VISÕES DE CIÊNCIA DE ALUNOS DE UMA LICENCIATURA … · Foi aplicado um questionário com 14 ... a...
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professores. E-mail:
[email protected] 2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professores, Departamento de Ciências,
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Ambiente e Sociedade, Brasil. E-mail:
VISÕES DE CIÊNCIA DE ALUNOS DE UMA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS
BIOLÓGICAS
DIEGO AUGUSTO BESSA DA SILVA1
LUÍS FERNANDO MARQUES DORVILLÉ2
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo investigar as visões de Ciência dos alunos
de uma licenciatura em Ciências Biológicas, destacando as principais dificuldades envolvidas
na adoção de explicações científicas para a elucidação de vários fenômenos e de uma visão
crítica da atividade científica. Foi aplicado um questionário com 14 questões a estudantes de
seis períodos do curso, divididos em três seções: início (1º e 2º períodos); meio (4º e 5º
períodos) e final do curso (7º e 8º períodos), totalizando 147 alunos. A maioria dos
licenciandos que participaram dessa pesquisa apresenta visões sobre Ciência que se vinculam
a interpretações vagas ou incorretas, concebendo a atividade científica como geradora de
comprovações e descobertas que trazem sempre respostas claras. A pesquisa revela
claramente a influência do curso sobre o nível de aprofundamento das respostas dos alunos ao
longo dos períodos, além de mostrar que os alunos protestantes, principalmente dos períodos
iniciais, apresentam o menor percentual de respostas mais elaboradas sobre a natureza da
Ciência, porém não enfrentam muitos problemas ao diferenciar a Ciência de outras atividades.
O oposto ocorreu com os demais alunos, que mostraram maior dificuldade em definir o que é
Ciência do que em distingui-la de outras atividades.
Palavras chave: Ensino de Ciências; Formação de Professores; CTS.
INTRODUÇÃO
Um dos grandes objetivos da educação cientifica é garantir que o aluno tenha
condições de acesso a concepções menos ingênuas sobre a produção e aplicação do
conhecimento científico (PETRUCCI; DIBAR URE, 2001). Isso significa compreender como
a Ciência opera a partir de sua lógica interna e das influências externas que atuam sobre ela
em várias instâncias, entendendo os processos envolvidos na construção dos modelos e
métodos utilizados para validar o seu conhecimento, bem como reconhecendo criticamente de
que maneira e a quem beneficiam muitas de suas descobertas em diferentes contextos.
Entender como o conhecimento científico é construído envolve uma discussão histórica e
contextualizada que deve contribuir para que o aluno entenda a complexidade dos
mecanismos envolvidos na construção dos conteúdos científicos e sua problematização,
contribuindo para romper com visões de senso comum e com uma visão de Ciência como
verdade absoluta e imutável (SCHEID; FERRARI; DELIZOICOV, 2007).
2
Lederman (2007) realizou um extenso levantamento bibliográfico sobre as concepções
de Ciência de professores e constatou que a maioria das investigações relatava que os
professores de Ciências apresentavam concepções positivistas, destacando a ausência de
reflexões prévias mais aprofundadas sobre o tema, resultando muitas vezes em
posicionamentos imprecisos e por vezes incoerentes sobre o modo como se produz o
conhecimento científico. Outros estudos realizados por Cachapuz et al. (2005), Fernández et
al. (2002) e Gil-Pérez et al. (2001), mostraram que as visões sobre Ciência a nível global são
ingênuas e que na maioria das vezes são iguais ou próximas daquelas de senso comum.
Esse trabalho tem como objetivo investigar as visões de Ciência dos alunos de uma
licenciatura em Ciências Biológicas, bem como a influência desse curso sobre seus
posicionamentos, identificando as principais disciplinas que tiveram êxito em modificar seus
pontos de vista. Além disso, o distanciamento de visões mais críticas da atividade científica
nem sempre é reflexo apenas de questões curriculares, envolvendo muitos outros aspectos,
tais como a divulgação científica deturpada realizada pela mídia, o senso comum e a presença
de fortes crenças religiosas que são transmitidas através das gerações. Entender como pensam
os alunos que estão se graduando é essencial para evitar eventuais visões distorcidas sobre a
atividade científica além de contribuir para a formação de profissionais capazes de entender
criticamente a natureza da Ciência, suas limitações e potencialidades.
