VIZEU, Alfredo - Decidindo o que é notícia - Os bastidores do telejornalismo

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    Decidindo o que notcia. Osbastidores do telejornalismo

    Alfredo VizeuUniversidade Federal de Pernanmbuco

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    AGRADECIMENTOS

    Uma pesquisa nunca um trabalho solitrio. Constitui-se devrios coraes e mentes, que de uma forma ou de outra contri-buem na sua construo.

    A J, Pedro e Joo, pelo simples fato de existirem;Aos meus pais Alfredo (em memria) e Miguelina, pelo dom

    da vida; minha orientadora e amiga Luiza Maria Cezar Carravetta,

    pela postura crtica ao longo do trabalho; Fapergs e Capes, pela bolsa de estudos, fundamental para

    a realizaao deste projeto.

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    ndice

    1 INTRODUO: A FORA DO TELEJORNALISMO 5

    2 INDSTRIAS CULTURAIS: TELEVISO 152.1 Um breve histrico . . . . . . . . . . . . . . . . 152.2 As indstrias culturais e a marca do autor . . . . 232.3 A hegemonia da televiso . . . . . . . . . . . . . 32

    3 INDSTRIAS CULTURAIS E JORNALISMO 393.1 A lgica do capital e o jornalismo . . . . . . . . 393.2 O mundo dos jornalistas . . . . . . . . . . . . . 523.3 A notcia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 623.4 O newsmaking . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

    4 AS ROTINAS DE TRABALHO DOS EDITORES DETEXTO: CONSTRUINDO A NOTCIA 874.1 Um olharsobre o telejornal . . . . . . . . . . . . 874.2 Preparando o telejornal . . . . . . . . . . . . . . 964.3 Em compasso de espera . . . . . . . . . . . . . . 1054.4 A linha da morte: o fechamento . . . . . . . . . 113

    5 (EM)CONCLUSO 121

    6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 133

    7 ANEXOS 1497.1 Glossrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

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    7.2 ABREVIATURAS DO ESPELHO . . . . . . . . 1527.3 ESPELHOS DOS TELEJORNAIS . . . . . . . . 152

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    Captulo 1

    INTRODUO: A FORADO TELEJORNALISMO

    Duas imagens transmitidas pelo Jornal Nacional, da Rede Globo,no final de maro, comeo de abril deste ano, emocionaram e re-

    voltaram o pas. Nas duas, um fato em comum: a violncia poli-cial. A primeira, que foi ao ar no dia 31 de maro, mostra policiaismilitares agredindo pessoas e matando um homem numa favelaem Diadema, na Grande So Paulo. A outra, apresentada umasemana depois, tambm mostra policiais militares espancando eextorquindo moradores numa favela da Cidade de Deus, no Riode Janeiro.

    A partir da exibio das reportagens aconteceu uma srie deprotestos e anncios de medidas por parte dos governos dos Esta-dos e Federal para combater a violncia policial. A pergunta que

    fica : esse procedimento dos militares uma novidade? No. Nodia-adia das grandes cidades brasileiras a violncia daqueles quetm por obrigao garantir a segurana da populao no algonovo. Ento, o que mudou? que o que se comentava no trabalho,nas ruas e nos bares foi estampado, no horrio nobre, no principaljornal da televiso brasileira.

    parte a barbrie do ato, que deve ser repudiado, interessa-nos aqui chamar ateno para um fato que passou praticamente

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    despercebido na poca: a fora da televiso e, em particular, dotelejornalismo. Uma enquete realizada pelo jornal O Estado deSo Paulo revela que o paulistano no desgruda o olho da TV(Leal, 1996, p.4). Mais surpreendentes so os dados de uma pes-quisa realizada pelo Jornal do Brasil. A principal opo do mo-rador do Rio de Janeiro na hora de relaxar no a praia, mas ateleviso (Branco, 1996).

    Para a maioria das pessoas, os telejornais so a primeira in-formao que elas recebem do mundo que as cerca: como est apoltica econmica do governo, o desempenho do Congresso Na-cional, a vida dos artistas, o cotidiano do homem comum, entreoutras coisas. Calcula-se que apenas os telejornais da noite (TVRecord, TV Bandeirantes, TV Globo, SBT e CNT) atinjam a audi-ncia acumulada de 50 milhes de pessoas (NA GUERRA, 1995).

    Uma enquete realizada pela revista Imprensa, na Grande SoPaulo, em maio do ano passado, mostra que 89,4% dos entrevista-dos assistem telejornais. Os noticirios da Globo detm a maioria

    da audincia com 84,2%, depois temos o SBT com 50,2% e aBandeirantes com 16% (Bresser, 1996, p.25-28).

    Como podemos ver, os telejornais tm um espao significa-tivo na vida das pessoas. Os noticirios televisivos ocupam umpapel relevante na imagem que elas constrem da realidade. Acre-ditamos que buscar entender como eles so construdos, contribuipara o aperfeioamento democrtico da sociedade.

    Este livro teve como objetivo estudar os caminhos do processode definio do que notcia. Para tanto, investigou-se: Como asrotinas de produo influenciam os editores de texto (jornalis-

    tas) no momento de decidir se uma notcia deve ou no entrarem um telejornal e, conseqentemente, definir o que as pessoasvo assistir? O objeto de nossa pesquisa a redao do telejor-nal RJTV1, jornal local da Rede Globo de Televiso, no Rio deJaneiro.

    A escolha de um telejornal local est relacionado com umadimenso mais ampla que a (re)valorizao do regional nummundo globalizado. Em sua estada no Brasil, o megaempresrio

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    da comunicao Rupert Murdoch, ao ser perguntado por um re-prter sobre qual a recomendao que daria para um jornal tersucesso, foi taxativo na resposta: o que segura o jornal so as no-tcias locais. isso que toca a vida das pessoas (Rodrigues, 1995,p.5).

    Uma revitalizao do local o que aponta Nestor Canclini emConsumidores e Cidados (Canclini, 1995, p.146):

    Simultaneamente desterritorializao das artes,h fortes movimentos de reterritorializao, represen-tados por movimentos sociais que afirmam o local etambm por processos de comunicao de massa: r-dios e televises regionais, criao de micromercadosde msica e bens folclricos, a desmassificao e amestiagem dos consumos engendrando diferenas eformas locais de enraizamento.

    Mattelart tambm defende uma reterritorializao que se d

    na interao do internacional, local, regional e nacional. Essas es-calas de realidade devem existir numa correlao de foras queprivilegie as negociaes e as mediaes. Ele lembra que essa re-lao no tem sido a norma na histria das teorias sobre comuni-cao internacional (Mattelart, 1994, p.289).

    Outro motivo da escolha do jornal local da Rede Globo do Rio que toda a produo da emissora a configurao bsica paraas demais associadas e filiadas em todo o pas. A implantao dasredes regionais de televiso faz parte de uma estrutura mercadol-gica da Globo de ampliao de mercado (Ortiz, 1995). Os contra-

    tos de relao entre a Rede Globo e as emissoras locais prevemdesde a cobertura geogrfica at a programao a ser produzida(Cruz, 1996, p.171-172).

    dentro desse contexto que se d o trabalho dos editores.Como lembra bem Robert Darnton, em o Beijo de Lamourette(1995, p.9697):

    Socilogos, cientistas polticos e especialistas emcomunicao tm produzido uma vasta literatura so-

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    bre os efeitos dos interesses econmicos e tendnciaspolticas no jornalismo. No entanto, parece-me queeles no tm conseguido entender a maneira comotrabalham os reprteres. O contexto do trabalho mo-dela o contedo da notcia, e as matrias tambm ad-quirem forma sob influncia de tcnicas herdadas decontar histrias (o grifo nosso.

    A afirmao de Darnton tambm vale para editores de texto.Entendemos que as rotinas produtivas contribuem para os jorna-listas irem moldando no espelho do jornal e nas ilhas de edioos contornos do que notcia. Apesar da funo estratgica que aedio ocupa no telejornal e da importncia do tema, a pesquisasobre o assunto, sem desconhecer a contribuio de alguns auto-res, ainda pequena diante da importncia que a questo est aexigir.

    na edio do telejornal que o mundo recontextualizado.Mais adiante, ao tratarmos do newsmaking (a produo da not-cia), que procura descrever como as exigncias organizativas e aorganizao do trabalho e dos processos produtivos influenciamna construo da notcia, abordaremos o problema de uma formamais detalhada. No entanto, entendemos que uma breve explica-o sobre o mesmo faz-se necessria. Vejamos um exemplo pr-tico para procurar deixar mais clara a questo: um incndio numedifcio numa rua bastante movimentada.

    O incndio registrado pela equipe de reportagem. O repr-ter levanta todos os dados sobre o ocorrido: causas do fogo, se hvtimas, como se encontra o trnsito na rea, etc. Enquanto isso,

    o reprter cinematogrfico filma cenas do lugar onde se deu o in-cndio. Concludo o trabalho da reportagem, o material produzido levado para a emissora de televiso para ser editado. Ou seja, retirado do espao e do tempo onde se deu.

    Quando essa reportagem chega na redao, o que faz o edi-tor de texto? Vai mont-la. Ou seja, recontextualiz-la para serexibida no telejornal, que por sua vez ir colocar aquele incndioantes de um acidente de trnsito e depois do assalto a um banco,

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    por exemplo. A notcia que vai ao ar tem bem pouco a ver com ocontexto em que se deu. Esse processo chamamos de recontextu-alizao.

    Durante mais de 15 anos de atividade profissional como jorna-lista nas redaes de televiso de Porto Alegre, de So Paulo e doRio de Janeiro, alm de realizar, sempre acompanhamos de pertoo trabalho de edio de matrias. Sem dvida, um dos principaismotivos que incentivou-nos a realizar este estudo.

    Poderamos alinhar uma srie de rotinas de trabalho que fo-ram evidenciando como deveramos proceder para decidir se algoentra ou no num telejornal. o que os jornalistas chamam deaprender na prtica. Em outras palavras, o senso comum das re-daes. Tambm no poderia ser excludo o faro jornalstico queno nada mais nada menos do que o instinto que os profissionaisacreditam ter para pinar no cotidiano aqueles fatos que devem serpublicizados pelos media. Esse mais um motivo que nos levoua desenvolver esta anlise: contribuir para a reflexo da atividade

    jornalstica.Atribuir todo um processo extremamente complexo, como a

    produo da notcia, ao senso comum da redao, sempre pareceu-nos uma reduo simplista. Entendemos que os media, em parti-cular a televiso, no caso especfico o telejornalismo, tm umaparticipao importante na construo da realidade que nos cerca.A divulgao cotidiana de notcias ajuda a construir imagens cul-turais que edificam todas as sociedades (Motta, 1997, p.319).

