluxo das políticas públicas (policies) comporta as alternativas a serem selecionadas e defendidas. Elas são escolhidas por alguns critérios, como congruência com os valores dos membros da comunidade de especialistas, viabilidade financeira, antecipação de restrições (financeiras, sociais etc.) no sentido de se identificar um custo tolerável, em um processo de “amaciamento”, no qual “teóricos” de uma solução defendem e difundem suas convicções.

Em contraste com um processo sequencial, esses fluxos se sobrepõem e funcionam sob lógicas e tempos diferenciados. Para uma questão se posicionar na agenda de decisões, todavia, geralmente deve haver uma conexão entre os três fluxos. Quando ocorrem apenas conexões parciais, é provável que não haja força suficiente para promover uma situação ao status de problema. Por exemplo, problemas que chegam à agenda de governo sem propostas de solução têm pouca chance de serem efetivamente apreciados.

As janelas de políticas públicas são abertas por eventos tanto na área dos problemas como da política (janelas de problemas e janelas de política). Quando uma janela se abre, geralmente são apresentadas muitas propostas e muitos problemas, ainda que nem todos cheguem a ganhar atenção. Assim, Kingdon (2007b, p. 240) responde à sua questão inicial, de como as ideias chegam a ser consideradas: “[...] os eventos não ocorrem organizadamente em estágios, passos ou fases. Em vez disso, dinâmicas independentes que fluem pelo sistema ao mesmo tempo, cada uma com vida própria e similar às outras, unem-se quando se abre uma janela de oportunidades”.

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Por sua vez, quando há sucesso em uma agenda de decisão, podem-se criar oportunidades para aprovação de pautas similares (spillover), uma vez que o êxito vai mobilizar os empreendedores, influenciar o processo e deslocar a ação da coalização vencedora. Embora Kingdon (2011) não o cite, o efeito reverso também pode ser verdadeiro. Cabe salientar que Kingdon (2011) sempre defende o caráter probabilístico de sua abordagem, apresentando condições em que há maiores chances de ocorrer um determinado fenômeno, mas não isentando a análise de outras condicionantes não relacionadas ou mesmo de eventos aleatórios.

Zahariadis (2007), além de introduzir explicitamente o componente da ambiguidade, defende o uso da perspectiva dos MF para todo o processo de elaboração de políticas públicas e não apenas para sua formulação. Por ambiguidade, entendem-se diferentes formas de ver um fenômeno, que, muitas vezes, podem ser inconciliáveis. Se incerteza diz respeito à inabilidade de prever um evento, mais informação pode reduzi-la; no entanto, no que diz respeito à ambiguidade, mais informação pode até mesmo aumentá-la.

Segundo Zahariadis (2007), na abordagem oferecida por Kingdon (2011), decisões coletivas não são o agregado de decisões individuais, mas sim o resultado de um processo de forças estruturais e de um processo cognitivo e afetivo moldado pelo contexto. A escolha é vista a partir de uma “lata de lixo” onde os participantes, envolvidos ou não na decisão, depositam problemas e soluções não relacionados. Ninguém coordena diretamente o processo de escolha.

Kingdon adapta o modelo da GC para analisar o resultado de políticas dos EUA. Nessa análise, destaca três aspectos: a) participação fluida: tempo e esforço dedicado à decisão é variável. Há grande rotatividade entre políticos e burocratas, que passam de decisão a decisão; b) preferências problemáticas: antes de formar preferências, participantes são obrigados a tomar decisões, espremidos pelo tempo e por diferentes pressões; c) tecnologia não é clara: frequentemente os membros da organização não sabem como as outras áreas funcionam, têm vaga ideia sobre o que acontece em outros departamentos. As fronteiras organizacionais não são claras e há muito ruído e conflitos entre as áreas. Por fim, acabam utilizando a tentativa e erro e se baseando no que deu certo no passado para construir novas decisões (Zahariadis, 2007).

Nesse contexto, a manipulação é um esforço importante para controlar ambiguidade. É direcionada a fim de criar sentido para os fenômenos. Desse modo, a informação é um elemento não neutro, pois é constantemente manipulada. Destarte, Zahariadis (2007) avalia que o foco não é apenas entender como a construção de significados ocorre no contexto de decisão, mas a forma estratégica

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como instituições, símbolos e significados podem ser utilizados para alterar a dinâmica das decisões.

Por fim, cabe pontuar as críticas dirigidas à abordagem dos MF e elencadas por Zahariadis (2007). O modelo do GC foi criticado pela falta de demonstração empírica das conclusões, que partem dos pressupostos de maneira direta. O modelo MF, consequentemente, herdaria esses problemas. O autor, no entanto, pontua que o MF se baseia no GC, mas toma outra direção. Por exemplo, enquanto um apresenta a decisão como resultado de forças fortuitas, o MF aponta a decisão como um elemento deliberado dos empreendedores da política. Por conseguinte, discorda de críticos que afirmaram que as falhas do modelo GC invalidam seus seguidores e ainda destaca a contradição, uma vez que os mesmos críticos elogiam o modelo de MF. Também cita teste estatístico sobre atuação das MF realizado por Travis e Zahariadis, o que comprovaria a possibilidade de teste de suas hipóteses.

Por fim, salienta que o uso do MF supera a perspectiva de ciclos ou estágios de políticas públicas, que, comprovadamente, não acontecem de forma sequencial. O uso do MF possibilita análises mais complexas das correntes que produzem e afetam as políticas públicas.

À guisa de conclusão, destaca-se, da análise de Zahariadis (2007), que as lentes oferecidas pelo MF conseguem superar a dicotomia entre voluntarismo e determinismo, colocando em relevo o papel da ação do indivíduo, mas admitindo a força das instituições. Em meio a normas e instituições, há espaço para manipulação dos agentes, em um contexto de ambiguidades, acasos e incertezas, considerando a racionalidade limitada e a complexidade de processos independentes e inter-relacionados que conformam os problemas, a política e alternativas de ação governamental.

O MF também é criticado devido à aleatoriedade do modelo. Essa crítica é contraposta com a existência de variáveis intermediárias em cada fluxo, o que cria condições propícias para seu fortalecimento, sob uma visão contingencial. Outro ponto abordado é a interdependência dos fluxos no modelo de MF, em vez da independência inicialmente proposta por Kingdon (2011). Como destaca Capella (2006), Kingdon (2011) posteriormente admite a interdependência em momentos alheios à formação das janelas. Algumas dessas questões são retomadas por Gottems et al. (2013, p. 518). Para esses autores, os principais pontos negativos identificados na abordagem dos múltiplos fluxos “referem-se à baixa capacidade preditiva, à subespecificação das forças causais, à concentração nos fatores situacionais e temporais, sua ênfase descritiva e as dúvidas sobre o caráter incremental na especificação de alternativas” (Gottems et al., 2013, p. 518).

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Alguns críticos ressentem-se de uma abordagem exatamente mais “paradigmática”. Weible e Schlager (2016) defendem que, apesar dos seus trinta anos, o MF precisa de aprofundamento para avançar no conhecimento sobre política pública e seu processo. Assim, sugerem o uso de um framework com linguagem e conceitos comuns e a utilização de métodos de coleta e análise de dados que permitam análise comparativa e consequente acúmulo de conhecimento generalizável. Reconhecem, no entanto, que essas duas primeiras propostas convergem para uma visão positivista. Não obstante, os autores também acrescentam a possibilidade de utilização de análise discursiva para compreensão da MF, convergindo para uma abordagem pós-positivista que privilegie mais a interpretação e os argumentos do que as relações de causalidade.

Por sua vez, uma das contribuições teóricas apontadas é a inspiração que propiciou para outras abordagens, como é o caso de teorias evolucionárias, que procuram identificar como ambientes influenciam na estabilidade ou mudança das políticas e o papel dos atores na adaptação ou ruptura. Constrangidos pelo ambiente, os atores têm papel fundamental em promover o encontro dos três fluxos, permitindo a finalização de um processo de escolha de alternativas e reconhecimento de problemas (Cairney; Jones, 2016). Esse seria o caso da Punctuated-Equilibrium Theory (PET).

Em um contexto de ambiguidades, construção de significados e disputa entre diferentes atores, procura-se analisar como a questão racial, em especial a desigualdade racial no acesso ao ensino superior, passou a ser tema da agenda de governo. Para tanto, a despeito de suas limitações, a abordagem dos MF oferece uma ampla possibilidade analítica, ao mapear processos complexos que culminaram em uma janela de oportunidade que se logrou decisiva para o tema no país. Todavia, esse processo não se deu de forma direta, envolvendo, ao longo do tempo, diferentes arenas e níveis de atuação governamental. Analisar o processo de formação da agenda governamental federal não pode negligenciar as dinâmicas anteriores nas IES. Assim, como recomendam Gottems e outros (2013, p. 518), recorreu-se ao uso de outros referenciais para suprir lacunas relativas ao “peso das instituições, do tempo e da historicidade das mudanças políticas”. Nesse caso, elementos do modelo do equilíbrio pontuado foram incorporados à análise especialmente para contribuir com a reflexão da formação da agenda em diferentes tempos e níveis institucionais.

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Modelo do Equilíbrio Pontuado: a imagem do problema e os subsistemas na formação da agenda

O objetivo da Teoria do Equilíbrio Interrompido ou Pontuado (Punctuated-Equilibrium Theory – PET) é explicar como e por que ocasionalmente ocorrem rupturas, embora os processos políticos sejam geralmente caracterizados por inércia, incrementalismo e estabilidade. A abordagem tenta contemplar estabilidade e crise, diferentemente da maioria dos modelos que se dedicam ou conseguem explicar um dos estágios apenas. Como o modelo de MF, apresentado por Kingdon (2011), o PET também tem foco na definição de problemas e formação de agenda. A definição de problemas é conformada pelo discurso público e, quando esse se altera, a política pode ser reforçada ou questionada. No segundo caso, mudanças mais significativas são geradas.

Para Jones e Baumgartner (2012), formuladores do PET, as mudanças de grande monta ocorrem entre períodos de longa estabilidade e não advêm apenas de eventos externos, como eleições, mas também se desenvolvem no interior dos sistemas. Quando um subsistema não pode conter as demandas por mudança, elas transbordam o nível macropolítico de decisão.

Essa abordagem vai de encontro ao modelo padrão norte-americano de análise de mudanças nas políticas à época. Esse modelo se baseava nas mudanças promovidas pelo processo eleitoral, que alterariam os formuladores de política e, consequentemente, o tipo de política que seria desenvolvido. Jones e Baumgartner (2012) destacam que, contudo, esse modelo não apresenta explicações convincentes quando confrontado com algumas situações. Por exemplo, mudanças relevantes podem acontecer sem precedência de eleições. Ademais, nesse modelo, não há espaço para priorização das alternativas. Ainda, convém pontuar que as posições entre os partidos não são fixas, elas comportam alternativas matizadas. Desse modo, concluem que eleições são importantes, mas não explicam todas as grandes mudanças. Alia-se a esse equívoco o fato de que o foco no incrementalismo levou os teóricos a menosprezar as grandes mudanças pontuais (Jones; Baumgartner, 2012).

Por conseguinte, esses autores propõem nova abordagem que considere não apenas o incrementalismo, mas possibilidades de mudanças abruptas. O mecanismo que conduziria esses dois processos seria a natureza distinta de feedback atuante nos subsistemas e no nível macropolítico. As pressões por mudança passam por processos tanto de feedback negativo como de feedback positivo: “no primeiro caso, um distúrbio é recebido com ações de compensação, em um processo semelhante a um termostato. Nesse último, a mudança resulta em mudança, gerando um

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impulso muito mais poderoso para a mudança do que se poderia esperar” (Jones; Baumgartner, 2012, p. 3).

True et al. (2007) acrescentam que, no processo de feedback positivo, uma mudança, ainda que modesta, causa efeitos amplificados. Por sua vez, o feedback negativo mantém a estabilidade do sistema e é responsável pelas mudanças incrementais. Assim, pequenas mudanças podem causar grandes efeitos. O que determina se um processo vai se desenvolver por feedback positivo é a interação entre mudanças na imagem e arena da política.

A imagem da política seria moldada pela combinação entre informação empírica e apelo emotivo. Uma mesma política pode ter atenção em um nível do governo e ser neglicenciada por outro, devido a seus diferentes subsistemas, participantes, limitações, enfim, suas características. Quando apenas uma imagem é dominante em determinado subsistema, fala-se em monopólio da política. Esse conceito refere-se a um subsistema reconhecido que concentra a formulação de políticas em uma determinada área, que pode apresentar feedback negativo por geralmente “amortecer” pressões por mudanças. Assim, tal como as comunidades paradigmáticas, “esses monopólios são responsáveis pela manutenção da estabilidade na produção de políticas públicas e pela restrição de novas questões à agenda governamental” (Capella; Brasil, 2015, p. 463).

Quando a forma de ver o problema muda ou novas dimensões emergem, grupos e pessoas fora do “monopólio da política” podem exercer pressão suficiente para romper o subsistema ou para forçar divisão do espaço e o estabelecimento de novas regras. Essas novas regras passam a formar um novo equilíbrio que permanece quando as pressões arrefecem.

Para Jones e Baumgartner (2012), o equilíbrio pontuado é o comportamento mais comum na formação de políticas norte-americanas. No entanto, ressaltam que essa constatação pode esconder problemas internos muito diferenciados. Alertam que arranjos institucionais (como gestão de conflitos ou aprendizagem organizacional) podem reduzir a magnitude das mudanças mais amplas (punctuations). A resistência à mudança (fricção) seria resultado da atuação das regras institucionais do sistema político (rotinas, formas de pensar, cultura, normas), que funcionam no nível cognitivo, organizacional e institucional. Assim, as mudanças de grande impacto ocorrem não apenas por meio de pressões externas, como também resultam da acumulação de esforços, ao longo do tempo, para combater as resistências (fricção).

True et al. (2007) tratam das fricções apontadas por Jones e Baumgartner (2012), referindo-se a elas como as maiores fontes de custo para transformar inputs em políticas. Os custos seriam de natureza cognitiva, assumidos pelos atores políticos que se envolvem no processo de reconhecer os sinais de um problema,

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dar atenção, contextualizar e propor sugestões; e de natureza institucional, em que as regras do ambiente de formulação de política tendem a manter a estabilidade. Por sua vez, as instituições de formulação de políticas parecem incrementar o atrito de determinados problemas para formar pressão suficiente para superar barreiras institucionais, a exemplo dos empreendedores de política de Kingdon (2011).

O modelo PET se baseia em uma generalização da abordagem do equilíbrio pontuado. Em sua versão mais ampla, com base na visão de racionalidade limitada, enfatiza-se o papel do processamento de informação no sistema de formulação de política, que envolve coleta, organização, interpretação e priorização de informação. O processamento de informação pode ser explícito ou não, e geralmente é marcado por incerteza e ambiguidade. Mais do que assimetria de informação reforçada em outros modelos, o PET destaca o excesso de informação e a seletividade da atenção dos formuladores de política, que simplesmente ignoram parte da informação disponível por dificuldade de processar tudo. Essa desproporção no processamento de informações compromete a priorização dos problemas para ação governamental (Jones; Baumgartner, 2012).

Como destacam True et al. (2007), o sistema político tem um processamento serial, a partir do qual não se pode dedicar a muitos assuntos em um só momento. Há, no entanto, subsistemas políticos que processam, em paralelo, diferentes questões, mas tendem a ser insulados e a ter pouca capacidade de promover mudanças radicais. Algumas vezes, todavia, o processamento paralelo ganha espaço e o assunto passa a ser processado de forma serial pelo sistema político. O assunto sai do nível de subsistema para o nível macropolítico geralmente por mudança nas definições do problema, intensificação da atenção provocada pela mídia ou por públicos mais amplos. A dinâmica da atenção pode ser disparada por um evento ou por acúmulo de problemas ao longo do tempo. Com efeito, o acesso ao nível macropolítico é necessário para mudanças radicais, mas não suficiente.

True et al. (2007) analisam a dinâmica orçamentária norte-americana à luz da Teoria do Equilíbrio Pontuado e concluem que as pontuações ocorrem tanto em sentido top-down como bottom-up, sendo que a primeira direção é de mais fácil comunicação. A repercussão bottom-up é geralmente amortecida pelo insulamento dos subsistemas. Como resultado, esperam-se mais pontuações nos subsistemas do que no topo da organização. Todavia, nos níveis inferiores, dadas as resistências, elas serão mais facilmente acomodadas. Desse modo, se contrapõem a muitos modelos que preveem mudanças abruptas, mas geralmente causadas por fatores externos, em particular à opinião popular (também influenciando e sendo influenciado pela opinião popular). No entanto, na mesma linha do PET, destacam alguns trabalhos que consideram influência externa e interna como gatilhos para os choques de mudança em processos orçamentários.

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Embora estudos quantitativos tenham suscitado os principais contornos do PET, investigações mais qualitativas são exortadas por seus fundadores, para que se possam investigar melhor as relações aventadas pela teoria, como as fricções cognitivas e organizacionais, por exemplo.

Analisados os modelos de PET e MF, são dignas de nota suas similaridades e possibilidades de complementação. De fato, o modelo do PET dá mais ênfase aos aspectos institucionais, apresentando os subsistemas como locus mais estruturado para desenvolvimento das interações, em que poderiam atuar os múltiplos fluxos de Kingdon. São ainda os subsistemas o espaço onde a maior parte dos participantes visíveis e onde praticamente a totalidade dos invisíveis operam. A ação do empreendedor da política, em congregar os fluxos, está diretamente relacionada à formação da imagem da política capaz de acessar o nível da macropolítica (ou da agenda governamental).

Similaridades e diferenças entre os modelos dos MF e PET também são objeto da atenção de Capella (2006). Na avaliação da autora, ambos creditam à definição de uma questão ou situação o aspecto central na formação da agenda, quer por meio da imagem da política e contexto institucional, em seus constituintes empíricos e emocionais, quer por meio de eventos focalizadores. Os dois modelos também conferem grande papel ao presidente na definição da agenda. Além disso, rompem com uma visão de causa-efeito ao analisar a formação das agendas, oferecendo uma análise mais fluida e complexa, em que as ideias têm papel central. Por outro lado, diferem na ênfase ao papel das eleições, da mídia, de grupos de interesse na formação das agendas. Diante de tantos elementos comuns e complementares, uma proposta que proponha a integração dos modelos, recuperando a fluidez de Kingdon sem negligenciar os aspectos institucionais do PET, mostra-se alvissareira.

Modelo conceitual e procedimentos metodológicos

Para analisar a formação da agenda governamental no caso da desigualdade racial no ensino superior, propõe-se um modelo conceitual integrado (Figura 1). Inicialmente, considera o caráter multinível do fenômeno, observando não apenas a formação da agenda no nível dos subsistemas, mas também a mudança em processo de difusão. Nesse processo, pode-se verificar que os fluxos dos problemas, soluções e políticas convergem em janelas de oportunidades tanto no subsistema como no nível da macropolítica, considerando, todavia, elementos coincidentes ou não, em cada fluxo.

Por fim, além dos fluxos, verifica-se a influência do processo de mudança nos subsistemas, alterando a imagem da política, rompendo monopólios interpretativos e promovendo alteração nas agendas governamentais, que podem ou não resultar

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em mudanças também nesse patamar. Para compreender essa dinâmica, foi adotada uma estratégia de pesquisa qualitativa, com recurso da triangulação de dados.

Figura 1 – Modelo conceitual: Múltiplos Fluxos em análise multinível

Fluxo das

soluções

Janela de oportunidade

Agenda setting

Difusão (spillover)

Subsistema

Macropolítica – Agenda

governamental Fluxo da

polí�ca

Janela de

oportunidade

Fluxo dos

problemas

Fonte: Elaboração própria. Baseado em Kingdon (2007), Capella (2006), Jones e Baumgartner (2012).

Para alcançar o objetivo desta pesquisa – qual seja, analisar o processo de formação de agenda governamental em relação ao tema da desigualdade racial no acesso ao ensino superior –, foi delineada estratégia de pesquisa que recorreu à triangulação de fontes de dados (Guion, 2002). Inicialmente, foram apreciados documentos e estudos relativos à desigualdade racial no Brasil, em especial no ensino superior, e materiais sobre as ações afirmativas implementadas para enfrentamento desse problema (leis, estudos, pesquisas e relatos de experiências). Procurou-se identificar elementos que compuseram os múltiplos fluxos indicados no referencial teórico.

Para analisar o fenômeno também sob a perspectiva de participantes-chave, utilizaram-se notas taquigráficas da audiência pública (AP) convocada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para subsidiar o processo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1864. Essa ação foi impetrada pelo partido atualmente conhecido como Democratas, contra o programa de cotas para negros desenvolvido pela UnB. A AP foi realizada entre 3 e 5 de março de 2010, com a participação de 44 oradores, entre representantes das partes, de movimentos sociais, de universidades, do governo, de associações de classe e especialistas.5 Essa audiência pública representou um marco no debate sobre cotas nas universidades,

4 É o Recurso Extraordinário 597.285/RS contra o sistema de cotas na UFRGS.5 A relação completa dos habilitados para participar da audiência pública pode ser conferida no site do STF (http://

www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=118350&caixaBusca=N).

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além de reunir um conjunto amplo e representativo de atores envolvidos diretamente na aplicação da política ou no debate público que a envolveu. Por essa razão, os discursos pronunciados nessa ocasião foram escolhidos para análise, pois se aproximam de uma síntese sobre o debate relativo à temática naquele momento.

Resultados: a formação da agenda segundo atores-chave

A análise empreendida possibilitou identificar elementos integrantes dos fluxos de problemas, política e soluções, conforme a abordagem teórica proposta por Kingdon (2011), a fim de recompor os processos que permitiram estabelecer a formação de agenda. A dinâmica desses fluxos procura explicar os meios pelos quais o tema da desigualdade racial no acesso ao ensino superior, persistente na história nacional, passou a ser visto como questão importante para o governo e alcançou as agendas governamental e de decisão, em uma conjunção dos fluxos de problemas, políticas e soluções em diferentes níveis. Para cada fluxo, são apresentadas a seguir as evidências captadas na pesquisa documental.

Fluxo dos problemas

Uma situação passa a ser conhecida ou ter sua magnitude considerada por meio de indicadores, eventos foco ou mesmo resultado de iniciativas governamentais (feedback). Ampla oferta de dados estatísticos mostravam a magnitude das desigualdades entre brancos e negros em vários campos sociais. De fato, número crescente de estudos procurava documentar fartamente os níveis diferenciados de acesso a bem-estar e ativos segundo a cor ou raça dos indivíduos. Essa geração de conhecimento sobre a situação social da população negra se consolidou tanto em bases nacionais fornecidas pelo IBGE ou registros administrativos (cadastros e registros utilizados em programas governamentais), como em avaliações específicas desenvolvidas por diversas organizações (Ethos, 2010; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2015; Paixão et al., 2010). No entanto, como afirmam Paixão e Rosseto (2012), apesar da melhoria na visibilidade estatística da população negra, ainda restam níveis diferenciados de empenho das instituições para garantir coleta e tratamento adequados dos dados. Além disso, igualmente falta empenho no uso de informações com recorte transversal para retroalimentação das políticas públicas.

Alguns episódios, ocorridos em diferentes tempos e escala, foram considerados como “gatilhos” para o reconhecimento do problema ou de sua magnitude. Em um nível mais amplo, pode-se destacar a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em 2001, em Durban, na África do Sul, com a participação de mais de 16 mil participantes de

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173 países. A conferência resultou em uma Declaração e Plano de Ação dos quais o Brasil é signatário (Declaração..., 2001) e promoveu grande mobilização nacional e internacional sobre o racismo e suas repercussões. Importa destacar o papel dos eventos nacionais preparatórios para conferência, que promoveu relevante atividade interna e repercussão sobre a questão racial, inclusive no âmbito da educação e das ações afirmativas (Santos, 2014).

No nível das IES, as oportunidades de debate interno desvelaram a situação em tela, em busca de reconhecimento do problema da desigualdade racial e de medidas para seu enfrentamento. No caso específico da UnB, foi relatado que um incidente racial promoveu debate sobre o tema, consolidando-se como um evento foco para a formação de agenda naquela instituição. Tal incidente refere-se a um episódio de reprovação, em uma disciplina, do único aluno negro a cursar o doutorado em Antropologia até então. Ao caso, foi atribuída conotação racial, que teve desdobramentos institucionais (Ferraz, 2013).

Cabe ainda pontuar que os resultados insuficientes de programas governamentais universais também contribuíram para descortinar o problema da desigualdade racial, demandando ações diferenciadas. No entanto, como destacam Silva e outros (2011), o monitoramento e avaliação de programas transversais – que perpassam diferentes políticas setoriais –, como é o caso da política racial, carecem de maior visibilidade nos atuais mecanismos de orçamento e planejamento governamentais. Essa lacuna limita o monitoramento e avaliação dessas ações e, consequentemente, um feedback adequado.

Como pode ser observado, há diferentes níveis na identificação do problema (internacional, nacional, local), que serão tratados posteriormente.

Conforme a abordagem dos MF, além de ser revelado, um problema precisa ser percebido como tal, encetando mobilização para alterar o quadro. Nesse caso, a comparação internacional pode promover mudança de percepção e “desnaturalizar” as situações. Essa avaliação pode ser encontrada nas palavras do prof. Kabengele Munanga, sobre a desigualdade racial no Brasil (Stf, 2010, p. 230):

Esse quadro é considerado como gritante quando comparado ao dos outros países que convivem ou conviveram com as práticas racistas como os Estados Unidos e a África do Sul. Os dados ao nosso conhecimento mostram que, na véspera do fim do regime do apartheid, a África do Sul tinha mais negros com diploma superior que o Brasil de hoje, incluindo o líder da luta antiapartheid, Nelson Mandela. Só este exemplo basta para mostrar que algo está errado no país da “democracia racial” que precisa ser corrigido.

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O confronto com valores sociais também é apontado como meio de mobilização para enfrentamento de um problema identificado. Nesse sentido, os valores trazidos pela Constituição Federal (CF) de 1988, além de evidenciar a responsabilidade do Estado na promoção da igualdade racial, ainda defendem o pluralismo, visto como constantemente afrontado pela exclusão de parcela da sociedade de diversos espaços. A afronta a esses valores foi constantemente mencionada na AP (Stf, 2010, p. 14; 370):

O que acontece com a Constituição de 1988? Ela vem reconhecer exatamente o caráter plural da nossa sociedade nacional (Debora Duprat, PGR).

O espírito de reforma social, consagrado na nossa nova Constituição continua a inspirar a luta por direitos e pela realização do sonho democrático da igualdade (João Feres, UFRJ).

Fluxo da política

Na análise empreendida, foi possível identificar algumas categorias apresentadas pela abordagem dos MF como parte da dinâmica política que circunscreveu a formação da agenda. Como inicialmente exposto, o tema do racismo e das desigualdades raciais, por muito tempo, foi considerado tabu, apoiado no mito da democracia racial, que negava tanto as desigualdades como a discriminação tendo em vista o caráter miscigenado da população. Desvelar essa questão torna-se embate político importante na sociedade brasileira, o que justifica o tom acalorado dos debates em torno do tema. Por essa razão, são bem compreensíveis os achados que reforçam o contexto de opinião pública em que reina o silêncio sobre o tema ou ainda a persistência da visão de democracia racial. Por outro lado, à medida que as iniciativas foram sendo implementadas, importantes controvérsias contribuíram para expandir o alcance do debate.

Como ressalta Kingdon (2007b, 2011), as janelas de políticas públicas são abertas por eventos tanto na área dos problemas como da política (janelas de problemas e janelas de política). Nesse sentido, essa efervescência permitiu, aos poucos, que novas vozes se posicionassem sobre o tema e que as vozes de sempre fossem amplificadas. As propostas de enfrentamento do problema foram ganhando adeptos em diferentes setores, mesmo que as resistências ainda permaneçam expressivas. O monopólio da política foi, aos poucos, sendo minado.

Momentos de mudanças também são apontados na literatura como elementos que podem criar janelas de política. Nesse caso, mudanças em diferentes níveis parecem ter propiciado a assunção de novos temas às agendas das IES e dos governos (estaduais e federal e, em menor medida, municipais). No âmbito

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nacional, o advento do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que tinha como objetivo ampliar o acesso e permanência na educação superior, abriu a possibilidade para debate e revisão de diretrizes de várias instituições, além de nortear a criação de outras à luz das propostas em debate. Cabe destacar que a “ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil” era uma das diretrizes do Reuni6.

A política educacional também passou a enfrentar mudanças conceituais em direção à adoção de ações afirmativas. Além do Prouni, anteriormente mencionado, com bolsas de estudo com critério social e racial, há que se mencionar a aprovação, em 2003, de legislação que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei nº 9.394/96), no sentido de incorporar a história da África e do negro no país nos currículos escolares. Essa diretriz permeou diversos programas do Ministério da Educação (MEC) para garantir a implementação da alteração da LDB, inclusive encetando a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), em 20047. Essas mudanças na política nacional podem ter trazido repercussões no nível das IES, que, por sua vez, foram também internamente alimentadas pelos debates próprios desenvolvidos na comunidade acadêmica. Assim, notadamente, no fluxo da política, houve uma dinâmica multinível na formação das agendas.

Por fim, identificam-se diferentes grupos de interesse envolvidos no debate: governo, especialistas, estudantes secundaristas, estudantes universitários, docentes, IES (administradores e diversos grupos internos), mídia, Legislativo, Judiciário, parlamentares, movimentos sociais, partidos e sociedade civil organizada. Cabe destacar a atuação constante do movimento negro na busca por melhores oportunidades educacionais. Como ressalta Santos (2014), a partir da década de 1990, ao longo percurso de denúncia do racismo e da discriminação empreendido pelo movimento negro, soma-se uma inserção gradual de suas demandas na agenda governamental.

A multiplicidade de participantes, visíveis e invisíveis, na dinâmica dos fluxos desse tema requer uma análise mais aprofundada, que pode ser objeto de profícuos estudos sobre a formação de coalizações de defesa das diferentes propostas e crenças.

6 Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, art. 2, V.7 A implementação dessa alteração legal é desenvolvida por meio de estratégias consolidadas no “Plano nacional

de implementação das diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura brasileira e africana”, que se baseia nos seguintes eixos fundamentais: “1) fortalecimento do marco legal; 2) política de formação para gestores e profissionais da educação; 3) política de material didático e paradidático; 4) gestão democrática e mecanismos de participação social; 5) avaliação e monitoramento; e 6) condições institucionais” (Brasil, 2009, p. 25).

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Fluxo das soluções

Janelas de problemas e de políticas não formam janelas de oportunidades efetivas se não houver alternativas de políticas públicas para fazer face aos problemas da agenda governamental. As alternativas são formadas em um processo independente em que os especialistas disputam soluções de políticas, em uma “sopa” de métodos, valores e instrumentos de implementação. Essas alternativas não são necessariamente construídas para um determinado problema, mas emergem dos círculos especializados ao encontro de determinadas demandas de ação no âmbito dos governos (Kingdon, 2007b, 2011; Zahariadis, 2007).

Nos discursos proferidos na AP, foi possível identificar duas grandes vias de propostas de políticas, sob as quais se delinearam diferentes justificativas e critérios de implementação: melhoria do ensino básico ou ações afirmativas; políticas universais ou políticas focalizadas, por assim dizer. Essas alternativas, por certo, não são excludentes.

Propostas de ações afirmativas já vinham se desenhando no país há décadas, especialmente inspiradas nas experiências internacionais, notadamente no caso dos EUA e da Índia. De fato, há tempo já foram inclusive incorporadas no ordenamento jurídico brasileiro, como no caso de cotas para pessoas com deficiência e mais recentemente de cotas para candidaturas de mulheres nas eleições.

A ação afirmativa pode ser considerada como toda iniciativa que vise à correção de desigualdades por meio de tratamento diferenciado dos grupos em desvantagem. O conceito pode ser extraído da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1966, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro três anos depois:

Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sidos alcançados os seus objetivos (Onu, 1966, artigo I, 4).

Em uma classificação direcionada para o contexto do mercado de trabalho, as ações afirmativas (AA) podem ser classificadas como iniciativas de justiça afirmativa ou de preferência afirmativa. As primeiras têm o fito de estimular a participação de indivíduos de determinados grupos em processos seletivos ou apoiá-los de modo a garantir sua inserção competitiva em igualdade de oportunidades. As medidas de

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preferência afirmativa referem-se a “iniciativas que oferecem ou recusam o acesso a certos bens ou serviços com base na raça, gênero ou deficiência” (Tomei, 2005, p. 12). Além da melhoria da escola pública, propostas de justiça afirmativa e de preferência afirmativa, nos termos adotados por Tomei (2005), dividiram o debate não somente na AP, mas também de modo mais geral.

Todavia, é certo que a principal proposta em xeque era a da preferência afirmativa, tanto por ter sido a mais difundida ao longo da última década (Incti, 2012), como por ser objeto direto de questionamento judicial. O que estava sub judice, de fato, era tanto a pertinência dessa modalidade de política como os critérios adotados para sua implementação. Embora o instituto da preferência afirmativa já fosse adotado no país, o critério racial, todavia, aparece como inovação no âmbito das políticas públicas. Com efeito, a primeira universidade que adotou critério racial exclusivo (sem critério social) – a UnB – encontrou questionamento quase que imediato na Suprema Corte.

Diferentes alternativas e critérios de políticas foram levantados como opções defensáveis face ao problema da ausência de negros no ensino superior. Como identificou Kingdon (2007b, 2011), é um momento em que diferentes valores estão em disputa e que as alternativas são verificadas quanto à sua viabilidade técnica, valores da comunidade de especialistas e antecipação a possíveis restrições. Na ocasião da AP, a viabilidade técnica era uma questão secundária, haja vista o fato de que as grandes propostas de ação afirmativa, nas diferentes acepções e com diferentes formatos, já se encontravam não apenas em funcionamento, mas em pleno processo de difusão. A própria existência de diferentes experiências de IES com programas de ação afirmativa, em diversos formatos, acabava por ilustrar o atendimento dessa primeira etapa. De fato, estavam em disputa, ao longo do processo, os valores que embasavam as alternativas. Entre os valores e critérios defendidos pelos atores para implementação de um sistema de ação afirmativa, o conflito central localiza-se no critério de seleção de beneficiários, ou seja, cotas com critério social ou racial.

Por fim, cabe pontuar algumas antecipações de problemas levantadas pelos atores. A possibilidade de futuros conflitos raciais em decorrência da opção por esse critério, as dificuldades advindas do processo de identificação racial ou mesmo o questionamento sobre a competência dos estudantes foram apresentados como limites à solução proposta pela UnB e retrucados em reiterados posicionamentos.

Fluxos, subsistemas e macropolítica

Nas seções anteriores, verificou-se como os fluxos de problemas, soluções e políticas marcaram a dinâmica da formação de agenda no caso da desigualdade racial

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no ensino superior. Os elementos dos referidos fluxos atuaram, de forma conjunta ou independente, tanto no nível da macropolítica como no nível dos subsistemas. Ademais, a dinâmica do subsistema não aconteceu de forma incremental, como presume o PET. No âmbito das IES, houve mudanças transformativas, radicais, na forma de ingresso dos estudantes, inclusive com adoção de critérios inéditos e controvertidos, como foi o caso da Unb. Por sua vez, foi possível identificar um processo de difusão entre as IES públicas. Com início do processo em 2001, uma década depois, 129 das 304 IES públicas já adotavam algum tipo de ação afirmativa (Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, 2012; Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2014b)8. Esse processo de difusão contribuiu para redução das resistências (fricções), possibilitando mudança na imagem da política e alteração do monopólio interpretativo que se concentrava nos discursos sobre democracia racial e meritocracia.

Cabe também comentar que o processo de formação de agenda se deu tanto no sentido top-down como bottom-up (True et al., 2007). Por um lado, mudanças na política educacional, como o Reuni, Prouni e introdução das diretrizes curriculares da educação étnico-racial, promoveram, ao longo dos anos 2000, alteração na imagem da política, com influência na percepção e gestão das IES. Por outro lado, os processos autônomos das IES9 (ou, em alguns casos, por legislação estadual e municipal), conforme relatado, promoveram mudanças mais transformativas ainda, impelindo uma reestruturação na macropolítica. Assim, no âmbito da agenda federal, além da atuação dos múltiplos fluxos na formação da agenda, há que se considerar a consistência e importância da dinâmica dos subsistemas na conformação dos fluxos.

Outro ponto de destaque na análise é o papel dos atores. Como aponta Capella (2006),

Central ao modelo de Kingdon é a idéia de que alguns atores são influentes na definição da agenda governamental, ao passo que outros exercem maior influência na definição das alternativas (decision agenda). O primeiro grupo de participantes é composto por atores visíveis, que recebem considerável atenção da imprensa e do público; no segundo grupo estão os participantes invisíveis, que formam as comunidades nas quais as idéias são geradas e postas em circulação (policy communities) (Capella, 2006, p. 32).

No entanto, no processo de ascensão do tema das cotas à agenda governamental, nos diversos níveis, os especialistas, associados à geração de alternativas como 8 Em 2001, 70 das 96 universidades federais e estaduais já tinham alguma ação afirmativa (Campos; Feres Júnior,

2013; Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2012).9 Autonomia conforme dispositivo constitucional (art. 207).

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participantes invisíveis, tiveram papel fundamental tanto na definição da agenda como na proposição de alternativas, chegando a assumir grande relevância no processo, como foi visto na citada audiência pública. Ademais, no âmbito das IES, eram especialistas alguns dos integrantes dos conselhos decisórios e, portanto, essa divisão não foi essencial na análise em questão.

Para o modelo dos MF, a mídia exerce mais influência depois que a questão entra na agenda (Capella, 2006). No entanto, no caso aqui analisado, dada a extensão do processo de formação multinível da agenda governamental, por mais de 10 anos em debate e difusão em nível de subsistema, houve grande repercussão da mídia, impelindo a formação da agenda em nível macropolítico.

Estudo de Campos e Feres Júnior (2013) sobre a repercussão midiática da política de ação afirmativa em universidades analisou 1054 textos publicados, em 2001 e 2011, no jornal O Globo. Segundo os autores, esse veículo foi pioneiro no tratamento do tema, tendo em vista que se situava no Rio de Janeiro, estado onde as ações afirmativas para ingresso em IES foram iniciadas. Os autores identificam que, apesar de o recorte socioeconômico ser majoritário nas iniciativas de AA, 87,7% dos textos do jornal concentravam-se no critério racial. Considerando as categorias contrário, favorável, neutro, ambivalente e ausente, o estudo identificou que apenas 26% foram favoráveis às cotas enquanto 42% dos textos eram contrários (nesse caso, mais prevalecentes nas seções de carta aos leitores, editorais e nas notas). Essa tendência de tratamento do tema com uma prevalência negativa, embora em análise restrita a um jornal, demonstra como a mídia pode contribuir não apenas para reverberar a agenda governamental, mas também para pautá-la e construir uma imagem da política.

Considerações finais

O presente estudo teve como objetivo analisar o processo de formação de agenda governamental que culminou com a inclusão do tema da desigualdade racial no acesso ao ensino superior. Para tanto, recorreu-se ao referencial teórico dos múltiplos fluxos formulado por Kingdon e aprimorado por seguidores. A esse modelo, acresceram-se elementos do modelo do equilíbrio pontuado, a fim de abarcar a dinâmica multinível identificada no caso analisado.

No âmbito do fluxo dos problemas, verificou-se que a questão passou de uma mera situação a um problema importante na agenda governamental por meio de indicadores, eventos críticos e avaliação de outras iniciativas governamentais. No entanto, além desses elementos, o confronto com valores nacionais em desenvolvimento e comparações internacionais permitiu mobilização para seu enfrentamento.

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No fluxo da política, foi identificado relevante e diverso repertório de partes interessadas no problema, o que confluiu em um intenso debate público a ocupar espaços de ampla repercussão nacional. Nesse contexto, a opinião pública oscilava desde a negação e invisibilidade do tema, até uma visão mais plural e engajada para seu enfrentamento. Além desses elementos, processos de mudança multinível se mostraram cruciais para abrir espaço na agenda governamental para essa “nova” temática.

Por fim, a existência de ampla discussão sobre as alternativas para fazer face ao problema da desigualdade racial no ensino superior vinha se consolidando em uma década de experiências de ação afirmativa em dezenas de IES pelo país.

Assim, uma janela de oportunidade importante foi aberta, motivada, por um lado, por um processo de difusão de experiências de ação afirmativa e um conjunto maior de dados disponíveis sobre a situação, desvelando o problema; e, por outro lado, uma efervescência de debates e grupos de interesses disputando a interpretação das normas e das instituições em ambientes de mudança (Streeck; Thelen, 2005).

No entanto, como indicado anteriormente, essa dinâmica ocorreu de forma multinível. O processo de formação de agenda em nível federal se deu em meio a um processo de difusão ao nível das IES. Logo, a formação da agenda tanto ao nível das IES como ao nível federal passou por um efeito de spillover (Kingdon, 2007b, 2011), no qual a decisão em um nível favoreceu o debate e a formação de coalizões em outro patamar. O referencial dos MF, em que pese sua contribuição para análise dos elementos pré-decisórios, parece insuficiente para tratar de dinâmicas multinível.

Por sua vez, a abordagem do equilíbrio interrompido discute a formação de processos de mudança radical no sistema macropolítico como resultados de mudanças incrementais nos subsistemas a este vinculados. A dinâmica promovida pelos subsistemas provocaria alterações na imagem do problema e impulsionaria mudanças de maior envergadura (Jones; Baumgartner, 2012). Logo, mostrou-se uma fértil possibilidade aliar a abordagem dos múltiplos fluxos à reflexão sobre como os subsistemas caracterizados pelas IES se alteraram internamente e reconfiguraram a imagem do problema a ponto de pressionar a macropolítica.

Por fim, pode-se concluir que a janela de oportunidades reconstituída na análise, bem como a dinâmica de difusão nos subsistemas, ensejou a mudança no nível macropolítico evidenciada tanto pela decisão unânime do STF a favor das cotas com critério racial na UnB em 2012, como pela promulgação da Lei nº 12.711/2012 (lei de cotas no ensino superior federal), apenas meses após o parecer do STF. A referida lei, no entanto, subordinou o critério racial ao social, além de tomar o segundo também de forma independente do primeiro. Na norma, o critério principal é a

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vinculação à escola pública; desse contingente, retiram-se subcotas por condição racial e de renda. Apesar da constitucionalidade do critério racial, o embate enunciado no fluxo das soluções permaneceu ao longo do processo de formulação, estabelecendo um critério intermediário na configuração final.

O desenvolvimento deste trabalho procurou trazer algumas contribuições ao debate do tema e das abordagens teóricas apreciadas. Investigar a trajetória dessa política afirmativa pode contribuir para a análise de sua implementação e resultados, além de identificar fatores críticos que mereçam ser monitorados para promover sua eficácia. A dinâmica de formação dessa agenda traz elementos significativos não apenas para compreender seus atuais embates, como para identificar questões fundamentais para seus processos de implementação e avaliação. Nessa direção, pode contribuir para análise de políticas implementadas por legislações, como a lei de cotas no ensino superior, reserva de vagas em concursos públicos (Lei nº 12.990/2014), ou ainda outras normativas, estaduais e municipais, que disciplinam igual objeto desde o início dos anos 2000 (Silva; Silva, 2014).

O estudo procura contribuir para o campo teórico ao propor uma análise multinível dos múltiplos fluxos de Kingdon, uma vez que a complexidade da dinâmica em tela mostra insuficiência do referencial isolado para análise da formação de agenda em contextos de diferentes subsistemas com dinâmicas e tempos independentes, alterando as agendas governamentais em diversos níveis. Há muita literatura sobre a adoção e implementação de ações afirmativas em IES, no entanto, este estudo focaliza a limitada produção sobre a formação dessa agenda governamental.

Diante de tanta informação disponível, esta análise limita-se a algumas referências, podendo aprofundar seus achados ao incorporar não só mais materiais sobre a formação da agenda nas IES, a partir de seus relatos internamente produzidos, como por meio de entrevistas com atores-chave, direcionadas especificamente para esse objetivo.

Novas oportunidades de estudos apontam para o caminho proposto do Zahariadis (2007), com vistas à utilização dos MF para analisar os processos de implementação dessas iniciativas. Outros estudos poderiam também ser encetados diante da multiplicidade de atores-chave, valores e interesses envolvidos. Análises dedicadas à formação de coalizações de defesa das diferentes propostas e crenças mostram-se igualmente promissoras nesse cenário.

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Tatiana Dias Silva

Possui mestrado em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Contato: [email protected].

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Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados

mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil

Mariana Mazzini MarcondesFundação Getúlio Vargas (FGV-SP)

Ana Paula Rodrigues DinizFundação Getúlio Vargas (FGV-SP)

Marta Ferreira Santos FarahFundação Getúlio Vargas (FGV-SP)

A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres representou um marco na estruturação da política para mulheres e igualdade de gênero no Brasil. A transversalidade de gênero foi adotada como estratégia de atuação nesse processo, envolvendo um conjunto de instrumentos, organismos, instâncias e mecanismos de gestão e participação social. Neste artigo, investigamos os significados atribuídos à transversalidade, focalizando a estruturação da política para mulheres e igualdade de gênero no Executivo Federal. A partir da análise de documentos, fundamentada no arcabouço teórico proposto por Walby (2005), concluímos que esses significados são indissociáveis das principais questões do feminismo, transbordando a dimensão da gestão governamental. Nesse contexto, os contornos da transversalidade são redefinidos, tanto diante dos desafios de institucionalização da política, quanto pelas disputas e negociações travadas no campo feminista.

Palavras-chave: gênero – mulher, políticas públicas – Brasil, institucionalização

[Artigo recebido em 15 de julho de 2017. Aprovado em 24 de abril de 2018.]

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Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil

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Transversalidad de género: un análisis acerca de significados movilizados en la estructuración de políticas para mujeres en Brasil

La creación de la Secretaría de Políticas para las Mujeres representó un marco para la institucionalización de políticas para las mujeres e igualdad de género en Brasil. La transversalidad de género fue adoptada como estrategia de acción en eso proceso, involucrando un conjunto de instrumento, organismos, instancias y mecanismos de gestión y participación social. En este artículo, investigamos los significados atribuidos a la transversalidad, enfocando la estructuración de la política para las mujeres e igualdad de género en el ejecutivo federal. A partir de los análisis documentales, basada en el estudio de Walby (2005), concluimos que esos significados son indisociables de las principales cuestiones del feminismo, desbordando la dimensión de la gestión gubernamental. En ese contexto, los contornos de la transversalidad se redefinen, tanto por los desafíos de la institucionalización de la política, cuanto por disputas y negociaciones del campo feminista.

Palabras clave: género - mujer, políticas públicas - Brasil, institucionalización

Gender mainstreaming: a discussion on the meanings mobilized throughout the structuring of policies for women in Brazil

The establishment of the Secretariat of Public Policy for Women was a landmark in the structuring of policies for women and gender equality in Brazil. In this process, the gender mainstreaming was adopted as a strategy of governmental intervention, comprising a set of agencies and instruments of public management with societal participation. In this paper, we investigate the meanings given to the gender mainstreaming strategy, focusing on the structuring of policies for women and gender equality on the federal government. Based on the analysis of documents, and departing from the framework proposed by Walby (2005), we conclude that these meanings are indissociable of the main questions of feminism, going beyond the management dimension. In this context, the content of the gender mainstreaming strategy is redefined in front of challenges faced throughout the policy institutionalization, as well as the struggles and negotiations established within the feminist field.

Keywords: gender - woman, public policies - Brazil, institutionalization

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Introdução

Políticas públicas para mulheres e igualdade de gênero surgiram no Brasil nos anos 1980, no contexto de redemocratização e ressurgimento dos movimentos feministas e de mulheres (Farah, 2004). No entanto, sua estruturação foi deflagrada a partir de 2003, com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e de um conjunto de instrumentos e instâncias para efetivar sua missão1. Foram emblemáticos dessa trajetória a Política Nacional para as Mulheres (Brasil, 2004a; b), os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (PNPMs) (Brasil, 2004b; 2008; 2013) e as Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres (CNPM), realizadas periodicamente nas diferentes esferas federativas. Essas novas iniciativas combinaram-se a outras existentes, como o Conselho Nacional de Direitos da Mulher (CNDM), buscando articular gestão e participação social no desenvolvimento de políticas na área.

Nesse percurso, a transversalidade foi desenvolvida como uma estratégia para inserção da perspectiva de gênero no curso da ação estatal (Brasil, 2004a). Por meio dela, busca-se reorientar as políticas públicas para o objetivo de igualdade de gênero, garantindo melhoria das condições de vida das mulheres (Guzmán, 2001; Bandeira, 2005; Organização das Nações Unidas Mulheres, 2005; Serra, 2006). Trata-se da expressão nacional do gender mainstreaming, difundido principalmente a partir da IV Conferência Mundial de Mulheres, realizada em Pequim, em 1995 (Bandeira, 2005; Papa, 2012; Reinach, 2013). Nessa trajetória nacional, a transversalidade ganhou novos contornos, assumindo características contextuais, inclusive como resposta a disputas travadas no campo feminista.

A transversalidade, nos níveis internacional e nacional, tem sido objeto de pesquisas nos campos de administração pública (Serra, 2006; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada , 2009; Silva, 2011; Cunnil-Grau, 2014; Marcondes; Sandim; Diniz, 2018) e gênero (Jahan, 1996; Guzmán, 2001; Shaw, 2002; Walby, 2005; Moser; Moser, 2005; Labrecque, 2010; Monteiro, 2013), com aproximações e distanciamentos entre ambos. No Brasil, a reflexão sobre a consolidação de políticas com recorte de gênero, ocorrida nas últimas décadas, tem mobilizado esforços para

1 Utilizamos o termo “instrumentos” para nos referir aos ferramentais norteadores e organizadores das ações governamentais, como políticas e planos; e “instâncias” para designar esferas de articulação e negociação entre agentes governamentais e não-governamentais, a exemplo das conferências, conselhos e comitês. Já “organismos de políticas para mulheres” é a denominação empregada para as unidades de coordenação de políticas públicas para mulheres e para a igualdade de gênero, em todos os níveis federativos. Por fim, o termo “mecanismos” é reservado a institucionalidades criadas no âmbito de órgãos implementadores das iniciativas que compõem a política pública para as mulheres. Enquanto a SPM é um exemplo de organismo, a Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais, que existiu no Ministério de Desenvolvimento Agrário, no período analisado, constitui um mecanismo.

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a convergência entre esses dois campos (Bandeira, 2005; Pereira et al., 2010; Papa, 2012; Reinach, 2013). É com esses esforços que esse trabalho visa contribuir.

Nesse contexto, nosso objetivo é investigar os significados atribuídos à transversalidade no processo de estruturação da política pública para mulheres no Brasil. Para tanto, realizamos uma pesquisa qualitativa, com base na análise de documentos oficiais produzidos ao longo da trajetória de desenvolvimento dessa política no Executivo Federal, no período de 2003 a 2016. Partindo de Walby (2005), argumentamos que os significados atribuídos à transversalidade de gênero são indissociáveis do contexto sócio-político em que essa estratégia se desenvolveu, não se limitando à forma de nomear a gestão dessa política. Com isso, buscamos evidenciar que esses significados não são estáticos, sendo permeados por elementos da dinâmica política nacional, especialmente das disputas e negociações do campo feminista.

Este artigo está organizado em seis seções, incluindo esta introdução e as considerações finais. Na segunda seção, debatemos o conceito de transversalidade de gênero para, em seguida, apresentarmos a metodologia de pesquisa. A quarta seção abrange o histórico de estruturação da política para mulheres e igualdade de gênero no Brasil, e a quinta, por fim, é dedicada à análise dos significados atribuídos à transversalidade de gênero nesse percurso.

Transversalidade de gênero: origens e principais questões de um conceito em disputa

Desde os anos 1970, observa-se a crescente reivindicação por parte dos movimentos feministas e de mulheres em prol da incorporação da problemática de gênero na ação estatal. Isso tem conduzido a uma atuação mais efetiva de instituições no campo, inclusive de organismos internacionais, que, em coerência com as demandas dos movimentos, têm recomendado que Estados Nacionais promovam políticas para a superação dessas desigualdades. Desde a I Conferência Mundial de Mulheres, realizada no México em 1975, essas recomendações foram apresentadas. No entanto, ainda que diversos países tenham se comprometido a cumpri-las, poucos esforços foram empreendidos no período (Bandeira, 2005).

Nesse contexto, nos anos 1980, movimentos feministas e de mulheres europeus impulsionaram debates sobre políticas e estratégias para efetiva incorporação da perspectiva de gênero no curso da ação estatal, resultando no desenvolvimento do gender mainstreaming. A partir da IV Conferência Mundial de Mulheres, realizada em Pequim, em 1995 (Serra, 2006; Reinach; 2013; Papa, 2012), essa estratégia foi difundida internacionalmente, visando assegurar que a perspectiva

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de gênero integre as políticas desenvolvidas em todas as esferas de atuação estatal (Organização das Nações Unidas - Mulheres, 1995; Bandeira, 2005). Desde então, o gender mainstreaming tem sido adotado nos níveis internacional, regional, nacional e subnacional (Shaw, 2002; Walby, 2005; Labrecque, 2010; Papa, 2012; Reinach, 2013).

A incorporação da perspectiva de gênero na ação estatal tem sido acompanhada pela produção acadêmica sobre o tema, tanto no campo de administração pública quanto dos estudos de gênero e, ainda, na convergência entre ambos. No primeiro, a transversalidade é recorrentemente associada à coordenação governamental das ações de diferentes setores, em decorrência da introdução de novos temas – sobretudo referentes à garantia de direitos – que não integravam a missão de um órgão em específico, mas que pressupõem uma visão integral para a efetividade da atuação estatal (Serra, 2006; Cunnil-Grau, 2014). Sua abrangência é, contudo, objeto de controvérsias, especialmente na delimitação de fronteiras com outros conceitos, como o de intersetorialidade, o que tem resultado no uso intercambiável de ambos (Bronzo, 2007; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2009; Silva, 2011; Marcondes; Sandim; Diniz, 2018).

Os estudos de gênero, por sua vez, incorporam a preocupação com a operacionalização da transversalidade, mas priorizam suas conexões com questões fundamentais do feminismo, em suas permanentes disputas (Walby, 2005). Como discute Guzmán (2001), a incorporação da perspectiva de gênero na gestão pública envolve a legitimação dessa problemática na sociedade e no Estado, com sua integração à agenda governamental, resultando na institucionalização de políticas públicas para sua superação. Trata-se de um processo conflituoso, no qual os significados atribuídos à transversalidade se transformam, em decorrência de fatores culturais, institucionais, espaciais e temporais (Guzmán, 2001; Walby, 2005). Nesse sentido, essa incorporação não constitui uma simples tradução da expressão gender mainstreaming, mas implica sua (re)construção contextual, em que uma multiplicidade de significados é mobilizada em distintos países, organismos internacionais e movimentos feministas e de mulheres.

Walby (2005) propõe que a transversalidade seja analisada em torno de cinco questões. Primeiramente, deve-se considerar a existência de um conflito inerente à relação entre o objetivo de igualdade de gênero e o curso da ação estatal, decorrente da contraditória relação entre feminismo e Estado. Como destacam Cisne e Gurbel (2008), por um lado, a incorporação de reivindicações feministas pelas políticas públicas contribui para a garantia de direitos. Por outro, essa pode gerar a despolitização da luta social, com a perda da radicalidade da agenda dos movimentos feministas para adequar-se às rotinas governamentais (Jahan, 1996). Trata-se do

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que Guzmán (2001, p. 23) denomina “contrapartida da institucionalização”, em que as reivindicações feministas são ajustadas às regras constitucionais e legais e, ainda, à lógica da ação estatal, como parte do processo de institucionalização.

A proposição de um Estado promotor da igualdade de gênero conflita, ainda, com a orientação historicamente consolidada para o curso de sua ação, comprometida com a reprodução de desigualdades, em geral, e do patriarcado, em particular. Nesse contexto, Shaw (2002) salienta que o compromisso com a igualdade de gênero pode ser incorporado à dinâmica de ação estatal de forma integrada ou marginalizada. No primeiro caso, esse conflito resultaria na reorganização do curso da ação estatal, orientando-se pelo objetivo da igualdade de gênero. No segundo, esse objetivo seria acoplado à dinâmica existente, sem reestruturá-la.

