Viver e Educar Na Oração e Para a Oração
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206
Viver e Educar
na oração
e para
a Oração
Jornadas da Catequese
Pe. Amaro Gonçalo
Casa Diocesana de Vilar,
20-22 de Julho 2012
206
SEXTA 16H00-17H30
Apresentação
Introdução
I. A IMPORTÂNCIA DE INICIAR NA ORAÇÃO
I.1. Sem oração não há vida cristã
I.2. Senhor, ensina-nos a orar
I.2.1. Jesus reza
I.2.2. Jesus ensina a rezar
I.2.3. Jesus atende a nossa oração
I.2.4. O pai-nosso, a mais perfeita das orações
I.3. Necessidade de iniciar na arte da oração
I.4. O Espírito Santo ensina-nos a rezar
I.5. Exercício prático: Rezemos o pai-nosso!
SEXTA 18H00-20H00
II. O QUE É REZAR?
II.1. Definições de oração
II.2. A Oração, segundo o CIC
II.2.1.Dom de Deus
II.2.2.Aliança
II.2.3.Comunhão
II.2.3.1. Abertura a uma comunhão
III. O COMBATE DA ORAÇÃO
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III.1. As objeções à oração
III.1.1. As objeções relacionadas com a experiência pessoal
III.2. A humilde vigilância do coração
III.2.1. Perante as tentações na oração
III.2.2. O que fazer quando desaparece o gosto da oração
III.3. A confiança filial
III.3.1. Porque nos lamentamos por não sermos atendidos
III.3.2. Como é que a nossa oração seria eficaz
III.4. Perseverar no amor
III.5. Um exercício pessoal de oração
SÁBADO, 09H00-10H30
IV. PARA UMA PEDAGOGIA DA ORAÇÃO
IV.1. Entabular o jogo
IV.2. Atitudes orantes
IV.2.1. Sentido de Igreja
IV.2.2. Pobreza
IV.2.3. Liberdade
IV.2.4. Determinada determinação
IV.2.5. Um ambiente vital
IV.2.6. Outras atitudes prévias: solidão, silêncio, diálogo, desportivismo
IV.3. Aprender a orar a partir do silêncio
4.3.1. O elogio do silêncio (Tolentino, João Paulo II, Bento XVI)
4.3.2 Criar silêncio
4.3.3. Silêncio do espírito, dos olhos e das palavras
4.3.4. O silêncio de Jesus (Bento XVI)
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4.3.5. O silêncio na Liturgia
4.3.5.1. Diversos tipos de silêncio na Liturgia
4.3.6. Exercício para aprender a orar a partir do silêncio
IV.4. Aprender a orar a partir dos sentidos
IV.4.1. Apendemos a orar com o olhar: saber olhar
IV.4.1.1. O olhar como comunicação
IV.4.1.2. Os olhos de Jesus
IV.4.1.3. O olhar na Liturgia
IV.4.1.4. O olhar na catequese: educar para a arte e estética
IV.4.1.5. Rezar com as imagens
IV.4.1.6. Rezar com os ícones
IV.4.1.6.1. Os ícones
IV.4.1.6.2. Características do ícone
IV.4.1.6.3. Normas do pintor de ícones
IV.4.1.6.4. Valores da oração a partir dos ícones
IV.4.1.6.5. Exercício prático de oração com um ícone
IV.4.1.6.6. Exercício prático: uma experiência de oração com o olhar
SÁBADO, 11H00-12H30
IV.4.2. Aprendemos a orar na escuta: saber ouvir
4.4.2.1 Ouvir Deus
4.4.2.2. Educar a ver e ouvir em catequese
4.4.2.3. Exercício prático: aprendemos a orar escutando
IV.4.3. Aprendemos a rezar com o tato: saber tocar
IV.4.3.1. Deus na realidade que tocamos
IV.4.3.2. Rezar com as mãos, na Liturgia
IV.4.3.3. Exercício prático: aprendemos a orar com as mãos
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IV.4.4. Aprendemos a rezar com as palavras: saber dizer
IV.4.4.1. Encher as palavras
IV.4.4.2. Educar na e para a Palavra na catequese
IV.4.4.3. Exercício prático: Aprendemos a rezar com as nossas palavras
IV.4.5. Aprendemos a rezar calados: saber calar
IV.4.5.1. Silêncio e oração
IV.4.5.2. O silêncio cheio
IV.4.5.3. Educar no silêncio e para o silêncio
IV.4.5.4. Exercício prático: aprendemos a orar a partir do silêncio
IV.4.5.5. Exercício fundamental em ordem ao silêncio: o triplo recolhimento
IV.4.6. O coração do orante
IV.4.6.1. Abertura de coração
IV.5. Rezar com o corpo
IV.5.1. O corpo participa na oração
IV.5.2. O corpo na liturgia: de pé, sentados, gestos de humildade
IV.5.3. Exercício prático de oração com o corpo
SÁBADO, 14H30-16H00
V. COMO INICIAR À ORAÇÃO NO ENCONTRO CATEQUÉTICO
V.1. Ao iniciar o encontro
V.2. Ao proclamar a Palavra
V.3. Ao expressar a Fé
V.4. Ao ir para a vida
V.5. A importância de um oracional na Catequese
V.6. O catequista, mestre da oração
V.7. Algumas propostas para a vida de oração do catequista
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VI. INICIAR NAS DISTINTAS FORMAS DE REZAR
VI.1. Oração de bênção e adoração
VI.1.1. Algumas propostas para iniciar nesta forma de oração na Catequese
VI.1.2. Rezar com os salmos: a oração da Igreja
VI.1.3. Exercício Prático: Lectio Divina do Salmo 1
VI.2. Oração de petição
VI.2.1. Objeções à oração de petição
VI.2.2. Algumas propostas deste tipo de oração na Catequese
VI.3. Oração de intercessão
VI.3.1. Algumas propostas para iniciar na oração de intercessão na Catequese
VI.4. Oração de ação de graças
VI.4.1. Algumas propostas para iniciar a esta forma de oração na Catequese
VI.5. Oração de louvor
VI.5.1. Algumas propostas para iniciar a esta forma de oração na Catequese
SÁBADO, 16H30-18H30
VII. CAMINHOS PARA EXPRIMIR A ORAÇÃO
VII.1. A oração vocal
VII.1.1. Regras práticas para a oração vocal
VII.1.2. Algumas propostas deste tipo de oração na Catequese
VII.1.3. Exercício prático de orações breves e repetidas
VII.2. A meditação
VII.2.1. Algumas propostas deste tipo de oração na Catequese
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VII.3. A contemplação (ou a oração mental)
VII.3.1. Um olhar contemplativo
VII.3.2. Fases da oração contemplativa
VII.3.3. Desenvolver a dimensão contemplativa da vida
VII.3.3.1. Não é fácil hoje viver a dimensão contemplativa da vida
VII.3.3.2. O homem aberto a Deus
VII.3.3.3. Recuperar alguns valores
VII.3.3.4. Oração e ser do homem
VII.3.4. Algumas propostas para iniciar na oração contemplativa, na Catequese
VII.3.5. Dois exercícios de contemplação adquirida
DOMINGO- 09H00-10H30
VIII. UM MÉTODO PARA A LEITURA ORANTE DA BIBLIA: A LECTIO DIVINA
VIII.1.Um pouco de história
VIII.2.Os 4 degraus da lectio divina
VIII.2.1. Leitura
VIII.2.2. Meditação
VIII.2.3. Oração
VIII.2.4. Contemplação
VIII.3.Síntese
DOMINGO – 14H15-16H30
VIII.4.Algumas sugestões práticas para obter frutos na lectio divina
VIII.5.Lectio Divina adaptada a crianças
VIII.6.Lectio Divina na Catequese do 4º ao 6º anos
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VIII.7.Exercício prático de Lectio Divina na Catequese
Conclusão
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Sexta, 16h00-17h30
Apresentação
Introdução
A aprendizagem da oração é uma das tarefas fundamentais da Catequese, já
que o tornar possível o encontro pessoal e vital do homem com Deus é a
missão primordial da educação na fé. Vejamos o que nos dizem os principais
documentos do Magistério da Igreja sobre este tema em estudo:
João Paulo II, Catechesi tradendae, 5
Deseja-se acentuar, antes de mais nada, que no centro da catequese
encontramos essencialmente uma Pessoa: a Pessoa de Jesus de Nazaré,
«Filho único do Pai, cheio de graça e de verdade», que sofreu e morreu
por nós, e que agora, ressuscitado, vive connosco para sempre. Este
mesmo Jesus que é «o Caminho, a Verdade e a Vida», e a vida cristã
consiste em seguir a Cristo, «sequela Christi». O objeto essencial e
primordial da catequese, pois, para empregar uma expressão que São
Paulo gosta de usar e que é frequente na teologia contemporânea, é «o
Mistério de Cristo». Catequizar é, de certa maneira, levar alguém a
perscrutar este Mistério em todas as suas dimensões: «expor à luz,
diante de todos, qual seja a disposição divina, o Mistério. (…) Neste
sentido, a finalidade definitiva da catequese é a de fazer que alguém se
ponha, não apenas em contacto, mas em comunhão, em
intimidade com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai
no Espírito e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade.
Catecismo da Igreja Católica 426
«No coração da catequese, encontramos essencialmente uma Pessoa:
Jesus de Nazaré, Filho único do Pai [...], que sofreu e morreu por nós e
que agora, ressuscitado, vive connosco para sempre [...]. Catequizar [...]
é revelar, na Pessoa de Cristo, todo o desígnio eterno de Deus [...]. É
procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e
dos sinais por Ele realizados». O fim da catequese é «pôr em
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comunhão com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai,
no Espírito, e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade».
Diretório Geral da Catequese 85
A comunhão com Jesus Cristo conduz os discípulos a assumirem a
atitude orante e contemplativa que adotou o Mestre. Aprender a
rezar com Jesus é rezar com os mesmos sentimentos com os
quais Ele se dirigia ao Pai: a adoração, o louvor, o agradecimento, a
confiança filial, a súplica e a contemplação da sua glória. Estes
sentimentos se refletem no Pai Nosso, a oração que Jesus ensinou aos
discípulos e que é modelo de toda oração cristã. A «entrega do Pai
Nosso», resumo de todo o Evangelho, é, portanto, verdadeira expressão
da realização desta tarefa. Quando a catequese é permeada por um
clima de oração, a aprendizagem de toda a vida cristã alcança a sua
profundidade. Este clima torna-se particularmente necessário quando o
catecúmeno e os catequizandos se confrontam com os aspetos mais
exigentes do Evangelho e se sentem fracos, ou ainda quando descobrem,
admirados, a ação de Deus na sua vida.
Entender que a oração ocupa na catequese um lugar prioritário supõe chegar a
compreender o verdadeiro objetivo da catequese e de toda a vida cristã: a
comunhão com Jesus Cristo:
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I. A IMPORTÂNCIA DE INICIAR NA ORAÇÃO
I.1. Sem oração não há vida cristã
Se não rezamos, a nossa vida cristã apaga-se aos poucos e corre o risco de
desaparecer no meio dos afãs deste mundo. Sobre a importância da oração
basta ler a introdução à IV Parte do Catecismo da Igreja Católica, sobre a
oração, onde nos é dito, logo em jeito de introdução:
Catecismo da Igreja Católica 2558
“Mistério admirável da nossa fé”. A Igreja professa-o no Símbolo dos
Apóstolos e celebra-o na Liturgia Sacramental, para que a vida dos fiéis
seja configurada com Cristo no Espírito Santo para glória de Deus Pai.
Este mistério exige, portanto, que os fiéis nele creiam, o celebrem e dele
vivam, numa relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Esta
relação é a oração”
“Esta relação é a oração”. Isso mesmo justifica a importância que o CIC dá à
Oração, no conjunto das restantes partes que nela, de modo especial, se torna
possível e se desenvolve a relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro,
que realiza o cristão quando professa a fé no Credo, celebra os sacramentos e
cumpre os mandamentos do Senhor.
A pastoral, tanto teórica como prática, não tem insistido suficientemente, no
lugar que ocupa e deve ocupar a pastoral da oração, no caminho da vida cristã,
antes e depois do itinerário que leva aos sacramentos da iniciação cristã e
dentro das melhores ofertas que uma pastoral deve oferecer aos cristãos de
hoje, para que possam ser conscientes da sua fé e da sua relação pessoal com
o Deus, que se revela, como amigo e convida a todos à comunhão com Ele. Não
era assim nas primitivas comunidade cristãs, como nos lembra o CIC:
Catecismo da Igreja Católica 2624
Na primeira comunidade de Jerusalém, os crentes «eram assíduos ao ensino
dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações» (At 2,
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42). Esta sequência é típica da oração da Igreja: fundada sobre a fé
apostólica e autenticada pela caridade, alimenta-se na Eucaristia.
I.2. Senhor, ensina-nos a orar
Jesus iniciou os seus discípulos na oração, primeiro com o seu próprio exemplo
e depois instruindo-os com a oração do Pai-Nosso. Ele fez da oração o objeto do
seu mandato. Ao mesmo tempo que nos ensina a rezar, Jesus ordena e
recomenda, com insistência, aos seus discípulos, que rezem: «vigiai e orai»
(Mc.14,38). Isso mesmo nos recorda de maneira sintética o CIC, cujos números
mais significativos passamos a citar:
I.2.1. Jesus reza
Catecismo da Igreja Católica 2599: Reza com as orações do seu Povo
O Filho de Deus, feito Filho da Virgem, aprendeu a orar segundo o seu
coração de homem. Aprendeu as fórmulas de oração com a sua Mãe, que
conservava e meditava no seu coração todas as «maravilhas» feitas pelo
Omnipotente (Lc.1.49: 2,19; 2,51).
Ele ora com as palavras e nos ritmos da oração do seu povo, na
sinagoga de Nazaré e no Templo. Mas a sua oração brotava duma
fonte muito mais secreta, como deixa pressentir quando diz, aos doze
anos: «Eu devo ocupar-me das coisas do meu Pai» (Lc 2, 49). Aqui
começa a revelar-se a novidade da oração na plenitude dos tempos: a
oração filial, que o Pai esperava dos seus filhos, vai finalmente ser vivida
pelo próprio Filho Único na sua humanidade, com e para os homens.
Catecismo da Igreja Católica 2600: Reza impelido pelo Espírito Santo e
em momentos decisivos
O Evangelho segundo São Lucas sublinha a ação do Espírito Santo e o
sentido da oração no ministério de Cristo. Jesus ora antes dos momentos
decisivos da sua missão: antes de o Pai dar testemunho d'Ele aquando
do seu batismo (Lc.3,21) e da sua transfiguração (Lc.9,28) e antes de
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cumprir, pela paixão, o desígnio de amor do Pai (Lc.22.41-44). Reza
também antes dos momentos decisivos que vão decidir a missão dos
seus Apóstolos: antes de escolher e chamar os Doze (Lc.6,12), antes de
Pedro O confessar como o «Cristo de Deus» (Lc.9,18-20) e para que a fé
do chefe dos Apóstolos não desfaleça na tentação (Lc.22.32). A oração
de Jesus antes dos acontecimentos da salvação de que o Pai O
encarrega, é uma entrega humilde e confiante da sua vontade à vontade
amorosa do Pai.
Catecismo da Igreja Católica 2601. Reza e ensina a rezar com o
exemplo da sua oração
«Estando um dia Jesus em oração em certo lugar, quando acabou disse-
Lhe um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar» (Lc 11, 1). Não é,
porventura, ao contemplar primeiro o seu Mestre em oração, que o
discípulo de Cristo sente o desejo de orar? Pode então aprendê-la com o
mestre da oração. É contemplando e escutando o Filho que os filhos
aprendem a orar ao Pai.
Catecismo da Igreja Católica 2602. Reza a sós, de noite e reza por nós
Jesus retira-Se muitas vezes sozinho para a solidão, no cimo da
montanha, preferentemente de noite, a fim de orar (Mc.1,35; 6,46;
Lc.54,.5,16). Na sua oração Ele leva os homens, porquanto Ele próprio
assumiu a humanidade na sua encarnação, e oferece-os ao Pai
oferecendo-Se a Si mesmo. Ele, o Verbo que «assumiu a carne», na sua
oração humana partilha tudo quanto vivem os «seus irmãos» (Heb 2,12);
e compadece-Se das suas fraquezas para os livrar delas (Heb 2, 15). Foi
para isso que o Pai O enviou. As suas palavras e as suas obras aparecem
então como a manifestação visível da sua oração «no segredo».
Catecismo da Igreja Católica 2603. Reza louvando o Pai pela revelação
aos simples
Os evangelistas retiveram duas orações mais explícitas de Cristo durante
o seu ministério. E ambas começam por uma ação de graças. Na
primeira (Mt.11.25-27; Lc.10,21-22), Jesus louva o Pai, reconhece-O e
bendi-Lo por ter escondido os mistérios do Reino aos que se julgavam
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sábios e os ter revelado aos «pequeninos» (os pobres das bem-
aventuranças). O seu estremecimento – «Sim Pai!» – revela o íntimo do
seu coração, a sua adesão ao «beneplácito» do Pai, como um eco do
«Fiat» da sua Mãe aquando da sua conceção e como prelúdio do que Ele
próprio dirá ao Pai na sua agonia. Toda a oração de Jesus está nesta
adesão amorosa do seu coração de homem ao «mistério da vontade» do
Pai (Ef.1.9).
Catecismo da Igreja Católica 2604. Reza louvando o Pai, porque este O
escuta
A segunda oração é referida por São João (Jo.11,41-42), antes da
ressurreição de Lázaro. A ação de graças precede o acontecimento: «Pai,
Eu Te dou graças por Me teres escutado», o que implica que o Pai atende
sempre o que Lhe pede; e Jesus acrescenta logo: «Eu bem sabia que Tu
Me atendes sempre», o que implica, por seu turno, que Jesus pede
constantemente. Assim, apoiada na ação de graças, a oração de Jesus
revela-nos como devemos pedir: Antes de Lhe ser dado o que pede,
Jesus adere Aquele que dá e Se dá nos seus dons. O Doador é mais
precioso do que dom concedido, é o «tesouro», e é n'Ele que está o
coração do Filho; o dom é dado «por acréscimo» (Mt.6,21.33).
A oração «sacerdotal» de Jesus (Jo.17) ocupa um lugar único na
economia da salvação. Será meditada no final da primeira Secção. Ela
revela, de facto, a oração sempre atual do nosso Sumo-Sacerdote e, ao
mesmo tempo, contém tudo quanto Ele nos ensina na nossa oração ao
Pai, que será explicada na Segunda Secção.
Catecismo da Igreja Católica 2605. Reza na agonia e na Cruz
Quando chegou a Hora em que cumpriu o desígnio de amor do Pai, Jesus
deixa entrever a profundidade insondável da sua oração filial, não só
antes de livremente Se entregar («Abbá... não se faça a minha vontade,
mas a tua»: Lc 23, 42), mas até nas suas últimas palavras já na cruz,
onde orar e dar-Se coincidem: «Perdoa-lhes, ó Pai, pois não sabem o que
fazem» (Lc 23, 34); «em verdade te digo: hoje estarás comigo no
paraíso» (Lc 23, 43); «Mulher, eis aí o teu filho» [...] «eis aí a tua mãe»
(Jo 19, 26-27); «tenho sede!» (Jo 19, 28); «meu Deus, por que Me
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abandonaste?» (Mc 15, 34) (56); «tudo está consumado» (Jo 19, 30);
«Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46), até ao «grande
brado» com que expira, entregando o espírito (Mc.15,37; Jo.19,30).
Catecismo da Igreja Católica 2606. Ressuscitado, intercede por nós
Todas as desolações da humanidade de todos os tempos, escrava do
pecado e da morte, todas as súplicas e intercessões da história da
salvação estão reunidas neste brado do Verbo encarnado. E eis que o Pai
as acolhe e as atende, para além de toda a esperança, ao ressuscitar o
seu Filho. Assim se cumpre e se consuma o drama da oração na
economia da criação e da salvação. Dele nos dá o Saltério a chave em
Cristo. É no «hoje» da ressurreição que o Pai diz: «Tu és meu Filho, Eu
hoje Te gerei. Pede-Me, e Te darei as nações por herança e os confins da
terra para teu domínio!» (Sl 2, 7-8) (58). A Epístola aos Hebreus exprime
em termos dramáticos como é que a oração de Jesus realiza a vitória da
salvação: «Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas,
com um forte brado e com lágrimas, Aquele que O podia livrar da morte
e, por causa da sua piedade, foi atendido. Apesar de ser Filho, aprendeu,
de quanto sofreu, o que é obedecer. E quando atingiu a sua plenitude,
tornou-Se, para todos aqueles que Lhe obedecem, causa de salvação
eterna» (Heb 5, 7-9).
Sete momentos de oração de Jesus1
O chamamento dos apóstolos
“Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer oração e passou a noite a orar a
Deus. Quando nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu doze dentre
eles, aos quais deu o nome de Apóstolo.” (Lucas 6, 12-13)
Para se abrir totalmente à luz divina no momento em que vai chamar os seus
discípulos para participarem na sua missão, Jesus passa toda a noite em oração.
Não é a única vez em que reza durante a noite. E mesmo assim, um dos doze
escolhidos chama-se Judas. Que mistérios nos desígnios ocultos de Deus!
1 In La prière: Entre combat et extase; Trad.: rm © SNPC (trad.) | 04.05.10
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A confissão de Pedro
“Um dia, quando orava em particular, estando com Ele apenas os discípulos,
perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?» (...) «E vós, quem
dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e respondeu: «O Messias de Deus.»”
(Lc 9, 18-22)
Estamos no momento central do ministério de Jesus. Ele é reconhecido como
Messias por Pedro, que por sua vez deve a sua fé à oração do mesmo Jesus.
«Simão, Simão, olha que Satanás pediu para vos joeirar como trigo. Mas Eu
roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido,
fortalece os teus irmãos.» (Lc 22, 31-32)
Sim, a fé da Igreja está suspensa pela oração de Jesus (João 17).
A transfiguração
“Levando consigo Pedro, João e Tiago, Jesus subiu ao monte para orar.
Enquanto orava, o aspeto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-
se de uma brancura fulgurante. E dois homens conversavam com Ele: Moisés e
Elias, os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua morte, que ia
acontecer em Jerusalém. (...) Surgiu uma nuvem que os cobriu; (...) E da nuvem
veio uma voz que disse: «Este é o meu Filho predileto. Escutai-o.»” (Lucas 9,
28-36)
A estrela de Jesus está já em declínio e cresce a resistência à sua mensagem.
Mais uma vez, é na oração que Jesus é confirmado na sua missão – aqui
claramente a de “servo sofredor” – a fim de poder fazer face ao êxodo que vai
realizar em Jerusalém. Em contraponto à Cruz que se perfila, um pouco da
glória oculta da ressurreição deixa-se entrever... na oração. A fé dos discípulos
é antecipadamente fortalecida. A revelação do batismo, neste momento crucial,
é retomada e precisada.
O hino de júbilo
“Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a ação do Espírito
Santo e disse: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste
estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim,
Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai; e
ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho e
aquele a quem o Filho houver por bem revelar-lho.»” (Lc 11, 1-2)
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Quando Jesus se diz “Filho”, situa-se diante de Deus como um filho perante o
seu pai, realizando a obra que lhe é confiada, em perfeita sintonia com a
vontade do Pai; confiando-se totalmente a Ele, vivendo na sua presença, tendo
recorrido a Ele em todos os momentos em que se impôs uma escolha, falando-
Lhe com a simplicidade, ternura, segurança de uma criança com o seu papá
(Abba).
E Deus é Pai para Jesus através da maneira como age com Ele; dado que Ele o
conduz, entrega-lhe o seu poder, confia-lhe os seus segredos e os seus projetos,
como um pai faz com o seu filho.
Há uma relação única de intimidade entre Filho e Pai, uma comunhão total, no
Espírito, do seu amor mútuo. É no interior desta relação que Jesus é o que é; e a
oração é o lugar privilegiado do seu “ser filho”. “Ninguém conhece o Filho se
não o Pai.” “Conhecimento” deve ser entendido aqui no sentido bíblico da
palavra: uma comunicação de amor. O seu princípio está no olhar eletivo e
criador colocado pelo Pai sobre Jesus. Ninguém está a esse nível de
profundidade. E ninguém conhece quem é o Pai se não o Filho. A nenhum outro
o Pai revelou o mistério da sua providência. Nenhum outro reconheceu tão
intimamente o amor do Pai, nenhum outro confessou a sua fidelidade numa tal
resposta de obediência, nenhum outro consagrou todas as suas forças e a sua
vida à realização do seu plano. A Igreja nasceu do que Jesus comunicou aos
seus discípulos sobre o que conhece do Pai.
De maneira análoga, cada um de nós, em Cristo, recebe um nome novo, um
nome inscrito no lugar mais profundo do coração que só o Pai conhece. Na
oração, por vezes, o Espírito transmite-nos, numa voz inexprimível (Romanos
8), um conhecimento incomunicável do Pai.
A transmissão da oração
“Sucedeu que Jesus estava algures a orar. Quando acabou, disse-lhe um dos
seus discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João também ensinou os seus
discípulos.» Disse-lhes Ele: «Quando orardes, dizei: Pai...»” (Lc 11, 1-2)
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Jesus ensina a oração aos seus discípulos rezando em primeiro lugar sob os
seus olhos. Mas dá também um exemplo do que deve ser o conteúdo desta
oração. A primeira palavra, a palavra essencial da oração cristã é “Pai”.
Somos na verdade seus filhos, filhos pela nossa fé no Filho e pelo dom do seu
Espírito. Jesus mostrou-nos a maneira de agir como filhos: viver na confiança
absoluta no Pai, na obediência à sua vontade de amor, na intimidade de uma
oração solitária, no pedido confiante das nossas necessidades, no amor dos
nossos irmãos.
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A oração no Monte das Oliveiras
“[Jesus] Saiu então e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras. E os
discípulos seguiram também com Ele. Quando chegou ao local, disse-lhes:
«Orai, para que não entreis em tentação.» Depois afastou-se deles, à distância
de um tiro de pedra, aproximadamente; e, pondo-se de joelhos, começou a
orar, dizendo: «Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não se faça
a minha vontade, mas a tua.» Então, vindo do Céu, apareceu-lhe um anjo que o
confortava. Cheio de angústia, pôs-se a orar mais instantemente, e o suor
tornou-se-lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra. Depois de
orar, levantou-se e foi ter com os discípulos, encontrando-os a dormir, devido à
tristeza. Disse-lhes: «Porque dormis? Levantai-vos e orai, para que não entreis
em tentação.»” (Lucas 22, 39-46)
No centro desta perícopa está a luta de Jesus entre a sua vontade, expressão
da sua sensibilidade humana, e a vontade do seu Pai, expressão da sua missão
pela salvação dos homens. A escolha é dolorosa, trágica, mas no entanto cheia
de dignidade e, por fim, de uma grande paz. A narrativa é enquadrada pela
recomendação de orar para não entrar em tentação; desta forma ele torna-se
um modelo na luta orante, sustentada pela força do alto.
O combate desenrola-se na oração. Jesus esforça-se por comungar da força
divina, procura vencer a sua própria vontade. São postos aqui a nu, de maneira
quase intolerável, o mistério do respeito infinito de Deus pela liberdade humana
e a vibrante realidade da humanidade de Jesus. Que encorajamento nas nossas
lutas entre a vontade de Deus e as revoltas da nossa sensibilidade!
A oração de Jesus na cruz
“Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem.” “Pai, nas tuas mãos,
entrego o meu espírito.” (Lucas 23, 34.46)
Jesus deixa a vida em oração. É o momento da verdade. A verdade de Jesus
para os seus irmãos é o perdão, a oferta da sua vida por aqueles que o matam;
a verdade para o seu Pai é a confiança absoluta.
I.2.2. Jesus ensina a orar – Jesus pedagogo da nossa oração
Catecismo da Igreja Católica 2607. Ensinamento explícito sobre a
oração
206
Quando ora, Jesus já nos ensina a orar. O caminho teologal da nossa
oração é a sua oração ao Pai. Mas o Evangelho fornece-nos um
ensinamento explícito de Jesus sobre a oração. Como bom pedagogo,
toma conta de nós no ponto em que nos encontramos e,
progressivamente, conduz-nos até ao Pai. Dirigindo-Se às multidões que
O seguem, Jesus parte daquilo que elas já conhecem acerca da oração
segundo a Antiga Aliança e abre-as à novidade do Reino que chega.
Depois, revela-lhes em parábolas essa novidade. E, por fim, aos seus
discípulos que hão de ser pedagogos da oração na sua Igreja, fala
abertamente do Pai e do Espírito Santo.
Catecismo da Igreja Católica 2608: A conversão do coração
Jesus insiste na conversão do coração desde o sermão da montanha: a
reconciliação com o irmão antes de apresentar a oferta no altar (59); o
amor dos inimigos e a oração pelos perseguidores (Mt.5,44-45); orar ao
Pai «no segredo» (Mt 6, 6); não se perder em fórmulas palavrosas
(Mt.6,7); perdoar do fundo do coração na oração (Mt.6,14-15); a pureza
do coração e a busca do Reino (Mt.6.21.25.33) Esta conversão está
totalmente polarizada no Pai: é filial.
Catecismo da Igreja Católica 2609. Orar na fé
O coração, assim decidido a converter-se, aprende a orar na fé. A fé é
uma adesão filial a Deus, para além de tudo quanto sentimos e
compreendemos. Tornou-se possível, porque o Filho bem-amado nos
franqueia o acesso até junto do Pai. Ele pode pedir-nos que
«procuremos» e «batamos à porta», porque Ele próprio é a porta e o
caminho (Mt.7.7-11.13-14).
Catecismo da Igreja Católica 2610. Audácia filial
Do mesmo modo que Jesus ora ao Pai e Lhe dá graças antes de receber
os seus dons, assim também nos ensina esta audácia filial: «tudo o que
pedirdes na oração, acreditai que já o alcançastes» (Mc 11, 24). Tal é a
força da oração: «tudo é possível a quem crê» (Mc 9, 23), com uma fé
206
que não hesita (Mt.21,21). Assim como Jesus Se entristece por causa da
«falta de fé» dos seus conterrâneos (Mc 6, 6) e da «pouca fé» dos seus
discípulos (Mt.8,26), também Se enche de admiração perante a «grande
fé» do centurião romano (Mt.8,10) e da cananeia (Mt.15,28).
Catecismo da Igreja Católica 2611. Conformação com a vontade de
Deus
A oração de fé não consiste somente em dizer «Senhor, Senhor!», mas
em preparar o coração para fazer a vontade do Pai (Mt.7,21). Jesus
exorta os seus discípulos a levar para a oração esta solicitude em
cooperar com o desígnio de Deus (Mt.9,38).
Catecismo da Igreja Católica 2612. Vigilância na Oração
Em Jesus, «o Reino de Deus está perto». Ele apela à conversão e à fé,
mas também à vigilância. Na oração (Mc 1, 15), o discípulo vela, atento
Aquele que é e que vem, na memória da sua primeira vinda na
humildade da carne e na esperança da sua segunda vinda na glória
(Mc,13; Lc.21,34-36). Em comunhão com o Mestre, a oração dos
discípulos é um combate; é vigiando na oração que não se cai na
tentação (Lc.22.40-46).
Catecismo da Igreja Católica 2613. Três parábolas sobre a oração.
A primeira, a do «amigo importuno» (Lc.11,5-13), convida-nos a uma
oração persistente: «Batei, e a porta abrir-se-vos-á». Aquele que assim
ora, o Pai celeste «dará tudo quanto necessitar» e dará, sobretudo, o
Espírito Santo, que encerra todos os dons.
A segunda, a da «viúva importuna» Lc.18,1-8), está centrada numa das
qualidades da oração: é preciso orar sem se cansar, com a paciência da
fé. «Mas o Filho do Homem, quando voltar, achará porventura fé sobre a
terra?».
A terceira, a do «fariseu e do publicano» (Lc.18,9-14), diz respeito à
humildade do coração orante. «Meu Deus, tende compaixão de mim, que
206
sou pecador». A Igreja não cessa de fazer sua esta oração: «Kyrie,
eleison!».
Catecismo da Igreja Católica 2614: Rezar em nome de Jesus
Quando Jesus confia abertamente aos discípulos o mistério da oração ao
Pai, desvenda-lhes o que deve ser a oração deles e a nossa quando Ele
tiver voltado para junto do Pai, na sua humanidade glorificada. O que há
de novo agora é o «pedir em seu nome» (Jo.14,13). A fé n'Ele introduz os
discípulos no conhecimento do Pai, porque Jesus é «o caminho, a
verdade e a vida» (Jo 14, 6). A fé dá os seus frutos no amor: guardar a
sua Palavra, os seus mandamentos, permanecer com Ele no Pai que n'Ele
nos ama ao ponto de permanecer em nós. Nesta aliança nova, a certeza
de sermos atendidos nas nossas petições baseia-se na oração de Jesus
(Jo.14,13-14).
Catecismo da Igreja Católica 2615. Rezar no Espírito Santo
Mais ainda: o que o Pai nos dá, quando a nossa oração se une à de Jesus,
é «o outro Paráclito, [...] para ficar convosco para sempre, o Espírito de
verdade» (Jo14, 16-17). Esta novidade da oração e das suas condições
aparece ao longo do discurso do adeus (Jo.14,23-26; 15,7.16; 16,13-
15.23-27). No Espírito Santo, a oração cristã é comunhão de amor com o
Pai, não somente por Cristo, mas também n'Ele: «Até agora, não pedistes
nada em meu nome. Pedi e recebereis, para a vossa alegria ser
completa» (Jo 16, 24).
A Oração cristã é feita «no Espírito»
O homem que vive ainda mergulhado na fraqueza, na incerteza e nos vaivéns
do tempo, experimenta a dificuldade na oração, desconhecedor do que deve
pedir! Mas nem por isso deve desanimar, porque o Espírito vem ao seu
encontro para tomar conta da sua situação: aquele Espírito que o tornou
participante do estado de filho adotivo, levando-o a experimentar a realidade, é
o mesmo Espírito que agora reza nele e com ele. Assumindo a sua fraqueza,
completa a obra da salvação por Ele iniciada, apesar das dificuldades que se
podem encontrar ao longo do caminho: «O Espírito vem em auxílio da nossa
206
fraqueza, pois nem sabemos o que nos convém pedir; mas o próprio Espírito
intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rom 8, 26-27). Portanto, toda a
oração do cristão, tanto a da liturgia como a pessoal, acontece sempre no
Espírito, porque o acesso ao Pai faz-se pelo Filho, no Espírito (cf. Ef 2, 18). O
Espírito é o verdadeiro protagonista da oração. É Ele que anima toda a oração
da Igreja. A oração cristã não é uma técnica, mas é um dom do Espírito (Jo 4,
23, Ef 5, 18-20; Rom 8, 26-27). Sob o influxo do Espírito penetra-se o mistério
de Deus.
Catecismo da Igreja Católica 2670
«Ninguém pode dizer "Jesus é o Senhor", a não ser pela ação do Espírito
Santo» (1 Cor 12, 3). Todas as vezes que começamos a orar a Jesus, é o
Espírito Santo que, pela sua graça preveniente, nos atrai para o caminho
da oração. Uma vez que Ele nos ensina a orar lembrando-nos Cristo, como
orar-Lhe a Ele próprio? A Igreja convida-nos, pois, a implorar cada dia o
Espírito Santo, especialmente no princípio e no fim de qualquer ato
importante.
«Se o Espírito Santo não deve ser adorado, como é que Ele me diviniza
pelo Batismo? E se deve ser adorado, não há de ser objeto dum culto
particular?» (Lc.18,13,Mc.10,46-52).
Catecismo da Igreja Católica 2671
A forma tradicional de pedir o Espírito é invocar o Pai, por Cristo, nosso
Senhor, para que nos dê o Espírito Consolador (Lc.11.13). Jesus insiste
nesta petição em seu nome no próprio momento em que promete o dom
do Espírito de verdade (Jo.14,17;15,26;16,13). Mas também é tradicional a
oração mais simples e mais direta: «Vinde, Espírito Santo». Cada tradição
litúrgica desenvolveu-a em antífonas e hinos:
«Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles
o fogo do vosso amor»
«Rei celeste, Espírito consolador, Espírito da verdade, presente em toda a
parte e tudo enchendo, tesouro de todo o bem e fonte da vida, vem,
habita em nós, purifica-nos e salva-nos, Tu que és Bom!».
206
Catecismo da Igreja Católica 2672
O Espírito Santo, cuja unção impregna todo o nosso ser, é o mestre
interior da oração cristã. É o artífice da tradição viva da oração. Há, é
certo, tantos caminhos na oração como orantes; mas é o mesmo Espírito
que age em todos e com todos. É na comunhão do Espírito Santo que a
oração cristã é oração na Igreja.
O Espírito Santo é o lugar da nossa oração cristã. O Espírito Santo é que nos
coloca na atmosfera divina: «o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rom.5.5). Podemos e devemos
rezar “no Espírito” e pedir o Espírito Santo, para rezar como convém.
I.2.3. Jesus atende a nossa oração
Catecismo da Igreja Católica 2616. Oração eficaz
A oração a Jesus já foi sendo atendida por Ele durante o seu ministério,
mediante os sinais que antecipam o poder da sua morte e ressurreição:
Jesus atende a oração da fé expressa em palavras (do leproso (Mc.1,40-
41), de Jairo (Mc.5,36), da cananeia (Mc.7,29), do bom ladrão (Lc.23,39-
43) ou feita em silêncio (dos que trouxeram o paralítico (Mc.2,5), da
hemorroíssa que Lhe tocou na veste (Mc.5,28), as lágrimas e o perfume
da pecadora (Lc.7,37-38). A súplica premente dos cegos: «Filho de David,
tem piedade de nós!» (Mt 9, 27), ou «Jesus, filho de David, tem piedade
de mim!» (Mc 10, 47), foi retomada na tradição da Oração a Jesus: «Jesus
Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador!». Seja a
cura das doenças ou o perdão dos pecados, Jesus responde sempre à
oração de quem Lhe implora com fé: «Vai em paz, a tua fé te salvou».
Santo Agostinho resume admiravelmente as três dimensões da oração
de Jesus: «sendo o nosso Sacerdote, ora por nós; sendo a nossa Cabeça,
ora em nós; e sendo o nosso Deus, a Ele oramos. Reconheçamos, pois,
n'Ele a nossa voz e a voz d'Ele em nós» (Santo Agostinho).
206
Jesus iniciou os seus discípulos na oração, primeiro com o seu próprio exemplo
e depois instruindo-os com a oração do Pai-Nosso. O Pai-Nosso é a oração cristã
por excelência.
Rezamos sempre “por nosso Senhor Jesus Cristo”… em nome de Cristo, quer
dizer em atenção a Ele, com o mesmo Espírito d'Ele. Ele é o nosso perene e
poderoso intercessor e mediador (Act 4, 12). Dizer em nome de Cristo significa
que a nossa oração é como se a fizesse Cristo; Ele assume todas as nossas
necessidades; Ele faz suas todas as nossas súplicas e pedidos. Nós rezamos
por Cristo, com Cristo e em Cristo, a partir da presença pascal de Jesus, como o
define a doxologia final da Oração Eucarística. Cristo é o modelo, o
companheiro e o mediador da nossa oração.
I.2.4. O Pai-Nosso, a mais perfeita das Orações
Catecismo da Igreja Católica 2763
«A oração dominical é a mais perfeita das orações [...]. Nela, não só
pedimos tudo quanto podemos retamente desejar, mas também segundo
a ordem em que convém desejá-lo. De modo que esta oração, não só nos
ensina a pedir, mas também plasma todos os nossos afetos» (São Tomás
de Aquino).
Ao entregar a oração dominical aos catecúmenos ou aos neófitos, no
processo de iniciação cristã, a Igreja ilumina-os e ajuda-os a descobrir a
filiação divina que se recebe no batismo, sacramento pelo qual podemos
chamar a Deus Pai, tanto na oração privada como na oração comum com
os irmãos na fé.
Catecismo da Igreja Católica 2765. Oração do Senhor
A expressão tradicional «oração dominical» (isto é, «oração do Senhor»)
significa que a prece dirigida ao nosso Pai nos foi ensinada e legada pelo
Senhor Jesus. Tal oração, que nos vem de Jesus, é verdadeiramente
única: é «do Senhor». Efetivamente, por um lado, nas palavras desta
oração o Filho Único dá-nos as palavras que o Pai Lhe deu (13): Ele é o
mestre da nossa oração. Por outro lado, sendo o Verbo encarnado, Ele
206
conhece no seu coração de homem as necessidades dos seus irmãos e
irmãs humanos e revela-no-las: Ele é o modelo da nossa oração.
Esta oração será sempre o primeiro objetivo da aprendizagem da oração cristã,
na família e na catequese.
Em síntese
a) O que Jesus diz sobre a oração?2
Antes de rezar, reconcilia-te com teu irmão! (Mt.5,23-24; Mc.11,25) – conversão do coração
Quando rezares, entra no teu quarto (Mt.6.6) - Intimidade O que pedirdes em Meu nome, Eu o farei (Jo.14,13) Rezar com humildade, como o publicano (Lc.18,9-14) - Humildade Rezar em conjunto, em união com os irmãos (Mt.18,19-20) - Comunhão Rezar com confiança (Mt.6,7-8)- a confiança é a riqueza do pobre Rezar sempre sem desanimar (Lc.18,1-8; 21,34-46) - Perseverança
b) Quando é que Jesus reza?
antes e depois dos grandes acontecimentos:- antes do chamamento dos apóstolos (Lc. 6, 12)- depois da multiplicação dos pães (Mt.14,19) e da ressurreição de Lázaro;
Jo 11,41) De madrugada ( Mc. 1, 35) Durante a noite (Mt. 14, 23; Lc. 6, 12) Só e acompanhado.
- Acompanhado: na sinagoga (Lc.4,14-15); no templo e nas festas populares (Lc.2,21-42; Mc.12,35; Mc.14,26; Jo.7,10) na presença de outros (Lc.3,21-22), na Cruz; só (Lc.4,42);- Sozinho: Lc.5,16; Lc.6,12-13; Lc.11,1; Mt.8,1; Mt.14,13; Mt.14,23; Jo.6,15; Jo.8,1; Mc.1,35;
De manhazinha (Mc.1,35) e à noite (Mt .14, 23) E reza sempre (Heb. 7, 25): «Ele vive para sempre, para interceder por
nós»...
c) – Como é que Jesus reza?
Oração de exultação (Lc. 10, 21-24): «Eu te bendigo ao Pai»... Oração no Getsemani (Lc. 22, 39-46): «Faça-se a tua vontade» Oração na Cruz (Lc. 23, 33-49): «Pai, perdoa-lhes»... Os silêncios de Jesus na Oração (Lc. 4, 16) Oração filial na Trindade (Jo.11, 41-42) Jesus reza por nós (Jo. 17,9-12) Oração do Espírito (Jo.14, 16-17); Rom. 8, 27
d) – O que é que Jesus reza? O Pai Nosso... (Mt.6,9-13; Lc.11,1-4); é uma boa síntese do conteúdo da Oração de Jesus.
2 Cf. ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa, 2011, 55.68
206
e) Porque é que Jesus reza? Como expressão da sua relação filial com o Pai... Porque sente a fragilidade da condição humana (tentações, debilidade)... Por solidariedade com a dor e a alegria dos Homens...
I.3. Necessidade de iniciar na arte da oração
Na sua Carta Apostólica Novo Millenium Ineunte, (ns.32-34), «No início do novo
Milénio», João Paulo II colocava a arte da oração, à cabeça de várias prioridades
pastorais (eucaristia, reconciliação, escuta da palavra, anúncio da Palavra),
dentro de uma verdadeira pedagogia da santidade. Vale a pena repassar esses
números, dedicados à oração:
Novo Millennium Ineunte 32
Para esta pedagogia da santidade, há necessidade dum cristianismo que
se destaque principalmente pela arte da oração. Mas a oração, como
bem sabemos, não se pode dar por suposta; é necessário aprender a
rezar, voltando sempre de novo a conhecer esta arte dos próprios lábios
do divino Mestre, como os primeiros discípulos: «Senhor, ensina-nos a
orar» (Lc 11,1). Na oração, desenrola-se aquele diálogo com Jesus que
faz de nós seus amigos íntimos: «Permanecei em Mim e Eu permanecerei
em vós» (Jo 15,4). Esta reciprocidade constitui precisamente a
substância, a alma da vida cristã, e é condição de toda a vida pastoral
autêntica. Obra do Espírito Santo em nós, a oração abre-nos, por Cristo e
em Cristo, à contemplação do rosto do Pai. Aprender esta lógica trinitária
da oração cristã, vivendo-a plenamente sobretudo na liturgia, meta e
fonte da vida eclesial,17 mas também na experiência pessoal, é o segredo
dum cristianismo verdadeiramente vital, sem motivos para temer o
futuro porque volta continuamente às fontes e aí se regenera.
Novo Millennium Ineunte 33
Não será porventura um «sinal dos tempos» que se verifique hoje, não
obstante os vastos processos de secularização, uma generalizada
exigência de espiritualidade, que em grande parte se exprime
precisamente numa renovada carência de oração? Também as outras
religiões, já largamente presentes nos países de antiga cristianização,
oferecem as suas respostas a tal necessidade, chegando às vezes a fazê-
lo com modalidades cativantes. Nós que temos a graça de acreditar em
206
Cristo, revelador do Pai e Salvador do mundo, temos obrigação de
mostrar a profundidade a que pode levar o relacionamento com Ele.
A grande tradição mística da Igreja, tanto no Oriente como no Ocidente,
é bem elucidativa a tal respeito, mostrando como a oração pode
progredir, sob a forma dum verdadeiro e próprio diálogo de amor, até
tornar a pessoa humana totalmente possuída pelo Amante divino,
sensível ao toque do Espírito, abandonada filialmente no coração do Pai.
Experimenta-se então ao vivo a promessa de Cristo: « Aquele que Me
ama será amado por meu Pai, e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele »
(Jo 14,21). Trata-se dum caminho sustentado completamente pela graça,
que no entanto requer grande empenhamento espiritual e conhece
também dolorosas purificações (a já referida « noite escura »), mas
desemboca, de diversas formas possíveis, na alegria inexprimível vivida
pelos místicos como « união esponsal ». Como não mencionar aqui, entre
tantos testemunhos luminosos, a doutrina de S. João da Cruz e de S.
Teresa de Ávila?
As nossas comunidades, amados irmãos e irmãs, devem tornar-se
autênticas « escolas » de oração, onde o encontro com Cristo não se
exprima apenas em pedidos de ajuda, mas também em ação de graças,
louvor, adoração, contemplação, escuta, afetos de alma, até se chegar a
um coração verdadeiramente « apaixonado». Uma oração intensa, mas
sem afastar do compromisso na história: ao abrir o coração ao amor de
Deus, aquela abre-o também ao amor dos irmãos, tornando-nos capazes
de construir a história segundo o desígnio de Deus.
206
Novo Millennium Ineunte 34
Sem dúvida que são chamados de modo particular à oração os fiéis que
tiveram o dom da vocação a uma vida de especial consagração: esta, por
sua natureza, torna-os mais disponíveis para a experiência
contemplativa, sendo importante que eles a cultivem com generoso
empenho. Mas seria errado pensar que o comum dos cristãos possa
contentar-se com uma oração superficial, incapaz de encher a sua vida.
Sobretudo perante as numerosas provas que o mundo atual põe à fé,
eles seriam não apenas cristãos medíocres, mas «cristãos em perigo»:
com a sua fé cada vez mais debilitada, correriam o risco de acabar
cedendo ao fascínio de sucedâneos, aceitando propostas religiosas
alternativas e acomodando-se até às formas mais extravagantes de
superstição. Por isso, é preciso que a educação para a oração se
torne de qualquer modo um ponto qualificativo de toda a
programação pastoral. Eu mesmo propus-me dedicar as próximas
catequeses das quartas-feiras à reflexão sobre os Salmos, começando
pelos salmos das Laudes, a oração pública com que a Igreja nos convida
a consagrar e dar sentido aos nossos dias.
Seria de grande proveito que se diligenciasse com maior empenho nas
comunidades não só religiosas mas também paroquiais para que o clima
fosse permeado de oração, valorizando com o devido discernimento as
formas populares, e sobretudo educando para as formas litúrgicas. A
ideia de um dia da comunidade cristã, em que se conjuguem, os
múltiplos compromissos pastorais e de testemunho no mundo, com a
celebração eucarística e mesmo com a reza de Laudes e Vésperas, é
talvez mais «pensável» do que se crê. Demonstra-o a experiência de
tantos grupos cristãmente empenhados, mesmo com forte presença
laical”.
Neste sentido, João Paulo II viria a dedicar um largo espaço de tempo à
Catequese sobre os Salmos.
E Bento XVI, desde há muito, prossegue as suas catequeses sobre a oração, nas
audiências de quarta-feira. Escutemo-lo, nesse propósito:
206
“Hoje gostaria de dar início a uma nova série de catequeses. Depois das
catequeses sobre os Padres da Igreja, sobre os grandes teólogos da
Idade Média, sobre as grandes mulheres, gostaria de escolher um tema
muito querido a todos nós: é o tema da oração, de modo específico da
cristã, ou seja, a prece que Jesus nos ensinou e que a Igreja continua a
ensinar-nos. Com efeito, é em Jesus que o homem se torna capaz de se
aproximar de Deus com a profundidade e a intimidade da relação de
paternidade e filiação. Com os primeiros discípulos, com confiança
humilde, dirijamo-nos então ao Mestre e peçamos-lhe: «Senhor, ensina-
nos a rezar» (Lc 11, 1). Nas próximas catequeses, aproximando-nos da
Sagrada Escritura, da grande tradição dos Padres da Igreja, dos Mestres
de espiritualidade e de Liturgia, queremos aprender a viver ainda mais
intensamente a nossa relação com o Senhor, quase uma «Escola de
oração». Com efeito, sabemos que a oração não se deve dar por certa: é
preciso aprender a rezar, quase adquirindo esta arte sempre de novo;
mesmo aqueles que estão muito avançados na vida espiritual sentem
sempre a necessidade de se pôr na escola de Jesus para aprender a rezar
autenticamente. Recebemos a primeira lição do Senhor através do seu
exemplo. Os Evangelhos descrevem-nos Jesus em diálogo íntimo e
constante com o Pai: é uma profunda comunhão daquele que veio ao
mundo não para fazer a sua vontade, mas a do Pai que O enviou para a
salvação do homem.”3
Seguiram-se um conjunto vasto de Catequeses, publicadas no site do vaticano
(www.vatican.va) e cujos temas aqui apresentamos resumidamente:
1. Oração, nas antigas culturas
2. Oração, em todas as fases da história
3. A intercessão de Abraão por Sodoma (Gn 18, 16-33)
4. Luta noturna de Jacob e encontro com Deus (Gn 32, 23-33)
5. A intercessão de Moisés pelo povo (Ex 32, 7-14)
6. Profetas e orações em confronto (1 Rs 18, 20-40): Elias
7. O povo de Deus que reza: os Salmos
8. A leitura da Bíblia, alimento para o espírito
9. Os “oásis” do espírito: os mosteiros
10. A meditação
3 BENTO XVI, Audiência, 4.05-2011
206
11. Arte e oração
12. Salmo 3: Levanta-te, Senhor, Salva-me!"
13. Samo 22 (21): Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?
14. Salmo 23 (22): O Senhor é meu Pastor
15. Salmo 126 (125): Quando o Senhor fez regressar os cativos de Sião
16. Salmo 136 (135): Grande Hallel: Dai Graças ao Senhor, porque Ele é bom
17. Salmo 119 (118): um «acróstico alfabético (o mais longo salmo)
18. Salmo 110 (109): O Rei Messias: Disse o Senhor ao meu Senhor
19. A oração atravessa toda a vida de Jesus
20. A joia do Hino de júbilo (cf. Mt 11, 25-30; e Lc 10, 21-22)
21. A oração diante da ação benéfica e curadora de Deus (Mc 7, 32-37; Jo 11, 1-
44)
22. A oração e a Santa Família de Nazaré
23. A oração de Jesus na Última Ceia
24. A Oração Sacerdotal de Jesus (Jo 17, 1-26)
25. A oração de Jesus no Getsemani
26. A oração de Jesus diante da morte (Mc e Mt): Elli, Elli, lemá sabactháni
27. A oração de Jesus, na iminência da morte (Lc.23,34.42.44-16)
28. A importância do silêncio
Oração no livro dos Atos dos Apóstolos
29. A oração de Maria no Cenáculo (At.1,12-14)
30. A Oração da Igreja, por Pedro e João (At.4,23-31)
31. A Oração e o serviço da Caridade (At.6,1-7)
32. A Oração do mártir Estêvão (At.7,54-60)
33. A Oração da Igreja por Pedro na prisão (At.12,1-17)
Oração nas cartas de Paulo
34. A Oração nas Cartas de Paulo 1
35. A Oração nas Cartas de Paulo 2 (Rom.8,15: «Abba. Ó Pai)
36. A Oração nas Cartas de Paulo 3 (2 Cor 1, 3-4).
37. A Oração nas Cartas de Paulo 4 (2 Cor.12)
38. A Oração nas Cartas de Paulo 5 (Ef.1,3-14)
39. A oração nas Cartas de Paulo 6 (Fil.2,1-11) - 27 de junho 2012
(…)
I.4. O Espírito Santo ensina-nos a rezar
A Oração cristã é feita «no Espírito», já o dissemos.