    O trabalho dos editores, suas rotinas de produo, est por me-recer um olhar mais atento do mundo acadmico, da pesquisa em

    comunicao no Brasil. Apesar de a temtica do massivo (meiosde comunicao de massa e cultura de massa) predominar nos es-tudos sobre comunicao, poucos so os estudos em que podemosidentificar uma preocupao sobre os efeitos das rotinas de traba-lho sobre os produtores nas indstrias culturais (Lopes, 1994, p.67-72).

    Um levantamento realizado por Marques de Melo sobre asfontes para o estudo da comunicao tambm mostra que no so

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    muitos os estudos sobre telejornalismo, particularmente, as roti-nas de produo e a sua influncia sobre a deciso do que deve irao ar num telejornal (Marques de Melo, 1995, p.97-129).

    No livro Um Perfil da TV Brasileira, Srgio Mattos (1990)informa que o primeiro autor no Brasil a tratar dos conceitos etcnicas da elaborao e apresentao das notcias em televisofoi Walter Sampaio, em Jornalismo Audiovisual, publicado em1971.

    Mattos mostra ainda (1990, p.35-62) que a maioria do mate-rial bibliogrfico produzido no Brasil sobre televiso apresenta,basicamente, anlises e descries sobre como este veculo se de-senvolveu, influenciou ou foi utilizado pelas classes dominantes.

    Evidenciando o mesmo problema, Sebastio Squirra ressaltaque a produo bibliogrfica sobre o telejornalismo ainda pe-quena e seus estudos se detm sobre a ideologia e anlise do ve-culo, bem como no seu efeito e na eficcia no processo da comu-

    nicao (Squirra, 1993, p.101-104).O prprio Squirra, ao tratar do editor de texto em AprenderTelejornalismo, mesmo lembrando que o telejornalista, no caso oeditor, um tipo diferente de profissional que surgiu nos ltimostempos, prefere deter-se mais nos aspectos instrumentais e tcni-cos da notcia do que mostrar como as rotinas produtivas afetamo produto final (Squirra, 1995, p.93-108).

    Esta posio diante do telejornalismo no nova e j se fa-zia presente num dos primeiros livros lanados no pas sobre otema: Jornalismo na TV (Teodoro, 1980). Os demais livros que

    se seguiram tratando do assunto, de um modo geral, no avana-ram muito nesta abordagem inicial, e procuraram manter-se maiscomo manuais tcnicos de orientao a estudantes e profissionaisde como proceder na elaborao de uma notcia (Cunha,1990; Bit-tencourt,1993; Paternostro,1994; Maciel, 1995; Teobaldo,1995).

    Esses livros guardam uma semelhana com o Manual de Te-lejornalismo, da Rede Globo (1986), criado para servir como oguia oficial da empresa para os funcionrios do jornalismo. No

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    manual apresentada uma srie de dicas sobre questes do fazerjornalstico na produo, reportagem e edio.

    No ano passado, nos ensaios apresentados nos Grupos de Tra-balho da V Reunio Anual do COMPS Associao Nacionaldos Programas de PsGraduao em Comunicao , nas pesqui-sas apresentadas sobre telejornalismo, no foram registrados tra-balhos sobre as rotinas produtivas no telejornal (Programa OficialCOMPS, 1996). O quadro tambm no foi muito diferente noEncontro da Intercom, entidade que rene pesquisadores, profes-sores e estudantes de comunicao, realizado em 1996 (ProgramaOficial Intercom, 1996).

    Essa situao j apresenta algumas mudanas, alguns auto-res e pesquisadores comeam a mostrar interesse pelo tema apon-tando para novas perspectivas nos estudos das rotinas de trabalhoe a sua influncia sobre a produo da notcia. Nesse sentido, otrabalho apresentado por Albuquerque (1997), no Comps desteano, sobre a manipulao editorial e a produo da notcia na co-

    bertura jornalstica, traz uma importante contribuio na discus-so do tema.

    Albuquerque (1997) defende que na cobertura jornalstica fundamental levar-se em conta o aspecto da produo rotineiradas notcias, claro, sem deixar de lado o problema da manipula-o da informao. Ou seja, a notcia no s resultado de fatoresextra-jornalsticos que tm como fim sua manipulao intencio-nal.

    Outra contribuio importante nesse campo foi a pesquisa de-senvolvida na Faculdade de Comunicao, da Universidade de

    Braslia, sobre as rotinas produtivas no processo de produo danotcia na rea poltica e econmica de trs jornais na CapitalFederal:O Globo, Folha de So Paulo e Correio Braziliense. Oestudo indica que na sua atividade diria o jornalista est maispara um executor de ordens previamente estabelecidas do quepara um super-heri que controla os deslizes da sociedade (Adghirni,1997, p.449-468).

    Quanto questo mais especfica do noticirio televisivo, te-

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    mos a pesquisa A Produo de Sentidos no Telejornalismo que,a partir de exemplos retirados do noticirio de trs redes de te-leviso: TV Globo, Manchete e SBT, busca compreender de queforma se constri a identidade nacional atravs do telejornal (Mota,1992).

    J o estudo Os Fatos e os Telejornais analisa as diferentes for-mas de manipulao que sofrem os fatos at serem veiculados pe-los telejornais e o papel desempenhado pela ideologia dominanteem todo o processo de uma emisso jornalstica feita pela televi-so (Serra, 1993). Mais recentemente, A Embalagem da Notciaestuda mais de perto o tema ao pesquisar as rotinas de produonos programas telejornalsticos Jornal Nacional, Globo Reprtere Fantstico (Ferreira,1996).

    Mas, de um modo geral, as informaes que temos sobre asrotinas produtivas dos jornalistas so encontradas mais em depoi-mentos dos prprios jornalistas em seminrios e encontros, ondea televiso o assunto em debate, do que na pesquisa acadmica.Em TV ao Vivo (Nogueira, 1988, p.86-92), o jornalista ArmandoNogueira faz um relato dirio sobre a rotina de trabalho no JornalNacional.

    Em As Perspectivas da Televiso Brasileira ao Vivo (Cu-rado, 1995, p.43-48), Olga Curado, atualmente chefe do escritrioda Rede Globo, em Londres, d os ingredientes bsicos da notciaem televiso. Ela conta os processos de produo da notcia desdea captao at edio, destacando que a audincia o maior obje-tivo, o telespectador que est assistindo a notcia em casa.

    O trabalho do editor no Globo Reprter explicado por JorgePontual em Jornalismo Eletrnico ao Vivo (Pontual, 1995, p.103-104). Ele diz como feito o trabalho integrado entre editor, repr-ter, editor de imagem e cinegrafista na produo de uma matriado programa.

    Em Rede Imaginria (Nepomuceno, 1991, p.205-212), EricNepomuceno faz um breve relato da sua atividade no Jornal daGlobo. A partir das dificuldades que enfrentou, o jornalista revela

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    que a reflexo no cabe na frmula adotada pela imensa maioriados noticirios da televiso brasileira.

    Tentar mostrar alguns aspectos do processo extremamente com-plexo de como as rotinas de produo influenciam na definio doque notcia no uma tarefa fcil. como montar um imensoquebra-cabeas. com essa imagem que trabalhamos durante apesquisa. E, para montar esse jogo, escolhemos duas peas bsi-

    cas: indstrias culturais/ televiso e indstrias culturais/jornalismo.As indstrias culturais, em especial a televiso, so indstrias

    como qualquer outra. No entanto, apresentam algumas particula-ridades. Entre elas a marca do autor. Ou seja, a participao dotrabalhador, no caso o produtor de bens culturais. Exemplo: umdisco do Roberto Carlos vende exatamente porque de um can-tor popular reconhecido em todo o pas. O mesmo no ocorre nalinha de produo de uma fbrica onde a interveno do autorpouco importa. Qual a diferena que faz se uma pea do carro montada por Joo ou Jos?

    No telejornalismo, os crditos que rodam ao final de cada tele-jornal, mostrando quem so os seus autores, um indcio de queos produtores ocupam um papel importante na elaborao do pro-duto, o que no acontece em outras reas. Um carro quando sai dalinha de montagem no sai com os crditos dos seus autores.

    Essa hiptese a base deste estudo. Por isso, a importnciade se estudar as rotinas de trabalho dos jornalistas. Para Bourdieu(1997, p.13):

    Desvelar as coeres ocultas que pesam sobre osjornalistas e que eles fazem pesar, por sua vez, sobretodos os produtores culturais no precisa dizer? denunciar os responsveis, apontar o dedo aos cul-pados. tentar oferecer a uns e outros uma possibi-lidade de se libertar, pela tomada de conscincia, doimprio destes mecanismos (...).

    Numa primeira parte, faremos um breve histrico do termoindstria cultural, que foi usado pela primeira vez pelos tericos

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    da Escola de Frankfurt, passando pela mudana da expresso dotermo para indstrias culturais, no final dos anos 70, at chegaraos dias de hoje, onde as indstrias culturais so parte constituintee um dos principais atores do desenvolvimento do capitalismo emuma economia globalizada.

    Durante essa caminhada, procuraremos mostrar o papel que ateleviso desempenha neste final de sculo. Acreditamos que ela

    ocupa cada vez mais um lugar central numa cultura eletronica-mente mediada, contribuindo decisivamente para a formao dasociabilidade contempornea.

    Num segundo momento, tendo como pressuposto que a televi-so uma indstria cultural e o jornalismo um dos seus principaisgneros, levantaremos algumas questes sobre o tema: Qual arelao entre ambos? E o telejornalismo, como entra nesse pro-cesso? Como so as rotinas de trabalho dentro das redaes? Deque forma elas influenciam a definio do que notcia num tele-jornal?

    Para estudar a questo das rotinas de trabalho e sua influnciasobre a informao, trabalharemos com a teoria do newsmaking.Uma teoria ainda nova no Brasil que busca descrever, em um nvelemprico, as prticas comunicativas que geram as formas textuaisrecebidas pelos destinatrios. Ou seja, mostrar como os jornalis-tas, no seu dia-a-dia, constrem a notcia.

    A metodologia a ser utilizada no trabalho a mesma empre-gada nas demais pesquisas sobre o newsmaking: a observao par-ticipante e entrevistas (Tuchman, 1983; Villafa, Bustamante,Prado, 1987; Fishman, 1990; Schlesinger, 1992). Segundo Wolf

    (1994, p.167), dessa forma possvel reunir as informaes e osdados fundamentais sobre as rotinas produtivas desenvolvidas nocotidiano das indstrias culturais. Feita esta primeira exposiosobre os objetivos do trabalho comeamos a montar nosso quebra-cabea.