Essa pesquisa foi realizada na Faculdade de Formação de Professores, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (FFP-UERJ), situada no município de São Gonçalo, um dos que
compõem a região metropolitana do Rio de Janeiro e que, como todas as periferias das
grandes cidades brasileiras, apresenta forte presença religiosa protestante, especialmente
pentecostal (JACOB et al., 2006). Dedicada à formação de professores, a FFP-UERJ oferece
hoje sete cursos de licenciatura plena, nove cursos de pós-graduação (especialização), seis
mestrados, sendo quatro acadêmicos e dois profissionais e um doutorado. A realização de uma
pesquisa em uma instituição pública que tem como objetivo formar professores ganha
bastante ênfase ao mostrar o que pensam os futuros profissionais da escola básica sobre a
tríade Ciência-Tecnologia-Sociedade, o que certamente exercerá influência sobre o modo
como ensinam diferentes conteúdos de Ciências e Biologia.
METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada no 1º semestre de 2015, na Faculdade de Formação de Professores –
FFP/UERJ, tendo sido dividida em dois momentos. No primeiro foi aplicado um questionário
3
de 7 perguntas a alunos de seis períodos e 11 afirmações, cujas respostas foram reunidas em
três grupos: início do curso (1º período – 36; e 2º período – 22); meio do curso (4º período –
24 e 5º período – 21) e a parte final do curso (7º período – 21 e 8º período – 23), totalizando
147 alunos e no segundo momento foram feitas entrevistas semi-estruturadas com oito alunos.
Esse trabalho aborda apenas os resultados do primeiro momento.
O questionário referente à primeira parte do estudo foi acompanhado de uma carta de
apresentação, na qual foi revelada a natureza do trabalho, deixando claro que o objetivo não
era obter eventuais respostas “corretas” e sim que o questionário procurava verificar as
opiniões dos alunos a respeito das questões propostas. Quatro perguntas iniciais procuraram
traçar um perfil do aluno (nome, data e local de nascimento, período que cursava e se o aluno
possuía alguma religião e com que frequência frequentava o local de culto). As demais
questões que compuseram o questionário propriamente dito foram: 1 - O que é Ciência na sua
opinião?; 2 - O que torna a Ciência diferente de outras atividades?; 3 - Depois que você entrou
na faculdade sua visão de Ciência mudou? Se mudou, de que maneira?; 4 - Alguma disciplina
da faculdade trabalhou o tema do que é a Ciência?; Se a resposta foi sim, qual disciplina? De
que maneira? 5 - A Ciência melhora ou piora a vida das pessoas? 6 - Ciência e Religião: se
contradizem; são independentes; se complementam. Justifique sua escolha; 7 - Qual é a sua
opinião sobre o ensino do criacionismo nas escolas?
A última parte do questionário possuía como título “Afirmações com Escala de Likert”. Nela
foram trabalhadas 11 afirmações, sendo utilizada uma escala de Likert para análise, segundo a
qual o aluno deveria escolher uma entre cada uma das seguintes opções para cada afirmação:
Discordo totalmente; Discordo muito; Discordo pouco; Concordo pouco; Concordo muito ou
Concordo totalmente. As afirmações foram: 1 – As explicações científicas sobre a natureza
são confiáveis; 2 - A Ciência faz parte do cotidiano das pessoas nas grandes cidades; 3 – A
força da Gravidade é um fato, independente de aceitarmos ou não a teoria gravitacional; 4 – A
evolução biológica é um fato, independente de aceitarmos ou não a teoria evolutiva; 5 - A
Bíblia é comprovada cientificamente; 6 - O cientista descobre como as coisas são; 7 -
Qualquer opinião pode ser considerada científica; 8 - Conhecimento científico é
conhecimento provado e absoluto; 9 - A teoria da evolução está de acordo com os princípios
bíblicos e religiosos; 10 - O criacionismo é uma teoria que explica melhor a ideia da origem
das espécies; 11 - A evolução biológica é apenas uma teoria, porque na comunidade cientifica
ainda se discute a validade dela.
4
As respostas às perguntas/afirmações foram organizadas por período do curso (início, meio e
fim) e por pertencimento religioso.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A maior parte dos alunos é religiosa, porém quando categorizamos os dados por religião,
percebemos que o contingente dos sem religião é maior em números gerais (39%), seguido
dos católicos (29%), protestantes (25%), espíritas (5%), umbandistas (1%) e candomblecistas
(1%). O meio do curso (4º e 5º período) conta com o maior número de protestantes (4º
período) e o maior número de católicos (5º período), em comparação aos outros períodos,
possuindo também uma afinidade religiosa maior que os demais períodos. Definimos como
muita afinidade religiosa a frequência a atividades religiosas pelo menos uma vez por semana.