206
O homem que vive ainda mergulhado na fraqueza, na incerteza e nos vaivéns
do tempo, experimenta a dificuldade na oração, desconhecedor do que deve
pedir!
Mas nem por isso deve desanimar, porque o Espírito vem ao seu encontro para
tomar conta da sua situação: aquele Espírito que o tornou participante do
estado de filho adotivo, levando-o a experimentar a realidade, é o mesmo
Espírito que agora reza nele e com ele.
Assumindo a sua fraqueza, completa a obra da salvação por Ele iniciada, apesar
das dificuldades que se podem encontrar ao longo do caminho: «O Espírito vem
em auxílio da nossa fraqueza, pois nem sabemos o que nos convém pedir; mas
o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rom 8, 26-27).
É uma necessidade constante para aquele que quer percorrer o caminho da
oração, invocar o Espírito Santo, para que ilumine a inteligência, conceda os
seus dons a acenda no coração o fogo do seu amor. O Espírito que ensina a
Igreja e lhe recorda tudo o que Jesus disse (Jo.14,26) será também aquele que
formará na vida da oração. É o Espírito que geme em nós com gemidos
inefáveis (Rom.8,26). Um sinal claro da docilidade ao Espírito Santo no processo
de catequese é quando começamos a sentir uma atração pessoal por Jesus
Cristo, um desejo de O conhecer melhor, para O seguir e amar, quando
começamos a esperar tudo do Espírito Santo. Escutemos o CIC:
Catecismo da Igreja Católica 429.
Deste conhecimento amoroso de Cristo brota o desejo de O anunciar, de
«evangelizar» e levar os outros ao «sim» da fé em Jesus Cristo.
É também uma necessidade constante para quem quer entregar-se ao
apostolado cultivar uma relação especial com o Espírito Santo. Isso mesmo o
deixou claro João Paulo II, na sua encíclica sobre a Missa:
Redemptoris Missio, 87
“Tal espiritualidade exprime-se, antes de mais, no viver em plena
docilidade ao Espírito, e em deixar-se plasmar interiormente por Ele,
206
para se tornar cada vez mais semelhante a Cristo. Não se pode
testemunhar Cristo sem espelhar a Sua imagem, que é gravada em nós
por obra e graça do Espírito. A docilidade ao Espírito permitirá acolher os
dons da fortaleza e do discernimento, que são traços essenciais da
espiritualidade missionária. Paradigmático é o caso dos Apóstolos, que
durante a vida pública do Mestre, apesar do seu amor por Ele e da
generosidade da resposta ao Seu chamamento, se mostram incapazes
de compreender as Suas palavras, e renitentes em segui-l'O pelo
caminho do sofrimento e da humilhação. O Espírito transformá-los-á em
testemunhas corajosas de Cristo e anunciadores esclarecidos da Sua
Palavra: será o Espírito que os conduzirá pelos caminhos árduos e novos
da missão. Hoje a missão continua a ser difícil e complexa, como no
passado, e requer igualmente a coragem e a luz do Espírito: vivemos
tantas vezes o drama da primitiva comunidade cristã, que via forças
descrentes e hostis « coligarem-se contra o Senhor e contra o seu Cristo
» (At 4, 26). Como então, hoje é necessário rezar para que Deus nos
conceda o entusiasmo para proclamar o Evangelho (cf. Jo 16, 13)”.
Catecismo da Igreja Católica 2625
“O Espírito Santo, que assim recorda Cristo à sua Igreja orante, também a
conduz para a verdade integral e suscita formulações novas que exprimirão
o insondável mistério de Cristo operante na vida, sacramentos e missão da
Igreja. Estas formulações desenvolver-se-ão nas grandes tradições litúrgicas
e espirituais. As formas da oração, tais como as revelam as Escrituras
apostólicas canónicas, continuam a ser normativas da oração cristã”.
I.5. Exercício prático: rezemos o Pai-nosso
«É uma oração que nunca deixaremos de meditar e quando não soubermos
rezar, basta repetir pouco a pouco, palavra por palavra, o Pai Nosso.
A estrutura fundamental desta oração comporta três momentos: o primeiro é
como a base de uma nascente; o segundo é como um jorro que brota para o
alto; o terceiro é o jorro que se espalha irrigando tudo à volta.
206
I. A nascente exprime-se pela palavra «Pai», e, para quem reza, significa
filiação. Se viver como filhos significa viver o batismo, na oração nós vivemos
no máximo o nosso batismo.
O espírito filial é a raiz de qualquer oração, é a atitude mais importante, porque
a vida eterna é a manifestação de ser filho de Deus. Reparai que no Pai Nosso
podemos repetir a palavra «Pai» a cada invocação: Pai, venha a nós o teu reino;
Pai, seja feita a tua vontade; Pai, perdoa os nossos pecados; Pai, livra-nos das
tentações.
2. O segundo momento é constituído pelas invocações que jorram para o alto
como um repuxo, que se dirigem a Deus na segunda pessoa: «Venha o teu
reino, seja santificado o teu nome». No poder do Espírito Santo, a alma
libertada do pecado, batizada, eleva-se para o Pai.
3. O terceiro momento é o derramamento sobre a terra desta água de nascente
espiritual, deste jato poderoso do Espírito Santo que nos impele para o alto. O
derramamento sobre a terra, ou seja, sobre nós, que estamos famintos, que
temos necessidade de perdão, que devemos perdoar-nos mutuamente, que
somos tentados por sermos débeis e frágeis.
A oração arrasta-nos para a verdade do nosso eu: Senhor, não permitais que eu
caia em tentações. Tu vês como sou tentado, como estou cansado, aborrecido,
indolente; liberta-me de tudo o que me impede de confiar em ti, de te
contemplar e amar como Pai»4.
O Pai nosso de Deus...
"Filho meu,
que estás na terra,
preocupado, tentado, solitário,
eu conheço perfeitamente o teu nome
e o pronuncio como que santificando-o, porque te amo.
Não, não estás só, mas habitado por Mim,
e juntos construímos este reino de que irás ser o herdeiro.
Alegra-me que faças a minha vontade
4 CARLO MARIA MARTINI, Dicionário Espiritual. Um Guia para a alma, Gráfica de Coimbra, 124-125
206
porque a minha vontade é que tu sejas feliz
já que a minha glória é ver-te vivo.
Conta sempre comigo e terás o pão para hoje, não te preocupes;
só te peço que o saibas repartir com o teu irmão.
Sabe que perdoo todas as tuas ofensas
antes mesmo de as cometeres,
por isso peço-te que faças o mesmo àqueles que te ofendem a ti.
Para que nunca caias em tentação,
segura firme na minha mão
e eu te livrarei do mal, pobre e querido filho meu"5.
5 JOSÉ LUÍS MARTIN DESCALZO, Razões para viver, Ed. Missões, Cucujães, 255
206
Sexta, 18h00-20h00
II. O QUE É REZAR?
II.1. Definições de Oração
Da oração, cada um pode ter e dar a sua definição, de acordo com a própria
experiência. Apresentamos aqui algumas definições de alguns autores
significativos da história da espiritualidade cristã 6. Sempre manifestaram uma
tendência a destacar ou o elemento intelectual ou o elemento afetivo, na
relação entre Deus e o Homem. Logicamente a pessoa é uma só, e relaciona-se
com Deus inteiramente. Portanto, o mais sensato não é separar ou afrentar mas
unir e conjugar. A última definição corresponde a Santa Teresa do Menino Jesus.
É a citação que aparece no início do capítulo IV do Catecismo da Igreja Católica,
dedicado precisamente ao tema da oração:
1. “A oração é uma conversação com Deus” (Clemente de Alexandria, +215); é
a primeira definição filosófica da oração;
2. “A oração é uma conversação (homilia) com Deus” (São Gregório de Niza,
335-398, citando Clemente de Alexandria);~
3. “A oração é um diálogo (dialexis) com Deus” (São João Crisóstoma, 344/47-
407);
4. “A oração é uma conversação do intelecto com Deus” (Evágrio Pôntico, 356-
400); mais adiante dirá: “A oração é elevação do intelecto a Deus”. Evágrio
tem elementos de capital importância na reflexão e na prática da oração. O
objeto da oração é o próprio Deus e não um interesse pessoal: “Reza para
que não se cumpra a tua vontade; mas sobretudo para dizer a Deus: «que
se cumpra a tua vontade em mim»”. Oferece-nos a conceção de Deus como
Pai: «quem ama a Deus, conversa com Ele como a um Pai». A vida cristã
inclui a reflexão e a oração; «Se és teólogo rezarás verdadeiramente; se
rezas verdadeiramente serás teólogo». É um autor muito citado pelo CIC
2736; 2741.
5. “A oração é a conversão da mente a Deus, com um amor piedoso e
humilde” (Santo Agostinho- 354-430)
6 ÁNGEL BRIÑAS, Orar en el momento atual (=Emaús 100), Centre de Pastoral Litúrgica, Barcelona, 2012, 114-116.
206
6. “A oração é a petição a Deus de coisas convenientes», «é a elevação da
mente para Deus» (São João Damasceno; 748/752); cf. CIC 2559;
7. Depois de falar das diferentes formas de oração, João Cassiano (360-435)
afirma que há um estádio superior donda a oração “está informada só pela
contemplação de Deus e pela força do amor que o Espírito permite…. de
conversar muito familiarmente com Deus, como um Pai próximo com um
sentimento de piedade filial”;
8. “A Oração é o afeto do Homem que adere a Deus, uma espécie de
conversação piedosa e familiar, uma paragem da mente iluminada para
gozar de Deus” (Guilherme de Saint-Thierry);
9. “A oração é a conversão a Deus, através de um sentimento humilde e
piedoso, fundamentado na fé, na esperança e na caridade” (Hugo de São
Vítor, finais do séc.XI-1141);
10.“A oração é a elevação da mente para Deus, a fim de O louvar e pedir-lhe
coisas convenientes à eterna salvação” (São Tomás de Aquino, 1225-1274);
11.“A oração é o piedoso afeto da mente dirigido a Deus” (São Boaventura,
1217-1274);
12.“A Oração é a elevação do coração a Deus, mediante o qual nos abeiramos
dEle e nos tornamos numa coisa só” (Luís de Granada, 1504-1588);
13.“A Oração mental não é outra coisa, a meu ver, senão tratar de amizade,
estamos muitas vezes a sós, com Aquele que sabemos que nos ama” (Santa
Teresa de Jesus, 1518-1582);
14.São João da Cruz não apresenta uma definição precisa de oração, mas
fundamenta-a: “Deus só olha à fé e à pureza de coração daquele que reza”;
por outro lado, fixando-se no orante, recomenda que não leve outro arrimo
para a oração senão a fé, a esperança e a caridade. Resumindo a sua
conceção de oração, poderíamos recolher a expressão “exercício de amor”
ou “amor em exercício» com toda a carga que implica o despojamento
radical e a comunhão com Deus e com aqueles que Deus ama; a oração
consolidará a união com Deus na medida em que seja expressão de fé,
esperança e amor nas variadas e quotidianas situações da vida. Na sua
essência de conteúdo, a oração é descoberta de uma presença (fé), no
silêncio nunca esgotado (esperança) e no amor incondicional ao Deus de
Jesus Cristo no mais íntimo de nós mesmos (amor). Por isso, com frequência
a oração é mortificante e dolorosa, porque nela se trata de fazer a
experiência da fé, da fé pura;: de uma esperança, a esperança certa; e do
amor, o amor com dimensão divina. É verdade que a fé e a esperança são o
apoio da oração. Não obstante, é o amor quer tem a primazia na oração: só
206
rezando, a pessoa começa a sentir-se amada e logicamente começa a amar.
A oração é conhecimento amoroso de Deus.
15.“Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar, lançado
para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação,
como no meio da alegria” (Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897) citado
pelo CIC, na sua introdução ao cap. IV sobre a Oração.
Recordemos, por exemplo a que nos oferece S. João Crisóstomo:
"A oração é luz da alma, verdadeiro conhecimento de Deus, mediadora
entre Deus e os homens. Faz com que a alma se eleve até ao céu e abrace
a Deus como a criança que, chorando, chama a sua mãe... O máximo bem
está na oração e no diálogo com Deus, porque equivale a uma íntima
união com Ele" (Homilia sobre a oração).
Luz da alma - A oração é uma sobredose de luz, um ver com olhos novos,
em profundidade. Orar não é (simplesmente) repetir orações, mas um
adentrar-se na luz que nos leva a descobrir e encontrar Cristo, em
profundidade.
Alimento celestial - Quem reza alimenta-se de Deus: da sua Palavra, que
encontramos na Bíblia; da sua vontade (Cf Jo 4, 24), do seu próprio Corpo
(Cf Jo 6, 58).
Fogo ardente - A oração não é só luz que ilumina poderosamente, mas
também energia que queima e incendeia. Recordemos a expressão dos
discípulos de Emaús: "Não ardia cá dentro o nosso coração quando Ele nos
explicava as escrituras?". O mesmo se passa com Moisés e com os
profetas (ler 23, 29: 20,9).
Dom de Deus - Podemos dizer orações, mas orar como convém é dom de
Deus. "Como convém", "no Espírito do Senhor", isto é, uma oração que lhe
agrade, que sintonize com a sua vontade, que seja trato de amizade (Cf
Rom 8,76-2. Assim, mais que orarmos nós, podemos dizer que "somos
orados"; é o próprio Deus que ora em nós; o Espírito grita em nós com
gemidos inefáveis.
206
II.2. A Oração, segundo o CIC
Na introdução à IV Parte sobre a oração, o Catecismo da Igreja Católica começa
com uma citação:
«Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar
lançado para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da
tribulação como no meio da alegria» (Santa Teresa do Menino Jesus).
II.2.1.A oração como dom de deus
Catecismo da Igreja Católica 2559
«A oração é a elevação da alma para Deus ou o pedido feito a Deus de
bens convenientes» (São João Damasceno). De onde é que falamos, ao
orar? Das alturas do nosso orgulho e da nossa vontade própria, ou das
«profundezas» (Sl 130, 1) dum coração humilde e contrito? Aquele que
se humilha é que é elevado (Lc.18,9-14). A humildade é o fundamento da
oração. «Não sabemos o que havemos de pedir para rezarmos como
deve ser» (Rm 8, 26). A humildade é a disposição necessária para
receber gratuitamente o dom da oração: o homem é um mendigo de
Deus (Santo Agostinho).
A oração é mesmo «elevação da alma a Deus» ou resposta à Sua Palavra?
Isso mesmo se questiona Enzo Bianchi7,começando por recordar Santo
Agostinho: «Fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração não descansa
enquanto não descansar em Vós.» (Confissões, I,1,1)
Esta afirmação de Santo Agostinho, tão célebre e repetida de geração em
geração, pode resumir bem o fundamento colocado à oração cristã pela época
dos grandes Padres até aos nossos dias.
Nesta perspetiva, a oração exprime o desejo do bem supremo que habita o
Homem, e é entendida como movimento do coração em direção ao infinito, ao
eterno, ao absoluto.
7 Cf. ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011,29-32.
206
Daqui deriva uma definição substancialmente acolhida, embora com
cambiantes diferentes, por todos os autores espirituais do Oriente e do
Ocidente. «A oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus de bens
convenientes», como escrevia sinteticamente São João Damasceno (A fé
ortodoxa, III, 24), definição retomada no Ocidente por São Tomás de Aquino (cf
Suma teológica, II -II, q. 83, a. 1).
Pois bem, esta definição da oração, enquanto acontecimento colocado no
espaço da procura de Deus da parte do Homem, demonstra-se não desmentida,
mas insuficiente, porque os homens e as mulheres do nosso tempo,
especialmente os que pertencem às novas gerações, são alérgicos aos
conceitos ascendentes e "verticais" espalhados por toda a espiritualidade cristã.
Essa intolerância pode ser salutar, na medida em que ajuda a focar um dado
bem presente ao homem bíblico: a Presença de Deus é concedida, não
modelada ou alcançada pelo Homem com as suas forças, e cabe ao Homem o
acolhimento da Sua vinda epifânica, tal como da Sua retirada no silêncio ou no
escondimento.
Por outras palavras, não é o Deus da revelação bíblica o objeto da nossa
procura, mas é Ele que toma a iniciativa, é o sujeito, é o Deus vivo que não está
no termo do nosso raciocínio, não Se encontra na lógica dos nossos conceitos,
mas dá-Se, entrega-Se na liberdade amorosa dos Seus atos, que O mostram em
constante procura do Homem. É Ele que quer e estabelece um diálogo
connosco, é Ele que desde o Génesis ao Apocalipse vem, procura, chama,
interroga o Homem, pedindo-lhe simplesmente para ser escutado e acolhido. O
Deus «que nos amou primeiro» (1 Jo. 4,19) fala, dando início ao diálogo; o
Homem, perante esta autorrevelação de Deus na História, reage na fé mediante
a bênção, o louvor, a ação de graças, a adoração, o pedido, a confissão dos
seus pecados... Isto é, reage mediante a oração, que é sempre resposta a Deus,
tendo por finalidade o amor para com Ele e para com os irmãos.
É tendo em conta esta perspetiva, pouco explorada pela Tradição espiritual,
que desejaria não tanto redefinir a oração cristã, porque ela está fora de
qualquer "fórmula", mas sim tentar repô-la, com muita humildade, na corrente
bíblica.
206
Nela emerge claramente que a oração, como foi dito há pouco, não é procura
de Deus, mas resposta; que as suas formas são acidentes, ao passo que o
substancial é a relação com Deus; que a sua finalidade é o ágape, a caridade, o
amor: a oração é uma abertura à comunhão com Deus, portanto ao amor,
porque «Deus é amor» (1 Jo 4,8.16). O "eu" que responde a Deus está
definitivamente descentralizado na oração, ao passo que o agente, o sujeito, é
o próprio Deus, o qual, derramando na nossa oração o Seu amor, infunde-o no
mundo através de nós, constituídos Seus amantes.
Catecismo da Igreja Católica 2560
«Se conhecesses o dom de Deus!» (Jo 4, 10). A maravilha da oração
revela-se precisamente, à beira dos poços aonde vamos buscar a nossa
água: aí é que Cristo vem ao encontro de todo o ser humano; Ele
antecipa-Se a procurar-nos e é Ele que nos pede de beber. Jesus tem
sede, e o seu pedido brota das profundezas de Deus que nos deseja. A
oração, saibamo-lo ou não, é o encontro da sede de Deus com a nossa.
Deus tem sede de que nós tenhamos sede d'Ele (Santo Agostinho).
Catecismo da Igreja Católica 2561
«Tu é que Lhe terias pedido e Ele te daria água viva» (Jo 4, 10).
Paradoxalmente, a nossa oração de súplica é uma resposta. Resposta ao
lamento do Deus vivo: «Abandonou-Me a Mim, nascente de águas vivas,
e foi escavar cisternas fendidas» (Jr 2, 13); resposta de fé à promessa
gratuita da salvação (Jo.7,37-39;Is.12.3;51,1); resposta de amor à sede
do Filho Único (Jo.19,28; Zc.12,10;13,1).
II.2.2.A oração como aliança
Catecismo da Igreja Católica 2562
De onde procede a oração do homem? Seja qual for a linguagem da
oração (gestos e palavras), é o homem todo que ora. Mas para designar o
lugar de onde brota a oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do
espírito ou, com mais frequência, do coração (mais de mil vezes). É o
206
coração que ora. Se ele estiver longe de Deus, a expressão da oração será
vã.
Catecismo da Igreja Católica 2563.
O coração é a morada onde estou, onde habito (e segundo a expressão
semítica ou bíblica, aonde eu «desço»). É o nosso centro oculto,
inapreensível, quer para a nossa razão quer para a dos outros: só o
Espírito de Deus é que o pode sondar e conhecer. E o lugar da decisão, no
mais profundo das nossas tendências psíquicas. É a sede da verdade,
onde escolhemos a vida ou a morte. É o lugar do encontro, já que, à
imagem de Deus, vivemos em relação: é o lugar da aliança.
Catecismo da Igreja Católica 2564.
A oração cristã é uma relação de aliança entre Deus e o homem em
Cristo. É ação de Deus e do homem; jorra do Espírito Santo e de nós,
toda orientada para o Pai, em união com a vontade humana do Filho de
Deus feito homem.
II.2.3.A oração como comunhão
Catecismo da Igreja Católica 2565
Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus com o seu
Pai infinitamente bom, com o seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo.
A graça do Reino é «a união de toda a Santíssima Trindade com a
totalidade do espírito» (São Gregório de Nazianzo). Assim, a vida de
oração consiste em estar habitualmente na presença do Deus três vezes
santo e em comunhão com Ele. Esta comunhão de vida é sempre possível
porque, pelo Batismo, nos tornámos um só com Cristo (Rom.6,5). A oração
é cristã na medida em que for comunhão com Cristo, dilatando-se na
Igreja que é o seu corpo. As suas dimensões são as do amor de Cristo
(Ef.3,18-21).
II.2.3.1. Abertura a uma comunhão8
8 ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011,41-45
206
Da escuta, através da descoberta de uma Presença, na oração abrimo-nos ao
diálogo, à comunhão com o Senhor.
Mas precisamente a este nível a oração aparece como uma atividade delicada
que, radicando-se no núcleo mais profundo do nosso ser, pode ser facilmente
manipulada. A Palavra, que chegou até nós fazendo-nos tomar consciência da
Presença de Deus, agora chama-nos a passar ao Pai. Se a vida é adaptação ao
ambiente, a oração, que é vida espiritual em ação, é adaptação ao nosso
ambiente derradeiro, que é a realidade em que tudo e todos estão contidos (cf.
Act 17,27-28): Ele está sempre lá e espera-nos «no segredo» (Mt 6,4.6.18).
Nesta etapa da oração cristã, a primeira coisa necessária é admitir a nossa
fraqueza. Devemos comportar-nos como o publicano da parábola evangélica
que reza tal como ele é na verdade, que se apresenta a Deus sem colocar
máscaras, mas reconhecendo a sua condição de pecador (Lc 18, 13). Não só as
suas palavras, «Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!», são um
modelo para nós, mas é-o sobretudo a sua disposição interior: somente quem é
capaz de um comportamento humilde, pobre, mas realíssimo, pode estar
perante Deus aceitando ser conhecido por Ele por aquilo que é
verdadeiramente. Por outro lado, nós conhecemo-nos de modo imperfeito, e o
que conta é que sejamos conhecidos por Deus (cf 1Cor 13,12; Gl 4,9).
Quem realiza esta adesão à realidade está em condições de poder confessar:
«nem sabemos o que nos convém pedir» para rezar como se deve, não
conhecemos sequer plenamente os nossos gemidos, «mas o próprio Espírito
intercede por nós» (Rm 8,26).
Trata-se, então, de suplicar, de pedir o Espírito Santo: se houver palavras
nossas na oração, as primeiras que podemos balbuciar são aquelas com as
quais invocamos a descida do Espírito. O pedido do Espírito Santo, coisa boa
entre as coisas boas, é prioritário e absoluto em relação a todas as outras,
porque nele está tudo incluído; o próprio Jesus nos assegurou que essa oração é
sempre atendida pelo Pai: «Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos
filhos, quanto mais o Pai do Céu! Ele dará o Espírito Santo àqueles que Lho
pedirem.» (Lc 11,13; cf. Mt 7,11)
206
Inclusive o ato elementar da fé não é possível sem o Espírito, porque «ninguém
poderá dizer: "Jesus é o Senhor" a não ser sob a ação do Espírito Santo» (1 Cor
12,3). Com efeito, só o Espírito pode fazer brotar em nós palavras que se
tornem diálogo com Deus no louvor, na ação de graças, no pedido, na
intercessão: é Ele que as sugere, as guia, as sustenta como palavras capazes
de chegar a Deus. O Espírito atua sempre, como atuam o Pai e o Filho (cf Jo
5,17), e «vem em auxílio da nossa fraqueza» (Rm 8,26), infundindo nos nossos
corações a capacidade de nos reconhecermos filhos, de reconhecer tudo e
todos como desejados, criados e amados por Deus.
Assim podemos «oferecer o culto segundo o Espírito de Deus e gloriar-nos em
Cristo Jesus, sem colocar a nossa confiança na carne» (cf FL 3, 3). É daqui que
nasce a nossa parrésia na oração: ela é confiança, audácia, liberdade em estar
diante de Deus, em falar com Ele com franqueza, esperando a Sua resposta,
que é sempre um juízo pronunciado sobre a nossa vida. Eis, então, o diálogo, ou
melhor ainda, o dueto, a comunhão... Não se trata de negar o peso do nosso
pecado, de esconder a nossa miséria, mas de transcender o conhecimento que
temos de nós mesmos, a favor do conhecimento que Deus tem de nós. Quem
reza deste modo conhece que é egapeménos (cf Cl 3, 12; 1Ts 1,4; 2Ts 2,13),
amado por Deus; conhece o ágape de quem o amou em primeiro lugar, de
quem lhe perdoou, enquanto ele era ainda pecador e inimigo (cf. Rm 5,6-11),
de quem lhe oferece constantemente o Seu amor. E é precisamente na
aceitação deste amor, em acreditar neste amor (cf 1Jo 4,16), que a oração
encontra o seu telos: o ágape de Deus torna-se em nós amor por todos os
homens, até mesmo o amor pelos inimigos, torna-se compaixão, misericórdia.
Assim o mandamento de Jesus, «Orai pelos vossos inimigos» (cf Lc 6,27-28),
não se mostra apenas como uma amplitude maior conferida pela oração, mas é
participação no próprio amor de Deus, que ama todos os homens sem exclusão,
que faz chover a Sua bênção sobre justos e injustos (cf Mt 5,45).
Chegados a este ponto, descobrimos que todas as formas de oração são
relativas, e assim rejeitamos «o homem velho» (Rm 6,6; Ef 4,22; Cl 3,9) que
está em nós, sempre tentado pelas suas ambições religiosas de mudar de
meios e de esforços para atingir o fim. Hoje, sobretudo, muitos mestres
improvisados de espiritualidade e de oração, em nome de um conceito
antropológico da própria oração, inventam iniciativas inspiradas no ioga, no
zen, na meditação transcendental ou noutros; mas isto traduz-se
frequentemente numa confusão entre a substância (a comunhão com o Senhor)
206
e os acidentes (a experiência de estados interiores, psíquicos). O mesmo se
deve dizer a propósito de todos os que, apoiados na Tradição eclesial,
sobrestimam ritos e sacramentos em relação à finalidade da oração, que é o
amor a Deus e aos homens. Escrevia com argúcia um monge acerca do telos
(finalidade) da oração:
“Quando penso nas cinco horas que passo todos os dias em oração, vejo-
as como um grande monte de areia, que arrasto até à presença de Deus.
De vez em quando despontam nele pepitas de oferta autêntica e só estas
pepitas têm importância. Elas, porém, surgem num modo rigorosamente
imprevisto, e infelizmente não existe nenhum método para as filtrar
antes e, por conseguinte, só as temos a elas para apresentar, evitando a
fadiga de arrastar esse monte de areia no qual se encontram
misturadas... Este trabalho serve, espero eu, para perceber cada vez
mais o meu ser nas suas profundidades mais remotas, de modo que eu
me torne globalmente um ser que, consciente ou inconscientemente, não
faz e não quer senão estar diante de Deus, conhecendo o Seu amor e
arrastando consigo todos os homens que estão a seu lado”.
A quem rezar: ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo?
«Os primeiros discípulos rezavam ao Deus dos seus Pais, que se tornou para
eles o Pai de Jesus, aquele que Jesus amou e tornou conhecido como seu Pai e
nosso Pai. É a Ele que damos graças, em particular pelo dom que nos concedeu
através do seu Filho. Ao deixar que o Espírito ore em nós, comungamos com o
amor de Jesus pelo Pai. É por isso que a oração cristã se dirige ao Pai, pelo
Filho, no Espírito», lembra o P. Michel Rondet, jesuíta.
«A nossa oração pode partir do Filho, da meditação das suas palavras, da
contemplação dos seus gestos, mas conduz-nos necessariamente ao Pai.
Reciprocamente, não podemos rezar ao Pai sem nos revestirmos dos
sentimentos de Jesus e viver do seu Espírito. A oração introduz-nos no
movimento que une o Pai, o Filho e o Espírito, na sua comunhão. Não rezamos a
Maria ou aos santos como rezamos ao Pai. Pedimos-lhes: ‘Ora por nós’, e não
‘Atendei-nos’».
Um conselho: na comunhão dos santos, unimo-nos à oração de Maria pelos
homens, de que ela se tornou mãe aos pés da cruz. Confiamos nela porque, na
206
nossa humanidade, foi associada de maneira única à obra da Trindade. E
unimos os santos à nossa oração porque acreditamos que eles participam
connosco nos cuidados pelo Reino.
206
III. O COMBATE DA ORAÇÃO: DIFICULDADES
E OBSTÁCULOS À ORAÇÃO
O Catecismo da Igreja Católica apresenta no artigo 2º, do capítulo III, da IV
Parte, as dificuldades e obstáculos à oração, com grande claridade e realismo,
falando desta como um verdadeiro combate.
Catecismo da Igreja Católica, 2725
“A oração é um dom da graça e uma resposta decidida da nossa parte.
Pressupõe sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança
antes de Cristo, bem como a Mãe de Deus e os santos com Ele no-lo
ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós mesmos e
contra as astúcias do Tentador que tudo faz para desviar o homem da
oração e da união com o seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive
como se reza. Se não se quiser agir habitualmente segundo o Espírito de
Cristo, também não se pode orar habitualmente em seu nome. O
«combate espiritual» da vida nova do cristão é inseparável do combate
da oração”.
A este propósito recordemos uma das Máximas dos padres do deserto:
“Alguns irmãos interrogaram o Abba Agatão, dizendo: «Abba, qual a
virtude entre as que praticamos que requer maior esforço»? Respondeu:
«Perdoai-me, mas penso que não há canseira, tão grande, como rezar a
Deus. Com efeito, todas as vezes que o Homem quer rezar, os inimigos
procuram impedir-lho, porque sabem que nada os pode contrariar tanto,
como o rezar a Deus. Qualquer obra que o homem faça, se perseverar
nela acha descanso; mas para a oração é preciso lutar até ao último
suspiro».
I. As objeções à oração
Catecismo da Igreja Católica, 2726
206
No combate da oração, temos de enfrentar, em nós e à nossa volta,
conceções erróneas da oração. Alguns veem nela uma simples operação
psicológica; outros, um esforço de concentração, para chegar ao vazio
mental; outros ainda, reduzem-na a atitudes e palavras rituais. No
inconsciente de muitos cristãos, rezar é uma ocupação incompatível com
tudo o que tem de fazer: não têm tempo. Os que procuram a Deus na
oração desanimam depressa, porque não sabem que a oração também
vem do Espírito Santo e não somente de si próprios.
Diz a este respeito Romano Guardini, na sua Introdução à Oração:
“O Homem não reza de boa vontade. É fácil que ele experimente, ao
rezar, um sentido de aborrecimento, um embaraço, uma repugnância,
inclusive uma hostilidade. Qualquer outra coisa lhe parece mais atraente
e mais importante. Diz que não tem tempo, que tem outros deveres
urgentes; mas apenas deixou de rezar e ei-lo que se põe a fazer as
coisas mais inúteis. O Homem deve deixar de enganar a Deus e a si
mesmo. É muito melhor dizer abertamente ‘Não quero rezar’ em vez de
utilizar astúcias semelhantes”.
Catecismo da Igreja Católica 2727
“Temos de enfrentar também certas mentalidades «deste mundo» que
nos invadem, se não estivermos atentos. Por exemplo: só é verdadeiro o
que se pode verificar pela razão e pela ciência (mas orar é um mistério
que ultrapassa a nossa consciência e o nosso inconsciente); os valores
são a produção e o rendimento (mas a oração é improdutiva, logo inútil);
o sensualismo e o conforto são os critérios do verdadeiro, do bem e do
belo (mas a oração, «amor da beleza» – philocália – deixa-se encantar
pela glória do Deus vivo e verdadeiro); em reação ao ativismo, temos a
oração apresentada como fuga do mundo (mas a oração cristã não é
uma saída da história nem um divórcio da vida)”.
Enzo Bianchi, no seu livrinho “Porque rezar, como rezar”, apresenta e resume
as objeções mais generalizadas:
a) A oração não faz sentido, porque o mal permanece no mundo!
206
b) A secularização, que promoveu a autonomia do homem e a valorização do
saber científico e técnico, vê a oração como sinal de desresponsabilização;
c) A inutilidade da oração é clara, para o homem que se julga capaz de tudo e
de mais alguma coisa;
d) A oração não atendida parece não justificar a petição;
e) A oração não muda a história!
Na introdução ao mesmo livro9, ele refere-se a alguns obstáculos, que se
intrometem na oração, sob a forma de fenómenos instalados no clima cultural,
que se respira e agora já bem inseridos mesmo no coração da vida eclesial:
1) O narcisismo, que privilegia o emocional sobre o racional e não deixa o
homem dirigir-se a um «tu» diferente dele;
2) A individualização do acreditar, em que a fé se tornou mais uma opção
individual, sem aceitação de um dado da Tradição;
3) O sincretismo, em que o indivíduo segue as misturas religiosas mais
estranhas: «uma pitada de islamismo, uns pozinhos de nirvana, um pouco
de marxismo, com o arranjo de um paganismo, à medida»;
4) A difusão das chamadas religiões da mãe, uma espiritualidade de tendência
regressiva, à procura da unidade de fusão com um deus, sentido como
«energia», «oceano do ser», não já como um deus pessoal.
5) Algumas patologias a nível eclesial: o fundamentalismo, o carismatismo, que
deformam o rosto da Igreja, reduzida a uma seita ou movimento ou
empresa, que tende a reduzir as expressões de oração às mais institucionais
e exteriores;
6) A separação entre realidade eclesial e vida espiritual, que se manifesta, por
exemplo, na diferença existente entre a Liturgia da Igreja e a oração
pessoal.
Catecismo da Igreja Católica 2728
Finalmente, o nosso combate tem de enfrentar aquilo que sentimos
como sendo os nossos fracassos na oração: desânimo na aridez,
tristeza por não dar tudo ao Senhor, porque temos «muitos bens» (Mc.
10,22) deceção por não sermos atendidos segundo a nossa própria
vontade, o nosso orgulho ferido que se endurece perante a nossa
indignidade de pecadores, alergia à gratuitidade da oração, etc... A
9 ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011, 20-23
206
conclusão é sempre a mesma: de que serve orar? Para vencer tais
obstáculos, é preciso combater com humildade, confiança e
perseverança.
III.1.1. As objeções relacionadas com a experiência pessoal:
Enzo Bianchi resume as objeções relacionadas com a experiência pessoal:
a) A fadiga, esquecendo-se o orante que rezar é lutar! Silêncio e solidão são
hoje exigências difíceis de suportar;
b) A falta de tempo, como um alibi, uma má desculpa: “aquele que afirma que
não tem tempo para rezar, confessa na realidade que é um idólatra. Não é
ele que, na verdade, determina o seu tempo, que exerce domínio sobre ele,
que o coordena: é o tempo que o domina. O cristão, se quer ser e afirmar-se
como tal, deve opor-se à ideologia do trabalho e da produtividade alienante,
deve esforçar-se por encontrar tempo, para escutar Deus e dialogar com
Ele”10;
c) As distrações, que afinal não tiram eficácia a oração, porque ela continua a
ser um ato de amor: há que integrá-las na oração e colocá-las nas mãos de
Deus;
d) A inconstância, que é preciso vencer com perseverança, paciência, disciplina
e ascese; é preciso continuar a oferecer, juntamente com a aridez do
coração, a presença do próprio corpo, sem vez e rebelde à fadiga da oração.
e) A ideia de que trabalhar também é rezar; ora, se é assim mesmo, porque é
que são tão poucos os que estão dispostos a rezar? Sem oração, não existe
oração da vida. Pelo contrário, a oração é que se pode tornar ação, quando
quem reza tem o coração em Deus. A fadiga da oração torna-se “fadiga do
amor” (I Tes.1,3).
III.2. A humilde vigilância do coração
Catecismo da Igreja Católica 2729
A dificuldade habitual da nossa oração é a distração. Pode ter por objeto
as palavras e o seu sentido, na oração vocal; mais profundamente, pode
10 ENZO BIANCHI, O que rezar? Porque rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011, 100
206
incidir sobre Aquele a Quem rezamos, na oração vocal (litúrgica ou
pessoal), na meditação e na contemplação. Partir à caça das distrações
seria cair nas suas ciladas; basta regressar ao nosso coração: uma
distração revela-nos aquilo a que estamos apegados e esta humilde
tomada de consciência diante do Senhor deve despertar o nosso amor
preferencial por Ele, oferecendo-Lhe resolutamente o nosso coração para
que Ele o purifique. É aí que se situa o combate: na escolha do Senhor a
quem servir (Mt.6,21.24).
Catecismo da Igreja Católica 2730
Positivamente, o combate contra o nosso eu, possessivo e dominador,
consiste na vigilância, a sobriedade do coração. Quando Jesus insiste na
vigilância, esta refere-se sempre a Ele, à sua vinda, no último dia e em
cada dia: «hoje». O Esposo chega a meio da noite. A luz que não se deve
extinguir é a da fé: «Diz-me o coração: "Procura a sua face"» (Sl 27, 8).
Catecismo da Igreja Católica 2731
Outra dificuldade, especialmente para os que querem rezar com
sinceridade, é a aridez. Faz parte da oração em que o coração está seco,
sem gosto pelos pensamentos, lembranças e sentimentos, mesmo
espirituais. É o momento da fé pura, que se aguenta fielmente ao lado de
Jesus na agonia e no sepulcro. «Se o grão de trigo morrer, dará muito
fruto» (Jo 12, 24). Se a aridez for devida à falta de raiz, por a Palavra ter
caído em terreno pedregoso, o combate entra no campo da conversão
(Lc.8,6.13).
III.2.1. Perante as tentações na oração
Catecismo da Igreja Católica 2732
A tentação mais comum e a mais oculta é a nossa falta de fé. Exprime-se
menos por uma incredulidade declarada do que por uma preferência de
facto. Quando começamos a orar, mil trabalhos e preocupações, julgados
urgentes, apresentam-se-nos como prioritários. É mais uma vez o
momento da verdade do coração e do seu amor preferencial. Umas
vezes, voltamo-nos para o Senhor como nosso último recurso: mas será
206
que acreditamos mesmo n'Ele? Outras vezes, tomamos o Senhor como
aliado, mas conservamos o coração cheio de presunção. Em todos os
casos, a nossa falta de fé revela que ainda não temos as disposições de
um coração humilde: «Sem Mim, nada podereis fazer» (Jo 15, 5).
Catecismo da Igreja Católica 2733
Outra tentação, à qual a presunção abre a porta, é a acédia. Os Padres
espirituais entendem por ela uma forma de depressão devida ao
relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do
coração. «O espírito está decidido, mas a carne é fraca» (Mt 26, 41).
Quanto de mais alto se cai, mais magoado se fica. O desânimo doloroso
é o reverso da presunção. Quem é humilde não se admira da sua
miséria; ela leva-o a ter mais confiança e a manter-se firme na
constância.
III.2.2. O que fazer quando desaparece o gosto da oração? 11
«Esta aridez não tem nada de estranho. Ela é mesmo quase normal. Os autores
antigos consideravam-na útil e fecunda. Purificar a oração é purificar o desejo,
até que ele se conforme à vontade de Deus», diz o P. Maurice Bellet, filósofo e
psicanalista.
Na época moderna, o desagrado, a falta de gosto provêm muitas vezes do
aspeto regulamentar e obrigatório da oração, de um sentimentalismo ambíguo,
de um dogmatismo que se torna estéril. Alguns prosseguem custe o que custar.
É talvez a oração mais pura, dado que é a aceitação de que a relação seja nua,
sem nada que satisfaça.
Mas este querer crer não deve transformar-se numa obstinação vazia de
sentido. Orar é ser com Deus, numa relação viva onde Deus é Deus. Onde Deus
é dom e ama verdadeiramente o homem.
Dado que se trata de ser com Deus, posso perguntar-me que oração me dá
mais gosto: ler o comentário de um texto bíblico com um forte desejo de
11 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10
206
verdade? Ouvir a Paixão de Bach? Em tudo posso voltar-me para aquele que me
é inatingível.»
Um conselho; quando não souber rezar, opte por aquilo que lhe convém... sem
julgar o caminho escolhido por outros. Não esquecendo algo de muito concreto,
que João anuncia na sua primeira carta (4-12). Deus é este Desconhecido,
acima do abismo da ausência, que se revela nos nossos corações e nas nossas
mãos quando nos fazemos próximos do próximo.
III.3. A confiança filial
Catecismo da Igreja Católica 2734
A confiança filial é posta à prova – e prova-se a si mesma – na tribulação
(Rom.5,3-5). A principal dificuldade diz respeito à oração de petição, na
intercessão por si ou pelos outros. Alguns deixam mesmo de orar porque,
segundo pensam, o seu pedido não é atendido. Aqui, duas questões se
põem: Por que é que pensamos que o nosso pedido não é atendido? E
como é que a nossa oração é atendida, e «eficaz»?
A Igreja reza sempre, ou quase sempre, ao Pai, como o fazia Jesus (Ga 4 6; Rom
8, 15, Mt 6, 6; Lc I I, 2). O Pai é a origem e a fonte de todo o bem e de toda a
graça. O Pai é também a meta final a que aspiramos. Na oração cristã nunca se
perde o sentido da transcendência de Deus Pai, princípio e fim, nascente e foz
da nossa vida, para além de todas as mediações. A Oração cristã tende para o
Pai. Quem deseja orar tem de buscar a Deus-Pai, pagando o preço de ter de
dispor-se para a noite da transcendência.
A Oração cristã não pode acontecer se não for Oração filial. Quer dizer: se nela,
não me sentir e não me realizar e não me exprimir como «filho de Deus».
Rezar, dizia Sta. Teresa de Ávila «é estar a sós com Aquele que sabemos que
nos ama». Quantas vezes o temor, o medo e a desconfiança, fazem da minha
oração uma espécie de «grito» para afastar a «ira de Deus» e não um
«balbucio» de criança que se confia aos braços do Pai... Também aqui, só pela
ação do Espírito, nos podemos abeirar do Pai, cheios de confiança no seu amor.
Porque este «Espírito» nos habita desde o Batismo, ele impele-nos a rezar, a
dar voz ao nosso coração de filhos, dizendo «Abba, ó Pai». O mesmo Espírito
206
que une o Pai e o Filho numa relação de eterno e inesgotável Amor é que nos
une pode unir, no Filho, ao Pai.
III.3.1. Porque nos lamentarmos por não sermos atendidos?
Catecismo da Igreja Católica 2735
Antes de mais, uma constatação deveria surpreender-nos. É que, quando
louvamos a Deus ou Lhe damos graças pelos seus benefícios em geral,
não nos importamos nada com saber se a nossa oração Lhe é agradável,
ao passo que exigimos ver o resultado da nossa petição. Qual é, então, a
imagem de Deus que motiva a nossa oração: um meio a utilizar ou o Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo?
Catecismo da Igreja Católica 2736
Será que estamos convencidos de que «não sabemos o que pedir, para
rezar como devemos» (Rm 8, 26)? Será que pedimos a Deus «os bens
convenientes»? O nosso Pai sabe muito bem do que precisamos, antes
que Lho peçamos (Mt.6.8), mas espera o nosso pedido, porque a
dignidade dos seus filhos está na sua liberdade. Devemos, pois, orar com
o seu Espírito de liberdade para podermos conhecer de verdade qual é o
seu desejo (Rom.8,27).
Catecismo da Igreja Católica 2737
«Não tendes, porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal,
pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões» (Tg 4, 2-3) (23). Se
pedirmos com um coração dividido, «adúltero», Deus não pode atender-
nos, pois quer o nosso bem, a nossa vida. «Ou pensais que a Escritura diz
em vão: "o Espírito que habita em nós ama-nos com ciúme"?» (Tg 4, 5).
O nosso Deus é «ciumento» de nós e isso é sinal da verdade do seu
amor. Entremos no desejo do seu Espírito e seremos atendidos: «Não te
aflijas, se não recebes logo de Deus o que Lhe pedes: é que Ele quer
beneficiar-te ainda mais pela tua perseverança em permanecer com Ele
na oração» (Evágrio do Ponto). Ele quer «que o nosso desejo se exercite
na oração dilatando-nos, de modo a termos capacidade para receber o
que Ele prepara para nos dar» (Santo Agostinho).
206
III.3.2. Como é que a nossa oração seria eficaz?
Catecismo da Igreja Católica 2738
A revelação da oração na economia da salvação ensina-nos que a fé se
apoia na ação de Deus na história. A confiança filial é suscitada pela sua
ação por excelência: a paixão e ressurreição do seu Filho. A oração cristã
é cooperação com a sua providência, com o seu desígnio de amor para
com os homens.
Catecismo da Igreja Católica 2739
Em São Paulo, esta confiança é audaciosa (Rom.10,12-13), apoiando-se
na oração do Espírito em nós e no amor fiel do Pai que nos deu o seu
Filho Único (Rom.8,26-39). A transformação do coração que ora é a
primeira resposta ao nosso pedido.
Catecismo da Igreja Católica 2740
A oração de Jesus faz da oração cristã uma petição eficaz. Jesus é o
modelo da oração cristã; Ele ora em nós e connosco. Uma vez que o
coração do Filho não procura senão o que agrada ao Pai, como poderia o
dos filhos adotivos apegar-se mais aos dons que ao Doador?
Catecismo da Igreja Católica 2741
Jesus também ora por nós, em nosso lugar e em nosso favor. Todos os
nossos pedidos foram reunidos, de uma vez por todas, no seu brado sobre a
cruz e atendidos pelo Pai na sua ressurreição; e é por isso que Ele não cessa
de interceder por nós junto do Pai (Evágrio do Ponto). Se a nossa oração
estiver resolutamente unida à de Jesus na confiança e na audácia filial,
obteremos tudo o que pedirmos em seu nome e muito mais do que isto ou
aquilo: o próprio Espírito Santo que inclui todos os dons.
III.4. Perseverar no amor
Catecismo da Igreja Católica 2742.
206
«Orai sem cessar» (1 Ts 5, 17), «dai sempre graças por tudo a Deus Pai,
em nome de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ef 5, 20), «servindo-vos de toda
a espécie de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito Santo; e,
para isso, vigiai com toda a perseverança e com preces por todos os
santos» (Ef 6, 18). «Não nos foi mandado que trabalhemos, velemos e
jejuemos constantemente, mas temos a lei de orar sem cessar» (Evágrio
do Ponto) Este fervor incansável só pode vir do amor. Contra a nossa
lentidão e preguiça, o combate da oração é o do amor humilde, confiante
e perseverante. Este amor abre os nossos corações a três evidências de
fé, luminosas e vivificantes.
Catecismo da Igreja Católica 2743. Orar é sempre possível:
O tempo do cristão é o de Cristo Ressuscitado, que está «connosco todos
os dias» (Mt 28, 20), sejam quais forem as tempestades (Lc.8,24). O
nosso tempo está na mão de Deus: «É possível, mesmo no mercado ou
durante um passeio solitário, fazer oração frequente e fervorosa;
sentados na vossa loja, a tratar de compras e vendas, até mesmo a
cozinhar» (São João Crisóstomo).
Catecismo da Igreja Católica 2744. Orar é uma necessidade vital.
A demonstração do contrário não é menos convincente: se não nos
deixarmos conduzir pelo Espírito Santo, recairemos na escravidão do
pecado (Gal.5,16-25). Ora, como pode o Espírito Santo ser a «nossa
vida» se o nosso coração estiver longe d'Ele? «Nada iguala o valor da
oração; ela torna possível o impossível, fácil o difícil. [...] É impossível [...]
que o homem que ora caia no pecado» (São João Crisóstomo). «Quem
reza salva-se, de certeza; quem não reza condena-se, de certeza» (Santo
Afonso de Ligório).
Catecismo da Igreja Católica 2745
Oração e vida cristã são inseparáveis, porque se trata do mesmo
amor e da mesma renúncia que procede do amor; da mesma
conformidade filial e amorosa com o desígnio de amor do Pai; da mesma
união transformante no Espírito Santo que nos conforma sempre mais
com Cristo Jesus; do mesmo amor para com todos os homens, desse
206
amor com que Jesus nos amou. «Tudo o que pedirdes ao Pai em meu
nome, Ele vo-lo concederá. O que vos mando é que vos ameis uns aos
outros» (Jo 15, 16-17). «Ora sem cessar, aquele que une a oração às
obras e as obras à oração. Só assim é que podemos considerar como
realizável o preceito de orar incessantemente» (Orígenes).
III.5. Um exercício pessoal de oração
No meio da algazarra em que se vive hoje, o homem novo que existe em nós
deve lutar para assegurar ao "céu" da sua alma aquele prodígio de "um
silêncio de cerca de meia hora" de que fala o Apocalipse (8,1); que seja um
silêncio verdadeiro, repleto da Presença, ressoante da Palavra, atento à escuta,
aberto à comunhão.
Jesus passava muito tempo pregando, acolhendo e atendendo as pessoas,
curando os doentes. Mas isto não o impedia de dedicar longos momentos à
oração, a estar com o seu Pai, a falar com Ele... (cf. CIC 2600). O primeiro traço
que ressalta da narração evangélica, sobretudo de Lucas, é a unidade entre
oração e missão. Jesus reza:
…antes dos momentos decisivos da sua missão: Batismo (Lc.3,21);
Transfiguração (Lc.9,28), Paixão (Lc.22,41-44)…
… antes dos momentos decisivos que vão empenhar a missão dos apóstolos:
antes de escolher e chamar os Doze (Lc.6,12), antes de Pedro o confessar como
Ungido de Deus (Lc.9,18-20); e para que a fé do Apóstolo não desfaleça
(Lc.22,32); a quando da volta da pregação dos discípulos: Mt 11, 25
... antes de ressuscitar Lázaro: Jo 11, 41-42
... na Última ceia: Jo 17, 11.21.24
... no Horto das oliveiras: Mt 26, 39-42
... quando O crucificam: Lc 23, 33
... quando está suspenso na cruz: Mt 27, 46
... no momento da morte: Lc 23, 46
Não só rezava Ele, mas convida os seus discípulos a fazerem-no.
Além disso ensina-nos como há de ser a nossa oração:
206
o de forma discreta, sem muito palavreado: Mt 6, 5-8
o com a confiança de ser escutados: Mt 7, 7
o em nome de Jesus: Jo 16, 23-24
o por todos, não só pelos amigos: Mt 5, 44
o com insistência, sem desanimar: Lc 18, 1-8
o com humildade, reconhecendo-nos como fracos: Lc 18, 9-14
1. Tens horror ao «vazio» do silêncio?
2. Que vestígios encontras na tua vida desse horror ao «vazio» do silêncio?
3. Em que lugares, momentos, ambiente, te sentes mais inclinado a orar?
4. Tens experiência de uma oração contemplativa?
5. Procura «agendar» ou programar, os teus tempos de «retiro».
a) durante o dia: momentos mais curtos (5-15m)
b) durante a semana: um momento mais longo (30m-60m)
c) durante o Verão: um tempo mais forte (uma manhã; uma tarde; um dia)
206
SÁBADO, 09H00-10H30
IV. PARA UMA PEDAGOGIA DA ORAÇÃO12
Alguns autores falam de formas orantes, outros de infraestruturas da oração,
outros de umbral da oração, outros de pressupostos da oração. Todos tratam do
mesmo: certas vivências prévias à oração.
É normal que o orante tenha uma certa ansiedade por rezar. De facto, o que
quer é rezar. De qualquer maneira, o que é primeiro na intenção não é o na
execução. Pensemos no futebolista, no cirurgião, no pintor.
IV.1. Entabular o jogo
Não é boa a precipitação. É preciso ir devagar, «pouco a pouco», como tantas
vezes refere Santa Teresa, mestra da oração. Muitas vezes, este desejo de
chegar rapidamente à meta está na base de muitas deceções e abandonos.
