VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência...

18
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM MANAUS: ANÁLISE DOS CASOS ATENDIDOS PELO PROJETO RONDA MARIA DA PENHA 1 Amara Luciane Silva de Souza 2 Wilmara Martins da Costa 3 Anna Karoline Rocha da Cruz 4 Palavras-chave: Violência doméstica e domiciliar em Manaus; Projeto Ronda Maria da Penha; Reiteração nos casos de violência 1 Trabalho apresentado no XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Poços de Caldas/SP- Brasil, 22 a 29 de setembro de 2018. 2 Mestre em Segurança Pública ,Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). 3 Mestre em Demografia pelo Departamentode Demografia e Ciências Atuariais (DACA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 4 Doutoranda em Demografia pelo departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

Transcript of VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência...

Page 1: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM MANAUS:

ANÁLISE DOS CASOS ATENDIDOS PELO PROJETO RONDA MARIA DA

PENHA1

Amara Luciane Silva de Souza2

Wilmara Martins da Costa3

Anna Karoline Rocha da Cruz4

Palavras-chave: Violência doméstica e domiciliar em Manaus; Projeto Ronda Maria

da Penha; Reiteração nos casos de violência

1 Trabalho apresentado no XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Poços de Caldas/SP- Brasil, 22 a 29 de setembro de 2018. 2Mestre em Segurança Pública ,Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). 3Mestre em Demografia pelo Departamentode Demografia e Ciências Atuariais (DACA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 4 Doutoranda em Demografia pelo departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

Page 2: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Resumo

Esse estudo de caráter descritivo e analítico aborda o contexto de violência

doméstica e familiar em que as mulheres estão inseridas nas últimas décadas no

cenário brasileiro, em que traz teoricamente elementos presentes no sistema

legislativo anterior e posterior a Lei Maria da Penha - Lei nº 11.340/2006. Esta,

considerada um marco para o país referente ao enfrentamento da violência contra

mulher em todas as instâncias, permitiu a criminalização para essa grave violação

dos direitos humanos das mulheres, retirando a violência da invisibilidade. Diante

disso, a pesquisa dá ênfase a questão da violência contra mulher nos bairros da

cidade de Manaus - AM, mais especificamente no intuito de compreender os fatores

associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres

atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha, entre os anos de 2014 a 2016.Como

método de investigação, foi realizado um estudo de caso com os dados de violência

coletados, desses, foram analisados 537 casos, dando destaque aos eventos que

tiveram repetição. O modelo estatístico escolhido para dar conta do objetivo foi o de

regressão logística, sua escolha se deu por se tratar uma técnica robusta que

permite identificar a probabilidade associada à ocorrência de um determinado

evento, portanto, se encaixando ao proposto para esse exercício de pesquisa.

Introdução

A violência doméstica e familiar contra mulher é um fenômeno bastante

recorrente na sociedade mundial. Trata-se de um problema social que provoca

danos físicos e psicológicos nas vítimas, atingindo pessoas de diferentes raça, cor,

escolaridade e classe social. É um problema recorrente no mundo todo, e as

repetições desse tipo de violência em suas diversas formas e intensidades motiva

crimes hediondos e graves violações de direitos humanos.

Há uma diferença sutil entre violência doméstica e familiar, embora muitas

vezes sejam tratadas com o mesmo significado. Enquanto, a doméstica, como o

próprio nome sugere, ocorre dentro do domicílio independente do grau de

parentesco entre os envolvidos, a familiar, envolve os membros da família extensa

ou nuclear independentemente do local de residência do agressor (IZUMINO, 2004).

Ambas são definidas como uma violência desencadeada no plano das relações

Page 3: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

sociais, pautada na perspectiva de dominação masculina ou de oposição entre os

sexos contendo não apenas um fator hierarquizante, mas uma possibilidade de

sujeição (SAFFIOTI, 2015).

Estando marcada por uma desigual distribuição de poder, dentro ou fora do

domicílio, que pode se manifestar a partir da omissão, atos e palavras ou gestos que

afetem a integridade e a saúde psíquica, física e ou sexual da mulher

(MINAYO,2005).