Portanto o meio do curso pode apresentar algumas diferenças associadas ao pertencimento
religioso. Essa intensidade de pertencimento é mais evidente entre os evangélicos, dos quais
80% afirmam ter muita afinidade religiosa, seguidos por 42% dos católicos. Essa maior
afinidade religiosa dos protestantes se refletiu em quase todas as respostas que parecem sofrer
influência do pertencimento religioso dos alunos. O número de alunos que se declararam
espíritas, umbandistas ou candomblecistas foi tão baixo que não permitiu uma comparação
confiável dos seus percentuais com os demais grupos.
No geral, aproximadamente a metade das respostas (51%) à pergunta 1 – “O que é Ciência”
foi incorreta ou vaga sobre a natureza da atividade científica, revelando o quanto é difícil
entendê-la de uma maneira mais aprofundada. Além disso, demonstra a existência de uma
grande distância entre o interesse dos alunos por temas ligados direta ou indiretamente a essa
atividade e sua capacidade de entendê-la escapando do senso comum e de visões
simplificadas e mistificadoras. Foram consideradas como explicações vagas respostas que não
apresentaram nenhuma informação conceitual geral sobre a natureza da atividade científica.
As mesmas foram reunidas em quatro categorias: “um tipo de conhecimento, sem maior
especificação do tema” (28%); “estudo dos seres vivos” (8%); “estudo dos fenômenos” (6%);
“estudo dos seres vivos” e não vivos” (3%); “uma tentativa do homem em explicar as coisas
utilizando meios aceitáveis” (3%) e “estudo do planeta de forma geral” (1%). As explicações
ingênuas foram reunidas em três grupos: “Um conhecimento que envolve
comprovação/descobertas/respostas” (10%) e “Visão triunfalista da Ciência” (1%). Foram
consideradas como explicações ingênuas respostas que apresentaram uma informação
conceitual positivista sobre a natureza da atividade científica. Foram consideradas como
5
explicações sofisticadas respostas que apresentaram uma informação conceitual aprofundada
sobre a natureza da atividade científica, sendo reunidas em três grupos: “Uma forma de
conhecimento, por métodos” (16%) e “É refutável, passível de testes” (8%) e “Diz como as
coisas não são” (5%).
As mesmas dificuldades evidenciadas nas respostas à primeira pergunta foram encontradas
em relação à pergunta 2 “O que torna a Ciência diferente de outras atividades?”. Na verdade
essa pergunta está ligada à primeira. Se o licenciando não consegue distinguir a atividade
científica de outras, encontra dificuldade em definir Ciência. A maioria das respostas, no
geral, não consegue distinguir a atividade científica das demais, o faz de modo vago ou
extremamente ingênuo. Entretanto, nessa segunda questão, muito embora tenhamos um
grande número de respostas vagas (22%) e ingênuas (11%), foi observado que o número das
sofisticadas (46%) subiu consideravelmente em relação à primeira questão. Portanto, são 46%
de respostas sofisticadas contra 22% de respostas vagas e 11% de respostas ingênuas. Com
isso, se somarmos o pensamento vago com o ingênuo, o número de respostas ainda é
insuficiente para ultrapassar o percentual de respostas sofisticadas aqui na segunda questão. A
explicação para esse fato pode se encontrar no fato das explicações mais numerosas que
aparecem depois das explicações vagas são, “Sem verdades absolutas” e “Testável/Refutável”
as quais foram reunidas na categoria “explicações sofisticadas”. Para quem possui religião,
seria muito mais conveniente que o entendimento do mundo natural por parte da Ciência fosse
mutável, testável e refutável, e que o entendimento religioso fosse o único detentor da verdade
absoluta. Os protestantes foram o grupo com maiores dificuldades em conceituar Ciência
porém foram os que mais obtiveram respostas sofisticadas na hora de diferenciar Ciência de
outras atividades. Portanto, alunos protestantes podem considerar a atividade científica como
uma atividade passível de refutações por motivos bem diferentes daqueles encontrados em
alunos sem religião.