IV.2. Atitudes orantes
A oração é uma graça, mas é também uma arte. A oração é um dom, mesmo
que seja também uma tarefa. Não se identifica com qualquer tratado de
amizade, mas é um tratado de amizade. A oração não é um qualquer diálogo,
mas é diálogo. Santa Teresa de Jesus lembra-nos algumas atitudes, que devem
ser em nós como que tendências cada vez mais sólidas, que têm como objetivo
potenciar uma relação com Deus em chave de amizade, de confiança filial, de
comunhão amorosa.
IV.2.1. Sentido de Igreja: é no seio da comunidade dos crentes que recebemos o
melhor que temos e somos seguidores de Jesus. A oração, mesmo que
12 Seguimos e resumimos aqui ANGEL BRIÑAS, Orar en el momento atual (= Emaús 100), Ed. CPL, Barcelona, 2012, 61-86.
206
pessoal e íntima, emana do contexto da Igreja e adquire pleno sentido na
união de todos os membros com a cabeça, que é Cristo.
IV.2.2. A pobreza como postura básica. Só a pessoa necessitada ou consciente
da sua debilidade estende a palavra e a mão para pedir ajuda. Quem
está demasiado preocupado com as coisas materiais acaba por ser
escravo delas.
IV.2.3. Liberdade integral: Santa Teresa explicita o tema da pobreza, numa
tríplice dimensão:
desprendimento como libertação das coisas materiais. É o círculo mais
externo da pessoa. Ter com liberdade;
o amor verdadeiro aos demais, como libertação de dependências
afetivas que a afogam. É um círculo mais próximo da pessoa. Amar
com liberdade.
a liberdade, como libertação de si mesmo. É o círculo mais íntimo da
pessoa, que pede uma clarividência extraordinária.
4.2.4. Uma determinada determinação:
Teresa repete insistentemente este conselho, para que o orante seja fiel ao seu
compromisso de orar ao Senhor. Esta radical decisão, impregnada do amor de
Deus, é a melhor colaboração humana, no processo de oração. O crente pode
ficar atascado na oração vocal ou na meditação, anos a fio, se não se
compromete devidamente, sobretudo nos inícios, a cumprir lealmente o tempo
prometido e dedicado ao Senhor. Determinar-se é converter-se não a umas
virtudes, mas à pessoa de Jesus Cristo; converter neste sentido toda a vida,
como quem faz um juramento definitivo.
4.2.5. Um Ambiente vital:
Cercada de tantas coisas, de tantas pressas e pressões, a pessoa precisa de se
esforçar por alcançar um conhecimento próprio, que não se deixe levar pelo
utilitarismo, por uma religiosidade à la carte, mas que se esforce por fazer da
oração um espaço de relacionamento íntimo e amigo cm Deus. Olhemos, com
paz e tranquilidade em que medida o ambiente que nos rodeia afeta a nossa
oração. Temos de deixar que tudo “cale” e que tudo cale no tempo da oração.
206
4.2.6. Outras atitudes prévias:
a) O assombro e a admiração. Quem não sabe admirar-se não pode rezar;
b) A solidariedade: Não se pode escutar a Deus, sem ouvir o grito do irmão. A
oração é um momento necessário da solidariedade;
c) A solidão. Para ser solidário, também é preciso ser solitário. Na pessoa tem
que haver uma distância, em relação às coisas e com as coisas;
d) O silêncio, para captar melhor as vozes e os ruídos. É preciso recuperar
espaços de silêncio.
e) O diálogo: temos de aprender a dialogar com as pessoas, se queremos
dialogar com Deus. Temos de aprender a escutar, numa escuta que seja
mais do que por simples cortesia.
f) Desportivismo. Saber ganhar e saber perder. Ambas as coisas porque ambas
são difíceis e ambas se dão na oração.
Todas estas atitudes podem preparar a terram para semear nela e que possa
crescer o grão de mostarda que é a oração.
Em resumo, podemos dizer:
a) Em relação a Deus: gratuidade, fé-esperança-amor, humildade;
b) Em relação aos outros: compromisso de vida, amor fraterno;
c) Em relação às coisas: gratuidade, capacidade de assombro, capacidade de
receção, capacidade de contemplação, desprendimento;
d) Em relação a si próprio: conhecimento próprio, silêncio e solidão, até ser
capaz de rezar a vida.
4.3. Aprender a orar a partir do silêncio
Rodeados de ruído no meio do mundo de hoje, precisamos de propiciar espaços
de silêncio e, sobretudo, de educar para conseguir o silêncio interior e assim
dispormo-nos à oração. O silêncio não é só obra dos sentidos, ainda que estes o
favoreçam ou impeçam, mas sobretudo um trabalho a desenvolver no interior
da pessoa e um dom que há que pedir todos os dias ao Senhor: “Cada manhã,
ele desperta os meus ouvidos para eu escutar como escutam os discípulos. O
Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo”
(Is.50,4-5). Nós, os cristãos não nos retiramos na solidão e no silêncio para
estar sós, mas para nos encontrarmos com Deus, mas para rezar e assim, no
silêncio e pelo silêncio, dispormo-nos a entrar num diálogo pessoal, vivo e
amoroso com Deus.
206
4.3.1. O elogio do silêncio
“Quando penso no contributo que a experiência religiosa pode dar num
futuro próximo à cultura, ao tempo e ao modo da existência humana,
penso que mais até do que a palavra será a partilha desse património
imenso que é o silêncio. Já a bíblica narrativa de Babel ponha a nu os
limites do impulso totalitário da palavra. Mesmo que construamos a
palavra como uma torre, temos de aceitar que ela não só não toca
cabalmente o mistério dos céus, como muitas vezes nos incapacita para
a comunicação e a compreensão terrenas. Precisamos do auxílio de outra
ciência, a do silêncio. Já Isaac de Nínive, lá pelos finais do século VII,
ensinava: «A palavra é o órgão do mundo presente. O silêncio é o
mistério do mundo que está a chegar».
Na diversidade das tradições religiosas e espirituais da humanidade, o
silêncio é um traço de união extraordinariamente fecundo. Na tradição
muçulmana, por exemplo, o centésimo Nome de Deus é o nome inefável
que não pode ser rezado senão no silêncio. Os místicos não se cansaram
de explorar essa via. Veja-se o persa Rûmi (1207-1247) que aconselha ao
seu discípulo: «Àquele que conhece Deus faltam-lhe as palavras». Noutra
geografia temos a anotação espiritual de Lao-Tsé, «o som mais forte é o
silencioso», ou a de Bashô, «silêncio/ uma rã mergulha/ dentro de si», ou
a de Eléazar Rokéah de Worms, cabalista judeu que afirmava: «Deus é
silêncio».
Também a Bíblia coteja minuciosamente o silêncio de Deus. E este nem
sempre é um silêncio fácil, mesmo se somos chamados a acreditar na
verdade do dístico que nos oferece o Livro das Lamentações: «É bom
esperar em silêncio a salvação de Deus». O silêncio de Deus fustiga os
salmistas: «Ó Deus, não fiques em silêncio; não fiques mudo nem
impassível!» (83,2); leva Job a erguer-se numa destemida teologia de
protesto; e faz o inconformado profeta Habacuc dizer: «Tu contemplas
tudo em silêncio» (Hab 1, 13). O silêncio do Pai será particularmente
enigmático na agonia no Getsémani e na experiência da Cruz, onde Jesus
lança o grito: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?».
Contemplamos neste grito o mistério de Deus e o do Homem no mais
206
devastador silêncio que o mundo conheceu. Contudo, é no lancinante
silêncio que sucede ao seu grito que reside a revelação pascal de Deus.
José Tolentino Mendonça13
“Os seres humanos têm a necessidade vital do tempo e do silêncio
interior, para refletir e examinar a vida e os seus mistérios, e para
crescer de modo gradual até atingir um domínio amadurecido de si
mesmos e do mundo que os rodeia. A compreensão e a sabedoria são o
fruto de uma análise contemplativa do mundo, e não derivam de uma
simples acumulação de factos, por mais interessantes que sejam. São o
resultado de uma introspeção que penetra o significado mais profundo
das coisas, na relação de umas com as outras e com o conjunto da
realidade”
João Paulo II, 12.5.2002
Um aspeto que é preciso cultivar com maior compromisso, no interior
das nossas comunidades, é a experiência do silêncio. Temos necessidade
dele "para acolher nos nossos corações a plena ressonância da voz do
Espírito Santo, e para unir estreitamente a oração pessoal à Palavra de
Deus e à voz pública da Igreja". Numa sociedade que vive de maneira
cada vez mais frenética, muitas vezes atordoada pelos ruídos e perdida
no efémero, é vital redescobrir o valor do silêncio. Não é por acaso que
mesmo para além do culto cristão, se difundem práticas de meditação
que dão importância ao recolhimento. Por que não começar, com
audácia pedagógica, uma educação ao silêncio no contexto de
coordenadas próprias da experiência cristã? Que esteja diante dos
nossos olhos o exemplo de Jesus, que "tendo saído de casa, se retirou-se
num lugar deserto para ali rezar" (Mc 1, 35)
João Paulo II, 4.12.2003
Na Cruz vemos que o silêncio de Jesus é a sua última palavra ao Pai, mas
vemos também como Deus fala através do silêncio. De facto, a dinâmica
13 http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=90806
206
feita de palavra e silêncio, que caracteriza a oração de Jesus, manifesta-
se também na nossa vida de oração em duas direções. Por um lado,
ensina-nos que a escuta e o acolhimento da Palavra de Deus exige o
silêncio interior e exterior, afastando-nos de uma cultura barulhenta que
não favorece o recolhimento. Por outro lado, há também o silêncio de
Deus na nossa oração, que muitas vezes gera em nós a sensação de
abandono. Mas, olhando para o exemplo de Cristo, sabemos que esse
silêncio não é ausência: Deus está sempre presente e nos escuta. E,
assim, podemos dizer que Jesus nos ensina a rezar, não só com a oração
do Pai nosso, mas também com o exemplo da sua própria oração,
indicando-nos que temos necessidade de momentos tranquilos vividos na
intimidade com Deus, para escutarmos e chegarmos à «raiz» que
sustenta e alimenta a nossa vida.
Bento XVI, 7.3.2012
4.3.2. Criar silêncio
CRIAR SILÊNCIO14
O ato de escutar requer necessariamente a prática do silêncio. Não apenas do
silêncio físico, mas também do silêncio interior. Para poder escutar o outro de
um modo que tenha garantias de qualidade, é preciso criar o silêncio dentro e
fora. É muito mais difícil silenciar o interior do que o exterior, porque a pior
algaraviada é aquela que carregamos dentro de nós. O pior grito é aquele que
não se ouve. Não se ouve como ruído exterior, mas faz entrar em colapso o
nosso interior. Não se trata por isso de ficar calado, mas sim de criar silêncio.
Há que ter bem presente que o silêncio não é a ausência de palavras, mas uma
criação interior. Exige um enorme trabalho de cura e depuração, de eliminação
de impurezas e de obstáculos ruidosos que dificultam a escuta do outro."
As interferências mais graves são aquelas levantadas pela pessoa que escuta, o
recetor. Frequentemente, as palavras do outro, quando recebidas no próprio
interior, despertam velhos fantasmas que pensávamos estarem enterrados.
14 FRANCESC TORRALBA, A arte de saber escutar, Ed. Guerra e Paz, Lisboa 2010, 36-38.
206
Quando isso acontece com alguns deles, já não escutamos o outro e seguimos o
rasto que aqueles fantasmas deixaram na nossa alma.
A voz do outro persiste, mas não é escutada, passa a ser um ruído de fundo.
Nesse momento, o recetor está ocupado consigo mesmo. O discurso do outro
contém palavras, odores, gestos, referências diretas ou indiretas que nos fazem
voar para longe, levando a que nos esqueçamos do que ele acaba de dizer. Esta
imersão em nós próprios é provisória. No momento mais inesperado, voltamos
a escutar quem nos está a falar, ainda que já não saibamos de que é que fala:
perdemos o fio à meada. O outro nem sempre se dá conta do que se passou,
mas se pergunta a nossa opinião, põe a nu a nossa incapacidade para o
escutar.
Criar silêncio é pôr a mente em branco, alcançar a tábua rasa que
supostamente éramos ao nascer. Esta tarefa é extremamente árdua e só pode
ser levada avante depois de muita prática e de muitos fracassos. Tendemos a
ocupar a mente com objetos, representações e núcleos problemáticos que nos
distraem. Temos a sensação de que a nossa mente não pode nunca parar de
pensar em algum objeto. Estamos sempre a pensar nalguma coisa que, depois,
nos há de conduzir a outra, sempre assim, ininterruptamente. A mente voa
daqui para a ali e a torrente de ideias, recordações, pensamentos e
expectativas que por ela flui acaba por sobrepor-se a tudo.
Uma palavra, um comentário, uma parábola, uma narrativa, tudo isso desperta
em nós elementos que julgávamos adormecidos e que captam a nossa atenção,
fixando-a. Então, aquele momento converte-se no eixo da exposição do outro e,
em consequência, perdemos a sua argumentação, o fio condutor do seu
discurso.
Para conseguir escutar o outro com atenção e render-lhe o respeito que, como
ser humano, merece, há que guardar silencio e praticar a contenção mental,
para que a mente possa centrar-se totalmente nas palavras do outro, evitando
cair naquele que, segundo os Padres do Deserto, é o pior dos males: a
dispersão. É preciso reconhecer que, por vezes, a mente é como uma abelha
que voa de flor em flor, como uma pena suspensa no ar, à mercê dos ventos
que vão soprando.
206
O ato de escutar exige uma ascética mental, um controlo da faculdade de
imaginar e da capacidade de fantasia. O silêncio exterior é o ponto de partida
de uma viagem até ao silêncio interior. No interior, a tarefa que nos aguarda é
imensa: temos que silenciar as vozes da mente, mas também os gritos do
coração.
Quando conseguirmos triunfar nessa empresa, aí é que outro ressoará no nosso
interior; a sua presença iluminará a gruta do nosso ser e então dar-nos-emos
conta de que não estamos sozinhos.
4.3.3. Silêncio do espírito, dos olhos e das palavras
A oração começa pelo silêncio interior. Se queremos rezar, temos de aprender a
escutar primeiro, porque Deus fala no silêncio do coração. E para sermos capa-
zes de viver este silêncio e ouvir Deus, temos de ter um coração límpido, pois
só um coração límpido pode vê-I'O, pode ouvi-I'O, pode escutá-I'O. E Ele escuta.
Mas nós não podemos falar antes de O escutar no silêncio dos nossos corações.
A oração não é sofrimento, nem pode constranger-nos ou perturbar-nos. A
oração é um manancial de alegria. Regozijo-me ao falar com o meu Pai, falar
com Jesus, a quem pertenço de corpo e alma, de espírito e coração.
Reflitamos, então, no silêncio do espírito, dos olhos e das palavras.
Silêncio do espírito e do coração: Lembrai-vos de Maria, que nunca lamentou
fosse o que fosse. Lembrai-vos de São José estava perturbado. Apenas uma
palavra sua teria podido dissipar qualquer dúvida, mas Maria não a pronunciou,
esperando que Nosso Senhor realizasse o milagre de provar a sua inocência. Se
ao menos estivéssemos assim tão convencidos da necessidade de silêncio!
Creio, então, que um caminho em direção à união íntima com Deus se abriria
na nossa vida de crentes.
O silêncio dos olhos, aquele silêncio que nos ajuda sempre a ver Deus. Os
nossos olhos são como janelas através das quais Cristo ou o mundo chegam ao
nosso coração. Precisamos frequentemente de muita coragem para os manter
fechados. Não dizemos frequentemente: "Se não tivesse visto isto ou aquilo!"?
E, no entanto, esforçamo-nos tão pouco para vencer o desejo de ver tudo.
206
Com o silêncio da palavra aprendemos muito - a falar com Cristo, a
permanecer sempre alegres e a ter uma quantidade de coisas para Lhe dizer. E
Ele fala-nos por intermédio das outras pessoas e, quando meditamos, fala
diretamente connosco.
Deus é amigo do silêncio. Temos sede de encontrar Deus, mas Ele não se deixa
descobrir nem no ruído nem na agitação. Vede como a natureza, as árvores, as
flores e a erva crescem num silêncio profundo. Vede como as estrelas, a lua e o
sol se deslocam em silêncio. Quanto mais recebermos numa oração silenciosa,
mais poderemos dar na nossa vida ativa. O silêncio dá-nos um olhar novo sobre
todas as coisas. Temos necessidade deste silêncio para podermos tocar as
almas dos outros. O essencial não está naquilo que dizemos, mas naquilo que
Deus nos diz e naquilo que Ele transmite por nosso intermédio.
Jesus ouve-nos sempre no silêncio. Nesse silêncio Ele escutar-nos-á; é aí que Ele
fala às nossas almas e que nós escutaremos a sua voz. No silêncio
encontraremos uma energia nova e uma verdadeira unidade. A energia de Deus
será a nossa a fim de realizarmos todas as coisas na união dos nossos
pensamentos com os seus, na união das nossas orações com as suas, na união
das nossas ações com as suas, da nossa vida com a sua"
Beata Madre Teresa de Calcutá
4.3.4. O silêncio de Jesus15, numa catequese de Bento XVI
Transcrevemos, aqui, excertos de uma Catequese de Bento XVI sobre o tema
do silêncio de Jesus, tão importante na relação com Deus. Diz o Papa:
“Na Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini fiz referência ao
papel que o silêncio adquire na vida de Jesus, sobretudo no Gólgota:
«Aqui vemo-nos colocados diante da “Palavra da cruz” (cf. 1 Cor 1, 18). O
Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque se “disse” até calar,
nada retendo do que nos devia comunicar» (n. 12). Diante deste silêncio
15 Transcrevemos aqui excertos da catequese de BENTO XVI, Audiência Geral, 7 de
março de 2012
206
da cruz, são Máximo, o Confessor, põe nos lábios da Mãe de Deus a
seguinte expressão: «Fica sem palavras a Palavra do Pai, o qual fez todas
as criaturas que falam; sem vida estão os olhos apagados daquele por
cuja palavra e por cujo aceno se move tudo o que tem vida» (A vida de
Maria, n. 89: Textos marianos do primeiro milénio, 2, Roma 1989, p.
253).
A cruz de Cristo não mostra somente o silêncio de Jesus como sua última
palavra ao Pai, mas revela também que Deus fala por meio do silêncio:
«O silêncio de Deus, a experiência da distância do Omnipotente e Pai é
etapa decisiva no caminho terreno do Filho de Deus, Palavra encarnada.
Suspenso no madeiro da cruz, o sofrimento que lhe causou tal silêncio fê-
lo lamentar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,
34; Mt 27, 46). Avançando na obediência até ao último suspiro de vida,
na obscuridade da morte, Jesus invocou o Pai. A Ele entregou-se no
momento da passagem, através da morte, para a vida eterna: “Pai, nas
tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23, 46)» (Exortação Apostólica
pós-sinodal Verbum Domini, 21).
A experiência de Jesus na cruz é profundamente reveladora da situação
do homem que reza e do ápice da oração: depois de ter ouvido e
reconhecido a Palavra de Deus, devemos medir-nos também com o
silêncio de Deus, expressão importante da própria Palavra divina.
A dinâmica de palavra e silêncio, que caracteriza a oração de Jesus em
toda a sua existência terrena, sobretudo na cruz, diz respeito também à
nossa vida de oração, em duas direções.
A primeira é a que se refere ao acolhimento da Palavra de Deus.
É necessário o silêncio interior e exterior, para que tal palavra possa ser
ouvida. E este é um ponto particularmente difícil para nós, no nosso
tempo. Com efeito, a nossa é uma época na qual não se favorece o
recolhimento; aliás, às vezes a impressão é de que as pessoas têm medo
de se separar, mesmo por um instante, do rio de palavras e de imagens
que marcam e enchem os dias.
206
Por isso, na já mencionada Exortação Verbum Domini recordei a
necessidade de nos educarmos para o valor do silêncio:
«Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja
significa também redescobrir o sentido do recolhimento e da
tranquilidade interior. A grande tradição patrística ensina-nos que os
mistérios de Cristo estão ligados ao silêncio e só nele é que a Palavra
pode encontrar morada em nós, como aconteceu em Maria, mulher
inseparável da Palavra e do silêncio» (n. 66).
Este princípio — que sem silêncio não se sente, não se ouve, não se
recebe uma palavra — é válido sobretudo para a oração pessoal, mas
também para as nossas liturgias: para facilitar uma escuta autêntica,
elas devem ser também ricas de momentos de silêncio e de acolhimento
não verbal. É sempre válida a observação de santo Agostinho: Verbo
crescente, verba deficiunt — «Quando o Verbo de Deus cresce, as
palavras do homem faltam» (cf. Sermo 288, 5: pl 38, 1307; Sermo 120,
2: pl 38, 677).
Os Evangelhos apresentam com frequência, sobretudo nas escolhas
decisivas, Jesus que se retira totalmente sozinho num lugar afastado das
multidões e dos próprios discípulos para rezar no silêncio e viver a sua
relação filial com Deus. O silêncio é capaz de escavar um espaço interior
no nosso íntimo, para ali fazer habitar Deus, para que a sua Palavra
permaneça em nós, a fim de que o amor por Ele se arraigue na nossa
mente e no nosso coração, e anime a nossa vida. Portanto, a primeira
direção: voltar a aprender o silêncio, a abertura à escuta, que nos abre
ao próximo, à Palavra de Deus.
Porém, há uma segunda importante relação do silêncio com a oração.
Com efeito, não há apenas o nosso silêncio para nos dispor à escuta da
Palavra de Deus.
Muitas vezes, na nossa oração, encontramo-nos diante do silêncio de
Deus, experimentamos quase um sentido de abandono, parece-nos que
Deus não ouve e não responde.
Mas este silêncio de Deus, como aconteceu também para Jesus, não
marca a sua ausência. O cristão sabe bem que o Senhor está presente e
206
escuta, mesmo na escuridão da dor, da rejeição e da solidão. Jesus
garante aos discípulos e a cada um de nós que Deus conhece bem as
nossas necessidades, em qualquer momento da nossa vida. Ele ensina
aos discípulos: «Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que
usam vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão
atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que
necessitais, antes que vós lho peçais» (Mt 6, 7-8): um coração atento,
silencioso e aberto é mais importante que muitas palavras. Deus
conhece-nos no íntimo, mais do que nós mesmos, e ama-nos: e saber
isto deve ser suficiente.
Na Bíblia, a experiência de Job é particularmente significativa a este
propósito. Em pouco tempo, este homem perde tudo: familiares, bens,
amigos e saúde; até parece que a atitude de Deus no que se lhe refere é
a do abandono, do silêncio total. E no entanto Job, na sua relação com
Deus, fala com Deus, clama a Deus; na sua oração, não obstante tudo,
conserva intacta a sua fé e, no fim, descobre o valor da sua experiência e
do silêncio de Deus. E assim no final, dirigindo-se ao Criador, pode
concluir: «Eu tinha ouvido falar de ti, mas agora são os meus olhos que
te veem» (Jb 42, 5): todos nós conhecemos Deus quase só por ter ouvido
falar dele, e quanto mais abertos permanecemos ao seu e ao nosso
silêncio, tanto mais começamos a conhecê-lo realmente. Esta confiança
extrema que se abre ao encontro profundo com Deus amadureceu no
silêncio.
São Francisco Xavier rezava, dizendo ao Senhor: eu amo-te, não porque
podeis conceder-me o paraíso, ou condenar-me ao inferno, mas porque
Vós sois o meu Deus. Amo-vos porque Vós sois Vós! (…)
Para nós, muitas vezes preocupados com a eficácia funcional e com os
resultados concretos que alcançamos, a prece de Jesus indica que temos
necessidade de parar, de viver momentos de intimidade com Deus,
«desapegando-nos» da confusão de todos os dias, para ouvir, para ir à
«raiz» que sustenta e alimenta a vida. Um dos momentos mais bonitos
da oração de Jesus é precisamente quando Ele, para enfrentar doenças,
dificuldades e limites dos seus interlocutores, se dirige ao seu Pai em
oração e assim ensina a quantos estão ao seu redor onde é necessário
procurar a fonte para ter esperança e salvação. Já recordei, como
206
exemplo comovedor, a oração de Jesus no túmulo de Lázaro. O
evangelista João narra: «Quando tiraram a pedra Jesus, erguendo os
olhos para o céu, disse: “Pai, dou-te graças por me teres atendido. Eu já
sabia que sempre me atendes, mas Eu disse isto por causa das pessoas
que me rodeiam, para que venham a crer que Tu me enviaste”. Dito isto,
bradou em alta voz: “Lázaro, vem para fora!”» (Jo 11, 41-43).
Mas o ponto mais alto de profundidade na oração ao Pai, Jesus alcança-o
no momento da Paixão e Morte, quando pronuncia o extremo «sim» ao
desígnio de Deus e mostra como a vontade humana encontra o seu
cumprimento precisamente na adesão plena à vontade divina, e não na
oposição.
Na oração de Jesus, no seu brado na Cruz, confluem «todas as
desolações da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e da
morte, todas as súplicas e intercessões da história da salvação... E eis
que o Pai as acolhe e atende, para além de toda a esperança, ao
ressuscitar o seu Filho. Assim se cumpre e se consuma o drama da
oração na economia da criação e da salvação» (CIC, 2.606)”16.
4.3.5. O silêncio, na Liturgia
A oração é fruto do silêncio. Não somos nós que estamos antes da oração; é a
oração que está antes de nós. Antes da oração podemos apenas colocar o
nosso silêncio, a nossa escuta. A oração verdadeira acontecerá depois, já como
graça de Deus.
"Se alguém me perguntasse onde começa a vida litúrgica, eu responderia: com
a aprendizagem do silêncio. Sem ele, tudo carece de seriedade, tudo se torna
vão...; este silêncio é a condição primeira de toda a ação sagrada... Devemos
exercitar-nos no silêncio, para bem da palavra. Porque a liturgia consiste, em
larga medida, em palavras ditas por Deus ou dirigidas a Deus..., essas palavras
devem ser imensas, cheias de calma e de silêncio interior... O silêncio abre a
fonte interior da qual brota a palavra”. (Romano Guardini)
“No ritmo celebrativo, o silêncio é necessário para o recolhimento, a
interiorização, a oração interior. Não é vazio, ausência, mas antes presença,
16 Bento XVI, Audiência, 7.03.2012
206
recetividade, reação perante Deus que nos fala, aqui e agora, e atua para nós,
aqui e agora. «Confia tranquilo no Senhor», «em silêncio, abandona-te ao
Senhor» – recorda o Salmo 37(36). Na verdade a oração, com os seus diversos
matizes – louvor, súplica, invocação, grito, lamento, agradecimento – ganha
corpo a partir do silêncio. Entre outros momentos, na celebração da Eucaristia
tem particular relevo o silêncio após a escuta da Palavra e sobretudo após a
comunhão no Corpo e Sangue do Senhor. Estes tempos de silêncio, são em
certo sentido prolongados, fora da celebração, no recolhido demorar-se em
adoração, oração e contemplação diante do Santíssimo Sacramento. É preciso
passar da experiência litúrgica do silêncio à «espiritualidade» do silêncio, à
dimensão contemplativa da vida. Se não estiver ancorada no silêncio, a palavra
pode definhar, transformar-se em rumor ou até em aturdimento!17”
4.3.5.1. Diversos tipos de silêncio na Liturgia
Silêncio de recolhimento
Quando se convida toda a assembleia ao recolhimento «a fim de tomar
consciência de que se encontra na presença de Deus e formular interiormente
as suas intenções». Trata-se de um convite «a entrar em si mesmos e a medi-
tar».
Exemplos: No começo de um rito, como a prostração, que abre a ação litúrgica
de Sexta-Feira Santa. Ou na celebração comunitária da penitência. Ou ainda no
ato penitencial, no início da missa, «para examinar a consciência e suscitar a
verdadeira contrição dos pecados». Sempre que o Presidente diz «Oremos»…
Silêncio de apropriação
É um silêncio de escuta e de interiorização durante as grandes preces do
presidente.
Exemplos: O exemplo mais frequente deste silêncio sagrado é a Oração Euca-
rística. Ressoa apenas a voz do sacerdote «enquanto a assembleia, reunida
para a celebração litúrgica, mantém um silêncio religioso». Este silêncio
17 CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, Ano
da Eucaristia: Sugestões e propostas, n.28
206
também tem lugar durante a oração consecratória das Ordenações. É muito
significativo o gesto silencioso da «imposição das mãos», acompanhado pela
oração dos presentes, na Unção dos Doentes.
Silêncio meditativo
É o silêncio de resposta à proclamação da palavra de Deus. Convida a «refletir
brevemente sobre o que ouviram». Pretende «obter a plena ressonância da voz
do Espírito Santo nos corações e unir mais estreitamente a oração pessoal à
palavra de Deus». Contribui para «que a palavra de Deus seja mais bem
compreendida por cada um, provocando na assembleia uma maior adesão».
Exemplos: Após a proclamação da palavra; após a homilia; depois dos salmos
«sobretudo se, após o silêncio, se acrescentar a oração sálmica».
Silêncio de adoração
O silêncio orante, que brota da palavra e torna mais consciente a nossa vida
«oculta com Cristo em Deus», assume uma expressão mais intensa no nosso
encontro com o mistério eucarístico: quer os fiéis se preparem «para receber
com fruto o Corpo e o Sangue de Cristo», quer se detenham após a comunhão
para «louvar e rezar a Deus, no seu coração», quer quando prolongam «a união
com Ele, obtida através da comunhão», mediante a oração frente a Cristo,
«presente no sacramento».
Exemplos: Semelhante a este silêncio é aquele que acompanha a adoração da
cruz na Sexta-Feira Santa, sobretudo na forma coletiva, quando a cruz é
apresentada, em silêncio, a toda a assembleia.
Disse a Beata Madre Teresa de Calcutá:
«O fruto do silêncio é a oração;
o fruto da oração é a fé;
o fruto da fé é o amor;
o fruto do amor é o serviço;
o fruto do serviço é a paz».
206
4.3.6. Exercício para aprender a orar, a partir do silêncio18
• Procura um objeto que exprima algo do que experimentas ou sentes neste
momento, algo que reflita um pormenor da tua situação (uma cana, um ramo
seco, uma pedra, uma flor, um instrumento de trabalho, etc.). Põe-no diante de
ti; observa-o longamente, procurando identificar-te com ele e fica durante
algum tempo em silêncio diante de Deus, deixando que esse objeto fale em teu
nome, substituindo as tuas próprias palavras. (Podeis fazê-lo também em grupo
e explicar depois por- que é que escolhestes aquele símbolo.)
• Dedica um tempo a descobrir as possibilidades expressivas que têm as tuas
mãos. Apercebe-te de como podem exprimir atitudes de acolhimento, abertura,
pedi- do, oferta, entrega... Toma consciência do que queres dizer a Deus neste
momento da tua vida e, em vez de o exprimir com palavras, fá-lo pela posição
das tuas mãos. Quando te sentires distraído, volta suavemente a atenção para
as tuas mãos que estão a falar em teu lugar.
• Um meio simples muito eficaz para conseguir uma atitude de silêncio é
centrar-se na própria respiração. Procura fazê-lo profunda e sossegadamente,
sente o ar que inspiras e expiras, exprime pela tua respiração o teu desejo de
Deus e o teu abandono nele.
• Lede em grupo o Salmo 139 e fazei depois um mo- mento de silêncio centrado
na coincidência de saber-se conhecido por Deus até ao mais íntimo, deixando
que o seu olhar pacifique e reconcilie as nossas zonas de obscuridade ou de
desconfiança.
• Também em grupo, refleti sobre os momentos de silêncio que há no decorrer
da celebração eucarística. Entre vós, pensai no que significam, por que razão se
fazem, que conteúdo quereríamos dar-lhes. Procurai vivê-los com mais
intensidade na próxima missa em que participardes e comunicai depois se
descobristes algo mais sobre a importância do silêncio.
• O evangelho diz que Maria guardava tudo em silêncio dentro do seu coração.
Comentai a experiência que tendes de guardar algo no coração com muito
18 DOLORES ALEIXANDRE – T. BERRUETA, Iniciar à oração, 27-28
206
silêncio, mistério, carinho. Fazei um momento de oração diante de Maria,
pedindo-lhe que vos ensine a fazer silêncio crente.
Convite ao silêncio
"Para escutar a voz do Senhor aprende a estar em silêncio.
Por dentro e por fora.
No silêncio, Deus fala ao coração.
No meio de tanto ruído,
não sabemos o que vale o silêncio.
Faz a experiência:
tu sozinha no quarto, ou de noite,
no terraço de casa; à sombra de uma árvore,
no parque, ou no interior de uma igreja.
Ordena - silêncio! - dentro de ti,
para escutares a voz de Deus.
Encontrarás tranquilidade, serenidade e paz.
E pouco a pouco ir-se-á delineando o teu caminho
com uma luz sempre nova.»
(María Cevolani)
Oração silenciosa
Ficarei, em silêncio
todo o tempo que for necessário,
esperando uma palavra
206
vinda de Ti.
Então, somente
pronunciarei o teu Nome.
Não terei opinião sobre Ti
enquanto a Tua Luz
não encandear o meu espírito.
Então, somente
falarei de Ti.
Antes de trabalhar a terra,
antes de abrir os braços,
deixaremos o fogo do teu amor
gravar a sua lei nas palmas das nossas mãos.
Então, somente
mudaremos o mundo
abraçar-nos-emos
e bateremos palmas para Ti.
Assim seja
Stany Simon, SJ (traduzido do francês)
4.4. Aprender a orar a partir dos sentidos
Aprender a orar não é uma tarefa que dependa exclusivamente de cada pessoa.
Orar é algo que nos supera. Não aprenderemos a orar mais e melhor, por nos
esforçarmos a aplicar técnicas nem sequer por dedicarmos muito tempo à
oração. Mas este Espírito pede a nossa colaboração e que ponhamos os cinco
sentidos no que fazemos para que realmente seja uma obra humana
consciente, pensada.
206
Passamos a vida a fazer coisas, sem aprofundar nenhuma. Não sei se alguma
vez tiveste a sorte de descobrir a profundidade que há em cada uma das ações
comuns que realizamos muitas vezes todos os dias. É uma descoberta
maravilhosa.
Os números seguintes são um convite a prepararmo-nos para a oração, a partir
dos cinco sentidos. Trata-se de uma primeira porta, que temos de abrir, para
que chegue até nós toda a riqueza que Deus nos quer comunicar e para que
nos tornemos conscientes da realidade plena do que somos, a partir da qual
nos dirigimos a Deus.
A sua estrutura é simples: uma primeira parte do capítulo é dedicada a uma
reflexão simples sobre cada um dos sentidos (olhar, ouvir, tocar, falar, calar); a
seguir, a segunda parte apresenta exercícios para pôr em prática a teoria, de
maneira pessoal ou em grupo. Trata-se de sugestões simples, mas cheias de
riqueza da vida quotidiana que podem ajudar os grupos a interiorizarem-se e a
disporem-se para um diálogo mais espontâneo com o Deus vivo.
4.4.1. Aprendemos a orar com o olhar
4.4.1.1. O olhar como comunicação
A vista é um dos meios mais válidos – o fundamental? – da nossa experiência
da realidade e da aproximação às pessoas e às coisas. Os olhos são na verdade
a janela da pessoa, porta de acesso à intimidade, que nos permite o “tomar
posição” perante o mundo que nos rodeia.
Todos os sentidos nos dão acesso à realidade. São Tomás formulou há muito
tempo o método do nosso conhecimento: “nada há no entendimento que não
tenha estado nos sentidos”. Mas de todos eles o mais nobre e ativo é o da vista.
Com o olhar comunicamos mais do que com a voz. Por ele, o que está distante
faz-se próximo, faz-se nosso, entra em nós. É como nosso aparato fotográfico
para perceber imagens e mensagens.
E, às vezes, é também o nosso modo mais radical de expressão. Os nossos
olhos são como o espelho dos nossos sentimentos e emoções: afeto, zangas,
ressentimentos, indiferença. Olhar ou não olhar, olhar com interesse ou com
206
indiferença, são termómetro da nossa presença espiritual, da nossa atenção às
pessoas e aos acontecimentos, ou da nossa rotina ou indiferença.
Olhar de amor ou de rancor. Olhar de curiosidade ou de cobiça. Olhar de
criança. Olhar de poeta. E também olhar de fé e oração.
Na verdade “a lâmpada do corpo é os olhos, se o teu olho está são, todo o
corpo estará luminoso; se o teu olho está mal, todo o corpo está às escuras” (Mt
6,22-23)
4.4.1.2. Os olhos de Jesus
A força do olhar de Jesus é um dos aspetos que parece que mais impressionou
os seus discípulos. Os evangelhos falam com frequência de como via as coisas,
de como as olhava.
Jesus olhava a multidão, e fixava-se na moeda do tributo, observava como
deitava a sua esmola no prato a pobre mulher; dirigia os seus olhos aos
apóstolos, olhava fixamente o jovem que queria segui-lo (Mc 10,21);
perscrutava as intenções dos seus inimigos, dirigia-lhes um olhar de enfado (Mc
3,5); olhava a Zaqueu apreciando a sua boa vontade…
Ensinou aos seus discípulos a saber ver e a discernir as coisas. Urgiu-os para
que conseguissem ver os sinais dos tempos, observar a beleza dos lírios dos
campos, a liberdade dos pássaros, a necessidade do próximo ferido no
caminho.
Parece que Jesus passou a sua vida vendo, olhando, observando, com uma
infinita capacidade de admiração e de profundidade no seu olhar.
Mas, sobretudo os evangelistas recordam-se dos seus olhos nos momentos de
oração: “tomou os cinco pães e os dois peixes, e levantando os olhos ao céu,
pronunciou a bênção” (Mc 6,41), “Jesus levantou os olhos e disse: Pai, te dou
graças” (na ressurreição de Lázaro, Jo 11,41), “levantando os olhos ao céu deu
um gemido e disse: effatá, abre-te” (na cura do surdo-mudo, Mc 7,34),
“lançando os olhos ao céu, disse: Pai, chegou a hora” (Jo 77,1)…
206
Por isso, não é estranho que num dos cantos ultimamente mais populares se
destaque a profundidade deste olhar de Jesus como um elemento expressivo da
sua aproximação a nós e da sua chamada à vocação cristã: “Senhor, tu fixaste
meus olhos”… mas já antes a liturgia tinha acrescentado um dado ao relato da
última ceia na ação sobre o pão eucarístico: “tomou o pão e levantando os
olhos para Vós, Deus Pai” (Oração Eucarística I ).
Na última ceia os evangelistas não diziam precisamente essa frase, mas sim
noutras cenas, e a liturgia terá incorporado a sua linguagem.
4.4.1.3. O olhar na Liturgia
Os olhos jogam na eucaristia litúrgica – como na vida – um papel importante. Há
muitos momentos e elementos da liturgia em que entra em jogo a “pedagogia
visual”: as imagens, a luz dos círios e lâmpadas, os gestos expressivos das
mãos, as vestes e cores…
Mas o próprio ato de olhar, de dirigir os olhos até um lugar, a uma pessoa ou a
uma coisa, pode ter um significado e uma força comunicativa que traz
profundidade à nossa celebração cristã. Todos recordamos o sentido que para
uma israelita tinha o orar, olhando para Jerusalém, ou para um muçulmano
fazendo-o, dirigindo o olhar apara Meca, ou inclusive para os cristãos cujas
Igrejas estiveram “orientadas”, ou seja, situadas de modo que pudessem orar,
olhando o oriente, o lugar simbólico do Sol verdadeiro, Jesus Cristo.
A última reforma terá favorecido a visibilidade em toda a celebração, sobretudo
com o altar de frente para o povo e a disposição do ambão e a sede
presidencial. Mas todavia ainda havia que se fazer muita coisa para que a
comunicação visual chegasse a funcionar como convém.
E também na celebração – como na vida social – a vista ajuda em grande
medida a captar a dinâmica do mistério celebrado e a sintonizar com Ele. Mais
do que com as palavras ou os cânticos, damo-nos conta, por meio dos olhos do
que celebramos: vemos a comunidade reunida, o altar, as pessoas dos
ministérios, os gestos simbólicos, o ambão com o seu livro, as imagens…
O “olhar de fé” é ajudado e sustentado pelo olhar humano: dirigir os olhos para
o altar, para o pão e o vinho, ou para aquele que está proclamado na Palavra de
Deus, põe-nos numa situação de aproximação e atenção.
206
Depois de um evidente avanço no terreno do acústico, não podemos descuidar
a melhoria da óptica na nossa eucaristia: gestos bem realizados, sinais
abundantes e não mínimos, movimentos harmoniosos, espaços bem
distribuídos, beleza estética no conjunto, e sobretudo uma boa iluminação. Uma
boa iluminação do espaço – à volta da Palavra, primeiro e depois do altar –
“aproxima” mais os fiéis à celebração do que chegar o altar junto da
assembleia uns quantos metros.
O olho também celebra. Não só o ouvido ou a língua.
O que celebramos é sempre um mistério sagrado: Deus que nos dirige a sua
Palavra, Cristo que nos faz a doação do seu Corpo e seu Sangue… mas os sinais
com os que os fazemos não têm que ser ocultos ou misteriosos, ou prescindir
da sua expressividade também visual. A comunicação não verbal tem uma
eficácia imprescindível no conjunto da nossa oração cristã. Ainda mais neste
sinal que estamos a ser educados pela cultura ambiente faz uma valorização
decisiva do visual e da imagem.
O olhar, o poder ver o que sucede no altar, não é perda do sentido do mistério,
mas uma ajuda pedagógica elementar. Olhamos o leitor que proclama as
leituras, o pão e o vinho que o presidente nos mostra nos vários momentos, a
cruz que preside o espaço, as diversas ações que têm lugar na celebração, ao
irmão a quem damos a paz.
Há momentos em que é bom fechar os olhos e concentrarmo-nos em nós
mesmos: os momentos de oração pessoal ou de silêncio na liturgia.
Mas muitos outros momentos, o facto de olhar pode ser uma das melhores
maneiras de expressar a nossa “conversão”, a nossa atenção à Palavra que
ouvimos ou à ação litúrgica que entre todos celebramos.
Claro que também nisto, há que fugir de alguns perigos que se demonstram
reais:
- A liturgia não é só um espetáculo no qual os presentes se contentam com ver,
ou com olhar o que os outros fazem: a comunidade também reza, canta,
escuta, é convidada a mover-se, a receber o alimento eucarístico; o facto de
206
cuidar o visual significa simplesmente que a celebração no seu conjunto não
nos é alheia, que não estamos recolhidos à nossa interioridade, que estamos
próximos de tudo o que se faz;
- O simples olhar poder ser superficial; é evidente que a intenção é o de chegar
a aprofundar, a sintonizar desde dentro com o que se celebra; às vezes
podemos ter os olhos abertos e não vermos ou olharmos; o olharmos bem e não
chegarmos a ver as coisas no seu sentido profundo; é a visão interior de fé a
que é olhada dos olhos corporais quer favorecer; a visão interior,
contemplativa, que se converte em autentica experiência vital;
- Um momento histórico em que o facto de ver ou olhar adquiriu excessivo
protagonismo foi na Idade Média, a partir do século XIII, quando se potenciou na
Eucaristia mais o adorar que o celebrar, mais o ver que o comungar; primeiro
começou a fazer-se a “elevação” do pão consagrado, para que os fiéis o vissem
melhor – o sacerdote estava de costas – e depois também se elevou o cálice;
junto a isso se desenrolou uma espiritualidade centrada na visão da Eucaristia
mais do que na participação sacramental nela: uma espécie de “comunhão
visual” algo relacionada com a “comunhão espiritual” que também nós
conhecemos; mas agora, conseguido pela igreja o equilíbrio entre as diversas
dimensões da celebração, o perigo não é precisamente o de se ficar pela visão,
mas o de descuidar a linguagem da corporalidade total, pela primazia às vezes
excessiva concedida à comunicação verbal.
4.4.1.4. O olhar na Catequese: Educar para a arte e a estética19
“A graça própria da arte é manifestar, fazer aparecer o mundo tal como não o
sabemos ver ou ouvir. Dizemos que é necessário ir além da aparência para
encontrar o sentido das coisas. A arte prova o contrário. (...) Onde banalizamos
a aparência e reduzimos as coisas a uma superfície pobre, o artista torna-as
magnificas e revela-lhes a sua essência”, disse Régine du Charlat.
Educar para a arte e a estética torna o ser sensível, predispõe ao louvor e à
felicidade, abre os sentidos aos gestos de olhar o criado e de criar.
E quando a arte balbucia a Palavra, a obra de arte torna-se, especialmente,
provocação à interioridade. A liturgia, e algumas catequeses experimentam a
19 Cf. Revista Mensagem 51/388 (Nov-Dez 2007), 10
206
arte como uma revelação da intimidade entre o humano e o divino, nelas se
encontram luz, flores, pinturas, esculturas, poesia e musica...
4.4.1.5. Rezar com as Imagens 20
Santa Teresa recomenda o uso de imagens: «Trazer as imagens do Senhor... e
falar muitas vezes com Ele». Para qualquer lugar para onde «voltarmos o olhar,
queria vê-la» (a imagem de Jesus Cristo).
As imagens são despertadores para cada um se projetar, pessoal e
amorosamente, na Pessoa do Amigo que está sempre connosco, «desejoso de
comunicar-Se e fazer muito por nós».
Porque não passam de despertadores do amor que se dirige a Deus, aos Seus
mistérios ou aos Seus santos, as imagens recebem um culto apenas relativo.
Porém, que tipo de relação sacral é que elas suscitam e alimentam? Como orar
com elas?
Existe um primeiro plano: o do ensinamento. As imagens condensam um aspeto
do mistério e transmitem-no nos seus sinais; aludem, por exemplo, à Paixão ou
ao Natal de Jesus, à Anunciação a Maria ou ao nascer da Igreja no Pentecostes.
Este aspeto do ensinamento é importante, e desempenha um grande objetivo
de certas imagens do gótico ou dos retábulos do barroco.
Para além do ensinamento, está a emoção. Mais do que transmissora de uma
verdade, a imagem transmite uma vivência, ao falar-nos do mistério na
linguagem das cores, das formas e dos contrastes.
Uma anunciação de Fra Angélico, uma crucifixão de El Greco, uma Imaculada
de Murillo acendem a devoção do crente, com mais força do que centos de
palavras de orações repetidas.
Por vezes, o mundo das imagens sagradas é um daqueles em que se manifesta
um mau gosto popularucho da piedade cristã; porém, para que uma imagem
religiosa cumpra a sua missão, também não basta o aspeto artístico formal;
requer-se unção religiosa; só assim ajuda a orar.
20 Seguimos aqui, de perto, a proposta de A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1989,78-81
206
Finalmente, as imagens podem conduzir à contemplação: são numerosos os
casos de pessoas que, diante de um quadro religioso, diante de um Crucifixo ou
de um Senhor ressuscitado, ultrapassaram o campo das palavras deste mundo,
penetrando no diálogo suprarracional com o mistério. Isto acontece de algum
modo com todos os crentes que aprenderam a orar diante de retábulo
misterioso de uma determinada igreja, os que aprenderam a beijar a sua
própria cruz ao beijarem o CrucifIcado.
Esta contemplação profunda, de que aqui se trata, não é um trabalho feito de
reflexões e discursos mentais, mas um processo que vai conduzindo à
profundidade, à medida que se vai chegando a uma união com o objeto
contemplado. Se tivéssemos de chamar «meditação» a este processo, teríamos
de dizer que não se trata de uma meditação como vulgarmente se entende:
análise de conceitos e de ideias acerca de Deus, como o estudo feito pelo
botânico a respeito de uma flor, que ele toma, divide, designa, analisa até ao
pormenor. Esta oração com recurso à imagem é intuitiva (não analítica);
consiste numa aplicação do espírito ao objeto, de forma e penetrá-lo e a deixar-
se penetrar por ele; o orante diante da imagem, tal como o poeta diante da flor,
vive sentindo-se seduzido, tomado por Deus. Não se coloca a discernir sobre a
imagem por partes, mas deixa-se tomar por uma global idade passiva que o
levará a exclamar: «Meu Deus, como Vós sois grande!» (SI 104, 1); «Bendiga a
minha alma ao Senhor» (SI 103, 1); «Como admirável é o Vosso nome em toda
a Terra» (SI 8, 10); «Meu Senhor e meu Deus» (1020,28); «Pai Santo, nós Vos
glorificamos porque sois grande e tudo criaste com sabedoria e amor» (IV
Anáfora).
Por isso, duas condições exige esta forma de orar com recurso a imagens:
1 - Aprender a concentrar-se, isto é, reunir todas as forças no objeto
determinado. O espírito deixa de «borboletear» de uma coisa para outra; as
distrações vêm, inevitavelmente; mas deixam-se vir e ir sem resistências nem
oposições. O espírito fica em repouso, atento à oração, enquanto a mente anda
distraída. A parte atenta «vê» as distrações, mas não as «olha». Apenas se
aconselha paciência para regressar à imagem, tantas vezes quantas se tomar
necessário.
206
2 - Aprender a olhar e a fazer silêncio. Muito frequentemente, quando uma
pessoa se concentra sobre uma imagem religiosa, um olhar, uma flor,
interiormente fica-se cheio de pensamentos e palavras. O que então acontece é
que não se olha a imagem ou a flor, mas as ideias e palavras que se encontram
em relação com uma ou outra. É o que acontece com o teólogo: de facto, ele
não olha Deus, mas as ideias que tem a respeito de Deus. Olhar a imagem,
olhar a flor e olhar Deus são apreensões globais, intuitivas; olhar as ideias que
se têm a respeito da imagem, da flor e de Deus são gestos particularizantes,
analíticos. Aqueles são como gestos do adorador; estes são gestos como do
cientista.
Por isso, e para que as imagens sejam recursos para orar contemplativamente,
é necessário evitar a verbalização interior, para entrar no contacto direto e
fazer a experiência do objeto sem se distrair com o pensamento.
Olhar, como se se descobrisse pela primeira vez, calando tudo quanto poderia
interpor-se entre o orante e a própria imagem. A pouco e pouco, entre o orante
e a imagem deixa de haver seja o que for; faz-se então a experiência inteira e
plena da imagem. Não se diz nada; apenas se olha até ficar fundido com aquilo
que se olha. Olhar assim constitui um verdadeiro estilo de vida, que pode
modificar a relação com as coisas, com as pessoas e com os acontecimentos.
Normalmente, vive-se detrás de um biombo, porque se passa o tempo a
comparar, a julgar, a recordar, a interpretar, a deduzir; e, com isso, não se faz a
vivência de grande coisa.
Imagens interiores
Porém, S. João da Cruz mostra-se bastante mais exigente com os
«aproveitados» relativamente à oração com a mediação de imagens, mesmo de
imagens simplesmente interiores, quando aconselha a que se fique «naquela
quietação e advertência amorosa em Deus».
A atenção fixa-se apenas em Deus, suprimindo todas as mediações, sem ruído
interior, sem agitações de desejos. O que anteriormente fora ajuda, agora
toma-se obstáculo a ultrapassar. É o que se passa com a meditação.
A meditação discursiva situa-se no mundo de lembranças, ideias anteriores,
imagens, pensamentos; ao invés, esta oração intuitiva procura eliminar todas
206
as barreiras que se interponham entre o orante e Deus. Trata-se de uma
importante diferença de «método», uma vez que as ideias e pensamentos a
respeito de Deus não conseguem unir -nos a Deus. Ainda ensina S. João da
Cruz: «é necessário, para receber esta divina luz mais simples e
abundantemente, que não queira interpor outras luzes mais palpáveis de outras
luzes, formas, notícias ou figuras de discurso algum; porque nada daquilo é
semelhante àquela serena e límpida luz». Como diz a esposa do Cântico
Espiritual:
Ah! Quem poderá sarar-me?!
Acaba de entregar-te sem rodeios;
Não queiras enviar-me
mensageiro entremeio,
que não sabe dizer-me o que eu anseio.
E todos quantos vagam
de Ti me vão mil graças relatando;
mas todos mais me chagam,
e mais me vai matando
um não sei quê que ficam balbuciando.
O esposo deve ser olhado desta maneira, sem distorções das ideias próprias, de
sentimentos, vivências anteriores, preconceitos. É necessário calar o mundo
interior, que impeça de entrar em contacto com Aquele que se olha. A
renovação passa por este silêncio do olhar, em desnudamento e pobreza de
espírito.