Por fim, outro desdobramento diz respeito à adoção de uma compreensão instrumental do objetivo de igualdade (Moser; Moser, 2005), em que esse não constitui um fim em si mesmo, mas um meio para potencializar outros objetivos estratégicos do Estado, como o desenvolvimento econômico e o combate à pobreza (Farah, 2004). Embora essas perspectivas sejam conciliáveis, a instrumentalização dissociada de uma perspectiva de gênero pode contribuir para legitimar desigualdades e estereótipos. É ilustrativa a crítica que a literatura feminista vem tecendo aos programas de transferência de renda condicionada, nos quais as mulheres são vistas menos como beneficiárias principais e mais como vetores de eficiência do gasto público, ao ser instrumentalizado seu tradicional papel de cuidadora dentro das famílias para o cumprimento dos objetivos desses programas (Carloto; Mariano, 2012).

Das tensões resultantes da institucionalização da problemática de gênero decorre uma segunda questão, em que a transversalidade é conformada prioritariamente como um processo técnico, manipulável por meio de um conjunto de instrumentos neutros, ou como um processo de democratização do Estado, em que vozes e interesses até então invisíveis são incorporados ao processo político. Embora essa tensão não seja uma particularidade do feminismo, ela assume contornos específicos nesse campo (Walby, 2005).

A dimensão política e democratizante relaciona-se com uma visão crítica e posicionada sobre o mundo, a partir da qual as formas de operacionalização técnica devem ser ressignificadas, de modo a contribuir para o alcance da igualdade de gênero (Walby, 2005). Assim, denuncia-se qualquer pretensão de neutralidade das políticas e de suas técnicas gerenciais e operacionais, afirmando-se que essas impactam na reprodução ou transformação das desigualdades. Nesse sentido, a dimensão técnica e especializada – que abrange os meios gerenciais para a operacionalização das políticas na área – não pode ser negligenciada, uma vez

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que a transversalidade, como um objetivo, deve ser traduzida em um processo (Moser; Moser, 2005). Para tanto, a operacionalização da transversalidade deve envolver o desenvolvimento de instrumentais que subsidiem o planejamento, a implementação e o monitoramento de políticas públicas, incluindo o planejamento e a execução orçamentária e a formação de profissionais.

A constituição de instâncias que garantam a responsabilização das estruturas governamentais e agentes do sistema político é, por conseguinte, igualmente importante, a fim de “retirar as questões da igualdade dos ‘guetos de igualdade’” (Monteiro, 2013, p. 540). Para isso, também contribuem a criação de organismos de políticas para mulheres que coordenem esse processo (Guzmán, 2001), assim como de mecanismos que reverberem essas diretrizes no âmbito de outros órgãos. Por fim, especialmente considerando a importância dos movimentos feministas e de mulheres para impulsionar a institucionalização de políticas com recorte de gênero, é fundamental que essa articulação de instâncias, instrumentos, organismos e mecanismos incorpore a participação social, garantindo a democratização da ação estatal.

Uma terceira questão emerge das diferentes concepções de gênero que podem fundamentar o modelo de transversalidade, conforme elas se aproximem mais das noções de “igualdade”, “diferença” ou “transformação” (Walby, 2005). Essa diferenciação remete a um debate fundamental do feminismo: a tensão entre igualdade e diferença (Fraser, 2009; Miguel, 2014).

A matriz da igualdade identifica na desigualdade das mulheres em relação aos homens o cerne da problemática, principalmente em relação ao desigual acesso a direitos e posições de emprego e poder na esfera pública. Uma crítica a essa formulação, postulada a partir da perspectiva da diferença, é que a ênfase na igualdade deixa de valorizar aquilo que as mulheres historicamente fazem, como a maternidade e o cuidado, contribuindo para legitimar o sujeito masculino como o padrão universal (Fraser, 2009; Miguel, 2014).

Por outro lado, o feminismo da diferença é recorrentemente criticado por essencializar o feminino e reafirmar estereótipos de gênero, como a vinculação entre feminilidade, maternidade e cuidados. Uma alternativa a ambas – ou, ainda, a uma mera combinação de ambas – é a postulação de uma concepção transformadora das relações de gênero, em que a ênfase seja deslocada das mulheres para o elemento relacional de gênero, e que aborde também as masculinidades (Fraser, 2009; Miguel, 2014; Farah, 2015).

A diferença pode, ainda, ter outro significado crítico, a partir do qual se aponta a necessidade de articular outras relações e identidades às relações de gênero, o que nos remete à quarta questão (Walby, 2005). Essa articulação pode ser

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compreendida por meio do conceito de interseccionalidade2, que, de acordo com Crenshaw (2002, p. 4), implica “que se dê atenção às várias formas pelas quais o gênero intersecta-se com uma gama de outras identidades e ao modo pelo qual essas intersecções contribuem para a vulnerabilidade particular de diferentes grupos de mulheres”. A interseccionalidade é perpassada por tensões. Se, por um lado, ela permite questionar o sujeito universal feminino, fonte de opressões entre as mulheres (Crenschaw, 2002), o reconhecimento de múltiplas identidades implica fragmentações que trazem desafios à constituição de políticas públicas que beneficiem a totalidade desses sujeitos.

Por fim, um quinto aspecto refere-se às implicações transnacionais do desenvolvimento da transversalidade de gênero, em um contexto de conflitos entre o nacional, o local e o global, no qual disputas teóricas e políticas sobre o processo de globalização devem ser consideradas (Walby, 2005).

Metodologia

A fim de compreendermos os significados atribuídos à transversalidade de gênero no processo de estruturação da política para as mulheres no Brasil, de 2003 a 2016, partimos de quatro das questões identificadas por Walby (2005), sistematizadas na Figura 1.

Figura 1 – Tensões constitutivas da transversalidade de gênero

Relação entre igualdade de gênero e o mainstream

governamentalConcepções de gênero em

disputa

Incorporação da interseccionalidade

Ar�culação de dimensões polí�ca e técnica

TENSÕES DA TRANSVERSALIDADE

Fonte: Elaboração própria, a partir de Walby (2005) e Crenshaw (2002)

Partindo desse enquadramento, foi realizada uma pesquisa qualitativa (Gibbs, 2009), com análise de documentos produzidos pela SPM. A escolha desses

2 Partindo de matrizes teóricas e políticas distintas, outras autoras, como Kergoat (2010), utilizam o termo consubstancialidade. Para uma reflexão sobre as aproximações e distanciamentos entre esses dois conceitos, remetemos a essa autora.

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documentos orientou-se pelo critério de relevância para a compreensão de instrumentos de estruturação da política para mulheres em nível federal, a exemplo da Política Nacional (Brasil,, 2004b) e das três edições do PNPM (Brasil, 2004b; 2008; 2013), enfatizando-se como abordam a transversalidade e a proposta de sua operacionalização. Pelas mesmas razões, analisamos as orientações para criação de mecanismos de gênero no Governo Federal (Brasil, 2014a), por entendê-las como parte central dessa estratégia.

Também foram selecionados documentos que retratassem o processo da CNPM, dada a importância que essa instância de participação social assumiu no desenvolvimento da Política Nacional e dos PNPMs. Foram considerados os decretos convocatórios (Brasil, 2003; 2007b; 2011a; 2015a), os regimentos internos (Brasil, 2004a; 2007b; 2011b; 2015b), o texto base da quarta edição (Brasil, 2015c) e os anais das três primeiras Conferências (Brasil, 2004a; 2007a; 2011a). Nos últimos, enfocamos as resoluções do processo participativo e as falas de representantes governamentais e do CNDM, órgão diretamente envolvido na coordenação e articulação de políticas para as mulheres em âmbito federal.

Por fim, buscamos incorporar documentos que permitissem compreender a integração da perspectiva interseccional. Para isso, enfocamos o Relatório Final do Grupo de Trabalho para Fortalecimento das Ações de Enfrentamento ao Racismo, Sexismo e Lesbofobia no II PNPM (Brasil, 2010b), além de seções e trechos referentes ao tema presentes nos documentos anteriormente citados. É importante destacar, nesse contexto, que a pesquisa se concentrou nos sentidos atribuídos à transversalidade no processo de (re)formulação da política, não contemplando o cotidiano de sua implementação.

A apresentação dos resultados integra as duas próximas seções. Primeiramente, introduzimos o histórico de estruturação da política para mulheres e igualdade de gênero no Brasil, com destaque para o período posterior à criação da SPM, em que a temática da transversalidade ganhou maior centralidade na agenda governamental. Depois, discutimos seus significados, construídos e reconstruídos nessa trajetória.

A crítica feminista foi adotada como ponto de partida para desenvolvimento deste trabalho. Na perspectiva assumida, o gênero é visto como “elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e [...] uma forma primeira de significar as relações de poder” (Scott, 1995, p. 21). A compreensão – e superação – dessa forma de desigualdade envolve tanto as dinâmicas de opressão entre mulheres e homens, quanto a articulação das desigualdades de gênero com outras formas de desigualdade (Crenshaw, 2002), como as de classe, raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero.

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Nesse sentido, partimos do questionamento da oposição binária entre feminino e masculino (Louro, 1997), reconhecendo que “a” mulher e “o” homem são categorias ao mesmo tempo “vazias e transbordantes”. Vazias, pois não possuem um significado fixo e definitivo; e transbordantes, porque são constantemente ressignificadas, social, histórica e politicamente (Scott, 1995, p. 11).

A estruturação da política para as mulheres e para a igualdade de gênero no Brasil: práticas de transversalidade

Embora políticas com recorte de gênero sejam implantadas no Brasil desde os anos 1980 (Farah, 2004), foi a partir da criação da SPM3, no primeiro ano de governo de Luís Inácio “Lula” da Silva, que essas políticas ganharam maior institucionalidade. A secretaria, inicialmente dotada de status ministerial, assumiu a competência de coordenação, articulação e monitoramento de políticas na área (Brasil, 2003). A instituição de um organismo de políticas para mulheres, situado em alto nível hierárquico e com competências claras e recursos próprios, atendia tanto a reivindicações dos movimentos feministas e de mulheres, quanto a recomendações internacionais. Expressava, também, a especificidade do percurso nacional, para o qual eram relevantes experiências anteriores de governos subnacionais (Papa, 2012), inclusive durante governos prévios do Partido dos Trabalhadores (PT), que então chegara ao poder em nível federal.

Como mencionado, seguindo as recomendações da Plataforma de Ação de Pequim, a SPM adotou a transversalidade de gênero como estratégia para sua atuação (Papa, 2012). A criação e reestruturação de outros órgãos em nível federal com base no princípio da transversalidade também contribuíram para a disseminação dessa estratégia na prática governamental. É o caso da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), instituídas em 2003; e da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), criada nos anos 1990 e reorganizada em 2005 (Papa, 2012; Reinach, 2013).

A materialização da transversalidade de gênero no contexto nacional não se restringiu à criação de um organismo de política para mulheres. Ao revés, desenvolveu-se um conjunto de instâncias, instrumentos e mecanismos de gestão e participação social que, articulados, visaram traduzir o objetivo de transversalidade em um processo (Moser; Moser, 2005).

3 Em 2002, último ano do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, foi criada a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher (SEDIM), vinculada ao Ministério da Justiça (Brasil, 2010a). Entretanto, sua vigência foi curta e, mesmo durante esse período, não foram garantidas plenas condições para sua efetivação enquanto um órgão governamental (Bandeira, 2005; Papa, 2012).

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No que diz respeito à participação, isso implicou a reestruturação de instâncias pré-existentes. Criado nos anos 1980, o CNDM passou a integrar a estrutura da SPM, sendo- lhe designadas atribuições típicas de um conselho de políticas públicas, a exemplo da formulação de diretrizes para essas políticas (Brasil, 2003). Foram criadas também novas instâncias, como a CNPM, fundamental para a consolidação desse processo de transversalidade com participação.

A 1ª CNPM, realizada em 2004, buscou propor diretrizes para a fundamentação de dois importantes instrumentos. O primeiro deles foi a Política Nacional, instituída para ser “a linha mestra das diferentes ações que integram os planos nacionais” (Brasil, 2008, p. 27). O segundo, o PNPM, com a finalidade de estabelecer ações governamentais para “conjunturas específicas”.

O I PNPM foi composto por 199 ações, organizadas em cinco capítulos, sendo quatro temáticos e um dedicado à gestão e ao monitoramento do Plano. Para viabilizar sua gestão, foi criada outra instância, de gestão da política, denominada Comitê de Articulação e Monitoramento do PNPM. Ele foi composto pelo CNDM e mais 11 órgãos governamentais, incluindo a SPM, responsável por sua coordenação (Brasil, 2008)4. A instituição desse comitê buscou responder principalmente ao desafio de “integração entre os órgãos setoriais na definição e tratamento da transversalidade” (Brasil, 2004b, p. 76).

Nesse momento, foram lançadas as bases para estruturação da transversalidade na experiência do Governo Federal. Ela articulou instrumentos definidores do compromisso governamental em longo e médio prazo (Política Nacional e PNPM) com instâncias de participação social (Conferências e CNDM) e de gestão, articulação e monitoramento das políticas para as mulheres (Comitê de Articulação e Monitoramento).

Seguindo o percurso realizado na edição anterior, a 2ª CNPM objetivou “analisar e repactuar os princípios e diretrizes aprovadas na 1ª CNPM e avaliar a implementação do I PNPM” (Brasil, 2007c, p. 9) em todos os níveis federativos. A partir da identificação de avanços e desafios, buscou-se acordar modificações necessárias para a elaboração de um novo plano. Nesse sentido, o II PNPM foi desenvolvido com base nas resoluções da segunda conferência, no Plano Plurianual (2008-2011) e na Agenda Social do Governo Federal, sob a coordenação da SPM (Brasil, 2008).

O número de ações, eixos e temas tratados foi ampliado, incorporando 388 ações, 94 metas e 56 prioridades, organizadas em 12 capítulos, sendo oito setoriais,

4 Na primeira versão do decreto de instituição, publicada em 08 de março de 2005, essa era a composição. Entretanto, em 20 de maio do mesmo ano foi incluído o Ministério de Minas e Energia, o que resultou em 12 órgãos governamentais, além do Conselho.

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dois dedicados a múltiplas formas de desigualdades, um reservado à gestão e monitoramento e outro à previsão orçamentária. O Comitê também foi ampliado, sendo composto por representações do CNDM, dos organismos municipais e estaduais de políticas para as mulheres e de 19 órgãos e entes governamentais federais (Brasil, 2008).

A convocação da 3ª CNPM também previu, entre seus objetivos, o estabelecimento de prioridades e propostas a partir da avaliação e aprimoramento do II PNPM. Nesse sentido, nas três primeiras edições das CNPMs e PNPMs, observou-se o estabelecimento de uma dinâmica cíclica entre: i. realização da Conferência para, por meio da participação social, definir diretrizes e identificar reivindicações e propostas; ii. formulação e implementação de uma edição do PNPM, articulando um conjunto de ações e mobilizando outros setores e entes da federação; e iii. avaliação do Plano em uma nova Conferência, na qual são indicadas novas diretrizes, reivindicações e propostas.

Nessa edição da CNPM, foi conferida especial visibilidade às conferências subnacionais. Entre seus objetivos, destacou-se a importância de que as etapas municipais, distritais e estaduais contribuíssem para a proposição de uma plataforma de políticas para as mulheres e para o fortalecimento de institucionalidades de gênero em seus respectivos âmbitos (Brasil, 2011a). A inclusão desses objetivos sinaliza um esforço de ampliação da capilaridade dessas políticas públicas. Esse esforço pode ser associado aos desafios de implementação das ações em nível subnacional, mas também ao de consolidação da política, em um contexto de risco de extinção da SPM.

A terceira edição da Conferência foi realizada durante o primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff. Nessa conferência, havia uma suspeita, disseminada entre as participantes, de que o novo governo poderia criar um único órgão ministerial que fundisse todas as pastas ditas transversais (direitos humanos, política para as mulheres, igualdade racial e juventude). Isso levou a então presidenta a afirmar em seu discurso de abertura da Conferência, que: “Muitas vezes vocês veem nos jornais ser anunciado que o Ministério – que é a Secretaria de Políticas para as Mulheres – vai, simplesmente, ser fechado ou unido a outro. Não há a menor veracidade [nessa afirmação]” (Brasil, 2011a, p. 11).

O terceiro plano nacional, denominado PNPM (2013-2015), atualizou o anterior e incorporou novas temáticas. A composição do Comitê também foi modificada, passando a contar com 33 órgãos governamentais, incluindo a SPM, e três representações do CNDM (Brasil, 2013).

Em relação à sua gestão, foi enfatizada a “consolidação de mecanismos de gênero nos órgãos e ministérios” (Brasil, 2013, p. 12). Isso se daria por meio da

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criação de diretorias, coordenadorias ou assessorias que respondessem pela implementação de ações que integrassem a política para as mulheres em diferentes órgãos governamentais. Com isso, buscava-se responsabilizar esses órgãos e entes governamentais, além de fortalecer a coordenação transversal da SPM.

Finalmente, a 4ª CNPM, realizada entre 2015 e 2016, teve como objetivo geral fortalecer a Política Nacional para as Mulheres. Essa previu dez objetivos específicos, entre os quais se destacaram a promoção da participação da sociedade civil na execução e controle da Política; o fortalecimento de organizações feministas e de conselhos dos direitos das mulheres; o estímulo à criação e fortalecimento de organismos de políticas para as mulheres na esfera subnacional e de planos municipais, estaduais, distritais e nacionais para a estruturação das ações na área; e a apresentação de um balanço da implementação do PNPM (2013-2015) (Brasil, 2015a; b; c).

Nesse contexto, observamos que, ainda que o PNPM seja citado, a incorporação desses novos objetivos indica uma alteração na dinâmica cíclica entre a realização das conferências e a formulação, implementação e avaliação da política e dos planos nacionais. Como evidenciado no Caderno de Propostas (Brasil, 2015), não se tratava mais de reelaborar o Plano Nacional. A quarta conferência deveria orientar-se para o fortalecimento de estruturas institucionais e de instrumentos para promoção de políticas na área, enfatizando-se as relações entre os entes federativos e entre a sociedade civil e o Estado. A medida desse desafio pode ser ilustrada pelo número de organismos de políticas para as mulheres existentes em nível subnacional. Em 2014, existiam 680 organismos de políticas para as mulheres no país, sendo 24 estaduais e 656 municipais (Brasil, 2014b).

Nesse sentido, essa edição enfatizou a coleta de subsídios para construção de um Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres em seu temário. A constituição de sistemas é uma tendência na coordenação federativa de outras áreas de políticas públicas, como o Sistema Único de Saúde e o Sistema Único de Assistência Social (Franzese, 2010) e, mais recentemente, do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Brasil, 2010). É, ainda, uma tendência entre as conferências nacionais de diferentes áreas, especialmente para reivindicar a vinculação de receitas ao cumprimento de seus objetivos, com a criação de fundos específicos (Souza, 2013).

Observamos, contudo, que o contexto de forte instabilidade política, econômica e institucional no país impactou esse processo. A fusão das secretarias entendidas como transversais ocorreu antes do início das primeiras etapas da 4ª CNPM, no primeiro ano do segundo governo da presidenta Dilma Rousseff, em que foi criado o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Brasil, 2015). A

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etapa nacional da 4ª CNPM, por sua vez, foi realizada durante o julgamento, pelo Senado, de admissibilidade do processo de impeachment da então presidenta. Durante o governo do presidente Michel Temer, sucessivas mudanças no desenho organizacional foram empreendidas e, desde 31 de maio de 2017, a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres compõe a Secretaria de Governo da Presidência da República (Brasil, 2017).

Os significados da transversalidade de gênero na estruturação da política para mulheres e igualdade de gênero

A construção e a transformação dos significados atribuídos à transversalidade de gênero inserem-se na trajetória de estruturação da política para as mulheres, correspondente ao período estudado. É em relação a esse contexto que mobilizamos o enquadramento teórico anteriormente apresentado, buscando, inicialmente, evidenciar as concepções de gênero incorporadas à política analisada para, em seguida, debatermos suas conexões com o significado atribuído à transversalidade.

Concepções de gênero em disputa

Embora a transversalidade seja afirmada nos instrumentos para promoção e gestão da política para mulheres, a concepção de gênero que a baseia não é explicitada. Contudo, a nomenclatura adotada nas Conferências, na Política e nos Planos Nacionais – “para as mulheres” – sugere que são elas que constituem o sujeito para o qual essa se orienta, o que é reforçado pelo nome do organismo: Secretaria de Políticas para as Mulheres.

A opção pela política para mulheres como um caminho para construção da igualdade de gênero depreende-se também das iniciativas previstas nos Planos Nacionais, a exemplo daquelas previstas para a promoção da autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho. No I PNPM priorizou-se a promoção de medidas não discriminatórias e de ampliação do acesso de mulheres ao mercado de trabalho e a formas de geração de renda (Brasil, 2004b). No II PNPM, essas ações também foram previstas, sendo acrescentadas iniciativas que reconheceram as especificidades dos papéis socialmente exercidos por mulheres, como a aposentadoria de donas de casa, e, ainda, a ampliação da licença maternidade (Brasil, 2008).

As ações citadas, que trazem ora a perspectiva da igualdade, ora da valorização da diferença, não explicitam como podem contribuir para a transformação da relação de gênero. Além disso, há poucas iniciativas voltadas aos homens e às masculinidades, como seria o caso de licenças paternidade e parental, citadas no

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PNPM (2013-2015) em uma única ação (Brasil, 2013). Isso reforça a percepção de que a concepção de gênero orientadora da política no período não corresponde àquela denominada “transformadora”, na qual se enfatiza o elemento relacional e a masculinidade (Walby, 2005; Fraser, 2009).

Essa questão remete a uma possível distinção entre políticas para mulheres e para igualdade de gênero. Políticas para mulheres podem ser compreendidas como aquelas que têm as mulheres como beneficiárias exclusivas ou prioritárias, podendo estar ou não comprometidas com a igualdade de gênero (Farah, 2004; Bandeira, 2005). Em alguns casos, essas se ancoram em representações tradicionais e heteronormativas das mulheres, instrumentalizando esse enfoque para garantir a eficiência de políticas públicas, como visto anteriormente. Em outros, a ênfase nas políticas para mulheres é compreendida como uma tática para a construção da igualdade de gênero. Como exemplifica Godinho (2004, p. 58) ao referir-se ao enfoque da então Coordenadoria das Mulheres de São Paulo: “do ponto de vista do resultado da ação, é fundamental orientar-se para o desenvolvimento de políticas concretas dirigidas às mulheres”.

Embora a política para mulheres possa ser compreendida como uma condição para a efetivação da igualdade de gênero, como no caso da experiência brasileira no período, ela não necessariamente incorpora a complexidade de uma abordagem transformadora. Essa última poderia ser mobilizada para incorporação dos homens e das masculinidades e, de outro, contribuir para a construção de novas representações sociais de gênero que, inclusive, não reafirmassem a heterossexualidade como norma. Essa observação nos remete à outra tensão da transversalidade de gênero, a interseccionalidade.

Incorporação da interseccionalidade

Outra questão que se transformou no processo de consolidação da política para mulheres diz respeito à articulação de múltiplas formas de desigualdades, com permanente ampliação dos sujeitos considerados nas ações propostas. Isso reflete um esforço, identificado desde a primeira Conferência, de valorização da diversidade e reconhecimento das diferentes formas de desigualdade na Política Nacional. Os princípios orientadores da Política já enfatizavam que a igualdade entre mulheres e homens deve ser construída em respeito e atenção à pluralidade “cultural, étnica, racial, inserção social, de situação econômica e regional, assim como aos diferentes momentos da vida” (Brasil, 2004b, p. 33), sendo visibilizada a multiplicidade de mulheres, especialmente nas resoluções das conferências e nas ações que compõem os planos.

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Na 1ª CNPM e no I PNPM, foi destacada, nos discursos, painéis e resoluções, a importância de considerar as desigualdades raciais e étnicas ao tratar das desigualdades de gênero, o que coincidiu com a criação da SEPPIR, com atribuições relativas a essas duas dimensões (Brasil, 2004a; b). Na 2ª CNPM, as diferenças por orientação sexual e geracionais também ganharam destaque (Brasil, 2007a; 2008), levando à inclusão de dois eixos relacionados a esses temas no II PNPM: Eixo 9 (“Enfrentamento ao Racismo, Sexismo e a Lesbofobia”) e Eixo 10 (“Enfrentamento das desigualdades geracionais que atingem as mulheres, com especial atenção às jovens e idosas”). Na 3ª CNPM e no PNPM (2013-2015), passaram a constar referências às mulheres travestis e transexuais e ao combate à transfobia (Brasil, 2011a; 2013). Na 4ª CNPM, as mulheres transexuais e travestis foram consideradas sujeitos da conferência em seus documentos orientadores (Brasil, 2015a; b; c).

A mudança de abordagem em relação aos sujeitos considerados pela política é fruto, sobretudo, da atuação de movimentos feministas e de mulheres que, nos espaços institucionalizados de participação social, com destaque para as próprias conferências, reivindicavam o reconhecimento de suas diferenças e o desenvolvimento de ações para públicos específicos. Exemplar dessa atuação foi a mobilização realizada por mulheres negras e lésbicas na 2ª CNPM, que culminou na criação do Eixo 9 (Brasil, 2007a).

A partir do II PNPM, a interseccionalidade foi adotada como um conceito, que evidencia “a impossibilidade de se isolar ou privilegiar na elaboração e gestão de políticas para a equidade, qualquer uma das características que formam indivíduos e grupos” (Brasil, 2008, p. 171). No PNPM (2013-2015), a articulação de múltiplas formas de desigualdade foi integrada ao próprio conceito de transversalidade, segundo o qual as estruturas e dinâmicas sociais devem ser entendidas em relação à “produção das desigualdades de gênero, raciais, geracionais, de classe, entre outras” (Brasil, 2013, p. 10).

Essa progressiva articulação entre transversalidade e interseccionalidade não significou, entretanto, a revisão das ações segundo uma perspectiva interseccional. Nos documentos analisados há uma permanente oscilação na abordagem do sujeito da política. Em alguns eixos dos Planos, como o enfrentamento à violência, as ações previstas priorizam a mulher como um sujeito universal, enquanto em outros, como os destinados à saúde, direitos sexuais e reprodutivos e à autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho, evidencia-se maior articulação de diferenças na formulação de ações.

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Relação entre igualdade de gênero e o mainstream governamental

A transversalidade de gênero é identificada, sobretudo no PNPM (2013-2015), como uma “nova estratégia para o desenvolvimento democrático”, que significa “a reorganização de todas as políticas públicas e das instituições” (Brasil, 2013, p. 10). Essa concepção de caráter normativo expressa a transversalidade como reorientadora do curso da ação estatal, aproximando-se mais da incorporação da igualdade de gênero de forma integrada, e não marginalizada (Shaw, 2002).

A efetividade dessa diretriz é, contudo, passível de questionamento. Durante a 2ª CNPM, a representante do CNDM, Lia Zanotta, destacou que a “questão das mulheres é vista, em geral, fora da administração do eixo central do Estado”, o que torna a “tarefa hercúlea, mas absolutamente frágil” (Brasil, 2007a, p. 27). As dificuldades de incorporação da transversalidade também foram ressaltadas pelo então ministro da Secretaria Geral da Presidência, Luís Dulci. Segundo ele, quando se “falava em transversalidade no início do nosso governo havia muitos risos e brincadeiras” (Brasil, 2007a, p. 40). Como se pode depreender desses trechos, a materialização da transversalidade aproxima-se de uma incorporação marginalizada ao curso da ação estatal, ainda que mudanças incrementais sejam indicadas.

Na 3ª CNPM, os limites para a atuação da SPM foram também enfatizados. Realizados em meio à crise econômica de 2008 e ao reaparecimento de discursos neoliberais, seus painéis reiteraram a importância de intervenção estatal para a superação das desigualdades. Reforçaram, também, a necessidade de maior canalização de recursos para o desenvolvimento das ações da Secretaria, o que ficou destacado, sobretudo, na moção de repúdio ao corte orçamentário sofrido, na qual se defende: “Chega de discurso, cadê nossos recursos!” (Brasil, 2011, p. 113).

Nesse cenário, identificamos uma contradição entre a realidade expressa nas falas – “risos e brincadeiras”, “frágil”, fora do “eixo central do Estado” – e a afirmação, pelos Planos, especialmente em sua terceira edição, da transversalidade como “a reorganização de todas as políticas públicas e das instituições” (Brasil, 2013, p. 10). Esse contraste é reforçado pelo fato da SPM, principal organismo para coordenação da transversalidade de gênero, ter sofrido ameaças de perda do status ministerial durante a 3ª CNPM, o que se concretizou antes da edição seguinte, ampliando sua fragilidade institucional.

Observamos que a incorporação marginal se aproxima, ainda, de uma abordagem instrumentalizadora da igualdade de gênero (Moser; Moser, 2005), na qual a transversalidade é assumida como positiva à medida em que se configura em um meio para alavancar outros objetivos estratégicos. Nesses casos, pode ser inclusive mobilizada para reiterar estereótipos de gênero e, por conseguinte, contribuir para a reprodução de desigualdades.

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A fala da então presidenta Dilma Rousseff durante a 3ª CNPM exemplifica essa situação. Nessa oportunidade, ela afirmou que o reconhecimento governamental do “papel estratégico que a mulher ocupa na sociedade” é que o “Bolsa Família, o principal instrumento de distribuição de renda deste país, é recebido pelas mulheres” (Brasil, 2011a, p. 12). Embora a fala não se refira explicitamente à transversalidade, trata-se de uma expressão de como a questão de gênero é incorporada em algumas ações governamentais como instrumento para alcance de outros objetivos estratégicos, como o enfrentamento à pobreza.

A abordagem instrumentalizadora pode, entretanto, ser um recurso argumentativo na busca pelo deslocamento da questão de gênero de um lugar marginal para o curso central de ação estatal, ao se aproximar dos objetivos governamentais estratégicos. O esforço de legitimação da transversalidade por meio da valorização das dimensões de eficácia e eficiência é emblemático, sendo evidenciado na fala da então ministra Nilcéa Freire, durante a 2ª CNPM: “os orçamentos e os gastos públicos são mais eficientes se levarem em consideração as necessidades específicas de mulheres e homens” (Brasil, 2007a, p. 13).

A marginalidade da transversalidade de gênero não significa, contudo, a inexistência de “contrapartidas da institucionalização” (Guzmán, 2001). Um de seus efeitos é uma incorporação menos radical das reivindicações feministas, como exemplifica o tema da descriminalização e legalização do aborto. Ainda que esse problema público tenha sido enfatizado em todas as conferências (Brasil, 2004a; 2007a; 2011a) e que, nos planos, se ressalte o aborto clandestino como uma importante causa de morte entre as mulheres, as ações contempladas restringem-se à ampliação da assistência nos casos previstos em lei, tangenciando a discussão sobre a descriminalização do aborto (Brasil, 2004b; 2008; 2013). Contudo, sua legalização não é assumida por essa política, ainda que seja uma das principais reivindicações feministas para a garantia de direitos à saúde, sexuais e reprodutivos.

Relações entre as dimensões política e técnica

A partir da análise dos princípios e diretrizes que compõem a Política Nacional, podemos depreender a dimensão política da transversalidade, em que é afirmada uma visão crítica e posicionada sobre o mundo (Walby, 2005). Na Política, as desigualdades de gênero são reconhecidas como elementos estruturantes das relações sociais, sustentadas na divisão sexual do trabalho, no controle dos corpos e da sexualidade e na exclusão das mulheres de espaços de poder e de decisão. Reitera-se, ainda, que as ações governamentais participam da construção desse cenário, contribuindo para a reprodução ou transformação das relações desiguais de gênero, raciais, étnicas e relacionadas ao exercício da sexualidade (Brasil, 2004a; b).

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Na versão original da Política Nacional (Brasil, 2004a; b), a sua articulação com a estratégia da transversalidade não é explicitada. É na versão contida no PNPM (2013-2015) que a transversalidade é afirmada como “princípio orientador de todas as políticas públicas” (Brasil, 2013, p. 9). Ainda assim, é possível afirmar que desde a primeira edição da Política e do PNPM essa visão política constituiu o ponto de partida para o desenvolvimento das ações governamentais na área, possuindo forte carga normativa acerca de como deveria ser efetuada a revisão das iniciativas existentes ou a implantação de novas ações.

Os Planos Nacionais, por sua vez, têm uma clara dimensão técnica. Embora sejam permeados por decisões políticas e não se proponham a ser instrumentos neutros, são eles que respondem pela operacionalização das políticas públicas, detalhando tanto as ações, metas e responsáveis, quanto os mecanismos gerenciais para sua implementação. Como enfatizado no I PNPM, a Política deveria ser a linha mestra, que, de caráter mais perene, orientaria o desenvolvimento dos Planos Nacionais, mais conjunturais (Brasil, 2004b). É no nível dos Planos que se desenvolvem mais explicitamente os elementos constitutivos da transversalidade, o que torna fundamental compreender quais são as definições apresentadas (Brasil, 2004b; 2008; 2013).

O I PNPM (BRASIL, SPM, 2004b) assumiu a gestão da transversalidade como fundamento desse instrumento, compreendendo-a como um esforço de superação da “setorialização” das ações em nível federal, por meio de articulação horizontal e não hierárquica de todos os órgãos de governo e níveis de poder, para reorientar as ações governamentais na perspectiva de gênero e integrá-las a outras abordagens, como a igualdade racial. O II PNPM reforçou esse entendimento, destacando que a gestão e o monitoramento do plano têm relevância equivalente às próprias ações e que seu objetivo é, entre outros, “aumentar o grau de articulação entre instituições e atores”, “melhorar a integração entre os órgãos setoriais” e “identificar oportunidades setoriais de investimentos em atividades específicas relativas à transversalidade” (Brasil, 2008, p. 187).

O PNPM (2013-2015), por sua vez, identificou a transversalidade como uma orientação para ressignificar “conceitos-chave que possibilitam um entendimento mais amplo e adequado de estruturas e dinâmicas sociais que se mobilizam na produção das desigualdades” e, ainda, como uma nova estratégia “para o desenvolvimento democrático como processo estruturado em função da inclusão sociopolítica das diferenças, tanto no âmbito privado, quanto público”. A sua gestão significa “a reorganização de todas as políticas públicas e das instituições para incorporar a perspectiva de gênero, de modo que a ação do Estado como um todo seja a base de políticas para as mulheres” (Brasil, 2013, p. 10).

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As definições de transversalidade adotadas nas duas primeiras edições dos Planos enfatizam a sua gestão, por meio da integração de setores governamentais e da coordenação horizontal, especialmente em nível federal. Esse aspecto não é negligenciado no PNPM (2013-2015), no qual são propostas novas iniciativas, como a criação de mecanismos de gênero na administração direta e indireta em âmbito federal. Mas outros aspectos da gestão da transversalidade também são salientados, a exemplo da sua articulação com “dinâmicas sociais”, “desenvolvimento democrático” e “inclusão sociopolítica das diferenças”. A dimensão democratizante de seu significado, foi, portanto, valorizada.

Outro aspecto que ganhou maior relevância foi o estímulo à criação e ao fortalecimento de organismos de políticas para mulheres em nível subnacional, por um lado, e de espaços de participação e da relação entre Estado e sociedade civil, por outro.

No primeiro caso, a ênfase nos organismos no âmbito estadual, distrital e municipal evidencia a maior preocupação com a integração federativa na gestão da política, tema presente desde a estruturação da Política Nacional na 1ª CNPM e no I PNPM (Brasil, 2004a; b). A dificuldade de articulação de entes federativos chegou a ser apontada durante a 2ª CNPM, pela então ministra Nilcéa Freire, como uma das principais limitações da política, uma vez que o I PNPM configurava-se “praticamente um Plano do Governo Federal”, remetendo-se “pouco ao pacto federativo” (Brasil, 2007a, p. 30).

A partir da 3ª CNPM, reiterou-se, também, a necessidade de que as conferências subnacionais contribuíssem para a construção de uma plataforma de políticas para mulheres nos municípios, distritos e estados, assim como para o fortalecimento dos mecanismos de gênero em nível federal (Brasil, 2011a). O PNPM (2013-2015), por sua vez, previu que sua implementação deveria combinar a transversalidade horizontal, que envolve a relação entre os ministérios, com a vertical, engajando estados, distritos e municípios (Brasil, 2013).

A dimensão vertical da transversalidade se tornou ainda mais central nos objetivos da 4ª CNPM. Retomando uma proposta que apareceu nos debates da 3ª CNPM, uma das finalidades dessa edição foi a de coletar subsídios para a construção de um Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres, a fim de “propiciar uma maior responsabilização da atuação dos gestores públicos com a igualdade de gênero nas várias esferas de ações de governo, garantindo a transversalidade do tema” (Brasil, 2015b, p. 26). Ressaltou-se, ainda, a importância do desenvolvimento de planos municipais e estaduais de políticas para as mulheres (Brasil, 2015a; b; c).

Essa dimensão vertical da transversalidade, que ganhou maior relevância a partir do PNPM (2013-2015), indica uma ressignificação dos significados originais

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do gender mainstreaming no contexto nacional, em que a dimensão federativa representa, simultaneamente, potencialidade e desafio para efetivação da política para mulheres.

A articulação Estado-sociedade civil, por outro lado, esteve presente desde as primeiras edições dos Planos e da Política Nacional, como parte do fundamento de legitimação desses instrumentos. As Conferências tornaram-se relevantes arenas de negociação entre agentes governamentais e da sociedade civil, a fim de estabelecer as prioridades da área. O CNDM, por sua vez, além de responder pela definição de diretrizes para a política e pela organização do processo de conferências, integrou, juntamente com a SPM, o Comitê de Articulação e Monitoramento desde sua primeira composição.

As instâncias participativas estiveram, portanto, integradas à operacionalização da gestão da transversalidade nessa trajetória, representando uma dimensão importante para a compreensão do significado da transversalidade. Entretanto, na 4ª edição, a importância conferida ao tema assumiu novos contornos, uma vez que o fortalecimento e a ampliação de espaços institucionalizados de participação e, ainda, das próprias organizações feministas, foram definidos como objetivos da conferência (Brasil, 2015a; b; c).

É possível identificarmos, nesse percurso, uma transformação “complexificadora” dos significados atribuídos à transversalidade, em que a sua dimensão técnica é mais claramente articulada à política. Ademais, a centralidade conferida a elementos de coordenação horizontal e de técnicas de operacionalização dessa estratégia foi matizada pela incorporação, sobretudo, da problemática federativa e, em menor medida, da relação Estado-sociedade. Isso conferiu contornos específicos ao seu delineamento, com a emergência de aspectos relevantes da atuação governamental no contexto nacional.

Considerações finais

Neste artigo, buscamos analisar os significados atribuídos à transversalidade de gênero no processo de estruturação da política para mulheres no Brasil, de 2003 até 2016. Partindo de pesquisa documental, evidenciamos que a transversalidade possui um caráter processual e que sua dinâmica é indissociável das principais questões do feminismo, indo além de aspectos de gestão de políticas e de coordenação governamental, sem, contudo, excluí-los. Identificamos, também, que os significados se transformaram nesse percurso, influenciados pelos desafios percebidos para a consolidação dessa

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política, a exemplo da dimensão federativa. Mas também em decorrência das reivindicações dos movimentos feministas e de mulheres.

A dimensão técnica da transversalidade foi enfatizada nos Planos Nacionais, especialmente nas duas primeiras edições, nos quais prevaleceu a temática da gestão e da coordenação governamental horizontal. Nesse sentido, buscou-se estruturar instâncias para gestão, monitoramento e avaliação de políticas na área, como o Comitê de Articulação e Monitoramento. Isso não significou, contudo, a desvinculação de uma dimensão política, expressa, sobretudo, na Política Nacional e, posteriormente, valorizada no PNPM (2013-2015). Nesse percurso, observamos a construção de uma visão política e crítica sobre as questões de gênero, a partir da qual as ações governamentais deveriam ser revistas ou estruturadas.

A gestão da transversalidade conferiu, em um primeiro momento, maior centralidade à coordenação horizontal, por meio da integração de ações de diferentes órgãos em nível federal. Posteriormente, entretanto, agregou a esse aspecto a coordenação vertical ou federativa, a exemplo da ênfase conferida à ampliação do número de organismos de políticas para mulheres em nível subnacional e na proposta mais recente de criação de um Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres. Trata-se de uma formulação da transversalidade que ressignifica os sentidos do gender mainstreaming, tornando-o mais aderente à dinâmica federativa do país.

Igualmente, a importância da participação social para a consolidação das ações desenvolvidas foi assinalada. Isso também respondeu a um esforço de enraizamento da política, para torná-la menos suscetível às idiossincrasias contextuais, o que aponta que os significados da transversalidade se amoldaram aos desafios da institucionalização dessa política.

A valorização gradual da interseccionalidade esteve associada ao reconhecimento de que outros sistemas de diferenças interagem com o de gênero e, portanto, devem ser considerados para o alcance do objetivo da igualdade. A abertura para a pluralidade, sinalizada desde as primeiras edições das conferências, foi tensionada pela atuação de movimentos feministas e de mulheres. Destacou-se, nesse processo, o papel das conferências, que, na dinâmica cíclica com os planos, constituiu-se um espaço permanente de reivindicação e controle pela sociedade civil, impulsionando o alargamento da noção de transversalidade. Entretanto, isso não significou que a recepção do conceito de interseccionalidade tenha, efetivamente, reorganizado essa política.

Evidenciamos, ainda, a priorização da busca da garantia de direitos às “mulheres” no desenvolvimento da política, prevalecendo uma combinação de ações voltadas para a igualdade de tratamento entre mulheres e homens e a valorização das

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diferenças. Não é possível depreender, entretanto, como se pretendia, com esse enfoque, transformar os padrões de gênero de maneira mais ampla. Nesse contexto, a centralidade na “mulher” deixou pouco espaço para o desenvolvimento de uma abordagem mais radical e transformadora das relações de gênero.

Por fim, o esforço para agregar a perspectiva de gênero ao mainstream governamental resultou em uma contradição, em um contexto de constante iminência de extinção do próprio organismo criado para a coordenação dessa política. Por um lado, há, nos documentos analisados, a defesa da transversalidade como estratégia para garantir a inserção da perspectiva de gênero no curso central da ação estatal. Por outro, observa-se, principalmente nos anais das conferências, a denúncia da marginalidade dessa incorporação e a fragilidade da perspectiva da transversalidade no nível local. Essa contradição indica que a materialização da transversalidade na prática governamental diverge, em grande medida, de seu ideal, expresso nos documentos de referência da política.

Esse contraste foi evidenciado nas falas de representantes institucionais, que sublinhavam que a transversalidade era desacreditada por diversos atores governamentais. E na recorrência de abordagens instrumentalizadoras do tema, assim como na perda da radicalidade das reivindicações feministas, a exemplo do debate sobre a pobreza e sobre o aborto, respectivamente.

O exercício empreendido neste trabalho visou contribuir para uma compreensão da transversalidade atrelada à dinâmica sociopolítica, na qual a política para as mulheres se estruturou. Com isso, buscamos nos somar aos esforços que vêm sendo empreendidos para a compreensão de seus significados no contexto nacional, mobilizando reflexões de dois campos distintos, os estudos de gênero e a administração pública. Partimos do entendimento de que é a partir da construção de mediações entre esses dois campos de conhecimento que podem surgir subsídios para os avanços teóricos e práticos relativos às políticas para a igualdade de gênero.

Referências bibliográficasBandeira, Lourdes. Brasil. Fortalecimento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: Avançar na transversalidade da perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas. Brasília: SPM, 2005.Brasil. Lei nº 10.539, de 23 de setembro de 2002. Dispõe sobre a estruturação de órgãos, cria cargos em comissão no âmbito do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2002._____. Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2003.

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Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil

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Mariana Mazzini Marcondes; Ana Paula Rodrigues Diniz e Marta Ferreira Santos Farah

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Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil

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Mariana Mazzini Marcondes

Doutorado em andamento em Administração Pública e Governo pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EASP-FVG), mestrado em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Contato: [email protected].

Ana Paula Rodrigues Diniz

Doutorado em andamento em Administração Pública e Governo pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EASP-FGV), mestrado em Administração pelo Centro de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Contato: [email protected].

Marta Ferreira Santos Farah

Possui doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é Professora Titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EASP-FGV). Contato: [email protected].

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Mobile government: uma análise dos aplicativos estaduais como mediadores do relacionamento entre os cidadãos e os governos

estaduaisRodrigo Diniz Lara

Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais

Marlusa GoslingUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Izabela França RodriguesSecretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, 92,1% dos domicílios brasileiros acessaram a internet por meio do telefone celular. Esses dados trouxeram oportunidades e desafios para a administração pública no sentido de utilizar a potencialidade do mobile government (m-gov) para a prestação de serviços. O objetivo geral é avaliar os aplicativos móveis dos governos estaduais e do Distrito Federal que centralizam a prestação de serviços, para verificar a aderência às melhores práticas de acordo com a literatura nacional e internacional para aprimorar o relacionamento com o cidadão. Apenas 10 unidades federativas do escopo pesquisado possuem um aplicativo que centraliza os serviços dos governos. O número de downloads também representa uma pequena parcela da população. Poucos aplicativos utilizam-se dos recursos tecnológicos típicos dos dispositivos móveis como GPS, câmera e avisos por push para aprimorar o relacionamento com o cidadão.

Palavras-chave: governo eletrônico, prestação de serviços, Estado e sociedade, administração estadual - Brasil

[Artigo recebido em 14 de fevereiro de 2018. Aprovado em 12 de junho de 2018]

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Rodrigo Diniz Lara; Marlusa Gosling e Izabela França Rodrigues

63Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 62-88 abr/jun 2018

Mobile government: un análisis de las aplicaciones estatales como mediadores de la relación entre los ciudadanos y los gobiernos

Según la Encuesta Nacional por Muestra de Domicilios (Pnad) 2015, el 92,1% de los domicilios brasileños accedieron a internet a través del teléfono celular. Estos datos trajeron oportunidades y desafíos para la administración pública para utilizar la potencialidad del mobile government (m-gov) para la prestación de servicios. El objetivo general es evaluar las aplicaciones móviles de los gobiernos estatales y del Distrito Federal que centralizan la prestación de servicios para verificar la adherencia a las mejores prácticas de acuerdo con la literatura nacional e internacional para mejorar la relación con el ciudadano. Sólo 10 unidades federativas del ámbito investigado poseen una aplicación que centraliza los servicios de los gobiernos. El número de descargas también representa una pequeña parte de la población. Pocas aplicaciones se utilizan de los recursos tecnológicos típicos de los dispositivos móviles como GPS, cámara y avisos por push para mejorar la relación con el ciudadano.

Palabras clave: gobierno electrónico, prestación de servicios, Estado y sociedad, administración de los estados - Brasil

Mobile government: an analysis of state applications as mediators ofthe relationship between citizens and governments

According to the National Household Sample Survey (Pnad) 2015, 92.1% of Brazilian households accessed the internet through cell phones. These data have brought opportunities and challenges for the public administration to use the potential of mobile government (m-gov) to deliver services. The overall objective is to evaluate the mobile applications of the state and Federal District governments that centralize the provision of services to verify adherence to best practices according to the national and international literature to improve the relationship with the citizen. Only 10 federative units of the researched scope have an application that centralizes government services. The number of downloads also represents a small portion of the population. Few applications use the typical technology features of mobile devices such as GPS, camera and push notifications to enhance the relationship with the citizen.

Keywords: electronic government, service delivery, State and society, state administration - Brazil

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Mobile government: uma análise dos aplicativos estaduais como mediadores do relacionamento entre os cidadãos e os governos estaduais

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Introdução

O advento das tecnologias da informação e comunicação (TIC) e o aumento da sua utilização em nível mundial têm propiciado o alargamento dos debates em torno das interações promovidas por essas tecnologias. Nas últimas décadas, as mudanças geradas pela expansão das TIC resultaram na reconfiguração de todo o ambiente em que estão inseridos os atores sociais, com novos desafios e oportunidades (Araújo, 2005).

Castells (2003, p. 68) ressalta a importância do advento de tal inovação:

Diferentemente de qualquer outra revolução, o cerne da transformação que estamos vivendo na revolução atual refere-se às tecnologias da informação, processamento e comunicação. A tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de energia foram para as revoluções industriais sucessivas, do motor a vapor à eletricidade, aos combustíveis fósseis e até mesmo à energia nuclear.

Segundo Medeiros e Guimarães (2004), a “sociedade em rede”, fruto desse desenvolvimento tecnológico, produz constantemente novas demandas ao setor público, buscando aprimorar as interações com o Estado. Diante de tais mudanças, os governos precisaram adaptar-se a esse novo ambiente complexo, para operar em novas realidades globalizadas, construindo uma nova relação entre governo e cidadãos, baseada nas tecnologias da informação e comunicação (TIC). Ferguson (2002) afirma que a disseminação da tecnologia na vida do cidadão moderno impulsiona a utilização pelos governos em todos os aspectos relacionados ao atendimento e à administração pública.

Nesse mesmo sentido, Medeiros e Guimarães (2004) destacam que a introdução dessas novas tecnologias na sociedade altera a abordagem da gestão pública, uma vez que os cidadãos e empresas querem cada vez mais ter acesso ao governo de forma rápida e facilitada. Essa utilização das TICs pela gestão pública tem sido chamada de governo eletrônico ou e-Gov, que pode ser entendido como a prestação de informações e a disponibilização de serviços governamentais por meio da internet (Medeiros; Guimarães, 2006).

Uma nova perspectiva do governo eletrônico que ganha cada vez mais espaço no ambiente governamental é governo eletrônico móvel ou m-gov (Mobile Government), com a utilização das tecnologias de informação e comunicação (TIC) para a prestação de serviços públicos por meio de plataformas móveis como celulares, smartphones e tablets. O número de assinaturas de telefones móveis no mundo passou de 2,2 bilhões em 2005 para 7,1 bilhões em 2015, sendo que 3,2

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Rodrigo Diniz Lara; Marlusa Gosling e Izabela França Rodrigues

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bilhões desses utilizam internet. Esse aumento representa mais de 43 por cento da população mundial total, dos quais 2 bilhões são de países em desenvolvimento (Organização das Nações Unidas, 2016).

O uso de dispositivos móveis pela população brasileira tem se intensificado nos últimos anos, o que tem ocasionado várias mudanças na sociedade. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015 (Brasil, 2016), 92,1% dos domicílios brasileiros acessaram a internet por meio do telefone celular, enquanto 70,1% dos domicílios o fizeram por meio do microcomputador. Os dados da Pnad 2015 também demonstram que o percentual de pessoas que acessaram a internet alcançou 57,5% da população de 10 anos ou mais de idade, o que corresponde a 102,1 milhões de pessoas.

Com o avanço da telefonia móvel, que se tornou o principal meio de acesso à internet nos domicílios dos brasileiros, o m-gov trouxe uma nova perspectiva ao governo eletrônico. Essas mudanças trouxeram oportunidades e desafios para a administração pública no sentido de utilizar a potencialidade dessa nova tecnologia para a prestação de serviços públicos.

Segundo Pimentel (2009, p. 15) o m-gov é uma modalidade de e-gov que tem como “objetivo criar uma ligação entre os sistemas do governo e os cidadãos, através dos seus aparelhos celulares. Suas vantagens em relação às aplicações tradicionais do e-gov, que normalmente são aplicações web, são a mobilidade e o uso de redes sem fio para trocas de dados”.

Kushchu e Kuscu (2003, p.3, tradução nossa) definem o m-gov como uma:

(…) implementação envolvendo a utilização de todos os tipos de tecnologia móvel e sem fio, serviços, aplicativos e dispositivos para melhorar os benefícios para as partes envolvidas no governo eletrônico, incluindo cidadãos, empresas e todas as unidades do governo.

É importante frisar que o m-gov não pode ser entendido como um substituto do e-gov. Na verdade, o m-gov é um complemento do governo eletrônico (Berbe, 2014). Para os autores Allazo, Sablón e Iano (2009), o m-gov é um subconjunto do e-gov no qual a utilização da informação e tecnologias possibilitam inovar as atividades das organizações focadas no setor público. As Organizações das Nações Unidas (2016) destacam que os serviços on-line estão cada vez mais inovadores por meio do m-gov, atendendo as necessidades individuais dos cidadãos. A lógica do m-gov é prestar o serviço "a qualquer hora e em qualquer lugar" (Allazo; Sablón; Iano, 2009; Organização das Nações Unidas, 2016)

Berbe (2014) destaca que o m-gov emerge como uma tendência e uma nova fronteira para a gestão pública, incrementando o potencial de transformação na

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Mobile government: uma análise dos aplicativos estaduais como mediadores do relacionamento entre os cidadãos e os governos estaduais

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prestação de serviços públicos. Três fatores que podem motivar a ampliação da oferta de serviços de m-Gov pelos governos, como por exemplo: maior disponibilidade, escalabilidade e menores custos.

Apesar da propagação da internet móvel e dos benefícios do m-gov, um interessante estudo denominado eGovernment Benchmark 2017 – Taking stock of user-centric design and delivery of digital public services in Europe, produzido pela União Europeia (2017), destaca que as administrações públicas europeias não avançam na mesma proporção de implantação do m-gov. Em 2016, apenas 1 de cada 2 serviços estavam disponíveis on-line por meio de smarthphones ou tablets.

O objetivo geral deste trabalho é avaliar os aplicativos móveis dos governos estaduais e do Distrito Federal para verificar se eles estão aderentes às melhores práticas de mobile government (m-gov) para aprimorar o relacionamento com o cidadão. Os objetivos específicos são:

a. explorar a literatura nacional e internacional sobre m-gov e identificar critérios para avaliação de aplicativos;

b. realizar levantamento junto aos estados e ao Distrito Federal para identificar quais utilizam aplicativos móveis que agregam serviços públicos para se relacionar com o cidadão e que recursos utilizam;

c. identificar critérios que podem ser incorporados às metodologias levantadas de m-gov a partir da avaliação de aplicativos nacionais e internacionais; e

d. realizar uma análise crítica destes aplicativos de governo em relação aos critérios levantados;

Metodologia

Para atingir os objetivos do trabalho, foi realizado inicialmente um levantamento junto à literatura nacional e internacional sobre critérios de avaliação de aplicativos m-gov.

A segunda etapa foi uma pesquisa e download de todos os aplicativos de m-gov dos Governos Estaduais e do Distrito Federal que utilizam a tecnologia Android disponíveis na loja Play Store. Optou-se por focar o estudo na tecnologia Android pois ela tem 93,2% do mercado brasileiro de dispositivos móveis (Carvalho, 2017). O número é referente à análise conduzida entre dezembro de 2016, janeiro e fevereiro de 2017 no país. Outra opção foi pesquisar aplicativos dos governos que reunissem mais de um serviço do governo. Dessa forma, não foi realizada a análise de aplicativos de órgãos específicos, como Detran. A pesquisa foi realizada em junho de 2017.

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Rodrigo Diniz Lara; Marlusa Gosling e Izabela França Rodrigues

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Foram identificados dez aplicativos listados a seguir:

1. Bahia (SAC BA Mobile);

2. Espírito Santo (ES na Palma da Mão);

3. Goiás (VaptVupt);

4. Mato Grosso (MT Cidadão);

5. Minas Gerais (MG app);

6. Pará (Governo Digital Pará);

7. Paraíba (Governo da Paraíba);

8. Piauí (Gestão Transparente);

9. Rio Grande do Sul (RS Móvel); e

10. São Paulo (SP Serviços)

Aos critérios levantados na literatura foram acrescentadas as informações levantadas na loja Play Store com número de downloads, tamanho do aplicativo, nota do aplicativo na loja e a data de atualização. Outros critérios foram acrescentados com base na avaliação das funcionalidades e características levantadas nos aplicativos que não foram identificados na literatura. A junção dessas informações gerou o Quadro 1. Os critérios identificados foram agrupados nas seguintes categorias: ajuda e documentação, conteúdo, funcionalidade, informações sobre o aplicativo, relacionamento com o cidadão, segurança da informação, serviços e usabilidade.