No Brasil, até 2006, a violência doméstica e familiar contra a mulher era vista

apenas como uma lesão corporal, o problema era diminuído, considerado uma

causa cível de menor complexidade propondo punições alternativas para os

agressores (BRASIL, 1995). Com a criação da lei Maria da Penha, passou-se a

registrar uma variedade na natureza dos delitos cometidos contra a mulher como

aqueles de natureza moral, psíquica e econômica, não se restringindo somente a

agressões físicas e sexuais (BRASIL, 2006). Assim, foi possível trazer maior

visibilidade ao problema e mais garantias aos direitos da mulher como, por exemplo,

assegurar algumas medidas de proteção que visam evitar casos de reiteração dessa

violência no âmbito doméstico e familiar.

Nesse contexto de mudanças jurídicas, e em decorrência disso novas garantias

sociais frente a esse tipo de violência, no ano 2014 o Estado do Amazonas

implementou em sua capital, Manaus, o projeto Ronda Maria da Penha (RMP). Esse

projeto nasceu inspirado no programa “Patrulha Maria da Penha", em vigor no

Estado do Rio Grande do Sul desde do ano de 2012, operacionalizado pela Brigada

Militar que tem como finalidade a fiscalização das medidas protetivas de urgência

solicitadas ao Poder Judiciário e a proteção das mulheres em situação de

vulnerabilidade, com viaturas identificadas e policiais capacitados. O Projeto Ronda

Maria da Penha é sediado na 27ª Companhia Interativa Comunitária (CICOM), na

Zona Norte de Manaus, atendendo especificamente as mulheres que estão sob

medida protetiva residentes nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus. Esses dois

bairros são detentores da segunda maior taxa de violência contra a mulher em 2012

(NASCIMENTO, 2013) e engloba boa parte das mulheres residentes na cidade,

conforme apresenta a Figura 1.

Figura 1. Percentual do total mulheres por bairros em Manaus– 2010.

Page 4: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Fonte: Censo demográfico de 2010, IBGE.

O objetivo geral desse trabalho visa compreender os fatores associados a

reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo

Projeto Ronda Maria da Penha, entre 2014 a 2016. Para isso, pretende-se descrever

o perfil das mulheres que são alvo da violência doméstica e familiar como do

agressor; identificar as variáveis possivelmente associadas aos casos de reiteração,

que ainda reforçam a vulnerabilidade dessa população na área de abrangência do

Projeto atualmente.

Page 5: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Com o propósito de analisar alguns elementos presentes no contexto das

relações sociais que permeiam a vivência das mulheres que sofrem violência na

cidade de Manaus, esse estudo contribui na análise da população alvo de agressão

da área de atuação do Projeto RMP, no intuito de compreender as variáveis

explicativas que podem estar associadas aos casos de repetição da violência, trazer

luz para entender não somente o fenômeno da ocorrência da violência doméstica,

mas sua persistência.

Métodos

Realizou-se um estudo descritivo e analítico com os dados de violência

doméstica e familiar provenientes do Projeto Ronda Maria da Penha, em vigor na

cidade de Manaus desde o ano de 2014. A partir da sua implantação, em setembro

de 2014 até dezembro de 2016, foram realizadas ao todo 3.850 visitas as mulheres

que estão sob medida protetiva e que residem em alguns dos loteamentos do bairro

Novo Aleixo e Cidade de Deus, ambos na Zona Norte da cidade. Das medidas

protetivas recebidas, apenas 537 mulheres foram atendidas e acompanhadas pelo

projeto em questão, sendo que, 412 casos que apresentam informação de reiteração

da violência doméstica e familiar. Tornando assim, as ocorrências que chamaram

atenção para compreender os fatores associadas a violência doméstica e familiar

em bairros específicos de Manaus.

O banco de dados das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar

atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha dispõem das seguintes informações:

1. Informações sobre a agressão: data da agressão, data do ingresso no projeto,

local da agressão, período da agressão, motivo da agressão e meio utilizado; 2.

Informações sobre a vítima: endereço, reiteração, naturalidade, escolaridade, idade

e situação social; 3. Informações sobre o agressor: endereço, sexo, idade,

naturalidade e situação social e 4. Informações sobre a relação vítima/agressor: se

possuem filhos, quantos filhos e grau de parentesco ou afinidade.