4.4.1.6. Rezar com os ícones21
4.4.1.6.1. Os ícones
21 PE. AMARO GONÇALO, Rezar com os ícones, in Mensagem, 48/368 (Jul-Agos
2004), 91-94; cf. Ainda JESÚS CASTELLANO, Oracion ante los iconos [Dossiers CPL
56] Barcelona, 1999; JIM FOREST, Orar con los iconos, Ed. Sal Terrae, Bilbao 2002;
JOÃO PAULO II, Carta Duodecimum Saeculum; TONY CASTLE, Pórtico de la Trinidad.
Meditaciones sobre el icone de Rublev, Ediciones Paulinas, Madrid 1989.
206
A palavra “ícone” vem do grego e significa “imagem”. Pode aplicar-se a
uma estátua, a uma representação, a um mosaico, a um desenho raspado nas
paredes de uma catacumba. No decurso dos séculos a palavra começou a
designar mais concretamente representações pintadas em madeira, gesso, etc.
que representam um acontecimento histórico da Escritura ou um personagem
santo. Mas aquilo que nós designamos por “imagem” e aquilo que um ortodoxo
oriental quer dizer com “ícone” é bem diferente. Há regras estritas para a
pintura dos ícones. Eles devem ser uma espécie de janela para o divino.
A Igreja ortodoxa ensina que Deus se revela não só por palavras (o que a Igreja
Ocidental enfatizou) mas também por imagens. A Revelação de Deus não é só
para o ouvido humano mas também para o olho. Cristo não é só “a palavra de
Deus” (Jo.1,1), mas também “a imagem do Deus invisível” (Col.1,15; Jo.1,18;
Heb.1,3). Por esta razão percebemos por que é que São Basílio e São João
Crisóstomo apoiaram, sem reservas, o uso e a veneração dos ícones. “Tudo o
que está ali gravado com papel e tintas, nas Escrituras, está gravado no ícone
com vários pigmentos e outros materiais”, dizia São Teodoro, (759-826). É o
que é certo e sabido é que nós captamos 83% pela vista, 11% pelo ouvido e 6%
pelos restantes sentidos.
Enquanto que a Lei de Moisés proibia estritamente o uso das imagens do Deus
invisível, os cristãos desde o começo se deram conta da visibilidade de Deus
em Jesus Cristo. Ver Cristo é ver o Pai (Jo.14,9). Por isso seria aceitável ter uma
imagem de Cristo e até desejável, como meio de nos revelar Deus.
1. De acordo com a lenda o primeiro ícone foi feito quando o rei Abgar de
Osroene, em agonia por causa da lepra, enviou uma mensagem a Jesus,
suplicando-lhe que fosse visitá-lo a Edessa e o curasse. Cristo, que ia à pressa
para Jerusalém, deixou-lhe o rosto estampado num pano de linho. O ícone
permaneceu em Edessa até ao séc. X e foi levado pelos cruzados em 1204,
desaparecendo por completo. Existe uma sólida tradição na Igreja ortodoxa
segundo a qual uma imagem do Salvador dataria do tempo do próprio Cristo. O
historiador Eusébio de Cesareia diz: “Vi muitos retratos do Salvador, de Pedro e
de Paulo, que se conservam até aos nossos dias” (História da Igreja, livro VII:
ano 330).
206
2. A história é parecida com a de Verónica, no Ocidente. Uma e outra
manifestam o desejo da tradição antiga de conservar os rasgos exatos da figura
de Cristo e o amor para com aquele rosto que é a imagem de Deus.
3. Há quem diga ser São Lucas o primeiro iconógrafo, a quem se atribui um
famoso ícone de Nossa Senhora.
4. As primeiras manifestações iconográficas da Arte no Ocidente temo-las nas
pinturas dos mártires nas catacumbas. Das paredes das catacumbas passa-se
aos baixos-relevos e sarcófagos, onde vão aparecendo as principais cenas
evangélicas; No seu livro “O significado os ícones” Leónidas Ouspensky
recorda-nos que a arte de pintar retratos era muito popular no império romano,
no tempo de Cristo.
“A tradição de fazer imagens existiu inclusive no tempo da pregação do
cristianismo pelos Apóstolos” diz o VII Concílio Ecuménico. “A silenciosa pintura
fala nas paredes e faz muito bem” comenta São Gregório de Nissa.
5. Chegarão depois os famosos mosaicos, a partir do séc. IV nas Basílicas. E o
século VI conhece grande esplendor na iconografia no ocidente e oriente.
6. Uma luta encarniçada contra as imagens, que dura quase 120 anos,
perturba, no oriente, a paz eclesial. Em 725 o imperador cesaropapista Leão III
condena o uso das imagens. A primeira afirmação oficial da Igreja sobre os
ícones teve lugar no Sínodo de 692 e quase, um século mais tarde, no II Concílio
de Niceia (787). O Concílio de Niceia II, em 787, resolve a questão iconoclasta.
Veneram-se os ícones. Mas a adoração só a Deus é devida. Assim a imagem era
considerada como umbral do divino ou como uma janela aberta para o sagrado.
O ícone recebia a sua dignidade, participando do grau de reverência devido ao
original sagrado. Os Padres Conciliares colocaram a veneração dos ícones ao
mesmo nível na veneração da Cruz e das Escrituras, como uma das formas de
revelação e conhecimento de Deus. Toda a Igreja acolheu a decisão do Concílio
mas serão as Igrejas ortodoxas aquelas que manterão e desenvolverão o uso
litúrgico das imagens, enquanto a Igreja latina punhas mais ênfase na Cruz de
Cristo. E um edito da Imperatriz Teodora sanciona o triunfo da doutrina
conciliar. O que vem a renovar o fervor pelas imagens no Oriente. Os ícones
vêm a tornar-se a grande «Summa Theologica» do Oriente.
206
7. Com a extensão do cristianismo oriental por toda a zona dos Balcãs e na
Rússia, a partir do século IX, temos de novo uma possibilidade de ramificação
desta arte, com a criação de vários tipos e escolas da iconografia oriental.
O primeiro pintor de ícones, que se recorda, foi Santo Alípio, do séc. XI,
considerado o pai da iconografia russa. Na Rússia temos os melhores
iconógrafos no século XIV e XV: Teófanes, o Grego; Andreij Rublev, Dionísio.
8. A partir do séc. XVII a iconografia no Oriente Médio e na Rússia conhece a
decadência das imitações das formas ocidentais, com um certo complexo de
inferioridade. No Ocidente temos uma continuidade tradicional com a
iconografia oriental dos pintores italianos.
Uma boa parte dos ícones são de Maria, a mãe de Deus que, ao contrário da
maior parte das imagens da Igreja Ocidental, nunca está só. Muitas vezes o
menino que a acompanha está representado com rosto adulto. E por um gesto
ou inclinação de cabeça ou movimento dos olhos vê-se que ela o apresenta a
cada um de nós.
As pautas estabelecidas pelo Concílio sublinhavam que só se poderia
representar a Segunda pessoa da Santíssima Trindade. O Pai e o Espírito nunca
se poderiam representar diretamente. Mas no século XVII, um período pobre na
história dos ícones russos, (a época de ouro é a dos séculos XIV-XV)
apareceram trindades em que o Pai é representado por um ancião sentado no
trono, o Filho pendente de uma Cruz e o Espírito Santo, por cima dos dois ou
entre os dois. No grande Concílio de Moscovo, em 1667 a primitiva regra foi
recordada.
4.4.1.6.2. Caraterísticas do ícone
A tarefa principal do iconógrafo consiste em abrir os nossos olhos à presença
real do Reino no mundo e recordar-nos que, ainda que não vejamos nada da
sua esplêndida liturgia, se acreditarmos em Cristo Redentor, estamos de facto
206
vivendo e adorando como concidadão dos anjos e dos santos, edificados sobre
o alicerce dos apóstolos, cuja pedra angular é Cristo.
1. É mais importante a fé do orante, do que a qualidade do ícone.
2. O ícone, como a palavra escrita, é um instrumento de transmissão da fé, da
Tradição e da fé cristãs; através da imaginária sagrada, o Espírito Santo
transmite-nos verdades que podem não resultar evidentes para quem usa
apenas as ferramentas da razão.
3. Os ícones são uma ajuda para o culto. Eles destinam-se a fazer-nos entrar
na esfera da oração. O ícone é a última flecha que o eros humano lança no
coração do mistério;
4. O ícone tem uma caráter hierático. Interessa-se apenas pelo sagrado. O
ícone em teologia escrita em imagens e cor. As personagens do ícone tem
uma majestade hierática. São como uma terceira beleza, intermédia entre a
fotografia e a linguagem abstrata. Oferecem sempre o rosto sem perfis. A
carne nunca tem cor natural. O centro da representação é sempre o rosto:
«O centro da representação é sempre o rosto; é o lugar da presença do Espírito
de Deus, porque a cabeça é a sede da inteligência e da sabedoria. O rosto
constrói-se à volta de três círculos: o primeiro, normalmente dourado, contém a
auréola, símbolo da glória de Deus; o segundo, compreende a cabeça e nela
aparece a fronte, como sede da sabedoria, muito alta e convexa, de forma que
apareça a força do Espírito; o terceiro círculo compreende a parte sensual do
rosto e exprime a natureza humana de que o personagem se revestiu durante a
sua vida. Os olhos, cujo olhar se irradia, para o espectador e contém
concentrada toda a atenção, são grandes, fixos e severos. Narinas delgadas,
vibrantes sob o movimento do sopro do Espírito, e manifestam o amor
apaixonado de Deus. A boca é diminuta, desenhada com uma forma geométrica
e está sempre fechada no silêncio da contemplação».
5. O ícone é uma obra da tradição. O ícone não é apenas fruto da meditação
pessoal do iconógrafo, mas também de toda uma geração de crentes que
nos fazem chegar até às testemunhas da Ressurreição.
6. O ícone não tem a pretensão de forçar uma resposta emocional;
7. Os ícones evitam excessiva familiaridade com o divino.
8. O ícone é silencioso. Mas o silêncio não está vazio.
9. Os ícones evitam as técnicas artísticas destinadas a criar uma ilusão de
espaço tridimensional. A luz do ícone nunca se explica por uma única fonte
206
de luz; a luz é tão interior à imagem como exterior a ela e ilumina a quem se
põe diante do ícone.
10.A imagem reduz-se a um mínimo de detalhes. As linhas convergem para a
pessoa em oração diante do ícone;
11.A realidade espiritual é representada através de símbolos.
12.Um ícone não se assina. Não se destina à promoção do artista. O iconógrafo
submete-se humildemente à autoridade da Igreja para realizar a sua
atividade teológica não verbal.
13.O ícone é um ato testemunhal. O primeiro ícone a pintar é o do rosto de
Cristo e os monges o da transfiguração.
14.O ícone é uma revelação da transfiguração. Fomos criados à imagem e
semelhança de Deus. O ícone é um testemunho da theosis, a deificação.
15.Para que possa ser venerado pelos fiéis, a imagem deve ser: verdadeira (os
rasgos devem corresponder exatamente à palavra que a ilumina e que a
própria imagem visibiliza) milagrosa (faz ver as maravilhas de Deus e deve
produzir abundantes frutos de graça) e a-cherópita, não feita pelas mãos do
homem, inspirada por Deus, através da mediação da Palavra e da tradição
da Igreja.
4.4.1.6.3. Normas do pintor de ícones
1. Antes de começar, fazer o sinal da cruz e perdoar aos inimigos;
2. Cuidar dos pormenores do ícone como se estivesse, de facto, diante do rosto
de Cristo.
3. Rezar enquanto trabalha evitando palavras inúteis;
4. Concentrar-se no rosto do santo, evitando distrações;
5. Para escolher a cor, estender a mão ao Senhor:
- azul: céu, mistério, vida mística; vestes de Maria;
- verde: vegetação terrestre, vida, fertilidade, juventude, frescura. Vestes dos
mártires cujo sangue alimenta a Igreja;
- castanho: terra, matéria inerte. Vida santa e de pobreza…
- Vermelho: sangue, vitalidade, beleza, fogo, purificação espiritual;
- púrpura: riqueza e poder
206
- Branco: mundo divino, inocência, luz incriada,
- Negro: as trevas, das quais Cristo emerge.
- Dourado: santidade, esplendor, imperecibilidade, energia divina, glória de
Deus…
6. Não estar cioso da obra do próximo;
7. Terminado o ícone, agradecer a Deus a graça de pintar as sagradas
imagens;
8. Pedir para benzer o ícone antes dele ir para o altar. O primeiro a rezar
diante dele deve ser o iconógrafo.
9. Não esquecer a alegria de espalhar a beleza dos ícones por todo o mundo.
4.4.1.6.4. Valores da Oração, a partir dos ícones:
- Ajuda-nos a rezar, a descobrir o rosto de Deus, a deixarmo-nos transformar
pela sua glória, de modo a fazer resplandecer também em nós a beleza desse
rosto.
- A contemplação do rosto de Deus leva-nos a descobrir esse rosto no rosto do
irmão.
- Ajuda-nos a recuperar o mistério do rosto da pessoa, assim como a relação
simples e profunda do olhar;
- Favorece a quietude contemplativa e a sinceridade do encontro interpessoal,
nesse cara-a-cara que exige verdade na relação com Deus.
- Estimula a capacidade de preencher o silêncio com uma presença e a
concentrar nossa dispersão psicológica e espiritual, com ajuda da imagem.
206
4.4.1.6.5. Exercício prático de oração com um ícone: O ícone de Rublev
1. Um ícone, uma vela, uma mesa, com toalha branca
2. Fundo musical
3. Cântico Inicial
4. Invocação do Espírito Santo…
5. Leitura bíblica: Gén.18,1-9
6. Meditação iconográfica – a partir dos pormenores do ícone
7. Oração pessoal e contemplativa
8. Invocações ou exclamações esporádicas e livres ou inspiradas na Escritura -
Jo.3,16; Jo.17,21; Rom.5,5…
9. Pai Nosso
10.Cântico apropriado
«Cada um tem as mãos vazias; vazias para que fiquem abertas. Abertas para
receber a taça da mão do outro, abertas para a oferecer ao outro. Abertas para
acolher e recolher. No abraço do outro, cada um se oferece totalmente
desarmado, deixando-se ferir pelo amor do outro. Para cada um deles,
conhecer-se é ser só um olhar sobre o outro, amar-se é ser só o gozo do outro;
existir é ser só Amor para o outro, ser é aderir ao que é o outro. Cada um é
Deus sendo todo para o outro, negando-se para que o outro seja ele mesmo.
O Pai não recebe nada de ninguém. Mas dá tudo o que é, exceto o ser Pai.
Assim é Pai, enquanto se dá ao Filho;
O Filho recebe tudo do Pai, mas Ele restitui-lhe tudo, exceto o ser Filho. Assim é
Filho só enquanto recebe do Pai;
O Espírito Santo. Não há nada nele que não seja acolhimento do que é o Filho
para o Pai. Nada há nele que não se dê.
Juntos formam um imenso cálice. Oferecem-se um ao outro, com um só olhar»
(Daniel Ange)
4.4.1.6.6. Exercício prático: Uma experiência de oração, com o olhar
• «Deus viu tudo o que tinha feito e era muito bom» (Gn 1, 31). Dá um passeio
contemplativo por um dos teus percursos habituais ou pelo campo, fazendo
206
como que uma pesquisa à procura da bondade e da beleza ocultas em tudo o
que existe. Observa atentamente as pessoas, as coisas, a natureza e repete
interiormente: «Deus viu que tudo era bom». Confia mais no olhar de Deus do
que no teu, deixa que ele eduque os teus olhos e os torne crentes.
• Lê em Mc 10, 46-52 o relato da cura do cego Bartimeu como se o ouvisses
pela primeira vez. Para em cada momento da cena, tenta imaginá-la, vê-la
interiormente. Senta-te como aquele cego sentado na borda do caminho. Ouve
o murmúrio das pessoas, pressente a proximidade de Jesus, grita-lhe do fundo
do teu coração: «Tem piedade de mim!». Deixa que todo o teu ser se ponha a
clamar: «Senhor, que eu veja!» Sente as mãos de Jesus tocar nos teus olhos;
deixa-te curar pela força dessas mãos que podem inundar-te de luz. Permanece
uns momentos num silêncio cheio de agradecimento.
• Toma o evangelho de Marcos 6, 34. Jesus desceu da barca e, ao ver a
multidão, encheu-se de compaixão porque eram como ovelhas sem pastor.
Mistura-te àquela gente, tenta sentir-te envolvido pelo olhar de Jesus, cheio de
ternura e de acolhimento. Não te censura, nada te aponta de negativo, nem te
exige que faças isto ou aquilo. Somente olha para ti e te aceita tal como és.
Respira fundo e deixa-te invadir por esse acolhimento incondicional.
• Ao sair de casa, para um instante e pede aos teus olhos que se deixem
contagiar pela forma de olhar de Jesus. Depois, na rua ou no teu meio de
transporte habitual, procura olhar para toda a gente como Jesus o faria.
Observa cada rosto, procurando adivinhar o que se esconde por detrás dessas
expressões de cansaço, de indiferença, de preocupação, de serenidade... Deixa
brotar em ti a compaixão, a proximidade, a súplica de Jesus por eles.
• No domingo, procura «estrear» a Eucaristia, olha-a com novos olhos, limpos
de rotina e de monotonia. Chega uns minutos antes e observa a chegada das
pessoas: olha para elas e dá-lhes interiormente as boas-vindas. Descobre o
interior do templo: a mesa do altar que te convida, a luz acesa que nos lembra
a presença viva do Ressuscitado, o pão e o vinho, memória da sua vida
entregue e do seu sangue derramado. Presta atenção aos sinais e aos gestos
que fazemos durante a celebração, não os faças de forma mecânica, mas deixa-
os surgir do fundo do teu ser...
206
E o que fores vendo e aprendendo a olhar, o que for entrando na tua
experiência de crente e de orante, talvez te ajude a escrevê-lo dentro em breve
num «caderno de oração» que irá sendo uma testemunha secreta da história da
tua amizade com Deus.
SÁBADO, 11H00-12H30
4.4.2. Aprendemos a orar na escuta: saber ouvir
A arte de escutar22
A dada altura passamos a aceitar o invisível em nós e nos outros. Isto é, damos
por nós a aceitar serenamente que a vida tem camadas geológicas como a
terra, que a vida se expande por tempos de formação ocultos à superfície, e
que em todas as existências há uma crosta terrestre e metros e metros de
filamentos, mergulhados em silêncio. Ao contrário dos juízos apressadamente
rasos, nos quais todos caímos, é preciso dizer que somos inacessíveis. E que os
instrumentos que temos para chegar ao coração uns dos outros são
inquietantemente limitados. Basta reconhecer como o nosso olhar, este olhar
que tão a miúdo absolutizamos, está prisioneiro do presente: aquilo que o olhar
anota é sempre e só o presente histórico nas suas configurações.
Enquanto que no interior de cada um, o passado e o futuro têm uma força
insuspeitável, um impacto a perder de vista.
Por isso, se nos perguntam, «a vida pertence mais ao domínio do visível ou do
audível?», parece-me mais sensato optar pelo segundo.
Na verdade, enquanto que o silêncio de uma vida nem sempre se consegue
detetar com os olhos, a invisibilidade da vida pode sempre ser escutada. A
escuta talvez seja o sentido de verificação mais adequado para acolher a
complexidade que uma vida é. Contudo, nós escutamo-nos tão pouco e, dentre
as competências que desenvolvemos, raramente está a arte de escutar.
Na regra de São Bento há uma expressão essencial se queremos perceber
como se ativa uma escuta autêntica: «abre o ouvido do teu coração». Quer
dizer: a escuta não se faz apenas com o ouvido exterior, mas com o sentido do
22 JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, In Diário de Notícias da Madeira, 06.03.11
206
coração. A escuta não é apenas a recolha do discurso verbal. Antes de tudo é
atitude, é inclinar-se para o outro, é confiar-lhe a nossa atenção, é
disponibilidade para acolher o dito e o não dito, o entusiasmo da história ou a
sua dor mais ou menos ciciada, o sentimento de plenitude ou de frustração. E
fazer isto sem paternalismos e sem cair na tentação de se substituir ao outro.
Ouvir é oferecer um ombro, onde o outro possa colocar a mão, para
rapidamente se levantar. Ouvir é colaborar amigavelmente num processo de
discernimento cuja palavra derradeira cabe sempre à liberdade do próprio.
Mas podermos ser escutados, até ao fundo e até ao fim, abre, só por si,
horizontes mais amplos do que aqueles que sozinhos conseguiríamos avistar e
relança-nos no caminho da confiança.
Um dos textos mais impressionantes sobre o valor da escuta é o conto
“Tristeza” de Tchékov. Conta a história de um cocheiro, Iona, que perdeu um
filho e não encontra, entre os humanos, ninguém disponível para o amparar.
«Precisa contar como o filho adoeceu, como padeceu, o que disse antes de
morrer e como morreu... Precisa descrever o enterro e a ida ao hospital, para
buscar a roupa do defunto. Na aldeia, ficou a filha Aníssia... Precisa falar sobre
ela também...», mas ninguém o ouve. O cocheiro volta-se então para o seu
cavalo e enquanto lhe dá aveia começa a expor-lhe, num longo e dorido
monólogo, tudo o que viveu. E as últimas palavras do conto são estas:
«O cavalo foi mastigando, enquanto parecia escutar, pois soprava na mão do
seu dono... Então Iona, o cocheiro, animou-se e contou-lhe tudo».
4.4.2.1. Ouvir Deus
• Um velho livro de Israel (1 Re 19. 8-15) conta-nos, num texto cheio de poesia,
como Javé quis jogar às escondidas com um dos profetas. É uma narração
surpreendente: chega Elias, um apaixonado defensor dos direitos divinos, ao
seu encontro com Deus no monte Horeb. Talvez espere ser confirmado no seu
ardente zelo profético, mas o que Deus quer é ensinar-lhe algo que Elias ainda
não tinha aprendido.
E vai ensinar-lhe com um jogo que atualmente chamaríamos «didático», uma
brincadeira que já todos os pais e apaixonados do mundo fizeram pelo menos
uma vez: um jogo em que entram a procura e o ocultamento, a satisfação pelo
encontro que se atrasa. a atenção, a surpresa ... Deus «engana» Elias e finge
aparecer no vento, na tempestade, no fogo, Elias, como uma sentinela a quem
206
fosse dado o alerta, vai apurando o ouvido, vai aprendendo a distinguir o eco da
voz de Deus. E reconhece-o no ciciar de brisa leve, no sussurro de uma
confidência.
Quem ganhou o jogo? Talvez Deus, porque conseguiu ensinar Elias a
familiarizar-se com a sua voz. Talvez Elias, que confiou numa Palavra que o
impeliu de novo a arriscar a vida...
• Também nós jogamos a vida na escuta da oração. Somos filhos de um Povo,
em cuja língua não há o verbo «obedecer», mas apenas «escutar, porque sabe
que quem verdadeiramente escuta, depois responde filialmente.
O nosso Deus não é hermético, longínquo, silencioso... «Deus é Amor», diz S.
João, e o amor é comunicação, diálogo, palavra íntima que nos foi dita em
Jesus.
• Por isso temos de aprender a linguagem de Deus, temos de caminhar com a
atenção vigilante de quem sabe que ele fala na Escritura e na liturgia, no jornal
e no irmão, no movimento da cidade e no segredo do nosso coração.
Orar é pormo-nos à escuta, como Maria em Betânia, sentada sossegadamente
aos pés de Jesus, com a satisfação alegre de sabermos que estamos a viver
uma bem-aventurança: «Felizes os que escutam a Palavra de Deus» (Lc 8, 21).
Com a tarefa de, a seguir, «fazer o que ele nos disser» (Jo 2, 5).
4.4.2.2. Educar a ver e a ouvir em catequese23
«Pela sua interioridade o homem ultrapassa o universo das coisas e é à
profundidade que volta quando regressa a ele mesmo, onde o espera esse Deus
que perscruta os corações.»24
Olhar e ouvir “com o coração” é sinal de interioridade, capacidade de ver além
das aparências a realidade das coisas. O Evangelho transcreve palavras
estranhas e duras: “Tendes olhos e não vedes, ouvidos e não ouvis” (Mc 8,18).
Afirmação que nos faz estremecer. Será que vemos e ouvimos?
23 Cf. SDECIA, Revista Mensagem 51/388 (Nov-Dez 2007), 1024 GS14
206
Estamos a caminho do ver e do ouvir, essas capacidades oferecidas a quem se
abre ao Espírito e descobre com Ele o olhar de Deus e os seus projetos.
Convidar a ver e a ouvir em catequese é um desafio a:
- oferecer a Palavra como uma Boa Notícia! A catequese é um “eco da
Palavra”!
- propor testemunhos de quem viveu com os olhos abertos;
- criar momentos em que se olhe a vida a partir dos olhos de Jesus: “Que diria
Jesus nesta situação? Que faria? Como Fez no seu tempo?
OUVIR E VER25
1. «A primeira vez que levei o meu filho mais novo, Danny, a ver gansos e
pombas no parque vizinho, ele correu para fora do carro, e gritou: “Papá, olha,
olha!” Eu tinha necessidade daquela lição. Nunca tinha parado a contemplar a
maravilha daquelas cores e daqueles voos… Como pessoas tragicamente
deprimidas, já não somos sequer capazes de nos debruçarmos à janela para ver
o que se passa lá fora. “Olha, olha!”, dizem-nos insistentemente Danny e as
Escrituras». Isto conta Daniel Marguerat no seu belo livro O coração ético da
tradição hebraico-cristã, Assis, Cittadella, 1998.
2. História com história. «Esta é a história de (Aarão e) Moisés no dia em que
falou YHWH a Moisés no monte Sinai» (Números 3,1).
«3,1Moisés estava a apascentar o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de
Madiã. Conduziu o rebanho para além do deserto, e chegou à montanha de
Deus, ao Horeb. 2O anjo de YHWH apareceu-lhe numa chama de fogo, do meio
da sarça. Ele olhou e viu, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não era
devorada. 3Moisés disse: “Vou DESVIAR-ME DO CAMINHO para ver esta visão
grande: POR QUE RAZÃO não arde a sarça?” 4YHWH viu que ele se DESVIAVA
DO CAMINHO para ver; e Deus chamou-o do meio da sarça, e disse: “Moisés!
Moisés!” Ele disse: “Eis-me aqui!”» (Êxodo 3,1-4).
A história de Moisés é uma história como as outras, e não é uma história como
as outras. Conduzindo o rebanho, VIU uma VISÃO grande, e, com o intuito de
25 ANTÓNIO COUTO, in http://mesadepalavras.wordpress.com/
206
VER mais e melhor, saiu do seu caminho, deixou o seu rebanho. Com uns
grandes olhos desejosos de VER e habitado por um grande PORQUÊ, Moisés
aparece como uma criança à medida do Evangelho (Marcos 10,13-16). Ouviu
uma voz que o chamava, e respondeu de pronto: «Eis-me aqui!» A história de
Moisés não começa quando nasce, não descreve os seus projetos, não elenca
os seus sucessos. A história de Moisés é a história de uma VISÃO que o provoca
e da PALAVRA de Deus que o convoca, e que ele ousa VER e a que ousa
RESPONDER.
3. O Deus bíblico manifesta-se sempre atento e compassivo para com o seu
povo e comprometido na libertação de todas as escravidões. É quanto se pode
ver neste texto paradigmático do Livro do Êxodo:
«3,7YHWH disse: “Eu bem VI a opressão do meu povo que está no Egito, e OUVI
o seu grito diante dos seus opressores; CONHEÇO, na verdade, os seus
sofrimentos. 8DESCI a fim de o libertar da mão dos egípcios e de o fazer subir
desta terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e
mel…” 10E agora VAI; Eu te envio ao Faraó, e FAZ SAIR do Egito o meu povo, os
filhos de Israel» (Êxodo 3,7-8.10).
O Deus bíblico revela aqui a sua identidade, não afirmando-se e defendendo-se
à volta do seu «eu», do seu «céu», resguardando-se dentro das portas douradas
da sua eternidade, mas DESCENDO até à alteridade do outro, de quem «VÊ a
opressão», «OUVE o grito», «CONHECE os sofrimentos», tem em vista uma
solução ou resposta. Face ao grito de Israel, qual será a resposta de Deus? A
resposta de Deus não será alguma coisa, porque Deus nunca responde alguma
coisa. Deus responde sempre ALGUÉM! Será MOISÉS. Quando o seu povo grita,
Deus responde sempre da mesma maneira. Responde com MOISÉS, com os
PROFETAS, e, finalmente, com JESUS CRISTO.
4. Mas também hoje, quando o seu povo grita, Deus continua a responder da
mesma maneira, chamando os discípulos de Jesus Cristo e toda a sua Igreja
para socorrer e libertar os seus filhos. É neste «ponto de vida» que se situam
também os cristãos e os missionários que devem sempre, como Moisés, saber
desviar-se do seu caminho, para VER, OUVIR e RESPONDER melhor à Palavra
que os convoca e os provoca. Os cristãos e os missionários entraram num
desafio assim há muitos anos. Muitos deram a vida por se terem desviado do
206
caminho para VER, OUVIR e RESPONDER melhor. Que o Senhor da messe nos
mantenha atentos, compassivos, comprometidos e fiéis.
5. «Olha, olha!», dizem-nos a cada passo Danny e as Escrituras.
206
4.4.2.3. Exercício prático: Aprendemos a orar escutando
• Tenta um dia, desde que te levantes, entrar no “jogo» de descobrir Deus que
te fala: escuta interessadamente os outros, presta mais atenção às pequenas
coisas e acontecimentos do dia. À noite, para uns momentos e procura
identificar que «voz» de Deus reconheceste.
• Quando estiveres repousado e tranquilo, dedica uns minutos a escutar
serenamente o teu próprio corpo. Torna-te consciente daquilo que ele te diz,
nas tuas sensações de cansaço, de dor, de harmonia, de inquietação... Escuta
essas sensações, sem as afastar nem raciocinar sobre elas. Deus também
comunica contigo através do teu corpo.
• Lê em Mc 7, 31-37 a cura do surdo-mudo. Entra na cena evangélica, imagina-
te de ouvidos fechados como aquele homem. Sente as mãos de Jesus a tocar-
lhes, pede-lhe com força que tos abra, que te ensine a escutar... Ouve
interiormente a autoridade da palavra de Jesus: «Abri-vos!».
• (Para orar em grupo.) Alguém lê um salmo (por exemplo SI 23. ou SI 103. ou
SI 40...) e dá-se um tempo de silêncio para deixar que as palavras ouvidas
abram caminho em cada um dos presentes. Repeti depois, como em eco, a
frase que mais impressionou cada um e reconstituí assim o salmo com as frases
de todos. Fazei isto sem pressa, reservando espaços de silêncio para que todos
façam sua a frase do outro.
• No domingo, vive a Eucaristia escutando: os cantos, as leituras, as petições,
as orações... Guarda uma frase, uma só, a que te tiver impressionado mais.
Escreve-a no teu caderno de oração, tenta recordá-la ao longo da semana e
procura dar-lhe uma resposta.
Ouve, sobretudo o teu grupo de catequese. Procura ultrapassar o som das
palavras pronunciadas. Entra na vida que essas palavras revelam, na
história que existe em cada pessoa. Aprendendo a escutar os homens, esta-
mos a exercitar-nos para escutar Deus quando nos falar em sussurro.
4.4.3. Aprendemos a rezar com o tato: saber tocar
4.4.3.1. Deus, na realidade que tocamos
206
• «Um espírito não tem carne nem ossos como vedes que eu tenho» (Lc 24,
39).
• «Mete a tua mão no meu lado» (Jo 20, 27).
• «As nossas mãos tocaram a Palavra da vida» (Jo 1, 1).
• Se estas frases, como muitas outras, não levassem aposto o parêntesis
tranquilizador da referência a um evangelista, escandalizariam muitos cristãos.
É que, quando encontramos na Bíblia expressões que se referem ao material,
imediatamente as aplicamos «ao espiritual». A verdade é que nos sentimos
mais tranquilos quando na igreja nos falam da alma, do espírito, do coração,
das virtudes e dos anjos do que quando ouvimos palavras relativas a realidades
que se podem «tocar»: a fome, a greve, a partilha, a prática da justiça.
• Poderíamos fazer um inquérito com apenas duas frases para delas se escolher
uma:
O cristianismo refere-se ao espiritual.
O cristianismo refere-se ao material.
Com toda a certeza, muitos cristãos escolheriam tranquilamente a primeira
opção e talvez fossem poucos os que vissem com clareza que não se pode
escolher nenhuma, mas que teriam de escrever um enorme «E») que as
tornasse inseparáveis.
• O que é que nos terá acontecido, a nós que somos os herdeiros de um povo
que vivia em contacto jubiloso e apaixonado com a matéria, porque escutava
também nela (no fogo, no pão, na rocha, no azeite, no sal, no trigo, na água...)
a Palavra do seu Deus?
Toma-se para nós ainda mais duro verificar que Jesus foi muito mais longe,
atrevendo-se a dizer, com uma audácia que a muitos pareceu escandalosa, que
a nossa Vida se decide por inteiro no material: no pão que se partilha, na água
que se dá a alguém sequioso, na roupa com que se veste o nu, no óleo e vinho
que se derrama no caminhante ferido, nos peixinhos que se oferecem e tornam
possível o milagre.
• O evangelho é um apelo urgente a uma entrada numa relação nova com o
universo material que nos rodeia e a encetar um contacto diferente com as
206
coisas. E isso aprende-se também com a oração, uma oração que tem de
chegar às nossas mãos, doentes de posse e de pressa, e transfigurá-las. E
quando forem capazes de acariciar e de brincar, em vez de só procurarem a
utilidade das coisas; quando forem capazes de respeitar e cuidar do ritmo
misterioso da vida, então serão verdadeiramente «espirituais».
Será então que poderemos prolongar e exprimir através delas a ternura e a
solicitude do Pai por tudo o que existe.
4.4.3.2. Rezar com as mãos, na Liturgia:
As nossas mãos falam e rezam. Não resisto a desafiar-vos a ver nestas mãos de
Moisés, as mãos de Cristo que, estirado na cruz, atrai para o Pai todos os seus
filhos dispersos (Jo.11,52;12,32). Ressuscitado, junto do Pai, Ele vive e intercede
continuamente por nós (Heb.7,25). Sintomaticamente, São Lucas recorda-nos o
último gesto de Jesus, o da imposição das mãos, quando Ele se despede dos
discípulos, e sobe para o Pai (Lc.24,50). Ao longo da celebração, valeria a pena,
olhar para as nossas mãos. E pô-las a falar, a rezar, a celebrar. Por vezes, a
nossa assembleia parece “manietada”. Era preciso que usássemos bem as
mãos:
a) Para fazer bem o Sinal da Cruz, sobre a fronte dos nossos pensamentos,
sobre os lábios das nossas palavras, sobre o peito dos sentimentos. É afinal
o sinal e distintivo do ser cristão! Como que nobreza, largueza e dignidade o
deveríamos traçar!
b) Para bater no peito, no ato penitencial, como o publicano, (Lc.18,13). E com
a mão direita, apontar humildemente para o nosso mundo interior, para o
coração donde brotam todos os pecados...
c) Para as levar sem medo ao bolso e daí recolher a Oferta, sem que a mão
esquerda saiba o que fez a direita (M6.6,3)!
d) Para as entrelaçar, como quem se recolhe em oração, enquanto o
Presidente as abre para o alto, num gesto de oferta e de consagração;
e) Para as estender ao outro, e as apertar, num momento de saudação, como
quem faz em Cristo a Paz e a comunhão;
f) Para fazer delas um pequenino altar, quando me abeiro da comunhão.
É este o gesto mais sublime que as minhas mãos podem realizar numa
celebração. Na Comunhão, os fiéis podem receber o Corpo de Cristo pelas
206
mãos. Não é um modo moderno de comungar. É uma prática muito antiga, que
a Igreja há pouco recuperou. O mais famoso testemunho é o de Cirilo de
Jerusalém, do século IV, que na sua catequese sobre a Eucaristia, nos descreve
como se devem abeirar os cristãos da Eucaristia. Não resisto a citar:
“Quando te aproximares para receber o Corpo de Cristo, não te aproximes com
as palmas das mãos estendidas, nem com os dedos separados, mas como que
fazendo da tua mão esquerda um trono para a tua direita, onde se sentará o
Rei. Com a cavidade da mão, recebe o Corpo de Cristo e diz «Àmen»...”
Trata-se de afinal de mãos que pedem, que esperam, que recebem. Não são
mãos que colhem, mas que acolhem. Deste modo, as nossas mãos definem
uma atitude de humildade, de espera, de pobreza, de disponibilidade, de
acolhimento, de confiança. São mãos de quem vai receber com alegria a
bondade de Deus e não pega com pressa, ou à pressa, com medo de que Cristo
fuja.
4.4.3.3. Exercício prático: Aprendemos a orar com as mãos
• Toma um fruto nas tuas mãos, uma laranja, por exemplo. Fecha os olhos e
sente-a: acaricia a sua superfície, tateia as suas rugosidades, aprecia a sua
aspereza ou suavidade, a sua frescura ou o seu calor. Tenta «reconhecê-la»,
dando-te conta de que é essa laranja concreta e não outra. Começa a descascá-
la lentamente, separando a sua casca com cuidado, como se não quisesses
danificá-la, exprimindo com as tuas mãos a tua admiração e respeito pelas
centenas de horas que demorou a formar-se. Sente os seus gomos, palpa-os e
abre-os sem pressa e come-os um a um saboreando-os. Ao terminar, agradece
a Deus o milagre da beleza, do sabor, do alimento que preparou para ti naquele
fruto.
• Repete o exercício anterior, desta vez com um objeto que te seja familiar, na
tua vida diária, no teu trabalho, etc. (uma esferográfica, uma caçarola, uma
agenda, um relógio...). Toma consciência de como está ao teu serviço, de que,
por essa pequena porção de matéria, podes desenvolver o teu trabalho, prestar
serviços 'aos outros, manifestar-lhes ternura... Dialoga com esse objeto, fala
dele a Deus, procura reconciliar-te com ele se o rejeitares. (Podeis fazer um
exercício em grupo).
206
• Reparte-se por cada elemento do grupo um pedaço de barro ou de plasticina.
Alguém lê o texto de Jeremias em casa do oleiro (Jr 18, 1-7). Fazei um tempo de
silêncio, sentindo nas vossas mãos a brandura e docilidade do barro. Dizei
depois em voz alta o que viveste e o sentido deste exercício.
• Sentai-vos à roda de uma mesinha baixa sobre que se colocou um pão e um
copo de vinho. Vai-se passando o pão e cada um parte um pedacito para o que
está ao seu lado. Quando todos tiverem o seu bocado de pão na mão, cada um
observa-o, sente-o, procura simbolizar nele tudo o que na sua vida existe de
dom gratuito, tudo o que lhe veio de Deus através dos outros. Depois de um
espaço de silêncio manifesta-o em voz alta.
• Fazei depois lentamente o gesto de abrir as mãos e oferecer. Cada um diz o
que quer oferecer da sua vida aos outros neste momento. Parti depois muito
lentamente o pedaço de pão, tomando consciência do valor que tem a oferta e
a partilha, das ruturas que talvez nos sejam pedidas nesse momento.
Come-se depois um dos dois bocados anteriormente partidos e o outro
reparte-se com algum dos membros do grupo com quem se queira
estabelecer uma união mais forte ou a quem se quiser exprimir
agradecimento, perdão, etc.
Por fim, passa-se o copo de vinho e canta-se o Pai-nosso.
4. 4.4. Aprendemos a rezar com as palavras: saber dizer
4.4.4.1. Encher as palavras
• A sabedoria popular sempre suspeitou das palavras. «Palavras, leva-as o
vento»; «uma coisa é o dizer, outra o fazer»; «para bom entendedor, meia
palavra basta».
Jesus também não parece fiar-se muito nas palavras: «Não basta dizer: Senhor,
Senhor!» para entrar no reino de Deus- (Mt 7, 21); «Quando rezardes, não
digais muitas palavras» (Mt 6, 7).
206
• No presente, entendemos isto muito facilmente por- que também nos cansam
as longas orações que aprendemos na infância e não vemos muito sentido na
recitação de «pai-nossos» e «ave-marias» seguidos e à pressa. Mas, embora o
palavreado esteja depreciado, não acontece o mesmo com a Palavra e muito
menos com o «dizer». O ser humano precisa de se exprimir, de comunicar,
dizer; e os crentes sabem que a fé põe em diálogo toda a nossa vida com o
Senhor.
• O que talvez nos tenha feito perder a confiança no dizer foi o facto de as
nossas palavras caminharem demasiadas vezes «a par» da nossa vida e terem
terminado por significar quase nada. Como quando dizemos: «Esta é a sua
casa», mas isso não quer dizer que estejamos a convidar o outro a vir instalar-
se nela, ou «gostei muito de o conhecer», que é uma fórmula que não exprime
verdadeiramente que estejamos contentes por ter encontrado alguém que nos
agrada.
• Se nos portássemos assim conscientemente, teria chegado o momento de
deixar de rezar. Mas com certeza não é este o nosso caso, porque no fundo do
nosso co- ração desejamos fazer uma vida mais coerente com as nossas
palavras. Mas precisamos de as estrear de novo, de voltar a sentir a sua
seriedade, a sua existência, deixar que queimem os nossos lábios, estar atentos
para não pronunciá-las em vão, de cumprir ao menos aquela, advertência que
nos recomendava: «Pensa, antes de falar».
E saber que temos sempre aberta a porta da oração simples do publicano, que
só repetia: «Senhor, tem compaixão de mim que sou um pecador (Lc 18, 13),
mas que soube ganhar o coração de Deus.
4.4.4.2. Educar na e para a Palavra em catequese
A etimologia da palavra «catequese» indica exatamente o fazer ressoar a
Palavra! Catequese é um espaço de ressonância que convida os que participam
nela, a escutar essa Palavra de vida e de amor, que só se deixa escutar no
segredo.
A Palavra encontra o seu lugar nas Escrituras, mas não se confunde com ela.
Podemos explicar, analisar, estudar os textos e descobrir os significados
profundos... e se o texto não me dirigir a Palavra? O Espírito dá vida, mas a
palavra pode matá-lo.
206
Sabemos que Deus fala na linguagem humana e se dirige a cada pessoa, como
uma resposta absoluta aos desejos mais íntimos de sentido. Ninguém pode
escutar Deus se ninguém lho der a escutar. Ninguém pode escutar a Palavra a
não ser pela voz de um outro.
Escutar a Palavra é entrar na comunicação de amor que Deus oferece a cada
um. Cada um, no mais profundo de si mesmo, pode escutar as escrituras como
uma Palavra atual que se dirige ao seu próprio ser. Deus só se encontra na
Palavra Viva e Encarnada e essa Palavra só é viva quando é dirigida e recebe
uma resposta, porque, neste caso, reconhece aquele a quem se dirige como
parceiro.
A catequese é interativa e dialogante porque é o lugar no qual a Palavra de
Deus se faz escutar no circuito das palavras humanas a fim de provocar uma
mudança naqueles que a acolhem. A Palavra não se diz apenas, mas faz existir.
4.4.4.3. Exercício prático: Aprendemos a orar com as nossas palavras
• Imagina que vão ser apagadas do teu dicionário todas as palavras, exceto
três, e que tens de escolher essas três palavras para, com elas, te exprimires
durante toda a tua vida. São as três palavras mais essenciais para ti. Escolhe-as
devagar, sem forçar nada, experimenta uma após outra até encontrares as
«tuas», as que disserem melhor a tua experiência pessoal, crente, de relação.
Quando as tiveres escolhido, toma consciência do que experimentas ao
pronunciá-las. Imagina que vais caminhando pela tua vida, encontrando
pessoas e lhes dizes as tuas três palavras. Observa como reagem. Imagina
também que te encontras com Jesus e lhas dizes:
Como reage ele? Convida-te para mudares alguma? Acrescenta alguma outra?
Este exercício pode ser feito em grupo.
• Escolhe uma frase breve tomada do Evangelho, de um salmo ou da tua
experiência de oração, na qual te sintas inteiramente expresso, conforme a
situação em que te encontrares: «Faça-se a tua vontade»: «Senhor, que eu
veja!»: «Senhor, se quiseres, podes curar-me»; «Creio, Senhor, mas aumenta a
minha fé». Cria dentro de ti um espaço para essas palavras, tenta pronunciá-las
206
a partir do fundo do teu ser; repete-as por dentro, uma e outra vez; deixa-as
penetrar na tua terra seca como uma chuva mansa. Di-las interiormente ao
ritmo da tua respiração, e, se te distraíres, volta suavemente a elas. Dedica a
este exercício pelo menos dez minutos.
• Podeis tomar no grupo o salmo que se vai recitar como responsório na liturgia
de domingo. Lede-o devagar e procurai fazer com que o estribilho, à força de
ser repetido várias vezes e de ser interiorizado, vos vá saindo cada vez mais de
dentro.
• Escolhei também algumas das respostas da missa, essas frases breves que, à
força de repetidas, deixaram de significar alguma coisa. Por exemplo, o diálogo
com o celebrante antes de começar a oração eucarística; a saudação ao
começar, etc. Procurai arrancar o significa- do profundo dessas palavras;
traduzi-as para a vossa linguagem; elaborai o vosso modo pessoal de as dizer e,
depois, voltai a repeti-las, pois talvez as acheis muito mais densas de conteúdo.
4.4.5. Aprendemos a rezar calados: saber calar
4.4.5.1. Silêncio e oração26
A tradição espiritual e ascética sempre reconheceu a essencialidade do silêncio
para um verdadeiro caminho espiritual e de oração. “A oração tem como pai o
silêncio e como mãe a solidão”, disse um grande homem espiritual. Só o
silêncio, de facto, torna possível a escuta, isto é, o acolhimento em si não só da
Palavra, mas também da presença daquele que fala. Assim, o silêncio abre o
cristão à experiência da inabitação de Deus: o Deus que procuramos seguindo
na fé Cristo ressuscitado, é o Deus que não é estranho a nós mas habita em
nós. Diz Jesus no quarto Evangelho: “Se alguém me tem amor, há de guardar a
minha palavra; e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos
morada” (Jo 14,23). O silêncio é linguagem de amor, de profundidade, de
presença do outro.
Infelizmente, hoje o silêncio é raro; é a coisa que mais falta ao homem
moderno, assoberbado por murmúrios, bombardeado por mensagens sonoras e
visuais, derrubado da sua interioridade, quase caído longe dela.
26ENZO BIANCHI, in http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?tpl=&id=91703
206
É preciso confessar: temos necessidade do silêncio! Temos necessidade dele,
de um ponto de vista puramente antropológico, porque o homem, que é um ser
de relação, comunica de modo equilibrado e significativo apenas graças à
relação harmónica entre palavra e silêncio.
Contudo, temos necessidade de silêncio também do ponto de vista espiritual,
como alimento primário da nossa oração e da vida interior. Para o cristianismo
o silêncio é uma dimensão não apenas antropológica, mas teológica: sozinho no
monte Horeb, o profeta Elias ouviu primeiro um vento impetuoso, depois um
terramoto, em seguida um fogo e por fim o “murmúrio de uma brisa suave” (1
Re 19,12). Ao ouvir esta última, Elias cobriu o rosto com um manto e colocou-se
na presença de Deus. Deus torna-se presente a Elias no silêncio, um silêncio
eloquente. A revelação do Deus bíblico não passa só pela palavra, mas
acontece também no silêncio.
Inácio de Antioquia diz que Cristo é “a Palavra que procede do silêncio”. O Deus
que se revela no silêncio e na palavra exige a escuta do homem e para a escuta
é essencial o silêncio. Não se trata, por certo, de abster-se simplesmente de
falar, mas do silêncio interior, aquela dimensão que nos devolve a nós próprios,
que nos coloca sobre o plano do ser, diante do essencial. “No silêncio está
inserido um maravilhoso poder de observação, de clarificação, de concentração
sobre as coisas essenciais” (Dietrich Bonhoeffer).
É do silêncio que pode nascer uma palavra aguda, penetrante, comunicativa,
sensata, luminosa, ousaria mesmo dizer terapêutica, capaz de consolar. O
silêncio é o guardião da interioridade.
É verdade que se trata de um silêncio definido tão negativamente como
sobriedade e disciplina no falar, até chegar à abstenção das palavras, mas que
passa deste primeiro momento para uma dimensão interior, isto é, o fazer calar
os pensamentos, as imagens, as revoltas, os juízos, os murmúrios que nascem
no coração.
De facto, é “do interior do coração dos homens que saem os maus
pensamentos” (Mc 7,21). É difícil o silêncio interior, aquele que se joga no
coração, lugar de luta espiritual, mas este silêncio profundo gera caridade,
atenção, acolhimento, empatia diante do outro.
206
Sim, o silêncio escava no mais profundo de nós um espaço para fazer habitar o
Outro, para deixar permanecer na sua Palavra, para radicar em nós o amor pelo
Senhor; ao mesmo tempo, em ligação a isto, dispõe-nos à escuta inteligente, à
palavra medida, ao discernimento do coração do outro, daquilo que o queima
no seu íntimo e que está encerrado no silêncio do qual nascem as suas
palavras. O silêncio, então aquele silêncio, suscita em nós a caridade, o amor
pelo irmão e, por consequência, a capacidade de intercessão, de oração pelo
outro, bem como a ação de graças pelo encontro que aconteceu. Assim o duplo
mandamento do amor de Deus e do próximo é cumprido por quem sabe
guardar o silêncio. Por isso, Basílio pôde dizer: “O silencioso torna-se fonte de
graça para quem escuta”.
Neste ponto, pode repetir-se, sem receio de cair em mera retórica, a afirmação
de E. Rostand: “O silêncio é o canto mais perfeito, a oração mais alta”. Ao
conduzir à escuta de Deus e ao amor pelo irmão, à caridade autêntica, isto é, à
vida em Cristo (e não a um vazio interior genérico e estéril), o silêncio é oração
verdadeiramente cristã e agradável a Deus. É este o silêncio que chega a nós
de uma longa história espiritual, é o silêncio procurado e praticado pelos
hesicastas para obter a unificação do coração, é o silêncio da tradição
monástica finalizado no acolhimento em si da palavra de Deus, é o silêncio da
oração de adoração da presença de Deus, é o silêncio caro aos místicos de
qualquer tradição religiosa e, acima de tudo, é o silêncio do qual é rica a
linguagem poética, é o silêncio que constitui a própria matéria da música, é o
silêncio essencial a qualquer ato comunicativo.
O silêncio, acontecimento de profundidade e de unificação, torna eloquente o
corpo, conduzindo-nos a habitar o nosso corpo, a habitar a nossa vida interior,
guiando-nos ao habitare secum (habitar-se a si mesmo) tão precioso para a
tradição monástica.
O corpo habitado pelo silêncio torna-se revelação da pessoa.
O cristianismo contempla Jesus como Palavra feita carne, mas também como
silêncio de Deus: os evangelhos mostram um Jesus que, quanto mais se adentra
na paixão, cada vez mais se cala, entra no silêncio, como cordeiro sem voz,
como aquele que, conhecendo a verdade, sabendo o indizível fundo da
realidade, não pode nem quer trair o inefável com a palavra, mas guarda-o com
o silêncio. Jesus que “não abre a sua boca” mostra o silêncio como aquilo que é
206
verdadeiramente forte, faz do seu silêncio um ato, uma ação. E precisamente
por isso poderá fazer também da sua morte um ato, um gesto de um vivente,
para que seja claro que por trás da palavra e do silêncio, aquilo que é
verdadeiramente salvífico é o amor que vivifica um e outro.
4.4.5.2. O silêncio cheio
• «Ao sétimo dia, Deus descansou de todas as coisas que tinha feito» (Gn 2, 1).
E do descanso de Deus nasceu uma das suas criaturas mais formosas: o
silêncio. E apareceram com ele o mistério de uma noite de estre- las, a beleza
de um bosque cheio de pássaros adormeci- dos, o segredo de um manancial
que brota, o esplendor de uma águia a voar, a surpresa de uma planta que
floresce.
E também foi possível desde então o milagre do silêncio humano, aquele que
nos invade quando as palavras se tornam pequenas e nos basta abraçar
longamente o amigo depois de uma prolongada ausência, ou caminhar na sua
companhia sem necessidade de dizer nada, e contemplar absortos a beleza que
nos emociona...
• A Bíblia está cheia de silêncios carregados de plenitude: Job optou por ele
quando Deus irrompeu na sua vida (Job 39, 34-35); Jeremias fez a experiência
de que é bom esperar em silêncio a sua salvação (Lam 3, 26); o filho pródigo
não chegou a completar a explicação que levava preparada ao encontrar-se nos
braços de seu pai (Lc 15, 21); o frasco de perfume quebrado aos pés de Jesus e
as duas pequenas moedas da viúva lançadas no cofre do templo foram a
palavra daquelas duas mulheres (Lc 21, 2 e Jo 12, 3); os discípulos não diziam
nada durante o pequeno almoço com o Senhor Ressuscitado em Tiberíades,
porque a sua presença afogava todas as palavras no rio da felicidade (Jo 21,
12).