Quadro 1 – Critérios Avaliados

Categoria Critério Descrição Referência

Ajuda e documentação Ajuda

Disponibilizar uma opção de ajuda para o usuário identificar as respostas para as principais dúvidas sobre o aplicativo.

Olibário, 2013; Berbe, 2014

Ajuda e documentação Termos de uso Apresentar as políticas

de uso do aplicativo. Berbe, 2014

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Conteúdo Áreas de atuação

Identificar as áreas dos serviços oferecidos no aplicativo: identificação civil; achados e perdidos; trabalho e emprego; segurança; água e esgoto; saúde; energia; veículos e condutores; ouvidoria; unidades; servidor; pesquisa de processos; educação; legislação; empresa; diário oficial; tributos; agricultura; animais; linha de ônibus; transparência; meio ambiente; notícias; agenda

Centeno, Andrade e Souza, 2015

ConteúdoConteúdo classificados por assunto

Classificar o conteúdo disponibilizado no aplicativo conforme as necessidades dos usuários, e não conforme a estrutura governamental.

Berbe, 2014

Funcionalidade Campo de busca

Disponibilizar um campo de busca no aplicativo para o usuário buscar as informações e serviços oferecidos

Neto, 2016; Berbe, 2014

Funcionalidade

Utilização de câmeras para prestação do serviço

Permitir que o usuário utilize a câmera do celular para realização de algum serviço. Exemplo 1: o usuário pode tirar uma foto e anexá-la ao cadastro. Exemplo 2: o cidadão pode enviar uma reclamação com foto para ilustrar algum tipo de problema encontrado.

Centeno, Andrade e Souza, 2015; Berbe, 2014

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Rodrigo Diniz Lara; Marlusa Gosling e Izabela França Rodrigues

69Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 62-88 abr/jun 2018

FuncionalidadeUtilização de GPS para prestação do serviço

Utilizar geolocalização (GPS) para aprimorar a experiência de uso. Exemplo 1: utilizar a posição mostrada pelo GPS do dispositivo para indicar a aproximação de ônibus numa determinada parada. Exemplo 2: permitir que o usuário descubra a distância para chegar a uma praça de atendimento do órgão público.

Centeno, Andrade e Souza, 2015; Berbe, 2014

Funcionalidade

Utilização de avisos push para prestação do serviço

Notificar o cidadão por meio de avisos push de alguma etapa da prestação de serviço. Exemplo 1: avisar de multas de trânsito recebidas. Exemplo 2: enviar lembretes de agendamentos realizados em unidades de prestação de serviço. Exemplo 3: avisar os valores das contas de água e energia recebidas.

Centeno, Andrade e Souza, 2015; Winkler, Ziekow e Weinberg, 2012

Funcionalidade

Utilização de QR Codes para a prestação de serviços

Usar QR Codes (códigos de resposta rápida) para oferecer uma forma de acesso a um conteúdo específico. Esses códigos podem ser usados como um link em que o usuário aponta o dispositivo móvel, lê o código e visualiza uma página ou conteúdo específico.

Berbe, 2014

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Mobile government: uma análise dos aplicativos estaduais como mediadores do relacionamento entre os cidadãos e os governos estaduais

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Funcionalidade Informações real time

Apresentar informações atualizadas em tempo real no aplicativo como as condições de estradas ou o tempo médio para atendimento em unidades de atendimento.

Centeno, Andrade e Souza, 2015

Informações sobre o aplicativo

Atualização do aplicativo

Avaliar se o aplicativo teve atualização para correção de erros ou inserção de melhorias no ano corrente.

Análise dos aplicativos

Informações sobre o aplicativo

Número de downloads

Avaliar o grau de disseminação do aplicativo no Estado utilizando como referência o número de usuários do serviço de telefonia móvel

Centeno, Andrade e Souza, 2015; Análise dos aplicativos

Informações sobre o aplicativo

Tamanho do aplicativo

Identificar o tamanho do aplicativo quando está instalado no celular.

Análise dos aplicativos

Informações sobre o aplicativo

Nota na loja do aplicativo

Identificar a nota dada pelos usuários do aplicativo na Play Store

Análise dos aplicativos

Relacionamento com o cidadão

Canal de relacionamento

Disponibilizar um canal de relacionamento direto no aplicativo (e-mail, SMS ou link para página da rede social ou para avaliação na loja) com o Governo para enviar dúvida, reclamações, sugestões e elogios.

Centeno, Andrade e Souza, 2015; Chanana1, Agrawal e Punia, 2016

Relacionamento com o cidadão

Respostas aos comentários da loja

O órgão ou entidade responde aos comentários postados na loja do aplicativo

Análise dos aplicativos

Segurança da informação

Políticas de Privacidade

O aplicativo apresenta as políticas de privacidade dos dados utilizados no mesmo.

Antovski e Gusev, 2005; Kushchu e Kuscu, 2003; Chanana1, Agrawal e Punia, 2016

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Rodrigo Diniz Lara; Marlusa Gosling e Izabela França Rodrigues

71Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 62-88 abr/jun 2018

Segurança da informação

Identificação do usuário

Observar se há instrumentos que identifiquem o usuário que está acessando os serviços.

Centeno, Andrade e Souza, 2015; Alkaabi e Ayad, 2016

ServiçosTipo de categoria predominante entre os serviços

Os serviços disponibilizados no aplicativo podem ser categorizados em: serviço informativo/educativo, serviço interativo, serviço transacional e serviço de governança e participação do cidadão

OCDE, 2011 ; Winkler, Ziekow e Weinberg, 2012; Kushchu e Kuscu, 2003; Chanana1, Agrawal e Punia, 2016

Usabilidade Cadastro de dados

O cidadão pode fazer o cadastro prévio dos seus dados para utilizar posteriormente no aplicativo sem a necessidade de digitar novamente os mesmos dados.

Análise dos aplicativos

UsabilidadeNavegação principal sempre visível

Mantenha a navegação principal sempre visível. O usuário deve ter acesso ao menu de navegação em qualquer página.

Berbe, 2014

Usabilidade

Facilidade de acesso às principais funcionalidades.

Possibilitar que os usuários acessem com facilidade funcionalidades frequentes de um aplicativo por meio da criação de atalhos ou customização do aplicativo conforme as suas necessidades

Olibário, 2013; Berbe, 2014; Chanana1, Agrawal e Punia, 2016

Usabilidade Padronização da interface

O aplicativo possui uma padronização dos elementos, cores, conjunto de ícones, logotipos e seções para reforçar a sua identidade visual.

Olibário, 2013;; Berbe, 2014

Fonte: Elaborado pelos autores, 2017

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Resultados

Os resultados da pesquisa são apresentados em oito categorias com a exemplificação das telas de alguns aplicativos que possuem os critérios identificados.

Conteúdo

Em relação à classificação dos serviços, sete dos dez aplicativos avaliados utilizam a classificação por assunto para organizar o conteúdo. Os aplicativos de Mato Grosso (Figura 1) e de Goiás utilizam o critério organizacional para organizar os serviços, o que pode dificultar o acesso do cidadão, já que ele pode não saber o nome do órgão responsável pela prestação do serviço. A arquitetura da informação do aplicativo não pode ser construída baseando-se na estrutura organizacional do órgão ou entidade e deve ser voltada às necessidades do usuário (Berbe, 2014).

Figura 1 – Tela inicial do aplicativo MT Cidadão

Em relação às áreas de atuação dos serviços, identificamos que existe uma variedade de vinte e cinco temas oferecidos pelos dez aplicativos avaliados. Os dois principais assuntos que foram contemplados foram “Unidades de atendimento do Governo”, com sete indicações, e “Veículos e Condutores”, com seis indicações. O aplicativo RS Móvel (Figura 2) foi o que apresentou a maior abrangência de serviços, contemplando quinze áreas. Temas como “Saúde” e “Educação” foram contemplados no máximo por dois aplicativos pesquisados.

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Um relatório elaborado pela União Europeia em 2017 identificou como uma boa prática na área do m-gov o Mapa do Cidadão desenvolvido pelo Governo de Portugal. Por meio desse aplicativo os cidadãos podem saber quais os serviços públicos estão mais próximos do usuário por meio de serviços geolocalizados, e quais documentos são necessários para resolver a prestação do serviço ou receber uma mensagem eletrônica informando o seu lugar na fila (União Europeia, 2017).

Funcionalidades

Poucos aplicativos utilizam as características específicas dos aplicativos móveis como recursos que utilizam geolocalização, câmeras, avisos de push e QR Codes para melhorar a comunicação com o governo. Um aplicativo que vem ganhando destaque na área pública e utiliza alguns recursos específicos citados acima é o Colab.

O Colab é uma rede social que proporciona aos cidadãos o poder de fiscalizar os serviços públicos. O cidadão pode reportar um problema identificado na cidade, como um buraco na rua. Para isso, ele pode utilizar a câmera do seu celular para tirar uma foto e utilizar o seu GPS para geolocalizar o problema. Após o cadastro da solicitação, o usuário pode compartilhá-la no Facebook para os seus amigos.

Atualmente, ele é o canal de relacionamento de 90 organizações públicas, principalmente de prefeituras. O aplicativo foi vencedor no prêmio AppMyCity! de 2013, da Organização New Cities Foundation (http://www.appmycity.org/), que anualmente elege o melhor aplicativo urbano do mundo.

Os aplicativos de Minas Gerais (Figura 2), Pará e Piauí utilizam o recurso de câmera para que cidadão anexe alguma foto do problema a ser reportado, por exemplo, em uma unidade de atendimento.

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Figura 2 – Tela para avaliação de unidades de atendimento do MG App

Em relação aos avisos de push, foram identificados que aplicativos de Minas Gerais, São Paulo e Bahia (Figura 3) enviam notificações sobre agendamentos realizados em unidades de atendimento. No caso do QR Codes, não foi identificado aplicativo que utilize esse recurso.

Figura 3 – Tela de Notificação do SAC Mobile

Outros recursos pouco disponibilizados pelos aplicativos foram a “busca” e “informações real time”. Apenas 3 apps (Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo) possuíam a possibilidade de o usuário realizar uma busca dos serviços e informações disponíveis. No caso das informações real time, o MG app e o SAC BA

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Mobile (Figura 4) disponibilizam o tempo de espera nas unidades de atendimento. Já o RS Móvel apresenta o movimento nas estradas gaúchas (Figura 5).

Figura 4 – Tela do tempo de espera do atendimento do SAC Mobile

Figura 5 – Tela da situação das estradas do RS Móvel

Centeno, Andrade e Souza (2015) destacam que geralmente aplicativos de governo são construídos mesmo quando não utilizam funcionalidades exclusivas de dispositivos móveis, como geolocalização, câmeras, aviso push e QR Code. Nessa análise, o aplicativo MG app é o que mais utiliza esse tipo de recurso, não

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apresentando apenas o QR Code, ainda que em pontos isolados do aplicativo, não contemplando todos os serviços. O aplicativo do Governo do Pará dispõe de geolocalização e câmera para todos os serviços disponíveis no aplicativo. Nessa situação, a experiência internacional demonstra que é possível utilizar a técnica do responsive web design, o que não necessitaria do desenvolvimento específico para aplicativos móveis (Centeno; Andrade; Souza, 2015). O conceito de responsive web design ou design responsivo foi criado em 2010 no artigo “Responsive Web Design”, escrito por Ethan Marcotte (2010) no blog “A List Apart”. O autor destaca que, em vez de desenvolver um design para cada dispositivo, deveria ser projetado um único código que adaptasse o layout para as diferentes telas, por meio de tecnologias padronizadas (HyperText Markup Language [HTML] e Cascading Style Sheets [CSS]).

Serviços

Os serviços dos aplicativos estaduais são desenvolvidos predominantemente no modelo interativo, cuja principal característica é a comunicação individual com o intuito de acessar documentos personalizados e formulários. Podemos destacar com exemplos desses serviços o acesso a contas de água e energia; consulta a multas e pontuação do condutor; e consulta a dados de transparência. Na área de serviços informativos, podemos destacar a divulgação de notícias do governo e agenda de eventos institucionais.

Em relação ao tipo de modelo transacional, seis aplicativos oferecem esse tipo de serviço. Podemos exemplificar como serviços transacionais o agendamento de serviços nas unidades de atendimentos e a emissão de atestado de antecedentes criminais. No que tange aos serviços participativos, podemos destacar os que têm como objetivo auxiliar na melhoria da prestação do serviço. São exemplos desses serviços a possibilidade de avaliar as unidades de atendimento do Governo, como apresentado no MG app.

Usabilidade

No que tange aos recursos de usabilidade, a grande maioria dos aplicativos (90%) possui padronização da interface do aplicativo de forma a manter uma identidade visual. Apenas no aplicativo do Governo de Goiás não foi identificada essa padronização. Verificou-se que sete dos dez aplicativos pesquisados possuem navegação principal sempre visível, permitindo aos cidadãos sempre ter acesso a outros serviços do aplicativo sem a necessidade de realizar vários passos.

Dois recursos que facilitam muito a navegabilidade dos cidadãos aos aplicativos para agilizar o acesso mais rápido aos serviços são pouco frequentes. O primeiro

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recurso é a possibilidade de o usuário personalizar o seu aplicativo com os serviços que ele mais utiliza. Esse recurso foi identificado apenas nos aplicativos MG app e no ES na Palma da Mão. No MG app o usuário tem a possibilidade de configurar na página inicial do aplicativo os serviços a que ele tem mais acesso (Figura 6).

Figura 6 – Página inicial do MG app

Outra opção pouco utilizada pelos aplicativos é a possibilidade de o cidadão realizar o seu cadastro e utilizar essas informações para o acesso aos serviços sem a necessidade de ter que digitar toda vez um chassi de um carro, por exemplo. Esse recurso foi identificado apenas nos aplicativos baiano, capixaba, paulista e mineiro.

Por fim, existe uma opção interessante identificada nos apps do Governo do Estado de São Paulo e do Governo do Estado de Minas Gerais que é o acesso a outros aplicativos específicos do governo. Tendo em vista que existem necessidades específicas de alguns cidadãos, não é recomendável trazer todos os serviços para um aplicativo único que poderia impactar no seu tamanho. O Governo do Estado de São Paulo possui 28 aplicativos móveis disponíveis e um aplicativo-base, denominado SP Serviços, que funciona como portal de serviços públicos, no qual está disponível o acesso para download de todas as aplicações em uso pelo Governo (Figura 7).

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Figura 7 – Tela inicial do Sp Serviços

A União Europeia (2017) identificou como uma boa prática na área do m-gov o aplicativo do Governo de Malta denominado Maltapps. Esse aplicativo lançado em 2017 lista todos os aplicativos móveis do país, permitindo que os cidadãos possam localizar os serviços de m-gov oficiais do governo sem a necessidade de pesquisá-los nas respectivas lojas de aplicativos. Cada serviço é classificado em doze setores representando as várias entidades e departamentos governamentais.

Informações do aplicativos

Na Play Store é possível extrair informações importantes sobre o desempenho dos aplicativos. A primeira informação que podemos destacar são as notas dadas pelos usuários em relação ao aplicativo. A nota pode variar de uma a cinco estrelas. A média dos aplicativos analisados está em 4,05 estrelas. As duas maiores são dos aplicativos dos Governos de Mato Grosso e Rio Grande do Sul, com as notas 4,5 e 4,3, respectivamente. A menor nota é do aplicativo ES na Palma da Mão com 3,5. A título de comparação, dois aplicativos de muita utilização pelos usuários, como WhatsApp e Facebook, têm notas de 4,5 e 4,0, respectivamente.

Identificou-se que 60% dos aplicativos tiveram alguma atualização neste ano para correção de erros ou implantação das melhorias. Apenas os aplicativos dos Governos de Goiás e Paraíba, que têm mais de 3 anos de existência, não apresentam qualquer atualização. Em relação ao tamanho dos aplicativos, a média é de 32,43 MB. Existem dois aplicativos com tamanhos maiores que 80 MB. São os aplicativos do Governo

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da Bahia e de Mato Grosso. Tendo em vista a limitação dos aparelhos em relação ao espaço de memória e número cada vez crescente de novos aplicativos, é interessante que os mesmos sejam desenvolvidos com tamanhos reduzidos, de forma que o usuário não tenha que desinstalar a todo o momento para instalação de novos.

Os dois aplicativos que apresentam maior número de downloads são de São Paulo e Minas Gerais. O SP Serviços apresenta entre 500.000 - 1.000.000 downloads, enquanto o MG app apresenta entre 100.000 - 500.000. Apesar de apresentarem o maior número de downloads, identifica-se ainda pouca penetração na população como um todo. No caso de São Paulo, representa entre 1 e 2% da população, enquanto em Minas Gerais representa entre 0,5 e 2,5% (Brasil, 2017).

Relacionamento com o cidadão

No que tange ao relacionamento com o cidadão, seis aplicativos possuem um canal direto para envio de dúvidas, reclamações, sugestões e elogios para o governo pelo próprio aplicativo. Entretanto, apenas os aplicativos dos Governos da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo respondem aos comentários postados na loja do Play Store pelos usuários referentes a dúvidas, reclamações ou elogios sobre o aplicativo. A existências desses canais e a resposta pelos governos aprimora a relação com o cidadão.

Segurança

A maioria dos aplicativos estaduais (seis aplicativos) utiliza um meio para identificação do cidadão. Essa possibilidade, apesar de inserir uma etapa adicional para o cidadão acessar o serviço, auxilia os governos a entenderem de forma personalizada as necessidades de cada cidadão. Apenas quatro aplicativos (ES na Palma da Mão, MG app, Governo Digital Pará e SP Serviços) apresentam políticas de privacidade dos dados fornecidos pelos cidadãos. Essa política é necessária para manter uma relação transparente entre governo e cidadão.

Ajuda e documentação

A grande maioria dos aplicativos estaduais (70%) não possui uma seção de ajuda nem apresenta o termo de uso de utilização do app. Os aplicativos dos Governos de Minas Gerais e Espírito Santo são os únicos que possuem ajuda e termo de uso. O app do governo paulista possui ajuda e o do gaúcho possui termo de uso. A falta da seção ajuda no aplicativo dificulta o esclarecimento de dúvidas frequentes sobre

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a utilização do mesmo. Da mesma forma, é importante que o usuário esteja ciente das regras de utilização do aplicativo por meio do termo de uso.

Considerações finais

Os resultados da avaliação demonstram que os estados e o Distrito Federal ainda possuem um longo caminho a percorrer para aproveitar as potencialidades do m-gov. Tendo em vista a expansão do número de dispositivos móveis com acesso a dados, isso demonstra que esse tema deverá ser discutido cada vez mais pelos governos nacionais e internacionais.

Apenas 10 estados dos 27 pesquisados, incluindo o Distrito Federal, possuem um aplicativo que centraliza os serviços dos governos. O número de downloads dos aplicativos também representa uma parcela pequena da população, tendo em vista o número de usuários potenciais.

Poucos serviços utilizam-se dos recursos tecnológicos dos dispositivos móveis, como GPS, câmera e avisos por push. Dessa forma, cabe uma reflexão se é necessário o desenvolvimento de um aplicativo específico ou adaptação dos portais para um design responsivo para essas tecnologias.

Os gestores estaduais devem se preocupar com a elaboração de uma estratégia para contemplar o m-gov no atendimento ao cidadão considerando as melhores práticas internacionais no tema. Organizações internacionais com a União Europeia e as Organizações das Nações Unidades têm publicado estudos recentes e recorrentes sobre essas melhores práticas.

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Rodrigo Diniz Lara

Possui mestrado em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é Superintendente Central de Governança Eletrônica da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais. Contato: [email protected]

Marlusa Gosling

Possui doutorado em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e posdoc em Gestão do Turismo na Universidade de Algarve, Portugal. Atualmente é professora de Marketing da UFMG, Coordenadora do Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo (NEECIM-TUR) e Coordenadora da Pós-Graduação Lato Sensu do Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da UFMG, curso de Gestão Estratégica. Contato: [email protected]

Izabela França Rodrigues

Possui mestrado em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (FJP). Atualmente é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais. Contato: [email protected]

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Rodrigo Diniz Lara; Marlusa Gosling e Izabela França Rodrigues

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APÊNDICE A – Tabela de Análise dos Aplicativos Estaduais e do Distrito Federal

Critério/Estado

Ajuda e documentação Funcionalidades

AjudaTermos de uso

Busca

Câmeras para

presta-ção do serviço

GPS para presta-ção do serviço

Avisos push para prestação do serviço

Utiliza- ção

de QR Codes

Informa- ções real

time

Bahia (SAC BA Mobile) Não Não Não Não Sim Sim Não SimEspiríto Santo (ES na Palma da Mão)

Sim Sim Não Não Não Não Não Não

Goiás (VaptVupt)

Não Não Não Não Não Não Não Não

Mato Grosso (MT Cidadão)

Não Não Não Não Sim Não Não Não

Minas Gerais (MG app)

Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim

Pará (Governo Digital Pará)

Não Não Não Sim Sim Não Não Não

Paraíba (Governo da Paraíba)

Não Não Não Não Sim Não Não Não

Piauí (Gestão Transparente)

Não Não Não Sim Sim Não Não Não

Rio Grande do Sul (RS Móvel)

Não Sim Sim Não Não Não Não Sim

São Paulo (SP Serviços)

Sim Não Sim Não Não Sim Não Não

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Mobile government: uma análise dos aplicativos estaduais como mediadores do relacionamento entre os cidadãos e os governos estaduais

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Critério/Estado

Informações do aplicativoRelacionamento com o Cidadão

Segurança da Informação

Atualização do aplicativo

Número de down-

loads

Tama- nho do aplica-

tivo

Nota na

loja do

aplica-tivo

Canal de rela-ciona-mento

Respostas aos co-

mentários da loja

Políticas de

Priva- cidade

Identifi- cação

do usuário

Bahia (SAC BA Mobile)

27/01/201750.000

- 100.00085,41 4,1 Sim Sim Não Sim

Espiríto Santo (ES na Palma da Mão)

21/03/20175.000

- 10.00019,57 3,5 Sim Sim Sim Sim

Goiás (VaptVupt)

25/02/201410.000

- 50.0003,3 4,1 Não Não Não Não

Mato Grosso (MT Cidadão)

28/03/201710.000

- 50.00088,16 4,5 Não Não Não Não

Minas Gerais (MG app)

25/04/2017100.000

- 500.00047,68 4,1 Sim Sim Sim Sim

Pará (Governo Digital Pará)

02/03/20175.000

- 10.00019,76 3,7 Não Não Sim Sim

Paraíba (Governo da Paraíba)

04/04/20145.000

- 10.0004,98 4,2 Não Não Não Não

Piauí (Gestão Transpa- rente)

02/08/2016500

- 100020,1 3,9 Sim Não Não Sim

Rio Grande do Sul (RS Móvel)

27/10/201510.000

- 50.0006,19 4,3 Sim Não Não Não

São Paulo (SP Serviços)

17/04/2017500.000 - 1.000.000

29,48 4,1 Sim Sim Sim Sim

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Rodrigo Diniz Lara; Marlusa Gosling e Izabela França Rodrigues

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Critério/Estado

Serviços Usabilidade

Tipo de categoria predominante entre os serviços

Navegação principal sempre visível

Acesso às prin-cipais funcio-nalida-des

Padroni- zação da interface

Cadas- tro de dados

Acesso para outros aplica-tivosInfor-

mativoInte- rativo

Transa- cional

Partici- pação

Bahia (SAC BA Mobile) Sim Sim Sim Não Sim Não Sim Sim NãoEspiríto Santo (ES na Palma da Mão)

Sim Sim Não Não Sim Sim Sim Sim Não

Goiás (VaptVupt)

Não Não Não Não Não Não Não Não Não

Mato Grosso (MT Cidadão)

Sim Sim Sim Não Sim Não Sim Não Não

Minas Gerais (MG app)

Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim

Pará (Governo Digital Pará)

Sim Sim Sim Sim Não Não Sim Não Não

Paraíba (Governo da Paraíba)

Sim Não Não Não Sim Não Sim Não Não

Piauí (Gestão Transpa- rente)

Sim Sim Não Sim Sim Não Sim Não Não

Rio Grande do Sul (RS Móvel)

Sim Sim Sim Não Não Não Sim Não Não

São Paulo (SP Serviços)

Sim Sim Sim Não Sim Não Sim Sim Sim

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Critério/Estado

Conteúdo

Areas de atuação

Identifi- cação Civil

Acha- dos e Perdi-

dos

TrabalhoSegu- rança

Água e esgoto

Saúde Energia

Veícu- los e

condu-tores

Ouvi- doria

Uni- dades

Bahia (SAC BA Mobile)

x x x x x

Espiríto Santo (ES na Palma da Mão)

x

Goiás (VaptVupt)Mato Grosso (MT Cidadão)

x x x x x

Minas Gerais (MG app)

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Pará (Governo Digital Pará)

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Paraíba (Governo da Paraíba)

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Piauí (Gestão Transpa- rente)Rio Grande do Sul (RS Móvel)

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São Paulo (SP Serviços)

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Rodrigo Diniz Lara; Marlusa Gosling e Izabela França Rodrigues

87Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 62-88 abr/jun 2018

Critério/Estado

Conteúdo

Areas de atuação

ServidorPesquisa

de Processos

Edu- cação

Legis- lação

EmpresaDiário Oficial

TributosAgricul-

turaAnimais

Bahia (SAC BA Mobile)Espiríto Santo (ES na Palma da Mão)

x x

Goiás (VaptVupt)Mato Grosso (MT Cidadão)

x x

Minas Gerais (MG app)

x

Pará (Governo Digital Pará)Paraíba (Governo da Paraíba)

x

Piauí (Gestão Transpa- rente)Rio Grande do Sul (RS Móvel)

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São Paulo (SP Serviços)

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Mobile government: uma análise dos aplicativos estaduais como mediadores do relacionamento entre os cidadãos e os governos estaduais

88 Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 62-88 abr/jun 2018

Critério/Estado

Conteúdo

Areas de atuação Conteúdo classifica-dos por assunto

Linha de ônibus

Transpa- rência

Meio Ambiente Notícias Procon Agenda

Bahia (SAC BA Mobile) x Sim

Espiríto Santo (ES na Palma da Mão)

x x x x Sim

Goiás (VaptVupt) Não

Mato Grosso (MT Cidadão) x x x Não

Minas Gerais (MG app) Sim

Pará (Governo Digital Pará) x x Não

Paraíba (Governo da Paraíba)

x Sim

Piauí (Gestão Transparente) x x Sim

Rio Grande do Sul (RS Móvel)

x x Sim

São Paulo (SP Serviços) Sim

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89Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 89-115 abr/jun 2018

Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a

administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo

Bruna Ribeiro da SilvaUniversidade de Brasília (UnB)

Helena Araújo CostaUniversidade de Brasília (UnB)

O estudo teve como objetivo analisar a crise ocorrida em 2011, em decorrência da Operação Voucher, no Ministério do Turismo (MTur) e seu gerenciamento, bem como os impactos positivos e negativos decorrentes sobre a gestão do órgão. Para tanto, foi realizado um estudo de caso no MTur em que se procurou relatar os antecedentes e as fases da crise em estudo, descrever a forma como o órgão lidou com ela e verificar os impactos positivos e negativos dela sobre a gestão do órgão, dando enfoque nas cinco funções da administração. A pesquisa teve abordagem qualitativa e contou com a aplicação de um roteiro de entrevista semiestruturado junto a sete respondentes-chave, identificados com auxílio da técnica do Snowball. A análise de dados foi realizada de acordo com a técnica de análise de conteúdo. Os resultados encontrados revelaram que a citada crise apresentou impactos nas seguintes funções da administração: planejamento, organização, controle, execução e liderança. Foram identificados impactos negativos, tais como o acúmulo e atraso das demandas a serem resolvidas, a insegurança e as relações de trabalho estremecidas, que contribuem para um ambiente e clima organizacional desconfortáveis. Por outro lado, também revelaram-se impactos positivos, tais como melhorias no controle dos processos por meio da implantação de ferramentas e maior responsabilidade por parte dos servidores com o que é público, contribuindo para o fortalecimento da estrutura organizacional.

Palavras-chave: gestão de crise, setor público – Brasil, estudo de caso - Ministério do Turismo

[Artigo recebido em 13 de abril de 2017. Aprovado em 19 de fevereiro de 2018.]

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Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo

90 Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 89-115 abr/jun 2018

Gestión de crisis en el sector público e influencias en gestión: el caso de la Operación de Bono en el Ministerio de Turismo

El estudio pretende analizar la crisis en 2011, debido a la operación de bono en el Ministerio de Turismo (MTur) y su gestión, así como los impactos positivos y negativos resultantes sobre la gestión de la agencia. Para ello, se realizó un estudio de caso en el MTur en el que se intentó relatar el fondo y las etapas de la crisis en estudio, describir cómo la agencia lidió con ella y comprobar sus impactos positivos y negativos en la gestión del órgano, dando énfasis en cinco funciones de administración. La encuesta tuvo un enfoque cualitativo y la implementación de un plan de entrevista guía para los siete encuestados clave, identificados mediante la técnica de Snowball. El análisis de los datos se realizó según la técnica de análisis de contenido. Los resultados mostraron que la citada crisis presenta impactos en las siguientes funciones de gestión: planificación, organización, control, ejecución y liderazgo. Se identificaron impactos negativos, como la acumulación y retraso de las demandas a ser resueltas, la inseguridad y de las relaciones de trabajo estremecidas, contribuyendo a un ambiente y un clima organizacional incómodos. Por otra parte, resultó haber también impactos positivos, como mejoras en el control de procesos mediante la implementación de herramientas y una mayor responsabilidad por parte de los servidores públicos, con lo que se contribuye al fortalecimiento de la estructura organizacional.

Palabras clave: gestión de crisis, sector público, estudio de caso - Ministerio del Turismo

Crisis management in the public sector and its influences on the administration: the case of the Voucher Operation in the Ministry of Tourism

The study aimed to analyze the crisis in 2011, due to the Voucher Operation in the Ministry of tourism (MTur) and its management, as well as the positive and negative impacts arising on the management of the agency. To this end, we conducted a case study in the MTur in which we sought to report the antecedents and the phases of the crisis, describe how the agency dealt with it and check its positive and negative impacts on the management of the organ, giving focus on five functions of administration. The study had a qualitative approach and the implementation of a roadmap of interview semi-structured with 7 key responders, identified with the help of Snowball technique. Data analysis was performed according to the technique of content analysis. The results showed that the crisis has presented impacts on the following administration functions: planning, organization, control, execution and leadership. Negative impacts have been identified such as the accumulation and backwardness of the demands to be resolved, insecurity and the strained labor relations, contributing to an uncomfortable environment and organizational climate. On the other hand, also was proved positive impacts such as improvements in the control of processes by deploying tools and greater responsibility on the part of the servers with what that is public, contributing to the strengthening of the organizational structure.

Keywords: crisis management, public sector – Brazil, case study - Ministry of Tourism

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Bruna Ribeiro da Silva; Helena Araújo Costa

91Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 89-115 abr/jun 2018

Introdução

Crise é um termo popular usado com frequência em uma ampla variedade de contextos. Ela pode ser conceituada como um período de descontinuidade, marcando o ponto de ruptura em um processo padronizado de linearidade (Boin, 2004). Outros autores ressaltam que crise consiste em algo maior do que um conjunto de problemas (Oliveira, 2014), como um acontecimento capaz de produzir perturbações nos mais variados níveis de uma organização (Carvalho, 2014).

As crises organizacionais são imprevisíveis e ocorrem quando a estrutura organizacional de um sistema social experimenta um forte declínio de legitimidade (Santos, 2012). Quanto à natureza das crises organizacionais, vários tipos de crises podem afetar as organizações, revelando as vulnerabilidades às quais são expostas: extorsão, suborno, aquisição hostil, sabotagem de informações, adulteração de computador, boatos mal-intencionados, falsificações etc. (Pearson; Clair, 1998). Assim, a pesquisa aqui apresentada aplica esses conceitos para o universo organizacional, em especial para o contexto das organizações públicas federais, como o MTur.

Academicamente, o tema recebe contribuições de disciplinas como a Sociologia, Administração Pública, Ciências Políticas e Relações Internacionais, Psicologia Política e Organizacional, entre outras. Crises econômicas, políticas e institucionais têm sido assuntos recorrentes nos noticiários nacionais1, agravadas por uma percepção de baixa qualidade na oferta de serviços públicos, fragilidade no controle e na transparência dos processos, e escândalos de corrupção na gestão pública (Pereira, 2014). Apesar dessa presença cotidiana do tema e da relevância no contexto jornalístico, ainda é limitada a produção acadêmica nacional acerca dele no contexto da gestão. Como ilustração, nos últimos 10 anos (2007 – 2017), apenas 12 artigos publicados pela Revista de Administração Pública (RAP) e apenas 2 na Revista de Administração de Empresas (RAE) traziam a palavra crise em seu título. Ainda assim, nenhum deles tratava da gestão de crises em si como problema central.

Na literatura especializada em turismo, por sua vez, as abordagens variam e dizem respeito a crises geradas por fenômenos naturais (Moore, 2010), terrorismo (Hall, 2010), questões políticas (Cohen; Neal, 2010), aspectos macroeconômicos ligados a recessão, inflação, desemprego, entre outros, especialmente em relação com o impacto na visitação de determinados destinos (Li; Blake; Cooper, 2010), tais como China (Li; Blake; Cooper, 2010), Tailândia (Cohen; Neal, 2010) e Islândia (Jóhannesson; Huijbens, 2010). Do ponto de vista organizacional no

1 As referências que remetem a textos jornalísticos encontram-se na lista de referências no final do artigo.

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Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo

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setor de turismo, encontraram-se contribuições sobre a importância da liderança e da comunicação, bem como da detecção de sinais de crise nas organizações (Kádárová et al., 2015; Paraskevas; Altinay, 2013; Paraskevas et al., 2013; Ritchie, 2004). Todavia, a gestão de crises do ponto de vista de organizações públicas permanece pouco explorada, o que reforça a relevância da abordagem apresentada por este estudo.

Partindo do contexto colocado, o objetivo do artigo é analisar a crise ocorrida em 2011 no Ministério do Turismo, deflagrada pela Operação Voucher da Polícia Federal, e seu gerenciamento, bem como os impactos positivos e negativos dela decorrentes sobre a administração do órgão. Assim, caracterizou-se a crise em estudo (relatando seus antecedentes e fases), descreveu-se a forma como o órgão, na figura de seus gestores, técnicos e servidores, lidou com a crise, e verificaram-se os impactos positivos e negativos dela sobre a gestão do órgão, dando enfoque nas cinco funções da administração: planejamento, organização, execução, controle e liderança, segundo Maximiano (2008).

O Ministério do Turismo, lócus deste estudo, foi criado pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, tem como objetivo fomentar a política nacional de desenvolvimento do turismo, promover e divulgar o turismo nacional no país e no exterior, estimular as iniciativas públicas e privadas de incentivo às atividades turísticas, entre outros fins (Brasil, 2015). O caso analisado neste estudo remete à crise deflagrada com a Operação Voucher, da Polícia Federal, que investigava possíveis casos de corrupção no MTur em 2011. Na época, o órgão era responsável pela capacitação de 300 mil pessoas para a Copa do Mundo de 2014 por meio do programa Bem Receber Copa (BRC). A partir disso, viu-se a necessidade de realizar parcerias para que fosse possível atingir a meta proposta. Contudo, foram constatadas fraudes em convênios, o que impulsionou a crise que surgiu no Ministério, mais precisamente no Departamento de Qualificação (atualmente extinto).

O artigo foi então estruturado em quatro seções, além desta introdução. O referencial teórico foi apresentado na segunda seção, abordando o conceito de crise, sua relação com a comunicação e com a gestão, bem como os impactos das crises sobre a gestão das organizações. A terceira seção apresenta os aspectos metodológicos do estudo, seguida pela quarta seção, que apresenta o contexto da Operação Voucher e os resultados; e por último, a quinta seção, que apresenta as considerações finais.

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Bruna Ribeiro da Silva; Helena Araújo Costa

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Crise: conceitos, gerenciamento e impactos sobre a administração das organizações

Apesar de não haver consenso sobre o conceito de crise, é recorrente atribuir a ela o sentido de “fase grave, complicada, difícil, um momento de tensão ou de impasse na vida de uma pessoa, de um grupo social, na evolução de determinadas situações” (Mendes, 2005, p. 766), podendo ser desdobrada em outras para os diferentes agentes envolvidos, conforme as interpretações, associações, acusações e argumentações que recaem sobre cada um (Mendes, 2005), ou um estado de fluxo durante o qual as estruturas institucionais em um sistema social se desenraizaram, cuja principal moeda é a legitimidade (Boin, 2004).

Dentro da literatura, aparece uma variedade de crises: financeiras (Krugman, 2010; Bresser, 1996); políticas (Mendes, 2005); de legitimidade, moral (Bresser, 1996); de imagem (Nascimento, 2007), epidemias (Sharpley; Craven, 2001), catástrofes industriais ou naturais, falhas em equipamentos e construções, de natureza legal, de relações humanas, de risco de vida e regulatórias (Rosa, 2003).

No turismo, o aspecto mais encontrado nas publicações refere-se ao impacto de crises, das mais distintas esferas, sobre a demanda por determinados destinos turísticos (Sharpley; Craven, 2001; Paraskevas et al.; 2013). Ritchie (2004) enfatiza que o mundo, cada vez mais interdependente e conectado, possibilita que crises de pequeno porte em uma determinada parte do mundo gerem um impacto significativo em outros lugares. Este trabalho, por sua vez, propõe uma abordagem diferente ao manter sua atenção sobre uma crise de cunho político-institucional e no contexto da administração pública.

Gladu (2003) destaca a importância da distinção entre crise e emergência no serviço público, definindo a emergência como uma situação anormal que requer uma ação imediata para limitar os danos às pessoas, bens ou o ambiente. Já a crise é entendida como uma situação que, de alguma forma, desafia o sentido público de adequação, tradição, valores, segurança e a integridade do governo. Sendo assim, as crises podem ser oriundas de emergências parcialmente resolvidas. Por outro lado, podem ser desencadeadas simplesmente por falhas aparentes nas políticas, regulamentos ou programas. A crise no setor público, de acordo com Gladu (2003), implica:

• Focar em questionamentos fundamentais de um problema (real ou percebido).

• Ter um problema de alcance muito extenso.

• Ter perda de confiança do público nas instituições.

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Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo

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• Extensa mobilização no que diz respeito à gestão de operações e comunicações.

• Concentrar-se na restauração, confiança e na busca de um consenso.

Farazmand (2001) aponta para a necessidade de uma maior abordagem sobre o tema, já que a gestão de crises é vista como uma função imprescindível e atual da administração pública. O autor afirma que a prática da administração de emergência está cada vez mais corrente, e que ambas exigem visão estratégica de longo prazo e pensamento criativo a serviço do bem comum, levando ao envolvimento de todos os pertencentes à comunidade. De modo sistemático, a gestão bem sucedida da crise implica em dar um sentindo de urgência à questão; bem como pensar de forma criativa e estratégica para resolver a crise, tomar ações ousadas, agindo com coragem e sinceridade; romper com a cultura organizacional de autoproteção, assumindo riscos e ações que possam produzir melhores soluções nas quais não haveria perdedores significativos; e, por fim, realizar a manutenção de uma presença contínua na situação que muda rapidamente com o desenrolar dos eventos (Farazmand, 2001).

É possível observar na literatura internacional o destaque dado à liderança como aspecto crucial da gestão de crises do ponto de vista organizacional, enfatizando sua importância nas resoluções de crise (Gladu, 2003; Farazmand, 2001; Balser; Foxman, 2005; Boin et al., 2005). Santos, Mello e Cunha (2016) abordam o termo sensemaking, ou “criação de sentido”, ressaltando que os líderes devem ter a capacidade de reconhecer que algo fora do comum está em desenvolvimento na organização.

Além de conhecer profundamente sua organização, frente a uma situação de crise o gestor é chamado a conduzi-la de forma resiliente ao ambiente, realizando o que Sobral e Peci (2008) chamam de equalização. Para operar nessa conjuntura, algumas habilidades passam a ser requeridas. Entre elas, o líder precisa ser perceptivo, intuitivo, possuidor de domínio em diversos campos, capaz de assumir responsabilidades adicionais, capaz de pensar claramente, decisivo e capaz de manter a calma sob pressão (Gladu, 2003). Outra questão ressaltada diz respeito à criação de uma equipe para a gestão da crise, assim como à existência de um planejamento estratégico nas instituições, com fases distintas e claras, capaz de ser um forte instrumento em momentos turbulentos, sendo que sua atuação não se restringe apenas ao momento de crise, mas refere-se também tanto ao momento que a antecede quanto ao momento pós-crise.

A gestão de crises pode ser organizada em quatro fases: mitigação, preparação, resposta e recuperação, sendo essencial a distinção das mesmas para a resolução

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da crise. Cada fase está associada a um momento no desdobramento da crise, conforme ilustra a Figura 1 (Gladu, 2003).

Figura 1 – O processo de gerenciamento de crises e emergências

Fonte: Elaborado a partir de Gladu (2003).

Na primeira fase, mitigação, as medidas são tomadas para reduzir as consequências de uma crise ou emergência. Sendo assim, cabe nessa fase a condução de uma revisão, a avaliação de riscos, o estudo de um pior cenário, o estudo de situações anteriores, a organização para especialização e uma configuração contínua de sistemas de monitoramento. Na segunda fase, preparação, tomam-se medidas para preparar-se para crise efetiva ou para uma resposta de emergência. Logo, busca-se desenvolver planos de operação e comunicação, formar uma equipe para resolução da crise, designar parceiros, criar sistemas e treinar e exercer os planos. A terceira fase, voltada para respostas, deve fornecer as medidas tomadas para lidar com as consequências de uma crise ou uma emergência, ou seja, avaliar a situação, ativar o plano operacional e ativar o plano de comunicação. Por fim, a quarta e última fase, a recuperação, é responsável por medidas tomadas no respaldo de uma crise ou emergência, como declarar o fim da crise ou da emergência (voltar às operações normais), manter a comunicação com mídia e parceiros, dar apoio aos empregados e avaliar e tirar lições a partir da experiência, que envolve o processo de liderança durante a crise, discutido por Paraskevas et al. (2013).

Parte das referências acerca de gestão de crises foi encontrada na literatura ligada à comunicação organizacional e relações públicas, como Rosa (2003), Nascimento (2007), Lourenço e Marchiori (2011), Balser e Foxman (2005), Farazmand (2001). Um dos elementos destacados por Balser e Foxman (2005) é a importância de haver uma cultura que viabilize a comunicação direta dos funcionários com a administração, com o intuito de deixá-los mais confortáveis para comunicar supostos incidentes. Além disso, a literatura indica a importância de que seja

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Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo

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definido somente um porta-voz destinado a fornecer as informações sobre a crise para o público externo a fim de evitar contradições que possam abalar ainda mais a imagem da organização, e este deve estar a par de todo o processo de contenção da mesma. Caso seja necessário mais que um, a coordenação das mensagens torna-se fundamental (Balser, Foxman, 2005). Ainda em relação à comunicação, Kádárová et al. (2015) enfatizam a sua importância para a resolução bem-sucedida de uma crise corporativa. Os autores lembram que, mesmo em condições normais, há a tendência de os empregados confundirem a especulação com a realidade e, se esses sinais passam despercebidos, podem se tornar problemáticos para a gestão. A quantidade de informação incontrolada, distorcida, emocionalmente motivada e a especulação pode levar à formação de distúrbios em massa e tornar-se um obstáculo na gestão racional das situações de crise.

Gladu (2003) esclarece também a importância de que a fase de recuperação de uma crise inclua um processo de aprendizagem organizacional para avaliar as ações apreendidas durante a experiência, podendo as crises ou emergências ter efeitos positivos ou negativos, tanto no processo organizacional como na imagem pública de uma organização.

Pode-se esperar que os impactos positivos e negativos gerados pela crise na administração da organização sejam refletidos nas cinco funções básicas da gestão: planejamento, organização, controle, execução e liderança. Por isso elas serão usadas como balizas para o levantamento dos impactos no estudo empírico aqui realizado.

Com base na literatura acerca do tema gestão de crises, podem ser identificados possíveis impactos positivos e negativos sobre a administração de uma organização ocasionados pela ocorrência de uma crise. Foram encontradas menções ao aprendizado do órgão e o fortalecimento da sua estrutura (Boin et al., 2005; Gladu, 2003), como investimento na capacitação dos indivíduos, aperfeiçoamento e implantação de ferramentas que auxiliem no controle dos processos, e mudança na cultura organizacional, de uma cultura mais flexível para uma mais rígida, na qual os indivíduos passem a ter maior responsabilidade com as competências no trabalho. Quanto aos prejuízos, estão danos sobre a imagem da organização e sobre o clima organizacional (Rosa, 2003), com evidências tais como estresse, relações de trabalho instáveis, ruídos ou falhas na comunicação.

Por fim, autores internacionais como Gladu (2003), Balser e Foxman (2005) e Farazmand (2001) defendem a existência de um planejamento estratégico nas instituições, com fases distintas e claras, capaz de ser forte instrumento em momentos turbulentos, sendo que sua atuação não se restringe apenas ao momento de crise, mas refere-se também tanto ao momento que a antecede quanto ao momento pós-crise. Isso evidencia alguns dos possíveis desdobramentos

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da crise sobre a gestão. Nascimento (2007) cita três passos para a elaboração de um plano de crise: (1) analisar os procedimentos da empresa; (2) estabelecer metas; e (3) montar sua estratégia de atuação.

Métodos e técnicas de pesquisa

A pesquisa realizada teve abordagem qualitativa e natureza exploratório-descritiva (Richardson, 1999). A coleta de dados contou com pesquisa documental e com pesquisa de campo para o levantamento de dados primários. Foram realizadas entrevistas nas dependências do Ministério do Turismo em Brasília – DF, entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016, junto a sete gestores, técnicos e servidores do ministério. Para a coleta dos dados foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado contendo nove questões a respeito da crise que teve surgimento com a Operação Voucher no MTur. A escolha desses respondentes se deu pelo fato de que eles estavam em exercício no órgão na época da Operação Voucher. Além disso, foi observado que tais entrevistados possuem hoje cargos de gestão no ministério, o que os qualificaria para uma obtenção de dados mais densos.2 Devido ao teor abordado neste trabalho, que poderia implicar em alguma dificuldade na obtenção de dados, e para possibilitar uma ampla verificação empírica sobre o tema, para que fosse possível chegar a essa lista final de respondentes, foi aplicada a técnica do snowball, também conhecida por bola de neve, durante a realização das entrevistas. Sendo assim, foi solicitado aos participantes que estavam na lista inicial de entrevistados que indicassem outros colaboradores do MTur para participarem da coleta, considerados por eles relevantes para agregar mais conteúdo à pesquisa.

As entrevistas duraram em média 25 minutos, com variação de 15 minutos e 23 segundos a 35 minutos e 15 segundos, e foram gravadas e transcritas3. Apenas um dos entrevistados respondeu por escrito, porque estava de férias no momento da coleta de dados. Os respondentes serão identificados com letras (E1, E2 etc.) ao longo do trabalho, mas não serão aqui associados a seus cargos específicos à época da crise ou atuais a fim de zelar pelo sigilo de suas identidades, constando neste trabalho apenas as informações que não ferem o princípio de anonimato acordado

2 Incluiu-se também a Direção de Planejamento e Gestão Estratégica, mesmo que não tenha vivenciado a crise em si e sim o período pós-crise, devido à relevância do cargo para o assunto abordado nesta pesquisa. Os demais entrevistados ingressaram no MTur entre os anos de 2005 e 2010.

3 Os membros da equipe de pesquisa não faziam parte da organização estudada no momento da pesquisa. Uma das pessoas fez parte da organização em um cargo comissionado por um ano (2014-2015) e em período anterior à realização da pesquisa. Seu trabalho junto à organização colaborou para a percepção acerca da problemática de pesquisa e para o acesso aos entrevistados. A pessoa que conduziu as entrevistas nunca fez parte da organização e teve seu primeiro contato neste estudo.

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com os entrevistados. As entrevistas foram cessadas quando os dados já apareciam de forma redundante.

Tabela 1 – Dados dos participantes da coleta de dados

Dados dos participantes da coleta de dados

Participantes

Tipo de cargo Ano de

ingresso no MTur

Data da entrevista

Tempo de duração da entrevista

Na época da crise

Na época da realização da

pesquisaE1 Coordenação Assessoria 2007 04/01/2016 Via emailE2 Chefia Assessoria 2006 18/12/2015 00:35:15E3 Técnico Coordenação 2008 22/12/2015 00:30:17E4 Coordenação Coordenação 2005 07/01/2016 00:34:45E5 *1 Direção 2012 07/01/2016 00:15:23E6 Assessoria Assessoria 2010 13/01/2016 00:37:17E7 Coordenação Coordenação 2008 15/01/2016 00:23:32

Fonte: Elaboração própria.

Para a análise de dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo (Vergara, 2010), favorecendo a utilização de diferentes técnicas para tratamento do material coletado (Vieira; Zouain, 2005). Aplicada aos estudos organizacionais, essa técnica auxilia a responder diversas questões que levam em consideração quem fala, o que fala e de que ponto de vista o faz (Cornelsen, 2009).

Assim, o trabalho de análise foi realizado em três fases:

1. Tratamento: transcrição das entrevistas a partir das gravações.

2. Categorização: leitura das transcrições para identificação das partes mais relevantes para o trabalho em relação às categorias delimitadas conceitualmente. Nessa fase, as variáveis foram identificadas de acordo com os objetivos específicos por meio das questões utilizadas no roteiro de entrevista e as respostas dos entrevistados, como apresentado na Tabela Delimitação das Categorias para Análise dos Dados Coletados a seguir (vide Tabela 2).

3. Análise: construção de um conjunto de planilhas para compilação, análise e interpretação dos dados (Excel). A primeira planilha continha o perfil dos entrevistados; a segunda, as variáveis envolvidas nas questões e relacionadas com os objetivos específicos; a terceira compilava as conclusões individuais a respeito da resposta de cada entrevistado; a quarta contém os trechos mais importantes, com exemplos de falas a serem utilizadas na discussão dos resultados; e, por fim, a quinta planilha reuniu todas as informações para facilitar a análise rigorosa dos dados qualitativos apurados nas entrevistas.

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Bruna Ribeiro da Silva; Helena Araújo Costa

99Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 89-115 abr/jun 2018

Tabela 2 – Delimitação das categorias para análise dos dados coletados

Roteiro de entrevista Objetivos específicos Variáveis analisadas

1. Na sua avaliação, a Operação Voucher pode ser considerada uma crise na história do Mtur? Pode relatar um pouco como esta crise surgiu, o que representou para o órgão e como se desdobrou?

Caracterizar a crise ocorrida no Ministério do Turismo em 2011 (antecedentes e fases).

Crise, órgão e Operação Voucher.

2. Quais foram as primeiras atitudes tomadas pelo Ministério quando a crise foi deflagrada?

Descrever a forma como o órgão, na figura de seus gestores, técnicos e servidores, gerenciou a crise.

Crise e atitudes do ministério.

3. Havia um plano de ação de contenção para crises? Alguma equipe responsável para gerenciar a crise? E para promover mudanças após a crise?

Crise, plano de contenção e pós-crise.

4. De que forma os setores mais afetados lidaram com a crise?

Crise e setores (departamentos).

5. Como ficou o ambiente organizacional durante e após a crise? Qual era o clima na organização? Quais as consequências disso na gestão?

Crise, ambiente e clima organizacional.

6. Ainda hoje o ministério sofre algum prejuízo decorrente desta crise? Qual(is)?

Verificar os impactos positivos e negativos da crise sobre a gestão do órgão, dando enfoque às cinco funções da administração: planejamento, organização, execução, controle e liderança, bem como sobre o aprendizado organizacional.

Crise e prejuízo para o órgão.

7. O(A) senhor(a) avalia ter havido impactos positivos da crise sobre as funções administrativas (planejar, organizar, executar, controlar e liderar)?

Crise, impactos positivos e gestão (planejar, organizar, controlar, executar e liderar).

8. E avalia algum impacto negativo para estas mesmas funções?

Crise, impactos negativos e gestão (planejar, organizar, controlar, executar e liderar).

9. Como o(a) senhor(a) via a gestão do MTur antes da crise e como a vê hoje? Qual o aprendizado acumulado para o órgão?

Crise e gestão.

Fonte: Elaboração própria.

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Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo

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Resultados e discussão

Conhecendo o caso: a Operação Voucher

A Operação Voucher consistiu em uma operação da Polícia Federal que, em conjunto com o Tribunal de Contas da União e com o Ministério Público Federal, tinha como objetivo combater o desvio de recursos públicos destinados ao Ministério do Turismo por meio de emendas parlamentares ao Orçamento da União (Brasil, 2011).

Tratava-se, segundo o inquérito, do contrato firmado pelo Ministério do Turismo com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), entidade de fachada que foi pivô do esquema investigado. O convênio, no valor total de R$ 5 milhões, foi assinado para "Implantação de processos participativos para Fortalecimento da Cadeia Produtiva de Turismo do Estado do Amapá", mas nunca existiu de fato (Estadão, 2011). O Ibrasi firmou três convênios no valor total de R$17 milhões com o Ministério do Turismo desde 2009. A polícia calculava um desvio de mais de R$10 milhões, o maior percentual de desvio já apontado numa operação da PF até aquele momento (O Globo, 2011).

A Justiça expediu mandados de prisão de 38 pessoas, em Brasília, São Paulo, Macapá e Curitiba (G1, 2011). Entre os envolvidos estavam: o Secretário Executivo do Ministério do Turismo, o empresário apontado como dono de uma das empresas subcontratadas pela ONG Ibrasi, o Secretário de Programas de Desenvolvimento do Turismo, uma deputada do Amapá, além de servidores do ministério, políticos e empresários ligados à Ibrasi. Essa é a crise sobre a qual este trabalho tratará, do ponto de vista de seu gerenciamento e dos impactos que se desdobraram sobre a gestão do órgão, considerando os objetivos geral e específicos anteriormente expostos.

Caracterização da crise do MTur: antecedentes, desdobramentos e suas fases

Houve unanimidade entre os entrevistados ao considerarem a Operação Voucher uma crise na história do MTur. Na compreensão deles, antes de passar por essa experiência, o Ministério do Turismo mantinha uma flexibilidade excessiva na execução dos seus serviços. Ficou evidente que a operação trouxe à tona fragilidades, principalmente com relação ao controle dos processos. Os entrevistados indicam que faltava conhecimento acerca da Legislação e dos processos formais do setor público entre os servidores. Muitos justificaram esse despreparo pelo fato de o Ministério ser um órgão novo, criado em 2003. Entre os problemas mencionados pelos entrevistados nessa etapa da pesquisa, foram ressaltados:

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• Falhas na comunicação interna:

Num primeiro momento ninguém entendeu o que estava acontecendo. Lembro de acordar no dia da operação com a ligação de um colega de um Estado me perguntando se estava tudo bem comigo. Chegando no ministério, encontramos uma chuva de informações desencontradas. Não sabíamos quantas pessoas haviam sido presas, quem tinha sido preso ou mesmo o motivo de fato das prisões. Não me recordo de nenhuma ação proativa do ministério no período, somente ações reativas, especialmente por parte do Ministro" (E1).

Então as pessoas no ministério se informavam ou viam fontes externas ou viam é... os colegas de trabalho, né (sic)?, ouviam rádio corredor. Então, isso (a comunicação interna) no momento de crise é uma das principais é... ferramentas para... para conter a crise, para... para... é... para limitar a crise, para delimitar a crise é a informação adequada, né (sic)? [E3]

É porque muitos relataram que não tiveram um posicionamento mesmo do gestor, do ministro, que ficou todo mundo meio perdido (...). Foi do tipo assim: “Vamos punir, vamos...”, sem nem saber se tinha alguma coisa a ver com o negócio... [E7].

• Falta de padronização dos processos:

Então, assim, no primeiro ponto é que se viu que todos os nossos processos ali estavam muito frágeis... existem as leis do direito administrativo, existem as regras para liberação de convênio, existem os trâmites legais, e muitas vezes eles não foram cumpridos e muitas vezes por despreparo do servidor, por despreparo do gestor também, porque muitas vezes... eu, no meu ponto de vista, não foi por má fé [E2].