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    Captulo 2

    INDSTRIAS CULTURAIS:TELEVISO

    2.1 Um breve histrico

    A histria da chamada Escola de Frankfurttem incio com a fun-dao do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, criado oficial-mente em 3 de fevereiro de 1923. As idias dos intelectuais quese reuniram em torno dessa escola de pensamento encontramse,em grande parte, nas pginas da Revista de Pesquisa Social.

    Seus colaboradores sempre se preocuparam em manter umareflexo crtica sobre os principais aspectos da economia, da so-ciedade e da cultura do seu tempo. Entre eles destacam-se WalterBenjamin, Theodor Adorno e Max Horkheimer. O conjunto dostrabalhos da Escola de Frankfurt tambm chamado de teoria

    crtica.A expresso Escola de Frankfurtbusca designar os trabalhos

    de um grupo de intelectuais marxistas, no-ortodoxos, que na d-cada de 20 ficaram margem de um marxismo-leninismo definidocomo clssico, quer na sua verso terico-ideolgica, quer em sualinha militante ou partidria.

    Como bem lembra Freitag (1994), o termo Escola de Frank-furtaponta para uma unidade temtica e um consenso epistemo-

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    lgico terico e poltico que raras vezes aconteceu entre seus re-presentantes:

    O que caracteriza sua atuao conjunta a sua ca-pacidade intelectual e crtica, sua reflexo dialtica,sua competncia dialgica ou aquilo que Habermasviria a chamar de discurso, ou seja, o questiona-

    mento radical dos pressupostos de cada posio e te-orizao adotada (Freitag,1994, p.33-34).

    A Escola de Frankfurt o primeiro trabalho sistematizado eorganizado das prticas especficas dos meios de comunicao demassa, no contexto do capitalismo. A Escola defende que a socie-dade capitalista entrou num estgio radicalmente diferente de ele-mentos anteriormente resistentes, como por exemplo a classe ope-rria, que foi cooptada pelo sistema. Controles repressivos tam-bm cresceram neste ltimo estgio (Guareschi, 1994, p.15).

    O conceito de indstria cultural foi divulgado por Adornoe Horkheimer em A Dialtica do Esclarecimento (1985). ParaAdorno, a indstria cultural, ao pretender a integrao vertical dosseus consumidores, no apenas adapta seus produtos ao consumodas massas, mas, em larga medida, determina o prprio consumo.

    Preocupada com os homens apenas enquanto consumidores eempregados, a indstria cultural reduz a humanidade, em seu con-junto, assim como cada um dos seus elementos, s condies querepresentam seus interesses. A indstria cultural traz nela todosos elementos caractersticos do mundo moderno e nele exerce umpapel especfico, o de portadora da ideologia dominante, que d

    sentido a todo o sistema (Adorno, 1971, p.287-295).Em O Iluminismo como Mistificao de Massas, que integra

    a coletnea de ensaios da Dialtica do Esclarecimento, Adornoe Horkheimer (1990, p.159-204) fazem uma radiografia da inds-tria cultural, do produto cultural integrado lgica do mercado,e dos efeitos produzidos por ela na sociedade.

    Para eles, a lgica do capital e a indstria cultural formamum s bloco. Filmes, rdio e semanrios constituem um sistema.

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    A unidade visvel de macrocosmo e de microcosmo mostra aoshomens o esquema de sua civilizao: a falsa identidade do uni-versal e do particular. Filme e rdio no tm mais necessidadede serem empacotados como arte. A verdade, cujo nome real negcio, serve-lhes de ideologia.

    Adorno e Horkheimer (1990) defendem que a racionalidadetcnica a racionalidade do prprio domnio, o carter repres-

    sivo da sociedade que se auto-aliena:

    A dependncia da mais potente sociedade radi-ofnica indstria eltrica, ou a do cinema aos ban-cos define a esfera toda, cujos setores singulares, soainda, por sua vez, co-interessados e interdependen-tes (Adorno, Horkheimer, 1990, p.161-162).

    Segundo os autores, a indstria cultural impe um novo ritmoao consumidor. Ele no tem mais escolhas porque no h nada

    mais a classificar que o esquematismo da produo j no te-nha antecipadamente classificado. A indstria cultural molda damesma maneira o todo e as partes.

    Adorno e Horkheimer (1990) explicam que cada um dos pro-dutos da indstria cultural um modelo do gigantesco mecanismoeconmico que desde o comeo mantm tudo sobre presso tantono trabalho, quanto no lazer que lhe semelhante. Cada manifes-tao particular da indstria cultural reproduz os homens comoaquilo que j foi produzido por toda a indstria cultural.

    Com relao ao comportamento das pessoas, eles observam

    que quanto mais slidas se tornam as posies da indstria cultu-ral, mais fortemente esta pode agir sobre as necessidades dos con-sumidores, produzi-las, gui-las e disciplin-las, retirando-lhes ato divertimento.

    Os autores evidenciam que as condies modernas da produ-o, com o auxlio da cincia e da tcnica, criaram uma nova fr-mula para garantir a perpetuao da produo capitalista: a in-dstria cultural. Dessa forma, ela passa ser de fundamental im-

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    portncia para garantir a manuteno e sobrevivncia do sistemacapitalista.

    J nesta obra, Adorno e Horkheimer (1990) anteviam os novostempos com a presena da televiso. Eles diziam que a televisotendia a uma sntese do rdio e do cinema, retardada enquanto osinteressados ainda no tinham conseguido um acordo satisfatrio,mas cujas possibilidades ilimitadas prometiam intensificar a tal

    ponto o empobrecimento dos materiais estticos que a identidadeapenas ligeiramente mascarada de todos os produtos da indstriacultural poderia triunfar abertamente.

    Eles esclarecem que seria a realizao do sonho wagnerianode obra de arte total:

    O acordo entre a palavra, msica e imagem realiza-se mais perfeitamente que no Tristo, enquanto oselementos sensveis so, na maioria dos casos, pro-duzidos pelo mesmo processo tcnico de trabalho e

    exprimem tanto sua unidade quanto o seu verdadeirocontedo (Adorno, Horkheimer, 1990, p.163).

    No entender dos autores, um triunfo do capital investido, jque esse processo integra todos os elementos da produo, desdea trama do romance, que j tem em vista o filme, at o mnimoefeito sonoro.

    Num outro texto, Televiso, Conscincia e Indstria Cultu-ral, Adorno (1971) faz uma anlise mais profunda do veculo. Eleafirma que a TV est inserida dentro de um esquema abrangente

    da indstria cultural e, enquanto combinao de filme e rdio,leva adiante a tendncia daquela, no sentido de cercar e capturara conscincia do pblico por todos os lados:

    Preenche-se a lacuna que ainda restava para a exis-tncia privada antes da indstria cultural, enquantoesta ainda no dominava a dimenso visvel em todosos seus pontos. (Adorno, 1971, p.346)

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    Na anlise, Adorno (1971) reconhecia que ainda era cedo parase fazer afirmaes sobre os efeitos do veculo na recepo. Eleconsiderava que as reaes dos espectadores televiso contem-pornea somente poderia se tornar explcita atravs de pesquisasem profundidade.

    Adorno j reconhecia algumas potencialidades na tv:

    Para que a televiso mantenha a promessa queainda lhe adere ao nome, preciso que ela se eman-cipe de tudo aquilo que contradiz o prprio princpiodo prometido, e trai a idia da sorte grande no bazarde sorte mida (Adorno, 1971, p.354).

    Apesar da novidade, o novo veculo j despertava o interessedos representantes da Escola de Frankfurt e, como os demais,enquadrava-se dentro do contexto e das anlises da indstria cul-tural.

    Benjamin (1990), apesar de concordar com Adorno e Horkhei-mer ao atribuir cultura em geral e obra de arte em especial umadupla funo, a de representar e consolidar a ordem existente e aomesmo tempo critic-la, tem um olhar diferenciado para a mas-sificao e democratizao do consumo. Entendemos que ele jindica de uma forma mais incisiva as novas formas de percepoe comportamento que a dinmica da indstria cultural desenca-deia.

    Em A Obra de Arte na poca de sua ReprodutibilidadeTcnica, o autor faz uma anlise das causas e conseqncias da

    perda da aura que envolve as obras de arte, enquanto objetos indi-vidualizados e nicos: Poder-se-ia defini-la (a aura) como a nicaapario de uma realidade longnqua, por mais prximo que ela

    possa estar(Benjamin, 1990, p.215).Com o desenvolvimento das tcnicas de reproduo, a aura,

    que determina tanto o valor cultual quanto o critrio de autenti-cidade da obra, se dissolveria nas vrias reprodues do original,destituindo assim a obra de arte de seu status de raridade.

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    Essa perda no tem para Benjamin (1990) as conseqnciasnegativas que Horkheimer e Adorno atribuem dissoluo daobra de arte. O autor lembra que, medida que as obras de arte seemancipam do seu ritual, tornam-se mais numerosas as ocasiesde serem expostas. Ou seja, j que o critrio de autenticidade nomais se aplica produo artstica, toda a funo da arte sub-vertida: Em lugar de repousar sobre o ritual, ela se funda agora

    sobre outra forma da prxis: a poltica (Benjamin, 1990, p.218).O autor considera que a perda da aura e as conseqncias soci-

    ais que resultam desse fato so particularmente perceptveis no ci-nema, que apresenta uma radical mudana nas relaes da massacom a arte. Ele comenta que no cinema o que importa no o fatode o intrprete apresentar ao pblico outro personagem que no ele mesmo; antes o fato de que ele prprio se apresenta no apare-lho. Pela primeira vez e isto motivado pelo cinema o homemdeve agir, seguramente, com toda a sua pessoa viva e, todavia,privada da aura.

    Benjamin afirma que o cinema traz o culto personalidade:

    medida em que restringe o papel da aura, o ci-nema constri artificialmente, fora do estdio, a per-sonalidade do ator: o culto da estrela que favoreceo capitalismo dos produtores de cinema, protege estamagia da personalidade, que h muito j est reduzidaao encanto podre de seu valor mercantil (Benjamin,1990, p.226).

    As reaes do pblico tambm no passam despercebidas peloautor. Ele mostra que a atitude da massa muito reacionria diante,por exemplo, de um quadro de Picasso, reage, por exemplo, deuma maneira progressista diante de um filme de Chaplin. Expli-cao: a caracterstica de um comportamento progressista resideno fato de o prazer do espetculo e a experincia vivida correspon-dente ligarem-se, de modo direto e ntimo, atitude do conhecer.Esta ligao tem uma importncia social. medida que diminui a

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    significao social de uma arte, assiste-se no pblico um divrciocrescente entre o esprito crtico e a fruio da obra.