• Jesus falou muito nos caminhos da Palestina, mas o povo entendia ainda
melhor a linguagem das suas mãos, quando curavam ou tocavam o leproso ou
brincavam com as crianças. E a linguagem dos seus pés, quando entravam em
casa de pessoas mal conceituadas ou quando iam a casa de Jairo despertar da
morte a filha dele. Mas chegou o momento em que nem as palavras nem os
gestos foram suficientes e por isso, escolheu a linguagem eloquente da
entrega, do pão partido e repartido, do sangue derramado. E na Eucaristia é-
206
nos recordado todos os dias, não que digamos o que ele dizia, mas que façamos
em sua memória o mesmo gesto silencioso de amar até ao fim.
• Talvez Maria, a mãe de Jesus, de quem o evangelho nos conservou poucas
palavras e muito silêncio, possa ensinar-nos melhor do que ninguém como
encontrar e guardar na nossa oração de hoje essa pérola preciosa do silêncio.
4.4.5.3. Educar no silêncio e para o silêncio
Educar no e para o silêncio, esse silêncio que permite habitar o corpo e o
coração até às raízes; ouvir os “passos de Deus” no universo e no mistério,
“escutar” o outro nas linhas e entrelinhas dos discursos e dos gestos.
A catequese é um espaço que exige silêncio. O silêncio das palavras que se
calam, e o silêncio dos pensamentos que se colocam em alerta para a escuta
do Outro e da Vida”.
Tarefa exigente que supõem um catequista “mestre de interioridade”, capaz de
calar as palavras, olhar e escutar o mistério do humano e do Divino. Capaz de
se apresentar com uma postura calma e serena, uma voz baixa e firme
acompanhada de harmonia, segurança e amor: eis o primeiro passo para
serenar e silenciar um grupo (não educado nem estimulado para parar, ver e
ouvir). A qualidade do ser e estar do catequista permite ao catequizando
saborear com “prazer” o dom do silêncio e despertar para o desejo de mais...
A instabilidade interior, social e familiar que experimentam crianças e jovens,
obriga a desenvolver, em catequese, atitudes pedagógicas capazes de alterar
ritmos, e potenciar competências. Os métodos a utilizar deverão responder a
dois grandes objetivos:
- estimular a capacidade de calar as palavras e de escutar “momentos além
dos sons” (silêncios que ficam suspensos entre as notas musicais);
- provocar a perplexidade e o espanto que obrigam os pensamentos a
suspender as palavras e a dar espaço a novas formas de olhar (oferecem a
capacidade de reformular esquemas de pensamentos em ordem a olhar com os
“óculos” da Boa Nova de Jesus).
206
O impossível torna-se realizável quando a determinação é firme, assim no-lo
prova o testemunho de Ana María Schlüter:
“Em alguns colégios de Espanha fez-se a experiência de começar o dia com
alguns minutos de silêncio. Ainda que nas primeiras vezes a situação fosse
difícil e provocasse risos, com o passar do tempo, o alunos terminaram por
reclamar mais alguns minutos e os professores davam preferência às aulas que
seguiam imediatamente o tempo de silêncio. Em Tóquio, num colégio em que
os alunos eram temidos pela sua violência, o diretor decidiu implementar
tempos de silêncio. A experiência permitiu, progressivamente, alterar em
grande parte o comportamento dos alunos”.
E que tal se em catequese se optasse por fazer a experiência de começar o
encontro com dois ou três minutos de silêncio, até criar o hábito de habitar o
silêncio?
4.4.5.4. Exercício prático: Aprendemos a orar a partir do silêncio
• Procura um objeto que exprima algo do que experimentas ou sentes neste
momento, algo que reflita um pormenor da tua situação (uma cana, um ramo
seco, uma pedra, uma flor, um instrumento de trabalho, etc.). Põe-no diante de
ti; observa-o longamente, procurando identificar-te com ele e fica durante
algum tempo em silêncio diante de Deus, deixando que esse objeto fale em teu
nome, substituindo as tuas próprias palavras. (Podeis fazê-lo também em grupo
e explicar depois por- que é que escolhestes aquele símbolo.)
• Dedica um tempo a descobrir as possibilidades expressivas que têm as tuas
mãos. Apercebe-te de como podem exprimir atitudes de acolhimento, abertura,
pedi- do, oferta, entrega... Toma consciência do que queres dizer a Deus neste
momento da tua vida e, em vez de o exprimir com palavras, fá-lo pela posição
das tuas mãos. Quando te sentires distraído, volta suavemente a atenção para
as tuas mãos que estão a falar em teu lugar.
• Um meio simples muito eficaz para conseguir uma atitude de silêncio é
centrar-se na própria respiração. Procura fazê-lo profunda e sossegadamente,
sente o ar que inspiras e expiras, exprime pela tua respiração o teu desejo de
Deus e o teu abandono nele.
206
• Lede em grupo o Salmo 139 e fazei depois um mo- mento de silêncio centrado
na coincidência de saber-se conhecido por Deus até ao mais íntimo, deixando
que o seu olhar pacifique e reconcilie as nossas zonas de obscuridade ou de
desconfiança.
• Também em grupo, refleti sobre os momentos de silêncio que há no decorrer
da celebração eucarística. Entre vós, pensai no que significam, por que razão se
fazem, que conteúdo quereríamos dar-lhes. Procurai vivê-los com mais
intensidade na próxima missa em que participardes e comunicai depois se
descobristes algo mais sobre a importância do silêncio.
• O evangelho diz que Maria guardava tudo em silêncio dentro do seu coração.
Comentai a experiência que tendes de guardar algo no coração com muito
silêncio, mistério, carinho. Fazei um momento de oração diante de Maria,
pedindo-lhe que vos ensine a fazer silêncio crente.
4.4.5.5. Exercício fundamental em ordem ao silêncio: o triplo
recolhimento27
“Este exercício tem por fim dispor o orante para a meditação profunda, para a
entrada dentro de si mesmo, preparando para receber, deixar amar e viver na
Presença interior. Trata-se de uma pacificação e harmonização da
personalidade nos seus níveis principais (corporal, emocional e mental). Ainda
não é oração, mas um caminho para ela, encaminhamento que pode aliás ser
aperfeiçoado por muitos outros exercícios. Como fica referido, este é o exercício
fundamental. Ao fim de algum tempo, se houver fidelidade na sua prática,
descobrir-se-á que o caminho leva diretamente a Deus, pois Ele habita pelo Seu
Espírito nas profundidades do orante.
A perseverança indispensável implica, durante algumas semanas ou alguns
meses, dez minutos por dia a treinar este recolhimento. Primeiro, beneficiará a
oração; logo, será uma transformação de vida, melhorando a maneira de estar,
de reagir e mesmo de pensar.
27 Seguimos aqui uma sugestão de A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1989,62-65
206
O recolhimento, resultante da unificação da consciência, envolve corpo (através
do relaxamento), a afetividade (através da respiração) e a mente (através da
concentração).
Praticando o recolhimento (ou silêncio)
Em primeiro lugar, dispõe-te interiormente; tens tempo suficiente. O que
aconteceu até agora não conta; o que irá suceder não te preocupa; nada de
exterior te pode atingir. Podes, por isso, concentrar-te totalmente «aqui e
agora». Ninguém virá para te distrair (toma precauções nesse sentido). Estás
completamente presente; tu és tu mesmo, e sobretudo sentes um grande
desejo de alcançar a tua realidade profunda.
Respira por três vezes mais demoradamente do que é habitual e fecha os olhos.
1 - Determinar a posição do corpo
Nenhuma posição do corpo é obrigatoriamente imposta; a melhor é aquela que
te permitir manter uma imobilidade perfeita.
Uma posição acessível a todos é esta: senta-te numa cadeira, de harmonia com
a tua altura; inclina-te levemente para a frente, de modo que os joelhos fiquem
mais baixos do que o assento e caiam soltos para o lado de fora; as pernas
ficam cruzadas ao nível dos artelhos, de modo que o lado exterior dos pés
pouse sobre o solo. Não se faz qualquer esforço.
Coloca as mãos diante do baixo abdómen, ficando as costas de uma delas
assente na palma da outra; a parte exterior das mãos repousa sobre o
abdómen e os polegares tocam-se nas pontas, sem pressão.
Agora levanta o busto; fá-lo girar levemente em todas as direções; depois, para,
bem equilibrado sobre os assentos, ficando a coluna, o pescoço e a cabeça no
mesmo eixo. As espáduas ficam baixas, sem caírem para diante; levanta-as um
pouco e depois deixa bruscamente a tensão; se te sentires particularmente
tenso, esfrega a pádua esquerda com a mão direita; dá tempo para que sintas
uma agradável distensão; faze o mesmo à espádua direita, com a mão
esquerda.
206
Deves sentir a cabeça em equilíbrio acima da última vértebra: não pende para
diante nem para trás. O queixo fica um pouco encolhido sobre o pescoço.
Fica atento à sensação das costas bem estendidas, bem direitas.
2 - Baixar o centro de gravidade exterior
Concentra a tua atenção no cérebro; procura senti-lo; imagina um ponto
luminoso que desce lentamente pelo pescoço, pelo esterno, a cintura, depois
mais ainda até ao abdómen onde tens as mãos. Neste sítio (o «hara» dos
japoneses), está o verdadeiro lugar do teu centro de gravidade, em que
experimentas algo de profundo, de amplo e quente, um sentimento de calma,
de força e estabilidade. É como uma âncora que te estabiliza. Podes tomar uma
segunda vez o trajeto descendente.
3 - Instalar a distensão corporal
Coloca a tua atenção no alto do crânio. Distende o couro cabeludo e os
temporais. Mentalmente, desfranze a fronte. Não carregues as sobrancelhas,
mas alarga o espaço que as separa. Abre um pouco as pálpebras e levanta os
olhos ao céu, e depois baixa as pálpebras com o mínimo de esforço, como para
correr uma cortina leve. Para o fundo dos olhos.
Concentra-te agora interiormente na boca. Os dentes não devem estar
cerrados, o queixo inferior está distendido, a língua bem assente, as faces
moles e flácidas. Deixa que te aflore aos lábios um semissorriso, como o das
imagens da Virgem na arte romana.
Atende à mão esquerda, sentindo o contacto da outra mão. Sobe lentamente
até o antebraço, sentindo-o, por fora e por dentro. Sobe ainda, sentindo o
contacto da roupa. Chegas à espádua esquerda. Sente-a completamente
«desligada».
Concentra-te sobre os músculos do pescoço, relaxa-os em profundidade.
Devagar, sentindo bem, passa à espádua direita, bem «desligada», e depois ao
braço direito e ao antebraço. A pele e os músculos estão perfeitamente
distendidos. «Sente» a mão direita por dentro e o contacto com a outra mão.
206
Agora, observa o «círculo» formado pelos braços, inteiramente relaxados.
Percorre-o várias vezes. No interior deste círculo, sente o teu corpo cada vez
mais relaxado: peito, abdómen.
Desce às pernas e aos pés. Sente o peso do corpo sobre os pés e sobre os
assentos. Respira mais amplamente e retém a inspiração por alguns instantes.
Depois, ao expirar, dize interiormente: «O meu corpo ... recolhimento! O meu
corpo ... silêncio!»
4 - Pacificar o nível emocional
Este nível está muito ligado à respiração. Concentra-te sobre o vai-e-vem da
respiração. Observa, sem modificares nada. Tudo se faz facilmente,
tranquilamente. Sente o ar fresco que entra pelas narinas e sai mais quente.
Sente o movimento do abdómen. Distende o diafragma; deixa que se instale
um ritmo agradável.
Imagina agora que cada expiração arrasta tudo quanto se opõe à calma
profunda das emoções. Com o ar que sai, vão-se embora as tensões emotivas,
os teus medos, temores, complexos, sentimentos negativos. Deixa sair tudo...
abandona... relaxa qualquer vibração da tua emotividade.
Inspira profundamente e, em cada expiração, dize interiormente: «As minhas
emoções... silêncio! As minhas emoções... recolhimento!»
5 - Pacificar o nível mental
Para recolher e pacificar os pensamentos, vais contar de dez a zero (10 a 0),
concentrando-te bem. A cada número, sentirás o teu espírito aprofundar no
silêncio e no repouso. Uma vez chegado a zero, concentras-te sobre o teu
cérebro, entre os temporais, e senti-lo-ás bater a um ritmo bastante lento.
Dez… nove… oito... (desce devagar)... sete... seis... cinco... quatro... três…
dois… um... zero. Permanece em silêncio absoluto, num recolhimento total do
teu eu, harmonizado em todas as suas dimensões: corporal, emocional e
mental. Expira lentamente, dizendo: «O meu espírito, recolhimento! Os meus
pensamentos, silêncio!»
206
Sente as pulsações cardíacas no cérebro. Dirige o olhar interior para o coração,
onde habita a Santíssima Trindade. Estás agora preparado para deixar-te mover
pelo Espírito, que quer orar em ti, «no segredo».
6 - Para terminar
Evita absolutamente uma rutura abrupta. Prepara-te para deixares a
imobilidade, contando até cinco. Inspira e expira profundamente, assenta os
pés no chão, toca nos olhos, e, se te apetecer, espreguiça-te. Depois, sem
brusquidão, levanta-te, para retomares as tuas ocupações”.
4.4.6. O coração do orante
O coração do orante28
Só Cristo, na sua pessoa e pela sua palavra, nos pode revelar o rosto de Deus a
quem dirigimos a nossa oração. Toda a oração pressupõe por isso o
acolhimento da Palavra do Senhor e um coração iluminado pela fé.
“A candeia do teu corpo são os teus olhos. Se os teus olhos estiverem sãos,
todo o teu corpo estará iluminado” (Lucas 11, 34).
O olho que nos permite ver sobrenaturalmente é a fé. Através da fé
contemplamos o desígnio de Deus e o sentido oculto das coisas, desde que a
incredulidade não obscureça o nosso olhar. O corpo designa o lugar onde a luz
deve resplandecer, o concreto da vida.
Aquele que escuta a Palavra e a coloca em prática (Lc 11, 28) é iluminado em
toda a sua existência (Lc 11, 36).
Só um coração puro e em paz pode acolher a Palavra. Preparemos então em
nós um espaço de silêncio.
28 In La prière: Entre combat et extase
206
“Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. (...) Porque, onde estiver o vosso
tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 33-34).
“Dai esmola do que possuís, e para vós tudo ficará limpo” (Lc 11, 41).
O desprendimento das coisas da terra não é contudo suficiente. Se o coração
está devidamente ordenado mas vazio, sete outros espíritos, cada um mais
maligno do que aquele que foi posto fora, podem introduzir-se e o “estado final
daquele homem torna-se pior do que o primeiro” (Lc 11, 26).
A que perigos nos expomos, nós, os solitários, se o nosso coração está vazio de
amor! Se não tenho amor, não sou nada, a minha oração não é nada!
Daí a importância de se fixar diante do rosto do amor de Deus, para que o
nosso coração se inflame.
“Uma só [coisa] é necessária. [De Marta e Maria,] Maria escolheu a melhor
parte, que não lhe será tirada” (Lc 10, 42).
Se é certo que há muitas coisas a fazer, é ainda mais verdade que escutar a
Palavra do Senhor é único e insubstituível (Atos dos Apóstolos 6, 2-4). Marta
oferece o seu serviço, e isso é bom. Maria, por seu lado, dá ao Senhor poder
dar; ela oferece a sua pobreza e o seu amor. É o essencial, a única coisa
necessária face a Deus, a única coisa eterna.
Os contemplativos de todos os tempos reconheceram em Maria a imagem da
gratuidade de uma oração que não pede nada, mas que se ocupa
exclusivamente da pessoa do Senhor e que se dedica a acolher o dom que ele
fez de si próprio na sua Palavra, nas profundezas de um coração aberto,
silencioso e atento.
A “melhor parte” evoca “a parte” dos levitas no culto do Antigo Testamento
(Deuteronómio 10,9). O novo culto é a escuta da Palavra, em todas as casas
onde se encontre alguém para a receber. A oração, na sua raiz, é sacerdotal.
No entanto não vamos opor vida contemplativa e vida ativa: toda a vida cristã
tem as duas, embora em diferentes proporções. Em Lucas, a perícope de Marta
206
e Maria forma um díptico com a parábola do agir misericordioso do Bom
Samaritano (10, 25-37).
A Palavra de Deus caminha secretamente no concreto da vida, e por vezes é o
estrangeiro e o herege que chegam a ela em primeiro lugar, enquanto que o
detentor dos preceitos de Deus (o sacerdote e o levita, na parábola do Bom
Samaritano) passa ao lado da inspiração profunda da misericórdia de Deus e
não a manifesta nos seus gestos. Ele não reconheceu nem o Filho nem o Pai.
Para orar, é preciso portanto um coração puro, animado de uma fé profunda,
livre das cadeias deste mundo e atento à pessoa e a Palavra do Senhor.
4.4.6.1. Abertura de coração29
O homem faz muitas coisas, em si bastante diversas. Não lhe é dado fazer
sempre uma só coisa, embora ele tenha no íntimo o desejo, talvez só
inconfessado e semiconsciente, de fazer sempre essa única coisa, na qual valha
a pena aplicar fadigas, o extremar das forças e o amor do coração. Deve,
portanto, fazer muitas coisas. Mas não é de igual valor e dignidade tudo o que
faz. Acontece que uma coisa é importante somente por ser inevitável. E o que
na verdade é importante e necessário será facilmente evitado e esquecido. O
que todos podem fazer, o que ninguém pode deixar de fazer, não é
forçosamente o mais elevado.
O homem reza, quando está diante de Deus, com reverência e amor. Não é que
possa já realizar o múltiplo na unidade. Isto nunca será possível a um ente
finito. Mas, ao menos, está com Ele, o Unificador, fazendo assim o que há de
mais importante e necessário, fazendo também o que nem todos fazem. Por
pertencer justamente ao mais necessário, o seu ato possui a maior liberdade,
produto de uma ação feita unicamente na caridade sempre renovada. Isso,
porém, raramente acontece; é bastante difícil para o homem. Deve, portanto,
continuamente meditar sobre a essência e o valor da oração, esforço esse sem
29 KARL RAHNER, in Trevas e luz na Oração, Editora Herder, São Paulo, 1961, 9-11
206
o qual não logrará orar. Tal reflexão pode, pelo menos, ter como resultado
eficiente levá-lo a dizer a Deus: «Senhor, ensinai-me a orar».
Porventura não sabemos todos o que é a oração? Não podemos rezar? Será que
não se trata apenas de intimação e admoestação a realizar o que sabemos e
podemos? Contudo, não é tão simples e espontâneo. Muitas vezes não sabemos
o que é orar e por isso não o fazemos.
Existem, de facto, atos humanos, manifestações do coração que todos pensam
compreender. Todos pensam conhecê-las; dizem que sabem rezar por ser tão
simples. As manifestações mais simples do coração são, todavia, as mais
difíceis. Só lentamente o homem as aprende. Se, no fim da vida, o homem o
conseguir, a sua vida terá sido boa, preciosa e abençoada. A essas
manifestações do coração, às mais simples e ao mesmo tempo mais difíceis,
pertencem a bondade, o desinteresse, a caridade, o silêncio, a
compreensibilidade, a verdadeira alegria e a oração. Realmente, não é fácil
compreender o que é a oração.
Talvez o homem outrora o soubesse, numa época em que o pobre coração
ainda não fora gasto pelas mágoas e alegrias da vida, quando ainda,
porventura, era capaz de se entregar a um amor puro. Mas depois, aos poucos,
tudo mudou, sem o homem perceber. A caridade tornou-se hábito e, quiçá, um
egoísmo [vivido] a dois – e esse homem iludiu-se, pensando que ainda rezava.
Largou-o, em seguida, desapontado, enfadado, pensando que não valia a pena
fazer algo que não tinha já qualquer sentido. Ou ainda: continuava a “rezar”, se
é que se pode chamar oração ao que ele fazia. Parece tratar-se de um negócio,
no qual tem de pagar ou receber, e assim se comporta – em nome de Deus.
Precisa-se do bom Deus, portanto dirige-se-Lhe um pedido. Não quer perder a
Sua amizade, eis por que se cumpre um dever. O homem, por assim dizer, faz
uma visita de cerimónia (não por muito tempo); o que se há de falar é logo dito.
Enfim, Deus há de compreender que ele não tem tempo e deve fazer coisas
mais importantes. E essa petição junto do ofício supremo do governo do mundo
(tem-se a impressão que é mister insistir muito e que lá tudo funciona com
vagar), essa visita oficial ao Soberano do universo, junto ao qual não se quer
cair em desgraça, (pois não se pode saber se, no além, depois da morte, o
próprio destino correrá perigo) chama-se enfim oração. Ó meu Deus, não é
oração, é o cadáver, a ilusão de uma oração.
206
O que é, na verdade, a oração? É difícil explicar. No final teremos falado muito e
mostrado pouco. Em primeiro lugar, seja dito algo de muito simples, algo que
está no início de toda a oração e que, em geral não se percebe: na oração
abrimos a Deus o nosso coração. Para compreender isso, com o coração e não
somente com a razão, devemos considerar duas coisas: os corações podem ser
sufocados ou, pelo contrário, os corações podem abrir-se.
Os acontecimentos que se patenteiam na vida exterior, claros ou
impenetráveis, são, quando os perscrutamos, muitas vezes apenas sinal e
símbolo, uma sombra exterior, refletindo as coisas que se passam no coração,
talvez desde há muito tempo. Agora, sem mesmo que o homem o preveja,
mostra-se-lhe de repente a realidade exterior do que estava escondido no
íntimo do seu ser. Então, o homem pode, nesse mesmo acontecimento,
reconhecer, como num espelho, o estado de seu coração.
4.5. Rezar com o corpo
4.5.1. O corpo participa na oração?30
«Fomos longe demais na rutura entre o espírito e o corpo, e ainda somos seres
presos», lamenta Catherine Aubin, dominicana, licenciada em psicologia e
doutora em teologia espiritual. «O corpo é o meio da nossa relação com o
mundo e os outros». «Quando gosto de alguém, dou-lhe a mão, sorrio-lhe e
abraço-o. A oração é da mesma ordem, porquanto é relação. Uma relação
totalmente interior com Deus. O corpo, longe de perturbar, ajuda a rezar, a pôr
o meu coração em movimento. Se eu abraço o Evangelho antes de começar a
orar, esse gesto predispõe o meu corpo. Cada pessoa pode deixar vir do interior
de si mesmo os gestos íntimos que colocam o seu coração em movimento. Por
vezes nem é preciso falar. O corpo é oração.»
Um conselho: Começar por encontrar o sentido da respiração. Inspirando,
acolho o dom da vida que Deus me concede. Expirando, entrego a Deus o que
Ele me deu: o sopro da vida.
Cada manhã ao levantar e cada noite ao deitar, fazer um exercício de
respiração profunda, para estar em contacto consigo, com os outros e com
Deus.
30 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad.: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10
206
O corpo inteiro do homem fala e reza por Ele. Fala e ouve, porque todos os
corpos lhe falam. O homem não reza só com o pensamento ou com as palavras.
Todo o seu corpo está envolvido, quando se dirige a Deus e reza com os seus ir-
mãos.
É necessário, portanto, que o corpo participe através de gestos e movimentos
que exprimem as diversas atitudes da pessoa diante de Deus. Por isso a oração
exige gestos simples, espontâneos, elementares, através dos quais o homem
manifesta as suas necessidades fundamentais.
4.5.2. O Corpo na liturgia
Escrevendo sobre “Música e Liturgia”, recordava Xavier Morlans, “podíamos
estabelecer um princípio antropoteológico, que poderia formular-se assim:
“O que realmente move o espírito também pode mover simultaneamente
o corpo». E também: «o que o corpo realiza guiado pela luz da fé,
expressa e alimenta esta mesma fé». Segundo este princípio, o
movimento corporal induzido por um ritmo sincopado, sempre e quando
responda a uma moção espiritual, como por exemplo, um canto de
louvor, seria em princípio adequado para a celebração litúrgica”31.
Para rezar com os outros, a participação do corpo é indispensável. “A atitude
comum do corpo que todos os participantes na celebração devem observar, é
sinal de unidade dos membros da comunidade cristã, reunidos para a Sagrada
Liturgia: exprime e favorece os sentimentos e a atitude interior dos
participantes” (IGMR 42).
De pé
A posição vertical é típica do homem: exprime a dignidade da criatura dotada
de inteligência, capaz de se dominar e de dominar seres inferiores. As pinturas
das catacumbas e muitos mosaicos antigos mostram-nos o homem a rezar de
pé, com a cabeça erguida e os olhos virados para o céu, as mãos estendidas em
forma de cruz. Duas pessoas encontram-se: param e começam a dialogar.
31 XAVIER MORLANS, Música y Liturgia: una reflexión sobre la pluralidade de estilos, in Misa Dominical, 2012 (10) 3-4; resumo de artigo publicado em Phase 307 (Janeiro-Fevereiro 2012).
206
A oração de pé é particularmente apropriada a um diálogo com Deus. Um
convidado aparece à porta duma sala. Para o cumprimentar, toda a gente se
levanta em sinal de respeito.
A oração de pé é um sinal de respeito. Sabendo que Deus está presente no
meio de nós, levantamo-nos para O saudar e dirigir-lhe a palavra. O cristão é
um pecador que Cristo libertou e fez erguer de novo. É um filho que pode
falar com seu Pai.
Rezar de pé tem ainda outro significado: é um sinal da fé do cristão na
ressurreição de Cristo. De facto, para manifestar a sua fé na ressurreição de
Jesus os cristãos dos primeiros séculos não rezavam de joelhos ao domingo nem
durante o tempo pascal. Compreende-se por isso que só de pé se recitem o
Glória ou o Credo: não há outra maneira de manifestar a nossa fé e a nossa
alegria. Mas também nos levantamos para ouvir o Evangelho, porque a palavra
de Jesus merece toda a nossa atenção e todo o nosso respeito.
O estar de pé confessa a liberdade filial que nos foi dada pelo Cristo pascal,
que nos levantou da escravidão do pecado;
Os fiéis estão de pé: desde o início do cântico de entrada, ou enquanto o
sacerdote se encaminha para o altar, até à oração coleta, inclusive; durante o
cântico do Aleluia que precede o Evangelho; durante a proclamação do
Evangelho; durante a profissão de fé e a oração universal; e desde o convite
“Orai, irmãos”, antes da oração sobre as oblatas, até ao fim da Missa, exceto
nos momentos adiante indicados.
Sentados
A Sagrada Escritura, entre outras imagens, transmitiu-nos a de Deus Pai
sentado num trono, com o aspeto majestoso que convém ao rei dos reis, e a de
Cristo na sua glória, sentado à direita do Pai.
Estar sentado é a posição típica do rei, do príncipe, do juiz. Não tem porém só
esse significado de autoridade e de prestígio: é também um sinal de paz,
206
de tranquilidade, de confiança. É sinal de disponibilidade para uma oração
prolongada, de expectativa diante de Deus que se manifesta, de escuta, de
disposição para acolher uma palavra que nos atinge. Por isso nos sentamos
durante a proclamação da Palavra de Deus, para a escutarmos com atenção e
confiança.
O estar sentados exprime a recetividade de Maria que, sentada aos pés de
Jesus, escutava a sua palavra; o estar de joelhos ou profundamente inclinados
diz o fazermo-nos pequenos perante o Altíssimo, diante do Senhor (cf. Fl 2, 10).
Os fiéis estão sentados: durante as leituras que precedem o Evangelho e
durante o salmo responsorial; durante a homilia e durante a preparação dos
dons ao ofertório; e, se for oportuno, durante o silêncio sagrado depois da
Comunhão.
Os gestos de humildade
Bater com as mãos no peito
No ato penitencial quando dizemos as palavras por minha culpa batemos com
as mãos no peito. Bater com as mãos no peito é reconhecer a própria culpa, é
apontar para si mesmo, para o mundo interior, que é donde nasce o mal, e
além disso, batendo: sacudi-mos o próprio peito, como que manifestando que
queremos mudar, despertar, converter-nos.
A inclinação profunda
O gesto de inclinar a cabeça fica a meio caminho entre o estar de pé e estar de
joelhos. Presente na liturgia antiga, continua a ser muito usado pelos cristãos
do Oriente. No Ocidente substitui por vezes a genuflexão, e conserva-se
sobretudo nas comunidades monásticas. A inclinação de cabeça pode ser
breve, como quando se cumprimenta alguém, ou prolongada, numa prece
silenciosa ou numa bênção. Na liturgia eucarística o sacerdote inclina a cabeça
por várias vezes. Os fiéis são convidados a fazê-lo durante a bênção solene do
final da missa.
O sacerdote quando se abeira do altar no início e no fim da celebração faz uma
inclinação profunda (a não ser que esteja perto o sacrário). É um gesto
206
claramente expressivo de humildade e de respeito que sentimos diante de uma
pessoa.
A genuflexão
É uma atitude de profunda humildade e de adoração. É símbolo da nossa
adoração ao Senhor presente na Eucaristia. É todo um discurso corporal diante
do Sacrário: Cristo é o Senhor que quis fazer-se presente neste Sacramento
admirável e por isso dobramos o joelho diante d'Ele.
Orar de Joelhos
Rezar de joelhos é mais frequente no contexto da prece pessoal que no da
assembleia litúrgica. O Missal Romano (IGMR 274) prevê três genuflexões para
quem preside à Eucaristia: depois da elevação da hóstia, depois da elevação do
cálice e antes da comunhão. Caso o sacrário se encontre na igreja onde se
celebra, faz-se uma genuflexão antes e depois da missa.
Quanto à assembleia, é convidada a ajoelhar-se no momento da consagração, a
menos que isso se torne impossível devido à falta de espaço ou ao grande
número de fiéis. Há outras ocasiões em que se convida também o povo a
ajoelhar: na festa do Natal e da Anunciação, ajoelhamos às palavras «E encar-
nou...» do Credo, e sempre que é lida a narrativa da Paixão ajoelhamos depois
do relato da morte de Jesus. Os fiéis estão de joelhos durante a consagração,
exceto se razões de saúde, a estreiteza do lugar, o grande número dos
presentes ou outros motivos razoáveis a isso obstarem. Aqueles, porém, que
não estão de joelhos durante a consagração, fazem uma inclinação profunda
enquanto o sacerdote genuflete após a consagração.
Ajoelhar é já um gesto de oração. Quando simultaneamente se inclina a cabeça
até ao solo, faz-se a chamada prosternação, um gesto antiquíssimo, já
encontrado no hieroglífico egípcio que significa «adorar». O Antigo Testamento
oferece-nos muitos testemunhos a esse respeito, como na cena do rei Salomão,
de joelhos, diante do altar do templo de Jerusalém.
O Evangelho mostra-nos Jesus rezando de joelhos no Monte das Oliveiras.
Ajoelhar diante de alguém significa reconhecer a sua autoridade. O Evangelho
206
recorda a cananeia que se lança aos pés de Jesus, assim como Maria Madalena
que na manhã da Páscoa se ajoelha diante do seu Senhor. Ajoelhar é um gesto
de adoração, traduz a nossa submissão: a criatura manifesta a sua pequenez
diante do Criador, reconhece-se frágil e dependente das suas dádivas.
Ajoelhar é sinal de um amor cheio de reverência e de gratidão. Diante do
sacrário onde se conserva o pão consagrado ou diante do Crucificado, como po-
demos rezar senão de joelhos? Ajoelhar é um gesto de penitência. A própria po-
sição do corpo leva a viver a atitude da conversão, traduz o desgosto pelo mal
cometido e o desejo de o reparar. Orar de joelhos é um gesto ainda mais
eloquente do que a genuflexão ou a inclinação. O que reza de joelhos
reconhece a grandeza de Deus e a sua própria debilidade. Atualmente durante
a Missa indica-se este gesto para o momento da consagração (cf. IGMR 43),
expressando assim a atitude de veneração neste momento central do mistério
eucarístico. Genufletir diante da Eucaristia, como fazem o sacerdote e os fiéis
(cf. IGMR 43), exprime a fé na presença real do Senhor Jesus no Sacramento do
altar (cf. CIC 1387).
Refletindo na terra, nos sinais sagrados, a liturgia celebrada no santuário do
céu, imitamos os anciãos: «Prostravam-se perante Aquele que está sentado no
trono e adoravam Aquele que vive pelos séculos dos séculos» (Ap 4, 10).
Se na celebração da Eucaristia adoramos o Deus connosco e para nós, esse
sentimento do espírito deve prolongar-se e reconhecer-se também em tudo o
que fazemos, pensamos, realizamos. A tentação, sempre insidiosa, ao cuidar
das questões deste mundo consiste em dobrar os nossos joelhos diante dos
ídolos e não exclusivamente diante de Deus.
As palavras com que Jesus contraria as sugestões idolátricas do diabo, no
deserto, devem encontrar correspondência no nosso falar, pensar, agir
quotidiano: «Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto» (Mt. 4,
10).
Ajoelhar diante da Eucaristia, adorando o Cordeiro, que nos concede fazer
Páscoa consigo, educa-nos a não nos prostrarmos perante ídolos construídos
pelas mãos do homem e ampara-nos a obedecer com fidelidade, docilidade e
veneração, Àquele que reconhecemos como único Senhor da Igreja e do
mundo.
206
4.5.3. Exercício prático de oração com o corpo32
Como orientar um momento de interioridade, de acolhimento da Palavra e de
trabalho do corpo:
Orientações para ser lidas ao grupo (pode adaptar-se este texto a muitas
outras situações!)
Este exercício é um exercício muito especial, em que vamos fazer uma
experiência muito interessante. Todavia, só conseguirá quem estiver
absolutamente concentrado no que eu vou dizer.
Vou pedir que fechem os olhos… ninguém os pode abrir… se não conseguir
concentrarem-se totalmente, tentem sempre… utilizem a vossa imaginação…
quando falo de ver… não é com os olhos do vosso rosto mas com os olhos da
vossa inteligência… Vamos ver quem consegue fazer esta experiência muito,
muito especial….
a. Agora que estás bem sentado, fecha os olhos.
b. Concentra toda a tua atenção na tua mão direita. Imagina com os olhos da
tua inteligência a tua mão direita. Concentra-te de tal forma que não sentes
o resto do teu corpo.
c. Tenta sentir o calor ou o frio da tua mão direita, a superfície suave ou
rugosa que ela toca…. Sente agora todo o braço direito, o toque da roupa,
imagina os músculos…
*Dar uma breve pausa, entre cada indicação – segundo sintam o grupo para
que cada catequizando possa ter tempo de se concentrar sobre cada indicação
que é dada pelo catequista.
*É importante que a voz do catequista seja suave, serena, e sugestiva.
* Se algum catequizando estiver com dificuldade de concentração, pode
pousar-se a mão sobre a cabeça para o ajudar a entrar em si…
32 SDECIA, Revista Mensagem 51/388 (Nov-Dez 2007),22-23
206
*Durante o exercício não pode haver nenhuma chamada de atenção ou
comentário… neste ponto o catequista tem de ter muita autoridade.
d. Agora, imagina e sente a tua mão esquerda. Tenta sentir o calor ou o frio, a
superfície suave ou rugosa que ela toca…. Neste momento em que toda a
atenção do teu cérebro está focalizada na mão esquerda tenta lentamente
sentir o braço esquerdo, sentir o toque da roupa, o calor ou o frio…agora,
sente este braço esquerdo pesado, pesado, pesado como chumbo…
e. Neste momento dentro de ti está a paz… à tua volta tudo é suave, e cheio
de ternura… estás a sentir-se bem, com muita calma….
f. Agora concentra toda a tua atenção no teu pé direito. Tenta sentir os dedos,
mexe-os um a um… experimenta sentir o toque da meia, suave, rugoso,
sentir o frio ou o calor… tenta sentir o sapato… agora concentra toda a tua
atenção na perna direita, o toque da cadeira… o tecido sobre a pele…
imagina que a tua perna direita está pesada, pesada, pesada como
chumbo…
g. Agora concentra toda a tua atenção no teu pé esquerdo. Tenta sentir os
dedos, mexe-os um a um… experimenta sentir o toque da meia, suave,
rugoso, sentir o frio ou o calor… tenta sentir o sapato… agora concentra
toda a tua atenção na perna esquerda, o toque da cadeira… o tecido sobre
a pele… imagina que a tua perna esquerda está pesada, pesada, pesada
como chumbo…
h. Sem fazer ruído, concentra-te agora na respiração. Sente o ar que passa
pelas tuas narinas… enche ao máximo os pulmões… e deixa o ar sair
devagarinho… faz este exercício 6 vezes… encher os pulmões de ar e
depois deixar lentamente o ar sair…Descontraí os músculos dos ombros,
deixa cair os braços…
i. Neste momento sentes-te bem, calmo, sereno, com muita paz, com ternura,
com muita luz dentro de ti… sentes-te feliz, tranquilo, não pensas em
nada… sentes o teu corpo, a respiração,
(Se tiverem uma gravação com sons da floresta e de água podem neste
momento utilizá-la muito suavemente para não cortar o silêncio).
j. Agora vais imaginar que sais da sala de catequese, e que ao abrires a porta
encontras diante de ti um enorme prado verde… um campo cheio de ervas
e de flores selvagens. Ao longe vês umas árvores cheias de fruta, bem
vermelha… Tiras os sapatos e começas a caminhar descalço.
206
Sentes a erva húmida nos teus pés… sentes o vento no rosto (fazer pausa)
olhas para o céu… o sol está a brilhar, não tem nuvens, por cima da tua cabeça
sobrevoam dois grandes pássaros. Olhas para eles e sentes-te leve, leve, livre,
feliz…
Olhas agora para o teu lado direito, e descobres um rebanho de ovelhas.
Muitas, muitas ovelhas… todas têm uma lã bem branca, estão a comer
tranquilamente… no meio delas está o pastor, tem um cajado na mão, uma
capa de lã.
Devagarinho, ele começa a caminhar em direção à montanha, e as ovelhas
seguem-no… todas vão com ele.
Tu caminhas mais depressa, passas pelo meio das ovelhas e vais ter com o
pastor. Ao chegar junto dele, descobres que ele tem o mesmo rosto que Jesus…
ficas muito admirado… Ele olha para ti e diste… “Não tenhas medo, eu sou o
teu Jesus… queres dizer-me algo?” E Tu, conta-lhes as coisas boas que vão no
teu coração, e também podes fazer-lhe algum pedido especial. Se quiseres fala-
lhe de alguém que tu amas… e que precisa de se encontrar com Jesus…(fazer
um tempo de pausa… o catequista deve ver como está o grupo e que tempo lhe
pode dar…)
Depois de terminares de falar… escuta … Jesus pode querer dizer-te alguma
coisa… (pequena pausa… e logo de seguida o catequista continua….
(… o catequista lê pausadamente a leitura do texto bíblico Jo 10,1-15. Quando
termina de ler o texto, faz ressonância de algumas frases mais significativa, em
voz baixa, como se fora um eco e depois continua o exercício:)
k. Agora, que Jesus te deu a sua mensagem, sentes-te em paz, e pensas em
tudo o que Jesus acaba de te dizer… escolhe uma frase que ouvistes…
(Breve pausa)
Agora, lentamente atravessas o campo, sentes-te feliz, leve, com muita luz e
ternura dentro de ti…
Ao longe, voltas-te para traz e dizes adeus a Jesus, e de seguida continuas a
andar.
206
l. Chegas à porta da sala de catequese, entras, sentas-te e devagarinho, sem
falar, sem mexer, abres devagarinho os olhos… sem falar…
Neste momento o catequista entra em diálogo com o grupo para partilhar a
experiência vivida. Este exercício pode ser integrado no momento do Itinerário
catequético que corresponde à palavra, assim como numa celebração ou noutro
momento em que seja importante serenar o grupo e escutar a Palavra.
SÁBADO, 14H30-16H30
V. COMO INICIAR À ORAÇÃO NO ENCONTRO
CATEQUÉTICO
O Ato ou itinerário Catequético, acontecimento fundamental da transmissão da
fé, deve estar impregnado dum "clima de oração", isto é, deve favorecer e
realizar, no seu desenvolvimento, o diálogo com Deus.
Catecismo da Igreja Católica 2688
“A catequese das crianças, dos jovens e dos adultos visa a que a Palavra
de Deus seja meditada na oração pessoal, atualizada na oração litúrgica
e interiorizada em todo o tempo, para que dê fruto numa vida nova. A
catequese é também o momento em que se pode purificar e educar a
piedade popular. A memorização das orações fundamentais oferece um
suporte indispensável à vida de oração, mas é importante que se faça
saborear o seu sentido”.
Habitualmente, todas as catequeses supõem, apresentam e propõem uma
oração no momento da Expressão de Fé. Todavia, em ordem a descobrir a
necessidade absoluta da oração na catequese, vamos apresentar algumas
propostas concretas para tratar da oração em todos os passos próprios do
itinerário catequético:
5.1. Ao iniciar o encontro de catequese:
206
Ao olhar a vida com os olhos da fé O primeiro passo de todo o encontro de
catequese é o da experiência de vida próxima de cada um dos destinatários da
catequese. Desde o princípio que se pode ajudar a que cada um tome
consciência de que Deus fala através da própria vida e da vida dos outros, do
mundo e da história.
O olhar atento à experiência da vida, crua e difícil, pode suscitar no grupo a
oração de petição, de intercessão e de súplica. As experiências de bondade e
de beleza das coisas criadas podem gerar a ação de graças, a bênção, adoração
e o louvor. Na verdade, para aquele que crê, tudo lhe fala de Deus e o conduz a
Deus. Para quem ama a Deus, tudo, na sua vida, é motivo para a bênção e
adoração, a petição, a intercessão, a ação de graças e o louvor.
O modo como se propõe ou faz descobrir ou lê os acontecimentos da
experiência quotidiana da vida pode ser motivadora e suscitadora de
"comunhão e intimidade com Deus".
5.2. Ao proclamar a Palavra
A oração é diálogo e encontro entre Deus e o homem. Por isso, quando, na
catequese, proclamamos a Palavra de Deus, inicia-se um momento de especial
intimidade. Deus fala ao coração de cada um e comunica-se, ofertando não só a
mensagem salvadora mas a sua própria vida.
Quando proclamamos, escutamos, interiorizamos e nos convertemos à Palavra,
estamos a fazer oração. Esta é, aliás, a oração por excelência, dado que esta
Palavra é o Verbo Encarnado, em quem tudo nos foi revelado e por quem temos
o único acesso ao mistério de Deus.
O coração da catequese é o encontro com a Palavra de Deus. Iniciado o diálogo
por parte de Deus, a porta está aberta para que lhe respondamos cheios de
confiança e para que entremos em comunhão com Ele. Há que favorecer este
momento de intimidade e saber aproveitá-lo.
Uma Palavra bem proclamada, acolhida e meditada é fonte inesgotável de
oração viva.
Propostas para cuidar este momento:
206
• Fazer um momento de silêncio para proporcionar a escuta atenta e
serena da Palavra;
• Tomar consciência de que Deus nos fala na Palavra que se proclama;
• Antes de ler a Palavra, podia dizer-se como o jovem Samuel: "Falai,
Senhor, que o vosso servo escuta" (I Sam 6, 10);
• Destacar a presença da Sagrada Escritura, colocando-a em lugar visível e
adequado;
• Acender uma vela ou círio antes de proclamar a Palavra, recordando que
"A vossa Palavra, Senhor, é luz para os meus caminhos";
• Ler devagar a passagem indicada;
• Terminada a proclamação, beijar com respeito e veneração a Bíblia (só o
leitor e/ou mesmo todo o grupo);
• Fazer a interiorização da Palavra a modo de "lectio divina".
5.3. Ao expressar a fé
O momento da Expressão de Fé inclui e implica a oração como resposta vital à
Palavra proclamada. É um momento absolutamente crucial, no sentido de que,
deve despertar e gerar o desejo duma resposta de comunhão e intimidade ao
Senhor que falou e se comunicou na Palavra. Procure-se que a oração deste
momento se faça e desenvolva segunda as várias formas e expressões (já
enunciadas).
O guia do catequista apresenta habitualmente propostas e indicações para
viver este momento como um verdadeiro momento de oração. Podemos
enriquecê-lo com alguns elementos e materiais.
5.4. Ao ir para a vida (compromisso)
O compromisso, significativamente incluído na 'Expressão de Fé', pode ser
também um passo oportuno para trabalhar a oração. De facto não pode deixar-
se que a oração seja apenas uma conclusão da catequese, mas que seja
sobretudo momento de entrega confiada à vontade de Deus.
206
A catequese é um diálogo ininterrupto com Deus que se inicia orando a partir
da vida (Experiência Humana), se alimenta e desenvolve na Palavra e se
expressa com todas as suas formas e riqueza na oração, celebração e
compromisso.
Propostas para cuidar este momento:
• Tomar consciência de que o encontro de catequese é um encontro e
diálogo com Deus; é uma oração;
• Indicar que para a luta e combate diário contra o mal necessitamos da
força da oração;
• Criar disponibilidade interior para a oração familiar e comunitária;
• Utilizar na oração a linguagem do corpo (orar de pé; de joelhos; com as
mãos erguidas, postas, estendidas; com os olhos abertos, fechados, olhando o
céu, etc. ...).
• Cantar muito (sempre que possível);
• Fazer passar a oração da catequese para a vida toda.
5.5. A importância de um oracional, nos materiais da Catequese
O clima de oração deve estar criado, desde o momento em que se inicia a
catequese, até que termina. Não obstante, dedicar um apartado
exclusivamente à oração , um «oracional» parece-nos importante para uma
verdadeira iniciação à vida de oração, tão própria e tão necessária na iniciação
à vida cristã.
5.6. O catequista, mestres de oração
A oração é como "uma forma de respiração necessária para viver" (K. Barth); é
a respiração da alma. Ninguém duvida da necessidade de respirar. Quem não
ora, como quem não respira, asfixia e morre. A oração é fruto espontâneo do
amor: quem reza é porque ama. E "aquele que não ama está morto" (I Jo. 3,
15). Quem não reza é porque não vê. Porque rezar não é só pedir, mas
descobrir e saber estar na presença de Deus, olhar e deixar-se olhar, tratar de
amar. Orar é admirar, louvar, agradecer e também é pedir ou interceder.
206
É, por isso, muito importante abordar esta perspetiva da iniciação à oração em
catequese, para que esta não se reduza a um puro ensinamento doutrinal. Dizia
João Paulo II:
Novo Millennium Ineunte 16
“Como aqueles peregrinos de há dois mil anos (cf. Jo.12.21) os homens
do nosso tempo, talvez sem se darem conta, pedem aos crentes de hoje
não só que lhes «falem» de Cristo, mas também que de certa forma lh'O
façam «ver». E não é porventura a missão da Igreja refletir a luz de
Cristo em cada época da história, e por conseguinte fazer resplandecer o
seu rosto também diante das gerações do novo milénio? Mas, o nosso
testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro
contemplativos do seu rosto”…
Os catequistas chamados por Deus e enviados pela Igreja para educar a outros
irmãos na fé hão de ser homens e mulheres com profunda experiência de Deus.
Os meios mais eficazes que encontram para o seu apostolado são a palavra, o
exemplo e a oração. Mas, das três, a que tem mais importância para o cultivo
da sua vocação de catequista é a oração.
A eles ensina-os a rezar, antes de mais com o seu exemplo. Antes de falar de
Deus, deve falar a Deus e com Deus. Além do mais o catequista não deve
deixar de rezar pelos seus catequizandos, confiando-os a Deus e à palavra da
sua graça.
O catequista sabe que fazer catequese é mais do que ensinar uma doutrina: é
pôr os outros em contacto e em comunhão com a pessoa de Jesus Cristo. Bem
dizia Paulo VI:
Evangelii Nuntiandi 76
“O mundo que, apesar dos inumeráveis sinais de rejeição de Deus,
paradoxalmente, o procura entretanto por caminhos insuspeitados e que
dele sente bem dolorosamente a necessidade, o mundo reclama
evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes
seja familiar como se eles vissem o invisível. O mundo reclama e espera
de nós simplicidade de vida, espírito de oração, caridade para com todos,
206
especialmente para com os pequeninos e os pobres, obediência e
humildade, desapego de nós mesmos e renúncia. Sem esta marca de
santidade, dificilmente a nossa palavra fará a sua caminhada até atingir
o coração do homem dos nossos tempos; ela corre o risco de
permanecer vã e infecunda”.
Como viver todas essas realidades na experiência quotidiana?
Poderíamos ter a impressão de que se trata de verdades grandiosas, que nos
abrem novos horizontes, mas são difíceis de reduzir à prática de cada dia. Não
obstante, só o refletir um pouco sobre o assunto já representa um primeiro
passo. Convém, antes de tudo, esclarecer a meta.
É importante evitar um certo "extrinsecismo": apresentar a oração como algo a
ser feito ao lado das outras ocupações, sem compreender a sua coexistência
com a vida global do cristão e do homem:
É importante evitar um certo "eficientismo" (a ilusão de obter resultados
imediatos e quase automáticos em virtude de certos instrumentos postos à
disposição).
As metas devem ser mais modestas e ao mesmo tempo mais radicais. Elas
podem ser indicadas assim:
- A consciência do valor cristão da oração: é preciso dar-se conta
intimamente de que a oração silenciosa e contemplativa é inseparável da
existência cristã autêntica;
- A educação progressiva: trata-se de começar a dar os primeiros passos: o
importante é fazê-lo na direção certa, provocando e pedindo a vontade de dar
mais outros passos;
O cardeal Lustiger, publicou um livro33 onde recolhe as palestras semanais
dadas pelo arcebispo de Paris na Rádio Notre-Damem em 1984. E enuncia os
seguintes passos na aprendizagem da oração:
33 Cf. JEAN-MARIE LUSTIGER, Primeiros pasos em la oración, Ed. Paulinas, Madrid 1988.
206
1. Rezar cada dia, rezar em segredo. Rezar ao menos, pela manhã e pela noite
2. Fazer bem o sinal da Cruz (cf. texto de Guardini), pronunciando a fórmula
trinitária;
3. Abrir a Bíblia, rezar os salmos, aprender algum deles de memória;
4. Pela manhã, oferecimento da vida;
5. Rezar durante o dia; marcar sítios e momentos próprios para rezar; pequenas
pausas;
6. Rezar à mesa antes de comer: vida e comunhão;
7. Rezar à mesa, depois de comer
8. À noite fazer o exame de consciência;
9. De noite, permanecer sob o olhar de Deus;
10. À noite, rezar pelos outros: vivos e defuntos;
11. Não passar sem a Missa, ao domingo;
12. Ao Domingo, viver a alegria do repouso, da contemplação, da gratuidade
13. Ao Domingo, rezar com a Igreja
14. Preparar e prolongar a meditação dos textos da missa dominical
15. Viver a espiritualidade de cada tempo litúrgico: vigilância (advento),
contemplação (natal), ascese (quaresma), alegria (páscoa), perseverança
(tempo comum).
16. Pedir a Maria, que rogue por nós
- A experiência inicial: é preciso prever as formas e modos que já introduzam
as pessoas, segundo os diversos graus de maturidade espiritual, no mundo
maravilhoso da oração contemplativa.
A nossa pobre oração pessoal, as nossas singelas leituras da Bíblia e os
momentos de adoração e silêncio, que conseguimos furtar à corrida dos
compromissos quotidianos, são na verdade um "tesouro escondido" que
devemos descobrir no campo da nossa vida. Trata-se de começar por aquilo
que já nos é dado compreender, de viver e de pôr-se resolutamente a caminho
nesta estrada, com coragem e espírito de sacrifício, tendo bem claro na mente
as metas, os instrumentos e os ambientes da educação para a oração. Temos
formas simples de rezar, aproveitemo-las:
a) Recitar, repetir as orações conhecidas; são uma ajuda, uma espécie de
«ponto de partida»…
b) Fixar-se numa imagem, numa pagela, numa frase, escutar uma música…
206
c) Leitura rezada: um salmo, uma oração escrita, uma poesia… para ajudar a
ter ponto de conversa…
d) Meditação de um salmo, para sair de si ao encontro de Deus e dos outros…
e) Leitura meditada (Santa Teresa fê-la 14 anos seguidos: «não ousava
começar a orar sem um livro»); trata-se de uma oração mental, destinada a
disciplinar a imaginação…
f) Oração de elevação: oração do coração: presença e silêncio, quando o
“discurso” não conta
Da qualidade da oração, brotará a profundidade da fé e da esperança, a
ousadia da caridade, o ardor da evangelização, a solidez das nossas famílias, a
radicalidade da entrega em vocações de especial consagração. É preciso rezar
muito. É urgente rezar bem. De facto, é rezando que se aprende a rezar!