Era como se a gente repassasse o recurso para ela e ela pegasse esse recurso e repassasse para terceiros para fazer todo convênio... e isso não poderia ter acontecido [E4].

• Falta de liderança:

Não tenho nem nada a dizer... eu não acho que... que foram bons líderes não. Não acho que na época teve um processo de liderança, entendeu? De assumir a gestão interna, de... de... sabe? De gestão de crise, de chamar os servidores, de acolher, acho que não teve em nenhum momento isso. Eu acho que inclusive foi ao contrário, sabe? [E2]

Eu acho que na função liderar não mudou... eu não observo que mudou significativamente após a crise, porém eu acho que exige é... é... o fato de ter acontecido a crise exige é... um... uma postura diferente dos gestores [E3].

Depois da Operação Voucher, a gente teve uma série de casos de servidores que se recusavam a fazer o trabalho para o qual estavam contratados [E6].

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Portanto, é possível compreender o porquê de a Operação Voucher ter sido para o MTur uma crise de proporções tão grandes, como percebido através das respostas dos entrevistados. Os relatos demonstram que a liderança não exerceu um bom diálogo com os servidores e funcionários, dando abertura para atitudes improvisadas, como a paralisia do trabalho. As respostas indicaram que não havia uma equipe preparada para crise, com pessoas dotadas de tal conhecimento. Isso ocorreu às pressas com a deflagração da crise no ministério, sem uma atuação sistematizada ou planejamento para gerenciamento da crise.

Gerenciando a crise no MTur: atitudes dos gestores e setores, planos de contenção, pós-crise e clima organizacional

Considerando a gestão de crises ser dividida em quatro fases – mitigação, preparação, resposta e recuperação (Gladu, 2003) – apesar de o Ministério do Turismo não ter seguido um planejamento estratégico para a resolução da crise, é possível observar algumas características dessas fases no desenvolvimento da crise em estudo.

Quanto à primeira fase, mitigação, em que as medidas são tomadas para reduzir as consequências de uma crise ou emergência, o ministério não havia passado por experiências similares anteriores, nem possuía um plano de contenção de crises, como afirmado pela maioria dos entrevistados, nem uma equipe responsável pelo gerenciamento de crises. Observa-se aqui que as medidas tomadas com o propósito de reduzir as consequências da Operação Voucher na organização foram a criação de um manual de convênios, a fim de padronizar os processos e evitar que os mesmos erros se repetissem, assim como a criação dos programas de controle dos processos, como o Sistema de Acompanhamento dos Contratos de Repasse (Siacor), por exemplo.

Na segunda fase, a preparação, na qual a organização deve preparar-se para a crise efetiva ou para uma resposta de emergência, não foi observada nenhuma similaridade com o gerenciamento da crise ocasionada pela Operação Voucher no MTur.

A terceira fase, voltada para respostas, que deve fornecer as medidas tomadas para lidar com as consequências de uma crise ou uma emergência, foi a mais perceptível no caso do Ministério do Turismo, apesar de o clima de insegurança no ministério ter permanecido presente e os servidores e funcionários ainda não possuírem o total conhecimento do fato. Porém, podemos considerar como pertencentes a essa fase a suspensão dos convênios e a paralisia dos processos, além da formação de uma equipe para resolução da crise, para a qual um dos objetivos era nomear porta-

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vozes oficiais encarregados de prestar os esclarecimentos necessários à imprensa sobre o fato ocorrido no ministério, como relatado pelo E6 em resposta à questão descrita a seguir.

Por fim, a quarta e última fase, a recuperação, responsável por medidas tomadas no respaldo de uma crise, como a declaração do seu fim, voltando às operações normais, foi a mais discreta de todas. De fato, a crise foi superada. No entanto, a relação com os parceiros ficou estremecida, os servidores e funcionários ainda não têm total segurança quanto aos processos realizados, ainda temem assinar documentos e afirmam não terem tido nenhum apoio por parte da organização. Apesar disso, segundo os relatos, o MTur tirou lições para melhoria dos seus processos a partir dessa experiência, como poderá ser visto mais adiante neste trabalho.

Essas evidências descritas nas fases do quadro de gestão de crises referente ao MTur revelam que a gerência da crise que se instaurou no ministério não ocorreu da forma como sugere a literatura, apesar de demonstrar alguns pontos em comum com a descrição de uma gerência de crise bem-sucedida (Farazmand, 2001). Essa relação é descrita a seguir.

(1) Um sentindo de urgência à questão:

Na época da Operação Voucher, o MTur concentrou todo o seu foco sobre a crise.

E... e nesse meio tempo, durante a Operação Voucher, a gente ficou aí é... por um período realmente paralisado como eu falei já, com o foco todo concentrado nas... na... na gestão da crise, em estancar aquela crise que estava afetando todo o... todo o ministério [E6].

(2) Pensar de forma criativa e estratégica para resolver a crise:

Talvez não se possa considerar que a paralisia dos processos e a suspensão de todos os convênios tenham sido formas estratégicas e criativas para solucionar a crise. Essas medidas, segundo os entrevistados, foram tomadas para frear os processos a fim de analisar a situação. Alguns deles alegaram que há a possibilidade de que o MTur, no momento da crise, tenha agido por impulso, como se não tivesse outra decisão a ser tomada.

(3) Tomar ações ousadas, agindo com coragem e sinceridade:

A realização de um evento voltado para os servidores da casa no Teatro Nacional, com a presença do novo Ministro e do novo Secretário Executivo, com o objetivo de motivar os servidores novamente para o seu trabalho, pode ser considerada como uma dessas ações. Esse fato foi relatado pelo E6, mas não foi reconhecido pelos outros entrevistados.

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(4) Romper com a cultura organizacional de autoproteção, assumindo riscos e ações que possam produzir melhores soluções em que não haveria perdedores significativos:

Nesse caso, o que aconteceu com o MTur foi o inverso, de acordo com os entrevistados. Após a crise, foi sendo construída aos poucos uma cultura de autoproteção, capaz de dar mais segurança aos processos, através de uma padronização e uma execução com um acompanhamento mais rígido.

(5) Manutenção de uma presença contínua na situação que muda rapidamente com o desenrolar dos eventos dramáticos:

Mesmo após a crise que marcou a história do MTur, apesar de todos os aprimoramentos feitos na gestão para sanar as falhas expostas com a crise, todos os entrevistados, exceto o E6, alegaram que o ministério não possui um plano de contenção para crises, nem uma equipe especializada. Logo, pode-se concluir que essa manutenção descrita pelo autor não vem sendo realizada.

Além disso, todos os participantes alegaram que o ambiente e clima organizacional após a Operação Voucher eram péssimos, citando como principais consequências a insegurança nos procedimentos internos e a inoperância dos órgãos. Muitos funcionários ficaram traumatizados e sofrem com isso até hoje. Para os que estavam envolvidos, principalmente devido à exposição da imagem, as consequências envolvem danos psicológicos relatados. Para os que permaneceram no órgão sem maiores problemas, o medo ainda prevalece no clima organizacional.

Então o que demorava uma semana para fazer, começou a demorar um mês, seis meses e as pessoas ficaram com bastante desconfiança; o clima ficou ainda muito ruim [E5].

Quem viveu ali dentro daquele departamento tem trauma; trauma de buscar psicólogo e tudo mais, porque foi uma ação que foi televisionada o tempo inteiro, as pessoas foram expostas, os rostos delas foram expostos, os nomes foram expostos [E2].

(...) o clima organizacional foi bastante afetado a ponto de paralisar o ministério. Por algumas semanas, o ministério, as áreas fim do ministério, elas ficaram realmente paralisadas e toda a energia do ministério ficou concentrada em estancar aquela crise (...) [E6].

É de se entender porque o dano à imagem é uma preocupação presente em situações de crise. Como mencionado no referencial, de acordo com Rosa (2003), as crises de imagem, diferentes de todas as outras que podem atingir líderes ou organizações, sendo potencialmente mais devastadora do que as “crises comuns”,

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levam com que a resposta à imprensa seja uma das primeiras atitudes a ser tomadas por um órgão diante da crise.

A forma com a qual o caso repercutiu na imprensa e a exposição da imagem de alguns servidores e funcionários do MTur contribuíram ainda mais para o agravamento desse quadro. Como os entrevistados relataram, o MTur não se posicionou adequadamente frente aos seus servidores e funcionários, assim como não demonstrou nenhum apoio aos mesmos, sendo compreensível o caráter negativo atribuído ao clima organizacional da época.

Impactos positivos e negativos da crise sobre a administração do MTur e aprendizado organizacional

De acordo com as respostas dos entrevistados, pode-se dizer que foram observados nas falas pontos positivos nas seguintes funções administrativas:

1. Planejar

Hoje a gente tem processo de planejamento todo sistematizado, tem... hoje tem metas por área de... de execução, tem um planejamento estratégico no sistema, tem reuniões que são trimestrais onde a gente apresenta tudo, as... as... as áreas técnicas apresentam pro Gabinete do Ministro todas as suas metas, tem metas por servidor. Então hoje o servidor tem a sua produção, isso impacta no salário do servidor, na carreira dele. Então hoje tem um planejamento interno, tem um planejamento externo, que é o Plano Nacional de Turismo, né (sic)? Então a forma de atuação do Ministério do Turismo mudou, consideravelmente, após a Operação Voucher [E2].

2. Organizar

(...) Essa ferramenta permitiu que a gente perdesse menos prazo, que a gente tivesse uma relação mais profissional com os órgãos de controle [E6].

(...) Melhorou, inclusive, a forma do ministério alocar recurso, porque, como era muito fácil celebrar convênio, e não tinha um cri... processo seletivo para selecionar as organizações que celebravam convênio, não tinha muito critério na hora de se acompanhar a execução, então se acaba por pulverizar o dinheiro público com uma série de projetos que não tinham o resultado esperado [E3].

3. Controlar

O ministério saiu na frente, criou uma ferramenta chamada Siacor, que é Sistema de Acompanhamento dos Contratos de Repasse, que permitia a visualização em um painel de todas as obras executadas com dinheiro do

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ministério em todos os estados. É... isso permitiu um diálogo mais transparente, mais objetivo com o Congresso, já que grande parte do recurso do ministério vem de emendas parlamentares (...). Isso foi um ganho substancial para o ministério, para a gestão do ministério, assim, que permitiu uma tomada de decisão mais correta, mais objetiva, menos sujeita a... interferências políticas. É... do ponto de vista negativo, né (sic)? [E6]

A gente já ganhou no concurso de transparência da CGU também, prêmios por ser transparente e mostrar à sociedade o que a gente vem fazendo [E5].

4. Liderar

O Secretário Executivo [nome omitido] e o [nome omitido], que era o Diretor Estratégico aqui, eles folhearam a crise e conseguiram dar um salto de qualidade... A gente deve muito isso a eles [E5].

A liderança, a gente contou com... com... com duas pessoas que foram fundamentais nesse processo: o próprio Ministro, que recém-chegado tomou essa decisão de fazer o freio de arrumação, dar o freio, freada de arrumação mesmo com todos os questionamentos e com toda pressão no sentido contrário, e o Secretário Executivo, que é um líder nato, digamos assim. (...) Por meio dessas duas lideranças à época, os servidores conseguiram ver que existia ali uma luz no fim do túnel e que dava para acreditar naquele discurso (...) [E6].

Porém, é válido ressaltar que os participantes E2 e E3 não viram pontos positivos na função liderar, e o E7, além de ter relatado alguns pontos positivos, acrescenta pontos negativos a essa função, como descrito a seguir.

Com relação à função executar, não foram citados com clareza pelos participantes pontos positivos significativos. Porém, a partir da análise das falas de alguns entrevistados, podem ser observadas melhorias, como um maior monitoramento dos processos (um acompanhamento mais rigoroso), assim como o aumento da responsabilidade por parte dos servidores e funcionários durante a execução do serviço prestado.

Por outro lado, quanto aos impactos negativos para essas mesmas funções mencionadas acima, de acordo com os participantes E3, E5 e E6, não houve impactos negativos sobre as funções administrativas. Já os participantes E1, E2 e E4 deixaram transparecer um impacto negativo na função executar. O E1 questionou o aumento da burocracia4 no MTur após a crise. Já o E2 afirmou que os gestores

4 O entrevistado mencionou a palavra burocracia de acordo com o sentido ligado ao senso comum. Porém, na administração, a palavra burocracia remete ao tipo de dominação legal de Max Weber, descrito em sua obra Economia e Sociedade (1921 [1999]), capítulo III. O autor descreve que o tipo mais puro de administração legal é aquele que se exerce por meio de um quadro administrativo burocrático.

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são menos proativos. O órgão passou a inovar menos, a execução dos processos tornou-se mais lenta, e assim a produtividade ficou um pouco mais baixa, com processos mais engessados, sem um trabalho ativo para melhoramento do clima organizacional. O E4 criticou o retrabalho. Além disso, as relações com as entidades que prestavam serviços para o ministério ficaram estremecidas, pois algumas delas realizaram o trabalho pelo qual receberam e estão tendo que devolver o recurso por falta de comprovação. Como se formou uma nova equipe no Departamento de Qualificação, devido ao fim, pela alta gestão, da equipe anterior – o que, segundo o E7, aconteceu sem nenhum diálogo, sem o consentimento dos indivíduos que formavam a equipe extinta –, essa nova equipe não tinha o embasamento necessário para acompanhamento do caso e era ela a responsável pelas devidas cobranças desde então.

Naquela época lá, o orçamento era quase a mesma coisa e a gente conseguia fazer muito mais [E2].

É uma coisa que não tem fim, porque a gente finaliza uma análise e fica essa coisa de ficar (sic) eles pedindo reconsideração; aí a gente finaliza; aí daqui a pouco, muda o ministro, muda o secretário, alguém mais importante... Como eles são importantes, né (sic)... São entidades representativas, eles acabam recorrendo a essas pessoas. Aí essas pessoas acabam, para não desagradar a entidade e não dizer não, aí acaba voltando para a gente analisar... [E4].

Apesar de ter respondido que os gestores, após a crise no MTur, passaram a buscar o aprimoramento do controle dos processos e a tentar transmitir essa segurança aos seus subordinados, o E7 acreditou ter havido impacto negativo na função liderar. Ele questionou a atitude da alta gestão no momento de crise, relatando que não houve amparo por parte do ministério com relação aos servidores, e acrescentou que, após a Operação Voucher, os servidores e funcionários passaram a desacreditar em seus líderes, mantendo o receio de assinar os documentos, de fazer o que a eles é delegado.

Eu acho que as pessoas confiam menos agora nos líderes, eu acho que não foi positivo [E7].

Contudo, apesar de alguns entrevistados terem mencionado a liderança como uma das funções dotadas de aspectos positivos, o que prevaleceu na visão deles foram aspectos negativos para essa função. Embora tenha sido relatado que a evolução do MTur no pós-crise se deu devido à liderança que assumiu o ministério, ponto mais presente nos relatos do E6, muitos criticaram os líderes por desamparo e descontrole diante do dano causado ao clima organizacional.

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Com relação à literatura, é válido destacar que Balser e Foxman (2005) ressaltam a importância de o gestor conhecer bem os seus funcionários. Além disso, Gladu (2003), ao descrever um bom gestor, afirma que o mesmo deve ser perceptivo, alguém que sabe manter a calma sob pressão, entre outras qualidades. Essas duas características foram as que mais fizeram falta no perfil dos gestores na crise do MTur.

De modo geral, fica claro que o MTur passou a investir mais em transparência e no controle dos processos, além de aprender que, por se tratar de recurso público, deve-se fazer apenas aquilo que lhe compete fazer, o que está nas leis e regras do serviço público. Com isso, o órgão tornou-se mais responsável, assim como seus funcionários e servidores passaram a dar mais atenção às padronizações do serviço público.

Após esta discussão dos resultados, é válido ressaltar o conceito de gestão de crises definido por Balser e Foxman (2005): uma gestão e coordenação das respostas da instituição a um incidente que ameaça prejudicar, ou tem prejudicado, os funcionários da instituição, estruturas, capacidade de operar, objetos de valor e a reputação, o que, na maioria das vezes, significa tomar decisões sobre o futuro da instituição sob grande carga de estresse e com a falta de peças-chave da informação.

Esse conceito se adequa ao caso em estudo, visto a proporção da crise instaurada no MTur. O clima organizacional e a imagem do ministério foram fortemente abalados, e os custos necessários para que o órgão voltasse a cumprir com as suas demandas sem a ocorrência dos mesmos erros que levaram ao surgimento da crise ocasionada pela Operação Voucher foram altos. Além disso, a grande carga de estresse e a falta de peças-chave da informação, mencionadas pelos autores, compõem o cenário no qual a crise se deu. A Tabela 3 resume os impactos positivos e negativos sobre as funções administrativas do MTur após a crise em estudo.

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Tabela 3 – Impactos positivos e negativos sobre a gestão do MTur

Funções administrativas

Impactos Planejar Organizar Controlar Executar Liderar

Participantes E1, E2, E4, E6

E1, E2, E3, E4, E6, E7

E1, E2, E3, E5, E6

Os entrevistados não citaram, de forma direta, impactos positivos sobre esta função

E5, E6, E7

Positivos

O planeja-mento do órgão passou a ser todo sistematiza-do. Foram estabelecidas metas por área e para os servidores. Além disso, passaram a ser realizadas reuniões trimestrais onde as áreas técnicas apre-sentam para o gabinete do minis-tro os seus resultados.

Foram criados programas de controle capazes de orientar o MTur quanto ao repasse e melhor alocação dos recursos, assim quanto aos prazos que devem ser respei-tados para prestação de contas com os órgãos de controladoria exernos.

Foram criados pro-gramas que garantem ao Mtur a segurança e transpa-rência dos processos, como o SIACOR, citado pela maioria dos entrevis-tados, por exemplo.

Passou-se a investir em um maior moni-toramento da execução no MTur, assim como o próprio órgão, funcioná-rios e servidores passaram a ser mais responsá-veis durante a execução dos serviços.

Os líderes que assumi-ram o MTur após defla-gração da crise fizeram ascender no ministério lideranças já existentes na estrutura or-ganizacional. Os gestores também passaram a buscar o aprimora-mento do controle dos processos e a transmitir maior segu-rança aos funcionários e servidores, fazendo des-sa preocu-pação parte da rotina de trabalho no Mtur

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Participantes Para os entrevistados, não houve impactos negativos sobre estas funções E1, E2, E4 E1, E2, E3,

E4, E7

Negativos - - -

Houve um aumento da burocracia nos processos, os gestores são me-nos proativos e o retrabalho ainda demanda muito tempo do órgão. Os processos tornaram-se mais lentos e a produtividade do MTur caiu consideravel-mente com relação à época que antecede a crise.

No período da coleta de dados, após pouco mais de 4 anos da ocorrência da crise, os funcionários e servidores ainda des-confiam dos seus líderes e temem realizar al-guns serviços delegados por eles, como o fato de recusarem assinar de-terminados processos, por exemplo.

Fonte: Elaboração própria.

Considerações finais

O artigo teve como objetivo analisar os impactos positivos e negativos da crise ocasionada pela Operação Voucher sobre a gestão do Ministério do Turismo no ano de 2011. Assim, o trabalho caracterizou a crise em relação a seus antecedentes e fases; descreveu a forma como foi gerenciada por seus gestores, técnicos e servidores; e verificou os impactos positivos e negativos da crise sobre a gestão do órgão, dando enfoque às cinco funções da administração: planejamento, organização, execução, controle e liderança, bem como sobre o aprendizado organizacional.

Foi possível constatar que, de fato, sob o olhar dos entrevistados, a Operação Voucher foi uma crise na história do Ministério do Turismo, que surgiu de forma inesperada, tendo a sua deflagração desestabilizado a estrutura do órgão. Os informantes indicaram que o MTur trabalhava com flexibilidade, que por vezes era excessiva, em suas ações. Com a crise, foi possível visualizar os erros que estavam sendo cometidos desde o início da criação do órgão e em várias linhas da hierarquia.

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Com a crise, fragilidades administrativas foram expostas e, com isso, puderam ser estudadas e tomadas as atitudes necessárias para as devidas correções.

Foi relatado nas falas que houve um diálogo insuficiente entre a alta gestão e as demais áreas do MTur, levando os servidores a se sentirem desamparados, sem um posicionamento claro dos seus superiores. É válido ressaltar que a liderança assume papel fundamental na gestão da organização em momentos de crise frente aos novos desafios para manutenção da moral da equipe, fator que não foi percebido por quem participou da crise do MTur.

Os resultados também indicam que não foi dada a devida atenção à comunicação interna. Os funcionários e servidores não tinham a informação da fonte primária, baseavam-se pelo que ouviam da imprensa e ruídos de dentro do órgão, dando abertura para atitudes prejudiciais, como a recusa à execução das suas responsabilidades. Sobre esse ponto, é importante ressaltar a ênfase dada por Kárdárová et al. (2015) à importância da comunicação, afirmando que ela é crucial para a resolução bem-sucedida de uma crise corporativa. Os autores mencionam que, mesmo em condições normais, há a tendência de os empregados confundirem a especulação com a realidade e, se esses sinais passam despercebidos, podem se tornar problemáticos para a gestão, o que foi evidenciado no caso estudado.

O clima e ambiente organizacional foram prejudicados e demonstram-se fragilizados até hoje. Os processos passaram a ser vistos com receio e insegurança. A crise evidenciou a falha em adotar procedimentos padrão, dentro das regras da administração pública, para a realização das suas ações. Além disso, a imagem do ministério e das pessoas diretamente envolvidas na Operação Voucher foi comprometida.

O MTur não tinha um plano de contenção para crises, como alegado pela maioria dos entrevistados, e não o possui até hoje, fato também afirmado pela maioria dos participantes da coleta de dados. Não existe no órgão uma equipe especializada para gerir crises, assim como recomenda a literatura internacional. Em relação às fases de uma crise: mitigação, preparação, resposta e recuperação (Gladu, 2003), foi possível perceber a presença e distinção dessas fases na crise ocorrida no MTur, ainda que nenhum entrevistado tenha feito menção a elas diretamente.

Por fim, os entrevistados revelam que a reputação do órgão foi prejudicada pelo caráter da crise em estudo. Houve também perdas de produtividade, e o clima organizacional ainda é instável em decorrência da crise analisada, sendo estes os principais prejuízos citados. Por outro lado, os resultados permitiram constatar que as crises são capazes de influenciar a gestão de um órgão do setor público em várias formas. Entre essas formas, de acordo com as funções administrativas, foram constatadas: na função planejar, a implantação de um planejamento sistematizado;

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Gerenciamento de crises no setor público e suas influências sobre a administração: o caso da Operação Voucher no Ministério do Turismo

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na função organizar, a criação de programas de controle capazes de orientar o MTur quanto ao repasse e melhor alocação dos recursos, bem como quanto aos prazos a serem respeitados; na função controlar, a criação de programas que garantam ao MTur a segurança e transparência dos processos, como o Siacor; na função executar, o investimento em um maior monitoramento da execução no MTur; e na função liderar, o fato de ascenderem no ministério lideranças já existentes na estrutura organizacional.

Apesar de essas novas medidas terem originado uma cultura organizacional de aprimoramento de gestão no Ministério do Turismo, também foram observados pontos negativos na gestão. Quanto à função executar, devido ao aumento da burocracia nos processos, à queda de proatividade dos gestores e ao retrabalho que ainda demanda muito tempo do órgão, os processos tornaram-se mais lentos, resultando em uma considerável queda na produtividade do MTur com relação à época que antecede a crise. Já quanto a função liderar, mesmo após mais de quatro anos do acontecimento da crise, os funcionários e servidores ainda possuem dificuldade em confiar nos seus líderes e temem realizar alguns serviços delegados por eles, como quando, por exemplo, se recusam a assinar determinados processos. Além disso, alguns entrevistados destacaram o aumento da rotatividade no órgão, descrevendo-a como alta e prejudicial para o bom desempenho do MTur, apontando, como forte influenciador desse fato, o prejuízo à imagem do ministério decorrente dessa crise.

Este trabalho lidou com duas limitações: primeiro, a literatura nacional demonstrou pouca abordagem da temática, e, em sua maioria, voltada para o campo da Comunicação Social. Isso dificultou um aprofundamento acerca do problema dentro do campo da Administração, sendo fundamental recorrer à literatura internacional; e, segundo, a coleta de dados coincidiu com o período de recesso das organizações, o que impediu a participação de algumas pessoas que poderiam contribuir para o resultado final, pois o número de entrevistados poderia ser ampliado e os resultados obteriam um nível maior de comprovação. Assim, diante do momento de crise vivenciado pelo país atualmente, propõe-se que o tema aqui apresentado seja alvo de futuros estudos mais aprofundados, capazes de auxiliar no bom funcionamento dos órgãos públicos brasileiros e em uma melhor tomada de decisões por parte da administração pública.

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Bruna Ribeiro da Silva

Possui bacharelado em Administração pela Universidade de Brasília (UnB). Contato: [email protected]

Helena Araújo Costa

Doutora em Desenvolvimento Sustentável. Atualmente é Professora Associada I da Universidade de Brasília (UnB) e Líder do Laboratório de Estudos de Turismo e Sustentabilidade (LETS/UnB). Contato: [email protected]

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O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e

políticas públicasFrederico de Morais Andrade Coutinho

Universidade de Brasília (UnB)

Danilo BijosUniversidade de Brasília (UnB)

Henrique Marques RibeiroUniversidade de Brasília (UnB)

O artigo tem como objetivo apresentar o estado da arte da literatura a respeito de migrações internacionais e sua relação com políticas públicas. Para tanto, selecionaram-se artigos publicados nos últimos onze anos (2006 a 2016) nos principais periódicos nacionais segundo classificação Qualis da CAPES. Verificou-se predominância da discussão sobre políticas de integração em comparação ao controle migratório, demonstrando uma maior preocupação dos pesquisadores com as políticas de fixação e atenção às pessoas que migraram em detrimento dos mecanismos de entrada e saída. Identificaram-se majoritariamente estudos relativos às etapas de implementação e avaliação em comparação às etapas de formulação e agenda no âmbito do ciclo de políticas públicas. Observou-se ainda uma fragmentação muito grande dos estudos, com poucos autores tendo publicado mais de uma pesquisa nesse período. O volume de artigos encontrados também é baixo, com uma média de apenas 3,5 artigos por ano. Ante esses resultados, delineou-se uma agenda de pesquisa para futuras investigações.

Palavras-chave: migração, políticas públicas, bibliometria

[Artigo recebido em 22 de março de 2017. Aprovado em 4 de julho de 2017.]

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

117Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 116-144 abr/jun 2018

El estado del arte de las discusiones sobre migraciones internacionales y políticas públicas

El artículo tiene como objetivo presentar el estado del arte de la literatura acerca de migraciones internacionales y su relación con políticas públicas. Para ello, se seleccionaron artículos publicados en los últimos once años (2006 a 2016) en los principales periódicos nacionales según clasificación Qualis de CAPES. Se verificó predominio de la discusión sobre políticas de integración en comparación al control migratorio, demostrando una mayor preocupación de los investigadores con las políticas de fijación y atención a las personas que migraron en detrimento de los mecanismos de entrada y salida. Se identificaron mayoritariamente estudios relativos a las etapas de implementación y evaluación en comparación a las etapas de formulación y agenda en el ámbito del ciclo de políticas públicas. Se observó una fragmentación muy grande de los estudios, con pocos autores habiendo publicado más de una investigación en ese período. El volumen de artículos encontrados también es bajo, con un promedio de apenas 3,5 artículos por año. Ante estos resultados, se delineó una agenda de investigación para futuras investigaciones.

Palabras-clave: migración, políticas públicas, bibliometría

The state of the art of discussions on international migration and public policy

This article presents the state of the art of the literature regarding international migrations and its relationship with public policies. Articles published in the last eleven years (2006 to 2016) were selected in the main national journals according to CAPES Qualis classification. The discussion on integration policies was predominant in comparison to migration control, demonstrating a greater concern of the researchers with the policies of fixation and care in spite of to the mechanisms of entry and exit. The majority of the studies were related to the stages of implementation and evaluation of policies in comparison to the stages of formulation and agenda within the scope of the public policy cycle. There was also a large fragmentation in the field, with few authors having published more than one research in the period. The volume of articles found is also low, with an average of only 3.5 articles per year. Faced with these results, a research agenda is outlined for future investigations.

Keywords: migration, public policies, bibliometrics

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O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e políticas públicas

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Introdução

De acordo com estimativas do relatório Population Facts, da Organização das Nações Unidas (United Nations, 2015), existem hoje mais de 244 milhões de pessoas construindo suas vidas fora dos seus países de origem. Esse volume total de migrantes internacionais representa um aumento de mais de 40% em comparação aos anos 2000. Atualmente, a população migrante corresponde a 3,3% da população global.

O Relatório Mundial sobre Migrações (International Organization for Migration, 2015) identifica a necessidade dos Estados em prevenir violações de direitos dos migrantes e promover seu bem-estar. Também destaca a questão da integração dos migrantes nas áreas urbanas e a consequente diversidade levada ao âmbito local como fator indutor de desafios e oportunidades. A prestação de serviços públicos a uma população cada vez mais diversificada e com distintas necessidades é um exemplo de desafio, enquanto o fortalecimento das relações entre origem e destino e o aumento da base de mão de obra em idade produtiva são exemplos de oportunidades.

Besharov, Lopez e Siegel (2013, p. 656) apresentam alguns destaques sobre as discussões atuais no campo das migrações. Os autores informam sobre alguns padrões principais que caracterizam os atuais fluxos migratórios. Em relação às motivações, a migração destinada aos países desenvolvidos tem como fator principal o incremento dos ganhos econômicos, sendo que aproximadamente 70% do fluxo se refere ao migrante econômico. A migração sul-sul também tem a motivação econômica como fator relevante, mas em menor escala, apenas 30% do fluxo total. Em relação à territorialidade, a migração intrarregional corresponde a 50% dos fluxos migratórios, sendo que os migrantes geralmente cruzam apenas uma fronteira, deslocando-se para um país vizinho ao seu de origem. Em relação às políticas de atração de migrantes, duas vertentes são bem distintas: 1) o recrutamento de trabalhadores com baixa qualificação para suprir demandas por trabalhos domésticos e manuais; e 2) as políticas de atração de mão de obra altamente qualificada por meio de concessão de vistos especiais.

No Brasil, analisando-se os dados oficiais representados no Gráfico 1, verifica-se a manutenção de aproximadamente 650 mil migrantes residentes ao longo do tempo, com uma elevação nos últimos anos da série, chegando-se a mais de 810 mil pessoas em 2014. Considerando a população total do país, trata-se de contingente ainda proporcionalmente pequeno, representando 0,4% da população.

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

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Gráfico 1 – População estrangeira residente no Brasil (por mil pessoas)

200

400

600

800

1000

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios da PNAD 2002-2014 e do Censo 2010 do IBGE.Nota: Ainda não estão disponíveis os dados de 2015.

Nesse cenário de aumento de fluxos migratórios internacionais e, consequentemente, da intensificação dos desafios e oportunidades vivenciados pelos policy-makers que se propõem a enfrentar essa questão, é necessário conhecer o estágio atual das discussões que relacionam o fenômeno migratório com a estrutura da administração e a prestação de políticas públicas. Para tanto, este artigo pretende colaborar realizando um estudo exploratório de cunho bibliométrico para verificar a produção científica a respeito do tema nos últimos onze anos, entre 2006 e 2016, em periódicos nacionais distribuídos pela classificação Qualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) entre A1 e B2 para a área de Administração. Para atingir esse objetivo, a próxima seção apresenta uma breve revisão sobre o fenômeno migratório e sua relação com as políticas públicas no plano internacional. Na sequência, explana-se o método utilizado no levantamento bibliométrico. Adiante, expõem-se os resultados encontrados, com destaque para o estado da arte a respeito do tema, e, por fim, propõe-se uma agenda para pesquisas futuras.

Migrações internacionais e políticas públicas: perspectivas recentes de análise

Indiscutivelmente, o escopo deste trabalho está relacionado a um conjunto de discussões que envolvem a sobreposição de duas áreas tipicamente multidisciplinares: o campo de estudos das migrações internacionais e o campo das políticas públicas. A temática das migrações internacionais pode receber diferentes tipos de tratamentos ou abordagens, desde a demografia até o meio ambiente. Por sua vez, a mera definição de políticas públicas recebe contribuições das mais diversas áreas do conhecimento.

Assim sendo, as análises sobre migrações internacionais e políticas públicas apresentam inúmeras possibilidades de enfoque. Todavia, no plano internacional, é possível identificar alguns temas recorrentes, tais como: a) políticas de controle

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de entrada; b) políticas de atração de pessoas altamente qualificadas; c) políticas de integração e assistência em países de destino; e d) a relação entre migração, conflito e mudanças climáticas.

A maioria dos países desenvolvidos que se tornam destino de movimentos migratórios internacionais possui políticas de controle que buscam restringir e limitar a migração de refugiados, solicitantes de asilo e pessoas com baixa qualificação. Em sentido oposto, existem políticas bem definidas e de incentivo à recepção de pessoas altamente qualificadas, são as chamadas políticas de brain drain (Besharov; Lopez; Siegel, 2013; Cerna; Chou, 2014; Faggian; Corcoran; Rowe, 2016; Wright, 2014).

Além das regras de controle em âmbito nacional, a literatura internacional discute o papel e os efeitos da instituição, por entes de nível subnacional, de normas atinentes a integração, fiscalização e eventual punição aos imigrantes (Creek; Yoder, 2012; Lewis et al., 2013; Monogan, 2013; Turner; Sharry, 2012). Em perspectiva diametralmente oposta se localiza a discussão do transbordamento de regras de blocos internacionais para os países vizinhos, fenômeno denominado de governança externa migratória, atualmente uma realidade para os países limítrofes à União Europeia (Wunderlich, 2012).

As políticas de integração, educação e saúde são entendidas como necessárias para que os migrantes se adaptem e iniciem a construção de seu espaço próprio na nova localidade de destino. Alguns governos possuem políticas de integração formalizadas, enquanto em outros elas são relegadas à disposição da sociedade civil e da iniciativa privada em provê-las. Nesse tema, discutem-se as barreiras de acesso e os efeitos dessas políticas de suporte às populações migrantes e também suas implicações para os nacionais desses países (Condon; Filindra; Wichowsky, 2015; Fossati, 2011; Kislev, 2016; Liebert; Ameringer, 2013).

Outro fenômeno que tem sido bastante estudado em nível internacional se refere à assunção por parte dos migrantes das tarefas de cuidado e atenção a idosos e crianças. Tal discussão envolve as políticas de assistência social, saúde e trabalho. Ainda que haja diferenças entre os países, as principais formas de concretização desses cuidados seriam por meio do trabalho doméstico, trazendo como consequência uma relação de proximidade ao núcleo familiar. Em alguns casos, é possível identificar a prestação desses serviços por agências privadas especializadas ou até mesmo por meio de políticas institucionalizadas que incentivam essas migrações com a facilitação de concessão de vistos (Da Roit; Weicht, 2013; Da Roit; Van Bochove, 2015; Shutes; Chiatti, 2012; Song, 2015; Van Hooren, 2012; Williams; Brennan, 2012).

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A relação entre mudanças climáticas, conflitos e migrações também constitui foco de atenção do campo. Analisam-se as normas internacionais, os papéis organizacionais de organismos multilaterais e as formas de governança nacionais e regionais aplicáveis às migrações induzidas por mudanças ambientais e por conflitos (Geddes; Jordan, 2012; Martin, 2012; Selby; Hoffmann, 2012; Warner, 2012).

Todas essas discussões ocorrem no plano internacional, deixando em aberto a questão de como os periódicos brasileiros relacionam o fenômeno das migrações à prestação de políticas públicas, que é a temática que se pretende discutir no presente artigo.

Método

A pesquisa analisou artigos publicados entre 2006 e 2016 nos periódicos nacionais da área de avaliação de “Administração, Ciências Contábeis e Turismo”, classificados entre A1 e B2 pelo Qualis2014 da CAPES, envolvendo seis etapas de desenvolvimento. A primeira etapa consistiu na identificação do escopo da análise do trabalho. Dos 504 periódicos contidos nesses estratos, selecionaram-se 103 que poderiam, a princípio, discutir questões sobre gestão, administração e políticas públicas, a partir da leitura dos títulos dos periódicos. Foram selecionadas 11 revistas classificadas como A2, 35 como B1 e 57 como B2. Não foram identificados periódicos com classificação A1 (Tabela 1, em anexo).

A segunda etapa tratou da prospecção dos artigos. Buscaram-se, nas bases de dados das páginas institucionais de cada periódico, artigos com as expressões ‘migração’, ‘migrações’, ‘migrante’,‘migration’ e ‘migrant’ em títulos, palavras-chave, resumos e corpo do texto. Foram excluídos os resultados flagrantes em que não se identificava relação do objeto do artigo com a administração pública ou políticas públicas, como ‘migração de executivos’, ‘migração interestadual’, ‘migração rural-urbana’, ‘migração animal’. Após essa busca, foram identificados 90 artigos que discutem o tema ‘migrações’ na perspectiva da mobilidade humana entre países.

A terceira etapa consistiu na elaboração de instrumento de tratamento e análise de dados. O instrumento contém categorias de identificação e de análise do artigo, como: ano, autor, instituição de origem, periódico, título, local do estudo, objetivo do artigo, principais resultados, área da política pública relacionada, etapa do ciclo de políticas públicas enfocada, enquadramento do estudo, natureza da pesquisa, recorte temporal, técnica de coleta de dados, procedimentos de análise dos dados, origem dos dados, e tipo de coleta.

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A quarta etapa tratou da classificação dos artigos nas categorias estabelecidas previamente. Nesse momento, excluiram-se 51 artigos da base de estudo, pois, a partir de uma leitura atenta dessas pesquisas, identificou-se que abordam o tema das migrações, mas não sob a ótica de seu relacionamento com as políticas públicas. Para fins de exemplificação, cabe registrar que foram excluídas pesquisas que abordavam: exclusivamente histórias de vida de migrantes; alterações das relações de gênero no âmbito intrafamiliar; estatísticas de crescimento populacional; dados de saúde/doença dessa população sem vinculação a uma discussão sobre política de saúde; entre outros estudos que não abordavam a esfera pública com implicações para a gestão governamental. Restaram então 39 artigos, que constituíram a base final para a sequência da pesquisa.

A quinta etapa consistiu na utilização de estatística descritiva como forma de ilustrar os achados passíveis de observação quantitativa. A sexta e última etapa, e talvez a mais importante, consistiu na análise substantiva dos resultados encontrados nos artigos revisados. O objetivo dessa análise final foi identificar o estado arte a respeito do tema, ou seja, identificar o conhecimento existente nas publicações nacionais, o que se discute sobre migrações internacionais e sua relação com as políticas públicas e com a administração pública. Ao identificar o conhecimento existente, é possível visualizar que pontos são enfatizados no debate acadêmico desse tema, as lacunas teóricas que ainda precisam ser preenchidas e qual é a direção mais próspera para uma agenda de estudos futuros.

Resultados

Nesta seção serão apresentados os resultados de autoria e coautoria, instituição de origem dos autores, distribuição das pesquisas nos periódicos selecionados, distribuição temporal e geográfica, métodos e temáticas predominantes e o momento do ciclo de políticas públicas enfocado.

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

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Autoria e coautoria

Verifica-se que, dos 39 estudos analisados, 48,7% dos artigos foram produzidos por um único autor, enquanto os 51,3% restantes foram produzidos em coautoria. Contando autores e coautores, chega-se a um total de 63 pesquisadores envolvidos nessa amostra, sendo que apenas 5 deles se repetem com 2 artigos produzidos1, não havendo nenhum pesquisador relacionado a 3 ou mais pesquisas. Esses resultados indicam fragmentação dos estudos e baixa relação entre os autores. As múltiplas possibilidades de investigação que relacionam os temas de migrações internacionais e políticas públicas podem indicar uma pista sobre a baixa relação entre os pesquisadores. Estudos que foquem no tema da educação não necessariamente precisarão buscar fontes que abordem a questão da segurança nas áreas de fronteira, por exemplo. A despeito disso, a fragmentação encontrada pode indicar ausência de visão multidisciplinar na abordagem do fenômeno migratório, e com isso impedir avanços mais significativos no tratamento das mais diversas dificuldades encontradas por essas pessoas.

Instituição de origem

Analisando as instituições de origem de todos os 63 pesquisadores, identificou-se que 24 se vinculam a instituições nacionais e 29 a instituições internacionais, com destaque para universidades e centros de pesquisa de Portugal, com 13 afiliações, e dos Estados Unidos, com 6 afiliações. Não foi possível identificar a instituição de origem de 10 pesquisadores, que responderam por 9 pesquisas da amostra.

Avaliando as instituições de pesquisa em termos de quantidade de estudos produzidos dentro da amostra selecionada, destacam-se: a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com 4 pesquisas cada uma; a Universidade Aberta (Portugal) e a Universidade do Minho (Portugal), com 3 pesquisas cada uma; e a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) e a Universidade do Porto (Portugal), com 2 estudos cada. Todas as demais instituições aparecem com apenas 1 estudo produzido.

Ante esses números, é possível averiguar um grau relativamente considerável de internacionalização das pesquisas no campo das migrações publicadas em

1 Bäckström publicou dois artigos, nos anos de 2011 e 2012, baseados em pesquisas qualitativas que investigaram a integração de populações migrantes às políticas da área da saúde. Já Patarra publicou dois artigos no ano de 2006, um deles apenas teórico e outro teórico-empírico baseado em uma pesquisa quantitativa. O primeiro relacionado à política de assistência social e o segundo à de trabalho. Reis, por sua vez, publicou dois artigos teóricos, em 2006 e 2009, ambos relacionados à área de segurança pública. Já Silveira publicou dois artigos teórico-empíricos, em 2009 e 2013, ambos baseados em pesquisas qualitativas e relacionados à área da saúde. Vilela, por fim, publicou também dois artigos teórico-empíricos, em 2011 e 2015, que se basearam em pesquisas quantitativas e relacionados à área de trabalho.

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periódicos brasileiros. Dos pesquisadores em que foi possível identificar a instituição de origem, 54,7% informaram vinculação a alguma instituição internacional, sendo responsáveis pela autoria ou coautoria de 16 estudos dos 30 artigos que identificaram a origem dos autores.

Periódicos

Dos 103 periódicos em que se procedeu a busca para este trabalho, os 39 artigos da amostragem final se distribuem em 19 deles, sendo que 6 possuem mais de 1 pesquisa selecionada, merecendo destaque na Tabela 2.

Tabela 2 – Distribuição de artigos por periódicos

Periódico Classificação Frequência

Estudos Avançados B2 8Saúde e Sociedade (USP) B2 7Revista Brasileira de Estudos de População B1 4Cadernos de Saúde Pública (ENSP) A2 3Educação e Pesquisa (USP) B2 2Revista Brasileira de Ciências Sociais B1 2

Outros - 13

Total 39Fonte: Elaboração própria.

Distribuição temporal

No período enfocado, 2006 a 2016, verifica-se uma média de publicação de 3,5 artigos por ano. O ano de 2006, com 8 publicações, desvia bastante dessa média em razão de uma edição especial da revista Estudos Avançados, que publicou um dossiê pertinente ao tema das migrações, do qual 7 artigos foram selecionados como pertinentes à amostra desta pesquisa. Excluindo o ano de 2006, verifica-se uma tendência constante de aumento nas publicações, ainda que pequena, destoando apenas o último ano da série, com apenas três artigos publicados (Gráfico 2).

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

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Gráfico 2 – Distribuição temporal dos artigos da amostra

0

2

4

6

8

10

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Fonte: Elaboração própria.

Distribuição geográfica

Acerca da distribuição geográfica das pesquisas, aproximadamente 54% abordam o fenômeno migratório e sua vinculação direta com o território brasileiro ou com seus nacionais. Desses, 25,6% abordam o Brasil como destino de fluxos migratórios, 20,5% como origem, e 7,9% explicitam fenômenos fronteiriços, em que o Brasil é tanto origem quanto destino.

Entre os 46% dos estudos que não enfocam o Brasil ou seus nacionais, destacam-se as análises do fenômeno em âmbito regional ou global em 15,4% das pesquisas, sendo que os 30,6% restantes abordam outras relações bilaterais, conforme se verifica no Gráfico 3.

Gráfico 3 – Distribuição geográfica dos movimentos migratórios

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

Brasil comodestino

Brasil comoorigem

Brasil comoorigem e destino

Migração regionalou global

Outras relaçõesbilaterais

Fonte: Elaboração própria.

Enquadramento do estudo

Dos 39 artigos da amostra, 23 deles se enquadram como teórico-empíricos, enquanto que os 16 restantes são revisões teóricas.

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Natureza da pesquisa

Trata-se de identificar se os estudos são qualitativos, quantitativos ou multimétodo. Para tanto, selecionaram-se apenas os artigos teórico-empíricos, uma vez que às revisões teóricas não se aplica essa classificação. Verifica-se predominância dos estudos qualitativos (56,5%), conforme ilustrado pelos resultados apresentados no Gráfico 4.

Gráfico 4 – Distribuição dos artigos da amostra por natureza da pesquisa

0

1

2

3

4

5

6

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Quantitativo Qualitativo Multi

Fonte: Elaboração própria.

Recorte temporal

Dos 23 estudos teórico-empíricos, 22 fazem um recorte temporal transversal dos dados, ou seja, apresentam um retrato do momento. Apenas 1 artigo apresenta dados de forma longitudinal. Essa tendência pode indicar uma dificuldade em se obter dados em diversos momentos de tempo, seja pela ausência de indicadores oficiais que meçam informações sobre as populações migrantes, seja pelo custo de se acessar respondentes ou entrevistados em mais de um período.

Técnicas de coleta dos dados

Em relação à coleta dos dados, o destaque é conferido ao procedimento das entrevistas, seguido pelas técnicas documental e de observação. O Gráfico 5 apresenta os resultados encontrados. Nota-se que a soma de todas as técnicas ultrapassa a quantidade total de artigos teórico-empíricos, o que é explicado pelo uso de múltiplos procedimentos em uma mesma pesquisa. Dos 23 artigos analisados, 7 apresentam essa característica, sendo que 3 utilizaram 2 técnicas, e 4 utilizaram 3 ou mais procedimentos.

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

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Gráfico 5 – Distribuição dos artigos da amostra por técnica de coleta dos dados

0

2

4

6

8

10

12

14

Entrevista Documental Observação Survey Grupo focal

Fonte: Elaboração própria.

Procedimento de análise dos dados

Em relação à análise dos dados, destaca-se a quantidade expressiva de artigos que não informaram que procedimento foi utilizado, quase 35% dos estudos teórico-empíricos. Todos esses possuem natureza qualitativa. Essa é uma constatação significativa, que pode gerar críticas quanto à validade e confiabilidade dessas pesquisas, cabendo fazer uma ressalva a partir das discussões de Paiva Júnior, Souza Leão e Mello (2011). As pesquisas qualitativas precisam explicitar seus critérios e processos de investigação, de modo a permitir potenciais replicações do estudo, em que pese o reconhecimento da historicidade dos fenômenos e de sua construção social contextual.

Em sentido contrário, destaca-se que 3 pesquisas identificaram 2 tipos de procedimentos de análise, o que justifica que os valores do Gráfico 6 não somem um total de 23 procedimentos, mas sim 26. A estatística descritiva desponta como o método de análise mais utilizado, seguido da análise de conteúdo e da estatística inferencial.

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Gráfico 6 – Distribuição dos artigos da amostra por procedimento de análise dos dados

0

1

2

3

4

5

6

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Estatística descritiva Análise de conteúdo Estatística inferencial

Análise de discurso Análise estrutural formal Análise da teoria enraizada

Não informado

Fonte: Elaboração própria.

Origem dos dados

Conforme apresentado no Gráfico 7, a obtenção de dados de origem primária é majoritária, o que reforça a inferência de que o fenômeno estudado ainda é pouco permeável a bases de dados oficiais. Alguns poucos artigos utilizaram fontes de dados primárias combinadas com secundárias, evidenciando um esforço louvável de diversificação de fontes.

Gráfico 7 – Distribuição dos artigos da amostra por origem dos dados

0

1

2

3

4

5

6

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Primária Secundária Primária e secundária

Fonte: Elaboração própria.

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

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Tipo de Coleta

A descrição dos resultados acerca do tipo de coleta se restringe aos artigos cujas origens dos dados apresentam a coleta direta, ou seja, primária. Desses 17 artigos, 15 fizeram a coleta presencialmente, 1 à distância, e 1 não informou o procedimento.

Temáticas predominantes

A seguir, busca-se averiguar como os artigos selecionados se distribuem nos diversos temas de políticas públicas. Uma primeira classificação se refere aos: a) artigos que tratam principalmente de questões referentes ao fluxo, controle migratório e regras de permanência; b) artigos que abordam a questão da integração às políticas públicas que atendem e são direcionadas aos migrantes; c) artigos que discutem ambos os pontos a) e b); e d) artigos que analisam a relação dos migrantes com seus países de origem, abordando políticas como a de remessas, por exemplo. Os resultados são apresentados no Gráfico 8. Relevante notar a predominância de estudos referentes à integração dos migrantes no território nacional, demonstrando a preocupação com as pessoas que já ingressaram no território em detrimento da análise dos fenômenos de controle de fronteiras.

Gráfico 8 – Distribuição dos artigos da amostra por temas

0

5

10

15

20

25

Integração Controle migratório Controle mig. eintegração

Relação com país deorigem

Fonte: Elaboração própria.

Uma outra classificação possível se refere à área principal de política pública a que o estudo se refere. Ressalta-se que algumas pesquisas se alinham a mais de uma área de política pública, sendo avaliado nesse momento a área que prepondera. Verifica-se que os três maiores resultados estão ligados às políticas de saúde, segurança e trabalho, correspondendo a quase 70% do total dos artigos selecionados. Os demais artigos se distribuem entre as áreas de educação, assistência e cultura, conforme pode ser visto no Gráfico 9.

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Gráfico 9 – Distribuição dos artigos da amostra por área de política pública

0

2

4

6

8

10

12

Saúde Segurança Trabalho Educação Assistência Cultura

Fonte: Elaboração própria.

Essa distribuição evidencia o quão plural e multifacetado é o fenômeno migratório, permitindo miríades de análises, seja nas perspectivas de controle migratório ou integração no território, seja nos múltiplos campos temáticos das políticas públicas.

Ciclo de políticas públicas

Além das classificações temática e por área de política pública, buscou-se identificar em qual etapa do ciclo de políticas públicas a discussão migratória se inseria. Consideraram-se as etapas de formulação, agenda, implementação e avaliação. As etapas de formulação e agenda são anteriores ao processo decisório de implementar a política. A etapa de formulação compreende o espaço para o desenho da política pública e de diagnósticos prévios. Já a etapa de agenda se refere ao momento de discussão dos atores relevantes, das condicionantes prévias, dos entraves e potencialidades do tema entrar no rol formal das políticas públicas. A etapa de implementação faz referência ao momento de execução da política, nela os estudos apresentam algum déficit de implementação, alguma oportunidade de melhoria ou correção de rumos. Já a última etapa, como o próprio nome indica, apresenta avaliações da política pública, sejam embasadas em percepções individuais, sejam fundamentadas em abordagens de nível meso ou organizacional.

Por certo, a divisão estanque dos artigos em fases do ciclo não poderia ser concretizada, dada a dinamicidade do processo de policy making e também das pesquisas, que muitas vezes perpassam mais de uma fase do ciclo. Apesar dessas ressalvas, é possível retirar alguns insights dessa classificação aproximada apresentada na Gráfico 10.

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Gráfico 10 – Distribuição dos artigos da amostra por etapa do ciclo de política pública

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

Fonte: Elaboração própria.

Apenas 1 estudo trata do momento de formulação da política pública, representando algo como que 2% da amostra. Sobre a etapa de agenda, 7 pesquisas a abordam, algo perto de 18% dos estudos (10% exclusivamente essa etapa). Referente ao momento de implementação, 17 artigos são identificados, representando 44% da amostra (13% exclusivamente essa etapa). O momento de avaliação é discutido em 26 pesquisas, sendo 67% do total (43% exclusivamente essa etapa). A soma ultrapassa 100% em virtude de vários artigos abordarem mais de uma etapa do ciclo de políticas públicas.

Esses números nos permitem verificar que os estudos sobre implementação e avaliação, no âmbito da amostra deste artigo, são preponderantes em relação aos estudos de formulação e agenda da política migratória, sugerindo que essa etapa pré-decisória e anterior à implementação das políticas pode ser mais explorada.

Estado da arte e agenda de pesquisa

A partir da análise dos 39 artigos, é possível delinear as discussões recentes mais proeminentes nos periódicos de referência nacionais, em que pese a multiplicidade de enfoques dentro de cada política temática em sua articulação com o fenômeno das migrações internacionais. Os temas de saúde das mulheres migrantes, regulação da entrada e segurança, seletividade das autorizações e precariedade das condições no campo do trabalho, interculturalidade da educação, remessas financeiras e alívio da pobreza, e a fragilidade na articulação de políticas

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O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e políticas públicas

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em zonas de fronteira são recorrentes. As principais discussões serão elencadas na sequência, permitindo uma visualização mais qualificada e ao mesmo tempo global do que o campo está produzindo.

A discussão que se estabelece no plano da política de saúde apresenta um claro recorte de gênero. Cerca de 40% dos estudos enfocam a saúde da mulher migrante. Tais estudos analisam a proposição de um serviço diferenciado de atendimento (Almeida et al., 2014), comparam o uso dos serviços no país de origem e no país de destino (Madi; Cassanti; Silveira, 2009), ou investigam as dificuldades de acesso aos serviços (Deeb-Sossa et al., 2013; Topa; Neves; Nogueira, 2013).

Também evidenciando as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, mas sem o recorte de gênero, Goldberg e Silveira (2013) informam que a condição de clandestinidade, isto é, a irregularidade administrativa e migratória, gera estigmatização no atendimento realizado pelos serviços de atenção locais. Outra discussão que se apresenta nesse campo de política pública faz referência à relação entre status migratório, nível socioeconômico e o acesso à saúde. Para Bäckström (2011) e Alves e Bäckström (2012), o nível socioeconômico é mais determinante do que as diferenças de cultura e etnicidade nas práticas de saúde das populações migrantes. Em relação ao momento do ciclo das políticas públicas enfocado nos artigos que discutem o tema da saúde, verifica-se majoritariamente discussões atinentes às etapas de implementação e avaliação. Como visto, discutem-se déficits de execução da política e apresentam-se avaliações sobre o acesso à saúde pela população migrante.

No plano da segurança, a relação com a migração se estabelece majoritariamente em conexão com a regulamentação da entrada, discussões essas que enfocam menos o território brasileiro e mais análises focadas em países desenvolvidos que recebem grandes contingentes de migrantes. Reis (2006), Brancante e Reis (2009), e Brito (2013) delineiam essa tendência, em que a agenda de segurança gera políticas de restrição para brecar a emigração de países menos desenvolvidos e até mesmo para reduzir os direitos daqueles que já se encontram no território de destino. Discussão ainda minoritária é a análise dos casos de violência contra migrantes, que, no território brasileiro, pode ser vista a partir do estudo de Leão e Demant (2016). Nesse âmbito, a garantia de canais institucionalizados para exercer suas reivindicações, e, no limite, a conquista de seus direitos políticos podem ser fatores preponderantes a reduzir as violações sofridas por essas populações. No tema da segurança, o conjunto dos artigos apresenta maior pluralidade na abordagem das etapas do ciclo das políticas públicas. Observam-se estudos sobre formulação, agenda, implementação e avaliação. Discute-se a formulação de regras para a proteção de migrantes, o papel da mobilização política como fator de alteração da

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agenda da segurança, verificam-se déficits na implementação da política gerando um Estado violador, e avaliam-se os impactos da securitização da imigração.

