Viravolta machadiana

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Resenha do livro de João Cézar.

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  • Machado de Assis em linha, Rio de Janeiro.

    v. 6, n. 12, p. 167-174, dezembro 2013

    http://machadodeassis.net/revista/numero12/rev_num12_artigo11.pdf

    Fundao Casa de Rui Barbosa R. So Clemente, 134, Botafogo 22260-000 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 167

    A VIRAVOLTA MACHADIANA:

    VELHO PROBLEMA, NOVA QUESTO.

    RESENHA DE MACHADO DE ASSIS POR UMA POTICA DA EMULAO, DE JOO CEZAR DE CASTRO ROCHA

    THE MACHADIAN TURN ABOUT: OLD PROBLEM, NEW QUESTION.

    REVIEW OF MACHADO DE ASSIS POR UMA POTICA DA EMULAO, DE JOO CEZAR DE CASTRO ROCHA

    ROCHA, Joo Cezar de Castro. Machado de Assis por uma potica da emulao. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2013. 368p.

    Antonio Marcos Vieira Sanseverino

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Porto Alegre, RS, Brasil

    Um dos enigmas literrios a viravolta que Machado de Assis impe a sua

    obra a partir de Memrias pstumas de Brs Cubas. No se trata apenas da diferena

    em relao aos primeiros quatro romances, trata-se da construo de uma obra-prima a

    partir de um salto qualitativo. Essa mudana foi explicada por Roberto Schwarz a partir

    da alterao do ponto de vista ideolgico, em que Machado abandona a ideologia

    paternalista e ao mesmo tempo adota o ponto de vista da elite, atravs de Brs Cubas.

    Schwarz mostra que "o social est na forma", a partir de um mtodo em que "o ponto de

    partida est na configurao da obra, com as luzes que lhe so prprias, e no na

    sociedade".1 Analisando a ordem shandiana do romance moderno, Sergio Paulo

    Rouanet2 faz um estudo de conjunto de Sterne, Diderot, Xavier de Maistre, Almeida

    Garret e Machado de Assis. Identifica uma linhagem comum (explicitada pelo prprio

    Machado) em que h uma base comum (a forma livre e difusa). De modo semelhante, a

    partir do vnculo a uma linhagem temos a leitura de Enylton S Rego,3 que mostra a

    produtividade da tradio da stira menipeia. Em outra hiptese de leitura, Snia

    1 SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. So Paulo: Duas

    Cidades, 1990. p. 188.

    2 ROUANET, Sergio Paulo. Riso e melancolia: a forma shandiana em Sterne, Diderot, Xavier de Maistre,

    Almeida Garret e Machado de Assis. So Paulo: Companhia das Letras, 2007.

    3 REGO, Jos Enylton de S. O calundu e a panaceia: Machado de Assis, a stira menipeia e a tradio

    lucinica. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1989.

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    Brayner pe relevo ao exerccio regular da crnica. O contato com o leitor do jornal e o

    recurso da oralidade (informalidade do narrador) forneceram "o desembarao

    preparatrio para as experincias de um novo enunciado romanesco".4

    Joo Csar de Castro Rocha, em Machado de Assis por uma potica da

    emulao, debrua-se mais uma vez sobre o enigma da viravolta machadiana. Seu

    esforo ambicioso "desenhar um novo retrato de Machado de Assis".5 Sua hiptese de

    leitura se volta para o impacto que a publicao de O primo Baslio (1878) teve sobre a

    literatura brasileira e especificamente a reao de Machado de Assis, que se viu forado

    a "tudo arriscar na fatura de Memrias pstumas de Brs Cubas" (p. 20).