A partir do total de 18 questões/afirmações, apenas quatro parecem ter sofrido a influência do
período do curso, independente do pertencimento religioso dos alunos: Q5 “A Ciência
melhora ou piora a vida das pessoas?” (depende, início – 12%, meio –18% e final – 25%)”;
AF6 “Os cientistas descobrem como as coisas são” (discordo totalmente/muito, início – 5%,
meio – 51% e final – 43%); AF 7 “Qualquer opinião pode ser considerada científica”
(discordo totalmente/muito, início – 60%, meio – 73% e final – 86%); AF 11 “A evolução
biológica é apenas uma teoria, porque na comunidade científica ainda se discute a validade
dela” (discordo totalmente/muito, início – 26%, meio – 42%, final – 40%). Em todas elas a
6
passagem dos alunos pelo curso parece contribuir para a elaboração de respostas ou
posicionamentos mais críticos sobre Ciência.
Ao serem perguntados se alguma disciplina na faculdade havia trabalhado sobre o tema “O
que é a Ciência ?” (Q4), os alunos distribuíram suas respostas por 12 disciplinas de diversos
períodos, o que revela a intensidade com que o tema é abordado nessa licenciatura.
Entretanto, apesar dessa diversidade, é notável que a disciplina mais marcante (com 71% das
respostas) parece ser “Introdução ao Pensamento Biológico” (IPB). Trata-se de uma disciplina
oferecida no 1º período que trabalha as questões epistemológicas da Ciência a partir de
exemplos históricos. Em geral poucos cursos de graduação realmente apresentam em sua
grade curricular disciplinas que contemplem a possibilidade de refletir sobre a natureza da
Ciência (CACHAPUZ et al. 2005). Os resultados dessa investigação parecem destacar a sua
importância para a formação dos alunos sobre esse tema.
As disciplinas “Laboratório de Ensino“ de I a IV trabalham temas como educação ambiental,
sexualidade, sistemática filogenética e evolução, o que explica o motivo de também serem
mencionadas, embora com percentuais em torno de 5%. É curioso como a maioria cita IPB,
embora na verdade a maioria das alterações nas visões sobre Ciência pareça ocorrer mais
tarde, a partir do meio do curso, mostrando como essa disciplina parece ser importante,
embora seus efeitos se façam sentir posteriormente. Há uma percepção interessante também
sobre a relevância dos Laboratórios de Ensino como espaços para discussões que se
relacionam, ainda que de modo indireto, com esse tema. Isso pode explicar o motivo das
mudanças acontecerem mais tarde. Talvez o amadurecimento das ideias relacionadas à
Ciência como um todo ocorra ao passar pelas disciplinas de Laboratório de Ensino. Como o
número de disciplinas apontadas como influentes é grande, talvez a contribuição cumulativa
de cada uma delas ao longo do curso se traduza em um efeito mais perceptível a partir do
meio do curso. Além disso, a presença de uma disciplina oferecida pelo Departamento de
Educação (Filosofia da Educação) dentre as listadas (4% das respostas) pelos alunos destaca a
importância do curso não se basear no sistema 3 + 1, sendo oferecidas disciplinas de
Educação desde o início do curso, o que permite contribuições interessantes. Essa questão 4 e
a questão 2 – “A Ciência faz parte do cotidiano das pessoas nas grandes cidades” foram as
únicas que não pareceram exibir qualquer influência do período do curso ou do pertencimento
religioso.
Quatro perguntas/afirmações parecem ter sido influenciadas pelo pertencimento religioso dos
alunos independente do período em que se encontravam. Essas questões são interessantes
7
porque revelam os temas em que o curso parece ter mais dificuldade de exercer sua influência
sobre alguns dos alunos, sendo quase todas relacionadas de maneira mais direta a questões
bíblicas e ao ensino do criacionismo nas escolas. A primeira delas, a questão 7 (“Qual é a sua
opinião sobre o ensino do criacionismo nas escolas?”) é a que apresenta uma interpretação
mais difícil (protestantes a favor, início – 90%, meio – 42% e final – 42%%; protestantes
contra, início – 0%, meio – 42%, final – 23%; católicos a favor, início – 37%, meio – 20%,
final – 61%; católicos contra, início – 2%, meio – 47%, final – 15%). Os dados parecem
apontar que talvez essa opinião sobre o ensino do criacionismo tenha um peso mais pessoal
do que propriamente da natureza do pertencimento religioso e do período em que que o aluno
esteja. Porém, vemos um padrão mais claro nos sem religião, indicando que nessa questão ser
ou não religioso é importante, como seria esperado.