Em relação à política de trabalho, destaca-se a sua vinculação ao tema do controle migratório. Segundo Vilela e Sampaio (2015), ao analisar as autorizações de permanência a estrangeiros no Brasil entre 2005 a 2011, infere-se certa seletividade e restritividade, dada a predominância de autorizações a trabalhadores profissionais e investidores, homens, altamente qualificados e de países, em geral, mais desenvolvidos (norte-americanos, europeus e asiáticos). De maneira alinhada, mas analisando fenômeno inverso, acerca da entrada de indocumentados, Araujo, Filartigas e Carvalho (2015) descrevem as difíceis condições de trabalho de imigrantes bolivianos no Brasil. Em outro artigo, Vilela (2011) chega a resultados que indicariam uma discriminação positiva dos imigrantes que trabalham no Brasil. À primeira vista, esse resultado poderia ser visto com estranheza, mas justifica-se por a base de análise se restringir aos imigrantes documentados regularmente, que, em sua maioria, são bem qualificados. No âmbito da política do trabalho, os estudos sobre implementação predominam, discutindo a precariedade das condições das pessoas que migram irregularmente. No entanto, estudos sobre agenda e avaliação também podem ser encontrados, como a discussão sobre integração legislativa e a constatação da seletividade da política.

Sobre a política pública de educação, não se verificou na amostra estudos sobre a integração do migrante no sistema brasileiro de ensino, o que se traduz em um convite para pesquisas futuras. Identificaram-se estudos que abordam a questão no âmbito de países como Espanha, Portugal, Estados Unidos, República Dominicana e Equador, relatados nos periódicos nacionais. Nessa amostra, Del-Sol-Flórez (2012) destaca a dificuldade em se estabelecer modelos de educação pluricultural e pluriétnica. O autor ressalta a falta de orientações, de recursos competenciais e de currículos de raiz intercultural. Já Bartlett, Rodriguez e Oliveira (2015) enfatizam o espaço da escola como indutor da cidadania e da inclusão, ao mesmo tempo em que expõe os migrantes ao poder do Estado, moldando suas identidades. No âmbito nacional, a discussão travada pode ser ilustrada pelo trabalho de Ramos e Velho (2011), em que abordam a propensão de doutorandos brasileiros migrarem. Esses autores identificam que essa propensão é comparativamente baixa em relação ao cenário internacional e afirmam que a política estatal de formação de doutores no Brasil vem reforçar essa tendência. No campo da educação, a maioria dos estudos se aproxima das discussões avaliativas, enfatizando a não existência de um padrão de educação intercultural e pluriétnica.

O debate sobre remessas internacionais de migrantes a seus familiares no país de origem localiza esse âmbito da política migratória como política assistencial. No

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Brasil, Martes e Soares (2006) verificam que os efeitos produtivos dessas remessas são muito baixos, de modo que seria irreal esperar que atenuassem a pobreza e promovessem o desenvolvimento. Os autores informam que, do montante de remessas, algo entre 1 e 4 bilhões de dólares para o ano de 2000 (considerando a população máxima e mínima de emigrantes internacionais estimados), cerca de 76% se destinam à ajuda familiar, ou seja, não são utilizadas com propósito produtivo, mas sim com despesas correntes do dia a dia. Brzozowski (2012) discorda em termos, uma vez que informa que os efeitos não são sentidos no cenário macroeconômico, mas o são em nível meso, regional. Patarra (2006) alarga esse debate evidenciando o outro lado da balança, qual seja, o investimento que fora feito pelos países de origem nesses cidadãos antes de migrarem e sua contribuição produtiva no país de destino. A despeito de um eventual efeito positivo das remessas internacionais aos países de origem, há que se considerar que esses cidadãos receberam investimentos de seus próprios países, como na sua educação e saúde, e que agora são utilizados em benefício dos países de destino.

Uma questão que também aparece de forma recorrente na amostra analisada é o estudo das zonas de fronteira brasileiras e como a política migratória nacional não apresenta soluções para os deslocamentos humanos nessas localidades. Essa discussão articula de forma transversal os mais diversos campos das políticas públicas, como saúde, trabalho e segurança. Véran, Noal e Fainstat (2014) e Santos (2016) abordam aspectos do fluxo haitiano, que gerou uma crise na prestação de serviços no Estado do Amazonas, dada a ausência de articulação e direcionamento das políticas migratórias. Falhas na assistência e na proteção evidenciam que a gestão interfederativa das questões migratórias não foi eficiente.

Para além das crises geradas por movimentos migratórios não facilmente previsíveis, o próprio fluxo ordinário e histórico de fronteiriços da Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela e Guiana, para citar alguns, também gera problemas nas zonas de fronteira. Os entraves burocráticos e jurídicos para trânsito e permanência dessas pessoas acabam por agravar violações de direitos humanos (Oliveira, 2006). Essas áreas se tornam corredores para o narcotráfico, contrabando e outros crimes. Falta uma política específica que possa dar conta dessas configurações socioculturais de fronteira que permita a garantia de um mínimo de cidadania para essas pessoas (Rodrigues, 2006).

Em que pese a multiplicidade de discussões que foram encontradas na base de artigos desta pesquisa, algumas questões não foram identificadas ou foram pouco exploradas nos periódicos nacionais, podendo constituir uma agenda de pesquisas futura. A relação entre meio ambiente e migrações, seja no âmbito das políticas, seja no âmbito dos impactos, não foi observada. A integração de migrantes no

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sistema educacional brasileiro é outra lacuna. A existência ou não de uma política do Estado brasileiro com suas populações diaspóricas também não é enfocada.

Tema menos recorrente, mas que poderia ser endereçado com mais ênfase pelos pesquisadores, é a regularização de migrantes indocumentados. As disputas internas à administração para se adaptar à realidade fática da presença dos migrantes e recebê-los em seu território ou recorrer a instrumentos jurídicos de expulsão e deportação é um dilema para os agentes públicos.

Os mecanismos de governança entre os órgãos da administração pública que têm interface com os migrantes não são enfocados em nenhum artigo. Considerando o migrante como um cidadão que tem necessidades nos mais diversos campos das políticas públicas, faz-se necessário compreender essas dinâmicas, em face de contradições na prestação das políticas.

A formulação de políticas e a construção das agendas nacionais referentes ao tema da migração também carece de uma análise mais detida. Conforme visto na seção de resultados, há predominância dos estudos sobre as etapas de implementação e avaliação das políticas. Faz-se necessário compreender, por exemplo, quais seriam os fatores a impulsionar a adoção de políticas públicas mais liberais ou conservadoras pela administração.

Para além dessas discussões, o campo carece de estudos sobre as relações entre os países de origem e destino, os vínculos mantidos pelas populações diaspóricas, e o impacto da migração nos países de origem. Seria a migração um fator de perpetuação das desigualdades entre países emissores e receptores? No âmbito da administração pública, é importante estudar as políticas públicas na origem, que podem estancar a migração, ou até mesmo promover relações mais saudáveis com suas populações que emigraram.

Considerações finais

O presente estudo apresentou o estado da arte a respeito das múltiplas relações entre as políticas públicas e os movimentos migratórios internacionais por meio de uma investigação bibliométrica nos principais periódicos nacionais do campo da Administração. Na análise procedida, verificou-se predominância da discussão sobre políticas de integração em relação ao controle migratório, demonstrando uma maior preocupação dos pesquisadores com as políticas de fixação e atenção às pessoas que migraram em detrimento dos mecanismos de entrada e saída. Dentre as políticas temáticas, saúde, segurança e trabalho se destacam, compondo as discussões de mais de 70% da amostra.

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Uma constatação que abre espaço para futuros estudos é a discussão das etapas de formulação e agenda em comparação às discussões sobre implementação e avaliação de políticas públicas. Entende-se que investigações sobre o momento pré-decisório em políticas públicas, com a identificação dos determinantes da adoção de uma determinada linha de política, são tão importantes quanto os estudos sobre a implementação da política escolhida e sua avaliação. Mecanismos de governança, processos de regularização de migrantes e relações com as populações diaspóricas também são pouco enfatizados pela literatura.

Por meio da revisão, observou-se uma fragmentação muito grande dos estudos, com poucos autores tendo mais de uma pesquisa publicada. O volume de artigos também é baixo; considerando-se o período de 11 anos de análise, verificou-se uma média de apenas 3,5 artigos por ano. Conclui-se que falta robustez e uma visão mais transversal e integrada da relação entre o fenômeno migratório e as políticas públicas nos periódicos nacionais.

Importante mencionar as limitações da pesquisa em relação à definição dos periódicos analisados e em relação à classificação dos artigos. A pesquisa utilizou como recorte apenas as revistas classificadas nos estratos superiores de acordo com o Qualis da CAPES para a área de avaliação “Administração, Ciências Contábeis e Turismo”. Caso o critério para a seleção das revistas tivesse sido outro, eventualmente abrangendo periódicos de outras áreas de avaliação das Ciências Sociais, os resultados se alterariam. De modo que o estudo atual não deve ser tratado de forma estanque e definitiva, mas apenas como uma contribuição de pesquisa. Em relação à forma de classificação dos artigos selecionados, procedeu-se a uma análise manual que carrega em si a subjetividade dos pesquisadores, de modo que uma replicação exata do procedimento metodológico por outros pesquisadores poderia implicar resultados distintos. A despeito das limitações apresentadas, tentou-se tornar claro o procedimento de busca, análise e resultados, visando assim aumentar a validade e confiabilidade da pesquisa.

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

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Araujo, Ana Paula Correia de; Filartigas, Danilo Magno Espíndola; Carvalho, Luciani Coimbra de. Bolivianos no Brasil: migração internacional pelo corredor fronteiriço Puertoquijarro (BO)/Corumbá (MS). Interações, v. 16, n. 1, p. 131-141, 2015.Bäckström, Bárbara. Comportamentos de saúde e doença numa comunidade cabo-verdiana em Lisboa. Saúde e Sociedade, v. 20, n. 3, p. 758-772, 2011.Bartlett, Lesley; Rodríguez, Diana; Oliveira, Gabrielle. Migração e educação: perspectivas socioculturais. Educação e Pesquisa, v. 41, n. especial, p. 1153-1171, 2015.Besharov, Douglas; Lopez, Mark; Siegel, Melissa. International conference news: trends in migration and migration policy. Journal of Policy Analysis and Management, v. 32, n. 3, p. 655-660, 2013.Brancante, Pedro Henrique; Reis, Rossana Rocha. A "securitização da imigração": mapa do debate. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 77, p. 73-104, 2009.Brito, Fausto. A politização das migrações internacionais: direitos humanos e soberania nacional. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 30, n. 1, p. 77-97, 2013.Brzozowski, Jan. Migração internacional e desenvolvimento econômico. Estudos Avançados, v. 26, n. 75, p. 137-156, 2012.Cerna, Lucie; Chou, Meng-Hsuan. The regional dimension in the global competition for talent: lessons from framing the European Scientific Visa and Blue Card. Journal of European Public Policy, v. 21, n. 1, p. 76-95, 2014.Condon, Meghan; Filindra, Alexandra; Wichowsky, Amber. Immigrant inclusion in the safety net: a framework for analysis and effects on educational attainment. Policy Studies Journal, v. 44, n. 4, p. 424-448, 2015.Creek, Heather; Yoder, Stephen. With a little help from our feds: understanding state immigration enforcement policy adoption in American federalism. Policy Studies Journal, v. 40, n. 4, p. 674-697, 2012.Da Roit, Barbara; Van Bochove, Marianne. Migrant care work going Dutch? The emergence of a live-in migrant care market and the restructuring of the Dutch long-term care system. Social Policy & Administration, vol. 51, n. 1, p. 76-94, 2015.Da Roit, Barbara; Weicht, Bernhard. Migrant care work and care, migration and employment regimes: a fuzzy-set analysis. Journal of European Social Policy, v. 23, n. 5, p. 469-486, 2013.Deeb-Sossa, Natália et al. Experiencias de mujeres mexicanas migrantes indocumentadas en California, Estados Unidos, em su acceso a los servicios de salud sexual y reproductiva: estudio de caso. Cadernos de Saúde Pública, v. 29, n. 5, p. 981-991, 2013.Del-Sol-Flórez, Héctor. Una aproximación a la intervención educativa com menores migrantes no acompañados em España: paradojas de la inclusión social. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, v. 17, n. 1, p. 137-153, 2012.

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O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e políticas públicas

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

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Paiva Júnior, Fernando Gomes de; Souza Leão, André Luiz Maranhão de; Mello, Sérgio Carvalho Benício de. Validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa em Administração. Ciências da Administração, v. 13, n. 31, p. 190-209, 2011.Patarra, Neide Lopes. Migrações internacionais: teorias, políticas e movimentos sociais. Estudos Avançados, v. 20, n. 57, p. 7-24, 2006.Patarra, Neide Lopes; Baeninger, Rosana. Mobilidade espacial da população no Mercosul: metrópoles e fronteiras. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 60, p. 83-102, 2006.Ramos, Milena Yumi; Velho, Lea. Formação de doutores no Brasil e no exterior: impactos na propensão a migrar. Educação & Sociedade, v. 32, n. 117, p. 933-951, 2011.Reis, Rossana Rocha. Migrações: casos norte-americano e francês. Estudos Avançados, v. 20, n. 57, p. 59-74, 2006.Rodrigues, Francilene. Migração transfronteiriça na Venezuela. Estudos Avançados, v. 20, n. 57, p. 197-207, 2006.Santos, Fabiane Vinente dos. A Inclusão dos migrantes internacionais nas políticas do sistema de saúde brasileiro: o caso dos haitianos no Amazonas. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. 23, n. 2, p. 1-17, 2016.Selby, Jan; Hoffmann, Clemens. Water scarcity, conflict, and migration: a comparative analysis and reappraisal. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 30, n. 6, p. 997-1014, 2012.Shutes, Isabel; Chiatti, Carlos. Migrant labour and the marketisation of care for older people: the employment of migrant care workers by families and service providers. Journal of European Social Policy, v. 22, n. 4, p. 392-405, 2012.Song, Jiyeoun. Labour markets, care regimes and foreign care worker policies in East Asia. Social Policy & Administration, v. 49, n. 3, p. 376-393, 2015.Topa, Joana; Neves, Sofia; Nogueira, Conceição. Imigração e saúde: a (in)acessibilidade das mulheres imigrantes aos cuidados de saúde. Saúde e Sociedade, v. 22, n. 2, p. 328-341, 2013.Turner, Robert; Sharry, William. From progressive pioneer to nativist crackdown: the transformation of immigrant policy in Oklahoma. Politics & Policy, v. 40, n. 6, p. 983-1018, 2012.United Nations (UN). Population Facts. N°2015/04. United Nations (UN) Web Site. Disponível em: <http://www.un.org/en/development/desa/population/publications/ pdf/popfacts/PopFacts_2015-4.pdf>. Acesso em: 20/07/2016.Van Hooren, Franca. Varieties of migrant care work: comparing patterns of migrant labour in social care. Journal of European Social Policy, v. 22, n. 2, p. 133-147, 2012.Véran, Jean-François; Noal, Débora da; Fainstat, Tyler. Nem refugiados, nem migrantes: a chegada dos haitianos à cidade de Tabatinga (Amazonas). Dados, v. 57, n. 4, p. 1007-1041, 2014.Vilela, Elaine Meire. Desigualdade e discriminação de imigrantes internacionais no mercado de trabalho brasileiro. Dados, v. 54, n. 1, p. 89-128, 2011.

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O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e políticas públicas

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Vilela, Elaine Meire; Sampaio, Daniela Portela. Um olhar sobre as autorizações de permanência a estrangeiros no Brasil, entre 2005 e 2011. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 32, n. 1, p. 25-48, 2015.Warner, Koko. Human migration and displacement in the context of adaptation to climate change: the Cancun adaptation framework and potential for future action. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 30, n. 6, p. 1061-1077, 2012.Williams, Fiona; Brennan, Deborah. Care, markets and migration in a globalising world: introduction to the special issue. Journal of European Social Policy, v. 22, n. 4, p. 355-362, 2012.Wright, Chris. How do states implement liberal immigration policies? Control signals and skilled immigration reform in Australia. Governance, v. 27, n. 3, p. 397-421, 2014.Wunderlich, Daniel. The limits of external governance: implementing EU external migration policy, Journal of European Public Policy, v. 19, n. 9, p. 1414-1433, 2012.

Frederico de Morais Andrade Coutinho

Mestrado em andamento em Administração pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, atuando como Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).Contato:[email protected]

Danilo Bijos

Doutorado em andamento em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente atua como economista concursado da Prefeitura de Unaí-MG. Contato: [email protected]

Henrique Marques Ribeiro

Mestrado em andamento em Administração pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente exerce a função de analista legislativo do Senado Federal atuando no Instituto DataSenado. Contato: [email protected]

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

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Anexo

Tabela 1 – Lista de periódicos selecionados

Título do periódico Classificação

BAR. Brazilian Administration Review A2

Cadernos EBAPE.BR (FGV) A2

Cadernos de Saúde Pública (ENSP) A2

Dados A2

Organizações & Sociedade A2

RAC. Revista de Administração Contemporânea A2

RAE. Revista de Administração de Empresas A2

Revista Brasileira de Gestão de Negócios A2

Revista Contabilidade & Finanças A2

Revista de Administração (FEA-USP) A2

Revista de Administração Pública A2

Ambiente e Sociedade (Campinas) B1

BBR. Brazilian Business Review B1

Bragantia (São Paulo, SP) B1

Caderno CRH (UFBA. Impresso) B1

Caderno Virtual de Turismo (UFRJ) B1

Ciência e Saúde Coletiva B1

Contabilidade Vista & Revista B1

Economia Aplicada B1

Economia e Sociedade (UNICAMP) B1

Enfoque: Reflexão Contábil B1

Estudos Econômicos (São Paulo) B1

Gestão & Produção (UFSCAR) B1

História, Ciências, Saúde-Manguinhos B1

Nova Economia (UFMG) B1

Novos Estudos CEBRAP B1

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O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e políticas públicas

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Título do periódico Classificação

Perspectivas em Ciência da Informação B1

Psicologia: Reflexão e Crítica (UFRGS) B1

RAM. Revista de Administração Mackenzie B1

REAd. Revista Eletrônica de Administração (Porto Alegre) B1

Revista Brasileira de Ciências Sociais B1

Revista Brasileira de Economia B1

Revista Brasileira de Enfermagem B1

Revista Brasileira de Estudos de População B1

Revista Contemporânea de Contabilidade (UFSC) B1

Revista Universo Contábil B1

Revista da Escola de Enfermagem da USP B1

Revista de Contabilidade e Organizações B1

Revista de Economia Contemporânea B1

Revista de Economia Política B1

Revista de Economia e Sociologia Rural B1

Revista de Gestão da Tecnologia e Sistemas de Informação B1

Revista de Sociologia e Política (UFPR) B1

Sociedade e Estado (UnB) B1

Sociologias (UFRGS) B1

Transinformação B1

ActaScientiarum. Human and Social Sciences B2

Administração Pública e Gestão Social B2

Ambiente Construído B2

Arkeos Perspectivas em Diálogo B2

Avaliação (UNICAMP) B2

Avaliação Psicológica B2

Base (São Leopoldo) B2

Base (UNISINOS) B2

Cadernos Saúde Coletiva (UFRJ) B2

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Frederico de Morais Andrade Coutinho; Danilo Bijos e Hemrique Marques Ribeiro

143Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 116-144 abr/jun 2018

Título do periódico Classificação

Cadernos de Linguagem e Sociedade B2

CheckList (São Paulo) B2

ConScientiae Saúde B2

Desenvolvimento em Questão B2

Eccos Revista Científica B2

Economia (Brasília) B2

Educação e Realidade B2

Educar em Revista B2

Educação & Sociedade B2

Educação e Pesquisa (USP) B2

Ensaio (Fundação Cesgranrio) B2

Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências B2

Escola Anna Nery B2

Estudos Avançados B2

Estudos de Psicologia (UFRN) B2

Faces: Revista de Administração (Belo Horizonte) B2

Gestão & Regionalidade B2

História da Educação B2

Informação & Sociedade (UFPB) B2

Interações (UCDB) B2

Lua Nova B2

Mercator (Fortaleza) B2

Meta: Avaliação B2

O Papel (São Paulo) B2

Paidéia (USP. Ribeirão Preto) B2

Produção (São Paulo) B2

Psicologia e Sociedade B2

Psicologia: Ciência e Profissão B2

Psicologia: Teoria e Pesquisa (UnB) B2

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O estado da arte das discussões sobre migrações internacionais e políticas públicas

144 Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 116-144 abr/jun 2018

Título do periódico Classificação

Psicologia: Teoria e Prática B2

RAI : Revista de Administração e Inovação B2

Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional B2

Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo B2

Revista Direito GV B2

Revista Mal-Estar e Subjetividade B2

Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão (Rio de Janeiro) B2

Revista Turismo em Análise B2

Revista de Administração da UFSM B2

Revista de Antropologia B2

Revista de Ciências da Administração (CAD/UFSC) B2

Revista de Políticas Públicas (UFMA) B2

Revista de Administração da Unimep B2

Saúde em Debate B2

Saúde e Sociedade (USP) B2

Sociedade & Natureza (UFU) B2

Trabalho, Educação e Saúde B2

Turismo: Visão e Ação B2

Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana B2

Fonte: Elaboração própria.

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Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da

Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade

Aleksandra Pereira SantosUniversidade de Brasília (UnB)

A consolidação do modelo de gestão por competências na administração pública federal passa, necessariamente, pelo investimento na qualidade das medidas ou das avaliações de competências. Nesse sentido, o presente artigo descreve o processo de desenvolvimento e verificação de evidências de validade de uma escala de competências para o cargo de Analista em Tecnologia da Informação (ATI). O instrumento foi elaborado a partir de pesquisas documental e de campo, entrevistas semiestruturadas e grupos focais. O questionário foi respondido por 211 servidores e os dados foram analisados por meio de análise descritiva, fatorial e testes não paramétricos. A análise fatorial revelou a existência de cinco fatores: competências técnico-normativas, comportamentais, de suporte, de gestão em tecnologia da informação (TI), e instrumentais. Quando verificadas diferenças entre grupos, essas foram significativas quando se considera a expressão de competências de gestão em TI e horas de treinamento. A elaboração desse instrumento pode contribuir para o fortalecimento institucional do cargo por meio de seu uso nos processos de gestão e também para a investigação das variáveis individuais e de contexto de trabalho associadas à expressão dessas competências.

Palavras-chave: mapeamento por competência, competência – análise, administração federal - Brasil

[Artigo recebido em 13 de abril de 2015. Aprovado em 26 de janeiro de 2018.]

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Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade

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Evaluación de competencias para los Analistas en Tecnología de la Información (ATI): desarrollo y validez de las pruebas

La consolidación del modelo de gestión por competencias en la administración pública federal implica la inversión en medidas o evaluaciones de competencia de calidad. En este sentido, este artículo describe el desarrollo y verificación de evidencias de validez de una serie de competencias para el cargo de Analista en Tecnologías de la Información (ATI). El instrumento fue desarrollado a partir de la investigación documental y de campo, entrevistas semi-estructuradas y grupos focales. El cuestionario fue completado por 211 servidores y los datos fueron analizados mediante el análisis descriptivo, los factores y pruebas no paramétricas. El análisis factorial reveló la existencia de cinco factores: habilidades reglamentos técnicos, conductuales, soporte, gestión de Tecnologías de la Información (IT), e instrumental. Cuando las diferencias encontradas entre los grupos, éstos fueron significativos cuando se consideran las competencias y de TI de gestión de y horas de entrenamiento. El desarrollo de este instrumento puede contribuir al fortalecimiento institucional de la posición a través de su uso en la gestión y también para la investigación de las variables individuales y el contexto de trabajo asociados a la expresión de esos poderes.

Palabras clave: mapeo por competencia, competencia - análisis, administración federal - Brasil

Competencies scale for Analysts in Information Technology: development and validity evidences

The consolidation of competency management model in federal public administration involves the investment in quality measures or assessments of competence. This article describes the development and search for evidences of validity related to a scale of competency for the Analyst in Information Technology (ATI). The instrument was developed from documentary and field research, structured interviews, and focus groups. The questionnaire was answered by 211 career public servants and the data were analyzed through descriptive statistics, factorial analyses and non-parametric tests. The factor analysis revealed five competency factors: normative-technical, behavioral, support, management in Information Technology, and instrumental. Taking differences between groups into account, these were significant when the expression of management in information technology competencies and training hours were duly considered. The development of this instrument may contribute to the institutional strengthening of the position through its use in management and to studies which associate the expression of those competencies to individual and contextual variables.

Keywords: competence mapping, competence - analysis, federal administration - Brazil

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Aleksandra Pereira Santos

147Rev. Serv. Público Brasília 69 (2) 145-162 abr/jun 2018

Introdução

As bases teóricas e metodológicas do construto competências no trabalho e nas organizações remontam a década de 1970. A partir desse período, o tema tem sido explorado progressivamente e vem se constituído uma importante categoria de estudos sobre a qual parece haver crescente interesse por parte das organizações e dos pesquisadores (Brandão, 2007). Apesar desse crescimento, o corpo teórico e empírico do construto, bem como sua operacionalização por meio de políticas ou práticas de recursos humanos nas organizações, ainda são bastante diversos.

Gestão por competências

Ao avaliar as principais características da produção nacional e discutir os conceitos de competências em publicações do setor público, Dos Santos (2011) conclui pela convergência do conceito de competência, diante da complexidade e fragmentação teórica previamente constatadas na literatura. Segundo a autora, tal convergência é expressa pelo conceito de competências enquanto conhecimentos, habilidades e atitudes expressas pelo desempenho individual. A produção empírica sobre o tema segue uma tendência já diagnosticada por Brandão (2007) e, em grande parte, descreve competências ocupacionais ou profissionais, possui desenho survey, apresenta pluralidade quanto à natureza da pesquisa e utilização de métodos e técnicas para coleta e análise de dados e é realizada principalmente no setor terciário da economia.

Na análise da produção nacional realizada por Dos Santos (2011), não foram encontrados relatos de pesquisa ou ensaios sobre segmentos da administração pública federal, compreendida enquanto segmento profissional dos servidores públicos dos ministérios, autarquias e fundações. Infere-se, portanto, a lacuna de discussão do construto das competências no trabalho e, de forma semelhante, a carência de pesquisas empíricas nesse segmento.

Nesse sentido, ainda que a abordagem da competência esteja relativamente consolidada enquanto novo modelo para a gestão de pessoas, principalmente no setor privado e em segmentos específicos do setor público (como empresas públicas e sociedades de economia mista), na administração pública federal o tema e as decorrências de sua implantação ainda são bastante incipientes.

O uso da abordagem de competências aplicada aos processos e práticas de gestão de pessoas – gestão por competências – ganhou destaque enquanto modelo para gestão nas últimas décadas. Conforme Brandão e Guimarães (2001), diversas empresas recorrem à utilização de modelos de gestão de competências,

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Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade

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objetivando planejar, selecionar e desenvolver as competências necessárias ao respectivo negócio. Brandão (2007) adverte para seu uso enquanto discurso diante da necessidade de mudanças nas áreas de recursos humanos, tomando-o como solução para diversos problemas: remuneração, capacitação e desempenho, entre outros.

A gestão por competências, e sua prioridade no desenvolvimento dos trabalhadores, são aderentes à dinâmica atual do mundo do trabalho e substituem o modelo de qualificação tradicional, que parece não mais responder às demandas. Kochanski (1997) defende a gestão por competências enquanto abordagem que reduz a complexidade e aumenta a capacitação individual e organizacional, uma vez que condensa competências centrais capazes de orientar papéis, responsabilidades, metas, habilidades, conhecimentos e capacidades determinantes da eficácia individual e organizacional.

Entre os desafios para aplicação desse modelo é possível destacar: a) necessidade de análise e construção de métodos efetivos de coleta de dados para a definição das competências; b) desenvolvimento de processos de validação confiáveis para a definição dos descritores e competências; e c) análise e proposição de processos de validação dos modelos existentes (Munck et al., 2011).

Pode-se concluir que um dos aspectos centrais na aplicação da gestão por competências refere-se à identificação e à mensuração das mesmas. Dessa forma, as competências deveriam ser avaliadas por meio de indicadores comportamentais, uma vez que esses declaram ações esperadas de um indivíduo em seu desempenho no trabalho. Um efetivo modelo de gestão por competência deve ser desenvolvido a partir da análise crítica dos componentes do trabalho relacionados aos objetivos da organização, e necessita de experts que identifiquem quais as competências relevantes para determinadas atividades.

Entende-se, portanto, que a operacionalização da gestão por competências é um processo que envolve a elaboração de instrumentos característicos de determinados grupos ou indivíduos na organização, a partir de pesquisas de campo nas quais a participação de atores organizacionais é indispensável.

Na administração pública brasileira, o modelo de gestão baseado em competências ganha destaque com a edição do Decreto nº 5.707, de 23 de fevereiro de 2006, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP), tornando-a referencial para a gestão de pessoas (Carvalho et al., 2009). Nela, entende-se a gestão por competências enquanto gestão da capacitação orientada para o desenvolvimento do conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias ao desempenho das funções dos servidores, visando ao alcance dos objetivos da instituição.

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A partir desse normativo, os órgãos da administração pública federal têm procurado orientar suas práticas de gestão de pessoas e adotam o mapeamento das competências como a primeira etapa do processo de implantação da gestão por competências. Entre os processos de mapeamento de competências no setor público, cuja metodologia ocorre a partir da construção de escalas comportamentais, é possível destacar: a escala de competências gerenciais (Brandão et. al, 2010), a escala de competências para a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Dos Santos, 2014), e a escala de competências relativas às funções de prefeito e secretários municipais (Moraes; Borges Andrade; Queiroga, 2011).

O presente trabalho buscou desenvolver e investigar evidências de validade de uma escala de competências para o cargo de Analista em Tecnologia da Informação (ATI), diante da ausência de instrumentos previamente diagnosticados para o referido cargo.

No caso do cargo de Analista em Tecnologia da Informação (ATI) – cujos servidores pertencem ao quadro de pessoal do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP) e podem atuar em diversos órgãos e entidades da administração pública federal –, a identificação de competências pode subsidiar processos de gestão e desenvolvimento dos seus membros.

Cargo de Analista em Tecnologia da Informação

O cargo de nível superior de Analista em Tecnologia da Informação foi instituído pela Lei nº 11.907, de 02 de fevereiro de 2009, que alterou a Lei nº 11.357, de 19 de outubro de 2006. Entre as atribuições exercidas pelos servidores pertencentes ao cargo, destaca-se a execução das atividades de planejamento, supervisão, coordenação e controle dos recursos de Tecnologia da Informação (TI) da administração pública federal. Além disso, os ATI executam análises para desenvolvimento, implantação e suporte aos sistemas de informação e soluções tecnológicas específicas e fornecem suporte aos órgãos da administração pública, no que se refere ao planejamento dos seus recursos de TI.

Conforme Lei nº 11.357, de 19 de outubro de 2006, o cargo de Analista em Tecnologia da Informação tem atribuições voltadas às atividades de planejamento, supervisão, coordenação e controle dos recursos de tecnologia da informação relativos ao funcionamento da administração pública federal.. Atualmente, o cargo possui aproximadamente 500 membros, dos quais 186 exercem suas atividades no Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, em sua maioria na Secretaria de Tecnologia da Informação (STI) – órgão central do Sisp. Os demais

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Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade

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estão em exercício nos órgãos da administração direta, autarquias e fundações que correspondem aos órgãos setoriais, seccionais e correlatos do sistema.

A formação dos ATI é desenvolvida pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) por meio do Programa de Desenvolvimento de Gestores de Tecnologia da Informação (DGTI). Com carga horária de 152 horas, o programa tem como objetivo dotar os participantes com conhecimentos e habilidades necessários para atuar em processos de planejamento estratégico de TI, bem como em processos de contração e gerenciamento dos projetos na área.

Método

Nas subseções seguintes serão apresentados os instrumentos e procedimentos adotados para construção dos itens, incluindo os procedimentos de evidência de validade teórica e semântica.

Instrumentos de pesquisa

A construção do instrumento obedeceu às etapas sistematizadas por Peres-dos-Santos e Laros (2007), que desenvolveram uma medida de avaliação da prática pedagógica dos professores de ensino superior. Os autores – apoiados nos estudos de Babbie (2003), Günther (1999), Laros (2012) – apresentam um modelo para construção de um instrumento formado de sete etapas: a) estabelecimento de objetivos; b) especificação de dimensões; c) incorporação das restrições; d) escolha de escala de mensuração; e) seleção de itens; f) validação semântica dos itens; e g) ordenação dos itens.

O instrumento descrito neste artigo possui como objetivo identificar e mensurar o grau de expressão das competências dos servidores pertencentes ao cargo de Analista em Tecnologia da Informação. A competência é aqui entendida enquanto comportamentos adotados no trabalho e resultantes de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para a realização de uma atividade (Gonczi, 1999). A partir desse conceito, foram definidas as dimensões constituintes do instrumento, fortemente apoiadas nas principais correntes teóricas sobre o construto. São elas: conhecimentos, habilidades e atitudes.

Depois de estabelecidos os objetivos e as dimensões do instrumento, algumas restrições foram consideradas, em razão do quantitativo de itens, do formato do questionário, da modalidade e do tempo de aplicação do instrumento. Observou-se, nesse caso, o preconizado por Hayes, Rose-Quirie e Allinson (2000), ao sugerirem que os modelos de competências serão sempre incompletos e a busca deve ocorrer

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por uma linguagem comum que comunique habilidades, impactos e desempenhos esperados. Dessa forma, planejou-se identificar competências comuns aos ATI, cujas descrições fossem materializadas em um questionário enviado eletronicamente aos servidores pertencentes ao cargo.

No que se refere à escolha da escala de mensuração, foi utilizada uma escala com âncoras de significados opostos em seus extremos (tipo Osgood) de 10 pontos, variando em 1 (não expresso a competência/irrelevante) a 10 (expresso plenamente a competência/extremamente relevante). Tal escolha se deu por razões culturais, uma vez que a escala já é conhecida pela população do estudo; razões técnicas, evitando-se a discussão sobre o nível de mensuração subjacente às escalas do tipo Likert ao utilizarem itens ancorados na tipologia discordo/concordo; e razões políticas, ao se evitar a utilização do valor zero (Peres-dos-Santos; Laros, 2007).

Inicialmente, para a elaboração dos itens constituintes da escala, foram realizadas buscas documentais e de campo. A busca documental foi realizada em documentos pertinentes ao cargo, resultantes de oficinas, grupos de trabalho e produtos disponibilizados pela Secretaria de Tecnologia da Informação. A pesquisa de campo, por sua vez, buscou obter descrições de comportamentos e competências relevantes para a carreira. Para tanto, foram utilizadas informações provenientes de entrevistas pessoais e grupos focais. Foram entrevistados servidores que pertencem ao cargo, especialistas e diretores de órgãos da administração pública federal, no total de seis participantes. As entrevistas objetivavam identificar percepções a respeito do cargo de ATI nos aspectos relativos às atribuições, ao perfil desejado e aos comportamentos alcançados/esperados no trabalho. As perguntas foram realizadas conforme um roteiro prévio de oito questões.

Os grupos focais, formados por servidores do cargo de API, foram realizados durante os meses de julho e agosto. Deles participaram 14 ATI, subdivididos em dois grupos, que discutiram competências relevantes, bem como conhecimentos, habilidades e atitudes requeridas para cada competência. Os dados resultantes da busca de campo foram interpretados por meio da análise de conteúdo, procurando-se elementos que caracterizassem competências relevantes para o cargo em questão.

Em seguida, foram descritas 52 competências sob forma de comportamentos observáveis no trabalho. Na descrição das competências buscou-se observar os procedimentos recomendados por Brandão e Bahry (2014) e os critérios ou regras apresentadas em Pasquali (2010). Dessa forma, os itens tratavam de uma ação clara e precisa, levando-se em conta critérios de simplicidade e objetividade, com ausência de expressões ambíguas, excessivamente técnicas, atípicas ou negativas.

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Evidências de validade teórica

Ainda de acordo com o modelo sistematizado por Peres-dos-Santos e Laros (2007), os itens do instrumento foram submetidos a um processo de verificação de evidências de validade teórica, cujo objetivo é evitar a utilização de itens que não sejam adequados à população alvo. De acordo com Pasquali (2010), nessa etapa confirma-se – teoricamente – a hipótese de que os itens representam adequadamente o construto.

A análise teórica comporta dois tipos: a análise dos juízes, que se refere à pertinência dos itens ao construto representado; e a análise semântica propriamente dita, que trata da compreensão dos itens para a amostra.

No presente estudo, a análise de juízes foi realizada em duas etapas. A primeira, feita por ATI ou por gestores com conhecimento sobre a atuação desses servidores, caracterizou-se pela análise da pertinência das competências para a carreira. A segunda etapa foi realizada com peritos na área do construto competências que avaliaram a adequação dos itens quanto aos critérios de clareza, objetividade, entre outros previamente recomendados por Brandão e Bahry (2014). Adotou-se uma concordância de 80% entre os dez juízes que participaram dessa etapa. O instrumento permaneceu com o mesmo quantitativo de itens, porém muitos deles sofreram alteração na redação.

Procedeu-se, então, à etapa de validação semântica, cujo objetivo foi verificar se os itens eram compreendidos por membros da população. Nela, o instrumento foi aplicado a um grupo de oito ATI. Buscou-se, ainda, identificar eventuais falhas ou incorreções para garantir a compreensão dos itens e da escala. Nesse processo, foram realizados pequenos ajustes no enunciado dos itens.

A escala foi disponibilizada eletronicamente – com utilização do software SurveyMonkey – a todos os servidores que ocupam o cargo de ATI no período de setembro a novembro de 2011. A primeira seção do instrumento continha a apresentação de informações sobre a pesquisa, ressaltando o caráter de confidencialidade; a segunda solicitava dados pessoais e funcionais; e, por fim, apresentava-se a escala na qual os respondentes deveriam assinalar o grau em que expressavam cada competência.

Análise de dados

O instrumento foi respondido por 217 servidores. Esses eram, em sua maioria, do sexo masculino (84,3%), com especialização (52,6%) e atuavam no Ministério do Planejamento (41,5%). O tempo médio no cargo de ATI era de 16,2 meses (D.P. = 3,31).

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Utilizou-se o aplicativo Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 16.0 para a tabulação e análise dos dados. Inicialmente, procedeu-se à verificação dos seguintes pressupostos: casos extremos e ausentes, normalidade das distribuições, natureza e tamanho da amostra.

A identificação de seis casos extremos foi realizada por meio da distância de Mahalanobis, e optou-se pela não exclusão desses casos, uma vez que o quantitativo não foi elevado. Tal posicionamento é corroborado por Neiva, Abbad e Tróccoli (2011) ao afirmarem que, em análises fatoriais, variáveis que apresentam dados muito díspares tendem a apresentar resultados pobres, sendo comum sua exclusão dos fatores por revelarem baixas cargas fatoriais. Não foram identificados casos ausentes na amostra.

No que se refere à normalidade das distribuições, foram analisados os índices de assimetria e achatamento das variáveis. O critério para considerar um item com distribuição não normal foi assimetria superior a 1,0 e curtose superior a 2,0 (Miles; Shelvin, 2001; Osborne, 2005). Das 52 variáveis, doze indicaram ausência de distribuição normal. Como a ausência de normalidade das variáveis não constitui um problema na análise fatorial (Laros; Pasquali, 2005), uma vez que a técnica é razoavelmente robusta a violações desse pressuposto (Neiva; Abbad; Tróccoli, 2011), principalmente em amostras com mais de 200 sujeitos (Hair et al., 2009), optou-se pela não transformação dessas variáveis.

Entre os diversos critérios apresentados por Laros (2005) para análise da adequação do tamanho da amostra, foi utilizado o proposto por Comrey e Lee (2013), que classificam amostras de 50 como muito inferiores, de 100 como inferiores, de 200 como razoáveis, de 300 como boas, de 500 como muito boas, e de 1.000 ou mais como excelentes. A amostra da pesquisa possuía 211 respondentes e pode ser considerada razoável.

Em seguida, foi extraída a matriz das correlações entre as variáveis e realizada a análise dos componentes principais (PC). Todas as correlações mostraram-se significativas. Aproximadamente 45% das correlações foram superiores a 0,30, sendo que nenhuma delas mostrou-se superior a 0,90, o que indica ausência de multicolinearidade (Pasquali, 2005).

Aproximadamente 29% das correlações foram fracas (r ≤ 0,30), 68,9% foram correlações moderadas (0,3 < r < 0,70), e apenas 2,1% foram consideradas fortes (r ≥ 0,70). Tais índices apontam para a relação dos itens entre si e, portanto, para a necessidade de redução/fatorabilidade dos dados. A medida de adequação amostral Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi 0,88, índice que aponta a boa adequação dos dados à análise fatorial.

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Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade

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Resultados e discussão

Para definição do número de fatores a extrair, adotou-se o critério da análise paralela (AP) de Horn (1965). O consenso a respeito do uso da análise paralela como um procedimento superior aos demais – e que fornece ótimas soluções sobre o número de componentes – é crescente (O’Connor, 2000). Na AP, os eigenvalues de uma matriz de correlação de dados aleatórios são comparados com os da matriz empírica calculada pela análise dos componentes principais. No momento em que o valor do eigenvalue dos dados aleatórios for superior ao valor dos dados empíricos, o uso do fator já não é adequado.

Para identificar o valor dos eigenvalues aleatórios, utilizou-se uma sintaxe do SPSS, denominada Rawpar. Na Tabela 1, que apresenta os eigenvalues empíricos e os aleatórios da amostra, nota-se que o componente 5 é o último em que os eigenvalues empíricos são superiores aos aleatórios. Tais dados revelam a existência de cinco fatores.

Tabela 1 – Eigenvalues empíricos e aleatórios dos seis primeiros componentes da amostra

1 2 3 4 5 6

Empírico 15,67 5,58 3,02 2,31 2,09 1,65

Aleatório 2,13 2,01 1,92 1,85 1,78 1,72

ComponentesEigenvalues

Fonte: elaboração própria

A extração de cinco fatores também se mostrou adequada quando do agrupamento por significado teórico ou semelhança semântica entre os fatores; essa solução implicaria em 55% de variância total explicada. Optou-se pelo método de fatoração dos eixos principais (Principal Axis Factoring – PAF), com rotação Promax, uma vez que se esperava a existência de correlação entre os fatores.

A partir dos resultados dispostos na matriz fatorial, foram excluídos três itens que apresentaram cargas fatoriais muito baixas (próximas ou inferiores a 0,30); sete que se revelaram híbridos, apresentando cargas fatoriais de magnitudes semelhantes (diferenças inferiores a 0,10) em dois fatores; e dois itens que não guardavam relação semântica com o fator associado e possuíam cargas fatoriais inferiores a 0,40. A escala restou com 41 itens. Na presente amostra, não houve exclusão de itens em virtude de baixa correlação item-total.

Ainda, foi utilizado o Lambda 2 de Guttman para análise da fidedignidade dos itens. Estudos confirmam que o Lambda 2 de Guttman estima melhor a fidedignidade do que o coeficiente Alfa de Cronbach, principalmente quando a

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amostra é pequena ou quando os instrumentos contêm poucos itens (Laros; Reis; Tellegen, 2010; Tellegen; Laros, 2004; Ten Berge; Zegers, 1978).

A Tabela 2 apresenta os principais resultados após a rotação Promax com extração de 5 fatores.

Tabela 2 – Cargas fatoriais, depois da rotação Promax, comunalidades, correlações item-resto, fidedignidade, correlação entre os fatores, média e desvio padrão

Descrição Carga Fatorial h2 rit

Elabora o planejamento de contratações de soluções em tecnologia da informação em conformidade com a Instrução Normativa SLTI/MP 04/2010 0,91 0,79 0,78

Fornece suporte aos órgãos da Administração Pública Federal no que se refere ao cumprimento da Instrução Normativa nº 04 SLTI/MP 0,82 0,58 0,69

Orienta as organizações públicas para a tomada de decisão em assuntos relacionados à aquisição de tecnologias de informação 0,79 0,65 0,77

Presta assessoramento no que se refere à área de tecnologia da informação, às comissões de licitação dos órgãos da Administração Pública Federal sobre o processo de seleção de fornecedores de bens e serviços de TI, de acordo com a especificação dos editais

0,75 0,74 0,66

Monitora e avalia contratos de bens e serviços em TI com o objetivo de garantir a adequada prestação dos serviços e o fornecimento dos bens que compõem a solução de tecnologia da informação, observando o cumprimento das leis, normas e instruções normativas da Administração Pública Federal

0,73 0,60 0,75

Avalia a implementação da Instrução Normativa nº 04 SLTI/MP nos órgãos da Administração Pública Federal 0,69 0,65 0,67

Elabora Projetos Básicos e Termos de Referência, exequíveis, monitoráveis e adequados aos objetivos esperados 0,65 0,62 0,67

Propõe ações corretivas para desvios diagnosticados durante implementação da Instrução Normativa nº 04 SLTI/MP nos órgãos da Administração Pública Federal 0,63 0,60 0,65

Emite parecer técnico sobre a viabilidade de contratações em tecnologia da informação de órgãos da Administração Pública Federal 0,63 0,60 0,63

Presta assessoria nos processos de monitoramento e avaliação do Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI) nas organizações em conformidade com a Instrução Normativa nº 04 SLTI/MP 0,59 0,50 0,77

Fornece subsídios para elaboração do Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI) nas organizações em conformidade com a Instrução Normativa nº 04 SLTI/MP 0,57 0,51 0,74

Difunde normas pertinentes e correlatas ao Sistema de Administração de Recursos de Informação e Informática (SISP) no seu órgão de atuação 0,55 0,46 0,51

Fornece subsídios para a elaboração de políticas, diretrizes e normas na área de tecnologia da informação 0,54 0,46 0,73

Identifica atores, recursos, problemas e desafios de políticas, programas e ações de governo na área de tecnologia da informação, 0,51 0,51 0,70

Fator 1: Competências Técnico-Normativas (14 itens): λ2 = 0,94; = 6,15 e DP = 2,48 X

Fonte: elaboração própria

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Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade

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Tabela 2 – (continuação) Cargas fatoriais, depois da rotação Promax, comunalidades, correlações item-resto, fidedignidade, correlação entre os fatores, média e desvio padrão

Descrição Carga Fatorial h2 rit

Adapta-se a situações de pressão e de contrariedades de forma adequada e profissional 0,79 0,63 0,62

Adapta-se após a percepção de mudanças existentes ou propostas 0,78 0,61 0,56

Age de acordo com os valores e princípios éticos do serviço público 0,78 0,51 0,59

Assume responsabilidade pessoal para fazer as coisas acontecerem 0,75 0,62 0,59

Age com segurança e sem hesitação frente a desafios 0,71 0,63 0,60

Partilha informações e conhecimentos com os colegas e disponibiliza-se para os ajudar quando solicitado 0,66 0,46 0,56

Planeja o trabalho para o melhor aproveitamento de esforços, tempo e recursos 0,64 0,50 0,57

Presta atendimento com qualidade e cortesia aos destinatários do seu trabalho 0,58 0,35 0,60

Relaciona-se com pessoas de diferentes características e em contextos profissionais distintos, demonstrando uma atitude facilitadora do relacionamento 0,55 0,40 0,47

Implementa ações para aprimorar suas competências profissionais, a partir da identificação de seus pontos fracos e de necessidades de desenvolvimento 0,55 0,50 0,70

Apresenta claramente suas ideias, de forma oral e escrita, inclusive em público 0,53 0,40 0,59

Preocupa-se em ampliar os seus conhecimentos e experiências, de forma a desenvolver uma perspectiva mais abrangente dos problemas 0,52 0,36 0,54

Analisa os processos de desenvolvimento, implantação e suporte de sistemas de informação e de soluções tecnológicasespecíficas 0,78 0,70 0,73

Implementa adequadamente modelos e aplicações de banco de dados 0,78 0,59 0,72

Implementa adequadamente metodologias de desenvolvimento de software 0,72 0,53 0,77

Especifica requisitos necessários aos sistemas de tecnologia da informação existentes em seus órgão de atuação 0,65 0,54 0,79

Monitora e controla os Sistemas Estruturantes de Tecnologia da Informação – que correspondem aos sistemas de suporte amacroprocessos de governo e com características multi institucionais – com o intuito de manter a confiabilidade, a segurança e aconfidencialidade

0,60 0,47 0,63

Propõe padrões de documentação necessários ao desenvolvimento e à implantação de soluções em tecnologia da informação 0,59 0,53 0,77

Fator 2: Competências Comportamentais (12 itens): λ2 = 0,91; = 8,70 e DP = 1,15

Fator 3: Competências de Suporte (6 itens): λ2 = 0,87; = 5,31 e DP = 2,54 X

X

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Tabela 2 – (continuação) Cargas fatoriais, depois da rotação Promax, comunalida-des, correlações item-resto, fidedignidade, correlação entre os fatores, média e desvio padrão

Descrição Carga Fatorial h2 rit

Conduz processos de negociação em cenários de interesses distintos, de forma a alcançar os objetivos pretendidos 0,52 0,64 0,71

Estimula a troca de informações na organização e entre órgãos da Administração Pública 0,50 0,47 0,71

Elabora objetivos e indicadores de tecnologia da informação claros e mensuráveis 0,46 0,51 0,59

Propõe ações de desenvolvimento para os servidores pertencentes ao cargo de ATI 0,45 0,32 0,59

Aprimora processos de trabalho, utilizando técnicas de mapeamento, análise e melhoria de processos 0,37 0,31 0,62

Distingue convênios, contratos e termos de referência, empregando-os quando necessário. 0,66 0,62 0,55

Identifica o papel e o funcionamento dos sistemas de controle da Administração Pública Federal 0,58 0,47 0,60

Elabora documentos oficiais, atos normativos e administrativos, com clareza e objetividade 0,49 0,37 0,60

Aplica normas jurídicas relacionadas à sua atuação 0,49 0,41 0,59

Nota: h2= Comunalidades; r it = Correlação item-total; λ2= Lambda 2 de Guttman; = média; DP = desvio padrão

Fator 4: Competências de Gestão em TI (5itens): λ2 = 0,72; = 6,77 e DP = 1,92

Fator 5: Competências Instrumentais (4 itens): λ2 = 0,77; = 6,79 e DP = 2,26

Correlação entre os fatores: F1 - F2 = 0,27; F1 - F3 = 0,45; F1 - F4 =0,50; F1 - F5 =0,37; F2 - F3 = 0,24; F2 - F4 = 0,39; F2 - F5 = 0,34; F3 - F4 = 0,35; F3 - F5= 0,18 e F4 - F5 = 0,34

X

X

X

Fonte: elaboração própria

O primeiro fator é composto de itens relacionados às atividades finalísticas dos ATI. Tais itens agregam as competências de planejamento, supervisão, coordenação e controle dos recursos de TI. Foi denominado, simbolicamente, de Competências Técnico-Normativas. O segundo fator é composto por itens que agregam atitudes e valores necessários à execução do trabalho e foi denominado de Competências Comportamentais. Já o terceiro fator possui itens que tratam das competências necessárias aos ATI que atuam de forma descentralizada em órgãos e entidades do Sisp. Tal fator foi denominado de Competências de Suporte.

O quarto fator apresenta as competências dos ATI que atuam na área de gestão ou exercem funções gerenciais, e foi denominado de Competências de Gestão em TI. No último fator, os itens tratam da utilização de instrumentos e modalidades de contratação, bem como da identificação do papel dos órgãos de controle e da aplicabilidade de normas necessárias à atuação do servidor. Esse fator foi denominado de Competências Instrumentais.

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Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade

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Ainda, conforme a Tabela 2, verifica-se que a maioria dos itens possuem cargas fatoriais altas e correlações item-total moderadas e altas, o que revela coerência entre os itens, a escala e os fatores. Os valores de Lambda 2 de Guttman também são adequados em todos os fatores e indicam boa precisão da medida. Embora a fidedignidade dos dois últimos fatores tenha se mostrado relativamente mais baixa, todos os índices apontam para uma estrutura fatorial satisfatória. No que se refere às correlações entre os fatores, essas variam entre 0,18 e 0,50, justificando a adoção de um método de rotação não ortogonal. Para além dos índices apontados na Tabela 2, os itens de cada um dos fatores possuem elevada semelhança semântica e refletem as atribuições da carreira dispostas em lei.

Pode-se observar que a maior média e o menor desvio padrão correspondem ao fator Competências Comportamentais. O resultado sugere a homogeneidade na avaliação de expressão realizada pelos servidores, indicando que estes expressam quase plenamente as competências relacionadas ao fator. Alternativamente, pode sugerir viés de desejabilidade social. O fator Competências de Suporte revelou a menor média e maior desvio padrão, indicando maior heterogeneidade entre os participantes. Esse resultado poderia ser explicado pela diversidade de comportamentos expressos nesse fator ou revelar a necessidade dos ATI de aprimorarem essa competência.

Diferenças entre grupos

Além da avaliação da expressão de competências no trabalho, a primeira parte do questionário solicitava aos respondentes dados funcionais, tais como: tempo no cargo, horas de treinamento no ano de 2011 e escolaridade. Em virtude da disponibilidade desses dados, procedeu-se à investigação de diferenças entre grupos no que se refere à expressão de competências. Para verificar a existência dessas diferenças, recorreu-se ao teste não-paramétrico Kruskal-Wallis em razão de violações de normalidade e homogeneidade das variâncias.

Verificou-se, inicialmente, a existência de diferenças no que se refere ao grau de escolaridade e à expressão de competências no trabalho. Para tanto, foram formados cinco grupos conforme escolaridade: graduação, especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Os resultados do teste não foram significativos, e sugerem não existir diferenciação por escolaridade no que se refere à expressão de competências no trabalho.

Em seguida, buscou-se investigar a existência de diferenças em razão do tempo no cargo. Para isso, foram utilizados três grupos: a) o primeiro, formado pelos respondentes que possuíam de 10 a 14 meses no cargo de ATI; b) o segundo,

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composto por aqueles ATI que ocupavam o cargo de 15 a 19 meses; e c) o último, respondentes que possuíam de 20 a 24 meses no cargo em análise. De forma análoga à análise anterior, os resultados não foram significativos e podem indicar que não existem diferenças entre o tempo no cargo de ATI e a expressão das competências no trabalho.

A última análise investigou diferenças entre horas de treinamento realizadas em 2011 e a expressão de competências. Dessa forma, os respondentes foram classificados em quatro grupos: a) o primeiro, constituído pelos ATI que realizaram de 0 a 100 horas de treinamento; b) o segundo, cujos respondentes participaram de 101 a 200 horas de treinamento; c) o terceiro grupo, formado por aqueles que realizaram de 201 a 300 horas de treinamento; e d) o último, cujos respondentes participaram de mais de 301 horas de treinamento no ano de 2011. Os resultados foram significativos (p < 0,05) apenas para o Fator 4: Competências de Gestão em TI. Tal resultado sugere que na expressão dessa competência podem existir diferenças entre os ATI em razão da quantidade de horas de treinamento em 2011. Revela, também, a necessidade de um programa de capacitação intenso e robusto voltado para a formação desses servidores. Brandão (2009) obteve resultados semelhantes quando analisou a quantidade de horas dedicadas a eventos de TD&E e a expressão de competências gerenciais no trabalho. Nesse caso, o autor identificou uma influência significativa quando tal variável é considerada no nível da agência bancária.

Conclusões e recomendações

Neste estudo foram descritos procedimentos de desenvolvimento e verificação de evidências de validade semântica e estatística de uma escala de competências para o cargo de ATI. O instrumento foi elaborado a partir de informações provenientes de pesquisa documental e de campo e submetido à avaliação dos analistas. Nos procedimentos de análise fatorial realizados, chegou-se ao quantitativo de 41 itens de competências, agrupados em cinco fatores válidos e com bons índices de fidedignidade. Foram realizadas, ainda, análises de variância, com o objetivo de identificar diferenças entre grupos no que se refere à expressão de competências no trabalho.

As limitações deste estudo estão relacionadas à amostra intencional e não probabilística, o que não permite generalização. Outra questão refere-se ao número de respondentes, que pode ser considerado limítrofe em relação ao quantitativo de itens.