Page 6: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Destas informações, somente utilizar-se-ão as seguintes variáveis:

Variáveis Tipos de variáveis

Reiteração da violência dependente

1. Diferença de idade entre a vítima e o agressor

independente

2. Grau de parentesco ou afinidade

3. Ocupação da vítima e do agressor

4. Possui filhos

5. Motivo da agressão

6. Tipo de agressão

7. Coabitação (se o agressor mora na mesma residência que a vítima)

No sentido de identificar e perceber os fatores que possam estar associados

aos casos de reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres

atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha, entre os anos de 2014 a 2016,

surgem alguns questionamentos. Diante das variáveis disponíveis, podemos ter

algumas indagações, como: Companheiros mais jovens possuem maior

probabilidade de agredir a mulher do que os mais velhos? As mulheres que

possuem filhos com o agressor possuem maior probabilidade de vitimização do que

aquelas que não possuem filhos? A educação possui papel determinante na redução

da reincidência da violência doméstica?

O modelo estatístico escolhido para dar conta do objetivo, inicialmente, foi o

teste qui-quadrado de Pearson.Trata-se de uma análise bivariada dos dados,

destinada a encontrar um valor de dispersão para duas variáveis categóricas

nominais. A análise dos dados foi realizada no software SPSS.

Resultados

As mulheres estão distribuídas, nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus,

em várias faixas etárias que vão de 14 a 69 anos de idade. No gráfico abaixo,

observou-se a concentração nas faixas etárias de 20 a 44 anos de idade, ou seja,

são mulheres jovens adultas. Nota-se que o pico máximo das idades das mulheres

acompanhadas está no grupo etário de 30 a 34 anos de idade. Observou-se também

que as mulheres, a partir dos 14 anos, começam a entrar no quadro de violência

doméstica e familiar e que a tendência é crescente até atingirem o pico máximo de

Page 7: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

30 a 34 anos de idades. A partir disso, a tendência é diminuir o número de mulheres

que sofrem violência doméstica e familiar.

Segundo Romio (2016), as mulheres que sofrem com violência doméstica

estão em idade reprodutivas entre 15 a 50 anos, o que confirma a tendência do

gráfico abaixo.

Gráfico 1. Percentual de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, por

grupo etário, residentes nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus de 2014 a 2016.

Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.

Do total de 537 mulheres atendidas pelo Projeto até 2016, 51,3% (Gráfico 2)

possuíam até 12 anos de estudo (equivalente ao Ensino Médio), ao passo que

33,5% apresentavam até 9 anos de estudos (equivalente ao Ensino Fundamental).

Com mais de 12 anos de estudos se encontravam 13,8% das mulheres (equivale a

Ensino Superior, Técnico e Pós-graduação). No outro extremo, 1,3% das mulheres

vítimas de violência doméstica e familiar sequer possuem instrução ou não

completaram um ano de estudo. Portanto, as mulheres atendidas pelo Ronda Maria

da Penha são de escolaridade baixa. Resultado condizente com o cenário desses

dois bairros em Manaus cujo o percentual de mulheres com até ensino superior

incompleto, em 2010, ultrapassa 50% (Novo Aleixo, 95%, e Cidade de Deus, 70%),

segundo os dados censitários do IBGE.

Gráfico 2.Percentuais das mulheres vítimas, por escolaridade e ocupações

residentes nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus -2014 a 2016.

0%

5%

10%

15%

20%

25%

10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69

Page 8: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.

Não se pode deixar de comentar a respeito dos casos de mulheres mais

escolarizadas que deixam de denunciar, talvez por medo, por vergonha ou apenas

pelo fato de acharem que é um problema familiar e que deve ser resolvido pelo

casol. No entanto, Ventura (2010) afirma que a violência doméstica é uma questão

epidêmica e social e necessita de políticas públicas para combatê-la.

Ventura (2010) diz que a violência é bem democrática, atinge todas as

classes sociais. O autor aponta que 19% das mulheres que sofrem violência

doméstica possuem ensino superior, isso em casos de agressão física, pois quando

se trata de violência psicológica é de 21%.