    Retomo a hiptese esboada na introduo: a ruptura conheceu um

    evento-ponte em fevereiro de 1878. No digo que se trate de causa

    determinante, muito menos de fator nico, penso antes num efeito

    catalisador, que permitiu ao autor de Iai Garcia superar-se,

    reinventando sua literatura. (p. 86)

    Note-se que a publicao de O primo Baslio vista como "evento-ponte", e

    como "efeito catalisador". Cabe destacar que a relao de Machado de Assis e Ea de

    Queiroz seria de emulao, em que o autor brasileiro percebe a necessidade de

    compreender e superar o romance de Ea. O procedimento, prprio da potica clssica,

    anacronicamente posto em ao, coloca a centralidade da incorporao do modelo, a

    leitura das obras anteriores e a produo de uma novidade pelo desvio. O valor

    romntico da originalidade, de uma criao ex-nihilo, posto de lado, para um

    tratamento pardico da tradio. E nessa tradio entra de modo incontornvel o

    romance de Ea de Queiroz, grande sucesso em Portugal e no Brasil.

    Castro Rocha no se fixa, no entanto, no dilogo direto entre O primo Baslio e

    Memrias pstumas de Brs Cubas. Faz o cruzamento de diversos gneros produzidos

    por Machado de Assis. Vai da crnica ao romance, passando pela leitura de contos,

    4 BRAYNER, Snia. Metamorfoses machadianas: laboratrio ficcional. In: BOSI, Alfredo et al.

    Machado de Assis. (Grandes escritores 1). So Paulo: tica, 1982. p. 426.

    5 ROCHA, Joo Cezar de Castro. Machado de Assis por uma potica da emulao. Rio de Janeiro:

    Civilizao Brasileira, 2013. p. 32. Daqui para frente, para facilitar a leitura, ser apenas referida a pgina

    de onde foi tirada a citao.

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    poemas e crtica literria. Rastreia a sedimentao da emulao como procedimento

    bsico da escrita machadiana. Para caracterizar a mudana, no primeiro captulo, faz

    comparao entre as fases, a partir da leitura dos finais, dos quatro primeiros romances.

    "Nada escapa ao olhar do narrador dessa primeira fase. Ao leitor resta apenas o direito

    de admirar sua oniscincia" (p. 49). Por sua vez, na dita segunda fase,

    J os narradores e as personagens posteriores inveno de Brs

    Cubas parecem perder progressivamente o controle da interpretao,

    antecipando o processo que idealmente deve ocorrer com o prprio

    leitor, em virtude da complexidade crescente dos recursos

    machadianos. (p. 59, grifo meu)

    Na perda do "controle da interpretao", Castro Rocha coloca o ncleo da

    mudana da potica machadiana a partir das Memrias pstumas. Trata-se de um

    afastamento de um modelo narrativo bem-comportado para uma esttica aberta, que

    incorpora o leitor para obrig-lo a atuar na construo de hipteses interpretativas.

    No segundo captulo, "No meio do caminho tinha um autor", retoma o sucesso

    do lanamento de O primo Baslio, em 1878, e a crtica machadiana. Ao primeiro texto,

    seguiram-se algumas respostas a Machado de Assis, que publica um segundo texto. No

    rebate, quando Machado retoma a repercusso, as respostas ao seu artigo, ele mostra o

    impasse entre Romantismo e Realismo, a ser desdobrado depois em A nova gerao

    (1879). As obras e os autores recuperados como referncia (Alexandre Herculano,

    Gonalves Dias, Jos de Alencar) no o foram por serem romnticos ou clssicos, mas

    por fazerem parte de uma tradio com a qual se dialoga.

    Creio que seria interessante ponderar o juzo de Castro Rocha sobre o texto

    crtico de Machado: "pelo contrrio, so suas pginas menos felizes" (p. 94). Machado

    de Assis escreve crtica contundente, com os limites do momento, mas ainda assim de

    qualidade. Concentra-se em O primo Baslio para criticar a falta de verdade no conflito

    da personagem Lusa. Ela se entrega ao adultrio com seu antigo namorado, o primo

    Baslio, por inclinao. Perto da volta de viagem do marido, ela e o amante esto

    entediados, terminando a relao. Segundo Machado, o romance terminaria a, na volta

    do marido, porque Lusa propenderia a se acomodar no seu casamento, mas Ea

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    aumenta a extenso criando o roubo das cartas por Juliana, empregada com desejo de

    enriquecer. Seria falta de verdade, porque o enredo na arte (diferente de uma simples

    anedota ou notcia de jornal) deve partir da natureza da personagem, de seu conflito

    moral. A mesma falta de organicidade, Machado aponta nas adjetivaes exageradas e

    nas descries minuciosas (apenas inventrios) com que Ea se desviaria do essencial

    para ficar preso ao acessrio.