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Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade

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Do ponto de vista organizacional, espera-se que a elaboração desse instrumento contribua para o fortalecimento institucional do cargo por meio do seu uso nos processos de gestão: seleção, alocação, formação, aperfeiçoamento e definição de critérios para mensuração de desempenho. Ainda, a partir da escala aqui apresentada, o órgão gestor do cargo de ATI poderá: a) comparar escores obtidos por meio de autoavaliação com escores obtidos de processos de heteroavaliação; b) estabelecer escores mínimos nas competências para cada nível profissional do cargo, com o objetivo de distinguir os níveis profissionais; e c) desenvolver ações de capacitação específicas para cada uma das competências validadas.

Do ponto de vista acadêmico, espera-se que a pesquisa possa ter contribuído para o debate acerca do construto, bem como para a formulação de novas hipóteses de estudo. Destaca-se como agenda de pesquisa sobre o tema competências no setor público: a) desenvolvimento e validação de escalas de competências para outras carreiras da administração pública federal, bem como para os cargos de direção e assessoramento de livre provimento; b) investigações sobre variáveis contextuais que poderiam influenciar a expressão de competências no trabalho; e c) análise de relações entre variáveis antecedentes ou moderadoras e a expressão de competências, para melhor compreensão dos fatores intervenientes nesse construto.

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Aleksandra Pereira Santos

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Escala de competências para os Analistas em Tecnologia da Informação (ATI): desenvolvimento e evidências de validade

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Aleksandra Pereira Santos

Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília (UnB), com estágio sanduíche na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal. Pertence à carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG). Contato: [email protected]

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Gestão estratégica de pessoas no setor público: percepções de

gestores e funcionários acerca de seus limites e possibilidades em uma

autarquia federalLuana Jéssica Oliveira Carmo

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG)

Lilian Bambirra de AssisCentro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG)

Mariana Geisel MartinsCentro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG)

Cristina Camila Teles SaldanhaFundação João Pinheiro(FJP-MG)

Patrícia Albuquerque GomesCentro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG)

A gestão de pessoas no setor público vivenciou profundas transformações, principalmente após a década de 1990, quando adota uma perspectiva estratégica orientada para resultados. Tais modelos enfrentam desafios de implantação devido às características inerentes à administração pública, como a burocracia e impessoalidade. Assim, torna-se relevante analisar o impacto dessas mudanças na dinâmica interna de organizações públicas. Desse modo, o objetivo deste trabalho foi analisar a percepção e atitudes de gestores e funcionários acerca da gestão de pessoas em uma autarquia federal. O estudo consistiu na aplicação e análise de entrevistas semiestruturadas e de técnicas de construção de desenhos. Os resultados apontaram para a ausência de um modelo estratégico de gestão de pessoas, devido a características peculiares do setor público representadas subjetivamente através dos desenhos produzidos. Para estudos futuros, sugere-se a ampliação da utilização da técnica de construção de desenhos para análise de percepções e atitudes no âmbito do setor público.

Palavras-chave: gestão de pessoas - administração estratégica, gestão por competência, administração federal – Brasil, administração por objetivos, avaliação de desempenho, burocracia, impessoalidade

[Artigo recebido em 15 de janeiro de 2017. Aprovado em 22 de novembro de 2017.]

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Gestão estratégica de pessoas no setor público: percepções de gestores e funcionários acerca de seus limites e possibilidades em uma autarquia federal

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Gestión estratégica de personas en el sector público: percepciones de gestores y funcionarios acerca de sus límites y posibilidades en una autarquía federal

La gestión de personas en el sector público ha experimentado profundas transformaciones, principalmente después de la década de 1990, cuando adopta una perspectiva estratégica orientada hacia resultados. Tales modelos enfrentan desafíos de implantación debido a las características inherentes a la administración pública, como la burocracia e impersonalidad. Así, resulta relevante analizar el impacto de estos cambios en la dinámica interna de las organizaciones públicas. De este modo, el objetivo de este trabajo fue analizar la percepción y actitudes de gestores y funcionarios acerca de la gestión de personas en una autarquía federal. El estudio consistió en la aplicación y análisis de entrevistas semiestructuradas y de técnicas de construcción de dibujos. Los resultados apuntaron a la ausencia de un modelo estratégico de gestión de personas, debido a características peculiares del sector público representadas subjetivamente a través de los dibujos producidos. Para estudios futuros, se sugiere la ampliación de la utilización de la técnica de construcción de dibujos para el análisis de percepciones y actitudes en el ámbito del sector público.

Palavras Chave: gestión de personas - administración estratégica, gestión por competências, administración federal – Brasil, administración por objetivos, evaluación del desempeño, burocracia, impersonalidad

Strategic people management in the public sector: perceptions of managers and employees about their limits and possibilities in a federal autarchy

The management of people in the public sector has undergone profound transformations, mainly after the 1990s, when it adopts a strategic perspective oriented to results. Such models face implementation challenges because of inherent characteristics of public administration, such as bureaucracy and impersonality. Thus, it is relevant to analyze the impact of these changes on the internal dynamics of public organizations. In this way, the objective of this work was to analyze the perception and attitudes of managers and employees about the management of people in a federal autarchy. The study consisted of the application and analysis of semi structured interviews and drawing construction techniques. The results indicated the absence of a strategic model of people management, due to the peculiar characteristics of the public sector subjectively represented through the drawings produced. For future studies, it is suggested to extend the use of the technique of construction of drawings to analyze perceptions and attitudes within the public sector.

Keywords: management of people - strategic administration, competence management, federal administration - Brazil, management by objectives, performance evaluation, bureaucracy, impersonality

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Luana Jéssica Oliveira Carmo; Lilian Bambirra de Assis; Mariana Geisel Martins; Cristina Camila Teles Saldanha & Patrícia Albuquerque Gomes

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Introdução

Diante das transformações no cenário mundial, a globalização e o avanço tecnológico, o setor público no Brasil vem sendo forçado a se adaptar às mudanças organizacionais que envolvem a redefinição de seus aspectos estratégicos (Antonello; Pantoja, 2010). A tentativa do Estado em acompanhar a evolução dos modelos de gestão pode ser compreendida pela definição de três períodos da gestão pública: o Estado patrimonial, o burocrático e o gerencial (Blonski et al., 2017; Bresser-Pereira, 1998). Entretanto, a administração pública carrega traços de cada um dos três períodos em seus modelos de gestão, tornando o setor público um ambiente complexo e desafiador para a gestão de pessoas (Schikmann, 2010).

Baseada na Nova Gestão Pública (New Public Management – NPM), a perspectiva gerencialista propõe um serviço público mais flexível, descentralizado, eficiente, de melhor qualidade e orientado ao cidadão, aproximando-se do setor privado (Bresser-Pereira, 1998; Costa, 2008; Peters, 2008). Após as mudanças pretendidas pelas reformas gerencialistas, principalmente na década de 1990, os dirigentes passaram a lidar com muitos paradoxos, relacionados à transformação contínua das organizações (Barbieri, 2012). Esses paradoxos estimularam estudos relacionados a estilos de liderança, estrutura organizacional, medidas de desempenho, administração de recursos humanos, tecnologia, cultura e estratégia no setor público (e.g. Salles; Villardi, 2017; Nascimento; Emendoerfer; Gava, 2014; Moura; Souza, 2016).

No âmbito da gestão de pessoas, a perspectiva gerencialista almeja um estilo de gestão semelhante ao da iniciativa privada (Nogueira; Santana, 2015). Para isso, é necessário que o gestor público tenha a capacidade de alinhar os funcionários à estratégia da organização e de governo, de forma que os esforços sejam capazes de gerar resultados concretos para o cidadão. Dessa forma, a atual gestão de recursos humanos (RH) passa a assumir um papel estratégico dentro da organização, tendo ainda o dever de se atentar ao desempenho dos recursos humanos direcionando-os para os resultados (Longo, 2007).

Seguindo esses direcionamentos, este estudo propõe avançar na literatura já existente sobre os desafios da gestão estratégica de pessoas no setor público. Pretendeu-se compreender a percepção de gestores e funcionários acerca do modelo de gestão de pessoas adotado em uma autarquia federal. A pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa, por meio da aplicação de entrevistas semiestruturadas em combinação com métodos visuais de pesquisa, relativos à construção e interpretação de desenhos elaborados pelos entrevistados. Essa técnica buscou

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Gestão estratégica de pessoas no setor público: percepções de gestores e funcionários acerca de seus limites e possibilidades em uma autarquia federal

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acessar aspectos simbólicos das percepções e atitudes dos entrevistados em relação à gestão de pessoas da autarquia, sendo complementada pela análise das entrevistas (Vergara, 2005).

Fundamentos teóricos

É de fundamental importância destacar as principais características e reformas institucionais ocorridas no decorrer dos anos relacionadas à administração pública, em uma breve descrição histórica desde as reformas de 1930 até a década de 1990, com o surgimento da administração gerencial.

Modelos de gestão pública e reformas estatais no contexto brasileiro

A administração pública brasileira sofreu inúmeras transformações até os dias de hoje. Conforme Costa (2008), as modernizações das estruturas da gestão pública ganharam destaque com a Revolução de 1930. A nova dinâmica de instauração da modernidade, com a separação entre Estado e mercado e criação de novas instituições deram abertura à sua racionalização.

Isso representou a ruptura com o patrimonialismo. A administração patrimonialista decorre das monarquias absolutistas, em que não havia a distinção entre o patrimônio público e o privado, pois o Estado era compreendido enquanto propriedade do rei. As práticas como nepotismo e corrupção eram respaldadas. Com o desenvolvimento do capitalismo industrial e a emergência das democracias parlamentares, o modelo patrimonialista se tornou incompatível devido à necessidade de separar o Estado do mercado. Além da separação entre público e privado, era necessário um distanciamento entre o político e o administrador público (Bresser-Pereira, 1996).

A emergência de uma administração pública burocrática, "adotada para substituir a administração patrimonialista" (Bresser-Pereira, 1996, p. 10), foi pautada no modelo weberiano de padronização e rigidez administrativa, que trazia em seus ideais a concepção de carreiras, a profissionalização, a hierarquia, a impessoalidade e o formalismo. A criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) na década de 1930 foi um marco para a reforma burocrática e visou à “revolução modernizadora do país, industrializá-lo e valorizar a competência técnica” (Bresser-Pereira, 2001, p. 11). O Dasp buscou concretizar os princípios de racionalidade e eficiência, tornando-se a grande agência de modernização do Estado à sua época.

Entretanto, com a queda do Governo Vargas, o Dasp perdeu grande parte de suas atribuições. Segundo Bresser-Pereira (2001), a reforma não respondia às reais

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necessidades da sociedade e política brasileira. O modelo burocrático apresenta suas disfunções, como a rigidez das normas que inibem as transformações e desestimulam inovações, já que não é um modelo flexível (Costa, 2008).

Em 1967, a Reforma Administrativa criada pelo Decreto-lei nº 200 no Brasil configurou-se como uma tentativa de abandono à rigidez burocrática e adoção da modernização nos processos administrativos do Estado brasileiro. Uma parte significativa das atividades públicas foi transferida para fundações, autarquias e sociedades de economia mista, a fim de promover maior descentralização do Estado (nesse período houve a separação entre administração direta e indireta). A administração pública foi orientada por princípios modernos de gestão e pela definição de funções administrativas básicas, tais como o planejamento, gestão do orçamento, serviços gerais, recursos humanos e finanças (Castor; José, 1998).

No início dos anos 1970, houve uma nova tentativa de estímulo à modernização com a criação da Secretaria de Modernização e Reforma Administrativa (Semor), encarregada de implantar técnicas de gestão, tais como a administração de recursos humanos e a modernização funcional e estrutural. Porém, limitada aos processos internos federais e não mais atuando junto aos estados e municípios juntamente com a Secretaria de Articulação com Estados e Municípios, a Semor teve sua atuação reduzida (Castor; José, 1998).

A redemocratização do Estado, marcada pela criação da Constituição de 1988, trouxe reformas administrativas em busca da reconstrução do Estado como um agente mais efetivo e eficiente. Entretanto, a Constituição de 1988 configurou-se como um retrocesso na modernização da gestão pública brasileira, pois reduziu a flexibilidade da administração indireta ao lhe atribuir normas de funcionamento iguais às da administração direta. Além disso, o Poder Executivo perdeu autonomia em relação aos órgãos públicos e houve a imposição de um Regime Jurídico Único aos servidores dos municípios, estados e União, transformando o regime de trabalho de empregados celetistas para estatutários (Bresser-Pereira, 1996; Costa, 2008).

Com a necessidade de certa flexibilidade e amenizando a rigidez burocrática, surge, na década de 1990, a administração gerencial, voltada para o desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações (Bresser-Pereira, 2001; Costa, 2008). As reformas do aparelho estatal brasileiro nesse período seguiram as linhas do New Public Management (NPM) ou Nova Gestão Pública, que buscava a superação do modelo burocrático por meio da perspectiva gerencialista. Essa abordagem centrava-se basicamente na adaptação e transferência dos conhecimentos gerenciais desenvolvidos no setor privado para o setor público (Peci; Pieranti; Rodrigues, 2008; Peters, 2008; Cavalcante, 2010).

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Segundo Costa (2008), essas reformas objetivaram a redefinição do papel do Estado, deixando de ser prestador de serviços e reforçando sua postura de regulador e provedor desses serviços. Nessa nova perspectiva, caminhava-se para uma administração pública gerencial, mais flexível e eficiente, voltada para o atendimento da cidadania, tendo que modificar tanto o plano institucional-legal, quanto o plano cultural e de gestão, para atingir seus objetivos. A administração pública gerencial transmite autonomia ao administrador na gestão de recursos humanos, que começa a ser visto como importante na geração de resultados (Costa, 2008).

Mais recentemente, houve a introdução de aspectos estratégicos à gestão de pessoas com os Decretos nº 5.707/2006 e nº 7.133/2010. O Decreto nº 5.707/2006 traz à administração pública brasileira a instituição de planos de desenvolvimento de pessoal a serem implementados pelos órgãos e instituições da administração pública federal. O decreto teve como intuito a melhoria da eficiência e qualidade dos serviços prestados ao cidadão por meio do desenvolvimento permanente de servidores públicos e adequação de suas competências às estratégias de governo, por meio de ações racionais e efetivas de capacitação. O Decreto nº 7.133/2010, por sua vez, aprova critérios e procedimentos para a realização de avaliações de desempenho individuais e institucionais, com o intuito de inserir a gestão por resultados no setor público federal.

É importante ressaltar, nessa retomada histórica, que ainda hoje é possível identificar na gestão pública vários traços de todos os modelos de gestão. Secchi (2009, p. 365) reflete sobre a necessidade de se desvincular do discurso de ruptura de modelos e de se adotar a ideia de “processo cumulativo de mudanças nas práticas e valores”. A administração pública brasileira passa a sofrer com a rigidez burocrática, concomitante com traços patrimonialistas não superados, o que resulta em alto custo e baixa qualidade no setor público, contrariando o discurso de eficiência disseminado pelo regime burocrático. Com a chegada dos anos 1970, a administração pública burocrática se vê em crise, e valores advindos da administração de empresas, como descentralização e flexibilidade, atingem o setor público. É o advento da administração gerencial (Bresser-Pereira, 1996). Essa nova forma de gestão pública influencia as práticas direcionadas aos recursos humanos, que passam a ser vistos como ativos essenciais para atingir os objetivos institucionais. O próximo tópico descreve as principais práticas de gestão de pessoas no setor público.

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Luana Jéssica Oliveira Carmo; Lilian Bambirra de Assis; Mariana Geisel Martins; Cristina Camila Teles Saldanha & Patrícia Albuquerque Gomes

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Práticas de gestão de pessoas no setor público

As práticas de recrutamento e seleção no setor público têm o foco no cargo e não em competências. A forma ampla em que os cargos são descritos faz com que as competências não sejam aproveitadas. Essa descrição dos cargos para concursos limita a atuação dos funcionários de acordo com suas competências (Schikmann, 2010).

Em relação às práticas de gestão de pessoas, há uma concentração em torno da gestão do desempenho no setor público. Para Schikmann (2010), a política de avaliação de desempenho possui um papel importante para o desenvolvimento de uma cultura voltada para resultados, já que o alinhamento de objetivos individuais e das equipes às metas da organização implica o maior envolvimento dos funcionários de todos os níveis, os quais passam a se sentir pessoalmente responsáveis pelo desempenho da organização. Conforme Barbosa (1996), a questão da meritocracia e da sua avaliação é polêmica para toda a teoria da administração moderna, e o problema está relacionado à forma com que a situação é tratada, normalmente com a criação de decretos, ou outros mecanismos jurídicos e formais.

Integrada à questão do desempenho, tem-se a gestão da compensação. A gratificação de desempenho continua a ser uma estratégia adotada para recompor salários, e não para recompensar o alcance ou superação de desempenhos esperados; profissionais que ocupam cargos de direção ou em comissão continuam a receber gratificação sem que seu desempenho individual seja avaliado (Odelius; Santos, 2007). Nas organizações públicas, a gratificação é utilizada como forma improvisada de compensação à impossibilidade de aumento salarial. Tal fator constitui uma deformação da verdadeira função da gratificação, que foi criada para contemplar funções desempenhadas que apresentam algum risco ou esforço adicional aos previstos na execução da maior parte das tarefas da organização (Schikmann, 2010).

Em relação à capacitação, Shickmann (2010) afirma que deve ocorrer de forma contínua. É essencial para desenvolver um quadro com as competências requeridas pela organização. Porém, o setor público, mesmo sendo intensivo em conhecimento, ainda não possui uma cultura e um ambiente voltados para a aprendizagem organizacional e/ou para a inovação e, com raras exceções, também não incentiva a educação continuada de seus servidores (Coelho, 2004). Essas práticas de gestão de pessoas no setor público devem ser modificadas, caso seja adotado um modelo de gestão estratégica de pessoas no setor público, conforme proposto pelo próximo tópico.

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Gestão estratégica de pessoas no setor público: percepções de gestores e funcionários acerca de seus limites e possibilidades em uma autarquia federal

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Gestão para resultados: o modelo de gestão estratégica de pessoas no setor público

Longo (2007) aponta uma alteração nas relações de trabalho ao longo dos anos. No lugar da estabilidade, a aprendizagem e desenvolvimento passaram a ocupar o principal aspecto de interesse dos trabalhadores. Para o autor, com essas alterações, a área de gestão de pessoas passou a desempenhar uma função estratégica nas instituições, de relevância para o alcance dos objetivos organizacionais (Longo, 2007).

Com essas mudanças, surgem modelos de gestão orientados para resultados, adotados primeiro pela iniciativa privada e, posteriormente, no setor público. Nesse contexto, a gestão de pessoas passa a assumir uma dimensão estratégica, ao ser vista como uma vantagem competitiva para as organizações. A gestão estratégica de pessoas considera os indivíduos como ativos valiosos devido a certas competências úteis, conferindo à organização uma “vantagem competitiva” (Mascarenhas, 2008, p. 7).

Para Schikmann (2010), o desempenho de uma organização está condicionado às pessoas que nela atuam, por isso, o planejamento estratégico deve abranger desde o nível macro até o individual. No contexto da administração pública, a autora apresenta como instrumentos de gestão estratégica de pessoas o planejamento de recursos humanos, a gestão por competências, a capacitação continuada com base em competências e a avaliação de desempenho fundada em competências.

Longo (2007) aborda o dilema da gestão estratégica no setor público afirmando que a ambiguidade existente nesse setor dificulta a precisão da definição da estratégia. As mudanças no cenário político interferem nas estratégias das organizações, tanto públicas quanto privadas. Assim, as forças ambientais constituem-se em uma variável importante para a definição de estratégias, já que influenciam a eficácia organizacional (Silva; Mello, 2011).

Desse modo, para Longo (2007), esse dilema representa a manifestação da complexidade que caracteriza a gestão pública. O autor sugere a tentativa de influenciar a conduta das pessoas na busca de adequá-la aos objetivos de uma organização. Assim, ele apresenta o modelo da Figura 1, onde os resultados dependem da conduta das pessoas, e esta, por conseguinte, depende da vontade e das competências dessas pessoas.

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Figura 1 – A gestão de recursos humanos (GRH)

Fonte: Longo (2007).

Amaral (2006) considera que a gestão por competências é relativamente recente e complexa, e, por isso, tem contribuído para a manutenção das incertezas quanto à sua aplicabilidade ao setor público brasileiro. O Decreto nº 5.707/2006 conceitua gestão por competências como:

[...] gestão por competência: gestão da capacitação orientada para o desenvolvimento do conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias ao desempenho das funções dos servidores, visando ao alcance dos objetivos da instituição (Brasil, 2006).

A gestão por competências e o contexto específico do setor público

A gestão por competências no setor público implica em um enfoque amplo e integrador, considerando conhecimentos técnicos e outras características pessoais. As competências englobam as habilidades interpessoais, as capacidades cognitivas e de conduta, o conceito ou percepção de si próprio, traduzido em atitudes e valores, os motivos ou estímulos que selecionam e orientam a conduta, e os traços de personalidade ou caráter (Amaral, 2006).

O foco do Decreto n° 5.707/2006 é a capacitação e o direcionamento de esforços para a aprendizagem contínua nas instituições, de forma a impactar o desenvolvimento de competências individuais e institucionais (Silva; Mello, 2013). Entretanto, conforme os autores, o maior desafio está relacionado à mudança cultural no serviço público, sendo necessário comprometimento e ação de gestores

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e servidores públicos. A implantação da gestão por competências no setor público exige mudanças organizacionais profundas, a começar pela reestruturação da área de RH e um mapeamento de competências requeridas.

Assim, as práticas relacionadas à gestão por competências, como as carreiras sem fronteiras, a flexibilidade e a descentralização, são consideradas incompatíveis com o atual ambiente organizacional das organizações públicas. Essa incompatibilidade ocorre devido aos traços da burocracia e ao modelo tradicional de gestão de pessoas, focado no cargo e não no indivíduo (Amaral, 2006). Com isso, torna-se relevante analisar a percepção e atitudes de gestores e funcionários acerca da gestão de pessoas em uma autarquia federal, buscando verificar como essa ocorre na prática.

Procedimentos metodológicos

Devido à natureza do estudo, a metodologia adotada foi de natureza descritiva qualitativa. A pesquisa descritiva aborda o registro, a análise e a interpretação de um fenômeno. A pesquisa qualitativa é aberta, flexível e focaliza a realidade de forma complexa, adequando-se a cada contexto (Lakatos; Marconi, 2011). Quanto ao recorte temporal, a pesquisa adotou o recorte transversal, em que os dados são coletados em um ponto no tempo (Richardson, 1999).

A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas. Essa modalidade de pesquisa é reconhecida pela flexibilidade e oportunidade de avaliar atitudes e comportamentos do entrevistado, possibilitando a coleta de dados importantes que não se encontram em fontes documentais (Lakatos; Marconi, 2011).

Foram entrevistados 10 líderes (o que corresponde à totalidade dos líderes ativos no período da coleta) ocupantes de cargos de direção, gerência, assessoria, presidência e vice-presidência; e 5 funcionários (técnicos e auxiliares) de diferentes setores, com diferentes tempos de casa. A técnica de amostragem utilizada foi do tipo não probabilística intencional, ou seja, a amostra foi escolhida propositalmente, por possuir características que se constata serem relevantes para a compreensão de um fenômeno (Goode; Hatt, 1979). Com essa técnica de amostragem, o pesquisador tem liberdade de escolha, dirigindo-se a grupos de forma intencional para saber a opinião dos membros (Barros; Lehfeld, 1997).

O critério utilizado para a escolha dos sujeitos da pesquisa teve como objetivo privilegiar líderes e uma pequena amostra de funcionários. A escolha sobre a quantidade de entrevistados levou em consideração o objetivo do trabalho, que foi analisar a percepção de gestores e funcionários acerca da gestão de pessoas em uma autarquia federal, não tendo como interesse alcançar um nível

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de saturação das respostas, mas sim dar abertura a diferentes percepções ao dividir os entrevistados em dois grupos-chave: pessoas com cargos de chefia e funcionários.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas pessoalmente entre os meses de novembro e dezembro de 2013, na sede da autarquia estudada, de forma individual. Foram desenvolvidos dois roteiros de entrevistas: um direcionado aos líderes; outro, aos funcionários. Para ambos os grupos (líderes e funcionários) havia perguntas iniciais, com o intuito de saber alguns dados do entrevistado que poderiam ser relevantes para a pesquisa, como idade, cargo atual, principais atividades no cargo atual, há quanto tempo trabalha na autarquia e no cargo atual. Era solicitado também que o entrevistado falasse sobre sua trajetória pessoal, com o direcionamento sobre quais outros lugares trabalhou e qual era a função exercida. O Quadro 1 apresenta especificamente quais questões foram abordadas nas entrevistas, considerando cada grupo.

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Quadro 1 – Questões abordadas nas entrevistas

Perguntas para Grupo I: Líderes Perguntas para Grupo II: Funcionários

1 - O que você entende por gestão estratégica de pessoas?

2 - Quais as principais características da gestão de pessoas da autarquia? O que tem de diferente dos outros órgãos/entidades do setor público?

3 - Quais as alterações ocorridas na gestão de pessoas da entidade nos últimos anos? O que mudou? Quando?

4 - Você considera o fato de ser uma autarquia um aspecto facilitador para o RH estratégico ou para a gestão como um todo ao comparar com outros órgãos/entidades do setor público?

5 - Existe alguma limitação em relação às práticas de RH por se tratar de uma entidade do setor público? (Gentileza considerar aspectos como recrutamento, seleção, treinamento, cargos, salários e carreiras, demissão.)

6 - Existe um modelo de gestão por competências?

7 - Existem mecanismos de valorização das competências dos funcionários?

8 - Qual o principal desafio da gestão (geral) atualmente? E os desafios relacionados à gestão de pessoas?

9 - O que você mudaria em relação à gestão de pessoas da entidade?

1 - Construção de desenhos: como você se sente em relação à gestão de pessoas da autarquia?

2 - O que você entende por gestão estratégica de pessoas?

3 - Você percebe diferença entre as práticas de RH aqui e de outros locais em que já trabalhou? Em que aspectos?

4 - Quais as alterações ocorridas na gestão da entidade nos últimos anos? O que mudou para você? Quando?

5 - Existe alguma limitação em relação às práticas de RH por se tratar de uma entidade do setor público? (Considerar aspectos como recrutamento, seleção, treinamento, cargos, salários e carreiras, demissão.)

6 - Existe um modelo de gestão por competências na autarquia?

7 - Você considera que existem mecanismos de valorização das competências dos funcionários?

8 - Você sente que existe flexibilidade em relação às sugestões e ideias dos funcionários?

9 - Você se sente mais cobrado em relação à suas tarefas ou em relação à sua competência?

10 - Qual o principal desafio que você percebe em relação à gestão (geral) da entidade atualmente? E os desafios relacionados à gestão de pessoas?

11 - O que você mudaria em relação à gestão de pessoas da entidade?

Fonte: Elaboração própria.

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Ademais, também foi utilizada como técnica de coleta de dados a construção de desenhos pelos funcionários entrevistados. Essa técnica teve o objetivo de instigar a manifestação de aspectos emocionais e psicológicos dos entrevistados, em dimensões não alcançadas pelas palavras (Vergara, 2005). Optou-se pela construção de desenhos não estruturada com o intuito de transmitir ao entrevistado liberdade para desenhar o que queria (Vergara, 2005). Não foi delimitado um tempo para a construção dos desenhos, de modo a reforçar a liberdade oferecida a ele. Os desenhos foram coletados de forma individual, no início das entrevistas com os funcionários. Os entrevistados foram convidados a interpretar seus desenhos, o que contribuiu para a análise dos dados.

Para analisar os dados, foi utilizada a análise de conteúdo. Bardin (2002, p. 42) define a análise de conteúdo como “conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às mensagens.” Ela funciona como um leque de apetrechos, podendo ser uma via de análise dos significados ou dos significantes, e possui uma função heurística, enriquecendo assim a pesquisa exploratória, por meio da descoberta. Para a autora, a análise de conteúdo caminha entre dois polos – entre o rigor da objetividade e a fecundidade da subjetividade. O investigador se atrai pelo oculto, o latente, o não aparente, o potencial inédito (não dito) presente em qualquer mensagem (Bardin, 2002). A análise de dados seguiu as três etapas descritas por Bardin (2002): 1ª) pré-análise; 2ª) exploração do material; e 3ª) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Diante da necessidade de atualização dos dados, considerando que os dados foram coletados em 2013, num recorte transversal, optou-se por fazer uma observação participante e análise documental. Essa atualização ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2016 com o objetivo de analisar se houve mudanças significativas na gestão de pessoas da autarquia desde a pesquisa feita em 2013.

Descrição da autarquia

A autarquia federal objeto de estudo deste trabalho foi criada por meio de um Decreto-Lei em 1946. De acordo com dados disponíveis no portal da transparência de tal entidade, ela possui 87 funcionários, 48% do sexo feminino, e 52% do sexo masculino. Em relação aos cargos de chefia, 23% são do sexo feminino, e 77% do sexo masculino. A faixa etária predominante é de 36 a 60 anos (73,56%), e 31% dos funcionários possuem acima de 20 anos de trabalho na autarquia. Em relação ao nível de escolaridade dos funcionários, considerando também os gestores, 40,23% possuem ensino superior completo.

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Sobre a gestão de pessoas da autarquia, a forma de recrutamento utilizada atualmente é o concurso público, entretanto, nem sempre foi assim. Desde sua fundação, a forma de recrutamento variou entre períodos em que era obrigatório passar por provas e outros em que se utilizava a indicação, sem concurso público. Com isso, vários funcionários ingressaram na autarquia sem passar pelo concurso.

O regime de contratação segue as normas celetistas, entretanto, existe uma discussão há alguns anos sobre se tornar RJU (Regime Jurídico Único). Em relação às práticas de gestão de pessoas na entidade pesquisada, tem-se a avaliação de desempenho, a pesquisa de clima e o levantamento de necessidades de treinamento (LNT), que possuem periodicidade anual. Além disso, foi criado em 2009 o Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS). No PCCS, é apresentado o enquadramento da faixa salarial de acordo com os níveis, bem como a gratificação paga aos ocupantes de cargos comissionados.

A entidade não possui um planejamento estratégico formal. Possui missão, visão e políticas de qualidade, o que foi criado com as exigências para a certificação da norma ISO 9001. Anualmente é criado um plano de trabalho que direciona quais serão as ações referentes ao próximo ano para cada setor. No período da coleta de dados (2013-2016), houve uma troca de presidência. Essa troca é feita de quatro em quatro anos, por meio de eleição. São elegíveis os representantes que fazem parte da categoria profissional a qual a entidade fiscaliza.

Análise e discussão de resultados: a gestão de pessoas pela ótica dos funcionários

A metodologia de pesquisa consistiu na aplicação de entrevistas, observação participante e na construção de desenhos pelos entrevistados. O desenho deveria ilustrar como o funcionário se sentia em relação à gestão de pessoas da autarquia. Para discussão dos resultados, os entrevistados são identificados, no decorrer da análise dos dados, como E1, E2, até o E15, sendo que o intervalo compreendido de E1 a E10 corresponde aos líderes, e de E11 a E15, aos funcionários entrevistados.

Como primeiro aspecto notado na pesquisa, destaca-se que o desenho do funcionário entrevistado com menos tempo de casa possui uma visão alinhada ao funcionário com mais tempo de casa. O entrevistado 14 (E14) está há 40 anos na autarquia, é aposentado e continua trabalhando na organização. Já o entrevistado E15 tem menos de um ano na entidade e já compartilha da mesma impressão que o entrevistado E14 em relação à gestão de pessoas da entidade, o que pode ser visto pelos desenhos:

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Figura 2 – Desenho do entrevistado 14

Ao interpretar o desenho, o funcionário disse se sentir preso e agarrado na autarquia. O desenho ainda fornece outras informações que merecem destaque, como a necessidade de entender o que prende esse entrevistado e o que representa esse peso que ele carrega, além de perceber que suas mãos estão atadas.

Esse aspecto evidencia traços da administração burocrática presentes na autarquia estudada. Conforme Bresser-Pereira (2001), o modelo burocrático trouxe alguns privilégios em relação à aposentadoria e à estabilidade adquirida com os concursos públicos (Bresser-Pereira, 2001). Assim, a questão da estabilidade proporcionada pelo concurso público é um aspecto da gestão tradicional que ainda tem vigorado na entidade analisada. A percepção semelhante do entrevistado 15, que é o entrevistado com menos tempo de casa, é traduzida por meio do desenho apresentado na Figura 3.

Figura 3 – Desenho do entrevistado 15

Entretanto, o entrevistado 15 atribui sua prisão às normas de conduta e regulamentos impostos pela gestão, em que não existe equilíbrio e bom senso, aspectos amparados pelos conceitos de Schikmann (2010) sobre a rigidez imposta

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pela legislação, que limita a cultura de inovação. Para esse entrevistado, a pessoa que entra no serviço público se vê em uma situação amarga:

O concurso público funciona como uma âncora. Se você está no mercado, se não está dando certo, você vai ao encontro de outro, mas no serviço público tem a estabilidade e é isso que te segura. No serviço público vê-se que a maioria dos salários não são “salários milionários”, então pela utopia da estabilidade, a pessoa fica numa situação amarga (E15).

Assim, percebe-se que, mesmo com as mudanças percebidas na área de gestão de pessoas, o setor público tem características intrínsecas, que limitam a flexibilidade.

A análise dos desenhos também evidenciou que os funcionários sentem que existe uma distância, uma separação entre eles e a gestão de pessoas, conforme explicitado pelo entrevistado E12 na Figura 4 e no seu relato de entrevista: “Para mim a gestão de pessoas é como uma nuvem: está distante de mim”.

Figura 4 – Desenho do entrevistado 12

Esse sentimento está em discordância com o modelo de gestão de pessoas orientado para resultados, que tem como premissa o alinhamento entre capital humano e estratégia da organização, aspecto que sugere proximidade entre a gestão de pessoas e as pessoas da organização, na intenção de orientá-las na busca do resultado. Essa separação insinua um traço intrínseco à burocracia, que é a impessoalidade (Costa, 2008).

Essa impessoalidade é reforçada pelo desenho, no qual o entrevistado aparece com a face sem as características pessoais, o que traz o entendimento de que não sente valorização em relação à sua competência. Isso contradiz a gestão por competências, a qual sugere uma valorização que vai além de conhecimentos

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técnicos, considerando também as habilidades interpessoais, as capacidades cognitivas e de conduta, a percepção de si próprio, traduzindo em atitudes e valores os traços de personalidade ou caráter (Amaral, 2006; Longo, 2007). Esses traços não impressos no desenho conduzem a uma ideia de não existência da valorização das competências na autarquia.

O desenho do entrevistado 13 (Figura 5) corrobora a interpretação da distância e da falta de características pessoais, acrescentando ainda a concepção de que existe um pequeno grupo controlador, como no Estado patrimonial. O entrevistado não enxerga a existência da gestão de pessoas, e sim um pequeno grupo que controla os funcionários: “Eu acho que não tem gestão de pessoas, existe uma ou duas pessoas que controlam o restante. Falta muito ainda” (E13).

Figura 5 – Desenho do entrevistado 13

Essa diferença entre os grupos pode ser vista no desenho, onde dois indivíduos possuem tamanho maior que os outros. Mesmo aparentemente estando em um mesmo grupo, dois são maiores, enquanto a maioria tem tamanho menor. Interessante ressaltar que nenhum dos indivíduos de tamanho menor consegue superar os grandes, o que sugere a prevalência da hierarquia, característica própria da administração burocrática (Costa, 2008).

Correlacionada a essa visão, o desenho do entrevistado 11 completa a ideia exposta anteriormente pelos entrevistados 12 e 13, sobre a existência de um grupo pequeno privilegiado, e a distância entre esse grupo e os funcionários.

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Figura 6 – Desenho do entrevistado 11

O conjunto de ideias expressas pelos funcionários confirma o que Schikmann (2010) destaca sobre a proteção, ou privilégio de cargos e funções, que são fatores que promovem um mecanismo limitador na busca por resultados.

Pelos desenhos construídos pelos funcionários, foi possível destacar algumas das características do setor público que se mantiveram mesmo com as mudanças desde o Estado patrimonial até a administração gerencial. Alguns desenhos apresentaram o favorecimento de certos grupos, o que remete ao Estado patrimonial, outros evidenciaram a rigidez da burocracia. Desse modo, é relevante analisar como os entrevistados (gestores e funcionários) percebem o planejamento de gestão de pessoas na autarquia.

O planejamento de gestão de pessoas na autarquia

Quando indagados sobre o que entendem como gestão estratégica de pessoas, as respostas dos entrevistados se concentraram em torno de uma ideia principal: alinhar os recursos humanos de acordo com os cargos existentes. Não foi apontada a inserção dessa gestão estratégica de pessoas em um plano superior, que é o planejamento estratégico da organização.

Sobre a existência de um planejamento estratégico da entidade, os depoimentos apontaram para um plano de atividades anual, que descreve os projetos de cada setor para o ano seguinte. Percebeu-se que esse plano é operacional, tanto pelo objetivo quanto pelo prazo a que se refere. Percebeu-se a inexistência de uma visão sistêmica em relação à gestão de pessoas, levando à compreensão de que o conceito de gestão estratégica está pautado nos processos internos da autarquia.

Observou-se, com os depoimentos, que a área de RH da autarquia é caracterizada como operacional, tendo como funções principais recrutamento, treinamento, avaliação de desempenho, desligamento, entre outras atividades relacionadas. O que vai à contramão da proposta da gestão estratégica, em que essa área deveria ser reestruturada, assumindo uma posição estratégica (Amaral, 2006). Até mesmo

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mudanças no nível estratégico da autarquia, como a mudança de dirigente em 2016, não afetaram de forma significativa a forma com que a autarquia tem gerenciado seu capital humano.

Entretanto, os entrevistados consideram que o setor de RH tem evoluído. Aqueles que trabalham há mais de 15 anos na entidade afirmam que, quando foram admitidos, o setor de RH era um setor burocrático, um departamento de pessoal, que cuidava da folha de pagamento.

Quando eu entrei não tinha, agora que eles começaram a desenvolver os RH porque antes era só departamento pessoal. Vem evoluindo aos poucos, mas eu acho que ainda falta uma estruturação melhor (E11).

Assim, os entrevistados conseguem enxergar transformações na gestão de pessoas da entidade. Alguns relacionam a mudança à questão da implantação da ISO 9001. A Certificação ISO (International Organization for Standardization) estipula uma padronização do trabalho relacionado com um sistema de gestão da qualidade, sendo a ISO 9000 determinante de uma série de normas, entre essas a ISO 9001 (Mello et al., 2009). Outros consideram que o surgimento do Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS), a avaliação de desempenho e as pesquisas de clima organizacional são evidências de uma evolução da gestão de pessoas na organização.

Em relação às alterações ocasionadas pela implantação da ISO 9001, para a autarquia obter essa certificação, foram necessárias estruturações relacionadas a recursos humanos, como treinamentos, capacitações, conscientização; infraestrutura e ambiente de trabalho, além da definição da missão, visão e políticas de qualidade. Essas ações voltadas para a certificação ISO 9001 deram início a alguns procedimentos e rotinas que trouxeram uma percepção de desenvolvimento na gestão de pessoas na organização para atender aos requisitos da norma.

Quando eu entrei não existia isso, existia só um serviço de pessoal. Mas isso foi aperfeiçoado com a questão da ISO 9001, foram feitos muitos treinamentos com os funcionários, treinamentos técnicos de acordo com a área. Eu entendo que tem uma evolução muito grande (E1).

Entretanto, a partir dos relatos sobre a evolução da gestão de pessoas, surge uma reflexão que consiste em compreender se as alterações provocadas pela implantação da ISO 9001 estão sendo caracterizadas como evolução de forma imprópria. Conforme Longo (2007), a verdadeira mudança é aquela que consegue penetrar nas mentes dos indivíduos e se transferir para suas condutas. Assim, questiona-se até que ponto essas mudanças impactaram as condutas das pessoas,

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já que apenas as reestruturações organizacionais e a modernização tecnológica, por si sós, não são suficientes para mudar em profundidade o funcionamento das organizações públicas.

Os modelos de gestão estratégica de pessoas propõem o alinhamento entre os recursos humanos e os objetivos da entidade considerando essas características. Amaral (2006) sugere que é necessária uma mudança profunda no que tange ao mapeamento das competências requeridas e à reestruturação da área de RH, para que a organização tenha condições de alinhar seu capital humano às estratégias da organização. Sobre a existência de um modelo de gestão de pessoas, tanto líderes quanto funcionários acreditam que ainda não existe um modelo estruturado. Mas, afirmam que é um processo que está em desenvolvimento, sobre o qual é possível verificar evoluções percebidas pelos entrevistados. A partir da análise dos depoimentos, compreendeu-se que a gestão de pessoas não atua de forma estratégica na entidade, mantendo certa distância dos funcionários:

O setor de RH é muito fechado, introspectivo, é bem distante dos funcionários. Nas empresas onde trabalhei antes, havia uma comunicação melhor com os funcionários. A linha de comunicação era mais aberta (E15).

Percebeu-se também que existem mecanismos ligados à gestão de pessoas na autarquia que apresentam limitações e vantagens. Os principais mecanismos citados nas entrevistas foram o Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) e a avaliação de desempenho. Ambos são vistos sob duas perspectivas, como benefícios e como entraves, conforme discutido nas seções seguintes.

Gestão do emprego – práticas de recrutamento, seleção, manutenção e mobilidade

A visão dos entrevistados sobre a gestão do emprego na autarquia foi marcada por muitos questionamentos relacionados ao perfil do profissional selecionado por meio de concurso público. Os entrevistados avaliam que essa forma de recrutamento e seleção retira a autonomia do gestor para selecionar pessoas de acordo com o perfil adequado a determinada atividade:

A pessoa só entra mediante concurso, às vezes você não vai colocar um profissional que você queira, você vai colocar o profissional que passou no concurso. E nem sempre necessariamente o profissional que passou vai ser um bom profissional (E7).

Os líderes sentem falta do poder de negociação, quando querem reter um talento, ou seja, evitar perder pessoas qualificadas. Muitos avaliam que não possuem autonomia para gerenciar suas equipes devido às restrições do Plano

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de Cargos e Salários (PCCS). O gestor se sente limitado, pois não pode oferecer incentivos salariais e profissionais visando à retenção dos talentos da organização.

Não é possível reter talentos aqui por conta desta burocracia do serviço público – “não pode isto, não pode aquilo”. Eu poderia muito bem reter um talento, mas a burocracia me engessa. Na iniciativa privada, o gestor pode recompensar da forma que ele achar melhor (E9).

Percebe-se que a questão da rigidez da legislação é percebida como o maior aspecto limitador para a gestão do emprego na autarquia, uma vez que impede os gestores de valorizar e reter as pessoas como gostariam.

Uma grande dificuldade que temos hoje é a retenção de talentos porque hoje sabemos que muitos funcionários que ingressam aqui através de concursos estão estudando para outros concursos, e no momento que ele tem uma outra oportunidade no mercado, a autarquia se sente engessada em reter este talento. Às vezes ele é um profissional potencial, mas como não temos como cobrir a oferta recebida, então nós perdemos o funcionário (E5).

Mesmo que os depoimentos dos gestores apontem para a falta de autonomia na gestão de pessoas, o que contradiz um dos princípios da administração gerencial, para Coelho (2004) existe a possibilidade de superar essas limitações por meio do estímulo do sentimento de orgulho no serviço público. Além disso, há a possibilidade de se investir no desenvolvimento de pessoas, o que poderia contribuir para a retenção de talentos.

A discricionariedade que o gestor tem está atribuída à própria lei. A lei define até onde há uma flexibilidade para o gestor ir ou não, e isso realmente dificulta. As pessoas quando ingressam aqui já ingressam sabendo até onde elas podem ir (E6).

Além do incentivo ao orgulho no cargo (Coelho, 2004), outra forma de superar as limitações da gestão de pessoas no setor público consiste em focalizar nas lacunas existentes na legislação com o objetivo de utilizar a competência dos servidores, direcionando-os para os resultados (Amaral, 2006). Verificou-se que a utilização dos espaços de manobra existentes na legislação é realizada na entidade.

Foi feita uma parceria com um instituto para contratar pessoas deficientes e eu acho que isso foi interessante, porque, por ser do setor público, a entidade tem a limitação do concurso público, então não tem como selecionar os candidatos. Como teve essa oportunidade de fazer a entrevista com essas pessoas, foi muito importante para ver que existem outras formas de ingressar funcionários aqui (E11).

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A gente tenta colocar isso na hora de fazer algum remanejamento. Procura-se o melhor profissional para ser remanejado. Se a pessoa chegou numa gerência, numa diretoria, é porque nós estudamos os recursos humanos que temos, e estudamos quem mais se destaca. Nossa alternativa é esta: dentro do nosso quadro de funcionários, descobrir o talento das pessoas (E7).

O depoimento do entrevistado 11 expõe a flexibilidade encontrada pela entidade em contratar funcionários de forma alternativa ao concurso público por meio de uma parceria para a contratação de pessoas com necessidades especiais. O depoimento do entrevistado 7 mostra que, por meio da mobilidade interna, a migração dos funcionários entre as funções e setores é realizada de acordo com a competência demonstrada pelos mesmos. Essas estratégias evidenciam como é possível cruzar as barreiras impostas pela rigidez das normas, com o objetivo de flexibilizar o modelo de gestão de pessoas em prol do alcance de resultados.

Por outro lado, tem-se a falta de autonomia do gestor para demitir um funcionário se ele não está de acordo com o perfil procurado, pois a demissão só ocorre mediante processo administrativo.

Por ser do setor público, para demitir tem que montar um processo administrativo, verificar o que aconteceu, se vai gerar alguma punição conforme o regulamento de funcionários, então é mais trabalhoso. Ao contrário da empresa privada, em que, se o gerente não gostou do trabalho, a pessoa é demitida (E4).

Dessa forma, os gestores devem manter um funcionário em sua equipe, mesmo se considerarem que o mesmo não está gerando resultados. Conforme o entrevistado 10: “Se eu acho que uma pessoa não é tão eficiente, o máximo que eu posso fazer é não promovê-la”.

Conclui-se, então, que os gestores se sentem limitados em três dimensões. A primeira delas se refere ao processo de seleção, já que não possuem autonomia em delinear o perfil profissional a ser selecionado. A segunda limitação se refere à retenção dos talentos. E, por último, há a questão dos processos de desligamento, que devem ocorrer mediante processos administrativos.

Gestão das relações humanas

Outro desafio relatado nos depoimentos refere-se à gestão das relações humanas. Estimular um clima de aceitação a mudanças e estimular as pessoas a enfrentarem novos desafios consiste em uma grande dificuldade para os gestores. Na opinião dos entrevistados, esse fato está relacionado à questão da estabilidade, que é uma barreira a essa postura de aceitar desafios, correr riscos.

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Em relação à gestão de pessoas, o maior desafio é a questão da zona de conforto, porque as pessoas não querem sair dessa zona de conforto. Motivar as pessoas a enfrentarem novos desafios, a correr riscos, e não falo de riscos financeiros não, é o risco de um projeto dar certo ou não. Só erra quem faz, e o funcionário público não quer errar e não quer fazer (E 10).

Extrair ou conseguir com que as pessoas deem o seu melhor mesmo trabalhando numa autarquia, mesmo tendo estabilidade (E3).

Os relatos revelam que os líderes têm a vontade de seguir uma estratégia de comprometimento, entretanto, esse desejo esbarra em mecanismos legais, como o Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) e a estabilidade. A própria rigidez da legislação estimula a inércia gerencial (Schikmann, 2010). Vale ressaltar que, sob o ponto de vista teórico, a implementação de um modelo de gestão por competências deve envolver uma mudança nas condutas dos indivíduos, o que não foi relatado nas entrevistas.

A gestão do desempenho e da compensação

A avaliação de desempenho foi um assunto constante em todas as entrevistas. Para a maior parte dos entrevistados, esse mecanismo representa uma forma de valorização das competências das pessoas, entretanto, as críticas se direcionam a seu funcionamento:

Tem a avaliação de desempenho, que eu acho que é um ganho, mas, do jeito que ela está hoje, tem algumas divergências, porque é complicado você colocar um valor, que o gerente que avalia o funcionário, então, dependendo da avaliação que ele faz, a pessoa vai ter aquela progressão ali, se ele não tiver assim, vai ser pelo tempo (E13).

O relato demonstra a impotência dos funcionários em relação aos gestores, no que tange à avaliação de desempenho. O gestor tem discricionariedade para promover funcionários, porém não existe um parâmetro objetivo para padronizar essa avaliação.

Ainda assim, o surgimento da avaliação de desempenho é visto como um ganho, por representar uma forma de valorização do diferencial do funcionário em meio à rigidez da legislação. A avaliação de desempenho está ligada aos preceitos da administração gerencial, que visa dotar o gestor de maior autonomia e valorizar o capital humano das organizações (Costa, 2008), assim como à ênfase no controle de resultados (Matias-Pereira, 2007).

A partir do momento que a pessoa investe no cargo, demonstrando um diferencial, mostra que o seu trabalho está tendo um retorno maior

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que a instituição esperava, com certeza será reconhecido na avaliação de desempenho e fará com que esta pessoa consiga um cargo de comissão, um cargo de confiança, dentro desse diferencial (E6).

A avaliação de desempenho na autarquia proporciona aos funcionários progressões na carreira. Foi considerado que o PCCS trouxe transparência em relação a valores, promoções, explicitando os valores das remunerações de todos os cargos, inclusive os comissionados. Entretanto, nas entrevistas foi possível perceber que, por outro lado, esse mecanismo limita a flexibilidade dos gestores e reduz a mobilidade dos funcionários dentro da entidade.

Eu acho que a nossa gestão é um pouco emperrada pela questão pública, porque na iniciativa privada você tem mais liberdade, então eu acho que a nossa fica um pouco a desejar por causa da burocracia do serviço público, porque, quando a gente tem um PCCS registrado no Ministério Público, engessa um pouco (E9).

Essa falta de liberdade foi relatada também no que tange à gestão da compensação. Percebeu-se, pelos relatos em 2013 e pela observação participante em 2016, que tanto líderes quanto funcionários têm se preocupado com a transformação do Regime Celetista para o Regime Jurídico Único. Essa mudança está tramitando judicialmente. Acredita-se que, caso ocorra essa mudança, muitos aspectos serão alterados na gestão de pessoas da autarquia, inclusive no que diz respeito à autonomia dos líderes.

De um lado, os funcionários esperam melhorias com essa mudança, principalmente relacionadas à aposentadoria. De outro lado, os líderes enxergam essa mudança como um retrocesso, principalmente devido à limitação na discricionariedade dos gestores e, consequentemente, a redução da autonomia dos mesmos. Para o entrevistado 10, essa mudança é prejudicial também para os funcionários, principalmente quando se trata de aumentos salariais.

Sendo uma autarquia federal, eu tenho muito mais liberdade, eu posso dar um aumento conforme o INPC (Índice Nacional de Preço ao Consumidor), e não tenho que dar satisfação para o Governo Federal porque o meu aumento aqui não afeta o Governo Federal ou os outros estados. Se eu tenho boa arrecadação e se eu economizo, posso repassar mais em forma de aumento para os funcionários, pelo fato de uma autarquia ser independente (E 10).

Observou-se que, no que tange às práticas de gestão de pessoas na autarquia, elas são permeadas por paradoxos. Ao mesmo tempo em que um mecanismo como o PCCS traz mais transparência, ele funciona como limitador. A avaliação

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de desempenho traz certa autonomia para o gestor, mas essa discricionariedade incomoda os funcionários. O mesmo acontece com a mudança para o RJU: vista como uma conquista pelos funcionários, no entanto representa mais limitação para os líderes. Assim, conclui-se que mesmo as evoluções trazidas pela administração gerencial se deparam com resistências típicas do setor público, o que será discutido nas Considerações finais.

Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi analisar a percepção de gestores e funcionários acerca da gestão de pessoas em uma autarquia federal. O referencial teórico foi tecido com o intuito de contemplar a trajetória histórica da gestão pública no Brasil, com destaque para as reformas. Além disso, apresentou-se um aporte teórico sobre a gestão estratégica de pessoas no setor público, a gestão por competências e alguns estudos sobre práticas relacionadas à gestão de pessoas nesse setor.

O método escolhido para coletar os dados foi o de entrevistas semiestruturadas e a construção de desenhos. Os funcionários tinham liberdade para expressar por meio dos desenhos como se sentem em relação à gestão de pessoas da autarquia. Foi feita observação participante de forma suplementar. Com a análise dos desenhos, percebeu-se que a gestão de pessoas no setor público é carregada por características peculiares que limitam os ensejos de mudança e a busca por uma administração gerencial.

Não foi encontrada na autarquia uma gestão que estimule o desenvolvimento de seu capital humano, concordando com Coelho (2004) ao afirmar que no setor público não se encontra ainda um ambiente que estimule o desenvolvimento. Os relatos dos entrevistados se restringem à ferramenta de levantamento das necessidades de treinamento, notando uma ausência de práticas voltadas para esse aspecto. Este estudo converge ainda com o trabalho de Moura e Souza (2016), ao identificar a ausência da gestão estratégica e seus motivos, relacionados à prevalência de um setor de RH reativo e operacional e características peculiares que fazem com que existam restrições e limitações para a implementação de práticas próprias da administração gerencial no setor público.

Com isso, o entendimento de gestão estratégica de pessoas tanto para líderes quanto para os funcionários entrevistados esteve limitado ao contexto da autarquia estudada. Pelos depoimentos não foi percebida uma visão sistêmica relacionada à gestão de pessoas no setor público ou a inserção da gestão estratégica de pessoas em um planejamento estratégico.

Pelos depoimentos foi possível observar que a atual estrutura normativa impede a existência de um modelo de gestão estratégica no setor público. Os motivos da

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dificuldade em implementar essa gestão se relacionam sobretudo à rigidez da legislação e ao apego a formas tradicionais de gestão, o que limita a autonomia dos líderes em gerir pessoas. A dificuldade em delinear um perfil dos candidatos aos concursos antepara o mapeamento das competências. O dilema consiste na necessidade prevista para o setor público em reestruturar e modernizar suas práticas relacionadas à administração de recursos humanos, visto que tanto funcionários quanto líderes ficam à mercê da legislação.

A atualização dos dados obtida com a observação participante possibilitou compreender que, apesar das modificações legais, a gestão de pessoas da autarquia estudada vem sendo conduzida da mesma forma. As mudanças identificadas não se demonstram significativas a ponto de tornar a gestão de pessoas estratégica, já que se trata de mudanças operacionais com o intuito de responder a demandas de órgãos fiscalizadores. Isso reforça a posição reativa do RH (Moura; Souza, 2016). Notou-se também que o debate sobre a transformação de Regime Celetista para Regime Jurídico Único ganhou força e, enquanto os funcionários têm a expectativa de melhorias, os líderes têm receio de perder ainda mais a autonomia com essas mudanças.

Como limitação da pesquisa, tem-se a dificuldade de generalização dos resultados, extrapolando o contexto da autarquia, de modo que estes não seriam suficientes para apontar uma tendência geral na administração pública. Assim, é indicado estudar as demais organizações desse setor, embora as particularidades da autarquia estudada corroborem a literatura sobre o tema que questiona a existências de um sistema meritocrático de gestão de pessoas no funcionalismo público.

A técnica de pesquisa pela construção de desenhos possibilitou ir além daquilo descrito pela literatura especializada sobre a gestão de pessoas no setor público. A partir dos desenhos, podem-se investigar empiricamente os dilemas cotidianos, as vontades individuais suprimidas quanto à carreira e ao desenvolvimento dos servidores públicos, o distanciamento da política e dos modelos de gestão de pessoas com as práticas da autarquia, entre outras limitações que não seriam detectadas da mesma forma por meio de entrevistas semiestruturadas. Portanto, uma proposta para futuros estudos seria a utilização dessa técnica em outras amostras, buscando compreender outros aspectos subjetivos que refletem as percepções de funcionários e gestores sobre a gestão estratégica de pessoas no setor público.