Referente à situação ocupacional dessas mulheres assistidas, pode-se

observar que 58% (no gráfico acima) possuem atividade remunerada, podendo ser

formal ou informal, confirmando a tendência de estudos anteriores (Oliveira, 2016),

enquanto, 42% não tinham nenhuma atividade remunerada. Esses dados mostram

que as mulheres, assistidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha, colaboram para o

sustento da família. Importante salientar que como não possuem trabalho com

remunerações altas, já que boa parte dessas mulheres eram empregadas

domésticas, vendedoras, o que possível torna essa colaboração se torna um

complemento financeiro para a manutenção do lar.

Além disso, essas mulheres apresentam um percentual de migrantes de 32%

advindos do interior do Estado do Amazonas e de outros estados como, por

exemplo, do estado do Pará, Maranhão, Ceará, Piauí, entre outros. Desses 32%,

pode-se afirmar que o maior fluxo de migração foi do interior do Amazonas. Dessa

forma, mais da metade da população que sofre violência doméstica e familiar na

Zona Norte de Manaus e foi atendida e acompanhada pelo Projeto Ronda Maria da

Penha nasceu na Cidade de Manaus e ainda é residente na mesma.

Page 9: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

90% dos casos atendidos pelo Projeto Ronda Maria da Penha correspondiam

à violência doméstica entre parceiros íntimos e 10% a conflitos familiares ligados a

parentes consanguíneos e não consanguíneos, conforme apresenta o Gráfico 3.

Para Nascimento, Januário e Souza (2015), a maior parte das observações dessas

relações recaiu entre casais em coabitacão, não casados e em decorrência de

separação.Oliveira (2016) também relata essa tendência de que na maioria dos

casos de agressões serem cometidas por companheiros e ex-companheiros.

Gráfico 3. Percentual da relação da vítima com o agressor – 2014 a 2016.

Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.

Dos casos estudados, 66% das mulheres apontaram possuir filhos com os

seus agressores e em contrapartida, 43% não tinham. Desse total de que possuíam

filhos, 44,5% informaram ter apenas 1 filho, 32,1% apenas 2 filhos, 15,4%

representam as que tem 3 filhos com seus agressores, 5,3% possuem 4 filhos. Em

menores percentuais, mulheres com 5 ou 6 filhos apresentam 1,5% cada, e com 6

filhos apenas 0,6%.

O tipo de agressão que mais se destacou foi a de caráter físico (59%), em

segundo lugar, verbal (33%). Na sequência, em menor percentual, a agressão

psicológica (6%), seguindo patrimonial (1%) e sexual (1%). Nos casos de agressões

físicas, dos 59% verificou-se que 20% representam as que são acompanhadas de

agressões verbais e 2,2% psicológicas.

Page 10: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Gráfico 4. Percentual do tipo de violência sofrida – 2014 a 2016.

Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.

As agressões físicas foram cometidas de várias formas, sendo em grande

parte manifestadas com tapas, murros, empurrões, armas de fogo e brancas (facas,

terçado, ferramentas). Oliveira (2016) relatou em seu estudo que a maioria dessas

agressões físicas aconteceu com utilização de ferramentas. No entanto, verificou-se

que em alguns casos foram utilizadas pelos agressores diversas armas para

cometer as agressões, como por exemplo: cadeiras, barra de ferro, cabo de

vassoura, pedaço de pau, tijolo e até mesmo, gasolina para atear fogo no corpo da

vítima.

Atentou-se que as mulheres vítimas, muitas vezes, sofreram violência por

agressores que residiam dentro da mesma casa e que estas estavam vulneráveis,

podendo acontecer a qualquer momento um desentendimento e novas agressões.

Deve-se levar em conta que, em alguns casos, esses agressores são usuários de

bebidas alcoólicas e de drogas, possibilitando o aumento das agressões.

No gráfico abaixo, verifica-se os motivos que levaram o autor da agressão a

cometê-la. A motivação que se destacou foi ciúmes representando 21% das

agressões. Em se tratando desse total, muitas das agressões motivadas por ciúmes

são reforçadas pelo consumo de bebida alcoólica. Enquanto 20% das agressões a

motivação está relacionada na não aceitação da separação, também com 20% de

brigas. Em seguida, 14% a motivação se deu por conta de bebidas alcoólicas. Com

percentuais menores apareceram drogas/bebidas alcoólicas (7%), drogas e outros

(4%), filhos, patrimônio (3%) e pensão alimentícia e traição (2%).

Page 11: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Gráfico 5. Percentuais por motivação da violência-2014 a 2016.

Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.