    Benjamin (1990) destaca que ao ampliar o mundo dos obje-tos que passamos a levar em considerao, tanto na ordem visualquanto na ordem auditiva, o cinema trouxe, conseqentemente,um aprofundamento da percepo. Mas se, por um lado, ele nosfaz perceber as necessidades que dominam a nossa vida, abre, poroutro, um campo de ao que ainda no se suspeitava: Por contado grande plano o espao que se amplia; por conta da cmaralenta, o movimento que toma novas dimenses (Benjamin, 1990,p.233).

    Ao explicar as tarefas da arte, o autor mostra estar atento smudanas que acontecem na sociedade. Ele entende que uma ta-refa essencial da arte, em todos os tempos, consiste em suscitaruma demanda num tempo que no estava pronto para satisfaz-laem sua plenitude.

    A histria de cada forma de arte comporta pocas crticas,

    onde ela tende a produzir os efeitos que s podero ser livrementeobtidos aps uma modificao do nvel tcnico, isto , por meiode uma nova arte. Por isso, os exageros e as extravagncias quese manifestam nas pocas de pretensa decadncia nascem, na re-alidade, do que constitui, historicamente, o centro de foras maisricas da arte. Exemplo: o dadasmo buscava produzir, atravs dosmeios de pintura, os prprios efeitos que o pblico passou a exigirdo cinema.

    A anlise de Benjamin (1990) sobre as tcnicas de reprodu-o das obras de arte procura mostrar que, se por um lado, h uma

    queda da aura, com o fim do elemento tradicional da herana cul-tural, por outro abre-se uma nova porta para as relaes entre asmassas e a arte, que passam a contar com um instrumento eficazde mudana e renovao das estruturas sociais.

    O conceito de indstria cultural resultado do primeiro con-fronto terico entre a cultura europia das luzes e a cultura demassa produzida para milhes. Nesse sentido, no era preocupa-o de Adorno e Horkheimer analisar a maneira como a indstria

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    cultural se coloca diante do Estado e da sociedade civil organi-zada:

    O impensado das teorias sobre a indstria cultu-ral como sistema globalizado e sobre o Estado comoentidade metafsica a dimenso histrica: isto , aarticulao da mdia ao conjunto das contradies e

    estruturas onde est inscrita (Mattelart, 1994, p.227).

    A expresso usada pelos pioneiros da Escola da Frankfurt, aotratarem da transformao das formas culturais em mercadoria, jno reflete o novo contexto da produo de bens culturais fabri-cados em escala industrial no final dos anos 70. Em 1978, doisorganismos europeus: o Conselho da Europa Conselho de Co-operao Cultural e a Conferncia dos Ministros europeus res-ponsveis pelos assuntos culturais usam de forma notria em seusdocumentos administrativos o conceito de indstrias culturais:

    Ao abranger o disco, livro, cinema, rdio-televiso,imprensa, fotografia, reproduo de arte e publici-dade, novos produtos e servios audiovisuais, o con-ceito assumido pela nova situao de concorrnciaentre as polticas culturais tradicionalmente condu-zidas pelo Estado, que atingem pblicos restritos, eos meios de produo e difuso para um pblico demassa, cada vez mais ligados ao mercado internacio-nal (Mattelart, 1994, p.229).

    Conforme Mattelart (1994), a anlise de produtos e serviosculturais vinha sendo desenvolvida, desde 1975, por uma equipepluridisciplinar de pesquisadores franceses que lanaram as ba-ses de uma economia das indstrias culturais. Ao usarem o termoindstria cultural eles pretendiam afastar-se dos postulados de-fendidos pelos filsofos da Escola de Frankfurt. Eles entendiamque a indstria cultural no existe em si, mas um conjunto com-posto por elementos que ou no pertencem ao mesmo campo ou,

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    pelo menos, so bastante diversos entre si. Um destes pesquisa-dores era Bernard Mige (1989, p.38-50), que fez uma anliseeconmica sobre os produtos e servios culturais na Frana.

    2.2 As indstrias culturais e a marca do

    autorPara Mige (1989, p.25-27), se olharmos para os diferentes modosde insero do trabalho cultural no processo geral de produo,trs tipos principais podem ser distinguidos:

    1. Produo capitalista de produtos culturais. O trabalho doartista ou escritor, quer dentro de estruturas artesanais oudentro do setor cultural pblico, um trabalho improdutivo.

    2. Produo cultural capitalista. O trabalho cultural ento

    produtivo porque produz a maisvalia. Em geral, o produtofinal toma a forma de um benefcio material reproduzvel(equipamentos de gravao e recepo), mas pode tomara forma de um objeto integrando o trabalho de um artista,cantor ou compositor(um disco que reproduz a performancede um cantor, compositor ou orquestra, etc., ou um livro, otrabalho de um escritor, etc.)

    3. A integrao dos produtos culturais, normalmente na formade uma performance no-material, num processo de circu-lao, dentro de uma estrutura de realizao de valor (apre-

    sentaes musicais num shopping center, como parte deuma campanha promocional comercial). Aqui, o trabalhocultural indiretamente produtivo.

    Mige (1989) explica que essa classificao, baseada simul-taneamente no carter produtivo ou improdutivo do trabalho cul-tural e sobre o lugar que ocupa nas relaes de produo, no suficiente para distinguir a especificidade dos produtos culturais,

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    que se apresentam primeiro na forma de valor de uso cujos re-sultados vm do trabalho concreto de um ou mais artistas e sereferem aos significados simblicos associados com seu uso.

    No entanto, acrescenta o autor, tambm so mercadorias pro-duzidas para serem trocadas. Nesse sentido, ressalta que a questoimportante a ser colocada sob que condies a transformao devalores de uso cultural em valores de troca acontecero, ou me-

    lhor, como o trabalho concreto do artista ou do escritor, mais ge-nericamente, do criador, ser integrado ao processo de trabalhocoletivo.

    Mige (1989) comenta que a marca (o grifo nosso) do artistadeve continuar visvel para o usurio: o produto, mesmo se for re-produzido em milhares de cpias, deve reter os traos do trabalhodo artista que o concebeu. Para ele, considerando a intervenoou no do trabalhador cultural na produo e a maior ou menorreprodutibilidade da mercadoria, possvel dividir a mercadoriacultural em trs tipos:

    produtos reproduzveis que no necessitam do envolvimentodos trabalhadores culturais na sua produo: os equipamen-tos para a recepo, gravao e reproduo de imagens e/ousom, filme, instrumentos musicais, sistemas de hi-fi, etc.;

    produtos que so reproduzveis com a participao dos tra-balhadores culturais, eles fazem parte claramente do cora-o das mercadorias culturais: discos, livros, entre outros;

    produtos semi-reproduzveis, tais como impressos, artesa-nato ou publicaes limitadas de livros. Esta limitao determinada pela combinao de elementos tcnicos (lito-grafias, por exemplo, no podem ser reproduzidas de umaforma ilimitada) com elementos culturais (o valor de usopara um pequeno nmero de compradores est intimamentedependente desta pequena reprodutibilidade).

    Ramn Zallo (1988), que tambm trabalha dentro da mesma pers-pectiva de Mige (1989), ao comentar a questo das indstrias

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    culturais, diz que, em primeiro lugar, o conceito de indstria re-mete a uma forma de produo constituda como um elementosubstancial e, portanto, excludente de outras formas culturais (asque no so mediadas por um sistema industrial de produo).

    A cultura qualificada por essa noo. Ou seja, as indstriasculturais tm uma natureza diferente das outras indstrias, pelasua prpria forma de produo, e pela especificidade da sua pro-

    duo em relao sociedade.Um segundo aspecto indicado por Zallo (1988) que essa no-

    o se refere a uma parcela da cultura e da comunicao, cujoscontedos e formas, por um lado, so partes de idias e valoresde uma sociedade e, por outro, so gerados industrialmente, sejana forma de produo material ou imaterial (de bens ou servios)cristalizados em mercadorias. Em outras palavras, produes quefazem trocas com o mercado e que valorizam capitais e reprodu-zem relaes sociais.

    Em terceiro lugar, essas indstrias, pela sua prpria funo,

    esto orientadas aos mercados de consumo, privado, pblico, co-letivo ou estratificado. Zallo define as indstrias culturais como:

    um conjunto de ramos, segmentos e atividadesprodutoras de mercadorias com contedos simbli-cos, concebidas mediante um trabalho criativo, orga-nizado por um capital que se valoriza e destinadas aosmercados de consumo, com uma funo de reprodu-o ideolgica e social (Zallo, 1988,p.26).

    Alm do trabalho criativo, o autor aponta como traos espe-

    cficos das mercadorias culturais: renovao e aleatoriedade. Eleconsidera que o trabalho criativo, produtor de prottipos, outorgaum carter nico a cada mercadoria cultural. Zallo (1988) agrupaas indstrias culturais em torno de trs eixos centrais: o grau deindustrializao de seu processo de trabalho criativo, o grau dereproduo e o grau de continuidade da produo-distribuio.Tendo isso por base, ele distingue trs formas de valorizao glo-bal, incluindo o processo de trabalho:

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    1. de edio descontnua: indstria editorial, a fotogrfica e acinematogrfica;

    2. de edio contnua: a imprensa diria e peridicos, marcadapela plena industrializao do trabalho cultural, um objetoespecfico de trabalho eminentemente perecvel ( o caso dainformao);

    3. de emisso contnua: o rdio e a televiso, que se carac-terizaria por uma mudana total do sistema tcnico norequerendo a reproduo substituda pela recepo mlti-pla.

    Com relao renovao, Zallo (1988) observa que as mercado-rias culturais se renovam continuamente. Ele afirma que a reno-vao imposta pela natureza dos bens simblico-ideolgicos,que veiculam a legitimao das relaes sociais dominantes pelo

    modo de comunicar e pelos seus contedos. O autor lembra queessa renovao ser tanto mais necessria e possvel quanto maisdesenvolvida econmica e culturalmente uma formao social,determinando relaes mais complexas entre aqueles que tm amatria-prima da criao e as indstrias reprodutoras.

    Zallo (1988) comenta que os graus de renovao so distintos,dependendo das indstrias. A renovao mxima nas atividadesde emisso (programao televisiva) e varivel nas de edio e es-petculos, alcanando sua intensidade mxima na imprensa diriae a mnima na cinematografia.

    Uma terceira caracterstica das indstrias culturais apontadapelo autor a aleatoriedade, a incerteza da realizao mercantil.Diante deste item, bsico na esfera da circulao, no cabe ou-tra alternativa s indstrias que a prova do erro e do acerto e ocontrole dos processos de formao das preferncias coletivas.