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Luana Jéssica Oliveira Carmo

Mestrado em andamento em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração do Centro de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG). Contato: [email protected]

Lilian Bambirra de Assis

Doutora em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).Atualmente é professora do Centro de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG). Contato: [email protected]

Mariana Geisel Martins

Mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração do Centro de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG). Contato: [email protected]

Cristina Camila Teles Saldanha

Mestrado em andamento em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (FJP/MG). Contato: [email protected]

Patrícia Albuquerque Gomes

Mestrado em andamento em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração do Centro de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG). Contato: [email protected]

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Governança das entidades de fiscalização superior no Brasil e no

MéxicoMonique Menezes

Universidade Federal do Piauí (UFPI)

O escopo deste artigo é analisar o controle externo do Poder Legislativo exercido pelas entidades de fiscalização superior (EFS) no Brasil e no México. O processo de redemocratização e as reformas das últimas décadas conferiram amplos poderes às instituições de controle externo, fortalecendo uma importante dimensão da qualidade da democracia: a accountability horizontal. Entretanto, é importante compreendermos se esse fortalecimento de fato se concretiza na atuação dessas instituições, bem como o grau de discricionariedade por elas exercido, para então respondermos à seguinte questão: qual o papel exercido pelas EFS no Brasil e no México? A hipótese deste trabalho é a de que a capacidade do controle externo depende de um certo grau de autonomia das EFS, em relação ao Parlamento. A abordagem metodológica é de cunho qualitativo, baseada em duas técnicas de pesquisa. A primeira técnica selecionada foi a análise comparativa-qualitativa (QCA), e a segunda, a análise documental. Os casos foram selecionados em função da importância econômica e política dos dois países na América Latina. A análise comparada indicou diferentes graus de autonomia entre as instituições de controle externo dos dois países. E, consequentemente, uma capacidade diferenciada entre as burocracias na implementação dos seus respectivos mandatos. Enquanto a instituição brasileira mostrou-se mais autônoma e mais efetiva na realização do controle externo, sua congênere mexicana apresentou resultados menos expressivos. Os achados deste trabalho sugerem um importante campo de pesquisa acerca da atuação das EFS na América Latina.

Palavras-chave: controle externo, fiscalização, governança

[Artigo recebido em 17 de novembro de 2016. Aprovado em 17 de abril de 2018.]

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Monique Menezes

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Gobernanza de las instituciones supremas de auditoria en Brasil y MéxicoEl alcance de este artículo es analizar el control externo del Poder Legislativo ejercido

por las instituciones supremas de audítoria (ISA) en Brasil y México. El proceso de redemocratización y las reformas de las últimas décadas han conferido amplios poderes a las instituciones de control externo, fortaleciendo una importante dimensión de la calidad de la democracia: la redención horizontal.de cuentas. Sin embargo, es importante comprender si ese fortalecimiento de hecho se concreta en la actuación de esas instituciones, así como el grado de discrecionalidad por ellas ejercido, para entonces responder a la siguiente cuestión: ¿cuál es el papel ejercido por las ISA en Brasil y en México? La hipótesis de este trabajo es que la capacidad del control externo depende de un cierto grado de autonomía de las EFS en relación al Parlamento. El enfoque metodológico es de carácter cualitativo, basado en dos técnicas de investigación. La primera técnica seleccionada fue el análisis comparativo-cualitativo (QCA), y el segundo el análisis documental. Los casos fueron seleccionados en función de la importancia económica y política de los dos países en América Latina. El análisis comparativo indicó diferentes grados de autonomía entre las instituciones de control externo de los dos países. Por consiguiente, una capacidad diferenciada entre las burocracias en la aplicación de sus respectivos mandatos. Mientras la institución brasileña se mostró más autónoma y más efectiva en la realización del control externo, su congénere mexicana presentó resultados menos expresivos. Los hallazgos de este trabajo sugieren un importante campo de investigación acerca de la actuación de las EFS en América Latina.

Palabras clave: control externo, fiscalización, gobernanza

Governance of Supreme Audit Institutions in Brazil and MexicoThe scope of this paper is to analyze the external control of the Legislative Power

exercised by the supreme audit institutions (SAI) in Brazil and Mexico. The democratization process and the reforms of recent decades conferred broad powers to external control institutions, strengthening an important dimension of democracy quality: the horizontal accountability. However, it is important to understand if this fact is realized strengthening the role of these institutions as well as the degree of discretion exercised by them, and then answer the following questions: what is the role played by SAI in Brazil and Mexico? The hypothesis of this study is that the capacity of the external control depends on a degree of autonomy of the SAI, in relation to Parliament. The methodological approach is qualitative, based on two research techniques. The first one selected was the comparative-qualitative analysis (QCA), and the second is document analysis. The cases were selected due to the importance of the two countries in Latin America. The comparative analysis indicated different degrees of autonomy from external control institutions of both countries. And, consequently, a different capacity between bureaucracies in the implementation of their respective mandates. While the Brazilian institution was more autonomous and more effective in performing the external control, Mexican counterpart showed less expressive results. The findings of this study suggest an important field of research about the SAI performance in Latin America.

Keywords: external control, inspection, governance

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Governança das entidades de fiscalização superior no Brasil e no México

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Introdução

Entre 1974 e 1990, o mundo passou pelo que Huntington (1991) denominou a terceira onda de democratização. Ao fim da década de 1990, observamos que a democracia representativa prevaleceu sobre outras formas alternativas de governo, na maior parte do mundo. Em uma pesquisa com 192 países realizada pela Freedom House (2005), 62% das nações foram classificadas como democracias. Como argumentado por Alonso, Keane e Merkel (2011, p. 2), essa junção entre representação e democracia foi conveniente para melhorar a legitimidade e a efetividade dos governos. Isso porque a democracia representativa consiste em um tipo de governo no qual os eleitores escolhem, entre no mínimo dois concorrentes, seus representantes, e são livres para alterarem suas preferências nas eleições seguintes, de acordo com os seus interesses. Esse processo implica em uma delegação de tarefas que os cidadãos realizam para os governos representativos, escolhidos por eleições regulares.

Como destacado por Fukuyama (2013), a Ciência Política dedicou uma ampla atenção para o desenho institucional mais amplo dos países, com análises focadas em temas como: accountability eleitoral, Estado de Direito, transição para o regime democrático etc. Por outro lado, há uma escassez de estudos sobre a burocracia dos países, em especial burocracias que acumulam bastante poder, como as entidades de fiscalização superior (EFS), que, em alguns Estados, são instituições fortes que influenciam bastante o jogo político.

Nesse contexto, o escopo deste artigo é analisar o controle externo do Poder Legislativo exercido pelas entidades de fiscalização superior no Brasil e no México. Mais especificamente, o estudo analisará a atuação e a autonomia das instituições de controle externo dos países selecionados à luz dos conceitos apresentados por Diamond e Morlino (2005) acerca da qualidade da democracia e por Fukuyama (2013) sobre governança governamental.

O processo de redemocratização e as reformas das últimas décadas conferiram amplos poderes às instituições de controle externo, fortalecendo uma importante dimensão da qualidade da democracia: a accountability horizontal. Entretanto, é importante compreendermos se esse fortalecimento de fato se concretiza na atuação dessas instituições, bem como o grau de discricionariedade por elas exercido, para então respondermos às seguintes questões: qual o papel exercido pelas EFS no Brasil e no México? Essas instituições de fato entregam os produtos designados pelos seus principais, o Parlamento? A hipótese deste trabalho é a de que a capacidade do controle externo depende de um certo grau de autonomia da EFS, em relação ao Parlamento.

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A justificativa para a seleção desses países se dá em função da importância social e econômica de ambos para a América Latina. Além disso, Brasil e México apresentam os dois principais modelos de controle externo: tribunal de contas e auditor geral, respectivamente. Essa distinção nos permite uma análise mais completa do controle externo. Acrescenta-se o fato de que a inclusão de outros países extrapolaria o escopo deste artigo, tendo em vista que se trata de um estudo qualitativo de N pequeno, que necessita de uma análise mais densa e profunda dos casos.

A primeira técnica escolhida foi a análise comparativa-qualitativa (QCA). Esse tipo de enfoque permite ao pesquisador realizar análises comparadas, estabelecendo relações entre os casos analisados e o modelo teórico utilizado. O segundo procedimento utilizado foi a análise documental, especificamente a de discurso. A análise de discurso tem como ponto central a busca do conhecimento de uma realidade por detrás do texto, por meio de um estudo crítico do documento. Os documentos analisados foram leis, relatórios e resoluções. Esses dados foram coletados nos sites oficiais das instituições de controle externo, no Parlamento e no Executivo de cada país. A combinação dessas duas técnicas de pesquisa possibilitou um estudo denso dos casos selecionados e, ao mesmo tempo, a sistematização e comparação das análises realizadas.

Este artigo está dividido em quatro seções, considerando esta introdução e a conclusão. Na próxima seção, apresento uma breve discussão sobre a governança e qualidade da democracia. Em seguida, realizo uma análise comparada da governança do controle externo nos países selecionados neste estudo.

Qualidade da democracia e governança

A consolidação do processo de democratização iniciado na década de 1980 modificou a atenção dos pesquisadores, que antes estavam preocupados em explicar o processo de transição democrática. Atualmente, a literatura tem se concentrado em explicar a variação existente entre as instituições democráticas de distintos países. Como argumentado por Hagopian (2005), enquanto algumas nações da América Latina, como Colômbia e Venezuela, têm apresentado uma certa erosão em seus regimes democráticos, com desrespeitos aos direitos civis e políticos, outros países mostram-se estáveis democracias. O que explicaria essas diferenças entre os países da região?

A qualidade da democracia em países como Costa Rica e Uruguai tem sido apontada como variável-chave dessa estabilidade. Em outras palavras, a qualidade das instituições que resultaram do processo de redemocratização do século passado afeta diretamente o grau da qualidade da democracia representativa atual nos diversos países.

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Na definição minimalista, o regime democrático representativo é composto por: a) sufrágio universal da população adulta; b) eleições sistemáticas, livres, competitivas e justas; c) mais de um partido competindo; e) fontes alternativas de eleições. Essa visão do regime democrático, inaugurada por Schumpeter (1961), tem como principal crítica o fato de se concentrar no processo eleitoral e conferir pouca ou nenhuma atenção ao que ocorre nas demais instituições democráticas, como o Judiciário, as instituições de controle externo, a polícia, entre outras. Dahl (1971) complementa o conceito, acrescentando a necessidade de assegurar a contestação pública e a participação efetiva dos cidadãos, de modo que esses possam participar da escolha dos representantes e que eles próprios também possam competir por cargos públicos. Além disso, o autor também inclui a obrigação da responsividade contínua dos governantes para com a sociedade.

Como argumentado por Moisés (2008), o processo de democratização garante, especialmente, a igualdade perante a lei e os direitos de participação e representação no regime democrático. Contudo, outros princípios relacionados à boa governança do regime – transparência, responsabilização e a universalização – são etapas complementares que se consolidam junto com o novo regime político. Em função disso, observa-se, na análise comparada entre os distintos países, que o avanço de cada uma dessas etapas progride de forma gradual. Daí que se coloca a questão da qualidade da democracia, no sentido de verificarmos como as diferentes dimensões do regime representativo se desenvolveram nos diferentes países (Moisés, 2008).

A definição sobre a qualidade da democracia apresentada por Diamond e Morlino (2005) tem sido a mais difundida pelos estudiosos do tema, para a operacionalização e medição do que seria uma boa democracia. Os autores iniciam o argumento considerando que uma democracia com qualidade seria aquela que provesse aos seus cidadãos um alto grau de liberdade, igualdade política e controle popular sobre as políticas públicas e com governantes que atuem de forma legítima, de acordo com a lei (Diamond; Morlino, p. 11). A partir dessa definição, os autores identificam oito dimensões, segundo as quais a qualidade da democracia pode variar. As cinco primeiras são caracterizadas como procedimentais, a saber: o primado da lei, a participação política, a competição política, a accountability horizontal e a vertical. O ponto central dessas dimensões consiste no fato de que, em uma democracia, as instâncias participativas devem ir além da disputa eleitoral, com a participação de uma sociedade civil ativa e mobilizada que participe das decisões públicas.

Outras duas dimensões apresentadas pelos autores referem-se ao conteúdo da democracia, são elas: primeiro, o respeito pelas liberdades civis e os direitos políticos; e, segundo, a progressiva igualdade política. Essas duas dimensões

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normativas assegurariam a legitimidade do regime, sob o qual foram constituídas as representações e os valores dos indivíduos em uma dada sociedade (Moisés, 2008). Por fim, temos a oitava dimensão, a responsividade dos governantes, na qual se verifica em que medida as políticas públicas atendem às demandas e às preferências dos cidadãos.

As entidades de fiscalização superior (EFS) são classificadas como uma ferramenta da accountability horizontal. A fiscalização e monitoramento da burocracia e dos políticos por outras agências de Estado consiste em um elemento fundamental para a qualidade da democracia e para a governança governamental, uma vez que a delegação de poderes é inevitável nesse regime (Kiewiet; McCubbins, 1991; Przeworski, 2003). O conceito de governança governamental utilizado neste artigo é o mesmo de Fukuyama (2013, p. 3), que consiste na capacidade do governo em elaborar e aplicar as leis, bem como prover os serviços públicos. No caso das EFS, seu principal produto consiste na capacidade de fiscalização da burocracia do Executivo.

Como apresentado por Pelizzo e Stapenshurst (2014), as EFS realizam auditorias financeiras, de conformidade (legal) e de performance. Muitas dessas instituições constituem-se órgãos auxiliares ao Poder Legislativo, ajudando no controle externo desse Poder sobre o Executivo. Em função disso, os autores argumentam que a relação entre as EFS e o Legislativo é, frequentemente, simbiótica. O Legislativo depende da instituição de controle externo para obter informações confiáveis, enquanto o órgão depende do Congresso para expor em um fórum democrático os resultados de suas auditorias, recomendações e sanções (Pelizzo; Stapenhurst, 2014, p. 49). Entretanto, existem situações em que essa proximidade não ocorre e que a fiscalização superior acontece de forma isolada dos parlamentares, o que, de um lado, aumenta a autonomia da instituição, mas, de outro, reduz sua legitimidade democrática, especialmente para a realização de sanções.

Nesse sentido, temos uma curva de U invertido, semelhante à apresentada por Fukuyama (2013, p. 11) quando analisamos a relação entre o Parlamento e as EFS. A Figura 1 apresenta essa relação de forma resumida. Quando temos um amplo controle do parlamento sobre as EFS, há pouco espaço para um trabalho discricionário da burocracia. Em situações em que o partido do Executivo também controla o Legislativo, a fiscalização pode ficar completamente comprometida. Por outro lado, podemos ter situações em que a EFS é completamente autônoma e, como argumentado por Fukuyama (2013), há uma fraca governança, uma vez que os procedimentos e as metas da burocracia saem do controle político, impedindo que o Parlamento estabeleça os principais serviços a serem entregues à sociedade pelas EFS.

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Figura 1 – Qualidade do controle externo x autonomia das EFS

Fonte: Adaptado de Fukuyama (2013).

Nesse caso, é importante termos um equilíbrio, com certo grau de autonomia que permita a implementação de ideias inovadoras e flexibilidade nas ações dos atores institucionais. Entretanto, é fundamental que a sociedade possua influência sobre a instituição através dos políticos eleitos, de modo a garantir que os interesses mais amplos sejam refletidos nos serviços da EFS.

Do ponto de vista da qualidade da governança e da democracia na América Latina, um dos principais desafios é a efetividade dos mecanismos de accountability horizontal. A percepção é a de que os políticos não estão devidamente sujeitos às agências de controle (Barreda, 2010). O resultado desse déficit seria uma disseminação de práticas corruptas e arbitrárias, sem a devida punição dos agentes públicos na região. É nesse sentido que a sessão seguinte se propõe a analisar as EFS brasileira e mexicana, com o objetivo de compreender a autonomia e a efetividade dessas instituições nesses dois países.

Análise comparada entre as EFS: Brasil e México

Como destacado por Pessanha (2009), as entidades de fiscalização superior assumiram historicamente dois desenhos institucionais, a saber: o de tribunal de contas e o de auditor geral. Em geral, os tribunais são constituídos por um colegiado com algum grau de autonomia em relação à administração pública e ao Legislativo. Já o modelo de auditor geral é caracterizado pela liderança monocrática do auditor geral e por uma maior subordinação ao Parlamento. Ressalta-se, ainda, que há países, como é o caso argentino, em que existe um conselho de contas. O modelo

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é praticamente o mesmo de auditor geral, entretanto, no topo da instituição, existe um colegiado de auditores.

A tradição institucional inicial da América Latina foi a de tribunal de contas, mas, ao longo do século 20, alguns países migraram para o modelo de auditor geral. O Brasil é uma das exceções da região, com o Tribunal de Contas da União (TCU), criado ainda no século 19. A instituição passou por algumas mudanças aolongo dos anos, expandindo significativamente sua atuação após a redemocratização ocorrida na década de 1980. Já no México temos a Auditoría Superior de la Federación(ASF), com o desenho institucional de auditor geral. A instituição é bem mais recente, foi criada em 2000 em substituição à Contaduría Mayor de Hacienda.

Nas próximas subseções, analisarei a atuação da ASF e do TCU, com o objetivo de compreender o funcionamento dessas instituições. O estudo será realizado a partir da análise das seguintes variáveis:

• Autonomia – nessa variável verificaremos o grau de autonomia da instituição para a realização do controle externo.

• Desempenho da instituição – essa variável será medida a partir da análise do mandato dos órgãos de controle externo.

Autonomia

Do ponto de vista conceitual mais amplo, a autonomia está relacionada ao grau de liberdade que o principal (os políticos eleitos) confere ao agent (burocracia) para a execução de suas ações (Fukuyama, 2013). A instituição pode apresentar um amplo escopo de deliberação para execução de suas atividades ou um mandato bastante restrito e detalhado.

No que se refere às instituições de controle externo na América Latina, temos variadas formas de desenhos institucionais e diferentes graus de autonomia (Melo, 2008). Como citado por Melo (2008, p. 15), “a diferença é, portanto, de nível de envolvimento do Poder Legislativo, menor no caso do modelo de Tribunal de Contas”. Contudo, há casos extremos em que o órgão de controle possui autonomia constitucional que garante ampla autonomia em relação aos três Poderes, como ocorre no Chile (Santiso, 2007, p. 331).

O debate em torno do grau de autonomia do controle externo em relação aos representantes eleitos, especificamente ao Poder Legislativo, é objeto de discussão na literatura especializada (Melo, 2009; Menezes 2010; Ackerman, 2011; Perez, 2011, entre outros). Apesar da necessidade de algum grau de autonomia técnica, esses órgãos precisam prestar contas ao Legislativo. A literatura especializada tem observado que a autonomia varia bastante (Menezes, 2015a), de acordo com as

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regras do desenho institucional. A independência total do controle externo não é desejável (Pelizzo; Stapenhurst, 2014), uma vez que, em regimes democráticos, todos os órgãos devem responder aos políticos eleitos, a partir de eleições limpas e justas. Sutherland (1993, p. 24), citado por Przeworsky (1999, p. 334), argumenta que “independente sempre significa ser financiado pelo público, mas accountable apenas para ela mesma”. O ponto dos autores é que a independência total das instituições pode resultar em agências totalmente sem controle dos políticos eleitos e dos cidadãos. O que pode resultar em conluios entre os agentes do Estado e em um déficit democrático.

Contudo, um trabalho com autonomia para selecionar auditorias e aplicar sanções é importante para a credibilidade do controle externo e, consequentemente, sua efetividade. Considerando esse contexto, a autonomia é analisada neste artigo a partir das seguintes características institucionais propostas por Blume e Voigt (2007):

a. Acesso à informação: o controle externo deve ter acesso aos documentos de todos os órgãos sujeitos à fiscalização.

b. Mandato dos líderes: quanto maior o tempo de mandato dos líderes, maior a sua independência.

c. Seleção dos líderes: os procedimentos de escolha dos líderes devem seguir normas claras e objetivas.

d. Estabilidade do mandato: o mandato e a remoção dos líderes da instituição de fiscalização superior devem ser garantidos constitucionalmente, possibilitando a estabilidade institucional.

e. Salários: quanto maior a remuneração dos líderes e dos demais auditores, melhor será a atração de bons quadros para a instituição de controle.

f. Orçamento: quanto maior orçamento, maior a possibilidade de treinamento, aplicação de bons métodos de auditoria e capacitação técnica. Nesse caso, é importante verificar a existência ou não de contingenciamento (Blume; Voigt, 2007, p. 9).

Acesso à informação

A análise comparada dos países selecionados a partir das características descritas acima mostra algumas convergências. Tanto no Brasil quanto no México, foi possível observar na legislação o livre acesso às informações, por parte do controle externo.

No caso do Brasil, a Lei de Acesso à Informação – LAI nº 12.527 – foi sancionada em 2011. O principal objetivo da legislação foi aumentar a transparência das instituições públicas e entidades sem fins lucrativos que de alguma forma

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beneficiam-se de recursos públicos. A Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 70, parágrafo único, já determinava a prestação de contas de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada que utilize recursos públicos da União ao Congresso Nacional, por meio do controle externo exercido pelo TCU, conforme apresentado abaixo.

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) (Brasil, 1988).

Contudo, a LAI reforçou a atuação do TCU, na medida em que garante o livre acesso às informações aos cidadãos e também aos órgãos de controle, estabelecendo crime de responsabilidade ao servidor que se recusar a fornecer as informações. E o TCU tem se utilizado da LAI para solicitar informações, como foi o caso da auditoria operacional realizada pela Corte de Contas sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O banco negou o fornecimento de informações sobre empréstimos realizados a alguns grupos financeiros, até que o Superior Tribunal Federal (STF) determinou a liberação dos dados, com base na LAI (Brasil, 2015).

No México, temos a Ley de Fiscalización y Rendición de Cuentas de la Federación, de 2009, que garante o acesso aos dados dos órgão públicos pela ASF, conforme apresentado a seguir:

Art.15 X. (...) La Auditoría Superior de la Federación tendrá acceso a la información que las disposiciones legales consideren como de carácter reservado, confidencial o que deba mantenerse en secreto, cuando esté relacionada directamente con la captación, recaudación, administración, manejo, custodia, ejercicio, aplicación de los ingresos y egresos federales y la deuda pública, estando obligada a mantener la misma reserva o secrecía, hasta en tanto no se derive de su revisión el fincamiento de responsabilidades (México, 2009).

O país conta também com uma lei de acesso à informação mais geral, semelhante à Lei nº 12.527/2011 do Brasil. A Ley Federal de Transparencia e Acesso

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a la Información Pública Gubernamental foi aprovada em 2002 e, de acordo com o seu art. 1º, teve como motivação principal garantir o acesso de todos os cidadãos aos dados dos órgãos federais. Em outras palavras, aumentar a transparência da gestão pública.

Assim, observamos que, nos dois países, as instituições de controle externo possuem mecanismos institucionais que possibilitam o acesso à informação, demonstrando a existência da primeira característica de autonomia utilizada neste artigo.

Mandato dos líderes

No que se refere ao mandato, Blume e Voigt (2007) argumentam que, quanto maior o período à frente do controle externo, maior será a autonomia dos seus líderes. E que a possibilidade de recondução reduz a autonomia da instituição de controle externo, na medida em que os líderes podem trabalhar apenas em função da recondução, em detrimento dos objetivos da agência. A Constituição brasileira garante aos ministros que compõem o TCU as mesmas prerrogativas dadas aos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), incluindo a vitaliciedade do mandato. Depois de nomeado ministro, só é possível a perda do cargo em caso de sentença judicial transitada e julgada.

No caso mexicano, o Auditor Superior de la Federación ocupa o cargo por um período de oito anos, podendo ser reconduzido mais uma vez ao cargo, o que limita seu mandato a 16 anos. O ideal seria um longo mandato como ocorre no Government Accountability Office (GAO) dos Estados Unidos, no qual o controlador é indicado para exercer sua função por um período de 15 anos, sem prorrogações, ou o instituto da vitaliciedade. Assim, evita-se o problema apontado por Blume e Voigt (2007).

Seleção dos líderes

O procedimento da escolha dos líderes é uma ferramenta institucional relevante, pois o processo de seleção deve ser transparente e idôneo. Quando a indicação recai em ex-membros do governo para ocupar cargos de auditores ou de ministros, o controle externo perde sua essência, já que eles serão nomeados para fiscalizar possíveis ações de um governo do qual fizeram parte. No Brasil, o colegiado de ministros é composto em sua maioria por ex-congressistas. O efeito da politização, no entanto, é minimizado ao longo dos anos com o estatuto da vitaliciedade (Menezes, 2015b). Nesse caso, temos uma composição de técnicos e ex-políticos que representam maiorias passadas do Congresso Nacional.

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Há requisitos a serem obedecidos na seleção dos ministros brasileiros, conforme o art. 79 da Constituição Federal. Entre eles estão: ser brasileiro, ter mais de 35 anos e menos de 75 anos, idoneidade moral e reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública, mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional.

Dos nove Ministros do TCU, três são escolhidos pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente entre auditores e membros do Ministério Público junto ao tribunal, indicados em lista tríplice pelo tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento. Os outros seis são nomeados livremente pelo Congresso Nacional.

A escolha do Auditor Geral no México acontece por meio de uma chamada pública realizada pela Comisión de Vigilancia de la Cámara de Diputados. Com a definição dos nomes dos candidatos, é realizada uma sabatina com os postulantes ao cargo, dos quais alguns são indicados para apreciação pelo Poder Legislativo. Para se inscreverem, os candidatos precisam seguir os mesmos requisitos que os membros do Tribunal Superior mexicano, a saber:

• Ser um cidadão mexicano por nascimento, no pleno exercício dos seus direitos civis e políticos.

• Ter pelo menos 35 anos de idade na data da designação.

• Gozar de boa reputação e não ter sido condenado por um crime punível com pena de mais de um ano de prisão. No entanto, em casos de crimes como roubo, fraude, falsificação ou abuso de confiança, o candidato será desqualificado para o cargo, independente do período da pena.

• Ter residido no país durante os dois anos anteriores à data da nomeação.

• Não ter sido secretário de Estado, procurador geral da República, senador, deputado federal, governador de qualquer estado ou chefe de governo da cidade do México durante o ano anterior ao dia de sua nomeação.

É interessante observarmos que os requisitos são semelhantes nos dois países. Destaca-se o último requisito da ASF, que consiste no fato de o candidato não ter ocupado um cargo político. Essa pré-condição tem por objetivo minimizar o efeito político sobre a seleção do auditor geral, mecanismo inexistente no Brasil.

Estabilidade do mandato

Blume e Voigt (2007) e Manjarreiz (2006) argumentam que, quanto maior a estabilidade dos líderes em seus cargos, maior será a autonomia da instituição de controle externo. Essa estabilidade deve ser garantida em lei. Os ministros da Corte de Contas brasileira possuem essa garantia, uma vez que o processo de nomeação e remoção estão garantidos na Constituição de 1988, art. 73.

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A Constituição brasileira, em seu art. 72, § 3º, garante aos ministros que compõem o Tribunal de Contas da União (TCU) as mesmas prerrogativas dadas aos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a saber:

• vitaliciedade, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;

• inamovibilidade;

• irredutibilidade de vencimentos.

Ao determinar que os Ministros do TCU possuem as mesmas garantias dos Ministros do STJ, a Constituição brasileira conferiu uma ampla estabilidade à instituição, impedindo, por exemplo, que o Legislativo troque os líderes da Corte de Contas devido a situações de curto prazo.

No México, a nomeação e a remoção do Controlador também constam no texto constitucional do país. Na Constituição mexicana, há um capítulo inteiro que aborda situações de julgamento político para destituição de cargos importantes, entre eles o Controlador Geral da ASF. Assim, o Controlador pode ser destituído do cargo se violar as normas dos servidores públicos constantes no Título Quarto da Constituição Mexicana. O julgamento político se dá pela Câmara dos Deputados, com votação mínima de 2/3 dos membros.

A análise documental realizada nesta pesquisa em fontes oficiais das instituições mexicanas, tais como a ASF, a Câmara de Deputados e no Executivo não localizou informações sobre auditores que tenham sido destituídos do cargo em função de um julgamento da Câmara dos Deputados. No entanto, quando comparado ao cenário brasileiro, podemos argumentar que a estabilidade do mandato dos ministros do TCU é maior do que do auditor geral da ASF, uma vez que no primeiro caso há mais dificuldades para destituição.

Remuneração

A remuneração dos líderes do corpo funcional é a quinta característica citada pela literatura para compor a variável de autonomia. O argumento refere-se, sobretudo, ao salário dos auditores e ministros das instituições de controle. Quanto maior esse valor, maiores são as chances de atrair bons quadros para a direção e o corpo técnico da instituição e maior a autonomia.

Uma análise comparada dos salários nos permite observar que os Ministros do TCU e o Auditor Geral da ASF recebem um valor acima de líderes de outras instituições de controle externo da América Latina, com uma média de $ 15 mil dólares por mês. Ao analisarmos os valores pagos no Chile, Costa Rica e Argentina, observamos que os vencimentos variam entre $10 e $12 mil dólares.

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Tabela 1 – Salário dos controladores/ministros (2015)

País Valor Médio $

Argentina 12,891.51

Brasil 15,098.27

Chile 11,962.38

Costa Rica 11,106.901

México 15.243.100Fonte: Elaboração própria (atualizado em junho de 20161).

Se consideramos as exigências formais do cargo de liderança de uma entidade de fiscalização superior, seja do ponto de vista da experiência exigida, seja da responsabilidade do cargo, os salários oferecidos não são tão atrativos quando comparados ao mercado privado. No entanto, para além da remuneração, um cargo de ministro ou auditor-geral possui também prestígio social e permite a conexão de redes sociais (Olivieri, 2007) que podem ser importantes, especialmente no caso de auditores que não possuem cargos vitalícios.

Orçamento da instituição

O orçamento da instituição de controle externo é um importante indicador para sua efetividade. A qualificação e o treinamento dos funcionários permitem à agência aplicar métodos modernos de auditoria e ampliar a amostra de auditorias.

Ao logo de sua reestruturação, a ASF vem ganhando cada vez mais espaço na transparência da gestão pública, pois, com o passar dos anos, tem melhorado seu corpo técnico e inovado com auditorias cada vez mais específicas. Contudo, esses avanços não são maiores devido à deficiência orçamentária. De um modo geral, a ASF recebe do Poder Executivo um orçamento inferior ao solicitado inicialmente, o que compromete o desempenho do órgão. Já no Brasil, em geral, o Poder Executivo costuma focar os cortes orçamentários em instituições subordinadas à Presidência da República, deixando os Poderes Legislativo e Judiciário livres das pressões orçamentárias (Queiroz, 2017).

O resultado dessa diferença entre as instituições pode ser observado na Tabela 2, que apresenta o orçamento anual da ASF e do TCU em milhões de dólares. O orçamento do TCU é cinco vezes superior ao da ASF, embora seja possível observar um aumento significativo do valor destinado à ASF nos últimos anos.1 Deve-se destacar que os valores são muito semelhantes, e que uma análise comparada mais densa sobre a

remuneração dos líderes das instituições requer um ajuste de paridade de poder de compra, não realizado por este artigo.

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Tabela 22 – Orçamento anual das instituições de fiscalização superior (em milhões de dólares) 3

AnoPaís

Brasil México

2007 469,018 -----

2008 503,668 -----

2009 562,821 66,129

2010 424,405 83,707

2011 430,415 96,86

2012 445,563 103,025

2013 484,024 108,962

2014 520,800 120,005

2015 564.072 99.159

2016 593.677 105.683Fonte: Elaboração própria.

A Tabela 3 apresenta um detalhamento da evolução do orçamento da Corte de Contas brasileira entre 2010 e 2014. É interessante destacar que o percentual do orçamento do TCU em relação ao orçamento total da União manteve-se estável entre os anos de 2010 e 2014. Contudo, observamos um aumento na dotação da instituição no ano de 2013, com uma elevação de 8,6% em relação ao período anterior.

Tabela 3 – Evolução do orçamento do TCU - Brasil (em milhões de reais)4

Ano% em relação ao

orçamento da União

Aumento do Orçamento

Execução orçamentária

2010 0,07 ---- 99,28

2011 0,06 1,5 99,43

2012 0,07 3,4 97,32

2013 0,07 8,6 99,04

2014 0,07 7,6 99,41Fonte: Elaboração própria.

2 A seleção para o período analisado refere-se à disponibilidade dos dados pela ASF em seus relatórios publicados em seu site.

3 Valores atualizados em junho de 2016.4 Não foram encontradas informações sobre a execução financeira anual da ASF.

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Destacamos, por fim, a execução orçamentária do TCU, que, entre os cinco anos analisados, em quatro ficou acima de 99%. Esse resultado significa que não há cortes ou restrições no orçamento previsto no início de cada ano, permitindo ao tribunal executar as atividades previstas para o período. No Brasil, a burocracia vinculada ao Poder Executivo sofre bastante com o contingenciamento orçamentário fixado pelo governo ao longo do ano; muitas instituições conseguem executar apenas metade do valor previsto inicialmente (Menezes, 2015a, p. 113).

Índice de autonomia do TCU e da ASF

Com base na análise documental realizada sobre a autonomia do TCU e da ASF, elaborou-se um índice de autonomia para comparação das duas instituições. O objetivo desse indicador é apresentar um resumo das dimensões que formam a variável de autonomia.

A análise foi realizada a partir da técnica qualitative comparative analysis – QCA. Esse procedimento de pesquisa analisa objetos em que as observações possuem natureza qualitativa e podem ser separadas em grupos com características distintivas e permitem associações sistemáticas por meio de testes lógicos (Ragin, 2009). Por ser qualitativa, a QCA permite a análise de fenômenos derivados de conceitos abstratos (Berg-Schlosser et al., 2009), como é o caso da autonomia e do desempenho das entidades de fiscalização superior.

Entre as técnicas de QCA, optamos por utilizar a análise Fuzzy-set (fs-QCA), a qual é recomendada para fenômenos com grande complexidade. Em resumo, a técnica permite a possibilidade de classificar casos em situações intermediárias, evidenciando que existem diferentes situações para a classificação de uma determinada variável. O teste baseia-se na localização dos casos, associando o elemento de um caso “x” a um número em um intervalo de 0 a 1. Por exemplo, em uma análise sobre grau de democratização, podemos encontrar países com escores próximo a 1, indicando elevado grau de democracia, enquanto outros com 0,5, indicando médio grau de democracia.

A Tabela 4 apresenta as condições para composição do índice de autonomia para as entidades de fiscalização superior. Cada uma das condições descritas na tabela foi confrontada com os resultados apresentados acima, para em seguida classificarmos o TCU e a ASF, quanto à sua autonomia. O valor do índice representa uma medida de reprodução da autonomia da instituição de accountability horizontal.

O índice é aditivo e varia de 0 a 1, sendo que 1 representa o máximo de autonomia possível e 0 indica que a instituição não possui qualquer grau de autonomia. A variável “salário” foi excluída para a compilação do índice, tendo em vista que não

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foi realizada uma análise da paridade de poder de compra para uma comparação entre os países.

Tabela 4 – Condições para composição do índice de autonomia das EFS

Condições Descrição Valores Observações1 INFORMAÇÃO

Sem acesso à informação 0,00

Se a EFS não tiver acesso às informações, o total computado

será 0,00.Acesso parcial à

informação 0,10 Quando o acesso à informação for parcial, será computado 0,05.

Acesso total à informação 0,20

Quando há total acesso à informação, o total computado

será 0,20.Subtotal 0,20 Total da variável

2 MANDATO

Mandato curto com recondução 0,00

Quando o mandato for curto, até 4 anos, e permitir recondução, o

total atribuído será 0,00.

Mandato médio com recondução 0,05

Quando o mandato for de médio prazo, até 10 anos, e possibilitar recondução, o total computado

será de 0,05.

Mandato sem recondução 0,10

Quando o mandato estipular um prazo, mas sem recondução, o total computado será de 0,10.

Mandato vitalício 0,20 Quando o mandato for vitalício, o total computado será 0,20.

Subtotal 0,20 Total da variável3 SELEÇÃO DOS LÍDERES

Seleção totalmente política 0,00

Quando não houver nenhum critério de seleção, o total

computado será 0,00.

Seleção dos líderes – parcialmente

técnica0,10

Quando as indicações forem parcialmente técnica com alguns

critérios para seleção, o total computado será de 0,05.

Seleção dos líderes – indicação técnica 0,20

Quando as indicações forem totalmente técnicas, com

concurso público ou chamamento público, o total computado será

de 0,20.Subtotal 0,20 Total da variável

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4 ESTABILIDADE DO MANDATO

Sem estabilidade 0,00

Quando os líderes não possuírem qualquer tipo de estabilidade no mandato, o total computado será

0,00.

Estabilidade do mandato –

julgamento político0,10

Quando houver estabilidade, mas o julgamento para a perda do

cargo for político e não judiciário, computa-se 0,10. Quando

não houver estabilidade, será computado 0,00.

Estabilidade do mandato - julgamento

judiciário

0,20

Quando houver estabilidade do mandato, o total computado

será de 0,20. Quando não houver estabilidade, será computado

0,00.Subtotal 0,20 Total da variável

5 ORÇAMENTO

Orçamento – com contingenciamento 0,00

Quando o orçamento sofrer algum tipo de

contingencialmente, será computado 0,05.

Orçamento – sem contingenciamento 0,20

Quando não há contingenciamento, o total computado será de 0,20.

Subtotal 0,20 Total da variávelAutonomia Total 1,00

Fonte: Elaboração própria.

Os resultados da análise comparada para os dois países são apresentados na Tabela 5. Os dados mostram que o TCU apresenta um alto grau de autonomia, com escore de 0,90, enquanto a ASF alcançou uma autonomia intermediária com 0,75.

Analisando detalhadamente as variáveis que compõem o índice de autonomia, observamos que tanto o TCU quanto a ASF possuem amplo acesso às informações das instituições auditadas e, em função disso, ambas obtiveram escore máximo. A segunda variável, referente ao mandato dos líderes, refere-se ao tempo em que o auditor ou os ministros permanecem no cargo para o exercício do mandato. O TCU obteve o valor máximo, tendo em vista que seus ministros são beneficiados pelo instituto da vitaliciedade, ou seja, continuam no cargo até a idade máxima para aposentadoria, enquanto no México o mandato é de oito anos, sendo ainda permitida uma recondução. Como mencionado, a literatura aponta que um mandato com a possibilidade de recondução pode limitar a atuação do ente fiscalizador, tendo em vista o desejo de continuidade no cargo de liderança da instituição (Blume; Voigt, 2007). Desse modo, o escore atribuído à ASF foi de 0,05.

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Tabela 5 – Índice de autonomia – ASF e TCU

País Acesso à informação

Mandato dos líderes

Seleção dos líderes

Estabilidade do mandato Orçamento Índice

Brasil - TCU 0,20 0,20 0,10 0,20 0,20 0,9-

México - ASF 0,20 0,05 0,20 0,10 0,20 0,75

Fonte: Elaboração própria.

No que se refere ao processo de seleção dos líderes, o TCU obteve a pontuação mínima, já que dois terços dos ministros são escolhidos pelo Congresso Nacional. E, em geral, essa escolha é realizada entre os próprios parlamentares (Menezes, 2015b). Já no México, o processo de seleção do auditor geral é realizado através de uma chamada pública. E o atual auditor geral apresenta ampla competência técnica para ocupar o cargo; em função disso, optamos por atribuir a pontuação máxima para ASF nessa variável.

Para a estabilidade do mandato, observamos que a legislação brasileira garante aos ministros a inamovibilidade, ou seja, a perda do cargo ocorrerá somente em caso de sentença julgada e transitada no Judiciário, caso o líder cometa alguma infração penal ou improbidade administrativa. Por outro lado, no México, o auditor poderá ser destituído do cargo em caso de violação de normas dos servidores públicos, e o julgamento é político, sendo realizado pela Câmara dos Deputados. Considerou-se que esse fator reduz a autonomia da instituição, uma vez que o julgamento político é mais subjetivo, quando comparado ao judicial.

Por fim, a variável de orçamento mostra que o TCU não possui problemas de contingenciamento financeiro. Ao contrário, a instituição tem apresentado um aumento anual do seu orçamento e consegue executar mais de 99% do valor previsto no início de cada ano. No caso da ASF, Austudillo (2009) argumenta que falta à ASF autonomia orçamentária, entretanto, não foram localizadas informações referentes ao contingenciamento de recursos da instituição.

Em 2016, reconhecendo os problemas de autonomia de gestão da ASF, o governo mexicano realizou uma reforma aumentando a autonomia da instituição. A Ley de Fiscalización y Rendición de Cuentas de la Federación, de julho de 2016, em seu art. 2, inciso III, determina:

Autonomía de gestión: la facultad de la Auditoría Superior de la Federación para decidir sobre su organización interna, estructura y funcionamiento, así como la administración de sus recursos humanos, materiales y financieros que utilice para la ejecución de sus atribuciones, en los términos contenidos

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en la Constitución y esta Ley (Ley de Fiscalización y Rendición de Cuentas de la Federación, julho de 2016)5.

Atuação

O desempenho das instituições de controle externo pode variar significativamente de acordo com o desenho da instituição superior de controle. Em função disso, esta subseção analisa o mandato dos órgãos de controle externo, utilizando esse conceito como uma proxy de atuação/desempenho. Um mandato mais amplo não significa necessariamente maior desempenho, ao contrário, a instituição pode possuir tantas atribuições que pode acabar se perdendo no seu principal objetivo (Melo, 2008). Nesse sentido, analisou-se o mandato e a sua capacidade de implementação dos objetivos institucionais.

Para uma análise da atuação das instituições de controle externo, utilizaram-se as seguintes características institucionais sugeridas por Blume e Voigt (2007):

a. Tipos de auditorias exercidas pela instituição de controle externo.

b. Mandatos realizadas ex ante ou ex post. A instituição que possui poder para realizar auditorias ex ante pode prevenir desperdícios de dinheiro público.

c. Poder de sanções. Quando a instituição de controle externo possui competência para impor sanções, sua atuação pode apresentar impactos diretos para o erário público, além de representar um caráter pedagógico, na medida em que a ameaça de ser punido pode prevenir o mau uso do dinheiro público (Blume; Voigt,2007, p. 8).

Tipos de auditoriasMelo (2008) aponta três tipos básicos de auditorias a serem executadas pelo

controle externo. Primeiro, a financeira, cuja principal meta é a avaliação da precisão das informações prestadas pelo órgão auditado. Segundo, a de conformidade, na qual a auditoria confere se as receitas e os gastos estão sendo autorizados de acordo com a norma legal. Esse tipo de auditoria procura controlar a legalidade dos atos administrativos, analisando sua conformidade com a legislação.

Terceiro, a auditoria de performance/desempenho verifica a eficácia e a eficiência dos programas e políticas governamentais. A auditoria de performance/desempenho tem como principais objetivos: avaliar o impacto de políticas públicas, a efetividade de programas governamentais, validar informações prestadas pela

5 Os impactos da mudança institucional de 2016 ainda não podem ser observados, tendo em vista que ainda se encontram em fase de implementação.

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organização auditada, avaliar a capacidade da organização para cumprir sua missão, entre outros. Nesse caso, o controle externo avalia se o cidadão recebe de fato os serviços de acordo com os seus interesses e demandas (World Bank, 2001; Blume; Voigit, 2007; Menezes, 2015a), verificando a responsividade da burocracia e dos políticos eleitos.

O estudo comparado entre os países mostra uma convergência no que se refere aos tipos de auditorias exercidas pelas instituições de controle no Brasil e no México. Em ambos, o mandato para fiscalização é bastante amplo, englobando os três tipos de auditorias destacados pela literatura.

No Brasil, o TCU conta com cinco instrumentos de fiscalização. São eles: levantamento, auditorias, inspeção, acompanhamento e monitoramento. Os levantamentos são utilizados pela Corte de Contas para conhecer a organização e o funcionamento dos órgãos da administração pública. É a partir desse instrumento que o TCU identifica as atividades que devem ser fiscalizadas. As auditorias procuram examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão, bem como o desempenho dos órgãos, dos programas, dos projetos e das atividades governamentais. Já as inspeções são utilizadas pelo tribunal para complementar o processo de auditoria; nesse tipo de fiscalização os técnicos esclarecem dúvidas e averiguam denúncias. O acompanhamento examina, ao longo de um dado período, a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão e o desempenho das instituições. Nesse caso, o TCU pode realizar visitas técnicas, participar de eventos promovidos pela instituição, obter informações através de publicações oficiais, solicitar documentos etc. Por fim, o monitoramento é usado pela Corte de Contas para verificar o cumprimento de suas deliberações e os respectivos resultados (Brasil, 2015).

O mandato da instituição de controle externo do México engloba três tipos de auditorias: conformidade, performance/desempenho e especiais. As auditorias de conformidade possuem como principal objetivo verificar a aplicação dos recursos públicos, de acordo com os programas aprovados pelo Legislativo e a norma legal. Esse modelo de fiscalização divide-se, ainda, em dois grandes modelos: auditorias financeiras – focadas na norma –; e auditorias de obras públicas – que avaliam o orçamento das obras públicas federais. A auditoria de desempenho fiscaliza os programas e políticas públicas. Já as de caráter especial buscam combinar aspectos do modelo de fiscalização de regularidade e de desempenho (México, 2012).

De acordo com Melo (2008), a auditoria de regularidade é mais comum entre os tribunais de contas, e constitui-se em fator determinante para a inefetividade dos mesmos. Isso porque a ênfase é exclusivamente legal, ou seja, na análise da execução de procedimentos. De acordo com Melo (2008), esse tipo de auditoria, extremamente legalista, é característica de um modelo muito burocratizado que

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não dá conta de verificar as irregularidades que são mais facilmente identificadas nas fiscalizações in loco, especialmente com a fiscalização de desempenho.

A Tabela 6 apresenta o número anual de auditorias realizadas pela ASF e pelo TCU durante os anos de 2007 e 2016. O período selecionado refere-se à disponibilidade de dados da ASF, tendo em vista que a instituição de controle externo mexicana não apresenta relatórios anuais anteriores a 2007. Como podemos observar, há uma tendência de aumento do número de auditorias realizadas pela ASF, enquanto o TCU tem reduzido esse montante. Os relatórios anuais de ambos os órgãos mostram que há uma preocupação no aperfeiçoamento das auditorias, com a implementação de boas práticas advindas de outras instituições congêneres. Essa é a principal justificativa do TCU para a redução do número total de auditorias. A ideia é a de realizar um número menor, mas ao mesmo tempo elaborar trabalhos mais profundos, especialmente no que se refere às auditorias de desempenho.

Tabela 6 – Número de auditorias por país (anual)6

Ano

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Brasil 665 566 624 724 931 1.353 916 680 575 628

México 962 * 945 1.031 1.103 1.163 1.403 1.659 1.643 5022

Fonte: Elaboração própria* Informação não localizada

No caso do México, foi possível separar, a partir das informações dos relatórios anuais, as auditorias de desempenho das demais, conforme apresentado no Gráfico 1. Como podemos observar, a ASF aumentou de forma significativa, entre os anos de 2007 e 2013, o número de auditorias de desempenho, apresentando um salto de 43 auditorias em 2007 para 526 em 2013. Dessa forma, podemos observar que a instituição de controle mexicana tem seguido as recomendações dos organismos internacionais, como a Organização Internacional de Instituições de Fiscalizadoras Superiores (Intosai7), de ampliar suas fiscalizações no âmbito do desempenho, em detrimento da análise da legalidade das ações. No entanto, em 2014 e 2015 observamos um declínio significativo, com apenas 149 auditorias de desempenho.

6 Os dados referem-se apenas às auditorias de fiscalização. Existem outros processos nas instituições de controle externo que não foram incluídos nesta pesquisa.

7 International Organization of Supreme Audit Institutions.

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Gráfico 1 – Número de auditorias de desempenho da ASF do México (anual)8

Fonte: Elaboração própria, a partir dos relatórios anuais da ASF.

O aumento significativo das auditorias de desempenho se dá a partir de 2011, segundo ano de mandato do atual controlador da ASF. Nossa pesquisa mostrou que, a partir de 2010, há um grande aumento de denúncias realizadas pela ASF. Além disso, em 2012 observamos uma elevação significativa das auditorias de desempenho (México, 2013). Como argumentado por O’Donnell (1998), existem indivíduos que apresentam bons exemplos à frente de instituições de accountability horizontal e podem fazer a diferença para o funcionamento dos órgãos. Embora seja difícil estabelecer relações causais, observamos que o mandato do atual controlador tem disseminado melhores práticas na ASF.

Tipos de controle ex ante e ex post

As instituições de controle externo podem atuar ex ante ou ex post. O primeiro modelo de controle é realizado antes da tomada de decisão do órgão fiscalizado. Weingast (2005), ao analisar a atuação ex ante de controle sobre a burocracia, afirma que nesse modelo há um detalhamento formal, no qual a ação de uma determinada instituição deve ser submetida previamente ao ente controlador. Instituições de controle externo que possuem poder para realizar controle ex ante podem prevenir desperdícios de recursos públicos, fiscalizando a burocracia antes da tomada de decisão. Existem casos, como no Chile e na Costa Rica, em que as instituições podem agir previamente ao ato dos gestores, autorizando ou não suas ações, de acordo com a interpretação legal do controle externo (Santiso, 2007;

8 O período analisado foi selecionado com base na disponibilidade dos dados. O ano de 2016 contém informações até 30 de junho.

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Melo, 2008). Nesse caso, a entidade de fiscalização superior funciona como um importante ator com o poder de veto no sistema político do país9.

Em oposição ao controle ex ante, os mecanismos de controle ex post são desenhados para que a EFS reaja após a tomada de decisão da instituição sujeita à fiscalização. Nesse caso, o controle é posterior à decisão. Esse tipo de controle é explícito, por exemplo, na legislação argentina, na qual o controle externo deve ser necessariamente ex post (Menezes, 2014).

No caso brasileiro, o controle externo, em geral, é ex post, embora não exista nenhuma menção específica na legislação. Há situações em que a Corte de Contas pode atuar como um ator de veto durante o processo de licitações e contratos, ao constatar irregularidades como superfaturamentos ou algum outro tipo de ilegalidade. Desse modo, a fiscalização ex ante não está excluída do mandato do TCU, embora seja possível afirmar que, na maioria dos casos, a atuação da Corte de Contas brasileira seja ex post.

No caso do México, a legislação não deixa dúvida no que se refere à possibilidade apenas do controle ex post. A legislação do país prevê que a ASF deve realizar suas fiscalizações somente no ano fiscal seguinte. Mesmo com a mudança na legislação, a Ley de Fiscalización y Rendición de Cuentas de la Federación, de julho de 2016, afirma, em seu art. 15, que:

La Auditoría Superior de la Federación podrá iniciar el proceso de fiscalización a partir del primer día hábil del ejercicio fiscal siguiente, sin perjuicio de que las observaciones o recomendaciones que, en su caso realice, deberán referirse a la información definitiva presentada en la Cuenta Pública. Una vez que le sea entregada la Cuenta Pública, podrá realizar las modificaciones al programa anual de las auditorías que se requieran y lo hará del conocimiento de la Comisión (México, 2016a).

O poder de sanção

Como destacado por O’Donnell (1998), a capacidade de imputar sanções constitui-se na característica primordial da accountability horizontal. Sem a possibilidade de ameaçar efetivamente a burocracia e os políticos eleitos com uma penalidade, a fiscalização perde seu efeito pedagógico.

No caso do México, a ASF não possui autonomia formal para impor sanções aos gestores que comentem ações ilegais. O controle externo da ASF pode

9 São considerados atores com poder de veto aqueles que precisam concordar com algum tipo de alteração no status quo, seja de uma política específica, seja de uma mudança mais ampla no país. Para uma discussão sobre atores com poder de veto ver Tsebelis (2009).

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realizar apenas recomendações, cabendo à Secretaría de la Función Pública punir administrativamente os gestores. As denúncias criminais devem ser encaminhadas ao Ministério Público, que analisa se deve ou não aceitá-las. Entre 1998 e 2012, foram realizadas 459 denúncias apresentadas pela ASF ao Ministério Público, e apenas 7 foram aceitas para iniciar um processo de penalização dos gestores públicos. Esse resultado representa apenas 1,5% das denúncias, um percentual bastante pequeno, demonstrando uma baixa efetividade do controle externo, comprometendo a credibilidade da ASF. Destaca-se que a mudança na Ley de Fiscalización y Rendición de Cuentas de la Federación, em 2016, não incluiu alterações no que se refere à falta de poder de sanção da ASF.

Ao contrário do que ocorre na ASF, o TCU possui poderes legais para punir diretamente os órgãos e/ou agentes sob jurisdição da instituição de controle externo. Entre os mecanismos institucionais da Corte de Contas para impor sanções, destacamos:

• multa proporcional ao valor do prejuízo causado aos cofres públicos;

• ressarcimento do prejuízo aos cofres públicos;

• decretar a indisponibilidade dos bens do responsável pela irregularidade;

• recomendar mudanças para o aperfeiçoamento da política ou o cumprimento da lei;

• determinar mudanças para o aperfeiçoamento da política ou o cumprimento da Lei;

• inabilitar o responsável ao exercício de cargo ou função de confiança no âmbito da administração pública (Constituição Federal de 1988 e Lei Orgânica do TCU nº 8.443/1992).

As determinações do TCU devem ser apreciadas pelo órgão fiscalizado em um prazo máximo de 90 dias, com riscos de o responsável citado no processo ser denunciado ao Ministério Público por improbidade administrativa. Entretanto, esse prazo de 90 dias não é fixo. Dependendo do processo, pode ser estendido ou reduzido, a decisão fica a cargo do ministro relator do caso. As partes interessadas também podem recorrer das decisões no próprio Tribunal ou no Judiciário.

Na fiscalização dos contratos, o TCU, ao verificar irregularidades, deve comunicar ao Congresso Nacional, a quem cabe sustação, quando são encontrados indícios de ilegalidade. No entanto, se os Poderes Legislativo e Executivo não se manifestarem em no máximo 90 dias, o Tribunal decidirá a respeito do contrato. Esse dispositivo confere grande poder ao tribunal para suspender obras suspeitas de irregularidades, o que ocorre frequentemente no Brasil. Infelizmente, esse tipo de ação do TCU muitas vezes é visto de forma negativa pela população, na medida em que o tribunal

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paralisa obras de infraestrutura que trariam benefícios para uma dada localidade. Apesar dessa visão controversa, é possível afirmar que a capacidade do TCU em fiscalizar as obras públicas e contratos tem sido relativamente eficaz.

No que se refere à análise das contas dos gestores, entre os anos de 2007 e 2014, mais de 10 mil gestores tiveram suas contas julgadas como irregulares. Já uma possível condenação no campo criminal depende do Poder Judiciário. Apesar disso, é possível observarmos nos órgãos públicos brasileiros certo temor dos gestores em relação ao TCU.

Índice de desempenho do TCU e da ASF

Semelhante ao que realizamos para a variável de autonomia, também desenvolvemos um índice de atuação/desempenho para analisarmos o TCU e a ASF. A análise também foi realizada a partir da técnica qualitative comparative analysis (QCA). Desse modo, elaboramos um indicador que resume as dimensões de desempenho selecionadas para este trabalho.

A Tabela 7 apresenta as condições para composição do índice de desempenho para as entidades de fiscalização superior. Cada uma das condições descritas na tabela será confrontada com os resultados apresentados na análise documental, para em seguida classificarmos o TCU e a ASF quanto ao seu desempenho. O valor do índice representa uma medida de reprodução do desempenho da instituição de accountability horizontal. O índice é aditivo e varia de 0 a 1, sendo que 1 representa o máximo de desempenho possível, e 0 indica que a instituição apresenta um desempenho bastante ruim.

Tabela 7 – Condições para composição do índice de desempenho das EFS

Condições Descrição Valores Observações

1 Realização das três modalidades de auditorias 0,30

A EFS que realizar as três modalidades básicas de auditorias computará 0,30 nesta dimensão.

Auditoria – financeira 0,10Auditoria – regularidade 0,10Auditoria – performance 0,10Subtotal 0,30

2 Possui mandato de controle ex ante e ex post 0,30 A EFS que possui mandato ex

ante e ex post pontuará 0,30.

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Possui mandato de controle ex ante de forma parcial

0,20Se apenas algumas funções da EFS forem ex ante, será computado 0,20.

