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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM … · associados a reiteração da violência...
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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER EM MANAUS:
ANÁLISE DOS CASOS ATENDIDOS PELO PROJETO RONDA MARIA DA
PENHA1
Amara Luciane Silva de Souza2
Wilmara Martins da Costa3
Anna Karoline Rocha da Cruz4
Palavras-chave: Violência doméstica e domiciliar em Manaus; Projeto Ronda Maria
da Penha; Reiteração nos casos de violência
1 Trabalho apresentado no XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Poços de Caldas/SP- Brasil, 22 a 29 de setembro de 2018. 2Mestre em Segurança Pública ,Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). 3Mestre em Demografia pelo Departamentode Demografia e Ciências Atuariais (DACA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 4 Doutoranda em Demografia pelo departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).
Resumo
Esse estudo de caráter descritivo e analítico aborda o contexto de violência
doméstica e familiar em que as mulheres estão inseridas nas últimas décadas no
cenário brasileiro, em que traz teoricamente elementos presentes no sistema
legislativo anterior e posterior a Lei Maria da Penha - Lei nº 11.340/2006. Esta,
considerada um marco para o país referente ao enfrentamento da violência contra
mulher em todas as instâncias, permitiu a criminalização para essa grave violação
dos direitos humanos das mulheres, retirando a violência da invisibilidade. Diante
disso, a pesquisa dá ênfase a questão da violência contra mulher nos bairros da
cidade de Manaus - AM, mais especificamente no intuito de compreender os fatores
associados a reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres
atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha, entre os anos de 2014 a 2016.Como
método de investigação, foi realizado um estudo de caso com os dados de violência
coletados, desses, foram analisados 537 casos, dando destaque aos eventos que
tiveram repetição. O modelo estatístico escolhido para dar conta do objetivo foi o de
regressão logística, sua escolha se deu por se tratar uma técnica robusta que
permite identificar a probabilidade associada à ocorrência de um determinado
evento, portanto, se encaixando ao proposto para esse exercício de pesquisa.
Introdução
A violência doméstica e familiar contra mulher é um fenômeno bastante
recorrente na sociedade mundial. Trata-se de um problema social que provoca
danos físicos e psicológicos nas vítimas, atingindo pessoas de diferentes raça, cor,
escolaridade e classe social. É um problema recorrente no mundo todo, e as
repetições desse tipo de violência em suas diversas formas e intensidades motiva
crimes hediondos e graves violações de direitos humanos.
Há uma diferença sutil entre violência doméstica e familiar, embora muitas
vezes sejam tratadas com o mesmo significado. Enquanto, a doméstica, como o
próprio nome sugere, ocorre dentro do domicílio independente do grau de
parentesco entre os envolvidos, a familiar, envolve os membros da família extensa
ou nuclear independentemente do local de residência do agressor (IZUMINO, 2004).
Ambas são definidas como uma violência desencadeada no plano das relações
sociais, pautada na perspectiva de dominação masculina ou de oposição entre os
sexos contendo não apenas um fator hierarquizante, mas uma possibilidade de
sujeição (SAFFIOTI, 2015).
Estando marcada por uma desigual distribuição de poder, dentro ou fora do
domicílio, que pode se manifestar a partir da omissão, atos e palavras ou gestos que
afetem a integridade e a saúde psíquica, física e ou sexual da mulher
(MINAYO,2005).
No Brasil, até 2006, a violência doméstica e familiar contra a mulher era vista
apenas como uma lesão corporal, o problema era diminuído, considerado uma
causa cível de menor complexidade propondo punições alternativas para os
agressores (BRASIL, 1995). Com a criação da lei Maria da Penha, passou-se a
registrar uma variedade na natureza dos delitos cometidos contra a mulher como
aqueles de natureza moral, psíquica e econômica, não se restringindo somente a
agressões físicas e sexuais (BRASIL, 2006). Assim, foi possível trazer maior
visibilidade ao problema e mais garantias aos direitos da mulher como, por exemplo,
assegurar algumas medidas de proteção que visam evitar casos de reiteração dessa
violência no âmbito doméstico e familiar.