    Na prtica, no existem outros bens de consumo, como os dasindstrias culturais, onde o desconhecimento quanto demandaseja to evidente:

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    A aleatoriedade est numa relao inversa plenaformao de uma organizao capitalista de produoe a possibilidade de planificao da audincia, bus-cando, entre outras coisas, uma relao valorvel econfivel com os anunciantes (Zallo, 1988, p.54).

    A interveno do trabalho humano tambm apontada como

    uma diferencial das indstrias culturais por Patrice Flichy. Ele res-salta o quanto foi importante para o cinema a criao do star sis-tem no comeo deste sculo. Os grandes artistas comearam a terseus nomes divulgados nos crditos dos filmes, o que determinouum novo patamar de crescimento para a produo cinematogrfica(Flichy, 1980, p.27).

    Getino (1995) lembra que quando estamos tratando de inds-trias culturais no estamos dizendo industrializao da cultura. Aexpresso industrializao refere-se produo, numa oficina ounuma fbrica, de determinados bens destinados ao consumo ou

    produo de novos bens.No que diz respeito produo de bens culturais, apesar daexistncia de procedimentos semelhantes diviso do trabalho, eles no so suficientes para conseguir a rentabilidade obtidapelas demais indstrias:

    O artista, o criador ou o produtor cultural incor-poram, desde a singularidade do seu trabalho, um va-lor agregado que constitui para as indstrias do se-tor, como a discogrfica, a cinematogrfica e a edi-torial, o valor mais importante para sua sobrevivn-

    cia.(Getino, 1995, p.13-14)

    Tomando por base Patrice Flichy, o autor comenta que, emcontraposio a outros produtos industriais, a mercadoria cultu-ral tem seu valor de uso ligado aos trabalhadores que a concebe-ram. Dessa forma, o papel reservado indstria o de transfor-mar um valor de uso nico e aleatrio num valor mltiplo e efe-tivo. A mercadoria cultural pode ser caracterizada, do ponto de

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    vista econmico, pelo carter aleatrio da sua valorizao (Ge-tino, 1995, p.14).

    Getino (1995) defende que as indstrias culturais se conver-teram, nos ltimos decnios, nos meios de maior impacto para adifuso e promoo da cultura e das artes, sem que isso seja umimpedimento para o seu crescimento econmico. Alm disso, elaspossibilitam um intercmbio cultural entre as naes e no interior

    de cada comunidade.As indstrias culturais constituem uma das principais bases

    da indstria e do comrcio das naes desenvolvidas, no s porcausa da sua dimenso econmica, mas tambm porque so co-adjuvantes na promoo da economia, da poltica e do desenvol-vimento global dos pases que possuem grandes complexos deproduo e comercializao cultural:

    Esta mltipla funcionalidade, econmica, polticae cultural das indstrias de bens e servios culturais e

    comunicacionais constitui parte da especificidade dasmesmas e o que as diferencia das outras indstrias,em que pese sustentar-se em estruturas produtivas ecomerciais que so semelhantes a qualquer outra in-dstria (Getino, 1995, p.16).

    O processo de produo cultural se estrutura essencialmentesobre os valores simblicos, os quais representam um valor dis-tinto e geralmente superior ao valor material, ou os valores deuso que, segundo cada caso, podem ter uma maior ou menor re-levncia. O valor cultural, gerado atravs do processo de criao,

    define a produo cultural como tal. Nesse sentido, a criatividade um elemento fundamental e necessrio, sem o qual se reduz ou eliminada a prpria produo cultural.

    Para Getino (1995), a caracterstica marcante das indstriasculturais, atualmente, a concentrao de recursos econmicos,financeiros, industriais e tecnolgicos. Essa concentrao se pro-jeta acima das fronteiras geogrficas e polticas, adquirindo umpoder mais efetivo que muitos Estados nacionais.

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    Ela se d tanto no plano horizontal, atravs da vinculao en-tre as indstrias em diversos campos informativo, educativo, en-tretenimento e artes ou de distintos setores audiovisual, meiosimpressos, radiodifuso , bem como no interior de cada campoou setor produo, distribuio e comercializao de produtos.

    Sobre essa base de trabalho diversificada que se estruturao poder dos conglomerados econmico-financeiros que, em nvel

    mundial, determinam e condicionam de uma maneira preponde-rante a produo e a circulao de bens culturais.

    Thompson (1995), ao tratar das indstrias dos media, lembraque o setor passa hoje por grandes mudanas que determinam umimpacto importante na natureza dos produtos e nos modos de suaproduo e difuso. Ele explica que essas alteraes so resultadodo desenvolvimento da economia poltica e da tecnologia.

    O autor aponta as quatro tendncias principais no que diz res-peito ao desenvolvimento da economia poltica: a crescente con-centrao das indstrias dos media, sua crescente diversificao,

    a crescente globalizao das indstrias dos media e a tendnciapara a desregulamentao (Thompson, 1995, p.254).

    Atualmente, como acontece com outros setores da indstria nomundo globalizado, os meios de produo se concentram cada vezmais nas mos de um nmero relativamente pequeno de grandescorporaes.

    O segundo aspecto para o qual Thompson (1995) chama aateno a diversificao, que o processo no qual as empre-sas expandem suas atividades para diferentes campos ou reasde produo, tanto comprando companhias que j operam nesses

    campos, como investindo capital em novos desenvolvimentos.Como conseqncia dessa concentrao e diversificao das

    indstrias culturais temos a formao de conglomerados de comu-nicao, que tm grandes interesses numa variedade de indstriasligadas informao e comunicao. A quarta tendncia indicadapelo autor, a desregulamentao, est vinculada, entre outras coi-sas, s mudanas determinadas pelas novas bases tecnolgicas dasindstrias dos meios de comunicao que obrigam alguns gover-

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    nos a desregulamentar as atividades das organizaes dos mediae suspender uma legislao que era vista como restritiva, princi-palmente, em relao difuso.

    Um exemplo prtico do quadro traado por Thompson (1995) a situao em se encontra esta rea hoje nos Estados Unidos.Quatro grandes corporaes: a General Eletric, a Time-Warner, aDisney e a Westinghouse controlam boa parte dos meios de co-municao e das indstrias culturais naquele pas.

    Em 1995, a Disney comprou a ABC, a Westinghouse assimi-lou a CBS e o imprio de Ted Turner (CNN) foi engolido pelaTime Warner. A General Eletric, alm de controlar a rede naci-onal NBC, com todas as suas ramificaes, tem atividades nosramos de transportes, de equipamentos eltricos, de servios decomunicao, de plsticos, de seguros, de servios mdios, entreoutros (Sader, 1997, p.4).

    No Brasil o quadro no muito diferente. Um estudo reali-zado por Roberto Amaral e Csar Guimares faz uma radiografia

    do desenvolvimento da Rede Globo, da virtual eliminao da con-corrncia no setor audiovisual e sua extenso a outras indstriasculturais (Guimares, Amaral, 1994, p.63-85).

    Os autores observam que s a Rede Globo detm aproximada-mente 80% da audincia nacional. O seu principal jornal, o JornalNacional, transmitido no chamado horrio nobre, tem um pblicodirio de 50 milhes de telespectadores. Suas imagens chegam a99% dos lares com televiso, a 3.99l dos 4.063 municpios brasi-leiros, a um espectro mnimo de 80 milhes, alcanando 98% doterritrio nacional.

    A Rede Globo absorve atualmente entre 77 e 80% de toda apublicidade destinada televiso, 60% do total dos investimentospublicitrios canalizados pelas agncias do Brasil, que o stimomercado publicitrio mundial. a quarta maior rede privada deteleviso do mundo (apenas atrs das americanas CBS, ABC eNBC), possui pelo menos duas grandes redes (Rio de Janeiro eSo Paulo) e uma associao (Porto Alegre) com a RBS para ateleviso por assinatura.

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    Alm disso, a Globo proprietria do Sistema Globosat de Te-leviso por Assinatura. Controla ainda a Fundao Roberto Ma-rinho, que tambm editora e produtora de vdeos em geral, decursos televisivos e possui outros instrumentos de captao de re-cursos pblicos.

    Dentro das tendncias apresentadas por Thompson (1995), aGlobo tambm registra atividades em outras reas, embora suaatividade principal seja na rea das comunicaes. O grupo, com24 mil empregados e US$ 5,8 bilhes em ativos, em julho de 1996,opera no setor de turismo com duas empresas: o Rio AtlnticaHotel e a Rash Administradora de Hotis e Turismo.

    Na construo civil e no mercado imobilirio, o grupo atuacom a So Marcos. So dezenas de propriedades, avaliadas emUS$ 410,3 milhes. So fazendas, shopping centers, o Rio Atln-tica Hotel, em Copacabana, apartamentos, alm de escritrios, noRio, propriedades em Diadema (SP) e no condomnio Dowton, naBarra da Tijuca (RJ).

    Criada em 1973, a Globo Comunicaes e Participaes Globopar, sociedade por cotas de responsabilidade limitada, comcapital de R$ 43 milhes, tem como acionistas Roberto Marinhoe os filhos. Controla empresas com atividades diversas, como pro-duo de equipamentos e provimentos na rea de telecomunica-es (NEC, Victori e Vicom).

    A Globosat controla tambm a programao e veiculao deteleviso por assinatura (Globosat, Globo Cabo, Net Brasil, Ivens,Net Sat Servios); empresas na rea de publicaes (Editora Globo,Globo Cochrane Grfica, Sigla Sistema Globo de Gravaes

    Audiovisuais).A Globo Comunicaes e Participaes tem ainda sob sua res-

    ponsabilidade fazendas (trs em Mato Grosso e uma em Gois),alm das atividades na rea financeira, como o Banco ABC Roma,Roma D.T.V.M e Seguradora Roma, entre outras. Na rea das te-lecomunicaes, o grupo est montando uma parceria com o Bra-desco e a AT&T, cujo foco ser a telefonia celular (Magalhes,1997, p.1;4).

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    2.3 A hegemonia da televiso

    Entre as indstrias culturais, a televiso ocupa um lugar de desta-que neste fim de sculo. uma indstria cultural que tem uma par-ticipao decisiva na formao de identidades e no crescimentoeconmico dos pases:

    Vivemos, hoje, em sociedades em que a difusode formas simblicas atravs dos meios eletrnicosse tornou um modo de transmisso cultural comume, sobre certos aspectos, fundamental. A cultura mo-derna , de uma maneira cada vez maior, uma cul-tura eletronicamente mediada, em que os modos detransmisso orais e escritos foram suplementados at certo ponto substitudos por modos de trans-misso baseados nos meios eletrnicos (Thompson,1995, p.297).