Possui apenas mandato ex post 0,10

Se a EFS possui apenas mandato ex post, será computado 0,10.

Subtotal 0,30

3 Sanções efetivas 0,40 A EFS que apresentar sanções efetivas pontuará 0,40.

Sanções parcialmente efetivas 0,20

Sanções com baixa efetividade 0,05

Não possui capacidade de sanção 0,00

Desempenho Total 1,00

Fonte: Elaboração própria.

Os resultados da análise comparada podem ser observados na Tabela 8. Como podemos verificar, o TCU apresentou um resultado significativamente superior ao da ASF no que se refere ao seu desempenho. O TCU alcançou um escore superior com 0,70, enquanto o resultado da ASF ficou em apenas 0,45.

Ao analisarmos detalhadamente a composição do indicador, podemos verificar que tanto a ASF quanto o TCU obtiveram pontuação máxima na primeira dimensão que compõe o índice. Isso porque as duas instituições realizam os três tipos básicos de auditorias indicados pela literatura: financeira, conformidade e performance. Por outro lado, no escore do tipo de mandato, referente ao poder da instituição de controle externo realizar auditorias ou fiscalizações ex post e ex ante, a ASF computou apenas 0,10, tendo em vista que a instituição fiscaliza apenas ex post. Já o TCU possui algumas situações em que é possível fiscalizar a burocracia ex ante, além da existência do controle ex post. Desse modo, a Corte de Contas brasileira obteve uma pontuação intermediária de 0,20.

Tabela 8 – Índice de desempenho – ASF e TCU

Instituição Tipos de auditorias

Tipo de mandato

Efetividade das sanções Índice

Brasil – TCU 0,30 0,20 0,20 0,70

México – ASF 0,30 0,10 0,05 0,45Fonte: Elaboração própria.

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Last but not least, temos a dimensão de efetividade das sanções. Nesse caso, podemos observar que o TCU apresentou uma performance intermediária, enquanto a ASF foi classificada com uma baixa efetividade das sanções. Essa foi a principal distinção entre as instituições no índice de desempenho. Apesar de o TCU apresentar uma efetividade intermediária em suas sanções por falta de articulação com o Poder Judiciário, a instituição possui poder para impor algumas penalidades aos gestores públicos de forma autônoma. Além disso, o Ministério Público no Brasil trabalha de forma muito mais atuante no Controle Externo, quando comparado ao México.

No caso do TCU, seria interessante uma maior articulação com o Poder Judiciário, especialmente no que se refere ao trâmite das fiscalizações. Uma maior interação entre as instituições poderia resultar em um número maior de condenados criminalmente por corrupção.

O resumo dos dois indicadores pode ser representado na Figura 2. O TCU apresenta um elevado grau de autonomia. Contudo, é possível observarmos que há uma influência do parlamento na atuação da instituição, especialmente quando analisamos o processo de indicação dos ministros. No que se refere à capacidade de exercício do controle externo, o TCU encontra-se em um nível intermediário. Já a análise da ASF mostrou uma autonomia intermediária, mas com uma baixa capacidade de entrega do seu produto final, a saber: a efetividade da accountability horizontal.

Figura 2 – Autonomia x Capacidade

Fonte: Adaptado de Fukuyama (2013, p. 14).

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Considerações finais

A análise dos países selecionados neste estudo mostrou a importância do desenho institucional para o funcionamento do controle externo. O órgão do Brasil apresenta algumas limitações em seu papel fiscalizador, exibindo resultados parciais em sua missão, uma vez que consegue efetivar o controle no nível administrativo, mas os resultados de suas auditorias ou fiscalizações não resultam em sanções pelo Judiciário. No México, observamos que a efetividade ainda se encontra bastante tímida, pois a ASF depende de outras instituições para impor sanções, mesmo no nível administrativo. Desse modo, verificamos especialmente no México que a EFS não consegue de fato efetivar seu serviço mandato: a accountability horizontal sobre as instituições do Executivo.

Nesse sentido, a análise dos dois casos nos permite confirmar a hipótese de que, quanto maior a autonomia, maior será a capacidade da instituição em efetivar o controle externo. Mas essa autonomia não deve resultar em um descolamento total do Parlamento. Isso pode ser evidenciado pela diferença de autonomia e capacidade entre o TCU e a ASF. O argumento aqui proposto é o de que a menor autonomia da ASF acaba resultando em uma menor capacidade de atuação da instituição mexicana, quando comparada à congênere brasileira. Entretanto, por se tratar de uma análise de N-pequeno com apenas dois países, tal proposição precisa ser extrapolada para uma análise mais ampla, de modo que seja possível uma generalização da análise.

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Monique Menezes

Possui doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Piauí (UFPI), atuando nos Programas de Mestrado de Ciência Política e Gestão Pública e no Bacharelado de Ciência Política. Contato: [email protected]

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Papel do fiscal de contratos administrativos: uma análise sob

a ótica gerencial na administração pública brasileira

Vinicius Carvalho SantosUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

O modelo de gestão pública implementado pela reforma gerencial trouxe uma modificação na forma estática de administração de necessidades públicas em comparação a antigos modelos estruturais (patrimonialista e burocrático). Passou que a administração busque melhores formas de realizar uma mesma função, porém com vistas sempre ao aprimoramento organizacional. Dessa forma, a máquina pública deve buscar melhoramento nas formas de planejamento e controle a fim de que o contrato seja voltado à defesa dos interesses públicos, tendo como basilar que o principal objetivo do Estado é o atendimento dos serviços a ele demandados. Foi realizada uma pesquisa com vistas a mapear o papel do fiscal de contratos nesse novo Estado. A pesquisa tem caráter exploratório e bibliográfico. Por meio de análise documental, buscou-se destacar os problemas trazidos pelos antigos modelos estruturais e as formas pelas quais poderiam ser implementadas na função do fiscal de contratos, para que o mesmo aprimore o planejamento e o controle efetivado pelo Estado. Tendo na conclusão da pesquisa a constatação de que as atribuições do fiscal estão focadas na ótica do Estado Gerencial na prevenção de vícios e no papel de fornecedor de informações gerenciais para que o gestor tome decisões mais bem embasadas.

Palavras-chave: gestão de contratos – fiscalização, contrato público, reforma administrativa - Brasil

[Artigo recebido em 15 de janeiro de 2017. Aprovado em 22 de novembro de 2017.]

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Papel del fiscal de contratos administrativos: un analisis suboptimo gerencial en la administracion publica brasilera

El modelo de gestión pública implementada por la reforma de la gestión trajo un cambio en las necesidades de la Administración Pública forma estática en comparación con los modelos estructurales de edad (patrimoniales y burocráticos), al exigir que la Administración de buscar mejores maneras de lograr la misma función, pero siempre con el visto mejora de la organización. De este modo, la máquina debe buscar una mejora en los caminos de la planificación y control para garantizar que el contrato se guía a la defensa de los intereses públicos. Con la basilar que el principal objetivo del Estado está cumpliendo con los servicios que los son demandados. De este modo, mediante el análisis de documentos, que pone de relieve los problemas causados por los antiguos diseños estructurales y formas que podrían aplicarse en la función de los Fiscais del Contratos para que mejorar la planificación y el control efectuado por el Estado.

Palabras clave: gestión de contratos - fiscalización, contrato público, reforma administrativa - Brasil

Role of the public contracts overseer: analysis from a managerial viewpoint in the brazilian public administration

The Public Management model implemented by Managerial Reform has brought about a change Public Needs Management compared to old structural models (patrimonialist and bureaucratic) for requiring an administration to seek better ways to perform the same function, but always with a view to Organizational Improvement. In this way, in the context of public service provision in an indirect way, the Machine must seek improvement in the forms of planning and control so that the contract is based on the defense of public interests, having as basilar that the main objective of the State are services demanded to him. A survey was carried out to map the role of the Public Prosecutor in the New State. Thus, through documentary analysis, sought to highlight the problems brought by old models and forms that could be implemented in the function of the Fiscal of Contracts so that it improves the planning and control effected by the State in the process of acquisitions publics.

Keywords: contract management - inspection, public contract, administrative reform - Brazil

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Papel do fiscal de contratos administrativos: uma análise sob a ótica gerencial na administração pública brasileira

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Introdução

No último século, o Brasil passou por transformações gerenciais muito grandes em sua estrutura, pois, ao iniciar o século 20, o país apenas havia começado sua caminhada organizacional para a desconstrução dos modelos patrimonialistas trazidos pela monarquia, a qual havia sido extinta apenas 12 anos antes de 1901. Esse abandono se deu, entre outros motivos, devido a uma nova visão de sociedade, a qual – instigada pela pressão externa do resto do mundo – verificava que o governo se sustentava para atender às ânsias da população e, com isso, deveria ser algo de todos e não restrito a uma minoria.

Conforme o dicionário Priberam1(2016): República vem do latim respública, de significação “a coisa pública”, domínio do Estado. Em busca dessa representação de que os bens do Estado não poderiam mais estar nas mãos de particulares para seu bel-proveito, mas sim apenas para administração dos mesmos, fora realizada a Proclamação da República, em 1889.

Todavia, nos primeiros 50 anos, percebeu-se que esse favorecimento se mantinha, agora não mais nas mãos de uma família real, mas sim nas rédeas dos detentores de cargos políticos altos, os quais mantinham ainda políticas passadas do nepotismo e do empreguismo favorecido.

O Estado, para promover um desvio na estrutura histórica trazida pela Monarquia, adotou uma nova estrutura estatal, trazida por modelos já aplicados nos Estados Unidos e Europa, tendo como principais coadjuvantes Luís Simões e Maurício Nabuco. Tal modelo, denominado burocrático, priorizava um protecionismo da estrutura governamental frente ao patrimônio privado dos governantes, tendo como ônus o engessamento da máquina e uma preponderância dos procedimentos sobre os fins.

Em busca de uma melhoria nos procedimentos implementados por parte do modelo burocrático, foi promulgado o Decreto-lei nº 200/67, o qual dispõe formas de organização administrativado Estado, propondo nesse segundo momento uma visão não somente de protecionismo do patrimônio público, mas com um enfoque mais voltado para a economicidade administrativa.

Nessa linhagem desenvolvimentista, foi promulgado o Regime Geral de Licitações e Contratos, Decreto-lei nº 2.300/86, o qual previa, em seu art. 57 caput, o acompanhamento de fiscal específico para a execução do contrato, a fim de que o mesmo anotasse todas as ocorrências ocorridas na execução, bem como a previsão de que o mesmo determinasse a regularização de falhas e vícios constatados – decreto este que, no ano de 1993, foi transferido quase que em sua íntegra à Lei nº 8.666.

1 http://www.priberam.pt/dlpo/republica

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Assim, conforme demonstrado pelo momento histórico, se fazia necessário um agente para a verificação de compatibilidade de execução do objeto contratado, sem se ater a critérios mais complexos, como alteração contratual, mudança de finalidades no decorrer do contrato, e questões acessórias fora da execução, a exemplo de regularidades trabalhistas, sociais, entre outras.

Devido à pressão internacional e interna do país, frente à realidade do início da década de 90, tendências gerencialistas mais intensas inundaram as pesquisas administrativas estatais, desembocando na transformação da Secretaria da Administração Federal em Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), órgão da administração direta responsável pela elaboração de planos de reforma administrativa.

Concretizando as políticas traçadas nos primeiros anos de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no ano de 1998 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 19/98, a qual, principalmente, inseriu no rol de princípios constitucionais o da eficiência, que roga, segundo Meirelles (2002):

[...] o que se impõe a todo o agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento profissional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros (Meirelles, 2002, p. 102)

Diante da perene construção de todo esse desenvolvimento do Estado Gerencialista que o Brasil tem hoje, percebe-se uma demanda cres cente de que a máquina pública cuide cada vez mais e melhor das atividades fins demandadas e busque formas alternativas de execução de atividades meio, porém efetuando controle, gerenciamento e coordenação do contratado, a fim de que o interesse público esteja resguardado em todas as fases da contratação.

A figura do fiscal neste atual momento histórico é impar na construção de um Estado Gerencial, voltado ao princípio da eficiência, já que a administração pública, conforme mencionado anteriormente, tende a um aumento significativo de pactuação de novos contratos, a fim de atender suas necesidades suplementares.

Não obstante, mesmo figura precípua na construção de aquisições públicas e execuções de serviços de qualidade, o papel do fiscal de contratos não tem sido muito trabalhado nas pesquisas científicas, voltadas à área de licitações e contratos, nem tampouco a execução de fiscalizações de contratos tem sido desempenhada com êxito. Pelo contrário, conforme Almeida (2009), caracterizou: “... não são raros

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os casos em que boas licitações e bons contratos são perdidos em seus fins devido a deficiências na fiscalização ou até mesmo na ausência desta” (Almeida, 2009, p. 53).

Face ao exposto, esta pesquisa busca como objetivo principal analisar qual é o papel do fiscal de contratos, pautado sobre as premissas do novo Estado brasileiro, nos processos de aquisições.

Nesse diapasão, para que esta pesquisa alcance seu fim, é necessário identificar: quais deficiências impedem os mesmos de atingir resultados eficientes, quais vícios trazidos pelos antigos modelos estruturais impedem uma fiscalização contratual gerencial e quais demandas são exigíveis dos fiscais de contrato a fim de que os mesmos possam propiciar o maior proveito possível de suas competências no procedimento de contratações públicas.

Procedimentos metodológicos

Foi realizada uma pesquisa histórica dos diferentes tipos de estrutura organizacional da maquina pública brasileira, correlacionando as mesmas com as formas de execução – direta ou indireta – de serviços públicos, bem como o posicionamento social histórico das formas de controle, a fim de se identificar as visões históricas de cada momento sobre os controles administrativos.

Em seguida, foi realizado um levantamento conceitual dos principais procedimentos e atores estruturais da administração pública brasileira na sua parte de prestação de serviços de maneira indireta. Logo após, foi consultada uma série de artigos científicos, voltados à área de controle público, e licitações e contratos, e publicações jurisprudenciais de órgãos de controle externo e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Todos esses procedimentos, visando extrair os problemas que impedem que a Fiscalização Contratual seja exercida em sua plenitude, assim como o motivo ensejador da existência de tantos vícios nos contratos administrativos (na fase de planejamento e na executória) e qual é a correlação entre a existência dos mesmos e os modelos antigos de estrutura governamental.

Referencial Teórico/Doutrinário

Construção histórica dos modelos

O Brasil viveu durante séculos sob o controle da coroa real de Portugal, a qual adotava o regime de uma estrutura monarquica tradicional patrimonialista, em que era quase negligenciada a distinção entre patrimônio público e privado. Esse formato permitia a manutenção do poder em um único nicho social e de benefícios para um seleto grupo social.

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Em meados da década de 30, a fim de possibilitar o rompimento da configuração governamental trazida pela monarquia, o governo teve que rever o modelo implantado nos primeiros anos de Republica, e com isso deu lugar à administração burocrática clássica, a qual foi implantada nos principais países europeus no final do século 19; nos Estados Unidos, no começo do século 20; no Brasil, em 1936. É a burocracia que Weber descreveu, baseada no princípio do mérito profissional (Bresser-Pereira, 1996, p. 3).

Para Bresser-Pereira (1996, p. 4) “este modelo veio para promover uma clara distinção entre o público e o privado, bem como para promover a separação entre o político e o administrador público, com todo esse modelo, baseado na visão racional-legal”. Na primeira reforma do século em comento já se depreende uma necessidade precípua de implantação de medidas de controle a fim de coibir ações particulares voltadas a interesses próprios; com isso já se levanta a exigibilidade de Agentes Públicos responsáveis com o controle das verbas estatais, as quais viviam sendo regularmente usurpadas.

A partir de 1938, via-se um país em busca de um delineamento administrativo mais voltado ao pensamento gerencialista, já que no mesmo ano fora criada a primeira autarquia brasileira e com isso já nascia a ideia de que nem todos os serviços públicos necessitariam de ser realizados centralizadamente, tendo, nesse ato, o início da reflexão de que o Estado não necessariamente deveria realizar todas as ações executivas.

Em 1967, foi promulgado o Decreto-lei nº 200/67 o qual marcava o reconhecimento de que a administração direta não havia sido capaz de responder com agilidade, flexibilidade, presteza e criatividade às demandas e pressões de um Estado que se decidira desenvolvimentista. A esse entendimento está subjacente a ideia de que a executoriedade de serviços pela administração direta havia falhado ( Bertero, 1985 ). Nessa interpretação, reafirma-se a ideia de que a administração necessitaria descentralizar para responder aos anseios públicos.

Neste diapasão, Ferraz (1997) assevera que o Decreto em monta implementou a reforma administrativa com seus postulados de planejamento, coordenção, supervisão, delegação de competência e controle específicos. Em face disso, uma das maiores soluções trazidas pela legislação foi a do artigo 10, §7º, o qual preceitua que a administração deveria desobrigar-se de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta mediante contrato, devendo-se ater iminentemente ao controle e à supervisão da prestação do serviço – art. 10, §6º. Nesse texto legal nasce o instituto da terceirização, o qual, em certos pontos, auxiliou na redução da máquina estatal, no primeiro momento.

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Após uma crise estrutural pela qual o país passou nos anos de ditadura militar, em face à coincidência desse mesmo período com a falência do modelo burocrático, o qual começou a indicar que não atendia mais às demandas nacionais . Tudo isso eclodiu em um momento social inflacionária desfavorável. Em resposta, foi iniciada, no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), uma reestruturação na gestão pública, em prol de um reestabelecimento do modelo estrutural.

Conforme textualizado por Bresser-Pereira, em 2007, o principal mentor dessa reestruturação:

[...] era uma imposição histórica para o Brasil, como para todos os demais países que havia nos cinqüenta anos anteriores montado um Estado do Bem Estar. O grande crescimento que o aparelho do Estado se impusera para que pudesse garantir os direitos sociais, exigiam que o fornecimento dos respectivos serviços de educação, saúde, previdência e assistência social fosse realizado com eficiência. Esta eficiência tornava-se, inclusive, uma condição de legitimidade do próprio Estado e de seus governantes (Bresser-Pereira, 2007, p. 5).

Conforme citação do Ministro, essa mudança estrutural se baseava precipuamente em uma transformação de visão dos agentes públicos para a importância da forma pela qual o Estado estava sendo gerido, formalismo preponderante, e como deveria ser, segundo tendências organizacionais internacionais, primazia nos fins mas também com controle dos meios. Para o mesmo, essa mudança se baseava em frentes, a saber:

a. orientação da ação do Estado para o cidadão-usuário ou cidadão-cliente;

b. ênfase no controle dos resultados através dos contratos de gestão (ao invés de controle dos procedimentos);

c. fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia estatal, organizada em carreiras ou "corpos" de Estado, e valorização do seu trabalho técnico e político de participar, juntamente com os políticos e a sociedade, da formulação e gestão das políticas públicas;

d. separação entre as secretarias formuladoras de políticas públicas, de caráter centralizado, e as unidades descentralizadas, executoras dessas mesmas políticas;

e. distinção de dois tipos de unidades descentralizadas: as agências executivas, que realizam atividades exclusivas de Estado, por definição monopolista, e os serviços sociais e científicos de caráter competitivo, em que o poder de Estado não está envolvido;

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f. transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos competitivos;

g. adoção cumulativa, para controlar as unidades descentralizadas, dos mecanismos de controle social direto, do contrato de gestão em que os indicadores de desempenho sejam claramente definidos e os resultados medidos, e da formação de quase-mercados em que ocorre a competição administrada;

h. terceirização das atividades auxiliares ou de apoio, que passam a ser licitadas competitivamente no mercado

Para fins da análise aqui proposta, levanta-se como marcante para o início de uma nova forma de gerenciamento, não só contratual, mas também de gestão de aquisições do Estado, os itens “b” e ”h” , já que os mesmos realçam uma necessidade de reanalisar como estão sendo geridas as fiscalizações contratuais e como os contratos estão sendo montados, a fim de que possam atender realmente a demanda estatal.

Fiscalização Contratual – Uma breve introdução à compreensão de sua atuação: conceitos basilares.

Carvalho Filho (2002, p. 257) conceitua serviço público como sendo toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade. Em complemento, Meirelles (2001, p. 289) descreve serviço público como sendo todo aquele prestado pela administração ou por seus delegados, sob normas e controle estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado.

Consolida-se, das conceituações acima explanadas, que serviço público se define pela precipuidade do atendimento das necessidades da coletividade, sempre visando à conveniência e à oportunidade pública, o qual poderá ser prestado de forma direta, pela máquina estatal, ou por terceiros; estes sob normas públicas e controle da máquina estatal. Tal visão adveio do desenvolvimento estatal trazido pelo modelo que se denomina hoje como Gerencial. Esta forma de organização se baseia na premissa – quanto a serviços públicos – de que os mesmos nem sempre são prestados da maneira mais eficiente, diretamente pelo poder público, em razão do Estado não ter estrutura suficiente para realizar todas as funções que são demandadas.

Para Aragão (2007), parafaseando Egon Bockmann Moreira, não se atribui importância à titularidade do serviço público, mas sim à responsabilidade do Estado sobre a atividade, em virtude de sua obrigação de prestar o serviço público.

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Nessa linhagem retira-se a conceituação de terceirização para Silva (apud Ramos, 2001, p. 50):

“[...] a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade.”

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 37, XXI, que, exceto nos casos específicos em lei, os quais se baseiam em atividade-fim do Estado, os serviços deverão ser contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições entre todos os concorrentes. Assevera assim a Carta Magna que, sob o princípio norteador do interesse público, a finalidade pública, sejam contratados terceiros, para a execução de atividades-meio, não-finalísticas.

Contratos administrativos, segundo Di Pietro (2004, p. 240 ), são os ajustes que a administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo o regime jurídico de direito público. Registra-se, ainda, que esse acordo de vontades de que o poder público se utiliza para atingir seu objetivo organizacional detém normas específicas, e com isso se distingue na forma de elaboração e execução, já que prevalece o princípio da primazia do interesse público sobre o privado, possibilitando a flexibilização de princípios comuns de regime contratual privado como o exceptio non adimpleti contractus2 (exceção ao contrato não cumprido), pelo qual no direito público, mesmo com a ausência de pagamentos por parte da administração pública, por período não superior a 90 dias, o contratado não poderá suspender a prestação do serviço, sob pena de sanção aplicável ao mesmo.

Outrossim, mesmo a atividade-meio sendo prestada por fornecedores privados especializados, estes, por executarem serviço público, devem estar regulados e controlados por normas de direito público e conforme prevê o Regime Geral de Licitações e Contratos – regulamentado pela Lei nº 8.666/93 –; no art. 58, III, há a necessidade de fiscalização da execução do contrato, bem como apresenta-se no art. 67 da mesma lei a necessidade de indicação de um representante da administração especialmente designado para o acompanhamento e fiscalização da execução do contrato.

2 Trata-se de ferramenta, através da qual, um dos polos do contrato se escusa de adimplir sua obrigação enquanto o outro não executar a que lhe cabe.

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Almeida (2009, p. 54) pontua a definição de fiscalização do contrato de maneira simplória, como sendo a parcela de gestão contratual que focaliza a exigência do cumprimento contratual por parte da contratada. Todavia, essa visão se restrige à ação de fiscalização contratual de antigos modelos estruturais, os quais previam somente a necessidade da fiscalização sem vê-la como procedimento que deverá andar juntamente com o acompanhamento do contrato e dos elementos que o influenciam, já que essa última ação coloca o Poder Público em posição estratégica não só de frente ao contratado, mas também à frente de possíveis modificações no ambiente macro-econômico que englobam o respectivo contrato.

O fiscal contratual, conforme aponta Almeida (2009, p. 54), é visto nas relações de mercado como a mão forte do dirigente do órgao ou entidade e o mais importante agente da administração no que se refere ao contrato que supervisiona. Todavia, essa visão demostra-se limitada, não contemplando os recentes desenvolvimentos do princípio da eficiência pública, o qual é objeto de desenvolvimento contínuo desde 1998. Com isso o fiscal não pode ser visto somente como uma mão de “força” na execução contratual, mas também como mão estratégica do órgão, no apontamento de melhores soluções para problemas que surgem no decorrer da gestão contratual. Assim, esse braço estratégico deve colocar-se junto ao contratado para buscar melhores formas de solução, já que nem o fiscal nem a empresa responsável pela execução do contrato, via de regra, buscam um fim distinto de uma melhor execução contratual. A executante sabe muito bem que, além dos problemas de imagem que poderá ter junto ao mercado, com uma má atuação na execução, haverá problemas jurídicos, podendo até ser, em última instância, inabilitada para contratar junto ao Poder Público.

Contudo, mesmo com a previsão legal de punibilidade para a empresa contratada quando a mesma realiza práticas ilegais, conforme prevê Seção II da Lei nº 8.666/93, há a necessidade de estabelecimento de responsabilidades e competências para os agentes públicos responsáveis pela gestão dos recursos públicos nesses contratos, a fim de prevenir que a atuação dos mesmos vise a objetivos privados, sob pena de a máquina pública retroagir aos vícios de antigas construções patrimonialistas, nas quais a distinção entre o patrimônio público e o privado era quase imperceptível.

Segundo Meirelles (2002, p. 119), entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da administração para o desempenho específico de suas funções. Em complemento, Tácito (1987, p. 97 ) assevera: “não é competente quem quer, mas quem pode segundo norma de direito”. Conforme retira-se da citação acima, competência se baseia na limitação de atribuição de funções dentro do rol de agentes públicos possíveis de ação – esta limitação sempre estabelecida mediante lei. Tal instituto é necessário como meio de controle dos agentes públicos

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para que cada qual seja responsabilizado não somente de maneira inteiramente ligada aos atributos estabelecidos segundo a lei, mas, também, para ciência de suas atribuições quanto à boa prestação e desenvolvimento das mesmas, segundo os princípios da norteadores da administração pública, tendo em primazia os da eficiência administrativa e legalidade.

O fiscal de contrato é um servidor designado, geralmente por portaria, que fica vinculado à responsabilidade do acompanhamento da execução do contrato, a fim de que seja assegurada a prestação do serviço, de acordo com o contrato, o qual tem como finalidade uma necessidade que ensejou a contratação. Em razão da finalidade ser o principal atributo responsável pela existência (ou não) do contrato, a mesma deve ser tratada como uma das mais importantes partes integrantes do contrato e o responsável designado para essa fiscalização deverá ter noção da amplitude a qual abarca esta necessidade explanada no termo de referência e/ou projeto básico.

A atuação dos agentes públicos, sobretudo no que se refere aos fiscais de contrato, foi redesenhada e repensada a partir do Princípio da Eficiência, o qual prevê, segundo Di Pietro:

...o princípio apresenta-se sob dois aspectos, podendo tanto ser considerado em relação à forma de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atuações e atribuições, para lograr os melhores resultados, como também em relação ao modo racional de se organizar , estruturar, disciplinar a administração pública, e também com o intuito de alcance de resultados na prestação do serviço público... (Di Pietro, 2002 )

Conforme se retira dos aspectos acima explanados, a Emenda à Constituição nº 19/983, que alterou de maneira direta o funcionamento da administração pública, deverá ser tratada como tal. Em primeira análise, modifica a forma pela qual o agente público atua, não mais somente de maneira a atender à legalidade e aos procedimentos burocráticos tradicionais, mas, também, agora, atento ao atingimento de uma eficácia de maneira cada vez mais satisfatória. Em segunda ordem, além da alteração trazer modificações quanto à eficácia dos objetivos da administração pública, propõe uma visão mais racional da revisão dos procedimentos trazidos pela Teoria Burocrática de Weber.

3 Essa emenda marcou a administração pública por inserir no rol de princípios constitucionais o da eficiência na administração.

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Fiscal de contratos e seu redesenho funcional, segundo o novo Estado ao qual se arcabouça desde meados de 1998:

Na década de 90, o Estado, conforme visto anteriormente, buscou novas formas de reestruturação, a qual, em essência, ainda se apresentava como burocrática clássica e, com isso, não permitia que a máquina visse reestruturações de acordo com modelos internacionais já implementados na nova visão de Estado, segundo uma ótica Gerencial. Ainda assim, mesmo tendo um alto nível de burocracia justificada por si só, sofria com favoritismo em contratações públicas (conforme verificado nos Acórdãos do Tribunal de Contas da União 395/95, 489/95, 402/95, 576/93, 486/93, 474/93, dentre vários outros retirados do site4 daquele Órgão de Controle).

Em 1998 tiveram dois pilares que marcaram a construção do novo modelo:

• promulgação da eficiência como princípio constitucional, proposta esta que busca melhores formas de execução dos atos administrativos, com vistas à melhoria contínua das formas de prestação de serviços públicos;

• crescimento da participação da tecnologia da informação na gestão pública, progresso este que permitiu avanços significativos nos controles implementados pela administração.

Diante da crescente atuação de agentes públicos de controle mais voltados ao alcance da finalidade pública, sob o novo prisma gerencial, exige-se que os fiscais de contratos se ponham não somente sob a ótica de punibilidade do contratado, ou melhor, de carrasco do contrato, mas sim com um posicionamento de resguardo do interesse público e do equilíbrio econômico e financeiro do contrato, manutenindo a balança de direitos e obrigações pactuados.

Ao atuar como agente viabilizador do fiel da balança no contrato, o fiscal assegura que nem o contratado irá executar o objeto do contrato de forma leviana, no caso da administração valer-se da preponderância do interesse público sobre o privado de forma desmedida, nem os administradores da Máquina Estatal irão abrir mão de interesses públicos assegurados, visando a proveitos particulares.

Nessa linha, assevera o Tribunal de Contas da União (TCU) em Acórdão nº 963/20105, no item 8.8, sub item 27:

8.8. Do exposto, podemos ratificar que está ocorrendo desequilíbrio na equação econômico financeira pactuada, que se expressa pela equivalência entre os encargos da contratada e a retribuição da CAIXA, inicialmente fixados.

4 https://contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Jurisprudencia.faces5 Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão 963/2010. Relator: Benjamin Zymler. Publicado. Disponível em:

https://contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Jurisprudencia.faces.

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Ressaltamos que não é lícito à Administração Pública locupletar-se à custa do particular.

(...)27. Quanto à vedação ao reajuste prevista no contrato firmado com

a Tecnocoop, cabe ressaltar que a jurisprudência desta Corte de Contas é no sentido de que deverá assegurar-se ao interessado o direito a esse instrumento de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, ainda que não esteja previsto contratualmente, uma vez que a Lei n. 8.666/93 (arts. 5º, § 1º, e 40, XI) garante aos contratados a correção dos preços a fim de que lhes preservem o valor. (Grifo inserido)

No caso em comento, a Corte máxima de Contas da União se posicionou quanto à preponderância da manutenção do equilíbrio contratual sobre formalismos burocráticos, os quais, devido a vícios constantes desde a fase de elaboração da minuta do contrato, já eram verificados, e com isso o particular não poderia ser onerado de maneira a provocar um desequilíbrio na equação econômico financeira pactuada. Aqui nota-se a preocupação da administração sob o prisma de cuidado com a relação estabelecida anteriormente, mesmo que essa exija um maior desembolso financeiro ao erário.

Em mesmo raciocínio, o próprio TCU reafirma, em posicionamento mais recente, a visão exposta acima, ressaltando, desta vez, a necessidade de averiguação de possível responsabilização do agente que agiu de maneira inadequada. O Acórdão nº 3.289/20116, item 32, prevê:

32. Ressalto, também, que ausência de tempestiva formalização de alteração do modo de reajuste original não pode impedir o reconhecimento posterior da necessidade de que se houvesse procedido à referida modificação da fórmula de reajuste praticada, ainda que disso resulte o reconhecimento de grave infração a norma legal, imputável àquele ex-Prefeito’.(Grifo inserido)

Nesse último caso, demonstra-se o posicionamento daquela corte no sentido de que a relação contratual não pode ser descompensada em seu equilíbrio contratual de direitos, em razão de omissão – por dolo ou culpa – de agente responsável por promover a materialização do reconhecimento de necessidade de um possível equilíbrio, que o contrato exigiria. Nessa seara adentra a figura do fiscal de contratos, promovendo a segurança de que o gestor seja provocado tempestivamente para a realização de reajustes, repactuações e revisões e, quando cabível, que o agente preste informações tempestivas ao contratado, a fim de proteger a relação jurídica pactuada anteriormente.6 Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão 3.289/2011. Relator: José Jorge. Publicado. Disponível em: https://

contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Jurisprudencia.faces.

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Não obstante, o mesmo Tribunal que prevê uma manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato se resguarda com o posicionamento de que as concessões de direitos ao particular, quando infrinjam direitos da administração previstos anteriormente, deverão ser punidas a fim de resguardar os direitos da máquina, conforme demostra-se com o julgado que ensejou a edição do Acórdão nº 2.714/20157, registrado no Informativo de Licitações e Contratos do TCU em edição 265:

...o atraso na conclusão das obras expõe a população local aos riscos de novas enchentes e catástrofes naturais, como a que foi verificada em janeiro/2011... quando a Administração concorre para o descumprimento dos prazos acordados, a apuração de responsabilidades dos gestores é cabível, principalmente quando a dilação for consequência de negligência, imperícia ou imprudência dos gestores. De outra forma, nos atrasos advindos da incapacidade ou mora da contratada, o órgão contratante tem o dever de adotar as medidas cabíveis para aplicar as multas contratuais e demais penalidades previstas em lei. (Grifo incluído)

No caso acima, verifica-se a desídia por parte dos gestores e fiscais contratuais na condução do processo de execução, ao permitir continuidade na execução do objeto do contrato, sem advertências, mesmo tendo sido registrados atrasos, sob embasamento da falta de controle das inexecuções do cronograma físico-financeiro aprovado inicialmente. Nesse diapasão, o órgão de controle, de maneira ímpar, pontua que qualquer que for a desídia por parte do órgão gestor, houve uma responsabilização da gestão contratual em permitir que a administração se expusesse a riscos previstos, porém com repercussões incalculáveis, já que, caso a responsabilidade fosse imputada à empresa executante, esta deveria ter sido punida, com as sanções previstas em contrato, e caso fosse imputada à administração e seus administradores devido à imprudência, imperícia ou outras preocupações que os mesmos deveriam ter na qualidade de homem médio8, a responsabilização deveria ser apurada e, após a análise subjetiva, punida.

Verifica-se, nos julgados acima expostos, que a preocupação da Máquina Pública vem crescendo no sentido de que os administradores públicos, além da responsabilização pela prática de atos ilegais, ou ilegítimos, por dolo, também devem ser punidos por se omitirem em situações graves que possam causar prejuízo à finalidade do Estado.

7 Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2.714/2015. Relator: Benjamin Zymler. Publicado. Disponível em: https://contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Jurisprudencia.faces.

8 Homem Médio segundo a TC 17.825/2009-2 do Tribunal de Contas da União é pessoa que contém uma compreensão mediana, ou seja, alguém prudente e diligente.

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Papel do fiscal de contratos administrativos: uma análise sob a ótica gerencial na administração pública brasileira

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Nessa seara, reconhece a responsabilidade direta dos fiscais contratuais na necessidade de exposição de informações que produzam conhecimento, para que, conforme afirma Braga (1996, p. 16), a informação reduza o nível de incerteza no processo de tomada de decisão, por parte do órgão gestor. Nessa linha intelectiva, depreende-se dos acórdãos transcritos acima que a ocorrência dessas falhas por parte dos fiscais contratuais e em consequência dos gestores se deram devido a um não aproveitamento por parte dos mesmos de tecnologias da informação, com a finalidade de promover controles necessários à boa e otimizada gestão da execução contratual. A fim de implementar esses controles, é necessário um planejamento não somente da contratação, mas também da fiscalização, a qual será implementada caso a caso e, para isso, é necessária a construção de um ambiente organizacional estratégico, que, conforme expõem Valentim (2010, p. 14) se baseia em: “...elaboração de políticas, planos e planejamentos, à tomada de decisão estratégica e ao estabelecimento de estratégias de ação de médio e longo prazo”.

A fim de concluir a ideia trazida, assevera Amaral (2016, p. 7) quanto à condição básica para uma boa operacionalidade contratual:

Um bom contrato não é aquele em que uma das partes subjuga a outra à sua vontade. Também não é o em que as partes, felizes e risonhas, caminham em busca de um objetivo comum. Um bom contrato é o que não só bem celebrado, mas, sobretudo bem administrado conduz as partes a satisfazerem seus respectivos interesses, apesar de serem estes divergentes (Amaral, 2016, p. 7).

O trecho supratranscrito apresenta uma visão quanto à administração que facilitará muito a forma de gestão por parte dos órgãos públicos e dos fiscais contratuais, já que, se os mesmos compreenderem que a finalidade do Estado é atender as demandas da população e a finalidade das empresas privadas é gerar lucro, poderão equilibrar essas necessidades, sem entender que é ilegal ou ilegítimo que o privado tenha a prerrogativa do lucro, já que esta garante a contínua manutenção de um mercado sempre aberto à negociação com o poder público.

Caso a administração utilize de suas supremacias legais para agir de forma irrazoável na gestão contratual, poderá ocorrer em uma próxima contratação uma perda de credibilidade da administração para com o mercado, e em longo prazo poderá ocorrer um efeito em cadeia de reducionismo mercadológico que poderá segregar o campo de pesquisa de preços em futuros contratos.

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Fiscalização contratual competente e sua atuação tempestiva

Fiscal contratual e as competências profissionais exigíveis

Segundo Di Pietro (2003 )9 “a competência é um atributo ou um requisito de validade do sujeito”. Esse conceito advém de uma ótica jurídica, a qual busca a responsabilidade de um agente pela prática de um ato específico. Todavia, não menos nem mais importante é a visão administrativa trazida por Chiavenato (2003, p. 4), o qual entende que competências são “qualidades de quem é capaz de analisar uma situação, apresentar soluções e resolver assuntos ou problemas”. Em desenvolvimento da conceituação exposta, Carbone, Brandão e Leite (2005) propõem que competências humanas ou gerenciais são combinações sinérgicas de conhecimentos, habilidades e atitudes, expressas pelo desempenho profissional dentro de determinado contexto organizacional, que agregam valor a pessoas e organizações.

Trazendo a conceituação para o mundo da fiscalização contratual, o agente responsável pela mesma deverá ter conhecimentos aprofundados na área de licitações e contratos, bem como conhecimentos técnicos específicos na área que abarca o objeto da contratação em monta, sob pena de ficar à mercê da contratada e de possíveis responsabilizações futuras em procedimentos de prestação de contas, por má gestão contratual. Visando à segurança de que o fiscal terá, ao menos, os conhecimentos técnicos voltados à área do objeto, são designados geralmente para a fiscalização pessoas que façam parte do grupo ao qual será usuário dos serviços e produtos contratados. Todavia, conforme demonstra pesquisa realizada em duas instituições federais de ensino10, os usuários desconhecem a necessidade de treinamentos na área ou em temas relacionados a licitações e contratos, e muito menos possuem treinamentos constantes voltados ao tema11.

Além de conhecimentos, é exigível que o fiscal contratual tenha certas habilidades específicas. Para efeito desta pesquisa, toma-se como base o entendimento de Chiavenato (2003), de que habilidade é a capacidade de transformar conhecimento em ação e que resulta em um desempenho esperado. A fim de caracterizar o efetivo cumprimento de mais um requisito na construção do agente competente, deve-se 9 I Seminário de Direito Administrativo – TCMSP “Processo Administrativo”, ocorrido entre 29 de setembro e 3 de

outubro de 2003.10 Pesquisa apresentada no artigo: Análise de correspondência aplicada a preposições sobre a eficiência e eficácia

do processo de compras públicas a partir da percepção de diferentes atores envolvidos. Formado por Isaac Gezer Silva De Oliveira.

11 Além de pesquisa aponta-se também trecho do Relatório de Auditoria do TCU presente no processo: 026.387/2015-8: “Tais entrevistas corroboram o entendimento de que o IFMG não adota as práticas relativas à capacitação dos ocupantes de funções-chave da área de gestão das aquisições”.

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perceber que esta – a habilidade – tem uma correlação direta com o conhecimento, já que, conforme exposto acima, só há de se considerar um ser habilidoso segundo os conhecimentos adquiridos por ele e postos em prática. Assim sendo, como se verificou em pesquisa publicada, os conhecimentos específicos de licitações e contratos não são de domínio e, consequentemente, as práticas não estão em consonância com os recentes desenvolvimentos das práticas administrativas públicas, reverberando em maus resultados na gestão contratual.

Já a atitude, segundo Chiavenato (2003, p. 5), “representa o estilo pessoal de fazer as coisas acontecerem, a maneira de liderar, de motivar, de comunicar e de levar as coisas para a frente”. O fiscal de contratos, por ser a mão operacional do órgão no levantamento de informações e na tomada de decisões operacionais, deverá ter, além de posturas condizentes com um representante da administração, também a expertise12 necessária a um julgamento de mérito subjetivo, a qual poderá somente ser aprimorada na prática contínua de atos correlatos voltados à prática da fiscalização contratual. Esse requisito se parte em duas facetas: o foco postural e o de experiência passadas. Quanto ao primeiro, conforme concluiu Almeida (2009), “a atribuição de fiscal de contrato é, antes de tudo, uma questão de postura”, isso porque o agente deve estar pronto para tomar medidas necessárias – em todo tempo do contrato – para proteger o interesse público. Experiências passadas auxiliam no desenvolvimento da execução contratual pelo fato do fiscal já ter em mente uma matriz SWOT13 do ambiente que rodeia aquela execução contratual, em linhas gerais.

Planejamento da Contratação – um momento estratégico sob a ótica de construção do processo de aquisição pública

Planejar, segundo conceituação retirada do dicionário Priberam(2016)14, significa “definir antecipadamente um conjunto de ações ou intenções, ter algo como intenção”. Diante dessa ótica, verifica-se que a ação de planejar permite que seja delineado um foco ou objetivo ao qual se quer chegar, bem como uma previsão das ações que serão adotadas a fim de chegar ao objetivo estabelecido. Em complemento à definição acima trazida, apresenta-se um posicionamento da Corte de Contas da União:

O processo de planejamento da contratação destina-se a viabilizar a seleção da alternativa de contratação mais vantajosa para a Administração, em subordinação

12 Segundo o dicionário Priberam(2016): Expertise, se origina da palavra francesa èquecèrtizel que representa avaliação – por peritos.

13 Matriz SWOT se trata de uma ferramenta estrutural da administração, que possui como principal finalidade avaliar os ambientes internos e externos, formulando estratégias de negócios.

14 https://www.priberam.pt/dlpo/planejar

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aos princípios da motivação, da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, e às diretrizes de ampliação da competitividade e de garantia do atendimento do interesse público, da finalidade e da segurança da contratação (TCU, 2007)15.

No trecho supracitado, apresenta-se o planejamento na visão das contratações públicas e as finalidades às quais buscam alcançar na realização da ação de planejar antecipadamente – seja para contratação de serviço/obra e/ou para aquisição de produtos. Nesse diapasão, salienta-se que todo processo de contratação, conforme explanado anteriormente, deverá ter como finalidade o atendimento das necessidades públicas. Com isso, mesmo tendo todo o rol acima explanado de finalidades que se buscam alcançar no planejamento, a administração pública deverá ter em mente que o principal é o atendimento às necessidades da população, objetivo elementar de toda a contratação realizada pelo Poder Público.

Conforme retrata Mendes (2012, p. 25), “(...) o planejamento da contratação deve passar de coadjuvante a ator principal, e a licitação, de atriz principal a coadjuvante”(grifo do original). A fase de planejamento nas contratações deverá ser revista no processo de importância, já que a mesma é tida como uma das fases mais “desimportantes” sob a visão dos administradores públicos, em consoante explanou Amaral (2010):

Na prática, o planejamento de uma contratação (...) termina sendo ineficiente pela preocupação que se tem de fazê-lo rápido e ágil. Não se costuma ‘perder’ tempo com o planejamento. Com isso, causa-se prejuízo que uma licitação rápida e ágil não tem o dom de reparar. (grifo inserido) (Amaral, 2010)

Na listagem de princípios constitucionais, não esta previsto o princípio da precipuidade da aceleração processual em procedimentos de contratação da administração pública. Todavia, os gestores públicos, por motivos diversos subjetivos – falta de tempo, pelo não acinamento do início do processo de modo tempestivo, necessidade de crecimento institucional do nome do gestor dentro do órgão sob basilares de uma premeditada correlação entre rapidez e eficiência, entre outros motivos – busca-se uma aceleração de procedimentos, mesmo que esses custem uma perda na qualidade do planejamento inicial que será realizado. Isso acaba acarretando uma deformação na etapa inicial do procedimento aquisitivo.

15 http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/ticontrole/legislacao/repositorio_contratacao_ti/001.002.050.html

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A figura do fiscal de contratos, nessa seara, se apresenta de importância ímpar no processo de construção do planejamento da contratação, já que o mesmo tem contribuições executórias, as quais agentes que apenas efetivam a especificação de itens necessários a uma execução do objeto (Projetistas), em via de regra normal, não têm. Além da significância da presença do fiscal no processo, antes mesmo de ser pactuado o contrato, é importante sua contribuição técnica no planejamento. O fiscal, por ter ciência dos motivos ensejadores das especificações tratadas, buscará na execução não somente o cumprimento da mesma, mas também terá a preocupação de atender à finalidade específica que fez nascer a especificação em comento. Nesse sentido explana Barral (2016, p.12):

... a formalizaçao da designação do fiscal deveria ocorrer na fase de preparo do certame licitatório, de modo que a experiência angarida pelo Fiscal em contratações anteriores fosse aproveitada na nova contratação, através da melhoria da redação do contrato e do edital, na correção da estimativa do objeto, nas rotinas de execução...(Barral, 2016 )

A nomeação do agente (ou conjunto de agentes) que será responsável pela execução do contrato – antes da assinatura do instrumento contratual – auxilia, também, na minimização de erros trazidos por incompatibilidade entre o projeto básico e a planilha orçamentária levada à licitação, já que essa prática é comum em procedimentos de contratação, conforme artigo da Universidade Estadual de Londrina, em estudo apresentado por Nascimento e Tomaél (2012, p. 93):

... encontrou-se como a informação que motivou a maior parte de aditamentos para alteração de planilha de serviços foi o fato de existir itens não contemplados na planilha básica licitada; mas, constantes no projeto e necessários para a devida utilização da construção (Nascimento; Tomaél, 2012, p. 93).

Conforme apresenta o trecho do artigo, essas faltas de controles quanto a incompatibilidades, as quais seriam reduzidas em uma revisão realizada por parte do fiscal, acabam por trazer prejuízos à administração, não somente financeiros, mas também temporais, por – dependendo da alteração – demandar mais tempo na execução em comparação à previsão anteriormente mensurada.

Execução contratual – a foz contratual dos vicíos constantes no processo de contratação pública

A execução contratual é a fase na qual a maioria dos problemas, vícios e incongruências desembocam – independente da fase que os originou – já que é a fase objetivo de toda a contratação. Trata-se do momento em que, na prática,

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se constrói de maneira física o objeto contratual. Contribuindo para essa pratica equivocada – de construção de um processo vicioso pela importância maior dada aos procedimentos do que à finalidade da contratação – o fiscal de contratos é designado logo após assinado o contrato e, com isso, é responsabilizado por toda a eficiência executória de um procedimento já abarrotado de vícios em seu escopo básico, mesmo não tendo montado o processo de planejamento e licitação do contrato em comento.

Essa insegurança técnica, aliada à imagem negativa do fiscal de contratos na administração, devido a uma cultura histórica brasileira de favorecimento em contratações públicas e desvios realizados por agentes responsáveis, bem como devido ao alto grau de burocracia obrigacional exigida sem uma devida retribuição pecuniária, esvazia o rol de servidores que buscam capacitação para se colocarem à disposição para o exercício dessa tarefa tão importante para a manutenção de um Estado gerencial, longe dos efeitos do patrimonialismo.

Nessa linha intelectiva, Amaral (2010, p. 2) acrescenta a importância que deve ser dada a esta última fase contratual:

Na compra de bens de pronta entrega (contrato de execução imediata), a etapa de execução assume uma relevância menor. Mas na contratação de obras e serviços contínuos, bem como na compra de bens para entrega futura e fabricação de equipamentos sob encomenda, ou seja, nos contratos de duração e de execução diferida, não basta planejar, licitar e celebrar contratos com eficiência: é necessário administrar o contrato, também com eficiência, durante toda sua execução (Amaral, 2010 ).

Não obstante, há de se salientar que, por ser essa fase o momento mais ativo em que o fiscal será exigido, este também – por motivos diversos, como: falta de capacitação, escolha randômica para exercício desta função, dentre outros motivos – acaba por cometer erros que comprometem o Estado gerencial, o qual, em essência, busca uma máquina com capacidade de auto melhoramento contínuo e que se preocupe muito mais com a finalidade do que os modelos estatais anteriores se preocupavam. Os vícios trazidos por parte dos Fiscais contratuais em grande ordem se referem à falta de instrumentalidade com os artifícios contratuais corretos em alterações contratuais e sanções administrativas16, bem como uma falta de controle no acompanhamento de obrigações fiscais, trabalhistas e previdenciárias e nos prazos contratuais17.

16 Verifica-se tais falhas nos acórdãos do TCU: 1.827/2008, 3.289/2011, 963/2010, 6.101/2009, e 361/2007.17 Verifica-se tais falhas nos acórdãos do TCU: 964/2012, 2.373/2016, 2.353/2016, 1.674/2014, 1.808/2008 e em

REsp 1.241.862/RS – Segunda Turma do STJ.

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Visando a uma condução mais segura dos procedimentos nos processos de aquisição da administração pública, essas práticas podem ser amenizadas com ações simples, como a designação de responsável pela execução contratual antes de assinado o contrato (conforme prevê Acórdão nº 3.016/2015, do TCU18), ou até um ostensivo trabalho de construção de uma central de fiscalização contratual, onde constem especialistas em diversas áreas técnicas de atuação (Engenharias, Serviços Terceirizados de mão de obra não especializada, Serviços Terceirizados de mão de obra específica em segurança patrimonial, entre outras) e que esta esteja presente desde a fase de planejamento da contratação, já que, conforme demonstrado, a fase de execução se inicia no planejamento, pois quando planejo mal há fortes indícios que minha execução será deficiente ou, pelo menos, não será normal como seria qualquer outra na qual o planejamento houvesse sido considerado parte essencial.

Todavia, para que haja mudança na forma de operacionalidade da execução contratual e da gestão da contratação pública como um todo, há de se promover um redesenho nas importâncias dadas às fases de planejamento e execução, tendo em vista que o atual sucateamento de ambos os momentos – sob a ótica da exacerbada presença de vícios – se dá pela invalidação de suas grandes importâncias no projeto como um todo.

Considerações finais

A mudança para o Estado gerencial, a qual, para muitos estudiosos, se apresentou de forma clara com a emenda constitucional de 1998, não se constrói da noite para o dia. É um processo contínuo que ainda se encontra em constante solidificação, já que, conforme demonstrado, um dos grandes desafios para o fiscal de contratos é driblar a prática de formalismos preponderantes sobre as finalidades que o Estado busca alcançar na prestação de determinado serviço à população, de maneira direta ou indireta. Todavia, a preocupação com antigos modelos não se baseia apenas em excessos, mas, também, na ausência de controles de tecnologia da informação, a qual se faz presente nos dias atuais.

18 Trecho do Acórdão: “...recomendação ao (...) para que, relativamente às suas aquisições, implemente controles internos no sentido de que o fiscal do contrato de determinada solução armazene dados da execução contratual, de modo que a equipe de planejamento da contratação encarregada de elaborar os artefatos da próxima licitação da mesma solução ou de solução similar conte com informações de contratos anteriores (séries históricas de contratos de serviços contínuos), o que pode facilitar a definição das quantidades e dos requisitos da nova contratação, semelhantemente ao previsto no art. 67, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 (item 9.3.3, TC-019.615/2015-9, Acórdão nº 3.016/2015-Plenário).”

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A tecnologia da informação foi uma grande explosão informacional que cobriu os anos 90 e, logo após o início do século 21, propôs aos controles públicos formas de coibir desvios, como na formação de planilhas de preços de contratos que angariavam milhares de itens. Sem a alternativa da tecnologia, facilitava-se a possibilidade de efetivação de danos ao erário. Portanto, deve ser utilizada de forma contínua nas fiscalizações contratuais, visando a um controle não somente de valores, mas também da temporalidade do contrato e procedimental do mesmo.

Salienta-se, ainda, que mesmo com a utilização de controles corretos no momento da execução contratual, deve haver a preocupação de que nesse momento final o procedimento já foi todo construído e, com isso, o responsável pela fiscalização, além de herdar vícios passados, recebe um processo de aquisição do qual desconhece as minúcias. A fim de promover o saneamento desse vício, o fiscal contratual deverá ser nomeado tão logo evidenciada a necessidade de contratação, a fim de que participe na construção do planejamento para a contratação, coibindo assim qualquer alegação de cometimento de falhas por parte do fiscal por desconhecimento do processo, bem como o auxiliando no momento, quando necessário, de alteração contratual, devido a modificações quantitativas e qualitativas que se fazem necessárias no decorrer do contrato e na necessidade de manutenção do equilíbrio econômico e financeiro.

Esse modelo, além de trazer alterações significativas para a operacionalidade da função do fiscal contratual, trouxe uma mudança visionária no modo pelo qual se percebe a consecução dos fins, já que a proposta do antigo modelo originário de Weber trazia a ideia de que, para o alcance dos fins, fazia-se necessária a proteção exacerbada de procedimentos burocráticos, para que se tornassem mais difíceis os desvios. Todavia, esse formato, além de engessar a máquina pública, com mal resultado na gestão contratos e nos procedimentos, mantinha os favoritismos na administração. Com isso, percebeu-se que não era um modelo que acabaria com os mesmos, mas sim uma contínua busca por melhoramento dos controles e das escolhas individuais as quais se faziam.

Outro ponto também retirado desta pesquisa foi a influência que se tem na escolha equivocada no apontamento de agente responsável pela fiscalização, já que, por não se dar a importância devida a esse papel, é realizada na grande maioria das vezes uma escolha aleatória da pessoa que deve ficar responsável pela execução contratual e, com isso – por incapacidade técnica quanto ao objeto e/ou à fiscalização contratual em si ou por desinteresse – não se obtém o êxito angariado na contratação. Por fim, não se alcança a finalidade pública a ser atendida por aquele procedimento, ferindo de maneira direta o principio da eficiência. Visando solucionar essa problemática, o fiscal deve ser pessoa com especialidade voltada

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à área do objeto, buscar contínua capacitação, bem como a máquina estatal deve buscar formas de recompensar a responsabilidade dessa função.

Esta pesquisa, por se tratar de uma análise generalista quanto ao fiscal de contratos, não se prendeu a assuntos peculiares de cada tipo distinto de fiscalização contratual. Apenas ateve-se a questões gerais de relevância cotidiana nos contratos, não realizou uma análise subjetiva de motivos ensejadores de escolhas peculiares de gestores. Tratou de explicitar a existência de problemas e propor formas de solução. Por consequência, entende-se oportuno sugerir a realização de uma pesquisa voltada à análise da subjetividade das decisões dos gestores públicos responsáveis pelas contratações e as possíveis circunstâncias que influenciam na gestão contratual como um todo, com vistas a propor formas de melhoramento.

Por fim, o que se consolidou com esta pesquisa é que as atribuições do fiscal de contratos ultrapassaram as funções implementadas no formato inicial de fiscalização burocrático-clássico de acompanhamento de execução do objeto e abriu mão para um papel estratégico de prevenção de vícios e de subsidiador de informações tempestivas para a tomada de decisões, por parte do gestor nas contratações. Tal pesquisa também apresentou a importância da tempestividade da tomada de ação do fiscal de contratos dentro das fases do processo de contratação como um todo,assim como identifica o papel ímpar da capacitação e atualização contínua do fiscal em suas competências profissionais.

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Vinicius Carvalho Santos

É pós-graduando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é Coordenador de Projetos do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ (CCJE/UFRJ), Administrador da Sede e Fiscal de Contratos Administrativos da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis - UFRJ (FACC/UFRJ) e Gerente Operacional do CSPV/UFRJ. Contato: [email protected]