Referente ao período das agressões, a noite é quando estas mais

acontecem, representando 43% dos casos. Possivelmente, por ser o período em

que todos estão em casa e a interação familiar seja maior. Enquanto 24% das

agressões ocorrem no período da tarde, 21% ocorrem pela manhã e 12% de

madrugada.

Gráfico 6. Período do dia em que ocorreram as agressões contra mulheres, 2014 a

2016.

Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.

Quando se observa o dia da semana que a agressão foi cometida, encontra-

se o final de semana e pós-final de semana com maiores percentuais, no qual o

domingo é o dia que se destaca com 17%. O pós-final de semana, no caso a

Page 12: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

segunda-feira, representa 16% e da mesma forma, com 16% das agressões o

sábado.

Gráfico 7. Percentual de reiteração, 2014 a 2016.

Fonte: Programa Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.

Referente à reiteração da situação de mulheres vítimas de violência

doméstica,apresenta-se 54% das atendidas pelo projeto e 46% informaram que não,

durante todo o atendimento da equipe do Projeto Ronda Maria da Penha. Esta

reiteração é a ocorrência de novas agressões enquanto as mulheres estavam sendo

acompanhadas pelo PRPM e o processo tramitava na justiça. Desses 54% de

reiteração se destacam com a maioria dos casos os ex-companheiros com a

motivação de não aceitarem a separação.

É importante ressaltar que, desde a implementação do projeto até o fim de

2016, somente 5% de mulheres reincidiram na violência doméstica e familiar. Isto

indica que de 536 mulheres atendidas pelo projeto, 5% voltaram a serem vítimas

depois do processo tramitado na justiça e solucionado.

Para Pasinato (2011) a forma mais extrema de atos contínuos de violência

que uma mulher pode sofrer é a morte. Desde o início do Projeto Ronda Maria da

Penha não houve nenhuma morte de mulheres acompanhadas pelo mesmo. Isto é

um dado importante, uma vez que a Cidade de Manaus apresentou uma taxa de

6,5% acima da média brasileira (5,5%) no ranking da taxa de homicídios de

mulheres em 2013 (WAISELFISZ, 2015).

Apesar de não apresentaram p-valor estatisticamente significativas vale a

pena comentar no que se refere à violência em relação à idade da vítima e do

agressor, encontrou-se mais casos com mulheres que são de 1 a 10 anos mais

novas que os agressores, 89 delas sofreram uma nova agressão depois que

Page 13: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

passaram a ser atendidas pelo projeto. Quando se trata de mulheres com mais de

10 anos mais novas que os agressores, os casos reduziram para 38 mulheres.

Já quando se refere a mulheres de 1 a 10 anos mais velhas do que os

agressores, os resultados são menores, 42 mulheres apresentaram reincidência em

agressões domésticas. E mulheres que são mais de 10 anos mais velhas que seus

agressores demonstram-se apenas em 16 casos com reincidência.

As reincidências se apresentam em maiores casos de mulheres que sofreram

violência por seus ex-companheiros/ex-namorados (108), e por

companheiros/namorados (71). Bem como, em maiores quantidades de

reincidências de mulheres que sofreram violência física (111), mulheres com até 12

anos de estudos (96), e mulheres que coabitam com seus agressores (129).

Esses resultados trazem a reflexão para o que alerta Romio (2017) de que

quando a violência doméstica contra a mulher é reincidente podem se tornar fatais.

Isto indica que se torna cinco vezes maior a chance de ocorrer feminicídio

doméstico, quatro para o caso de autoria masculina e duas se houver situação

conjugal. Com isso, atenta-se para a importância de políticas públicas que visem

não somente assistência à mulher vítima, mas também políticas que busquem evitar

a reincidência, bem como novos casos de violência doméstica e familiar.

Page 14: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Fonte: Programa Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.