    Nessa crtica, h um modelo de romance subjacente. No h ideal de prosa

    romanesca, mas est posto um problema que pode servir de referncia para a

    compreenso das Memrias pstumas. O autor coloca-se entre os exageros da escola

    romntica (olhar com os olhos da alma, com os excessos da imaginao) e os da escola

    realista (fixar-se na sensao imediata das coisas), a fim de preservar a verdade esttica.

    Desse modo, Machado, enquanto crtico, no se volta contra padres romnticos ou

    naturalistas, mas se posiciona contra processos compositivos cristalizados. Estes se

    tornam regras escolares, fazendo com que os autores esqueam o real para se prenderem

    a traos estilsticos desprovidos de sentido. Em termos romanescos, o crtico censura

    Ea de Queiroz por descer a detalhes escabrosos que no contribuem para a totalidade

    do romance e que apenas denunciam sua filiao ao Realismo de Zola. A intriga do

    romance seria to frgil, que desmoronaria se Juliana no tivesse roubado as cartas de

    Lusa. Quer dizer, o conflito no seria expresso do sujeito, mas exterior a esse:

    No peo, decerto, os estafados retratos do Romantismo decadente;

    pelo contrrio, alguma coisa h no Realismo que pode ser colhido em

    proveito da imaginao e da arte, mas sair de um excesso para cair em

    outro, no regenerar nada: trocar o agente da corrupo. [...]

    Resta-me concluir, e concluir aconselhando aos jovens talentos de

    ambas as terras de nossa lngua, que no se deixem seduzir por uma

    doutrina caduca, embora no verdor dos anos. Este messianismo

    literrio no tem a fora da universalidade nem da vitalidade; traz

    consigo a decrepitude. Influi, decerto, em bom sentido e at certo

    ponto, no para substituir as doutrinas aceitas, mas corrigir o excesso

    de sua aplicao. nada mais. Voltemos os olhos para a realidade, mas

    excluamos o Realismo, assim no sacrificaremos a verdade esttica.6

    6 ASSIS, Machado de. Obras completas. v. 3. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 913.

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    A concluso de Machado de Assis impressiona pela defesa da independncia

    do artista. Trocar Romantismo por Realismo no mudana substancial, pois em ambos

    os casos o artista no observa a realidade diretamente, mas v apenas o que previsto

    pela doutrina literria e constri o texto a partir de um molde pr-estabelecido.

    possvel retirar dessa citao pelo menos uma constante machadiana: a necessidade da

    verossimilhana como marca da verdade esttica. Da decorre o desligamento da moda

    literria vigente, pois o artista no deve se preocupar em ser fiel a um modelo esttico,

    mas antes em construir uma obra coerente e verossmil, capaz de representar um

    conflito humano possvel.

    H como princpio a necessidade de se observar a natureza humana. No se

    trata de cobrana de nacionalismo, de expresso de smbolos consagrados como a

    natureza e o ndio enquanto traos da cor local brasileira. A observao e anlise

    desejadas dizem respeito composio do carter humano, na convivncia social, em

    que se cristalizam os hbitos em uma segunda natureza.