As demais afirmações que parecem ter sido influenciadas pelo pertencimento religioso dos
alunos foram: AF1 “As explicações científicas sobre a natureza são confiáveis” (concordo
totalmente/muito, católicos – 46%, protestantes – 39%, sem religião – 56%); AF5 “A bíblia é
comprovada cientificamente” (discordo totalmente/muito, católicos – 55%, protestantes –
64%, sem religião – 67%) e AF9 “A teoria da evolução está de acordo com os princípios
bíblicos e religiosos” (discordo totalmente/muito, católicos – 51%, protestantes – 44%, sem
religião – 55%). Os protestantes parecem ser o grupo religioso que menos confia nas
explicações científicas sobre a natureza e que apresenta mais dificuldades em realizar
tentativas de síntese ou aproximações entre o pensamento científico e religioso. É interessante
identificar que trata-se de um grupo que rejeita fortemente a visão da bíblia como um livros
comprovado cientificamente, em um percentual muito próximo dos sem religião. Porém,
apesar do padrão observado, ocorre uma grande heterogeneidade de respostas nesse grupo.
A maior parte das questões/afirmações (oito) revelou sofrer uma influência tanto do período
cursado pelos alunos quanto do seu pertencimento religioso. A Questão 1 “O Que é Ciência?”
revela claramente a influência do curso sobre o nível de aprofundamento das respostas sobre a
natureza da atividade científica, evidenciado pela queda no percentual de respostas vagas
(Quadro 1). O percentual de explicações vagas é mais alto nos religiosos do que nos sem
religião, embora sem um padrão claro distribuído entre os grupos religiosos, indicando que
talvez mais importante do que ter ou não uma religião, seria na verdade o tipo de
pertencimento religioso que o aluno possui.
Quadro 1 – Percentual de respostas influenciadas tanto pelo pertencimento religioso
quanto pelo período cursado pelos alunos de Licenciatura em Ciências Biológicas da FFP-
UERJ (CI – católicos no início do curso; CM – católicos no meio do curso; CF – católicos
8
no final do curso; PI – protestantes no início do curso; PM – protestantes no meio do
curso; PF – protestantes no final do curso; SRI – sem religião no início do curso; CM –
sem religião no meio do curso; CF – sem religião no final do curso.
Questão CI CM CF PI PM PF SRI SRM SRF
Q1 – O que é Ciência?
(Respostas vagas) 62% 47% 40% 60% 67% 60% 70% 47% 20%
Q2 – O que torna a Ciência
diferente de outras atividades?
(Respostas sofisticadas)
25% 40% 74% 50% 67% 60% 8% 75% 60%
Q3 – Sua visão de Ciência
mudou ao longo do curso?
(Mudou para crítica)
20% 27% 15% 0% 17% 0% 0% 19% 7%
Q6 – Ciência e Religião se
contradizem/complementam/são
independentes?
CT - Contradizem
CO – Concordam
IN – Independentes
CT
12%
CO
62%
IN
25%
CT
14%
CO
57%%
IN
28%
CT
8%
CO
46%
IN
46%
CT
30%
CO
50%
IN
20%
CT
8%
CO
75%
IN
17%
CT
0%
CO
57%
IN
43%
CT
37%
CO
7%
IN
62%
CT
28%
CO
7%
IN
71%
CT
37%
CO
6%
IN
56%
As três outras perguntas revelam a influência tanto do período que o aluno cursa quanto do
tipo de pertencimento religioso. Em algumas das respostas fica claro que o meio do curso
parece ser um momento chave na mudança das visões dos alunos. Na questão 3 o percentual
de aumento de visão crítica sobre Ciência foi muito elevado entre os protestantes e entre os
sem religião, podendo refletir a mudança de pontos de vistas em relação a posições iniciais
muito discrepantes. Em católicos os padrões foram mais distribuídos. Em relação à questão 6
é importante destacar a acentuada queda ao longo do curso no percentual de protestantes que
consideram que Religião e Ciência se contradizem.
Em relação às afirmações influenciadas tanto pelo curso quanto pelo pertencimento religioso
(Quadro 2) observa-se entre os alunos protestantes uma tendência maior a rejeitar afirmações
científicas categóricas, mesmo aquelas baseadas em seguidas evidências e estabelecidas como
teorias, bem como uma menor rejeição do criacionismo. Ao longo do curso observa-se uma
tendência à concordância com essas afirmativas bem como um aumento da rejeição do
criacionismo.