NÃO SIM

Diferença de idade entre a vítima e o agressor

1 a 10 anos mais nova 190 101 89

1 a 10 anos mais velha 91 49 42

Mais de 10 anos mais nova 78 40 38

Mais de 10 anos mais velha 32 16 16

Não informado 21 15 6

Relação íntima

Companheiro/namorado 157 86 71

Ex-companheiro/ex-namorado 203 95 108

Familiares/não informado 52 40 12

Ocupação da vítima

Não trabalha 190 105 85

Trabalha 222 116 106

Possuem filhos

Não 92 55 37

Sim 265 123 142

Não se aplica/ n/i 55 43 12

Motivo da Agressão

Brigas/ ciúmes 163 96 67

Drogas/ bebida alcoolica 106 54 52

Filhos/ pensão 18 8 10

Não aceita separação/ traição 91 46 45

Patrimônio 11 6 5

Outros/ não informado 23 11 12

Tipos de Agressão

Agressão patrimonial/ sexual 8 4 4

Agressão física 257 146 111

Agressão verbal 125 63 62

Ameaça/ não informada 22 8 14

Escolaridade da Vítima

+ 12 anos 57 32 25

Até 12 anos 200 104 96

Até 9 anos 148 80 68

Sem instruções/ menos de 1 ano/ não informado 7 5 2

Coabitação

Não 276 147 129

Sim 136 74 62

Casos de

ReincidentesVariável

Total de

casos de

violência

Page 15: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

A partir da análise bivariada, Tabela 1, a partir do teste qui-quadrado de

Pearson, observou-se que dentre as variáveis selecionadas somente a relação

íntima com agressor e se as vítimas possuem filhos com os mesmos apresentam

associações significativas (p-valor<0,05) com a reincidência da violência doméstica

e familiar contra as mulheres.

Tabela 1. Teste Qui-quadrado para avaliar a relação de reincidência de casos

de violência doméstica e familiar contra mulheres residentes em Manaus – 2014-

2016.

Fonte: Programa Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.

Portanto, não houve evidência suficientemente forte para provar a hipótese de

que existe diferença entre aquelas mulheres com reincidência associadas à

escolaridade da vitima, coabitação, motivos e tipo de agressão.

Considerações Finais

Desde a implantação da Lei Maria da Penha se discute o aumento dos

registros de violência doméstica e familiar contra a mulher. Muitos estudiosos

relacionam esse aumento ao fato das mulheres se sentirem mais seguras em

denunciar seus agressores devido à existência da lei. Nas últimas décadas várias

políticas públicas foram adotadas como meio para conter esta violência. Na cidade

de Manaus, por exemplo, o Projeto Ronda Maria da Penha (PRMP) foi criado para

dar mais acesso aos direitos fundamentais garantidos em nossa Constituição

Federal às mulheres vítimas de violência doméstica. É um projeto que, de fato pode

causar impactos sobre a redução da violência contra a mulher, conforme observado

na Zona Norte de Manaus, nos resultados aqui analisados.

VariávelQui-

quadrado

Grau de

liberdadeP-valor

Diferença de idade 3,036 4 ,552

Relação íntima 15,239 2 ,000

Ocupação da Vítima 0,373 1 ,541

Possuem filhos 20,28 2 ,000

Motivos da Agressão 3,398 5 ,639

Tipo de Agressão 4,249 3 ,236

Escolaridade da Vítima 1,261 3 ,739

Coabitação 0,049 1 ,826

Page 16: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Da literatura existente, encontram-se alguns trabalhos que tratam sobre a

violência doméstica e familiar na Zona Norte da cidade de Manaus no âmbito do

projeto. No entanto, estes não contemplam estudos em períodos mais atualizados,

tão pouco estudos com análises estatísticas que buscam responder quais variáveis

estão realmente associadas a reincidência de violência doméstica. Dessa forma,

este trabalho buscou trazer uma inovação nos estudos de violência no âmbito de

mulheres acompanhadas pelo Ronda Maria da Penha, trazendo além da descrição

do perfil de mulheres vítimas atendidas pelo projeto, o Teste Qui-quadrado para

avaliar a relação de reincidência de casos de violência doméstica e familiar contra

mulheres residentes em Manaus.

As mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha - vítimas de

violência doméstica e familiar - são na sua maioria, adultas nas idades entre 30 a 34

anos, 51 % possui Ensino Médio (escolaridade baixa), 58% delas estavam ocupadas

em atividades formais e informais. No que se refere aos casos de violência, foram

perpetrados pelos seus próprios companheiros ou ex-companheiros e, em muitos

casos, essas mulheres têm filhos com esses agressores, o que faz com que tenham

contato com agressor por causa da criança.