O próprio Catecismo da Igreja Católica se refere à importância dos guias para a
oração (artigo 3), lembrando uma nuvem de testemunhas, as grandes
espiritualidades que se desenvolveram ao longo da história e apontando como
servos da oração a família cristã, os ministros ordenados, os religiosos e os
catequistas (cf. CIC 2688).
É preciso ser acompanhado espiritualmente?34
«Em certos momentos, o acompanhamento espiritual pode ser necessário para
verificar que não estamos no caminho errado, para desconstruir as armadilhas
da ilusão e da omnipotência», afirma a Ir. Véronique Fabre.
«Por exemplo, quando só ouvimos aquilo que temos desejo de ouvir, deixando
de lado certas passagens da Bíblia com o pretexto de que não as
compreendemos. O acompanhamento pode também ajudar a não avaliar a
nossa oração apenas à luz da emoção».
Um conselho: o acompanhamento não é o único meio de ser ajudado a
caminhar na oração. O mais importante é não ficar só. Pode ser suficiente
participar num grupo para se alimentar da Palavra de Deus, aceitando ser
interrogado por ela.
5.7. Algumas propostas, para a vida de oração do catequista
34 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad.: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10
206
- Considerar que iniciar na vida de oração é uma das tarefas fundamentais da
Catequese, que tem que realizar com competência e experiência;
- Dedicar tempo a contemplar o rosto de Cristo, na oração pessoal e litúrgica, já
que a comunhão com Jesus Cristo leva o catequista a assumir o caráter orante e
contemplativo que teve o Mestre, e poder assim ser guia para ensinar outros a
rezar;
- Aprender a orar, com os mesmos sentimentos com que Jesus se dirigia ao Pai:
adoração, louvor, ação de graças, confiança filial, súplica, admiração. Tendo
percorrido os diversos caminhos de oração, pode iniciar outros nesses
caminhos;
- Saber, pelo ensinamento recebido e pela própria experiência, que o Pai-Nosso
é o modelo de toda a oração cristã;
- Realizar a aprendizagem da vida quotidiana no âmbito da catequese, num
clima de oração;
- Invocar a todo o momento a ajuda do Espírito Santo, para realizar o seu
trabalho na catequese e unir-se estreitamente, pela oração e pela imitação á
Virgem Maria.
VI. INICIAR NAS DISTINTAS FORMAS DE REZAR35
35 Seguimos aqui de perto, SDECIA, Revista A Mensagem: Iniciar à Oração. 48/368 (Julho-Agosto 2004); e ainda M. A. GIL LOPEZ, Iniciacion a la oración en la
206
O processo catequético é uma verdadeira escola de oração pessoal e
comunitária. Iniciar na oração implica introduzir o catequizando nas distintas
formas de rezar, segundo a tradição da Igreja e o caráter orante e
contemplativo do Mestre Jesus.
Na tradição da Igreja, os modos de orar entenderam-se de muitas maneiras.
Todas elas são complementares e não excluentes. Depende de cada pessoa,
das circunstâncias e situações que se vivem, dos carismas que se recebem, etc.
...
O Catecismo da Igreja Católica dedica a quarta parte exclusivamente à oração
cristã, definindo e situando, na Primeira Secção, "A oração na vida cristã" e
apresentando, na Segunda secção, "A oração do Senhor: O Pai Nosso".
Diretório Geral da Catequese, 85, 4º:
“Aprender a rezar com Jesus é rezar com os mesmos sentimentos com os
quais Ele se dirigia ao Pai: a adoração, o louvor, o agradecimento, a
confiança filial, a súplica e a contemplação da sua glória”. A Igreja
convoca-nos cada manhã, para que, como membros vivos do seu Corpo,
nos entreguemos a Cristo, e com ela, sua Esposa, ao louvor divino e ao
amor fraterno”
Assim e a partir do testemunho normativo do Catecismo, indicaremos e
trataremos, de forma resumida e sintética, juntando algumas propostas
catequéticas. Fazemo-los convictos de que:
Catecismo da Igreja Católica 2625
“As formas de oração tais como as revelam as Escrituras apostólicas
canónicas, continuam a ser normativas da oração cristã”
catequeses, in Teologia y Catequesis (85-86),2003. 139-166. DOLORES ALEXANDRE-T. BERRUETA, Iniciar à oração, Edições Salesianas, Porto, 1992. PEDRO MUNOZ PENAS, Orar com Deus. Materiais para a oração individual e em grupo, Ed. Paulus, Apelação, 2001
206
VI.1. ORAÇÃO DE BÊNÇÃO E ADORAÇÃO
Na Catequese, não vamos aprender só umas páginas do catecismo. Vamos
encontrar-nos com Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Jesus diz à
samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus e Aquele que te diz «dá-me de
beber, tu mesma lhe pedirias e ele te daria água viva»”.
A Catequese da Igreja oferece, no Espírito Santo, essa água que torna possível
a felicidade. Um encontro de catequese que não termine no reconhecimento de
Deus é expoente de uma contemplação dos mistérios pobre ou nula.
Bendizer é desejar o bem de alguma pessoa e manifestar este desejo de uma
maneira cordial.
Há uma bênção descendente: a que se derrama a partir de Deus, fonte infinita
de todos os bens, sobre todos os viventes. A maior bênção de Deus é Cristo. Há
também uma bênção ascendente.
O verdadeiro crente não se cansa de bendizer a Deus em Cristo. A bênção
suprema é a Eucaristia. Temos de bendizer sempre e em todo o lugar. Em cada
pessoa, em cada coisa ou acontecimento, temos de encontrar a oportunidade
para bendizer: trabalhos e descansos, comidas e bebidas, saúde ou doença.
Bendizer é a maneira mais direta de orar a própria vida. Esta atitude orante a
que chamamos «bênção», requem, para ser autêntica:
- conhecer e discernir a própria vida e a própria história;
- só se pode bendizer por aquilo que não contradiz o evangelho;
- o esquema é: invocação (bendizemos), bênção descendente (relação de
motivos que provocam a oração) bênção ascendente em tom de louvor e
agradecimento.
A adoração nasce do reconhecimento da grandeza misericordiosa de Deus, a
sua proximidade amorosa, da sua fidelidade a favor da humanidade. Assim
manifesta a sua superioridade e omnipotência. A linguagem mais adequada é o
silêncio, ou os gestos, mas não a palavra. Prostrar-se, pôr-se de joelhos,
ajoelhar-se, inclinar-se profundamente são maneiras de exprimir este
sentimento diante de Deus.
206
Catecismo da Igreja Católica 2626.
A bênção exprime o movimento de fundo da oração cristã: ela é o
encontro de Deus com o homem; nela se encontram e unem o dom de
Deus e o acolhimento do homem. A oração de bênção é a resposta do
homem aos dons de Deus: uma vez que Deus abençoa, o coração do
homem pode responder bendizendo Aquele que é a fonte de toda a
bênção.
Catecismo da Igreja Católica 2627
Exprimem este movimento duas formas fundamentais: umas vezes, a
bênção sobe, levada por Cristo no Espírito Santo, para o Pai (nós O
bendizemos por Ele nos ter abençoado); outras vezes, implora a graça do
Espírito Santo que, por Cristo, desce de junto do Pai (é Ele que nos
abençoa).
Catecismo da Igreja Católica 2628
A adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura
diante do seu Criador. Exalta a grandeza do Senhor que nos criou e a
omnipotência do Salvador que nos liberta do mal. É a prostração do
espírito perante o «Rei da glória» e o silêncio respeitoso face ao Deus
«sempre maior». A adoração do Deus três vezes santo e soberanamente
amável enche-nos de humildade e dá segurança às nossas súplicas.
VI.1.1. Algumas propostas, para iniciar nesta forma de oração na
Catequese
A BENCÃO
E A
ADORACÃO
"É porque Deus o abençoa, que o coração do homem pode, por sua
vez, bendizer Aquele que é fonte de toda a bênção" (ClC, 2626;
2645).
206
PR
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RA
ÇÃ
O
Recitar o Credo;
Recitar a parte do credo que faça referência ao
tema trabalhado;
Ensinar o "Glória" e providenciar de modo que se
recite no fim dos salmos e no Terço;
Dizer: "Glória ao Pai ... " (fazer um momento de
silêncio e proclamar as obras referidas ao Pai
trabalhadas n(este)o encontro de catequese. O
mesmo se diga relativamente a Jesus Cristo e ao
Espírito Santo;
Cantar o "Sanctus" da Missa;
Trabalhar o significado e contexto celebrativo do
canto do "Sanctus";
Estudar o "Glória da Missa" e utilizar as suas
expressões para momentos de adoração e bênção;
Dar a conhecer alguns Salmos e Hinos de bênção e
adoração para os recitar nos momentos em que
contemplamos a Criação, obra de Deus (Ex: Salmo
8, Cântico dos três Jovens - Dan 3,5-88.56);
Provocar o hábito de dizer oração breve quando se
vê (contempla) o rosto de Cristo, princípio e fim de
todas as coisas (Cf. Ef 1,3-14);
Propor o Magnificat (Lc 1,46-55) como hino que
associa a Virgem Maria ao mistério da Encarnação;
Ajudar ao hábito de dizer várias vezes ao dia:
"Santificado seja o teu nome" ou mesmo toda a
oração do Pai Nosso;
Promover com alguma frequência que a "oração da
expressão de fé" se faça na Igreja / Capela (ou outro
espaço celebrativo digno);
Ajudar a "fixar" algumas expressões do Evangelho
(Ex: Jo 12, 28; Mt 11,25; Mt 16, 16; Lc 5, 8;Jo 20,28;
Lc 17, 16, etc ... );
VI.1.2. Rezar com os salmos: a oração da Igreja36
36 Cf. Catecismo da Igreja Católica, ns.2585-2589; SECRETARIADO NACIONAL DE
LITURGIA, Saltério Litúrgico, Ed., Gráfica de Coimbra 1999; Cadernos Bíblicos, n.16
(Para orar com os Salmos) e n.17 (Os Salmos e Jesus. Jesus e os Salmos) da
206
Comecemos por folhear o Livro dos Salmos. Eles estão numerados. E notam-se,
desde logo, dois tipos de numeração. Os Salmos que se encontram entre o
número 9 e o 147 levam um número a menos. Esta segunda numeração é
adotada pelas edições litúrgicas e, na nova Bíblia dos Capuchinhos, vai entre
parêntesis. São 150. Têm várias anotações. Nota-se a variedade de temas.
Podemos ler alguns dos salmos (1, 8, 139). E vemos que os Salmos são
diferentes. O mais pequeno é o Salmo 117 (116); o maior é o Salmo 119 (118).
Podemos agrupá-los em famílias ou tipos:
a) salmos de louvor:
Hinos, usados sobretudo na Liturgia das Festas: Sal.8, 19,29,33,100, 103;
Salmos da realeza de Javé, que celebram Deus, como Rei:
Sal.47,93,96,97,97,99; Cânticos de Sião, que celebram Sião ou Jerusalém
como cidade de Deus.
b) Salmos individuais, de súplica (5,6,7,13,17,22,25), confiança
(3,4,11,121,131) e ação de graças (9,10,30,32,34,40,92).
c) Salmos de instrução ou didáticos: Sal.78, 105,106, que exaltam o valor da
Lei, refletem sobre a condição humana e ensinam o caminho da vida.
Deste conjunto destacam-se os salmos penitenciais: 6,32,38,51, 102... Estes
salmos exprimem perdão, conversão, absolvição...
Rezar um salmo à escolha:
- para agradecer: 4, 17(18); 29 (30); 114(115)
- nos momentos de doença: 6, 21(22); 37(38);
- para um luto: 129(130), 12(13); 15(16)
- para pedir ajuda de Deus: 16(17), 142(143)
- para glorificar a Deus: 91(92),, 134(135);
- para pedir perdão: 24(25); 50 (51);
- para exprimir confiança: 22 (23), 138(139)
Difusora Bíblica.
206
Os salmos são oração do Homem inspirada por Deus: são oração na
verdade daquilo que o homem sente e na verdade daquela resposta que Deus
espera do Homem. Não estranhamos por isso algumas reações violentas do
orante: Sal,59 (58), 5-7 «não tenhas compaixão deles»... e também no
Sal.58(57),7: «quebra-lhes os dentes»...
Os Salmos são “hinos que sob a inspiração do Espirito Santo, foram compostos
pelos autores sagrados do Antigo Testamento. Por sua própria origem, os
salmos possuem a virtude de elevar para Deus o espírito dos homens, de
excitar neles santos e piedosos afetos, de os ajudar admiravelmente a dar
graças na prosperidade, de os consolar e robustecer na adversidade” (I.G.L.H.
100).
A oração dos salmos, nascida numa cultura oriental e num tempo longínquo,
nunca perdeu a sua frescura original, porque os seus poemas "traduzem de
forma adequada a dor e a esperança, a miséria e a confiança dos homens de
todos os tempos e regiões; cantam sobretudo a fé em Deus, bem como a
revelação e a redenção" (I.G.L.H. 107).
Jesus também rezou os Salmos : Sal.21:«Meu Deus, porque me
abandonaste... e Sal.31: «Pai, nas vossas mãos entrego o meu Espírito». Jesus
fazia parte de um Povo que rezava os Salmos. Santo Agostinho, ao comentar o
salmo 22, diz que Jesus:
a) cantou os salmos com a sua voz: Jesus conhecia os salmos e rezava-os. E
aplicou-os a Ele (Sal.110). Assim a Igreja se habituou a aplicá-los a Ele, depois
da Ressurreição: «tu não deixarás o teu amigo conhecer a corrupção» (Sal.16;
Act.2,24; 13,35).
Conta-nos S. Lucas que Jesus, antes de Se elevar ao céu, falou assim aos
Apóstolos: "Tudo o que vos disse a meu respeito, quando andávamos juntos,
estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos e tinha de se
cumprir" (Lc 24,44). Tais palavras constituíram para eles e para a Igreja de
todos os tempos uma verdadeira revelação. Prova disso é a frequência com que
os salmos aparecem citados no Novo Testamento, e os numerosos comentários
206
que as sucessivas gerações cristãs viriam a fazer deles, sinal de que os
meditaram com assiduidade.
b) cantou os salmos com a sua vida: Depois de olhar para Jesus, a comunidade
percebeu que o Servo, o Sofredor, o Justo... era o próprio Jesus. Ele cumpria as
profecias, a Lei e os Salmos (Lc.24,44). Ele era «a pedra angular« (Sal.118,22) e
«sentou-se à direita de Deus» (Sal.110).
c) cantou os salmos com o Corpo: Ele identifica-se com cada um que ora com os
Salmos. Ao rezar os Salmos estou em comunhão com todos os que me
precederam e com todos os que rezam «em Cristo». No «eu» ou no «nós» do
salmos recordamos Cristo que fala e reza connosco, através de nós.
Os Salmos são a Oração da Igreja
A Igreja utiliza muito a oração dos salmos, particularmente na Liturgia das
Horas, onde eles são integrados como elemento constitutivo mais importante,
apesar das muitas dificuldades que tal forma de oração apresenta, "mormente
quando o salmo não fala diretamente de Deus", quando o salmista recorda a
história de Israel, quando no mesmo salmo ele introduz a falar Deus e os
homens ou até os próprios inimigos de Deus, ou quando interpela mesmo as
criaturas irracionais (cfr. I.G.L.H. 105).
Por isso, disse João Paulo II: “É preciso que a educação para a oração se torne
de qualquer modo um ponto qualificativo de toda a programação pastoral. Eu
mesmo propus-me dedicar as próximas catequeses das quartas-feiras à
reflexão sobre os Salmos”37.
Em conclusão: Os salmos estão cheios de Deus e do homem: esta forma de
oração torna-se, assim, tão difícil como o acesso ao mistério de Deus e do
homem, mas também tão necessário como o conhecimento de Deus e do
homem. A oração dos salmos, colocando o homem em diálogo com Deus,
revela ao homem a salvação e coloca-o na presença de Deus. "A natureza
poética e musical dos salmos não implica o dirigirem-se necessariamente a
Deus, mas antes o serem cantados na presença de Deus" (I.G.L.H. 105). A
oração cristã dos salmos é uma arte difícil, mas possível e necessária, porque é
37 JOÃO PAULO II, Novo Millennio Ineunte 34
206
ensinada por Deus na escola da Igreja em oração. Não há nada que esteja no
Pai Nosso que não esteja no livro dos Salmos. Cf. Pai Nosso e Salmo 145.
«Santificado seja o vosso nome» = vers.1;2;11 do referido Salmo. «Venha nós o
vosso Reino»=vers.11 e 13; «não nos deixeis cair em tentação» = vers.14; «o
pão de cada dia» =vers.15-16.
O LIVRO DOS SALMOS
é medicina geral da salvação humana.
Quem os lê,
encontra sempre um remédio especial
para curar as suas feridas.
Que há de mais agradável que um salmo?
O salmo é:
a bênção do povo,
o louvor de Deus,
o hino dos fiéis,
o aplauso da assembleia,
a palavra da multidão,
a voz da Igreja,
a exultante confissão da fé,
a expressão da autêntica piedade,
a alegria da liberdade,
o clamor do júbilo
e a exultação da alegria.
Ao nascer do dia exulta o salmo;
Ao cair da noite ressoa o salmo.
No salmo disputam entre si a doutrina e a graça;
Canta-se com gosto e aprende-se com proveito.
206
Que é o salmo
senão aquele órgão das virtudes
com que o venerável Profeta,
ao ritmo inspirado pelo Espirito Santo,
fez ressoar na terra
a beleza da harmonia celeste?
S. AMBRÓSIO, Sobre os Salmos I,7.9.10.11
VI.1.3. Exercício prático: Lectio Divina do Salmo 1
1 Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios,
nem se detém no caminho dos pecadores,
2 mas antes se compraz na lei do Senhor,
e nela medita dia e noite.
3 É como árvore plantada à beira das águas:
dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha.
Tudo quanto fizer será bem sucedido.
4 Bem diferente é a sorte dos ímpios:
São como palha que o vento leva.
5 Os ímpios não se aguentarão em julgamento
Nem os pecadores na assembleia dos justos.
6 O Senhor vela pelo caminho dos justos,
mas o caminho dos pecadores leva à perdição.
Lectio: que diz o texto?
a) Como classificar este salmo?
b) Como se poderia dividir este salmo? Vejam-se os contrastes entre bem-
aventurança e maldição, entre o caminho que leva à vida e o que leva a morte.
Entre a resistência do justo e do ímpio.
206
c) Palavras difíceis: ímpio... (ver nota da Bíblia dos Capuchinhos, em Sab.3,10:
aquele que se opõe ao desígnio de Deus e se fecha à sua ação; o inimigo, o
adversário... o malfeitor)...
d) Palavras sugestivas: Árvore, rio... lembra a árvore do Paraíso, a árvore da
Cruz... os rios da Babilónia...
e) Lembrar e comparar com os textos do VI Domingo Comum C: Jer.15,5-8
(“maldito o homem... bendito o homem...”) e as Bem-Aventuranças, na versão
de São Lucas, com as bênçãos de felicitação (Felizes... Lc.6,20-23) e as
ameaças de perdição (Ai de vós... Lc.6,24-36).
f) Confrontar com Sal.112, muito semelhante a este;
g) Recordar outras felicitações: «feliz o que ouve a palavra de Deus e a põe em
prática (Lc.11, 28); as bem-aventuranças (Mt.5)
g) Aplicá-lo a Cristo, “o Homem que é Senhor e não seguiu o caminho dos
ímpios. Ele é árvore que deu fruto, ao fundar a Igreja e continua a dá-lo em
tempo oportuno. A sua folhagem não murcha... a sua Palavra não é vã, mas
permanece eternamente”, diz Santo Agostinho.
Meditação: Que me diz o texto?
Aplicá-lo a mim, como Cristo o aplicou a si.
- Ser feliz é o ideal de toda a vida humana...
- Necessidade de um caminho... o Caminho é Cristo...
- a «palha» e os «frutos» da minha vida?
- onde estão as raízes da minha fé?
Oração, contemplação: Que digo ao Senhor que me fala e reza neste
texto?
Apetece-me cantar, agradecer, pedir perdão, escrever um salmo pessoal,
cantar, de novo, o salmo... Os Salmos, em princípio, até deverão ser cantados.
87 entre os 150 salmos têm a indicação precisa de que devem ser cantados. Ou
não fossem os salmos essencialmente oração de louvor...
VI.2. Oração de petição
206
A petição é a forma mais antiga de oração. Também o são as situações que a
motivam: as carências da pessoa. Esta oração é reflexo da pobreza, da
insuficiência e da dependência do homem. É uma boa oração, que Jesus
recomenda. Não é, em absoluto, indigna, porque o nosso estado é a
necessidade constante. Esta oração converte a necessidade em ponto de
encontro, em lugar de descoberta de Deus, em oportunidade de encontrar a
salvação. A pobreza faz-se proximidade e abertura a Deus e aos seus dons. Este
é o núcleo desta oração. A confiança que supõe a petição é já uma parte do
bem pedido. Aqui se dá o encontro com Deus no facto de se receber o que se
pediu.
Catecismo da Igreja Católica 2629
O vocabulário da oração de súplica é rico de matizes no Novo
Testamento: pedir, reclamar, chamar com insistência, invocar, bradar,
gritar e, até, «lutar na oração». Mas a sua forma mais habitual, porque
mais espontânea, é a petição. É pela oração de petição que traduzimos a
consciência da nossa relação com Deus: enquanto criaturas, não somos a
nossa origem, nem donos das adversidades, nem somos o nosso fim
último; mas também, sendo pecadores, sabemos, como cristãos, que nos
afastamos do nosso Pai. A petição é já um regresso a Ele.
Catecismo da Igreja Católica 2630
O Novo Testamento quase não contém orações de lamentação,
frequentes no Antigo. Doravante, em Cristo Ressuscitado, a petição da
Igreja é sustentada pela esperança, embora ainda estejamos à espera e
tenhamos de nos converter em cada dia. É de outra profundidade que
brota a petição cristã, aquela a que São Paulo chama gemido: o da
criação em «dores de parto» (Rm 8, 22) e também o nosso, «aguardando
a libertação do nosso corpo», porque «foi na esperança que fomos
salvos» (Rm 8, 23-24); e, por fim, os «gemidos inefáveis» do próprio
Espírito Santo, que «vem em auxílio da nossa fraqueza, pois não
sabemos o que havemos de pedir, para rezarmos como deve ser» (Rm 8,
26).
206
Catecismo da Igreja Católica 2631
O pedido de perdão é o primeiro movimento da oração de petição (cf. o
publicano: «Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador» (Lc 18, 13).
É o preliminar duma oração justa e pura. A humildade confiante repõe-
nos na luz da comunhão com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo, bem
como dos homens uns com os outros. Nestas condições, «seja o que for
que Lhe peçamos, recebê-lo-emos» (1 Jo 3, 22). O pedido de perdão é o
preâmbulo da liturgia Eucarística, bem como da oração pessoal.
Catecismo da Igreja Católica 2632
A petição cristã está centrada no desejo e na busca do Reino que há de
vir, em conformidade com o ensinamento de Jesus. Há uma hierarquia
nas petições: primeiro, o Reino; depois, tudo quanto é necessário para o
acolher e para cooperar com a sua vinda. Esta cooperação com a missão
de Cristo e do Espírito Santo, que agora é a da Igreja, é o objeto da
oração da comunidade apostólica. É a oração de Paulo, o apóstolo por
excelência, que nos revela como a solicitude divina por todas as Igrejas
deve animar a oração cristã. Pela oração, todo o cristão trabalha pela
vinda do Reino.
Catecismo da Igreja Católica 2633
Quando se participa assim no amor salvífico de Deus, compreende-se
que qualquer necessidade pode tornar-se objeto de pedido. Cristo, que
tudo assumiu a fim de tudo resgatar, é glorificado pelos pedidos que
dirigimos ao Pai em seu nome. É com esta certeza que Tiago e Paulo nos
exortam a orar em todas as ocasiões.
“Essencial é saber que dirigimos sempre a nossa oração ao Pai, que dá sempre
o melhor aos seus filhos. E é grandemente significativo que o verbo REZAR, que
aparece no tríptico três vezes (Lucas 11,1[2 x] e 2), apareça praticamente
traduzido por PEDIR, que contamos no texto cinco vezes (Lucas
11,9.10.11.12.13), e cujo corolário é DAR, com nove menções no texto (Lucas
11,3.7.8[2 x].9.11.12.13[2 x].
206
Salta à vista a importância dada à oração de súplica. Todos sabemos que a
oração de súplica é muitas vezes vista como uma forma secundária de oração,
quase como um subproduto, quando comparada com a oração de louvor ou de
ação de graças. Ora, este tríptico diz-nos que, de acordo com Jesus, REZAR é
PEDIR, é mesmo só PEDIR. Aprofundando um pouco, compreendemos então que
PEDIR é próprio do filho. E é como Filho que Jesus REZA, e é no lugar de filhos
que Jesus nos quer colocar. Por isso também nos ensina a REZAR, dizendo:
“Pai…” E também já sabemos que o Filho é aquele que recebe tudo do Pai,
sendo o Pai aquele que dá tudo ao Filho”
38Todas as petições arrastam consigo um ato de fé e de compromisso para com
Aquele a quem se dirigem. E, dentro deste encontro no mistério, Deus escuta,
responde, atende, responde. A única coisa de que não podemos distrair-nos é a
purificação constante, porque não sabemos o que nos convém pedir
(Rom.8,26). Dos ensinamentos de Jesus, nós deduzimos as características da
oração de petição:
- Infabilidade: Pedi e dar-se-vos-á! (Mt.7,7-8); «tudo o que pedirdes ao Pai, Ele
vo-lo concederá» (Jo.16,23)
- Tensão para o Reino: «Procurai primeiro o Reino de Deus e o resto virá por
acréscimo» (Mt.6,33)
- pedir só coisas boas (Mt.7,11) e a «coisa» boa por excelência é o Espírito
Santo (Lc..11.13) atenção que a resposta de Deus é inesperada;
VI.2.1. Objeções à oração da petição39
a) Determinismo religioso: tudo está determinado; não vale a pena pedir
b) Na natureza, tudo está regulado; não é possível alterar o curso das coisas
c) O que importa é fazer o bem e não pedir o bem
d) Não devemos pedir nada a Deus: passividade absoluta (como no budismo)
Outro tipo de objeções, que tem a vantagem de nos ajudar a purificar a nossa
relação com Deus:
38 DOM ANTÓNIO COUTO in http://mesadepalavras.wordpress.com/39 Cf. JUAN MARTIM VELASCO, Orar para vivir, Ed. PPC, Madrid 2008, 70-78
206
a) A oração de petição afronta a omnisciência de Deus. Ele bem sabe do que
preciso. Para quê pedir?
b) A oração de petição é uma concessão à debilidade humana.
c) Deus conhece as nossas necessidades. A bondade de Deus não precisa dos
nossos pedidos; risco de magia sobretudo quando se espera resposta
automática;
Mas há razões positivas para a oração de petição:
a) Ela está presente em todas as religiões;
b) Cristo recomenda-a apesar dos perigos, para que nos adverte; de acordo
com Jesus, rezar é pedir. E pedir é próprio do «Filho»: pedir +e manifestar a
nossa condição filial: filhos que tudo recebem do Pai;
c) Deve ser pedida com fé em nome de Jesus (Mt.21,22;16,23). A oração é
petição a Deus, de coisas convenientes (Santo Agostinho).
O que significa pedir com fé:
- Pedir com fé não é pedir com a certeza de que me vai ser concedido, mas
na certeza de que sou ouvido: por exemplo, na agonia Jesus pede ao Pai
que, se possível, o livre daquela hora, e diz o autor da Carta aos Hebreus,
que foi atendido por causa da sua piedade (Heb.5,5-7). Ora jesus foi
atendido, mas não da forma que seria expectável. São Paulo diz que por três
vezes orou ao Senhor e a resposta foi esta: «basta-te a minha graça» (II
Cor.12.18).
- Pedir com a certeza de que a minha vida está nas mãos de Deus e nenhum
mal a atingirá. Sim, podemos estar seguros de que estamos em boas mãos;
- pedir com confiança: a expressão do pedido já comporta uma resposta e é
já exercício de esperança que liberta;
- Pedir em nome de Jesus, significa pedir em união com Ele, adotando a sua
atitude.
d) É exercício de confiança no meio das provações;
e) E o que pedir? Tudo (Mt.21,22), desde que, com fé e em nome de Jesus. E o
que é este tudo? O que é radicalmente humano procede da radical
necessidade de salvação: o que pedimos a Deus é a salvação e essa
salvação é próprio Deus. Deus é o tudo que pedimos e esperamos da nossa
oração. Há que pedir e procurar «o Deus dos bens e das consolações e não
os bens e as consolações de Deus (São João da Cruz). Para recebermos
tudo, impõe-se radicalmente que não tenhamos nada. Só assim podemos
rezar.
206
Diz Santo Agostinho: “A oração não é apresentada diante de Deus, para lhe
expor algo que ele não conheça, mas, para desta forma elevar para Deus o
espírito do orante ou de outros».
DEZ PRECES (DES)OUVIDAS
1. Tinha pedido a Deus poder para ser amado.
- e encontrei o amor, para não precisar de ser poderoso.
2. Tinha pedido a Deus saúde para fazer grandes coisas.
- e encontrei a doença, para me tornar grande.
3. Tinha pedido a Deus riqueza para ser feliz.
- e encontrei a felicidade para poder viver na pobreza.
4. Tinha pedido a Deus mais leis para dominar os outros.
- e encontrei a liberdade para os libertar.
5. Tinha pedido a Deus admiradores para estar sempre rodeado de gente.
- e encontrei alguns amigos para não estar só.
6. Tinha pedido a Deus dinheiro para comprar muitas coisas.
- e encontrei pessoas com quem partilhar o meu dinheiro.
7. Tinha pedido a Deus ideias para convencer os outros.
- e encontrei no respeito o segredo para conviver com elas.
8. Tinha pedido a Deus milagres para acreditar.
- e foi-me dada a fé para fazer novos milagres.
9. Tinha pedido a Deus uma religião para ganhar o céu.
- e foi-me dado somente Cristo, para me acompanhar enquanto caminho pela
terra.
ORACÃO DE PETlÇÃO
"A oração de petição tem por objeto o perdão, a busca do Reino e, bem assim, toda a verdadeira necessidade" (ClC, 2646)
206
PROPOSTAS
PARA
INICIAR
NA ORAÇÃO
DE PETIÇÃO
Iniciar o catequizando a pedir perdão como atitude
fundamental da vida cristã;
Ajudar a recitar com humildade o "rito penitencial"
na Eucaristia ou na Catequese;
Ensinar o "Confesso a Deus ... ";
Ajudar ao hábito de dizer várias vezes ao dia:
"Venha a nós o Teu Reino" ou mesmo toda a oração
do Pai Nosso;
Ajudar a "fixar" algumas expressões do Evangelho
(Ex: Mt 8,2; Mt 20, 30b; Mt 8, 8;Jo 4, 15; Lc 23,42).
10.Pedi a Deus tudo, e mais alguma coisa, para gozar a vida.
- e Ele deu-me a vida para poder gozar de tudo.
VI.2.2. Algumas propostas de oração de petição na Catequese
6.3. Oração de intercessão
Interceder é pedir para outro. É uma consequência da solidariedade. Quando o
orante se sente ligado a outros e se põe diante de Deus, surge espontânea a
oração em favor do outro. É uma oração implicada, solidária, que se exprime
também numa colaboração concreta no bem da pessoa, pela qual se intercede.
Esta solidariedade na vida e na oração não pode ficar encerrada no próprio
círculo familiar, eclesial e social. Abre-se ao mundo. Esta é a verdadeira
fraternidade universal. A oração transforma-se numa pedagogia de
solidariedade. É uma oração generosa que põe de relevo os outros, que assume
as suas próprias necessidades, que pede por outro o que quer para si, que cria
comunidade e aprofunda os laços da união. Supõe a fé no Corpo Místico e na
comunhão dos santos.
Catecismo da Igreja Católica 2634
206
A intercessão é uma oração de petição que nos conforma de perto com a
oração de Jesus. É Ele o único intercessor junto do Pai em favor de todos
os homens, em particular dos pecadores. Ele «pode salvar de maneira
definitiva aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus, uma
vez que está sempre vivo, para interceder por eles» (Heb 7, 25). O
próprio Espírito Santo «intercede por nós [...] intercede pelos santos, em
conformidade com Deus» (Rm 8, 26-27).
Catecismo da Igreja Católica 2635
Interceder, pedir a favor de outrem, é próprio, desde Abraão, dum
coração conforme com a misericórdia de Deus. No tempo da Igreja, a
intercessão cristã participa na de Cristo: é a expressão da comunhão dos
santos. Na intercessão, aquele que ora não «olha aos seus próprios
interesses, mas aos interesses dos outros» (Fl 2, 4), e chega até a rezar
pelos que lhe fazem mal.
Catecismo da Igreja Católica 2636
As primeiras comunidades cristãs viveram intensamente esta forma de
partilha. O apóstolo Paulo fá-las participar deste modo no seu ministério
do Evangelho mas ele próprio também intercede por elas. A intercessão
dos cristãos não conhece fronteiras: «[...] por todos os homens, [...] por
todos os que exercem a autoridade» (1 Tm 2, 1), pelos perseguidores,
pela salvação dos que rejeitam o Evangelho.
6.3.1. Algumas propostas, para iniciar na oração de intercessão, na
Catequese
ORACÃO
DE INTERCESSÃO
"A oração de intercessão consiste num pedido a
favor de outrem. Não conhece fronteiras e
estende-se aos próprios inimigos" (CIC, 2647).
PROPOSTAS
PARA INICIAR
NESTA FORMA
Fazer sentir preferência pelas necessidades e
problemas dos outros, despertando para os
sofrimentos e dores da humanidade;
Preparar e propor diversas orações no estilo da
206
DE ORAÇÃO
"oração dos fiéis" da Missa;
• Utilizar (e adaptar) a "Oração Universal da
Celebração da Paixão";
• Ajudar a "fixar" algumas expressões do
Evangelho (Ex: Jo 2, 3b; Mt 8,5b;Jo 11,21;Mt
15,22;Mc5,23;Rom 10,1).
6.4. Oração de ação de graças
Agradecer é mostrar sentimentos de gratidão, isto é, mover-nos a amar pelos
benefícios recebidos e corresponder a eles, de algum modo. Se Deus é o objeto
do nosso agradecimento estamos a fazer oração. Agradecimento pelos dons da
natureza, pela fé, pelos sacramentos, pelos irmãos, por Cristo, por tantas
pequenas coisas da vida quotidiana que podem transformar um rosto, um
coração, uma vida. Na nossa sociedade torna-se cada vez mais necessário dar
graças. Parece que tudo o que temos ou desejamos é um direito que nos
corresponde. A Eucaristia é a expressão mais sublime de um coração
agradecido, porque se oferece a Deus o mais precioso quer tem em suas mãos:
o próprio Filho. Esta forma de oração é a que caracteriza a oração da Igreja de
modo principal já, que, a Eucaristia, sacramento fonte e cume da vida da igreja,
é ação de graças a Deus. As palavras «eucaristein» e «eulogein» recordam as
bênçãos judias que se proclamam, sobretudo, nas refeições, as obras de Deus.
206
Catecismo da Igreja Católica 2637
A ação de graças caracteriza a oração da Igreja que, ao celebrar a
Eucaristia, manifesta e cada vez mais se torna naquilo que é. De facto,
pela obra da salvação, Cristo liberta a criação do pecado e da morte,
para de novo a consagrar e fazer voltar ao Pai, para sua glória. A ação de
graças dos membros do corpo participa na da sua Cabeça.
Catecismo da Igreja Católica 2638
Como na oração de petição, qualquer acontecimento e qualquer
necessidade podem transformar-se em oferenda de ação de graças. As
cartas de São Paulo muitas vezes começam e acabam por uma ação de
graças, e nelas o Senhor Jesus está sempre presente: «Dai graças em
todas as circunstâncias, pois é esta a vontade de Deus, em Cristo Jesus,
a vosso respeito» (1 Ts 5, 18); «perseverai na oração; sede, por meio
dela, vigilantes em ações de graças» (Cl 4, 2).
Quando a pessoa vive em comunhão de vida com a Santíssima Trindade, todo o
acontecimento e toda a necessidade podem converter-se em oferenda de ação
de graças a Deus. O cristão tudo refere na sua vida ao Pai, por Jesus Cristo, no
Espírito Santo.
6.4.1. Eis algumas propostas, para iniciar a esta forma de oração, na
Catequese
ORACÃO DE
AÇÃO DE GRAÇAS
"Toda a alegria e todo o sofrimento, todo o
acontecimento e toda a necessidade podem ser
matéria de ação de graças, a qual, participando
na de Cristo, deve encher a vida toda: "Dai
graças em todas as circunstâncias" (I Tess 5,
18)". (CatIC, 2648).
PROPOSTAS
PARA INICIAR
NESTA FORMA
DE ORAÇÃO
• Ajudar a entender que esta é a forma
privilegiada de comunhão e intimidade com
Deus;
• Fazer compreender que a Eucaristia é a 'Oração
Maior de Ação de Graças": explicar o significado
da palavra 'Eucaristia'; possibilitar um estudo
das partes essenciais da Eucaristia;
206
• Ensinar a dar graças pelos dons e maravilhas de
Deus, provocando a descoberta desses mesmos
dons e maravilhas na vida pessoal e
comunitária;
• Ensinar a rezar com os ícones;
• Ajudar a "fixar" algumas expressões do
Evangelho (Ex: Jo I 1,41 b; I Cor I ,4; I Tes 5, 18).
6.5. Oração de louvor
O louvor está ligado à experiência da bondade e da beleza. Nasce no gozo, nos
momentos de plenitude anímica e de riqueza de vida. A densidade do momento
provoca o louvor e requer a capacidade de se maravilhar, de se assombrar, de
ficar atónito.
Faz-se oração de louvor quando Deus se encontra no meio da subtileza do gozo.
E é a mais desinteressada e gratuita, a mais livre e aberta. À pessoa que louva
não lhe interessa o seu caso, mas concentra-se em Deus e na sua grandeza. A
linguagem própria desta oração é a linguagem intensa, repetitiva, carregada
mais de sentimentos, que de abstrações. É espontânea e menos cuidada.
A catequese leva-nos a cantar, não só a Deus, pelo que faz connosco, mas
também por aquilo que Ele mesmo é. Louvamos a Jesus porque é o Filho de
Deus encarnado, vencedor do pecado e da morte, pelo mistério da sua paixão,
morte e ressurreição. Louvamos o Espírito Santo, Senhor e dador, que nos
fortalece e santifica para nos conduzir ao Pai.
Há que iniciar na oração do louvor, porque estamos muito habituados a ir para
a oração sobrecarregados dos nossos próprios problemas e interesses e não
valorizamos o encontro com Deus. "A oração de louvor, toda ela
desinteressada, dirige-se a Deus: canta-O por Ele ser quem é, glorifica-O para
além de tudo quanto Ele fez, porque Ele é". (CIC, 2649). É na Eucaristia, que se
contêm e expressam de modo iminente todas as formas de oração.
Catecismo da Igreja Católica 2639
O louvor é a forma de oração que mais imediatamente reconhece que
Deus é Deus! Canta-O por Si próprio, glorifica-O, não tanto pelo que Ele
206
faz, mas sobretudo porque ELE É. Participa da bem-aventurança dos
corações puros que O amam na fé, antes de O verem na glória. Por ela, o
Espírito junta-Se ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de
Deus (114) e dá testemunho do Filho Único no qual fomos adotados e pelo
qual glorificamos o Pai. O louvor integra as outras formas de oração e
leva-as Aquele que delas é a fonte e o termo: «o único Deus, o Pai, de
quem tudo procede e para quem nós somos» (1 Cor 8, 6).
Catecismo da Igreja Católica 2640
São Lucas registra muitas vezes no seu Evangelho a admiração e o louvor
perante as maravilhas operadas por Cristo. Sublinha também os mesmos
sentimentos perante as ações do Espírito Santo que são os Atos dos
Apóstolos: a comunidade de Jerusalém, o entrevado curado por Pedro e
João, a multidão que por tal facto dá glória a Deus, os pagãos da Pisídia,
que, «cheios de alegria, glorificam a Palavra do Senhor» (Act 13, 48).
Catecismo da Igreja Católica 2641
«Recitai entre vós salmos, hinos e cânticos inspirados; cantai e louvai ao
Senhor no vosso coração» (Ef 5, 19). Tal como os escritores inspirados do
Novo Testamento, as primeiras comunidades cristãs releem o livro dos
Salmos, cantando neles o mistério de Cristo. Na novidade do Espírito,
compõem também hinos e cânticos a partir do acontecimento inaudito
que Deus realizou em seu Filho: a sua encarnação, a sua morte vitoriosa
sobre a morte, a sua ressurreição e a sua ascensão à direita do Pai. É
desta «maravilha» de toda a economia da salvação que sobe a doxologia,
o louvor de Deus.
Catecismo da Igreja Católica 2642
A revelação «do que deve acontecer em breve», que é o Apocalipse,
apoia-se nos cânticos da liturgia celeste, mas também na intercessão das
«testemunhas» (isto é, dos mártires). Os profetas e os santos, todos os
que na terra foram mortos por causa do testemunho dado por Jesus, a
206
multidão imensa daqueles que, vindos da grande tribulação, nos
precederam no Reino, cantam o louvor da glória d'Aquele que está
sentado no trono e do Cordeiro. Em comunhão com eles, a Igreja da terra
canta também os mesmos cânticos, na fé e na provação. A fé, na súplica
e na intercessão, espera contra toda a esperança e dá graças ao Pai das
luzes de Quem procede todo o dom perfeito. Assim, a fé é um puro
louvor.
Catecismo da Igreja Católica 2643
A Eucaristia contém e exprime todas as formas de oração: é «a oblação
pura» de todo o corpo de Cristo «para glória do seu nome»; é, segundo
as tradições do Oriente e do Ocidente, «o sacrifício de louvor».
ORACÃO
DE LOUVOR
"A oração de louvor, toda ela desinteressada,
dirige-se a Deus: canta-O por Ele ser quem é,
glorifica-O para além de tudo quanto Ele fez, porque
ELE É". (CIC, 2649).
PROPOSTAS
PARA
INICIAR
NESTA
FORMA
DE ORAÇÃO
• Proporcionar o hábito de rezar os salmos de
louvor;
• Animar e motivar a participação na Eucaristia,
como momento e gesto maior de louvor;
• Cultivar o canto religioso para expressar a
oração de louvor;
• Ajudar a descobrir que estam os chamados a
fazer de toda a nossa vida um louvor permanente
a Deus - este louvor realiza-se quando
cumprimos os mandamentos e professamos e
celebramos a fé;
• Ensinar a contemplar a natureza e ensinar a
descobrir nela a beleza do criador;
• Ajudar a "fixar" algumas expressões do
Evangelho (Ex: Lc 18,43b; Act 2, 46-47;Act 3,9;
act 4,21 Act 13,48).
6.5.1. Eis algumas propostas, para iniciar a esta forma de oração, na
Catequese
206
SÁBADO, 16H30-18H30
7. CAMINHOS PARA EXPRIMIR A ORAÇÃO
São muitos os caminhos pelos quais Deus atrai a pessoa a gozar da sua
intimidade e muitas as formas e ritmos de oração, com as quais a Igreja, na sua
multissecular tradição alimenta a oração contínua a que estão chamados os
seus filhos. Centraremos a nossa atenção nas três principais com as quais o
cristão ora, com particular dedicação, em alguns momentos: a oração vocálica,
a meditação e a oração de contemplação.
7.1. Oração vocal
A oração vocal é pôr-se em contacto com Deus, empregando todo o nosso ser.
Somos corpo e espírito e temos necessidade de traduzir exteriormente os
nossos sentimentos. A necessidade de associar os sentidos à oração interior
responde a uma exigência da nossa natureza humana.
Catecismo da Igreja Católica 2700
206
Pela sua Palavra, Deus fala ao homem. É nas palavras, mentais ou
vocais, que a nossa oração toma corpo. Mas o mais importante é a
presença do coração Àquele a Quem falamos na oração. «Que a nossa
oração seja atendida não depende da quantidade de palavras, mas do
fervor das nossas almas» (São João Crisóstomo).
Catecismo da Igreja Católica 2701
A oração vocal é um elemento indispensável da vida cristã. Aos
discípulos, atraídos pela oração silenciosa do seu mestre, este ensina-
lhes uma oração vocal: o «Pai-nosso». Jesus não rezou apenas as orações
litúrgicas da sinagoga: os evangelhos mostram-no-Lo a elevar a voz para
exprimir a sua oração pessoal, desde a bênção exultante do Pai
(Mt.11,25-26) até à desolação do Getsémani (Mc.14,36).
Catecismo da Igreja Católica 2702
A necessidade de associar os sentidos à oração interior corresponde a
uma exigência da natureza humana. Nós somos corpo e espírito e
experimentamos a necessidade de traduzir exteriormente os nossos
sentimentos. Devemos rezar com todo o nosso ser para dar à nossa
súplica a maior força possível.
Catecismo da Igreja Católica 2703
Esta necessidade corresponde também a uma exigência divina. Deus
procura quem O adore em espírito e verdade e, por conseguinte, uma
oração que suba viva das profundezas da alma. Mas também quer a
expressão exterior que associe o corpo à oração interior, porque ela Lhe
presta a homenagem perfeita de tudo a quanto Ele tem direito.
Catecismo da Igreja Católica 2704
Porque exterior e tão plenamente humana, a oração vocal é, por
excelência, a oração das multidões. Mas até a oração mais interior não
pode prescindir da oração vocal. A oração torna-se interior na medida em
que tomamos consciência d'Aquele «a Quem falamos» (Santa Teresa de
206
Jesus). Então, a oração vocal torna-se uma primeira forma da
contemplação.
As fórmulas de oração vocálica libertam o orante da necessidade de inventar,
em cada dia, as suas palavras de abertura a Deus, oferecendo-lhe de forma
condensada, alguns traços fundamentais de louvor, petição ou entrega pessoal.
Vários aspetos favorecem esta oração:
- em primeiro lugar, a fixação. As fórmulas, especialmente as melhores, são
significativas pelo seu conteúdo e belas, na sua forma, condensando a
experiência religiosa de uma comunidade e permitindo os mais profundos
sentimentos para com Deus.
- Em segundo lugar, a objetivação. Em vez de se perder em pormenores
acessórios, em vez de se deixar arrastar pelo racionalismo ou sentimentalismo,
em vez de confundir oração com fantasias da mente, o crente encontra
objetivado o mistério do encontro com Deus, exprime-o em modelos de
validade universal, de modo que um grupo de crentes pode unir-se numas
mesmas palavras pronunciadas, vividas e proclamadas;
- finalmente a repetição. Quando um crente ora, sabe que nenhuma das
palavras é definitiva; por isso, torna-se necessário que as mesmas expressões
voltem, tentando sempre conseguir o maior louvor. Isto é sobretudo possível,
quando se repetem orações já memorizadas.
7.1.1. Regras práticas para a oração vocal40
Quando se vai fazer oração vocal, através da recitação de fórmulas lidas ou
aprendidas de memória, convém preparar-se, pensando que nesse momento se
vai entrar em diálogo com Deus-Pai, ou com Jesus, ou com Maria.
Será bom orar bem o sinal da cruz; é extraordinária fórmula de oração e coloca-
nos sob a proteção da Santíssima Trindade, situando-nos no centro mais
profundo do mistério cristão.
40 Seguimos, aqui, de perto: A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1989, 286-287.
206
Seguir recitando bem o Pai- Nosso e alguma oração dirigida a Nossa Senhora.
Não há por que desprezar a invocação de algum santo preferido, ou do anjo da
guarda.
Se houver à mão um livro de orações, é bom usá-lo; é igualmente bom fazer as
orações habituais, que mudarão, se acaso se alterar o estado de alma.
Maravilhosas orações são os salmos; é bom ter um índice dos seus temas, para
os utilizar nos diferentes momentos que se vivem.
A recitação ou a entoação interior de cânticos religiosos aprendidos na infância
ou os que se costumam cantar na celebração comunitária, é uma boa solução.
O texto dos cânticos muito recentes costuma ser primoroso, como, por
exemplo, o dos refrães dos salmos.
A menos que se chegue a um certo recolhimento, não convém prolongar muito
as orações vocálicas, porque se tomam cansativas; então, é preferível semear o
dia com breves momentos de oração, que elevam o coração a Deus e vão
santificando a vida diária. Por exemplo, quando se começa uma viagem, ao
começar um trabalho, antes da refeição, antes de dormir. A oração à noite, para
agradecer a Deus o dia que se teve, é um hábito justamente muito difundido.
Dormir, sendo a oração o último ato do dia (ou uma leitura bíblica, que pode ser
a da Eucaristia do dia seguinte) exerce um influxo importante sobre o
inconsciente. De manhã, ao acordar, fica bem um «bom dia, Senhor!», uma
oração de oferecimento do dia.
O último critério das orações verbalizadas é a sua capacidade de fazer chegar
ao Senhor. É esta a sua função; são um meio, não um fim em si mesmas. E, por
isso, se não cumprem a sua missão, deixam de servir.
Então, é necessário rever e melhorar, mantendo a oração vocálica mesmo que
em alguns momentos se não sinta devoção (é necessário orar, mesmo quando
custa, para que chegue a não custar); porém, se se têm dúvidas sobre se leva
ou não a Deus... é porque não leva.
Como é pela oração exteriorizada individual que normalmente se inicia o
processo pessoal de oração, voltaremos a referir -nos a ela, quando se tratar
dos graus de oração.
206
Recitar uma oração é rezar?41
Jesus condenou a repetição mas também deu como exemplo a viúva que não
teve receio de importunar o juiz com um pedido insistente (Lucas 18, 1-8). A
tradição cristã oferece muitas orações. O “Pai-nosso”, ensinado por Jesus aos
seus discípulos, tem lugar privilegiado. Outras encerram uma referência
evangélica, como a “Avé Maria” e o “Magnificat”, ou têm um lugar importante
na tradição da Igreja, como o Símbolo dos Apóstolos (Credo) ou o Glória. É
também possível meditar nos mistérios do Rosário ou dizer a “prece do
coração” – «Senhor Jesus, Filho de Deus, tem piedade de mim, que sou
pecador».
«O risco é a recitação maquinal, sem ser animado pelo desejo de união a
Cristo», assinala o P. Patrice Gourrier, de Poitiers.
A prece do coração, explica, «foi concebida pelos padres orientais para afastar
o fluxo dos pensamentos, abrir o vazio e criar um espaço de silêncio interior,
para que Cristo habite sempre e cada vez mais a nossa personalidade.
Um conselho: rezar uma ou algumas destas orações em grupo atenua o risco da
recitação mecânica. A oração em grupo é um apoio e uma experiência de
comunhão.
7.1.2. Algumas propostas deste tipo de oração, na Catequese
A ORAÇÃO VOCAL
"A oração vocal, baseada na união do corpo e da
alma na natureza humana, associa o corpo à
oração interior do coração, a exemplo de Cristo
41 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad.: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10
206
que orava ao Pai e ensinava o "Pai-Nosso" aos
seus discípulos" (CIC, 2722).
PROPOSTAS
PARA INICIAR
NESTA EXPRESSÃO
DE ORAÇÃO
o Ajudar a aprender de memória as orações
fundamentais do cristão e rezá-Ias
frequentemente em conjunto, no encontro de
catequese;
• Rezar sem pressas, com a devida atenção e
reverência;
• Aprender a rezar devagar e saboreando as
palavras;
• Fazer compreender que esta é a expressão
comum da assembleia reunida.
7.1.3. Exercício prático de orações breves e repetidas42
Oração breve e repetida
Instala-te comodamente. Liberta o espírito das coisas exteriores. Paz, desapego,
abandono!
Escolhe um texto que te agrade, como por exemplo: «Esse permanece em mim
e Eu nele» (Jo 6,56); ou «Estamos revestidos de Cristo» (Gal3, 27); ou «Deu-nos
o Espírito» (Ga 5,5); ou «Da Sua plenitude todos nós recebemos» (Jo 1, 16).
Respira ritmicamente com a frase. Ao princípio, pode não ser muito fácil a
associação respiração-palavras; mas, a pouco e pouco, conseguirás bem; não te
preocupes.
O que repetes com os lábios e a mente, fá-lo descer ao coração. O som dos
lábios diminui progressivamente. Quando o silêncio se impuser, deixa-te
conduzir e volta a tua atenção para o coração, segundo a recomendação
constante dos autores hesicastas. Quando se cala a boca, o coração pode
chegar a «gritar» a sua oração.