Quadro 2 – Percentual de posicionamentos influenciados tanto pelo pertencimento
religioso quanto pelo período cursado pelos alunos de Licenciatura em Ciências Biológicas
da FFP-UERJ. Afirmativas Início Meio Final Católicos Protestantes Sem Rel.
9
AF3 – A força da gravidade é
um fato (concordo
totalmente/muito)
50% 60% 59% 88% 72% 91%
AF4 – A teoria da evolução é
um fato (concordo
totalmente/muito)
74% 75% 82% 77% 55% 84%
AF 8 – O conhecimento
científico é provado (discordo
totalmente/muito)
32% 55% 66% 44% 52% 44%
AF10 – O criacionismo
explica melhor a origem das
spp (discordo
totalmente/muito)
48% 62% 63% 51% 25% 77%
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos perceber nessa pesquisa que a maioria dos licenciandos apresenta explicações
vagas/ingênuas sobre a atividade científica, acreditando na Ciência como verdade absoluta,
que prova e comprova fatos. Oleques et al. (2013), destacam que a visão da Ciência como
envolvendo comprovação e descobertas é uma visão rígida de Ciência (algorítmica, exata,
infalível), em que se sugere um procedimento de regras definidas e mecânicas do método
científico. Segundo Fernández et al. (2002) e Gil Pérez et al.(2001) trata-se de uma visão
inadequada de Ciência, distante do modo como ela de fato ocorre. Porém, nossos dados
também revelam que há um número considerável de alunos que encara a atividade científica
como um processo dinâmico que pode ser testado e falsificado, revelando um efeito positivo
do curso no processo de construção de imagens mais elaboradas de Ciência. Nessa e em
outras questões/afirmações as respostas dos alunos revelam o resultado de um curso que
apresenta uma forte preocupação com essa temática, distribuída por várias disciplinas de
diferentes períodos. Um período chave para a ocorrência das principais transformações
observadas nessa e em outras questões parece ser a metade do curso, apresentando resultados
que se distanciam daqueles do início do curso e mais próximos dos apresentados na fase final.
A relação entre os conhecimentos científicos e religiosos, observamos que os religiosos
defendem em sua maioria que essas atividades “se complementam” ou que “são
independentes”, enquanto os sem religião concentram suas escolhas em “se contradizem” e
“são independentes”. Para Woolnough (1996), uma vez que não há só uma forma de ver o
mundo, torna-se necessário e legítimo interpretá-lo a partir de diferentes perspectivas. Cada
uma dessas perspectivas de ver o mundo se encontra baseada em uma forma particular de
10
entendimento e conhecimento, dentre as muitas produzidas pela espécie humana, a qual
encontraria validação em seu próprio contexto, utilizando seus próprios critérios de verdade e
justificação. Nenhuma das formas de conhecimento seria incompatível com as demais, uma
vez que elas seriam capazes de coexistir ou de serem verdadeiras no mesmo momento,
gerando descrições apropriadas para diferentes contextos (WOOLNOUGH, 1996).
Ciência e Religião, portanto, seriam independentes por ver o mundo cada qual à sua maneira
com caminhos explicativos distintos e procedimentos diversos. É imprescindível o
reconhecimento, por parte de professores e estudantes, de que o pensamento científico não
deve se opor necessariamente ao pensamento religioso, não ocupando o mesmo espaço
explicativo, segundo o conceito de Magistérios Não Interferentes (GOULD, 2002), gerando
discursos produtores de sentido em diferentes escalas, para diferentes pessoas, em diferentes
contextos.