No que se refere a reincidência da violência doméstica associadas as outras

variáveis como coabitação, diferença de idade, relação íntima, se possuem filhos,

escolaridade. Encontraram-se somente associações significativas da reincidência

somente com duas variáveis: possuem filhos e relação íntima. Tal relação se

apresentaram em maiores casos com mulheres que foram agredidas por ex-

companheiros e companheiros.

Este projeto funciona como uma espécie de policiamento que, só pelo fato da

equipe ser vista pelos vizinhos, familiares e até mesmo pelo agressor da vítima, já

inibe a violência que poderia acontecer posteriormente naquele convívio, ou seja,

inibe uma reincidência da violência. Por seguinte, a equipe do Ronda Maria da

Penha esclarece às mulheres quais são os tipos de agressões a que elas estão

vulneráveis - pois muitas acham que a violência doméstica é tão somente uma

agressão física -, causando nas vítimas um despertar para suas situações de

vulnerabilidade e o desejo de sair de tal circunstância. O projeto também trabalha na

construção de consciência coletiva a respeito da violência doméstica e quais os

serviços disponíveis da rede de proteção a mulher vítima com o intuito de fazer um

despertar nas mulheres que sofrem esse tipo de violência

Page 17: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Referências

BRASIL. Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a

violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da

Constituição Federal(...). Brasília, 2006. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>Acesso

em: 8 de março. 2018.

BRASIL. Lei n. 9.099/1995, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados

Especiais civis e criminais e dá outras providencias. Brasília, 1995.Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>Acesso em: 10 de março.2018.

BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da

violência na saúde dos brasileiros. (Série B. Textos Básicos de Saúde). Brasília:

Ministério da Saúde, 2005, p. 9-41.

DIAS FILHO, J.M.; CORRAR,L.J. Regressão logística.IN: CORRAR, L.J.; PAULO,E.;

DIAS FILHO,J.M. (coord) Análise multivariada: para cursos de administração,

ciências contábeis e economia. FIPECADI; São Paulo: Atlas, 2009.

IZUMINO, WâniaPasinato. Justiça e violência contra a mulher: o papel do sistema

judiciário na solução dos conflitos de gênero. 2 ed. São Paulo: Annablume: FAPESP,

2004, 278 p.

MINAYO, M. C. de S. Violência: um problema para a saúde dos brasileiros. In:

NASCIMENTO, A. G. O.; JANUÁRIO, J. R.; SOUZA, D. S. R. Fatores

determinantes de reincidência de violência doméstica e familiar contra a

mulher no Amazonas. XXX Congresso Latinoamericano de Sociología, ALAS,

Costa Rica, 2015.

Ventura, Gustavo -[Organizador]. Mulheres Brasileiras e Gênero nos espaços

públicos e privados. SESC. Fundação Perseu Abramo.Sesc. 2010.

NASCIMENTO, Antonio Gelson de Oliveira-[Organizador]. Diagnóstico da

criminalidade 2012: Estado do Amazonas / Secretaria de Segurança Pública do

Page 18: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha,

Estado do Amazonas – SSP/AM; Manaus: Secretaria de Estado de Segurança

Pública, 2013.

OLIVEIRA, C. A. Ronda Maria Da Penha: O Papel do Estado do Amazonas na

redução da Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Dissertação

(Mestrado de Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos). Escola Superior

de Ciências. Universidade do Estado do Amazonas, 2016.

PASINATO, W. “Feminicídios” e as mortes de mulheres no Brasil. Cadernos

Pagu, 37, julho-dezembro de 2011.

ROMIO, J. A. F. Feminicídio no Brasil: uma proposta de análise com dados do

setor de saúde. Tese (Doutorado em Demografia). Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas. Unicamp, 2017.

SAFFIOTI, H. Gênero, Patriarcado, Violência. 2ª ed. São Paulo: Expressão

Popular. Fundação Perseu Abramo, 2015.

Ventura, Gustavo -[Organizador]. Mulheres Brasileiras e Gênero nos espaços

públicos e privados. SESC. Fundação Perseu Abramo.Sesc. 2010.

WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil. 1ª

Edição. Brasília, 2015.

Ventura, Gustavo -[Organizador]. Mulheres Brasileiras e Gênero nos espaços

públicos e privados. SESC. Fundação Perseu Abramo.Sesc. 2010.