42 Sugestão a partir de A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, Coimbra 1989, 231-234
206
Identifica-te com a fórmula repetida. Entra em comunhão com ela, fá-la tua,
deixa-te absorver por ela. Deixa-a descer a esse lugar secreto do teu ser, de
onde procedem as intuições profundas.
Repetição contínua com suporte concreto
Instala-te em posição de meditação. Silencia-te e recolhe-te nos três níveis do
teu ser (corporal, emocional, mental). Toma consciência de que Deus está aqui
presente, neste momento. Invoca o Espírito Santo.
Escolhe a frase sobre que queres orar (poderás tê-la escolhido anteriormente).
Por exemplo: «Deus amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho único» (Jo 3,
16). A frase deve provocar em ti ressonâncias afetivas e mentais. Se for
necessário, uma breve leitura anteriormente feita enriquecerá a compreensão.
Repete a frase lenta e continuamente, tendo a atenção concentrada no seu
sentido. Então, ela adquire uma ressonância interior. Cada palavra se toma
mais clara e enche todo o ser: cabeça, braços, pés, olhos. Ao ritmo da palavra
interior podes juntar o ritmo do coração e inscrever a frase neste ritmo (se
sentires o coração acelerado, abandona o exercício).
Podes também concretizar a frase, projetando-a sobre um objeto, uma pessoa,
uma cena, um acontecimento. Na frase presente, podes fixar o olhar sobre o
Crucifixo: as chagas ensanguentadas, a cabeça coroada de espinhos e
sobretudo o olhar de Jesus falam-te do amor do Pai, que não hesitou em
entregar o Seu Filho à morte, por nosso amor.
Para terminar, não é necessário intervir por uma decisão de vontade. A pouco e
pouco, a frase reduz-se a uma palavra, e depois até a repetição desta palavra
se torna incomodativa. Deixa-a desaparecer e fica num completo silêncio,
contentando-te simplesmente com amar, louvar e adorar.
Caminhar com uma frase bíblica
Se facilmente te emocionas, podes utilizar o passeio-oração, de preferência em
sítios calmos: um caminho solitário, uma estrada não frequentada, um claustro
silencioso.
206
Escolhe uma frase que corresponda ao teu estado de momento. Por exemplo:
«O Senhor é minha luz e minha salvação; a quem temerei?»; ou «Deixo-vos a
Minha paz», ou «O Senhor é meu pastor», ou outra qualquer. Começa a repeti-
la. A pouco e pouco, instalar-se-á um ritmo harmonioso entre passos e palavras,
ou mesmo entre as pulsações do coração e as palavras. Não faças cálculos;
deixa que aconteça.
Talvez também a música venha a surgir: a frase encontrará um certo «ar
musical». Não o emendes; toma-o como aconteceu, sem procurares modificá-lo.
Identifica-te com os passos, com a respiração, com o coração e sobretudo com
a frase; ela te levará para além de si mesma.
Orações breves ao longo do dia
De manhã, podes antecipar mentalmente o teu dia, insistindo sobre o que
prevês de bom: o encontro com os amigos, o êxito no trabalho, a festa de anos
do filho, etc... Diz a ti mesmo: «Isto é-me dado... a mim... para Ele». Deixa-te
atingir por esta corrente de dons que te vêm do amor de Deus. Este sentimento
torna-se oração, que repetes sem cessar: «Tudo vem de Ti!»
Podes também antecipar mentalmente o teu dia, vendo a agenda do que tens a
fazer; então, a oração repetitiva que sai do coração será: «Tudo para Ti!» Na
medida em que se processa a interiorização, esta maneira de oferecer o dia é
mais fecunda do que a simples repetição do «Oferecimento de obras do dia»,
segundo a fórmula habitual.
* Durante o dia, os motivos de alegria que te surgem tornam-se ainda
encontros com o Amor que te os oferece. Então, a tua oração pode ser: "És Tu,
Pai bondoso!" Ao cumprires os teus deveres, a tua atenção dirige-se para
Aquele que te pede o seu cumprimento; a tua oração repetitiva pode ser:
"Como quiseres", ou "faça-se a Tua vontade". Então, ao longo do dia, mais nada
se fecha à vontade de Deus; tudo se torna transparente e os acontecimentos
tornam-se os lugares de encontro com o Seu amor e as Suas intenções.
* Nas viagens, pensa nos seres com quem te cruzas e deseja a cada um aquilo
que necessita; ora: "Abençoa-o, Senhor!"
206
* À noite, faze silêncio, revê o teu dia como dom de Deus, acompanhado por
Ele. A oração pode ser: "Estiveste em tudo; bendito sejas por tudo!"
Quando o Senhor interpela
São numerosas as frases que Jesus dirigiu como «farpas» aos Seus
interlocutores: «Vem e segue-Me», «Vinde e vede», «Deixai tudo», «Farei de
vós pescadores de homens», «Apascenta as minhas ovelhas», «Vigiai e orai»,
«Quem dizei vós que Eu sou?», «Tu amas-Me?
- Escolhe uma destas frases ou qualquer outra do género. Imagina Cristo
Ressuscitado diante de ti. Escuta a pergunta que Ele te faz: «Amas-Me?»; não
tenhas pressa em responder. Ouve-O repetir-te a pergunta. Deixa-a fazer eco
no mais fundo do teu ser. Que ela te acorde, que te provoque até ao momento
em que já não possas conter a resposta.
- Anota cuidadosamente as passagens em que o Senhor Se dirige a ti de
maneira particular. Nos momentos de aridez ou de secura, ser-te-ão de grande
utilidade.
A oração dos jovens, hoje
Os jovens sentem-se particularmente vulneráveis aos «slogans» televisivos e às
canções dos festivais. Isso denota a possibilidade de atingir o psiquismo com a
oração constantemente repetida. Os jovens de Taizé compreenderam-no
instintivamente. As suas gravações puseram-nos em contacto com refrães
largamente divulgados e que brotam do tesouro da mais pura Tradição.
Divulgaram-se em todas as línguas, mas também em latim, para acentuarem o
caráter de comunhão universal na mesma fé: «Veni, Sancte Spiritus»,
«Adoramus Te, Domine», «Kyrie, eleison», «Dai graças ao Senhor, porque Ele é
bom», «Bem-aventurados… bem-aventurados», «Louvai ao Senhor, todos os
povos», «Jubilate Deo», «Magnificat», «Amen! Aleluia!» Cantados em grupo, e
muitas vezes a vozes, estes refrães exercem um fascínio indizível.
7.2. A meditação
206
É a reflexão atenta sobre uma verdade religiosa, para nossa aproveitamento
espiritual e que culmina com um colóquio filial com Deus.
Catecismo da Igreja Católica CIC 2705
A meditação é sobretudo uma busca. O espírito procura compreender o
porquê e o como da vida cristã, para aderir e corresponder ao que o
Senhor lhe pede. Exige uma atenção difícil de disciplinar. Habitualmente,
recorre-se à ajuda dum livro e os cristãos não têm falta deles: a Sagrada
Escritura, em especial o Evangelho, os santos ícones (as imagens), os
textos litúrgicos do dia ou do tempo, os escritos dos Padres espirituais,
as obras de espiritualidade, o grande livro da criação e o da história, a
página do «hoje» de Deus.
Catecismo da Igreja Católica 2706
Meditar no que se lê leva a assimilá-lo, confrontando-o consigo mesmo.
Abre-se aqui um outro livro: o da vida. Passa-se dos pensamentos à
realidade. Segundo a medida da humildade e da fé, descobrem-se nela
os movimentos que agitam o coração e é possível discerni-los. Trata-se
de praticar a verdade para chegar à luz: «Senhor, que quereis que eu
faça?».
Catecismo da Igreja Católica 2707
Os métodos de meditação são tão diversos como os mestres espirituais.
Um cristão deve querer meditar com regularidade; doutro modo, torna-se
semelhante aos três primeiros terrenos da parábola do semeador
(Mc.4,4-7.15-19). Mas um método não passa de um guia; o importante é
avançar, com o Espírito Santo, no caminho único da oração: Cristo Jesus.
Catecismo da Igreja Católica 2708
A meditação põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção e o
desejo. Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da
fé, suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a
Cristo. A oração cristã dedica-se, de preferência, a meditar nos
«mistérios de Cristo», como na «lectio divina» ou no rosário. Esta forma
206
de reflexão orante é de grande valor, mas a oração cristã deve ir mais
longe: até ao conhecimento amoroso do Senhor Jesus, até à união com
Ele.
A
MEDITAÇÃ
O
"A meditação é a uma busca orante, que põe em ação o
pensamento, a imaginação, a emoção, o desejo. Tem por
finalidade a apropriação crente do tema considerado,
confrontado com ele a realidade da vida" (ClC, 2723).
PROPOSTA
S PARA
INICIAR
NESTA
EXPRESSÃ
O
DE
ORAÇÃO
• Fazer (e proclamar no encontro de catequese) a
leitura 'sossegada' da Bíblia;
• Sugerir algumas perguntas para acolher o texto
segundo a dinâmica da "Iectio divina" (Que diz a
Palavra - analisar o texto; Que me diz a Palavra -
aplicar à vida; A que me convida a Palavra - tirar
consequências simples e práticas para a vida);
• Proporcionar o contacto com a vida e a doutrina dos
santos;
• Utilizar os escritos dos Mestres da Espiritualidade;
• Colocar (e 'mostrar') imagens sagradas que facilitem
e proporcionem a meditação e contemplação dos
mistérios de Cristo;
• Ensinar a meditar os mistérios do Rosário;
• Ajudar a ler os textos litúrgicos.
7.2.1. Algumas propostas deste tipo de oração, na Catequese
206
7.3. A contemplação ou a oração mental
A contemplação é o olhar de fé fixado no rosto do Senhor.
Novo Millennium Ineunte 17
“A contemplação do rosto de Cristo não pode inspirar-se senão naquilo
que se diz d'Ele na Sagrada Escritura, que está, do princípio ao fim,
permeada pelo seu mistério; este aparece obscuramente esboçado no
Antigo Testamento e revelado plenamente no Novo, de tal maneira que
S. Jerónimo afirma sem hesitar: « A ignorância das Escrituras é
ignorância do próprio Cristo».
Catecismo da Igreja Católica 2709
O que é a contemplação? Responde Santa Teresa: «Outra coisa não é, a
meu parecer, oração mental, senão tratar de amizade – estando muitas
vezes tratando a sós – com Quem sabemos que nos ama» (7).
A contemplação procura «Aquele que o meu coração ama» (Ct 1, 7) (8), que é
Jesus, e n'Ele o Pai. Ele é procurado, porque desejá-Lo é sempre o princípio do
amor, e é procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer d'Ele e viver n'Ele.
Nesta modalidade de oração pode, ainda, meditar-se; todavia, o olhar vai todo
para o Senhor.
Catecismo da Igreja Católica 2710
A escolha do tempo e duração da contemplação depende duma vontade
determinada, reveladora dos segredos do coração. Não se faz
contemplação quando se tem tempo; ao invés, arranja-se tempo para
estar com o Senhor, com a firme determinação de não Lho retirar
durante o caminho, sejam quais forem as provações e a aridez do
encontro. Não se pode meditar sempre; mas pode-se entrar sempre em
contemplação, independentemente das condições de saúde, trabalho ou
afetividade. O coração é o lugar da busca e do encontro, na pobreza e na
fé.
206
Catecismo da Igreja Católica 2711
A entrada na contemplação é análoga à da liturgia eucarística: «reunir» o
coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar
na casa do Senhor que nós somos, despertar a fé para entrar na
presença d'Aquele que nos espera, fazer cair as nossas máscaras e voltar
o nosso coração para o Senhor que nos ama, de modo a entregarmo-nos
a Ele como uma oferenda a purificar e transformar.
Catecismo da Igreja Católica 2712
A contemplação é a oração do filho de Deus, do pecador perdoado que
consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer
corresponder amando ainda mais. Mas ele sabe que o seu amor de
correspondência é o que o Espírito Santo derrama no seu coração,
porque tudo é graça da parte de Deus. A contemplação é a entrega
humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais
profunda com o seu Filho muito amado.
Catecismo da Igreja Católica 2713
Assim, a contemplação é a expressão mais simples do mistério da
oração. É um dom, uma graça; só pode ser acolhida na humildade e na
pobreza. É uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo do
nosso ser. A contemplação é comunhão: nela, a Santíssima Trindade
conforma o homem, imagem de Deus, «à sua semelhança».
Catecismo da Igreja Católica 2714
A contemplação é, também, por excelência, o tempo forte da oração.
Nela, o Pai enche-nos de força, pelo Espírito Santo, para que se fortaleça
em nós o homem interior, Cristo habite nos nossos corações pela fé e nós
sejamos radicados e alicerçados no amor.
Catecismo da Igreja Católica 2715
206
A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. «Eu olho para Ele e Ele
olha para mim» – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d'Ars
em oração diante do sacrário. Esta atenção a Ele é renúncia ao «eu». O
seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do
nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua
compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige também o
seu olhar para os mistérios da vida de Cristo. E assim aprende «o
conhecimento íntimo do Senhor» para mais O amar e seguir.
Catecismo da Igreja Católica 2716
A contemplação é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, esta
escuta é obediência da fé, acolhimento incondicional do servo e adesão
amorosa do filho. Participa do «sim» do Filho que se fez Servo e do «faça-
se» da sua humilde serva.
Catecismo da Igreja Católica 2717
A contemplação é silêncio, este «símbolo do mundo que há de vir» ou
«linguagem calada do amor» . Na contemplação, as palavras não são
discursos, mas acendalhas que alimentam o fogo do amor. É neste
silêncio, insuportável para o homem «exterior», que o Pai nos diz o seu
Verbo encarnado, sofredor, morto e ressuscitado e que o Espírito filial
nos faz participar da oração de Jesus.
Catecismo da Igreja Católica 2718
A contemplação é união à oração de Cristo na medida em que nos faz participar
no seu mistério. O mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia e o
Espírito Santo faz-nos viver dele na contemplação, para que seja manifestado
pela caridade em ato.
Catecismo da Igreja Católica 2719
A contemplação é uma comunhão de amor, portadora de vida para a
multidão, na medida em que é consentimento em permanecer na noite
da fé. A noite pascal da ressurreição passa pela da agonia e do sepulcro.
São estes três tempos fortes da «Hora» de Jesus, que o seu Espírito (e
206
não a «carne», que é «fraca») nos faz viver na oração contemplativa. É
preciso consentir em velar uma hora com Ele.
7.3.1. Um olhar contemplativo43
No espaço da comunhão e do ágape, quem reza chega pouco a pouco à
contemplação. Esta não é visão de Deus - porque «ninguém pode vê-l'O e
continuar com vida», avisa o adágio do Antigo Testamento (cf Ex 33,20), e o
discípulo amado repete-o: «Ninguém jamais viu a Deus» (Jo 1, 18)-, mas é um
olhar novo sobre tudo e sobre todos. «Caminhamos pela fé e não ainda pela
visão» (2Cor 5,7), afirma por sua vez o Apóstolo Paulo; isto significa que na fé
Deus não Se deixa ver por nós, e todavia Ele manifesta-Se segundo a promessa
de Jesus: «Quem Me ama será amado por Meu Pai. Eu também o amarei, e
manifestar-Me-ei a ele.» (Jo 14,21)
Esta manifestação não acontece, porém, como já se disse, através da visão,
nem por um conhecimento teórico, mas numa comunicação interior do poder
divino: Deus revela o Seu desígnio de salvação, a Sua economia, na qual
sustenta a Criação inteira e ama todas as criaturas, todos os homens.
É esta, então, a autêntica contemplação cristã: fixar o olhar no amor de Deus
até ver, por graça, toda a realidade com os Seus olhos.
Então Deus brilha nos nossos corações para fazer resplandecer «o
conhecimento da Sua glória, que resplandece na face de Cristo» (2Cor 4,6), e
nós participamos do Seu olhar sobre toda a história e sobre todas as criaturas.
O nosso olhar torna-se então o dos querubins, um olhar contemplativo, cheio de
amor e de misericórdia...
E assim nos é dada a makrothymía de Deus: o ver, sentir, pensar em grande
cada coisa, cada criatura, mesmo a mais infeliz, mesmo a que está marcada
pelo pecado e mais ferida na sua semelhança com Deus. Este é o verdadeiro
43 Seguimos aqui ENZO BIANCHI, Porque rezar, como rezar, Paulus Editora, Lisboa 2011, 46-49
206
discernimento, que tem como fruto o "apocalipse", a revelação de todas as
coisas! O orante torna-se capaz de ver "além", de ver em profundidade: ele vê
que tudo é graça, tudo é dom de Deus, e torna-se vísceras de misericórdia nas
vísceras de misericórdia de Deus, mesmo perante o mal e o pecado que
contradizem o ágape.
Eis como se exprimia a esse respeito Isaac de Nínive, o grande Padre da Igreja
siríaca: o que é um coração misericordioso? É o fogo do coração por cada
criatura: pelos homens, pelos passarinhos, pelos animais, pelos demónios e por
tudo o que existe. Ao lembrar-se deles e à vista deles, os olhos [do cristão]
derramam lágrimas, pela violência da misericórdia que lhe aperta o coração
devido a grande compaixão. O coração derrete-se e não pode suportar ouvir ou
ver um dano ou um pequeno sofrimento de qualquer criatura. E por isso ele
oferece orações com lágrimas em todo o tempo, mesmo pelos seres que não
são dotados do uso da razão; pelos inimigos da verdade e por aqueles que a
contrariam, para que sejam guardados e fortalecidos; e até pelos répteis,
devido à sua grande misericórdia, que no seu coração brota sem medida, à
imagem de Deus.
Se a oração é autenticamente cristã, se brota da escuta de Deus, se se abre à
Sua presença e se torna comunhão até viver com Ele a relação de aliança,
então o seu fruto é a caridade, é o amor por Deus, pelos homens e pela Criação
inteira.
A oração tende, assim, a tornar-se vida, permeia toda a existência do crente,
que pode cantar com o salmista: «Eu sou oração.» (Sl 109,4) O crente já não faz
oração, mas torna-se oração, como se pôde dizer de São Francisco de Assis: «Já
não rezava, já se tinha tornado oração».
No final da sua vida de oração, São Bento de Núrcia, estando à janela e fitando
o olhar nas espessas trevas da noite, descobre uma luz que descia do alto e
afugentava a densa escuridão; naquela visão «o mundo inteiro foi posto diante
dos seus olhos como que reunido num único raio de sol» (SÃO GREGÓRIO
MAGNO, Diálogos, II, 35). É assim que o contemplativo vê o mundo: com grande
misericórdia, com profunda compaixão. Ele recebeu como dom o olhar de Deus!
7.3.2. Fases da oração contemplativa44
44 Para uma análise mais completa, das fases da contemplação, cf. A. DUARTE DE ALMEIDA, O erguer das nossas mãos vazias, Gráfica de Coimbra, 1989, 245-248
206
A meditação põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo.
Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da fé, suscitar a
conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir Cristo. A oração cristã
dedica-se a meditar os mistérios de Cristo, como na «lectio divina» ou no
rosário. Esta forma de reflexão é de grande valor. Mas a oração cristã deve ir
mais longe: até ao conhecimento amoroso do Senhor Jesus, até à união com
Ele. (cf. CIC 2705-2708). É preciso chegar à contemplação. Pode-se passar ou
demorar em determinadas fases. Empregar todo o tempo de oração a procurar
sossegadamente a presença do Senhor.
As fases são sempre preparatórias. O importante e o que se vive.
1. Fase de relaxamento e de silêncio:
Senta-te e acalma-te. Deixa que desapareça a tensão. Intenta fazer-te
consciente da presença pessoal de Deus. Não deve haver mínima violência.
Deixar tudo para adquirir consciência da presença de Deus. Tensões,
ansiedades, preocupações... tudo se desvanece diante dele. Deixa que o teu
coração se acalme, os pensamentos obsessivos, as emoções. «Procura a Paz e
anda atrás dela» (Sal.34). «O coração é o lugar da busca e do encontro, na
pobreza e na fé». (CIC 2710). Se for preciso dispõe-te a ocupar todo o tempo da
oração nisto. «A escolha do tempo e duração da contemplação depende de uma
vontade determinada, reveladora dos segredos do coração. Não se faz
contemplação quando se tem tempo; ao invés, arranja-se tempo para estar com
o Senhor, com a firme determinação de não Lho retirar durante o caminho,
sejam quais forem as provações e a aridez do encontro. Não se pode meditar
sempre; mas pode-se entrar sempre em contemplação» (CIC 2710). Este
movimento para a Paz (silêncio) é que nos abre à influência do dom, da graça. É
um movimento de entrega incondicional à vontade de Deus. Alguns pensam
que o relaxamento pode ajudar a produzir sono. Não. Trata-se de nos
relaxarmos para nos tornarmos mais despertos. «A contemplação é silêncio,
este símbolo do mundo que há de vir ou linguagem calada do amor. Na
contemplação as palavras não são discursos, mas acendalhas que alimentam o
fogo do amor. É neste silêncio insuportável para o Homem exterior que o Pai
nos diz o seu Verbo Incarnado, sofredor, Morto e Ressuscitado e que o Espírito
filial nos faz participar da oração de Jesus» (CIC 2717).
206
2. Consciencialização da presença:
Sentados tranquilamente e abertos infinitamente a uma consciencialização da
presença de Deus. Sou eu que trato de tomar consciência disso. Deus é-me
mais íntimo a mim que eu a mim próprio (Sto. Agostinho). No espelho da
existência criada, eu sou imagem viva dele. «A entrada na contemplação é
análoga à da Liturgia Eucarística: “reunir” o coração, recolher todo o nosso ser,
sob a moção do Espírito Santo, habitar na Casa do Senhor que nós somos,
despertar a fé para entrar na presença dAquele que nos espera, fazer cair as
nossas máscaras e voltar o nosso coração para o Senhor que nos ama, de modo
a entregarmo-nos a Ele, como oferenda a purificar e a transformar» (CIC 2711).
3. Entrega:
Despojar-me da posse e suplicar a Deus que me possua. Cresço na convicção
de que a minha fé e a minha esperança são verdadeiras. Deus ocupa-se das
minhas coisas. A minha única oração (preocupação) é que ele viva e reine em
mim. É a fase da petição, ardente e invisível procura. A súplica termina na fé
certa de que a minha oração é escutada.
4. Aceitação:
Uma grande parte das reações naturais são gestos de não aceitação. A ira
instala-se, a paciência é pouca. Negamo-nos a aceitar pessoas, factos,
situações e até nós mesmos. Na oração isto é uma barreira. A influência nas
pessoas e acontecimentos só é realizada através do perdão e do amor, da
aceitação, do sofrimento, do agradecimento. Na Oração tomamos consciência
das barreiras, da não aceitação. Renunciamos ao criticismo, à violência do
pensamento das palavras e das obras. Então chegamos a dar o salto da fé e do
amor. «A contemplação é a oração do filho de Deus pecador perdoado que
consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer corresponder
amando ainda mais» (CIC 2712).
5. Transformação:
Fase do arrependimento e do perdão: Pode acontecer que eu tenha uma
sensação de pecado, de fracasso. Pode ser um estado de tristeza, Há que
206
aceitar isto, com espírito de arrependimento e pequenez. Somos incapazes de
tantas coisas. Aceitemos estes limites. Não é permitido alimentar sentimentos
de culpa. Há que abraçar o perdão total de Deus. Sentimentos de culpa diante
de Deus são egoísmos. Damos mais importância ao nosso pequeno pecado do
que á grande misericórdia de Deus. Todos os pecados são graves ainda que
algo muito pequenino nos afaste de Deus. Cada um de nós é isso. O grito do
pecado transforma-se em pedido de ajuda a Deus. «A contemplação é a
entrega humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais
profunda com o seu Filho muito amado» (CIC 2712). Isto vai-se fazendo de
modo cada vez mais espontâneo. Assim, afastados os obstáculos, toda a
decisão da vontade, pode entrar na fase da Contemplação.
6. Contemplação:
“Cum- templum”, quer dizer, num lugar à parte; deixar-se possuir pela Palavra;
deixar-se abraçar pelo Absoluto que nos toma «à parte». Assim a contemplação
é como que o retorno ao paraíso, dando-nos a consolação; a irrupção do divino
na História; a visão panorâmica (Teoria) de tudo à luz do Crucificado do
Ressuscitado. Nesta fase, só a Deus desejar, só a Deus buscar, a sua presença
escondida e gloriosa. Olho-o com olhar da fé. O olhar interior fixa-se. O meu
olhar descansa simples e amorosamente. A minha oração é uma amorosa
consciência dele. «Olho porque amo. Olho para amar. E o meu amor é
alimentado pelo olhar» (São João da Cruz). Oração, sem palavras, alimentada
pelo silêncio. Esta fase pode ser apoiada mediante uma oração repetitiva. Só o
amor veemente é luz. «A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. Eu
olho para Ele e ele olha para Mim. Esta atenção a Ele é renúncia ao seu. O seu
olhar purifica o nosso coração: ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da
sua compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige o seu olhar
também para os mistérios da vida de Cristo» (CIC 2715).
«O que é a contemplação? Responde Santa Teresa: «Outra coisa não é, a meu
parecer, oração mental, senão tratar de amizade - estando muitas vezes
tratando a sós com Quem sabemos que nos ama». A contemplação procura
aquele que o meu coração ama (Ct.1,7), que é Jesus, e nEle o Pai. Ele é
procurado, porque desejá-lO é sempre o princípio do amor e é procurado na fé
pura, esta fé que nos faz nascer dele e viver nele. Nesta modalidade de oração,
pode ainda meditar-se: todavia o olhar vai todo para o Senhor» (CIC 2709).
206
7. Receção:
Buscai e achareis. Ele procura-nos antes de nós o buscarmos. Com amor eterno
te amei (Jer.). Sinto o seu olhar. Aquele que ama será amado por meu Pai. «Ele
o amará; viremos a ele e faremos nEle a nossa morada» (Jo.14,23). Podemos
discerni-lo na fé, mediante a graça na experiência. Torna-se maior a capacidade
de aceitar e mais profundo o desejo de dar graças. Esta fase dá forças para
servir, para testemunhar a Paz e a Unidade.
8. Fase da Intercessão:
Jesus salva pela sua ininterrupta intercessão os nossos corações. Se o seu
Espírito foi acolhido em nós, vemos que esse Deus que acolhemos e nos habita,
se preocupa com todos, com o mundo todo, com o universo. Então podemos
chegar a desfalecer na súplica. Oramos segundo a sua vontade, para que o seu
Reino venha, a sua vontade se faça. Participamos da ânsia de salvação do Pai.
«A contemplação é união à oração de Cristo, na medida em que nos faz
participar no seu mistério» (CIC 2718).
9. Fase do louvor e do agradecimento:
Jesus dá graças ao Pai e ensina os seus discípulos a fazer o mesmo. Aceitamos
participar da Paixão de Jesus. Assim se realiza a sua vontade.
«Assim a contemplação é a expressão mais simples do mistério da oração. É
um dom, uma graça; só pode ser acolhida ma humildade e na pobreza. É uma
relação de aliança, estabelecida por Deus no fundo do nosso ser. A
contemplação é comunhão: nela a Santíssima Trindade conforma o homem,
imagem de Deus, à sua semelhança» (CIC 2713).
7.3.3. Desenvolver a dimensão contemplativa da Vida
Vamos percorrer alguns passos da oração, para avançar corajosamente nos
caminhos da missão. E, deste modo, redescobrir o gosto por aquilo que
podíamos chamar a dimensão contemplativa da vida.
Esta unidade, entre oração e missão, testemunhada por Jesus, é uma urgência,
declarada pelo Papa Bento XVI, na sua Encíclica sobre o Amor. Diz o Papa:
206
“Chegou o momento de reafirmar a importância da oração face ao
ativismo e ao secularismo, que ameaça muitos cristãos empenhados no
trabalho caritativo [diria por extensão, «no trabalho apostólico»45” .
E diz antes ainda:
“Quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando a situação
apresenta todas as características duma emergência e parece impelir
unicamente para a ação. A Beata Teresa de Calcutá é um exemplo
evidentíssimo do facto que o tempo dedicado a Deus na oração não só
não lesa a eficácia nem a operosidade do amor ao próximo, mas é
realmente a sua fonte inexaurível. Na sua carta para a Quaresma de
1996, esta Beata escrevia aos seus colaboradores leigos: «Nós
precisamos desta união íntima com Deus na nossa vida quotidiana. E
como poderemos obtê-la? Através da oração»46.
7.3.3.1. Não é fácil, hoje, viver a dimensão contemplativa da existência
Há uma falta de hábito, quer nos agentes pastorais, (padres e leigos), quer na
grande massa da população, da prática da oração e das pausas contemplativas.
Neste ponto, a nossa civilização ocidental se distingue claramente da civilização
do Oriente, onde gozam de grande prestígio a prática e as técnicas
contemplativas, assim como o gosto pela reflexão profunda.
Por outro lado, surge, com grande vitalidade, a busca, diversamente motivada,
por parte de alguns grupos, de formas e momentos mais intensos de oração, de
experiências de "deserto" e de regresso natural. Dizia-nos João Paulo II, na
Carta Apostólica sobre a Igreja no novo Milénio:
Novo Millennium Ineunte 33
“Não será porventura um «sinal dos tempos» que se verifique hoje, não
obstante os vastos processos de secularização, uma generalizada
exigência de espiritualidade, que em grande parte se exprime
45 BENTO XVI, Encíclica Deus Charitas est, 3746 Ibidem, 36
206
precisamente numa renovada carência de oração? Também as outras
religiões, já largamente presentes nos países de antiga cristianização,
oferecem as suas respostas a tal necessidade, chegando às vezes a fazê-
lo com modalidades cativantes. Nós que temos a graça de acreditar em
Cristo, revelador do Pai e Salvador do mundo, temos obrigação de
mostrar a profundidade a que pode levar o relacionamento com Ele.
A grande tradição mística da Igreja, tanto no Oriente como no Ocidente,
é bem elucidativa a tal respeito, mostrando como a oração pode
progredir, sob a forma dum verdadeiro e próprio diálogo de amor, até
tornar a pessoa humana totalmente possuída pelo Amante divino,
sensível ao toque do Espírito, abandonada filialmente no coração do Pai.
Experimenta-se então ao vivo a promessa de Cristo: « Aquele que Me
ama será amado por meu Pai, e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele »
(Jo 14,21). Trata-se dum caminho sustentado completamente pela graça,
que no entanto requer grande empenhamento espiritual e conhece
também dolorosas purificações (a já referida « noite escura »), mas
desemboca, de diversas formas possíveis, na alegria inexprimível vivida
pelos místicos como « união esponsal ». Como não mencionar aqui, entre
tantos testemunhos luminosos, a doutrina de S. João da Cruz e de S.
Teresa de Ávila?”
Verifica-se a falta mais ou menos generalizada de consciência da importância
do problema, assim como uma certa nostalgia deste valor irrenunciável da vida,
que é a dimensão contemplativa! Talvez as pessoas rezem e reflitam mais do
que imaginam ou afirmam. Trata-se de ajudá-las a darem um nome mais
preciso, uma direção mais constante, um conteúdo mais cristão a certos
impulsos providenciais do coração, que estão presentes, mais ou menos
intensamente, na história de cada um de nós. O êxodo maciço das cidades nos
períodos de férias e nos fins de semanas, no fundo, exprime também este
desejo de volta às raízes contemplativas da vida.
7.3.3.2. O homem aberto a Deus
O fundo geral desta situação é constituído pela cultura ocidental hodierna, que
visa prevalentemente à produtividade, toda voltada para o "fazer", o "produzir",
mas que, em contraposição, gera uma necessidade vaga de silêncio, de escuta,
de respiração contemplativa.
206
Todavia, ambas as tendências correm o risco de permanecer superficiais. Tanto
o ativismo frenético, como uma certa maneira de compreender a contemplação,
podem representar uma "fuga" da realidade. Para fazer evoluir cristãmente esta
situação, não basta despertar uma busca de oração.
Será necessário também purificar, orientar e cristianizar certas formas de
busca, incorretas ou insuficientes. Devem-se evitar especialmente as
contraposições genéricas entre ação, luta e revolução, dum lado, e
contemplação, silêncio, passividade, do outro. É necessário dar uma orientação
especificamente cristã, quer à ação, quer à contemplação.
7.3.3.3. Recuperar alguns valores
Ao propormos refletir sobre a dimensão contemplativa da vida, pretendemos
implicitamente a recuperação de algumas certezas que, nos confusos, embora
fecundos anos ultimamente transcorridos, sofreram algum esmorecimento e
alguns eclipses. Entre elas, estão a importância religiosa do silêncio e o primado
na pessoa humana, do ser sobre o ter, o dizer, o fazer; podíamos ainda aludir a
uma justa relação pessoa-comunidade. Mas dêmos lugar sobretudo do silêncio:
O homem que, segundo os ditames da cultura dominante, eliminou de seus
pensamentos o Deus vivo, que com sua presença preenche todo o espaço, não
pode suportar o silêncio. Persuadido de que vive à margem do nada, o silêncio
é para ele o sinal terrível do vazio.
Qualquer ruído, embora importuno e obsessivo, lhe parece mais agradável;
qualquer palavra, mesmo a mais insípida, é libertadora dum pesadelo; quando
todas as vozes se calam, prefere qualquer coisa a ser implacavelmente
colocado diante do horror do nada. Qualquer conversa fiada, qualquer lamento,
qualquer estrido é bem aceite se, de algum modo ou por certo tempo, consegue
distrair a mente da consciência pavorosa do universo deserto.
O homem "novo" – que a fé prendou de um olhar penetrante que enxerga além
do cenário, e a caridade, de um coração capaz de amar o Invisível - sabe que o
vazio não existe e que o nada é eternamente suplantado pelo Infinito divino;
sabe que o universo está povoado de criaturas alegres; sabe que é espectador
e também, de certo modo, participante da exultação cósmica, reflexo do misté-
206
rio de luz, de amor e de felicidade que constitui a vida inexaurível do Deus
Trino.
Por isso, tal como o Senhor Jesus que, de madrugada, subia solitário ao topo
dos montes (cf. Mc. 1,3; Lc. 4,42; 6,12; 9,28), o homem novo aspira a fruir de
algum espaço imune de qualquer ruído alienante, onde lhe seja possível prestar
ouvidos e captar alguma coisa da festa eterna e da voz do Pai.
Mas é mister precaver-se de mal-entendidos: o homem "velho", que teme o
silêncio, e o homem "novo" convivem habitualmente em cada um de nós, em
proporções diversas. Cada um de nós é exteriormente agredido por hordas de
palavras, de sons e de clamores que ensurdecem o nosso dia e até mesmo a
nossa noite; cada um de nós é interiormente investido pelo falatório mundano
que, com mil futilidades, nos distrai e dispersa.
Nessa algazarra, o homem novo que existe em nós deve lutar para assegurar
ao "céu" da sua alma aquele prodígio de "um silêncio de cerca de meia hora" de
que fala o Apocalipse (8,1); que seja um silêncio verdadeiro, repleto da
Presença, ressoante da Palavra, atento à escuta, aberto à comunhão.
O silêncio é a homenagem que a Palavra presta ao Espírito!
O silêncio é, na verdade, uma virtude fundadora, que permite ao Homem cair
em si para ouvir o essencial, para se inclinar à voz discreta do Espírito Santo,
seu Mestre interior! Também Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto.
“Permanece em silêncio diante do Senhor”, diz o Salmista (Sal.37,7); pois
graças ao silêncio, o homem mergulha em si mesmo e descobre a sua essência
espiritual que o funda!
7.3.3.4. Oração e ser do homem.
Considerada em sua natureza profunda e no seu momento originário, a oração
não é uma atividade que se justapõe extrinsecamente ao homem: ela jorra do
ser, destila e flui da realidade de todos os homens.
Poderíamos dizer que a oração é, de certo modo, o próprio ser do homem que
se torna transparente à luz de Deus, que se reconhece por aquilo que é e, ao
206
reconhecer-se, reconhece a grandeza de Deus, a Sua santidade, o Seu amor, o
Seu desígnio de miseric6rdia, em resumo, toda a realidade divina e o plano
divino de salvação, tais como foram revelados em Nosso Senhor Jesus Cristo
crucificado e ressuscitado.
Antes mesmo que palavra, antes mesmo que formulação de pensamento, a
oração é uma perceção da realidade que logo desabrocha em louvor, em
adoração, em agradecimento e em pedido de piedade Aquele que é a origem
do ser.
Nesta experiência global, sintética e espiritualmente concreta, emergem e se
configuram como conteúdos fundamentais:
- a perceção da vaidade das coisas, quando desvinculadas do plano de Deus, a
qual se transforma em súplica, para não cairmos na cilada da insignificância e
do vazio;
- a perceção da presença dAquele que é plenitude e jamais está ausente e
distante do local onde alguma coisa tem existência real;
- a perceção do Cristo vivo, em quem se resume e personaliza todo o plano
divino que fundamenta o reconhecimento e a convicção da relação de
comunhão com Aquele que é o único Senhor e Salvador;
- a perceção, em Cristo, da vontade do Pai como norma absoluta da vida, de
modo que a oração não seja mais uma tentativa de dobrar a vontade divina à
nossa, mas a tentativa sempre renovada de conformar a nossa vontade à do Pai
(cf. Mt 6,10; 26,39-42);
- a perceção da realidade do Espírito Santo, fonte de toda a vida eclesial, que
reza em n6s (cf. Rom 8,19-27), de sorte que a oração se torna anelo para sair
da solidão e reclusão do individualismo e solicitação para nos abrirmos sempre
mais ao Reino de Deus, que se vai instaurando nos corações e entre os homens,
isto é, à Igreja;
- a perceção da cruz como vitória sobre o mal que existe em nós e fora de nós,
a qual faz da oração uma atitude de contestação ao pecado, à injustiça ao
"mundo", e de nostalgia da Jerusalém celeste onde tudo é santo.
206
Diante do Pai, que é a fonte de minha vida e a minha meta final, diante do
drama de um destino que é posto em jogo uma vez por todas, diante do sim e
do não, que decidem da minha sorte eterna, encontro-me eu e não o grupo, a
classe ou a comunidade.
Não estou só, porque o Espírito Santo implora em mim e por mim, aquilo que eu
não sei pedir, e o meu Salvador está junto de mim, une-me a Si e me faz
participante de seus sentimentos filiais. Contudo, ninguém pode substituir-me
nesta empresa.
Embora eu viva, tome decisões e reze numa comunidade de irmãos que me
ampara, me reanima e me dilata espiritualmente, em última análise serei
sempre eu quem viverá, correrá o risco da decisão e enfrentará a aventura
difícil e inebriante da vida de oração.
7.3.4. Algumas propostas, para iniciar na oração contemplativa, na
Catequese
A ORAÇÃO
MENTAL OU
CONTEMPLAÇÃO
"A oração mental é a expressão simples do mistério
da oração. É um olhar de fé fixo em Jesus, uma
escuta da Palavra de Deus, um amor silencioso.
Realiza a união à oração de Cristo, na medida em
que nos faz participar no seu mistério" (CIC, 2724).
PROPOSTAS
PARA INICIAR
NESTA
EXPRESSÃO
DE ORAÇÃO
• Dedicar expressamente um tempo para a oração
mental no encontro de catequese;
• Ajudar a preparar-se 'mentalmente' para a
celebração intensa da Eucaristia;
• Refletir sobre a vontade de Deus a nosso
respeito;
• Proporcionar imagens, grelhas e gráficos de
análise que possibilitem uma revisão da vida;
• (ajudar a) Fazer frequentemente o exame de
consciência;
• Refletir com frequência e convicção que tudo é
graça, por parte de Deus.
206
206
7.3.5. Dois exercícios de contemplação adquirida
A)
1. Triplo recolhimento e invocação do Espírito Santo
2. Partir de um mistério da vida de Cristo e penetra nele com inteligência e
afetividade
3. Quando for oportuno, deixar de pensar e ficar interiormente numa atitude
de atenção amorosa;
B)
1. Sentar-se tranquilo e verificar o silêncio nos três níveis;
2. Colocar-se na presença de Deus. Tomar consciência de que Ele está aqui e
agora e contigo e em ti;
3. Manter essa consciência de presença, sem dizer, nem pensar, nem imaginar
nada. Deixa esta presença invadir-te, penetrar-te transformar-te. Esta
presença silenciosa é o início da aventura contemplativa;
206
DOMINGO, 09HO0-10H30
VIII. Um método para a leitura orante da Bíblia: a
Lectio Divina47
“A lectio divina é uma leitura, individual ou comunitária, de uma passagem
mais ou menos longa da Escritura acolhida como Palavra de Deus e que se
desenvolve sob a moção do Espírito em meditação, oração e contemplação.”
(Interpretação da Bíblia na Igreja - Pontifícia Comissão Bíblica, 1993) Trata-se,
portanto, de uma leitura orante da Bíblia, que ajuda a pessoa a colocar-se
diante de Deus e em colóquio com Ele, deixando-o falar ao coração e à vida de
cada um. É um meio para que a Palavra de Deus escrita na Bíblia seja lida,
refletida, rezada e vivida, ou, dito doutro modo, para poder conhecer,
aprofundar e viver a Palavra de Deus.
8.1. Um pouco de história
Na sua origem, a Lectio Divina nada mais era do que a leitura que os cristãos
faziam da Bíblia para alimentar sua fé, esperança e amor, e assim animar assim
a sua caminhada. A Lectio Divina é tão antiga quanto a própria Igreja, que vive
da Palavra de Deus e dela depende como a água da sua fonte (D.V. ns.
7.10.21).
A Lectio Divina é a leitura crente e orante da Palavra de Deus, feita a partir da
fé em Jesus, que disse: "o Espírito vos recordará tudo o que eu disse e vos
introduzirá na verdade plena" (Jo.14,26; 16,13). No decorrer dos séculos, esta
leitura crente e orante da Bíblia alimentou a Igreja, as comunidades, os cristãos.
Inicialmente, não era uma leitura organizada e metódica, mas era a própria
Tradição que se transmitia, de geração em geração, através da prática do povo
cristão. A expressão Lectio Divina vem de Orígenes. Ele diz que, para ler a
Bíblia com proveito, é necessário um esforço de atenção e de assiduidade:
"Cada dia, de novo, como Rebeca, temos de voltar à fonte da Escritura!" E o
que não se consegue com o próprio esforço, assim ele diz, deve ser pedido na
oração, "pois é absolutamente necessário rezar para poder compreender as
coisas divinas". Deste modo, assim ele concluiu, chegaremos a experimentar o
47 Retomo e melhoro texto já publicado: AMARO GONÇALO, Esta Palavra perto de ti, Ed. Paróquia de São Gonçalo - SDECIA, Porto 2004
206
que esperamos e meditamos. Nestas reflexões de Orígenes, temos um resumo
do que vem a ser a Lectio Divina.
A Lectio Divina tornou-se a espinha dorsal da Vida Religiosa. Em torno da
Palavra de Deus, ouvida, meditada e rezada, surgiu e se organizou o
monaquismo do deserto. As sucessivas reformas e transformações da Vida
Religiosa sempre retomavam a Lectio Divina como a sua marca registada. As
regras monásticas de Pacómio, Agostinho, Basílio e Bento fazem da leitura da
Bíblia, junto com o trabalho manual e a liturgia, a tríplice base da Vida
Religiosa.
A sistematização da Lectio Divina em quatro degraus veio só no século XII. Por
volta do ano 1150, Guigo, um monge cartuxo, escreveu um livrinho chamado
“Escada de Jacob. Tratado sobre o modo de orar, escada dos monges e escada
do Paraíso”. Na introdução, antes de expor a teoria dos quatro degraus, ele se
dirige ao "caro irmão Gervásio" e diz: "Resolvi partilhar com você algumas das
minhas reflexões sobre a vida espiritual dos monges. Pois você conhece esta
vida por experiência, enquanto eu só a conheço por estudo teórico. Assim, você
poderá ser juiz e corretor das minhas considerações".
Guigo quer que a teoria da Lectio Divina seja avaliada e corrigida a partir da
experiência e da prática dos irmãos. Em seguida, ele introduz os quatro
degraus:
"Certo dia, durante o trabalho manual, quando estava refletindo sobre a
atividade do espírito humano, de repente se apresentou à minha mente
a escada dos quatro degraus espirituais: a leitura, a meditação, a
oração, a contemplação. Essa é a escada dos monges, pela qual eles
sobem da terra ao céu. É verdade, a escada tem poucos degraus, mas
ela é de uma altura tão imensa e inacreditável que, enquanto a sua
extremidade inferior se apoia na terra, a parte superior penetra nas
nuvens e investiga os segredos do céu".
Depois disto, Guigo mostra como cada um desses degraus tem a propriedade
de produzir algum efeito específico no leitor da Bíblia. Em seguida, ele resume
tudo:
"A leitura é o estudo assíduo das Escrituras, feito com espírito atento.
206
A meditação é uma diligente atividade da mente que, com a ajuda da própria
razão, procura o conhecimento da verdade oculta.
A oração é o impulso fervoroso do coração para Deus, pedindo que afaste os
males e conceda as coisas boas.
A contemplação é uma elevação da mente sobre si mesma que, suspensa em
Deus, saboreia as alegrias da doçura eterna".
Nesta descrição dos quatro degraus, Guigo sintetiza a Tradição que vinha de
longe e a transforma em instrumento de leitura para servir de instrução aos
jovens que se iniciavam na vida monástica.
No século XIII, os Mendicantes tentaram criar um novo tipo de Vida Religiosa,
mais inserida no meio dos "Menores" (pobres). Eles fizeram da Lectio Divina a
fonte inspiradora do seu movimento renovador, como transparece claramente
na vida e nos escritos dos primeiros franciscanos, dominicanos, servitas,
carmelitas e outros mendicantes. Através da sua vida inserida, souberam
colocar a Lectio Divina a serviço do povo pobre e marginalizado daquela época.
Houve, em seguida, um longo período em que a Lectio Divina arrefeceu. A
leitura da Bíblia não era fomentada, nem mesmo na Vida Religiosa. Era o infeliz
efeito da Contra-Reforma na vida da Igreja. Santa Teresinha, por exemplo, não
tinha acesso ao texto integral do Antigo Testamento. Insistia-se mais na leitura
espiritual. O medo do protestantismo fez perder o contacto com a fonte!
No período contemporâneo, numa Instrução da Comissão Bíblica aprovada pelo
Papa Pio XII recomendou-se a todos os clérigos, tanto seculares como regulares
(De Scriptura Sacra, 1950; E. B., 592). A insistência na lectio divina sob o seu
duplo aspeto, individual e comunitário, voltou assim a ser atual. A finalidade
que se procura é a de suscitar e de alimentar «um amor efetivo e constante» à
Sagrada Escritura, fonte de vida interior e de fecundidade apostólica (E. B., 591
e 567), de favorecer também uma melhor inteligência da liturgia e de assegurar
à Bíblia um lugar mais importante nos estudos teológicos e na oração.
A Constituição Conciliar Dei Verbum (n. 25) insiste igualmente sobre a «leitura
assídua das Escrituras» para os padres e religiosos. Além disso - e é uma
novidade - ela convida também «todos os fiéis do Cristo» a adquirir «por uma
frequente leitura das Escrituras divinas "a eminente ciência de Jesus Cristo"
(Fil3,8)». Diversos meios são propostos. Ao lado de uma leitura individual é
sugerida uma leitura em grupo. O texto conciliar sublinha que a oração deve
206
acompanhar a leitura da Escritura, pois ela é a resposta à Palavra de Deus
encontrada na Escritura sob a inspiração do Espírito.
Em 1993, a Comissão Pontifícia Bíblica, num documento sobre a “Interpretação
da Bíblia na Igreja” reitera o interesse pela Lectio Divina, sistematizando, de
certo modo, uma definição e resumindo a sua história:
“A lectio divina é uma leitura, individual ou comunitária, de uma
passagem mais ou menos longa da Escritura, acolhida como Palavra de
Deus e que se desenvolve sob a moção do Espírito em meditação,
oração e contemplação. O cuidado de se fazer uma leitura regular, e
mesmo quotidiana, da Escritura corresponde a uma prática antiga na
Igreja. (…) Numerosas iniciativas foram tomadas no povo cristão para
uma leitura comunitária e só se pode encorajar este desejo de um
melhor conhecimento de Deus e do seu plano de salvação em Jesus
Cristo através das Escrituras» (Comissão Pontifícia Bíblica, A
Interpretação da Bíblia na Igreja, 15.04-1993, IV, C.2).
Será João Paulo II a situar a Lectio Divina, entre as várias prioridades
pastorais, para a Igreja, no novo milénio. Diz textualmente:
“Desde o Concílio Vaticano II, que assinalou o papel proeminente da
palavra divina na vida da Igreja, muito se avançou certamente na escuta
assídua e na leitura atenta da Sagrada Escritura. (…) É preciso, amados
irmãos e irmãs, consolidar e aprofundar esta linha, inclusive com a
difusão do livro da Bíblia nas famílias. De modo particular é necessário
que a escuta da Palavra se torne um encontro vital, segundo a antiga e
sempre válida tradição da lectio divina: esta permite ler o texto bíblico,
como Palavra viva que interpela, orienta, plasma a existência48”.
Na sua Mensagem aos Jovens (2006) Bento XVI exortava vivamente à prática
da Lectio Divina e resumia o seu método:
“Um caminho bem experimentado para aprofundar e saborear a palavra
de Deus é a lectio divina, que constitui um verdadeiro e próprio itinerário
espiritual por etapas. Da lectio, que consiste em ler e reler um trecho da
48 JOÃO PAULO II, Novo Millenium Ineunte, 6.1.2001, n. 39
206
Sagrada Escritura e em frisar os seus aspetos principais, passa-se à
meditatio, que é como que uma pausa interior, em que a alma se dirige a
Deus, procurando compreender aquilo que a sua palavra diz hoje à vida
concreta. Depois, vem a oratio, que nos faz entreter com Deus um
diálogo direto, e enfim chega-se à presença de Cristo, cuja palavra é "luz
que brilha num lugar escuro, até que venha o dia em que a estrela da
manhã brilhe nos vossos corações" (2 Pd 1, 19)” Em seguida, a leitura, o
estudo e a meditação da Palavra devem desabrochar numa vida de
adesão coerente a Cristo e aos seus ensinamentos. Construir a vida em
Cristo, acolhendo com alegria a sua palavra e colocando em prática os
seus ensinamentos: eis, jovens, do terceiro milénio, como deve ser o
vosso programa”!
Sobre a Lectio Divina, diz Bento XVI na Exortação Apostólica “Verbum Dei”:
“Lembrem-se, porém, que a leitura da Sagrada Escritura deve ser
acompanhada de oração». A reflexão conciliar pretendia retomar a
grande tradição patrística que sempre recomendou abeirar-se da
Escritura em diálogo com Deus. Como diz Santo Agostinho: «A tua oração
é a tua palavra dirigida a Deus. Quando lês, é Deus que te fala; quando
rezas, és tu que falas a Deus». Orígenes, um dos mestres nesta leitura
da Bíblia, defende que a inteligência das Escrituras exige, ainda mais do
que o estudo, a intimidade com Cristo e a oração; realmente é sua
convicção que o caminho privilegiado para conhecer Deus é o amor e de
que não existe uma autêntica scientia Christi sem enamorar-se d’Ele. Na
Carta a Gregório, o grande teólogo alexandrino recomenda: «Dedica-te à
lectio das divinas Escrituras; aplica-te a isto com perseverança.
Empenha-te na lectio com a intenção de crer e agradar a Deus. Se
durante a lectio te encontras diante de uma porta fechada, bate e ser-te-
á aberta por aquele guardião de que falou Jesus: “O guardião abrir-lha-
á”. Aplicando-te assim à lectio divina, procura com lealdade e inabalável
confiança em Deus o sentido das Escrituras divinas, que nelas
amplamente se encerra. Mas não deves contentar-te com bater e
procurar; para compreender as coisas de Deus, tens necessidade
absoluta da oratio. Precisamente para nos exortar a ela é que o Salvador
não se limitou a dizer: “procurai e encontrareis” e “batei e ser-vos-á
aberto”, mas acrescentou: “pedi e recebereis”»49.
49 BENTO XVI, Verbum Dei, 86
206
8.2. OS quatro degraus da lectio divina: leitura, meditação, oração e
contemplação.
Nem sempre é fácil distinguir um do outro. Por exemplo, o que alguns autores
afirmam da leitura, outros o atribuem à meditação, e assim por diante. A causa
desta falta de clareza está na própria natureza da Lectio Divina. Trata-se de um
processo dinâmico de leitura, em que as várias etapas nascem uma da outra. É
como a passagem da noite para o dia. Na hora do amanhecer, alguns dizem: "É
noite ainda!" Outros dizem: "O dia já chegou!"