    Marcondes Filho (1993) considera que a televiso no ummeio de comunicao a mais, o nico. Conforme o autor, a TVfoi liquidando seus adversrios entre os media em direo su-premacia. Ela introduziu uma nova maneira de se ver o mundo,um novo movimento, uma nova economia visual.

    O processo de cotidianizao da eletrnica via TV mudou ra-dicalmente o sentido das comunicaes e das artes. O cinema des-moronou com a hegemonia da TV. A edio fragmentada invadiua literatura, o jornalismo e o rdio. Todos esses meios tornaram-seapndices da televiso. Para Marcondes Filho (1993), o discurso

    televisivo varreu todos os demais e os obrigou a submeterem-seao seu ritmo. A TV absoluta, nada mais existe alm dela (Mar-condes Filho, 1993, p.37).

    Entendemos que Marcondes Filho (1993) superdimensiona opoder da televiso ao afirmar que ela reina absoluta sobre os de-mais meios de comunicao. Numa poca em que as novas tecno-logias impem constantes mudanas na rea das comunicaes,acreditamos no ser possvel afirmar-se que um veculo aniquile

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    os demais. No entanto, parece-nos evidente que a televiso atual-mente detm uma hegemonia sobre os outros media.

    Ao tratar das novas tendncias econmicas da cultura industri-alizada, Ramn Zallo (1993) afirma que a televiso tem exercidoa funo dominante e reguladora do conjunto do sistema comuni-cativo:

    Vrias indstrias (de cinema, discos e publicidade)dependem da TV para uma parte de suas receitas. Asdimenses da audincia televisiva a convertem na in-dstria rainha, alm de estabelecer a notoriedade deoutras atividades culturais (comentrios de livros, vi-deoclipes) e de muitos produtos comerciais (Zallo,1993, p.79).

    O autor lembra que o prprio rdio foi obrigado a adaptar seusprogramas e horrios, buscando dessa maneira compensar a dife-rena em temas nos quais a TV no pode exercer uma atraosobre as audincias. Ele defende que a escassez de canais po-pulares e nacionais est sendo substituda por uma opulncia dateleviso que muitos autores, com razo, qualificam de redundn-cia comunicativa.

    No seu livro Economa de la Comunicacin y la Cultura,Zallo (1988) afirma que a indstria televisiva apresenta todos ostraos de uma fbrica taylorista: a planificao empresarial daproduo, o pagamento global de salrios tanto do trabalho tc-nico como do criativo, a coletivizao do trabalho baseada emespecializaes funcionais e de tarefas, entre outros.

    Ele explica que h dois modelos bsicos e contrapostos de or-ganizao do trabalho televisivo. O primeiro a constituio deequipes com a integrao dos trabalhos criativos (roteiro, direoe realizao), tcnico-criativos (cmeras e decoradores) e tcni-cos. Sob a responsabilidade da equipe recairiam todas as fases deproduo televisiva (Zallo, 1988, p.141-143).

    Esse modelo apresenta uma estreita relao entre as distintasfases: a produo de prottipos frente serializao, a insistncia

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    na produo prpria frente produo de fora, o predomnio daproduo criativa sobre a gesto a partir de critrios econmicos.

    No segundo modelo, temos a predominncia dos critrios deplanificao e gesto sobre os de criao. Ele supe uma fragmen-tao das distintas fases de produo de programas, estabelece umcontrole do aparelho sobre cada uma das fases, seja mediante cri-trios polticos, de custos ou de audincia esperados, os critrios

    de audincia se sobrepem aos demais, sem qualquer outra consi-derao.

    H uma transformao da funo de realizao num status tc-nico, separando a obra da criao. A fbrica se superpe ao pro-duto, o ente criatividade, a produo contnua unidade. Zallo(1988) diz que este segundo modelo triunfa sobre o primeiro. Eleobserva que as emissoras usam o critrio da audincia para aceitarou rechaar programas e para determinar as receitas publicitrias.

    Com relao mercadoria televisiva como programao di-fundida, o autor destaca algumas de suas caractersticas. Em pri-

    meiro lugar, o produto televisivo uma unidade de produo edistribuio (exibio), o que explica porque um mesmo produtopode ser captado por mltiplos receptores.

    Um segundo aspecto que a descontinuidade de produo reparada pela exibio em continuidade, tanto cotidiana como en-tre espaos separados entre si no tempo (informativos, sries). Secombina, assim, um processo produtivo standardpor gneros, te-mticas ou contedo especficos e uma diversidade, uma diferen-ciao de contedos programados.

    Previamente se d uma homogeneizao internacional dos meios

    de produo, o que favorece ao surgimento de tendncia a umaigualdade das condies de valorizao e produo em escala in-ternacional.

    O produto televisivo uma mercadoria complexa em trs va-riantes: por seu contedo (diversidade de contedos genricos, decontedos temticos ou pelos sistemas de emisso), pelas inds-trias que o compem (cinema, edio, informao, msica) e pe-las relaes entre programao e publicidade.

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    Essa ltima se comporta, desde o ponto de vista industrial,como parte da exibio e da programao, como modo de valori-zao da programao e como dispositivo de criao de demandae de acelerao geral do ciclo de produo no capitalismo tardio.

    Uma quarta caracterstica a ser considerada que a progra-mao televisiva, como a programao do rdio, perece imedia-tamente. A diferena que a radiodifuso amplia a margem de

    existncia da produo televisiva tanto em nvel nacional comointernacional. Ainda que residual e decrescente, subsiste um va-lor apto a sucessivas reestrias para novas faixas de audincia.

    No aspecto mercantil, a televiso fundamentalmente um meiode entretenimento e informao e s secundariamente um meiocultural e educativo, inclusive na Europa.

    A difuso televisiva, com exceo dos sistemas de cabo e sat-lite, no internacional. a existncia de um importante mercadointernacional que converte os programas em produtos internacio-nais pelo volume de contratao, pelo seu peso nas programaes

    e pela sua incidncia no modo de fazer televiso.Todos os operadores de televiso procuram complementar suas

    receitas publicitrias com vendas ao exterior, o que exige acomodar-se, adaptar-se aos padres tcnicos e culturais internacionais.

    A televiso, na qualidade de um megameio, tem um baixocusto por destinatrio alcanado, o que a faz extremamente com-petitiva no campo publicitrio. Contudo, para colocar uma emis-sora de televiso em funcionamento so precisos grandes inves-timentos. Alm disso, seu custo de manuteno tambm alto.Hoje s quem tem essa capacidade so os grandes capitais ou o

    Estado.Por fim, o gigantismo televisivo no favorece a aleatoriedade

    da realidade mercantil, porm a concorrncia entre operadores ea multiplicao de canais reintroduzem a incerteza.

    O processo de valorizao no campo da televiso comercialapresenta uma srie de caractersticas que favorecem os movi-mentos atuais de capitais em direo televiso. Isso tem deter-minado uma srie de mudanas no prprio sistema: descentrali-

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    zao, internacionalizao, multiplicao de canais, privatizaoda explorao de redes, rentabilizao de cada emisso e atuaomultimdia.

    Algumas dessas caractersticas so apontadas por Zallo (1988,p.145-147). As televises de todos os pases apresentam uma es-trutura monopolstica ou oligopolstica. Apesar do surgimento denovas televises privadas ou a introduo de critrios comerciaisnas televises pblicas (Europa), mais provvel que do mono-plio se passe situao de oligoplio visto o precedente dosEstados Unidos , o que tem sua importncia desde o ponto devista do valor.

    Pela via do mercado de materiais, redes, programas, publici-dade esto se criando condies mdias de produo em escalainternacional que limitam o poder dos oligoplios nacionais embenefcio dos oligoplios internacionais de programas. O mer-cado de equipamentos e de construo de redes j dominadopelos gigantes internacionais da eletrnica e da comunicao.

    O mercado internacional de programas to competitivo emqualidade e preos que resulta mais exeqvel recorrer a ele doque produzir nacionalmente. Zallo (1988) alerta tambm que omercado publicitrio tende tambm a configurar-se no mbito in-ternacional.

    O autor afirma que a televiso tem a dupla peculiaridade deser uma indstria em si mesma (produtora e exibidora ao mesmotempo) e ser um meio subcontratante de outras indstrias. Paraele, a televiso se diferencia das outras indstrias por uma triplavantagem na hora de valorizao dos capitais: a possibilidade de

    planificar o processo produtivo, a possibilidade de planificar osprogramas e contando com um canal exibidor a planificaoda programao a ser emitida para um maior nmero de pessoas.

    A planificao possibilita a reduo dos custos unitrios, au-menta a produtividade e mantm mercados cativos. Uma progra-mao com problemas do ponto de vista econmico suscetvelde rpidas correes, uma vez que h modelos de programao derentabilidade assegurada.

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    O operador televisivo, em funo do seu trabalho de progra-mador/planificador, est em boas condies para atuar na rea dastelecomunicaes (telemtica, videocomunicao) seja de servi-dor ou explorador da rede, ou na nova televiso (televiso seg-mentada).

    Zallo (1988) entende que, levando-se em conta a importnciados direitos de distribuio de programas necessrios para os ml-tiplos canais particularmente os que apenas podem ter produoprpria como as redes locais de cabo, as televises locais e regio-nais , muito provvel que os grandes operadores internacionaise nacionais e os donos dos direitos de produo (sejam ao mesmotempo produtores de programas ou no) compartam a primaziainternacional e nacional na TV.

    As formas de internacionalizao hoje so variveis, conver-tendo o espao televisivo em espao de valorizao internacional.A dominante a da internacionalizao do mercado de programasque se reflete nas programaes das televises de todo o mundo,

    tanto no seu formato quanto na sua composio.Conforme Zallo (1988), uma segunda forma de internacionali-

    zao a produo e difuso mediante os satlites de distribuioou com a televiso direta por satlite e suas respectivas combina-es com o cabo. Junto com a internacionalizao e a exploraode novas redes de cabo e satlite, as principais formas de valori-zao dos capitais comprometidos com a televiso so: a rentabi-lizao dos atuais canais, a descentralizao e a privatizao oudesregulamentao da explorao das redes.

    A hegemonia da televiso sobre os demais media tambm traz

    como conseqncia que, entre os veculos de comunicao, ela a que se apresenta como a maior fonte de informao sobreo mundo poltico e social dos pases. Como bem coloca Vilches(1996, p.131), as generalizaes que a audincia faz a partir dosprogramas televisivos servem como orientao para construir asua realidade social.