    A recuperao da crtica machadiana importante, pois Castro Rocha levanta

    como hiptese que "o leitor de O primo Baslio foi o autor de Iai Garcia e no o

    criador de Memrias pstumas de Brs Cubas" (p. 109). O ponto de partida de que

    Machado, autor das Memrias, no se confundiria com Machadinho, leitor de Ea. Vale

    ler um trecho para coment-lo:

    Posso, agora, rematar minha hiptese: o Machadinho de 1878, isto , o

    leitor de O primo Baslio, certamente condenaria o Machado de 1880,

    [...]. Para o crtico moralista de 1878, as aventuras de Brs Cubas

    pareceriam desnecessariamente erticas: o mvel de sua ao pouco

    definido; sobretudo o crtico normativo de 1878 rejeitaria a falta de

    verossimilhana de um defunto narrador. Isso para no mencionar a

    falha fundamental de estrutura: ora, como principiar uma histria pela

    concluso? Ainda: como deixar de condenar um romance em que o

    acessrio parece sempre impor-se ao essencial, atravs da tcnica da

    digresso, com inegvel sabor sterniano? Sem dvida, Machado-

    Boileau consideraria as Memrias pstumas de Brs Cubas um

    romance indecoroso e pobremente construdo. (p. 122, grifo meu)

    H um interessante exerccio de suposio de como o Machado logo anterior

    virada leria as Memrias pstumas. O n do problema, creio eu, est posto na suposio

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    de uma mudana da gua para o leo. No caso de Machado, o ano de 1878 um

    momento de crise. Os fundamentos da crtica a Ea, bem como de A nova gerao,

    deixam transparecer o interesse de ler, sem concesso, a produo literria que se

    legitima no campo literrio dos anos 70. Na observao do trnsito do Romantismo para

    o Realismo, Machado anota a tendncia de filiao escolar, de adeso a um modelo

    compositivo a ser aplicado. Castro Rocha mostra o carter produtivo e contra-

    hegemnico da emulao, quando incorpora a obra lida e busca super-la. Creio que as

    crticas machadianas de 1878 e 1879 ganhariam maior interesse se fossem lidas a partir

    da, afinal, nesses anos, no se trata mais do jovem escritor, mas de um autor

    consolidado no campo literrio, e que desenha um impasse, em que os estilos vigentes

    no so mais satisfatrios. Nesse sentido, poderia lanar outra hiptese, diversa de

    Castro Rocha, de que o crtico de 1878 ficaria pasmo com as Memrias pstumas, pois

    os traos acima elencados (carter digressivo, valorizao do acessrio, erotismo...)

    derivam do carter do narrador, de Brs Cubas. O discurso traduz e caracteriza o prprio

    narrador.

    A linha de leitura acima apresentada deriva em grande parte do andamento do

    livro de Castro Rocha, pois, no captulo 3, "Por uma potica da emulao", ele mostra

    que

    De um lado, a reinveno conscientemente anacrnica da aemulatio,

    em sua reciclagem ps-romntica, atravs da potica da emulao,

    provoca efeitos inesperados no plano da poltica cultural. O mais

    importante teria favorecido a superao da crise artstica de Machado,

    uma vez que lhe permitiu compreender de forma inovadora o

    relacionamento de um escritor perifrico com o modelo das "grandes

    naes pensantes". (p. 153)

    Interessa destacar, ento, a emulao como tcnica artstica que levaria

    Machado a deixar de lados padres compositivos de seus primeiros romances. Quando

    cita Luciano de Samsata, mostra que esse autor fundamental para Machado obrigava o

    leitor a reconhecer as referncias e os autores imitados, sob pena de ser incapaz de

    apreciar sua agudeza. Mais uma vez, o autor se coloca como leitor da tradio no para

    copi-la mecanicamente, nem para reverenci-la, mas para reescrev-la em dilogo com

    o modelo.