Porém, essa distinção entre os campos de atuação, discursos e procedimentos do pensamento
científico e das visões de mundo religiosas não se traduz em uma existência imune a conflitos,
especialmente quando uma dessas explicações procura elaborar interpretações que invadem a
área de atuação da outra. Trata-se do caso do criacionismo, que recebe um apoio maior dos
alunos religiosos e uma forte rejeição por parte dos alunos sem religião. Nesse e em outros
temas relacionados a conflitos com as ideias religiosas, as posições mais conservadoras são
encontradas entre os alunos protestantes, o que não significa dizer que exista uma
homogeneidade de posicionamentos em suas respostas. Na verdade, para várias das questões
investigadas, esse grupo religioso apresentou as respostas mais divididas entre seus membros,
apontando assim possibilidades de intervenção dialógica. Qualquer interpretação da atividade
científica como um processo absoluto ou de algumas de suas descobertas como afirmações
categóricas amplamente testadas e não refutadas encontra a maior oposição por parte dos
protestantes. Portadores de uma visão de mundo que envolve em algum nível um
posicionamento absoluto, tais alunos rejeitam fortemente qualquer outra explicação que
pareça ocupar o espaço de certezas preenchido pelo pensamento religioso. Qualquer
possibilidade de influência por parte das diferentes concepções de Ciência sobre a visão de
mundo desses alunos só épossível a partir de interações dialógicas que não partam de posições
ontológicas privilegiadas mas que não renunciem à importância das explicações científicas
para a descrição dos fenômenos naturais.
Além das questões religiosas, outras dificuldades observadas para a construção de concepções
de Ciência menos elaboradas envolveram a adoção de ideias próximas do senso comum sobre
11
essa atividade, bem como sua redução a interpretações reducionistas que a igualavam a
simples aplicação de determinadas técnicas. Todas elas manifestam um profundo
descompasso entre o interesse dos alunos por atividades científicas e suas profundas
dificuldade de defini-las ou entender seu mecanismo de funcionamento, revelando uma
postura de mistificação diante da Ciência.
Embora o curso apresente disciplinas ao longo dos períodos que abordam de forma indireta as
características da atividade científica, a disciplina de IPB apresenta uma discussão mais
intensa e direta sobre esse tema. Sua implantação no primeiro período do curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas da FFP-UERJ parece apresentar resultados muito
positivos para a construção de interpretações científicas mais críticas e elaboradas entre os
alunos. A importância da discussão da natureza da Ciência parece ser uma preocupação de
vários docentes do curso, distribuindo essa discussão por diferentes disciplinas de vários
períodos, o que representa outro ganho. Por fim, a presença de quatro disciplinas de
Laboratório de Ensino, abordando temas como como educação ambiental, sexualidade, saúde,
sistemática filogenética e evolução, constituem espaços reflexivos para discussões críticas e
não baseadas apenas nos conteúdos disciplinares propostos, oferecendo assim possibilidades
de recapitulação e sedimentação de discussões sobre a natureza da Ciência aplicadas a novas
situações e contextos, potencializando as discussões sobre o fazer científico.
Um dado curioso se refere aos alunos do 4º e 5º períodos, que frequentam as aulas de
Zoologia III, Laboratório de Ensino IV e Biologia e Evolução, disciplinas que a todo tempo
discutem sobre o conhecimento científico e evolução. Deste modo, obviamente a influência
do professor e as discussões frequentes em sala sobre o tema, na nossa opinião, podem
influenciar o percentual de respostas desse período em em comparação com os demais. Tais
influências, por serem mais recentes, podem se manifestar em maior intensidade nas respostas
dos alunos do meio do período, mantendo-se ou caindo no final do curso, mas nunca
retornando aos patamares iniciais.
REFERÊNCIAS
CACHAPUZ, A. et al. A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez,
p.261, 2005.
FERNÁNDEZ, I. et al. Visiones deformadas de la ciencia trasmitidas por la enseñanza.
Enseñanza de las ciencias, v.20, n.3, p.447-488, 2002.
12
GIL-PÉREZ, D. et al. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. Ciência &
Educação, v.7, n.2, p. 125-153, 2001.
LEDERMAN, N.G. Nature of science: Past, present, and future. In S.K. Abell, & N.G.
Lederman, (Editors), Handbook of research in science education (pp 831-879). Mahwah, New
Jersey: Lawrence Erlbaum Publishers, 2007
GIL-PÉREZ, D. et al. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. Ciência &
Educação, v.7, n.2, p. 125-153, 2001.
GOULD, S.J. Pilares do Tempo. Ciência e Religião na Plenitude da Vida. Rio de Janeiro:
Rocco. 2002.
JACOB, C. R.; HEES, D. R.; VANIEZ, P. & BRUSTLEIN, V. Religião e Sociedade em
Capitais Brasileiras. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola; Brasília: CNBB. 250p,
2006.
PETRUCCI, D.; DIBAR URE, M. C. Imagen de la Ciencia en alumnos universitarios: una
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