    No Brasil, a televiso ocupa um papel de fundamental impor-tncia na formao da identidade nacional. A TV desempenhou

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    um papel de vanguarda enquanto agente unificador da sociedadebrasileira (Mattelart, 1989, p.36). Dentro desse contexto, o jorna-lismo tem um papel de destaque. Diariamente, durante meia horado horrio nobre da TV, milhes de pessoas sentam em frente aotelejornal para assistir os fatos mais importantes do dia, de umaforma condensada.

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    Captulo 3

    INDSTRIAS CULTURAISE JORNALISMO

    3.1 A lgica do capital e o jornalismo

    O jornalismo, como conhecemos hoje no mundo ocidental, temsuas origens intimamente ligadas ao desenvolvimento do capita-lismo. Na segunda metade do sculo XV, as tcnicas de impressose espalharam rapidamente e imprensas foram estabelecidas nosprincipais centros comerciais europeus:

    Esse fato se constituiu no alvorecer da era da co-municao de massa. Coincidiu com o desenvolvi-mento das primeiras formas de produo capitalistae de comrcio, de um lado, e com os comeos domoderno Estado-nao, de outro. (Thompson, 1995,p.231)

    Os primeiros empreendimentos na rea foram de pequeno portee tinham como interesse a reproduo de manuscritos de carterreligioso e literrio, bem como a produo de textos para a utili-zao no direito, medicina e comrcio. O processo se expandiu,transformando uma srie de atividades antes reservadas a copistase escribas.

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    As primeiras impressoras tornaram-se parte de um novo e flo-rescente comrcio de livros na Europa. No final do sculo XV, asimprensas j tinham se estabelecido na maior parte da Europa epelo menos 35 mil edies j haviam sido produzidas, represen-tando aproximadamente de 15 a 20 milhes de cpias em circula-o.

    Segundo Thompson (1995), as primeiras folhas noticiosas apa-

    receram no comeo do sculo XVI. Eram publicaes ad hocque estavam relacionadas a acontecimentos particulares como,por exemplo, encontros militares. No existiam edies, nem s-ries subseqentes.

    As folhas noticiosas peridicas surgiram na segunda metadedo sculo XVI. No entanto, foi somente no sculo XVII que apa-receram as revistas com notcias regulares e relativamente freqen-tes. As evidncias indicam que o primeiro jornal semanal deve tersurgido em Amsterdam (1607). Em 1620, essa cidade tornou-seo local de um centro de notcias em rpida expanso, pelo qual a

    informao sobre atividades militares, polticas e comerciais eraregularmente difundida pelas diversas cidades europias.

    Embora estimulado pelo desenvolvimento da Guerrados Trinta Anos e pela crescente demanda de not-cias sobre ela, o comrcio inicial de notcias desem-penhou, tambm, um papel importante e crescente naexpanso do sistema capitalista de produo e troca ena emergncia das primeiras formas de financiamentoe crdito capitalistas (Thompson, 1995, p.233).

    Na Inglaterra, a indstria do jornal teve um rpido desenvol-vimento durante a metade do sculo XVII, sujeita a diversos tiposde controle por parte do governo. O primeiro jornal dirio inglssurgiu em 1702 e foi logo seguido por outros. Nas primeiras d-cadas do sculo XVIII, a circulao era baixa e restrita ao centrode Londres. Mas, j na metade do sculo, a circulao dos jornaisdirios de maior sucesso aumentou e a tiragem chegava a trs milcpias.

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    Thompson (1995) observa que o desenvolvimento da inds-tria do jornal nos sculos XIX e XX teve como caracterstica duastendncias principais: o crescimento e a consolidao da circula-o massiva de jornais e a crescente internacionalizao das ati-vidades de coleta das notcias. Para ilustrar o primeiro aspecto,ele toma como exemplo a indstria jornalstica inglesa. O autorlembra que outros pases industrializados tambm tiveram um de-

    senvolvimento semelhante no campo do jornalismo.Durante o sculo XIX, a indstria jornalstica adquiriu um as-

    pecto crescentemente comercial, procurando aumentar a circula-o como um meio de implementar a renda gerada atravs dasvendas de anncios e comerciais. Sua rpida expanso tornou-sepossvel pela melhoria dos mtodos de produo e distribuio,bem como pelo crescimento da alfabetizao e abolio dos im-postos.

    Resultado desse e de outros desenvolvimentos: a circulaodos jornais cresceu regular e significativamente. No final do s-

    culo XIX, o principal jornal dominical ingls, o Lloyds Wee-kly News, apresentava uma circulao ao redor de um milho deexemplares. Os jornais dirios tambm tiveram um aumento ex-pressivo na sua tiragem, sendo que, em 1890, o Daily Telegraphalcanava a circulao de 300 mil cpias.

    O crescimento na circulao dos jornais foi acompanhado pormudanas significativas na natureza e no contedo dos mesmos.Os dirios deram maior ateno ao crime, violncia sexual, aoesporte e aos jogos de azar.

    Ao mesmo tempo os anncios comerciais assumi-ram um papel sempre mais crescente na organizaofinanceira das indstrias, os jornais se tornaram ummecanismo crucial na facilitao da venda de outrosbens e servios, e sua capacidade de garantir retornoda publicidade estava intimamente ligada ao nmeroe perfil dos seus leitores (Thompson, 1995, p.236).

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    Os jornais tornaram-se empreendimentos de grande porte. Otradicional proprietrio, que possua um ou dois jornais como ne-gcio familiar, deu lugar ao desenvolvimento de organizaes degrande porte de muitos jornais e meios. Essa mudana na baseeconmica da indstria jornalstica representou um perodo deconsolidao e concentrao.

    Em 1948, os trs grupos que encontravam-se no topo da pir-

    mide Beaverbrook Newspapers, Associated Newspapers e Kems-ley Newspapers controlavam 43% da circulao do mercado ge-ral de jornais na Inglaterra. Em 1974, os trs grupos do topo Be-averbrook, Reed International e News International detinham65% do mercado. Como colocamos ao tratarmos das indstriasculturais, uma das tendncias recentes das indstrias dos media a crescente concentrao.

    A segunda caracterstica da indstria jornalstica nos sculosXIX e XX, apontada por Thompson (1995), foi a crescente inter-nacionalizao das atividades de coleta de notcias. O fluxo in-

    ternacional da informao assumiu uma nova forma institucionalno sculo XIX; foram criadas agncias de notcias nos principaiscentros comerciais da Europa. Elas se tornaram cada vez maisresponsveis pelo suprimento de informao estrangeira para osclientes dos jornais.

    Em 1977 a Reuters forneceu servios de notciaspara 150 pases e a AFP forneceu servios para 129;a AP e a UPI supriram servios para 108 e 92 pases,respectivamente. Em contraste com a relativamente

    grande disperso dos pases clientes, a localizaodos escritrios de coleta de notcias do exterior ten-dem a se concentrar nas regies mais desenvolvidasdo mundo (Thompson, 1995, p.241).

    O desenvolvimento da televiso tambm acompanha as trans-formaes do capitalismo. Os sistemas de difuso foram revolu-cionados, nas dcadas de 40 e 50, com a chegada da TV. O seu

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    crescimento afetou as outras indstrias culturais, entre outras coi-sas, em termos da competio pelo lucro na publicidade.

    Conforme Thompson (1995), em 1962 a televiso tinha con-quistado 25% dos gastos em publicidade na comunicao na In-glaterra, enquanto que a fatia da imprensa caiu para menos de70%. Em 1982, a fatia da imprensa caiu para menos de 64%, en-quanto que a proporo da televiso subiu para 30%.

    Nos Estados Unidos, a rpida expanso da indstria da tele-viso comeou em 1948 e, em uma dcada, havia mais ou menostantos aparelhos de televiso em uso quanto o nmero de famliasnorte-americanas. Em 1974, mais de 60% das estaes de televi-so daquele pas estavam filiadas s maiores redes nacionais. Asredes constituem um aspecto institucional central do sistema deteleviso dos Estados Unidos. Elas fornecem toda a infra-estruturatcnica e vendem espao de publicidade no mercado nacional a fa-vor de suas filiadas. Esse modelo tambm foi adotado por outrospases, como o caso do Brasil (Thompson, 1995, p.250).

    Vilches (1996, p.171) afirma que o modelo norteamericano um negcio que tem como principal objetivo obter o mximo debenefcio. A rentabilidade o critrio que governa a programa-o. Num sistema de concorrncia, a programao reduzida aum instrumento para obter mais caras de publicidade. O autor dizque as dimenses polticas e econmicas da televiso so bastanteevidentes.

    Um outro autor que chama a ateno para as relaes entrea imprensa e o capitalismo Jrgen Habermas. Em Mudana

    Estrutural da Esfera Pblica, ele faz uma anlise do desenvol-vimento das instituies dos media desde o sculo XVII at hoje.Habermas (1984) faz uma radiografia do surgimento e da con-seqente desintegrao do que ele classifica de esfera pblica.

    No entender do autor, o desenvolvimento do Estado e das or-ganizaes comerciais de comunicao de massa transformarama esfera pblica emergente de uma maneira to forte que seu po-tencial crtico foi reduzido.

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    Para Habermas (1984), o modelo de esfera pblica burguesacontava com a separao rgida entre o setor pblico e o setorprivado; a esfera pblica das pessoas privadas reunidas num p-blico, que fazia a mediao entre o Estado e as necessidades dasociedade era computada ela mesma no setor privado.

    medida que o setor pblico se imbrica com o setor privado,esse modelo se torna intil. Ou seja, surge uma esfera repoliti-

    zada, que no pode ser subsumida, nem sociolgica nem juridi-camente, sob as categorias do pblico ou do privado (Habermas,1984, p.208).

    Habermas (1984) considera que a refuncionalizao do prin-cpio da esfera pblica baseia-se numa reestruturao pblica,enquanto uma esfera que pode ser apreendida na evoluo desua instituio por excelncia: a imprensa (o grifo nosso). Deum lado temos que, na mesma medida de sua comercializao,supera-se a diferena entre a circulao de mercadorias e a circu-lao do pblico; dentro do setor privado, apagase a ntida deli-

    mitao entre a esfera pblica e a esfera privada.Do outro lado, no entanto, a esfera pblica, medida que a in-

    dependncia de suas instituies s pode ser assegurada mediantecertas garantias, deixa de ser de um modo geral exclusivamentedo setor privado. Enquanto antigamente a imprensa s podia in-termediar e reforar o raciocnio das pessoas privadas reunidasem um pblico, este passa agora, pelo contrrio, a ser cunhadoprimeiro atravs dos meios de comunicao de massa (Habermas,1984, p.213-221).