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    Depois de desenhar os traos principais da potica da emulao, Castro Rocha

    volta ao perodo decisivo do final dos anos 70, do sculo XIX, para mostrar os impasses

    prprios de Machado de Assis. 1878 foi um ano produtivo. Alm de Iai Garcia,

    Machado escreveu crnica o final das Histrias de 15 dias e, depois, de 30 dias, e a

    srie de Notas semanais, em O Cruzeiro. Nesse mesmo jornal, vem sua "fantasia", "Na

    arca" e a crtica a Ea de Queiroz. Depois, em 1879, mais alguns textos a serem

    comentados. A exploso criativa aparece em maro de 1880, na Revista Brasileira, com

    as Memrias pstumas.

    Quando se volta para a forma da potica da emulao, Castro Rocha mostra o

    deslocamento da autoria para a leitura, para a posio necessria e produtiva do leitor.

    Atenta para necessidade de o leitor produzir o sentido da obra e para o modo como os

    narradores machadianos trazem para dentro da obra seu interlocutor. Como exemplo,

    Castro Rocha transita das Memrias pstumas a Esa e Jac. A partir da leitura-

    colagem e da cpia criativa, Machado traz seus modelos para dentro de sua escrita e

    pede ao leitor que reconhea o ponto de partida bem como o desvio posto por ele.

    "Perifrico, provinciano, no hegemnico: diferentes nomes para dizer o que Machado

    realmente : leitor inventivo, copista original" (p. 330, grifo meu). Note o ncleo

    paradoxal da formulao "copista original", que traz o modo dessacralizador como

    Machado atualiza a tradio, devolvendo as obras consagradas ao uso comum de seus

    leitores.

    Est a no desenho da potica da emulao a grande novidade do livro de

    Castro Rocha. No retorno de Machado a padres literrios do sculo XVIII, um gesto

    anacrnico no sculo XIX, Castro Rocha desvela um procedimento, a emulao, como

    trao que explica a lgica compositiva de Machado de Assis. Lembra o gesto de

    Antonio Candido, e de outros crticos, que mostram o uso do anacronismo deliberado,

    bem como a importncia da posio do Machado-leitor.

    Na abertura dos captulos, Castro Rocha coloca algumas citaes que mostram

    o vnculo com a fortuna crtica machadiana. Mesmo assim, principalmente quando se

    desenha a potica da emulao, faz falta um cruzamento dessa nova perspectiva com

    outras leituras da virada machadiana, no sentido de recuperar os elementos dessa reao

    qumica em que o lanamento de O primo Baslio visto como "evento-ponte", com

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    "efeito catalisador". Na medida em que esses outros elementos no aparecem, parece

    que a crise machadiana se concentra na recepo do romance de Ea de Queiroz. Seria

    interessante considerar tanto O primo Baslio quanto seus leitores entusiasmados, pois

    eles representam parte da "nova gerao", marcada pela aspirao ao Bem, Justia,

    que fruto da influncia da cincia, substituta da religio. Em 1879, Machado indica a

    falta de maturidade para se constituir um movimento literrio autnomo, pois a origem

    da ideia nova estrangeira. Assim, o interesse de Machado est em Ea, mas ultrapassa-

    o. H o forte interesse pelo debate poltico, pela leitura da sociedade que se moderniza

    depois da Guerra do Paraguai. E h, principalmente, uma sociedade escravocrata e

    paternalista, que retarda e tenta impedir os esforos abolicionistas.

    Nestas linhas, assaz sumrias, o interesse era apenas indicar que a emulao

    traz mais um ponto de vista para desenhar o retrato machadiano. Essa nova linha

    permite a compreenso de alguns procedimentos compositivos de Machado de Assis

    depois das Memrias pstumas, mas creio que ela ganha maior consistncia quando o

    leitor cruza os achados de Castro Rocha com outros fatores, como o esforo de

    representao da realidade brasileira.

    Antonio Marcos Vieira Sanseverino professor adjunto de Literatura Brasileira do

    Departamento de Letras Clssicas e Vernculas e do Programa de Ps-graduao em

    Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Estudioso da crnica

    machadiana, pesquisador do CNPq e atualmente coordena o projeto "Contaminao da

    forma: o conto, a crnica e a srie Balas de estalo". E-mail: .