Além disso, trata-se de quatro atitudes permanentes. A atitude da leitura, por
exemplo, continua também durante a meditação. As quatro atitudes existem e
atuam, juntas, durante todo o processo da Lectio Divina, embora em
intensidade diferente conforme o degrau em que a pessoa ou a comunidade se
encontra. O importante, nesta nossa reflexão, é que apareçam as
características principais de cada uma dessas quatro atitudes que, juntas,
integram a Lectio Divina.
Certos autores dividem ou subdividem alguns destes passos, de maneira
desigual, mas isso não afeta, por assim dizer, o essencial do método.
Desenvolvamos, bem mais minuciosamente, cada um destes passos:
8.2.1. A leitura: conhecer, respeitar, situar
A leitura é o primeiro passo para se conhecer e amar a Palavra de Deus. Não se
ama o que não se conhece. É também o primeiro passo do processo da
apropriação da Palavra: ler, ler, ler! Ler muito para familiarizar-se com a Bíblia;
para que ela se torne nossa palavra, capaz de expressar nossa vida e nossa
história, pois ela "foi escrita para nós que tocamos o fim dos tempos" (I Cor
10,11).
A leitura é uma atividade bastante elementar: ler, pronunciar bem as palavras,
se possível em voz alta. Este primeiro passo é muito importante e muito
exigente. Não pode ser feito de maneira superficial. Nunca partir do princípio
que o texto já é «conhecido», sabido de cor. Bastaria fechar a Bíblia e tentar
«recontar» o texto, para nos apercebermos claramente quanto ele ainda nos é
estranho… Outras vezes, poder-se-á tentar «visualizar o texto», sobretudo
quando se trata de uma página do evangelho. E tentar como que reconstituir a
206
cena. Isso obriga-nos a voltar a ler o texto até o conhecer quase de cor.
A leitura é ponto de partida, não é ponto de chegada. Faz o leitor pisar no chão.
Prepara o leitor e o texto para o diálogo da meditação.
Para que a meditação não seja fruto de uma fantasia irreal, mas tenha
fundamento no texto e na realidade, é necessário que a leitura se faça com
critério e atenção. "Estudo assíduo, feito com espírito atento", dizia Guigo.
Através de um estudo imparcial, a leitura impede que o texto seja manipulado e
reduzido ao tamanho da nossa ideia, e faz com que ele possa ser parceiro
autónomo no nosso diálogo com Deus, pois ela estabelece o sentido que o texto
tem em si, independente de nós.
Assim, a leitura cria no leitor uma atitude crítica, criteriosa e respeitosa, diante
da Bíblia, É aqui, na leitura, que entra a contribuição da exegese para o bom
andamento da Lectio Divina.
A leitura, entendida como estudo crítico, ajuda o leitor a analisar o texto e a
situá-lo em seu contexto de origem. Esse estudo tem três níveis:
a) Literário: aproximar-se do texto e, através de perguntas bem simples,
analisar o seu tecido: Quem? O quê? Onde? Porquê? Quando? Como? Com que
meios? Como é que o texto se situa dentro do contexto literário do livro de que
faz parte?
b) Histórico: através do estudo do texto, atingir o contexto histórico em que
surgiu o texto ou em que se deu o facto narrado pelo texto, e analisar a
situação histórica, para, assim, perceber melhor a encarnação da Palavra de
Deus na realidade da história humana, tanto deles como nossa. Para isso, são
preciosas as introduções aos livros e as notas de rodapé. É importante habituar
o leitor a saber valer-se dos recursos e das ajudas que a própria Bíblia lhe dá.
c) Teológico: descobrir, através da leitura do texto, o que Deus tinha a dizer ao
povo naquela situação histórica; o que Deus significava para aquele povo; como
Ele se revelava; como o povo assumia e celebrava a Palavra do Senhor.
Obviamente o estudo científico do texto não é o fim da leitura. É apenas um
206
meio para se chegar ao fim. A intensidade do uso da exegese na Lectio Divina
depende não do exegeta, mas das exigências e circunstâncias dos leitores. E há
experiências de Lectio, com pessoas que nem sabem ler. Mas que sabem ouvir.
E retomar o texto, de modo simples, como quem volta a contar a história, é
suficiente para abrir o ouvinte à mensagem que Deus hoje quer comunicar.
Para um tipo de parede usa-se uma broca mais resistente do que para outro.
Mas o objetivo é o mesmo: furar a parede. Não se usa broca de mármore para
furar parede de papelão! O objetivo da leitura é este: furar a parede da
distância entre o ontem do texto e o hoje da nossa vida, a fim de poder iniciar o
diálogo com Deus na meditação.
Qual a broca que fura essa parede? De um lado, é "o estudo assíduo, feito com
espírito atento" (Guigo). De outro, é "a própria experiência adquirida da vida"
(Cassiano).
Paulo VI dizia que se deve "procurar uma certa conaturalidade entre os
interesses atuais (hoje) e o assunto do texto (ontem), para que se possa estar
disposto a ouvi-lo (diálogo)". Com outras palavras, a broca é esta: aprofundar
tanto o texto de ontem quanto a nossa experiência de hoje!
Qual o momento de se passar da leitura para a meditação? É difícil precisar o
momento exato.
Mas existem alguns critérios. O objetivo da leitura é ler e estudar o texto até
que ele, sem deixar de ser ele mesmo, se torne espelho de nós mesmos e nos
reflita algo da nossa própria experiência de vida. A leitura deve familiarizar-nos
com o texto a ponto de ele se tornar nossa palavra. Cassiano dizia: "Penetrados
dos mesmos sentimentos em que foi escrito o texto, nos tornamos, por assim
dizer, os seus autores". E aí, como que de repente, nos damos conta de que,
por meio dele, Deus está a querer falar connosco e dizer-nos alguma coisa.
Nesse instante, dobramos a cabeça, fazemos silêncio e abrimos o ouvido: "Vou
ouvir o que o Senhor nos tem a dizer!" (Sal. 85,9). É nesse momento que a
leitura se transforma em meditação e que se passa para o segundo degrau da
Lectio Divina.
8.2.2. A meditação: ruminar, dialogar, atualizar
A leitura respondeu à pergunta: "O que diz o texto?" A meditação vai responder
à pergunta: "O que diz o texto para mim, para nós?"
206
A meditação indica o esforço que se faz para atualizar o texto e trazê-lo para
dentro do horizonte da nossa vida e realidade, tanto pessoal, como social,
cultural ou eclesial. O texto que foi escrito para nós deve falar para nós. Dentro
da dinâmica da Lectio Divina, a meditação ocupa um lugar central.
Guigo dizia: "A meditação é uma diligente atividade da mente que, com a ajuda
da própria razão, procura o conhecimento da verdade oculta".
Qual é esta verdade oculta? Através da leitura descobrimos como o texto se
situava no contexto daquela época, qual a mensagem que tinha para o povo.
De lá para cá, a situação mudou; o contexto é outro. No entanto, a fé diz-nos
que esse texto, apesar de ser de outra época e de outro contexto, tem algo a
dizer-nos hoje. Nele deve existir um valor permanente que quer produzir no
presente a mesma conversão ou mudança que produziu naquele tempo. Ora, a
verdade oculta de que falava Guigo é este valor permanente, esta mensagem
que lá existe para o nosso contexto e que deve ser descoberta e atualizada pela
meditação. Como fazer a meditação?
Três fases, são possíveis na meditação:
a) Recolher como a formiga: Não se trata de comer, mas de armazenar.
Recolho as palavras que mais me chamam a atenção. Que significam para
mim? Porque é que são importantes para mim.
b) Ou então melitar como a abelha (cf. Prov.6,8): Vós que percorreis os jardins
das Escrituras, não tendes que o fazer depressa ou com negligência. Cavai
essa palavra para dela tirar o espírito. Imitai a abelha laboriosa que de cada
flor recolhe o seu mel. Ou então ruminar. Interiorizo ou rumino estas
palavras, que passam da mente ao coração e fazem morada nele. Que
sinto? Como me sinto?
c) Vejo a minha vida e a vida, a minha história e a história, à luz dessa Palavra.
Que me sugere, que me pede? Que me exige.
Recolher
Recolher como a formiga: Recolher, juntar, reservar (guardar as provisões) sem
pereza. Uma primeira forma de se realizar a meditação é sugerida pelo próprio
Guigo. Ele manda usar a mente e a razão para poder descobrir a "verdade
206
oculta". Entra-se em diálogo com o texto, com Deus, fazendo perguntas que
obrigam a usar a razão e que procuram trazer o texto para dentro do horizonte
da nossa vida. Medita-se reflectindo, interrogando: o que há de semelhante e
de diferente entre a situação do texto e a nossa de hoje? Quais os conflitos de
ontem que existem hoje? Quais dentre eles são diferentes? O que a mensagem
deste texto diz para a nossa situação?
Melitar
Trata-se de melitar, como a abelha: elaborar tudo o que se recolhe; deixar que
as palavras se liguem entre si; criar clima, atenção, calor; preocuparmo-nos por
que nada nos roube a Palavra... Discernir, confrontar e deixar que as palavras
que recolhemos, guardamos e observamos, se clarifiquem umas às outras. Feito
isto, a Palavra faz o resto.
Ruminar
Outra maneira de se fazer a meditação é repetir o texto, ruminá-lo, mastigá-lo
até descobrir o que ele tem a dizer-nos. É o que Maria fazia quando ruminava
as coisas em seu coração (Lc. 2,19.51). É o que recomenda o salmo ao justo:
"Meditar dia e noite na lei do Senhor" (SaI. 1,2). É o que Isaías define com tanta
precisão: "Sim, lahweh, o teu Nome e a lembrança de Ti resumem todo o desejo
da nossa alma" (Is. 26,8).
Após ter feito a leitura e ter descoberto o seu sentido para nós é bom procurar
resumir tudo numa frase, de preferência do próprio texto bíblico, para ser
levada connosco na memória e ser repetida e mastigada durante o dia, até se
misturar com o nosso próprio ser. Através dessa ruminação, nós nos colocamos
sob o julgamento da Palavra de Deus e deixamos que ela nos penetre, como
espada de dois gumes (Hb 4,12), pois água mole em pedra dura tanto bate até
que fura! "Ela vai julgando as disposições e intenções do coração. E não há
criatura oculta à sua presença. Tudo está nu e descoberto aos olhos daquele a
quem devemos prestar contas" (Hb 4,12-13).
Cassiano aponta outro aspeto importante da meditação, como consequência da
ruminação. Ele diz: "Instruídos por aquilo que nós mesmos sentimos, já não
percebemos o texto como algo que só ouvimos, mas sim como algo que
experimentamos e tocamos com nossas mãos; não como uma história estranha
206
e inaudita, mas como algo que damos à luz desde o mais profundo do nosso
coração, como se fossem sentimentos que formam parte do nosso próprio ser.
Repitamo-lo: não é a leitura que nos faz penetrar no sentido das palavras, mas
sim a própria experiência nossa adquirida anteriormente na vida de cada dia"
(Collationes X, 11). Aqui já nem parece haver mais diferença entre Bíblia e vida,
entre a Palavra de Deus e a nossa palavra. Ora, conforme Cassiano, é nesta
quase identificação nossa com a Palavra da Bíblia que está o segredo da
perceção do sentido que a Bíblia tem para nós. Cassiano diz que a perceção do
sentido do texto não vem do estudo, mas da experiência que nós mesmos
temos da vida. O estudo coloca os fios, a experiência adquirida gera a energia,
a meditação aperta o botão, faz a energia correr pelos fios e acende a lâmpada
do texto. Tanto o fio como a energia, ambos são necessários para que haja luz.
A vida ilumina o texto, o texto ilumina a vida.
A meditação também aprofunda a dimensão pessoal da Palavra de Deus. Uma
palavra tem valor não só pela ideia que comunica, mas também pela pessoa
que a pronuncia e pela maneira como é pronunciada. Na Bíblia, quem nos dirige
a Palavra é Deus, e Ele o faz com muito amor. Uma palavra de amor desperta
forças, liberta energias, recria a pessoa. Meditando a Palavra de Deus, o
coração humano dilata-se até adquirir a dimensão do próprio Deus, que
pronuncia a Palavra. Aqui aparece a dimensão mística da Lectio Divina.
“Pela leitura se atinge a casca da letra e se tenta atravessá-la para, na
meditação, atingir o fruto do espírito” (S. Jerónimo).
O Espírito age dentro da Escritura (2 Tim. 3,16). Através da meditação, ele se
comunica a nós, nos inspira, cria em nós os sentimentos de Jesus Cristo (Fil.
2,5), ajuda-nos a descobrir o sentido pleno das palavras de Jesus (Io. 16,13), faz
experimentar que sem Ele nada podemos fazer (Jo.15,5), ora em nós com
gemidos inefáveis (Rom. 8,26) e gera em nós a liberdade (2 Cor. 3,17). E o
mesmo Espírito que enche a vastidão da terra (Sab. 1,7). No passado, ele
animava os Juízes e os Profetas. No presente, ele ajuda-nos a descobrir o
sentido profético da história do nosso povo. A meditação ajuda-nos a descobrir
o sentido espiritual, isto é, o sentido que o Espírito de Deus quer comunicar hoje
à sua Igreja através do texto da Bíblia.
A meditação é uma atividade pessoal e também comunitária. A partilha do que
206
cada um sente, descobre e assume no contacto com a Palavra de Deus é muito
mais do que só a soma das palavras de cada um. A busca em comum faz
aparecer o sentido eclesial da Bíblia e fortalece em todos o sentido comum da
fé. Por isso é tão importante que a Bíblia seja lida, meditada, estudada e rezada
não só individualmente, mas também e sobretudo em comum.
Qual o momento de se passar da meditação para a oração? Não é fácil dizer
quando, exatamente, uma pessoa passa da juventude para a idade adulta. Mas
existem alguns critérios.
A meditação atualiza o sentido do texto até ficar claro o que Deus nos está a
pedir a nós. Ora, quando fica claro que Deus pede, chega o momento de se
perguntar: "E agora, o que vou dizer a Deus? Assumo ou não assumo?" Quando
fica claro o que Deus pede, fica clara também a nossa incapacidade e a nossa
falta de recursos. É o momento da súplica: "Senhor, levanta-te! Socorre-nos"
(SaI. 44,27). Com outras palavras, a meditação é semente de oração. Basta
praticá-la e ela, por si mesma, se transforma em oração.
8.2.3. A oração: suplicar, louvar, recitar
A atitude de oração está presente desde o começo da Lectio Divina. No início da
leitura invoca-se o Espírito Santo. Durante a leitura sempre aparecem pequenos
momentos de oração. A meditação já é quase uma atitude de oração, pois, por
si mesma, se transforma em prece. Mas dentro da dinâmica da Lectio Divina,
apesar de tudo ser regado com oração, deve haver um momento especial,
próprio, para a prece. Esse momento é o terceiro degrau, o da oração.
Através da leitura procuramos descobrir: O que o texto diz?
A meditação aplica a leitura à nossa vida: "O que o texto diz para mim, para
nós?"
Até agora, era Deus quem falava. Chegou o momento da oração própria mente
dita: "O que o texto me faz dizer, nos faz dizer a Deus?"A atitude de oração
diante da Palavra de Deus deve ser como aquela de Maria, que disse: "Faça-se
em mim segundo a tua palavra" (Lc. 1,38).
A palavra que Maria ouviu não era uma palavra da Bíblia, mas sim uma palavra
206
revelada e percebida nos factos da vida, por ocasião da visita do anjo. Maria foi
capaz de percebê-la, porque a ruminação (d. Lc. 2,19.51) tinha purificado o seu
olhar e o seu coração. Os puros de coração percebem a ação de Deus nos
factos (d. Mt 5,8). Rezando e cantando (Lc. 1,46-56), eles a encarnam na vida.
Essa atitude de oração deve ser realista e não ingénua, o que se alcança pela
leitura. Deve nascer da experiência do nosso nada e dos problemas reais da
vida, o que se alcança pela meditação. Deve tornar-se uma atitude permanente
de vida, o que se alcança na contemplação.
A oração, provocada pela meditação, inicia por uma atitude de admiração
silenciosa e da adoração ao Senhor. A partir daí brota a nossa resposta à
Palavra de Deus.
Desde os tempos do Novo Testamento, os cristãos descobriram que nós não
sabemos rezar como convém. E o próprio Espírito que ora em nós (Rom.8,26).
Quem melhor fala a Deus é o próprio Deus. Por isso, a oração dos Salmos ainda
é a melhor oração. O próprio Jesus usou frequentemente os salmos e orações
da Bíblia. Ele é o grande cantor dos Salmos (Sto. Agostinho). Com Ele e nEle, os
cristãos prolongam a Lectio Divina pela oração pessoal, pela oração litúrgica e
pelas preces da Igreja.
Habitualmente, as pessoas que praticam a Lectio Divina, neste momento da
Oração, são espontâneas na forma como recorrem a cântico conhecido, a um
salmo cantado na Missa, a uma prece já habitual na celebração. Por esta ou
aquela evocação, a oração é o momento de maior espontaneidade, mas pode
também ser sugerida pelo animador.
Nesta grande comunhão eclesial é importante que a Palavra de Deus suscite
em nós uma intensa vida de oração individual. Dependendo do que se ouviu da
parte de Deus na leitura e na meditação, a resposta pode ser de louvor ou de
ação de graças, de súplica ou de perdão, pode ser até de revolta ou de
Imprecação, como o foi a resposta de Job, de Jeremias e de tantos Salmos.
Como na meditação, é importante que esta oração espontânea não seja só
individual, mas também tenha sua expressão comunitária, em forma de
partilha.
A oração, provocada pela meditação, também pode ser recitação de preces já
existentes.
206
Qual o momento de se passar da oração para a contemplação? Aqui não há
resposta. A contemplação é o que sobra nos olhos e no coração, depois que a
oração termina. Ela fica para além do caminho da Lectio Divina, pois é o seu
ponto de chegada. Por ser o ponto de chegada é também ponto de partida de
um novo começo de leitura, meditação, oração. A contemplação é como a fruta
da árvore: já estava dentro da semente. Vai crescendo aos poucos, amadurece
lentamente.
8.2.4. A contemplação: discernir, saborear, agir
A contemplação é o último degrau da Lectio Divina. É o seu ponto de chegada.
Cada vez, porém, que se chega ao último degrau, este torna-se patamar para
um novo começo. E assim, através de um processo sempre renovado de leitura,
meditação, oração, contemplação, vamos crescendo na compreensão do
sentido e da força da Palavra de Deus. Nunca se chegará ao ponto de poder
dizer: "Agora realizei todo o objetivo da Palavra de Deus na minha vida!", pois
sempre haverá pela frente um olhar mais penetrante, uma leitura mais
profunda, uma meditação mais exigente, uma oração mais comprometida, uma
contemplação mais transparente. Até todos os véus caírem, até que a realidade
toda seja transformada e chegue à plenitude do Reino. Mas, até lá, ainda resta
um longo caminho (1 Re. 19,7).
A contemplação reúne em si todo o caminho percorrido da Lectio Divina: até
agora, o crente colocou-se diante de Deus, leu e escutou a Palavra, estudou e
descobriu o seu sentido; com ele se comprometeu e começou a ruminá-lo para
que entrasse na dinâmica da sua própria vida e passasse da cabeça para o
coração; transformou tudo isto em oração diante de Deus como projeto para a
sua vida; o sal da Palavra desapareceu na sua vida e deu-lhe um novo sabor; o
pão da Palavra foi mastigado e lhe deu força para uma nova ação. Agora, no
fim, tendo tudo isto na mente e no coração, você começa a ter um novo olhar
para observar e avaliar a vida, os factos, a história, a vida. É o olhar de Deus
sobre o mundo, que assim se comunica e se esparrama. Este novo olhar é a
contemplação. Novo olhar, novo sabor, nova ação! Ela envolve todo o ser
humano.
Santo Agostinho dizia que, através da leitura da Bíblia, Deus nos devolve o
olhar da contemplação e nos ajuda a decifrar o mundo e a transformá-lo, para
206
que seja, novamente, uma revelação de Deus, uma teofania. A contemplação,
assim entendida, é o contrário da atitude de quem se retira do mundo para
poder contemplar a Deus.
A contemplação como resultante da Lectio Divina é a atitude de quem
mergulha dentro dos factos para descobrir e saborear neles a presença ativa e
criativa da Palavra de Deus e, além disso, procura comprometer-se com o
processo de transformação que esta Palavra está provocando dentro da
história.
A contemplação não só medita a mensagem, mas também a realiza; não só
ouve, mas coloca em prática. Não separa os dois aspetos: diz e faz; ensina e
anima; é luz e força.
A contemplação corrige este defeito dos nossos olhos e nos converte. Faz
descobrir que não é Deus que está ausente da realidade. Nós é que não
percebemos a sua presença! Nós é que somos cegos (cf. Is 42,19). A Lectio
Divina põe um colírio, abre os olhos dos cegos e fá-los enxergar (cf. Ap.3,28).
Tira o véu e ajuda a descobrir o desenrolar do Projeto de Deus dentro da
história que hoje vivemos; a perceber como Cristo, centro de tudo, nos faz
passar do nosso Antigo testamento para o Novo Testamento. Faz descobrir o
sentido das coisas, faz comprometer-se com o Reino.
Guigo tem várias descrições da contemplação. Ele diz:
"A leitura busca a doçura da vida bem-aventurada,
a meditação encontra-a,
a oração pede-a
e a contemplação saboreia-a”.
A leitura leva comida sólida à boca,
a meditação mastiga-a e rumina-a,
a oração prova o seu gosto
e a contemplação é a própria doçura que alegra e recria.
A leitura atinge a casca,
a meditação penetra no miolo,
a oração formula o desejo
206
e a contemplação é o gosto da doçura já alcançada".
O que mais chama a atenção nos escritos de Guigo é a sua insistência em
descrever a contemplação como uma saborosa degustação da doçura que
existe na Palavra de Deus. Na contemplação, ao que tudo indica, a experiência
de Deus suspende tudo, relativiza tudo e, como que por um instante, antecipa
algo da alegria que "Deus preparou para aqueles que o amam" (1 Cor 2,9).
Guigo diz as coisas com palavras do Século XII.
A contemplação, como ponto final da escada, é patamar para um novo começo.
É como subir numa torre muito alta. Você alcança o primeiro patamar por uma
escada de três lances: leitura, meditação e oração. Na janela do primeiro
patamar, descansa e contempla a paisagem. Depois, continua a subida até o
segundo patamar por uma outra escada também de três lances: leitura,
meditação e oração.
Na janela do segundo patamar, descansa mais um pouco e contempla, de novo,
a mesma paisagem. Ela ficou mais bonita! Dá vontade de subir mais para
observá-la melhor. E assim vai subindo, sempre mais, num processo que não
termina nunca. Vai lendo sempre a mesma Bíblia, olhando sempre a mesma
paisagem.
À medida que sobe, a visão se aprofunda, a paisagem fica mais ampla, mais
real. Você enxerga a sua casa, o seu povoado. Encontra lá no meio a sua vida, a
história de suas andanças. E assim vai subindo, juntamente com os
companheiros, trocando ideias, ajudando-se uns aos outros para não deixar
ninguém para trás. E assim vamos subindo, até que cheguemos a contemplar
Deus face a face (1 Cor 13,12) e, em Deus, os irmãos, a realidade, a paisagem,
numa visão completa e definitiva.
A contemplação é tudo isto, e muito mais! "Muita luz, nuvem limpa, pé de pau
florido, e o povo alegre, cantando... Eu acho que é um pedacinho da
ressurreição, mesmo em sonho. A gente acordada não dá para ver esse
desafogo da ressurreição porque tem sempre as sombras do sofrimento e da
luta...Vai demorar... Mas um dia eu sei que a ressurreição da felicidade, melhor
que o sonho, vai chegar para um povo... Um dia a ressurreição vai baixar no
nosso chão..." Palavras de um pedreiro! Demos graças a Deus!
206
Outros autores, como o Cardeal Martini50, acrescentam no desenvolvimento da
contemplação, alguns momentos como o «consolação», o do «discernimento»,
o da «decisão» em ordem à «ação».
8.3. Síntese
ESTACIONAR... Silêncio, disposição interior... domínio dos sentidos. Invocação
do Espírito Santo…
Como entrar na oração?51
«A oração – lembra o irmão Jean Marie, há 30 anos em Taizé – é um espaço
onde nos deixamos conduzir, atraídos por Deus. Em Taizé, os jovens têm a
oportunidade de parar, de se deixar conduzir. A música é bela, os cantos são
simples. Mas o vocabulário é o dos Salmos. Um versículo ressoa em nós. Talvez
ele nos fale. O canto descentra-nos suavemente, abre a porta à Palavra de
Deus. Depois, as leituras iluminam-se frequentemente de outra maneira, e no
tempo do silêncio deixamo-nos unir nos recantos mais escondidos do nosso
coração pela Palavra de Deus.»
Um conselho: privilegiar a simplicidade dos meios e dos gestos. Um ícone. Uma
cruz. Uma Bíblia aberta. Começar com um belo sinal da cruz. Cada um tenha
em si palavras como «Eis-me aqui Senhor».
LEITURA (LECTIO) - O QUE DIZ O TEXTO? Conhecer, respeitar, situar… (sentido
literal)
Ler, reler, confrontar passagens paralelas;
Interpretar símbolos;
50 Cf. CARLO MARIA MARTINI, Encontrarnos a nosotros mismos, Ed. PPC, Madrid 1999, 59-68
51 MARTINE DE SAUTO, In La Croix, Trad.: rm © SNPC (trad.) | 19.11.10
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Ver personagens;
Quem fala, como fala, a quem fala, quando fala, onde fala...
Como agem e reagem as personagens (sentimentos, circunstâncias, etc.)
MEDITAÇÃO (MEDITATIO) - O QUE ME DIZ O SENHOR NESTE TEXTO? Ruminar,
atualizar, dialogar…
Que valores profundos me evoca o texto?
Que sinto ou experimento, como reajo ao ler este texto?
Com que relaciono o texto?
Três fases são possíveis na meditação:
a) Recolher como a formiga: Não se trata de comer, mas de armazenar.
Recolho as palavras que mais me chamam a atenção. Que significam para
mim? Porque é que são importantes para mim.
b) Ruminar. Interiorizo ou rumino estas palavras, que passam da mente ao
coração e fazem morada nele. Que sinto? Como me sinto? Melitar como a
abelha (cf. Prov.6,8): Vós que percorreis os jardins das Escrituras, não
tendes que o fazer depressa ou com negligência. Cavai essa palavra para
dela tirar o espírito. Imitai a abelha laboriosa que de cada flor recolhe o seu
mel.
c) Vejo a minha vida e a vida, a minha história e a história, à luz dessa Palavra.
Que me sugere, que me pede? Que me exige.
ORAÇÃO (ORATIO) - QUE DIGO EU AO SENHOR QUE ME FALA NESTE TEXTO?
Suplicar, louvar, recitar…
Em silêncio, pela palavra, pelo canto, pelo gesto… que digo ao Senhor?
Que palavras, canto, silêncio ou gesto me provoca a Palavra escutada?
CONTEMPLAÇÃO (CONTEMPLATIO): Saborear, discernir, agir… Olhar e sentir-
se olhado…
«Não vos peço, agora, que penseis nele, nem que inventeis muitos conceitos,
nem que façais grandes e delicadas considerações com o vosso entendimento;
só vos peço que olheis para Ele» (Santa Teresa de Jesus).
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Recordemos o sentido da palavra contemplação. Ela é decomposta de “cum-
templum”: quer dizer: estar num lugar à parte; deixar-se possuir pela Palavra;
deixar-se abraçar pelo Absoluto que nos toma «à parte». Assim a contemplação
é como que: o retorno ao paraíso, dando-nos a consolação; a irrupção do divino
na História; a visão panorâmica (teoria) de tudo à luz do Crucificado do
Ressuscitado.
Outros autores prolongam os tempos, a seguir ou a depender da Contemplação,
tais como:
Consolatio (Consolação): que Dom me é concedido? Saborear o texto,
alimentar-se dele…
Discretio (Discernimento): Capacidade de selecionar os valores que são
conformes ao evangelho. Capacidade de escolher, por uma disposição
natural interna, conforme a Cristo e como Ele. São Francisco sente repulsa
ao ver o leproso. Mas decide fazer como Cristo. E aproxima-se beijando-o.
Deliberatio (Decisão): Que decisão vou tomar? Escolha comprometida dos
valores do Evangelho; o ato interior pelo qual o homem escolhe a Cristo. E
desemboca na ação.
Actio (Ação): Que vou fazer? Que fruto de vida sou chamado a viver? O agir
que se lhe segue. A forma de viver e atuar, segundo o espírito de Cristo. Um
ato de vontade tornado gesto e compromisso na realidade.
Outros apresentam, em esquema, este itinerário52:
1. STATIO(Preparação)
A Palavra esperada.Estou à espera. Ponho-me à escuta. Disposição interior. Silêncio.
2. LECTIO (Leitura)
A Palavra escutada.Leio o texto com atenção.Ler bem é escutar em profundidade.
4. MEDITATIO (Meditação)
A Palavra compreendida.O significado da Palavra.Que diz? Que me diz? Quem me diz?
4. ORATIO (Oração)
A minha palavra responde à Palavra. Inicia-se o meu diálogo com a Palavra. Rezo o texto, a oração brota viva.
5. CONTEMPLATIO (Contemplação)
A Palavra encarnada. Epifania.Diante da manifestação de Deus, prostro-me, adoro. Silêncio diante da Palavra.
6. DISCRETIO A Palavra confrontada.
52 cf. ARTUR SOMOZA RAMOS E GRUPO HERRAMIENTAS NUEVE, Que é A LECTIO DIVINA, Ed. Paulinas, Lisboa 1997,14.
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(Discernimento) Prolongo a escuta, faço o discernimento. Analiso.Percebo qual é a vontade de Deus.
7. COLLATIO
(Intercomunicação)
A Palavra partilhada.Avalio com outros a minha resposta à Palavra. Diálogo com os irmãos.
8. ACTIO (Ação)
A Palavra em ação.A Palavra dá frutos. Cumpre-se, realiza-se. Vida. Testemunho. Anúncio. Compromisso.
Segundo alguns autores53, estes quatro termos latinos são quatro amplos
caminhos de oração:
Lectio: A Oração como atenção
Esta deve ser o cimento da oração. A oração deveria começar na forma de
abertura e expectação obsequiosas. Na Lectio, escutamos e esperamos a voz
silenciosa e subtil de Deus, que nos falará pessoal e intimamente. Esperamos
com fé que Deus fale pela sua Palavra.
Meditatio: A oração como ponderação
Agora pensamos reflexivamente no que recebemos de Deus mediante a lectio.
Enquanto a lectio implica a participação dos sentidos e a intuição, a meditação
é principalmente uma atividade cognitiva (mente) e afetiva (coração). A
ponderação da meditatio combina a mente e o coração. Maria depois da visita
do Anjo fica a ponderar as palavras que escutou, a ligá-las, a relacioná-las em
seu coração (cf. Lc.2.51).
Oratio: A Oração como resposta
Depois de ponderar a Palavra que Deus nos dirigiu, o nosso coração fica afetado
e a nossa vontade comove-se. A Oração é a resposta que damos a esta
comoção do espírito. Estas reposta pode adotar várias formas: resposta oral,
adoração, agradecimento. Respondemos desde a nossa profundidade interior.
53 BENNER, Abrirse a Dios. La Lectio Divina Y la vida como oración, Ed. Sal Terrae, Santander, 2011, 58-59
206
Contemplatio: A oração como presença.
Descansamos na presença daquele cuja Palavra e presença nos convida a um
abraço transformador. Depois de afetar a nossa mente e o nosso coração, a
Palavra conduz-nos agora a repousar tranquilamente no amado. Esta é a oração
de presença, a oração como presença.
206
DOMINGO: 14h15-16h30
8.4. Algumas sugestões práticas, para obter frutos na lectio divina
Primeira: que haja uma atmosfera de silêncio e de recolhimento. As
experiências já feitas ensinam-nos que esta é uma condição essencial, sem a
qual não se obtém quase nada. É preciso também cuidar no modo de entrar,
de se sentar, de se colocar na igreja ou no local onde se faz o exercício da
Lectio Divina. É preciso estar atentos para que não haja tempos vazios. A
falha num pequeno pormenor pode criar confusão e mal-estar. Às vezes,
sobretudo, entre jovens, o tempo da «statio», do parar, do domínio dos
sentidos, é o mais demorado e o mais exigente. «Difícil é sentá-los», disse e
escreveu a respeito dos jovens um ex-ministro da Educação, Marçal Grilo.
Nalguns grupos, de pessoas mais adultas, mas também de jovens,
começamos pela oração do Rosário, para criar um clima de serenidade e de
paz e preparar para a escuta. E, por vezes, resulta. Outras vezes, enquanto
cada elemento chega e se organiza e se dispõe no grupo, pode quebrar-se o
ruído da entrada com um cântico simples, uma espécie de refrão que se
repete em jeito de litania, ou então uma música de fundo, que chama a
atenção para a seriedade do encontro. Não vai mal que uma frase bíblica, um
ícone, uma imagem, um símbolo, «provoque» e «centre», desde logo, a
atenção na Palavra que se vai rezar.
Segunda: uma certa sobriedade de linguagem; quem explica o texto,
sobretudo durante o primeiro momento da «leitura», não pode falar durante
muito tempo (nunca superar, no meu entender, 20 minutos). Mostrar, ao
fazer a leitura, que não se está a inventar nada. Que afinal se está
simplesmente a ler o texto, a ver o que ele diz. Não recorrer à erudição da
exegese, embora ela esteja pressuposta e seja útil para captar toda a riqueza
das palavras e do texto; mas evitar termos técnicos, porque isso convence os
ouvintes de que afinal só os entendidos podem ler a bíblia, com proveito. O
mais importante é fazer perceber que Deus não reservou aquela Palavra para
os exegetas e biblistas e que seria uma injustiça ela não poder ser «comida»
pelos mais simples e pobres. Por isso, na leitura ou explicação do texto, seja-
se o mais simples possível. E quando “a coisa” se complica, mostrar que eles
próprios têm em rodapé uma anotação, ou podem esclarecer o sentido da
expressão no dicionário que vem em apêndice à Bíblia. É decisivo que as
pessoas descubram que a Palavra afinal é acessível. Está perto de si…
206
Terceira: Juntamente com a sobriedade da linguagem, é necessária a
sobriedade dos símbolos e das imagens. O vento e o fogo, por exemplo, é
uma imagem sóbria e evocativa; não é simplesmente o vento com todas as
suas aplicações e o fogo com todos os seus significados, mas o fogo movido
pelo vento e que, portanto, devora ainda mais. É muito importante utilizar os
símbolos de maneira unitária, para evitar a dispersão, a fim de não fazer
como aquele que, diante do televisor, salta duma canal para outro, sem
conseguir concentrar-se. Não é útil recorrer a tudo o que se sabe e a tudo o
que o texto possa dizer. “Hoje ficamo-nos por aqui”…
Quarta: clareza doutrinal. Quem apresenta o texto deve propor um itinerário
simples e capaz de ser facilmente decorado pela assistência. Esta deve, de
facto, poder memorizar os pontos fundamentais da exposição. É verdade
que se pode utilizar uma folha, escrita; mas se nem sequer esta se pode
memorizar, as pessoas perdem-se. Por isso, requer-se que o pregador tenha
memorizado a sua exposição, servindo-se embora dum esquema. Muitas
vezes, o animador tem de se deixar surpreender pelas descobertas que ele
próprio faz do texto, ao lê-lo, ao explicá-lo e ao partilhá-lo. Tratando-se de
uma página do evangelho ou de uma parábola ou de um relato histórico,
tanto quanto possível, peça-se ao grupo que conte de novo a história e tire
as dúvidas a respeito do que leu ou ouviu.
Quinta: Naturalmente, sugiro que se tenham sempre presentes os quatro
passos fundamentais da Lectio Divina. Acrescentaria ainda, talvez depois
algumas perguntas para a reflexão e a ação; mas nunca mais de três
questões, para não criar confusão e para que cada um possa memorizá-las
ou apontá-las.
A ideia fundamental é de entrar pessoalmente no texto, de lutar com o texto
e de rezá-lo. A primeira questão não é, portanto: Que vou dizer sobre esta
página? Nem sequer: O que é que me diz esta página? Mas: O que é que
diz?
Prescindindo do facto de que deverei explicá-la ou propô-la, devo colocar-
me diante do texto como se fosse essa a primeira vez:
- O que diz?
- Quais os elementos de relevo, as colunas narrativas ou expositivas?
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- Qual a mensagem-chave, o coração do texto?
- Qual a sua relação com o Senhor Jesus, com o Pai, com o desígnio salvífico
de Deus?
Este é um outro modo de dizer: Lectio, Meditatio, Oratio, Contemplatio; são
sempre estas as questões fundamentais.
Neste trabalho de relação pessoal com o texto, podeis procurar ajuda
nalgum comentário, não para saber o que ele diz, mas para lutar melhor
com as palavras do Evangelho, para dominar o texto. Depois de ter
percebido o que diz o texto, perguntar-se-á, então:
- O que é que me diz?
- Que mensagem do texto fere mais a minha atenção?
- Que oração me sugere?
Se é que se trata de um texto, para rezar no início de uma reunião pastoral,
em que o tempo de oração é apenas um ponto da agenda, naturalmente,
que estas perguntas devem ser reduzidas ao essencial.
Sexta: uma modalidade participativa de exposição: não apresentar o texto
como uma lição sabida antecipadamente, mas como algo que estou a
estudar juntamente com quem me escuta. Portanto, convidando os jovens a
participar nas perguntas que eu faço ao texto, tomando-os participantes nas
hipóteses que eu proponho. Este método coloca os ouvintes em atividade,
evitando que permaneçam apenas e só ouvintes passivos. Perguntas como
esta, desarmam os ouvintes: Era de manhã ou ao fim de tarde? Estava
sozinho ou acompanhado? Quem é que estava com Ele? Falou aos
discípulos? Falou aos apóstolos ou falou ou à multidão? Em que sítio se passa
a cena? Que se passou outrora neste local? Quantos estavam, ao certo,
naquele grupo? Façam as contas… Esta palavra, lembra-vos alguma palavra
ou frase semelhante na Bíblia? Este tipo de perguntas revela a todos que o
texto não está «lido» e «sabido» como se pensava. Estes pormenores vão
abrir o campo semântico de cada palavra ou de cada frase e ajudar o ouvinte
e relacionar com outras passagens da Bíblia e com a sua própria vida.
Chegado o momento da partilha, na meditação, é importantíssimo não deixar
resvalar para a devassa da privacidade própria ou alheia. O animador tem de
saber discernir os limites da partilha. E quebrar algum ‘desabafo’ dando vez
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ou voz a si ou a outro.
Sétima: proporcionar, durante o encontro um tempo de absoluto silêncio,
como sendo o tempo mais importante. Sei que é difícil; sei que, muitas
vezes, não se tem a coragem de estar em silêncio, que se tem medo do
silêncio. Pertence ao orientador perceber se o tempo de silêncio deve ser
mais ou menos longo, e poderá também sabiamente preenchê-lo, se achar
necessário, retomando as questões da Meditação ou retomando algumas das
expressões da Oração. De qualquer modo, deve haver sempre silêncio. O
silêncio, de facto, é o sinal eficaz de que não se está lá apenas para ouvir,
mas que se está também para uma relação pessoal com o texto.
Estas são sete condições que acho necessárias para uma verdadeira Lectio
Divina; condições objetivas, ambientais, metodológicas; todas elas muito
importantes.
8.5. Lectio Divina adaptada a crianças
Para viver um momento de Lectio Divina com um grupo de crianças deve
seguir-se o esquema apresentado para a Lectio Divina com um grupo, embora
se devam fazer algumas adaptações.
Preparação e invocação do Espírito Santo
Antes de iniciar, cuidar bem da preparação do espaço e preparar as crianças
para o momento que se segue, dando a conhecer o que irá fazer e distribuindo
as tarefas. Depois, para iniciar, cantar um cântico que seja conhecido de todos
e, todos juntos, rezam uma breve oração.
Leitura da Palavra
Mantendo um ambiente de silêncio, alguém lê o texto proposto em voz alta.
Procurar escolher um texto cuja compreensão possa ser mais fácil para as
crianças. Por norma, um texto narrativo ou uma parábola torna-se mais
acessível.
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Todas as crianças devem ter o texto à mão, com uma tradução igual para
todos. Se o grupo o permitir, deixa-se um breve tempo de silêncio (um ou dois
minutos) para que cada um volte a ler o texto para si.
Depois, o catequista dá uma breve explicação do texto, dando algumas ajudas
indicativas para a leitura e compreensão do texto. Deve fazê-lo em forma de
diálogo, chamando a atenção para o que diz o texto, fazendo perguntas,
podendo fazer-se auxiliar de alguma imagem. Este tempo deve ajudar a
responder à pergunta: o que diz o texto?
Meditação pessoal em silêncio
Cada catequizando é convidado a aprofundar pessoalmente o texto. A pergunta
que preside a este momento é: o que me diz o texto? Para ajudar à
compreensão as crianças respondem individualmente a algumas questões
simples e diretas, ou fazem uma pequena atividade relacionada com o texto. Se
for conveniente e ajudar para a concentração, pode-se pôr uma música de
fundo, desde que seja instrumental e suave de modo a favorecer a
interiorização.
Partilha da Palavra
O catequista anima este momento em que cada criança partilha a sua
meditação pessoal, salientando que a partilha de cada um pode enriquecer todo
o grupo. Convida a dizer aquilo que escreveu ou outra atividade que tenha
realizado, ou a repetir uma frase do texto bíblico que mais tenha gostado e
porquê. Pode ser conveniente ter preparado um refrão de um cântico para
cantar durante a partilha.
Oração
De uma forma espontânea ou com um texto previamente preparado, o
catequista ajuda a concluir o momento da partilha com um momento de oração
que recorde alguns pontos essenciais do texto bíblico e apresente ao Senhor o
fruto da meditação das crianças. A pergunta que preside a este momento é: o
que digo a Deus a partir deste texto?
Conclusão
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Se for possível, tendo em conta o que foi partilhado, tenta-se formular um
propósito concreto do grupo. Seja isto realizável ou não, é bom que de todos os
modos, incentivar a que cada criança procure responder pessoalmente à
questão: o que quero fazer, na minha vida, a partir deste texto?
Como conclusão canta-se um cântico.
Esquematicamente, um tempo de Lectio Divina com crianças pode ser
apresentado do seguinte modo:
LeituraA Palavra de Deus é alimento
para a vida: o que diz o texto?
Texto Bíblico
Palavra chave e imagem
MeditaçãoA Palavra de Deus ensina-nos: o
que me diz o texto?
Olhar com mais atenção a
Palavra de Deus
Oração
A Palavra de Deus convida-nos a
rezar: o que digo a Deus a partir
deste texto?
Oração a partir da Palavra
Compromi
sso
A Palavra de Deus ajuda-nos a
viver: o que quero fazer, na
minha vida, a partir deste texto?
Compromisso individual
Atividade de grupo
8.6. Lectio Divina na Catequese do 4º ao 6º anos
Partido daquela que é a forma mais habitual de fazer esta leitura orante da
palavra de Deus, procuraremos depois encontrar a forma prática de a realizar
com os catequizandos do 4º ao 6º ano.
Leitura orante da Palavra em grupo
O método, como foi apresentado no ponto anterior, destina-se à Lectio Divina
pessoal ou em grupo. No entanto, para este segundo caso - em grupo -, ela
pode ser adaptada, continuando a ser fiéis aos passos principais e aos seus
objetivos. Neste ponto iremos já dando indicações práticas para os encontros
que estamos a preparar neste momento. O desenrolar é o seguinte:
Invocação do Espírito Santo
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Para iniciar, canta-se um cântico e, todos juntos, rezam a oração proposta.
Leitura da Palavra
Mantendo um ambiente de silêncio, alguém lê o texto proposto em voz alta.
Deixa-se um breve tempo de silêncio (um ou dois minutos) para que cada um
volte a ler o texto para si.
Depois, o animador dá uma breve explicação do texto (máximo de 10 minutos),
seguindo o mais possível o esquema correspondente que recebeu. O objetivo
não é fazer uma exegese do texto, fazer uma pregação ou expor uma reflexão
pessoal; trata-se simplesmente de dar algumas ajudas indicativas para a leitura
e compreensão do texto.
Meditação pessoal em silêncio
Cada participante individualmente e em silêncio relê o texto, realizando o que é
próprio da meditação (cf. supra). Este momento pode durar até 15 minutos,
mas depende do grupo e da capacidade que tem para aprofundar. Se for
conveniente e ajudar para a concentração, pode-se pôr uma música de fundo,
desde que seja instrumental e suave de modo a favorecer a interiorização.
Partilha da Palavra
É o momento característico da Lectio em grupo: passa-se da Lectio pessoal à
comunitária. É um espaço de partilha, num ambiente de conversa espiritual,
onde cada um pode manifestar o mais significativo da sua meditação,
mostrando como a Palavra toca, queima, transforma, consola, converte, etc.
Não se trata de uma discussão ou confronto, mas de um enriquecimento mútuo,
de partilhar a riqueza da Palavra pessoalmente experimentada e de maravilhar-
se pelo que ela realiza nos outros. A partilha pode até consistir simplesmente
na leitura de alguma frase que tenha sido mais significativa, acompanhada
talvez de uma breve explicação. A intervenção do animador deve limitar-se a
procurar que todos possam partilhar, que se mantenha o ambiente próprio do
momento, e a esclarecer alguma questão que eventualmente se levante e que
possa conduzir a engano.
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Oração
O que foi partilhado é de novo apresentado ao Senhor em forma de oração.
Aqui será proposto algum tipo de oração litânica na linha do texto bíblico
meditado, reutilizando o próprio vocabulário do texto. Também pode haver
espaço para alguma forma de oração mais espontânea.
Conclusão
Se for possível, tendo em conta o que foi partilhado, tenta-se formular um
propósito concreto do grupo. Seja isto realizável ou não, é bom que de todos os
modos, num breve momento de silêncio, cada pessoa possa formular o seu
propósito pessoal.
Como conclusão canta-se um cântico:
8.7. Um exercício prático de Lectio Divina, na Catequese
Preparação e invocação do Espírito Santo
Cântico: Eu vim para escutar…
Tua Palavra, Tua Palavra,
Tua Palavra de Amor
Eu quero viver melhor…
Eu quero entender melhor…
Oração: Senhor Jesus, nós queremos escutar e viver a Tua Palavra. Manda o
Teu Espírito para nos ajudar a escutar o que hoje nos queres dizer.
Ámen.
Leitura da Palavra
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Leitura da Segunda Carta a Timóteo.
14Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e de que adquiriste a
certeza, bem ciente de quem o aprendeste. 15Desde a infância conheces a
Sagrada Escritura, que te pode instruir, em ordem à salvação pela fé em Cristo
Jesus. 16De facto, toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para
ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, 17a fim de que o homem de Deus
seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa. Palavra do Senhor.
Tópicos para a compreensão do texto:
a) Timóteo aprendeu desde muito novo a ler as Escrituras. As crianças
começavam a ler a Bíblia aos 5 anos. No seu caso, foi a mãe que o ensinou
a ler as Escrituras.
b) As Escrituras podem instruir «em ordem à salvação pela fé em Cristo
Jesus»: são para nós um espaço de encontro com Deus que nos quer falar.
c) Toda a Escritura é inspirada: é o Espírito de Deus que garante a verdade
da Escritura e, por isso, ela se torna importante para nós.
d) Porque é tão importante? Porque é útil para «ensinar, refutar, corrigir e
educar»... para que vivamos no Espírito e possamos caminhar para a
perfeição, para sermos bons fazendo o bem.
Meditação pessoal em silêncio
Cada um volta a ler o texto e responde:
a) Procuro ler/escutar, meditar e interiorizar a Palavra de Deus?
b) Que tempo dedico à escuta da Palavra? Onde a procuro escutar e rezar?
c) Procuro deixar-me instruir pela Palavra, pondo-a em prática na minha
vida?
d) Faço da catequese um espaço de escuta, partilha e vivência da Palavra
de Deus?
Cântico: A vossa palavra, Senhor, é luz dos meus caminhos.
Partilha da Palavra: Em pequenos grupos, fazer um momento de partilha da
Palavra (10 minutos)
Oração (salmo 119, 1-16)
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Para rezar em conjunto, depois do momento de partilha. Em dois coros:
Felizes os que seguem o caminho da retidão
e vivem segundo a lei do senhor.
Felizes os que cumprem os seus preceitos
e o procuram com todo o coração,
que não praticam o mal
mas andam nos caminhos do Senhor.
Promulgaste os teus preceitos
para se cumprirem fielmente.
Oxalá os meus passos sejam firmes
no cumprimento dos teus decretos.
Então não terei de que me envergonhar,
se observar os teus mandamentos.
Poderei louvar-te de coração sincero,
instruído pelos teus justos juízos.
Hei de cumprir as tuas leis;
não me abandones mais!
Como poderá um jovem
manter puro o seu caminho?
Só guardando as tuas palavras.
Eu procuro-te com todo o coração;
não deixes que me afaste
dos teus mandamentos.
Guardo no meu coração as tuas promessas,
para não pecar contra ti.
Bendito sejas, Senhor!
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Ensina-me as tuas leis.
Anuncio com os meus lábios
todos os decretos da tua boca.
Alegro-me mais em seguir as tuas ordens,
do que em possuir qualquer riqueza.
Meditarei nos teus preceitos
e prestarei atenção aos teus caminhos.
Hei de alegrar-me com as tuas leis;
não esquecerei as tuas palavras.
Conclusão/compromisso
Após um breve momento de silêncio para cada um formular o seu compromisso
pessoal, rezamos em conjunto:
Senhor, creio que a tua palavra é vida, e que gera a tua vida em mim.
Quero ler a tua palavra, meditá-la e vivê-la.
Dá-me, Senhor, a luz do teu Espírito para que ela revele em mim a tua verdade
e transforme o meu coração. Ámen.
Cântico: Confiarei no meu Deus, confiarei no meu Deus. Ele conduz-me, não
temo, vem comigo a caminhar.
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Conclusão
Às portas do Ano da Fé, a oportunidade que nos é dada de “redescobrir a
alegria da fé e o entusiasmo de a comunicar” (PF 7), não pode passar ao lado
de uma dimensão fundamental da fé: a fé rezada, aquela fé, pela qual
verdadeiramente o cristão entra em relação com Deus, em intimidade com
Cristo, na comunhão com o Espírito Santo.
Sem oração, a fé pode reduzir-se a uma grande ideia que se professa, ou
mesmo a uma decisão ética notável, que se assume e vive, mas não é ainda a
fé. Seria uma teoria, uma doutrina, uma ética, uma moral.
Ora, o que é próprio da fé é o encontro vital e pessoal com Cristo, “que dá a
minha vida um horizonte novo em desta forma um rumo decisivo” (cf. DCE 1).
Entender que a oração ocupa na catequese um lugar prioritário supõe chegar a
compreender o verdadeiro objetivo da catequese e de toda a vida cristã é
precisamente a comunhão com Jesus Cristo. Em definitivo, a finalidade da
catequese é a de fazer que alguém se ponha, não apenas em contacto, mas em
comunhão, em intimidade com Jesus Cristo. Por isso, a Catequese, se propõe
ser um espaço de educação da fé, da sua maturação, não pode descurar a
tarefa de iniciar à oração, na diversidade das suas expressões, de modo que a
fé professada, celebrada e vivida, seja também a fé rezada, na comunhão com
a Igreja. Disse-o muito bem a Beata Madre de Calcutá: «O fruto da oração é a
fé».
Di-lo claramente, na introdução à IV parte, o próprio Catecismo da Igreja
Católica: “Este mistério exige, portanto, que os fiéis nele creiam, o celebrem,
dele vivam, numa relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Esta
relação é a oração”.
Todo o nosso percurso representou um esforço de perceber o lugar da
aprendizagem e da prática da oração, no processo de iniciação cristã e a
tentativa de encontrar os modos concretos de o fazer, em Catequese, onde o
clima orante faz desta um «encontro» e não uma «aula».
Procurámos, em tudo e sempre, ser fiéis à doutrina da Igreja, tendo como guia
principal da reflexão sobre a oração a IV parte do Catecismo da Igreja Católica.
Na parte pedagógica, fomos em busca dos místicos, dos mestres e dos
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pedagogos, dos guias e das testemunhas, no caminho da oração, que nos
pudesse oferecer pistas, abrir caminhos, para nos iniciarmos numa aventura,
que só, pela graça do Espírito Santo, Mestre interior, se pode abraçar. Ele que
nos ensina a rezar, como convém, nos ensine a ensinar outros a rezar, como
Jesus rezava!
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