    Na introduo da Histria da Imprensa no Brasil, Nelson

    Werneck Sodr defende que a histria da imprensa a prpriahistria do desenvolvimento capitalista.

    Em que pese tudo o que depende de barreiras na-cionais, de barreiras lingsticas, de barreiras cultu-rais como a imprensa tem sido governada, em suasoperaes, pelas regras gerais da ordem capitalista,particularmente em suas tcnicas de produo e de

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    circulao tudo conduz uniformidade... (Sodr,1983, p.1)

    Tendo por base o livro de Sodr (1983) procuraremos mos-trar que, no Brasil, o desenvolvimento do jornalismo tambm estrelacionado com as transformaes capitalistas. Em sua obra, oautor faz uma radiografia da histria da imprensa no pas desde a

    colnia at o comeo da segunda metade da dcada de 1960.A passagem do sculo XIX para o sculo XX representa para

    o Brasil a transio da pequena para a grande imprensa. Os peque-nos jornais e as folhas tipogrficas de estrutura simples cederamlugar s empresas jornalsticas que dispunham de todo o equipa-mento grfico necessrio para execuo da sua funo.

    As grandes transformaes que aconteceram no pas, desdeos fins do sculo o fim do escravismo e o advento da Rep-blica principalmente , corresponderam ao avano das relaescapitalistas no Brasil e, como conseqncia, o avano progressivo

    da burguesia. dentro desse contexto que se situa a passagemda imprensa artesanal imprensa industrial, da pequena grandeimprensa.

    A partir de ento, o jornal ser uma empresa capitalista de me-nor ou maior porte. Pode-se dizer que o jornal romntico, comoaventura isolada, de propriedade individual, desaparece nas gran-des cidades, sendo relegado ao interior, onde ainda hoje encontra-mos esse tipo de jornal.

    Sodr (1983) ressalta que desde os terceiro e quarto decniosdeste sculo, a concentrao da imprensa era to marcante, emsua segunda metade que, tendo desaparecido numerosos jornaise revistas, uns poucos novos apareceram. Os dois que surgiramforam os vespertinos ltima Hora e Tribuna da Imprensa, di-rigidos respectivamente por Samuel Wainer e Carlos Lacerda. Oautor informa tambm que a nica grande revista que apareceunessa fase de concentrao foi a Manchete, em 1953.

    A concentrao tomaria aspectos ainda mais acen-tuados com o desenvolvimento do rdio e da televi-

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    so: a tendncia s grandes corporaes, de que osDirios Associados constituem o primeiro exemplo,agravar-se-ia com a constituio de corporaes com-plexas, reunindo jornais e revistas, emissoras de rdioe televiso (Sodr, 1983, p.388).

    Em sua pesquisa, Sodr (1983) adianta algumas tendncias

    das empresas de comunicao num mundo globalizado. Para ele,as empresas ampliam-se incorporando revistas, emissoras de r-dio e de televiso. O autor acrescenta que, em alguns casos, elastranscendem o seu campo especfico e integram indstrias as maisdiversas (veja o caso da Rede Globo, j citado, apresentado nestetrabalho).

    Ele se mostra preocupado com esse quadro, uma vez que nasociedade capitalista a liberdade de imprensa est condicionadaaos recursos que a empresa dispe e do grau de sua dependnciaem relao s agncias de publicidade.

    Goldenstein, em Do Jornalismo Poltico Indstria Cultu-ral (1987), mostra como a lgica do capital influenciou o destinode dois jornais: ltima Hora e Notcias Populares. O primeiro,de propriedade de Samuel Wainer, tinha como estratgia quebrara conspirao de silncio que a grande imprensa fazia em tornodo nome de Getlio Vargas.

    ltima Hora haveria de ser duplamente uma tribuna de Ge-tlio: diretamente, atravs da mensagem que veicularia, e, indire-tamente, atravs da concorrncia que determinaria, obrigando osdemais rgos da imprensa a reverem sua poltica editorial.

    J Notcias Populares nasce como um contraponto ltima

    Hora classificado como de esquerda. um empreendimento dehomens ligados UDN, pertencia ao presidente do partido napoca, Herbert Levy, um homem ligado ao capital financeiro (foiproprietrio do Banco Amrica, depois absorvido pelo Ita). Foium dos lderes da ofensiva contra Joo Goulart, a partir de 1963,por grupos empresariais de So Paulo.

    Criado 12 anos aps ltima Hora, num momento em que oBrasil entrava j em sua fase monopolista, Notcias Populares te-

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    ria uma organizao industrial e empresarial extremamente frgilpara a poca e marcada pela improvisao. Isso deve-se ao fato deque o objetivo do jornal era poltico.

    Goldenstein (1987) mostra a trajetria dos dois jornais at acompra deles pelo grupo Frias-Caldeira, que no incio dos anos70 controlaria sozinho cerca de 50% do mercado jornalstico deSo Paulo. A autora explica que depois do governo Kubitscheck,

    o capitalismo no Brasil passou a uma dinmica tipicamente mo-nopolista.

    O novo perodo que se abriu em 1967 tem no setor de dur-veis o seu principal apoio, com a publicidade ganhando relevnciae o desenvolvimento d base formao e sustentao de grandesconglomerados de mass media. Goldenstein (1987) ressalta queentrvamos na fase da indstria cultural, com a ltima Hora deSo Paulo e Notcias Populares integrando-se nova fase aco-plados cadeia Frias-Caldeira:

    Mas, nesta integrao inverter-se-ia algo na es-sncia destes jornais: a relao entre a mensagem ea empresa. A partir de agora, a empresa subordinariaa mensagem. At aqui tinham utilizado algumas tc-nicas da indstria cultural. Doravante, seriam regidospela lgica da indstria cultural. Sua mensagem, queat aqui fora mercadoria por acrscimo, passava a s-la por definio (Goldenstein, 1987, p.149).

    O grupo Frias-Caldeira tambm comprou a Folha de So Pauloque ao longo dos anos passou por uma reestruturao profunda.

    No comeo, uma reforma tecnolgica, econmica e comercial,medidas necessrias para uma empresa que agora faria parte deum grande conglomerado.

    De acordo com Ortiz (1995, p.140), mais adiante a Folha pas-sou por profundas transformaes no processo mesmo do traba-lho jornalstico. Foi criado um novo Manual de Redao que bus-cou padronizar a produo do jornal. Alm disso, a automaoda Folha de So Paulo resultou num aumento da velocidade de

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    impresso, reduzindo o tempo de produo e diminuindo os cus-tos do processo. A composio dos artigos se tornou mais gil eprecisa.

    Num estudo sobre as tendncias do jornalismo, Francisco R-diger mostra que a passagem do jornalismo gacho fase indus-trial cultural coincide com o surgimento dos grandes conglome-rados de comunicao. Eles so resultado da fuso entre empre-sas jornalsticas e emissoras de rdio e televiso, cuja vanguardacoube e vem sendo mantida at os dias de hoje ao grupo RBS(Rdiger, 1993, p.69-70).

    As dcadas de 60 e 70 se definem pela consolidao de ummercado de bens culturais no Brasil. Ortiz (1995) argumenta quedurante esse perodo h uma grande expanso em nvel de produ-o, de distribuio e de consumo de cultura. Os grandes conglo-merados dos meios de comunicao, no capitalismo avanado, jno so mais controlados pelos capites de indstria (Assis Cha-teubriand), que cedem lugar aos homens de organizao (Roberto

    Marinho), como a nova situao exigia.Na rea da televiso, o quadro no muito diferente. As mu-

    danas que acontecem no capitalismo internacional tm um re-flexo direto, entre outras coisas, sobre o desenvolvimento do ve-culo no Brasil. Caparelli (1982, p.21) divide o crescimento da te-leviso em dois perodos: um que vai do comeo dos anos 50 e,principalmente, da segunda metade do governo de Juscelino Ku-bitschek, at 1964; e o segundo, no perodo ps-1964.

    Entre as duas fases, Caparelli (1982) evidencia um perodo detransio em que destacam-se dois acontecimentos. O primeiro

    o acordo feito entre a televiso Globo e o Time/Life (Herz, 1987);o segundo, a ascenso e queda da TV Excelsior de So Paulo. Umterceiro aspecto a ser destacado o declnio dos Associados, quetem incio na primeira fase. Os perodos relacionados pelo autorguardam uma relao entre si e no podem ser trabalhados de umaforma isolada.

    O primeiro perodo que tem como marca o imprio Chateau-briand (Dirios Associados), de capital nacional, mostra o velho

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    estilo empresarial brasileiro de administrar. J a segunda fase, cujamelhor expresso a Rede Globo de Televiso, contou com o im-pulso do capital estrangeiro integrado indstria de informaocomo um dos setores mais avanados do capitalismo em expan-so.

    Mattos (1990) recorda que o golpe de 1964 teve um forte im-pacto sobre os meios de comunicao de massa porque o sistema

    poltico e a situao socioeconmica do pas foram totalmentemodificados pela definio de um modelo econmico para o de-senvolvimento nacional.

    O crescimento econmico do pas foi centrado narpida industrializao, baseada em tecnologia im-portada e capital externo, enquanto os veculos de co-municao de massa, principalmente a televiso, pas-saram a exercer o papel de difusores da produo debens durveis e no-durveis (Mattos, 1990, p.13).

    Durante os 21 anos de regime militar, 1964-1985, o financia-mento dos mass media representou um poderoso veculo de con-trole estatal, em razo da vinculao entre os bancos e o governo.Os meios de comunicao adotaram uma posio de sustentaodas medidas governamentais. Nesse aspecto, o jornalismo apre-sentou uma importante contribuio. Greves, agitaes, atentadose conflitos no faziam parte da cobertura jornalstica. Essa distor-o era viabilizada pelos telejornais das emissoras, j estabeleci-das em redes nacionais.

    O script de abertura do primeiro jornal Jornal Nacional, 1o

    de setembro de 1969, dizia que o Jornal Nacional inaugurava na-quele momento a imagem e o som de todo o pas. No mesmojornal, o apresentador Hilton Gomes informava que desde o diaanterior o Brasil era governado pelo Almirante Augusto Rade-maker, ministro da Marinha, general Lyra Tavares, ministro doExrcito, e o marechal-do-ar, Mrcio de Souza e Melo, ministroda Aeronutica (Mello e Souza, 1984, p.16).

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    A primeira imagem que o Jornal Nacional colocou no ar foium VT com a fala de Delfim Neto, na poca ministro da Fazenda,o primeiro a despachar com a Junta Militar. Nesse dia, a atividadefinanceira do pas ficou paralisada porque o presidente do BancoCentral, Ernane Galveas, determi