Nesse contexto de mudanças jurídicas, e em decorrência disso novas garantias
sociais frente a esse tipo de violência, no ano 2014 o Estado do Amazonas
implementou em sua capital, Manaus, o projeto Ronda Maria da Penha (RMP). Esse
projeto nasceu inspirado no programa “Patrulha Maria da Penha", em vigor no
Estado do Rio Grande do Sul desde do ano de 2012, operacionalizado pela Brigada
Militar que tem como finalidade a fiscalização das medidas protetivas de urgência
solicitadas ao Poder Judiciário e a proteção das mulheres em situação de
vulnerabilidade, com viaturas identificadas e policiais capacitados. O Projeto Ronda
Maria da Penha é sediado na 27ª Companhia Interativa Comunitária (CICOM), na
Zona Norte de Manaus, atendendo especificamente as mulheres que estão sob
medida protetiva residentes nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus. Esses dois
bairros são detentores da segunda maior taxa de violência contra a mulher em 2012
(NASCIMENTO, 2013) e engloba boa parte das mulheres residentes na cidade,
conforme apresenta a Figura 1.
Figura 1. Percentual do total mulheres por bairros em Manaus– 2010.
Fonte: Censo demográfico de 2010, IBGE.
O objetivo geral desse trabalho visa compreender os fatores associados a
reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres atendidas pelo
Projeto Ronda Maria da Penha, entre 2014 a 2016. Para isso, pretende-se descrever
o perfil das mulheres que são alvo da violência doméstica e familiar como do
agressor; identificar as variáveis possivelmente associadas aos casos de reiteração,
que ainda reforçam a vulnerabilidade dessa população na área de abrangência do
Projeto atualmente.
Com o propósito de analisar alguns elementos presentes no contexto das
relações sociais que permeiam a vivência das mulheres que sofrem violência na
cidade de Manaus, esse estudo contribui na análise da população alvo de agressão
da área de atuação do Projeto RMP, no intuito de compreender as variáveis
explicativas que podem estar associadas aos casos de repetição da violência, trazer
luz para entender não somente o fenômeno da ocorrência da violência doméstica,
mas sua persistência.
Métodos
Realizou-se um estudo descritivo e analítico com os dados de violência
doméstica e familiar provenientes do Projeto Ronda Maria da Penha, em vigor na
cidade de Manaus desde o ano de 2014. A partir da sua implantação, em setembro
de 2014 até dezembro de 2016, foram realizadas ao todo 3.850 visitas as mulheres
que estão sob medida protetiva e que residem em alguns dos loteamentos do bairro
Novo Aleixo e Cidade de Deus, ambos na Zona Norte da cidade. Das medidas
protetivas recebidas, apenas 537 mulheres foram atendidas e acompanhadas pelo
projeto em questão, sendo que, 412 casos que apresentam informação de reiteração
da violência doméstica e familiar. Tornando assim, as ocorrências que chamaram
atenção para compreender os fatores associadas a violência doméstica e familiar
em bairros específicos de Manaus.
O banco de dados das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar
atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha dispõem das seguintes informações:
1. Informações sobre a agressão: data da agressão, data do ingresso no projeto,
local da agressão, período da agressão, motivo da agressão e meio utilizado; 2.
Informações sobre a vítima: endereço, reiteração, naturalidade, escolaridade, idade
e situação social; 3. Informações sobre o agressor: endereço, sexo, idade,
naturalidade e situação social e 4. Informações sobre a relação vítima/agressor: se
possuem filhos, quantos filhos e grau de parentesco ou afinidade.
Destas informações, somente utilizar-se-ão as seguintes variáveis:
Variáveis Tipos de variáveis
Reiteração da violência dependente
1. Diferença de idade entre a vítima e o agressor
independente
2. Grau de parentesco ou afinidade
3. Ocupação da vítima e do agressor
4. Possui filhos
5. Motivo da agressão
6. Tipo de agressão
7. Coabitação (se o agressor mora na mesma residência que a vítima)
No sentido de identificar e perceber os fatores que possam estar associados
aos casos de reiteração da violência familiar e doméstica contra as mulheres
atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha, entre os anos de 2014 a 2016,
surgem alguns questionamentos. Diante das variáveis disponíveis, podemos ter
algumas indagações, como: Companheiros mais jovens possuem maior
probabilidade de agredir a mulher do que os mais velhos? As mulheres que
possuem filhos com o agressor possuem maior probabilidade de vitimização do que
aquelas que não possuem filhos? A educação possui papel determinante na redução
da reincidência da violência doméstica?
O modelo estatístico escolhido para dar conta do objetivo, inicialmente, foi o
teste qui-quadrado de Pearson.Trata-se de uma análise bivariada dos dados,
destinada a encontrar um valor de dispersão para duas variáveis categóricas
nominais. A análise dos dados foi realizada no software SPSS.
Resultados
As mulheres estão distribuídas, nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus,
em várias faixas etárias que vão de 14 a 69 anos de idade. No gráfico abaixo,
observou-se a concentração nas faixas etárias de 20 a 44 anos de idade, ou seja,
são mulheres jovens adultas. Nota-se que o pico máximo das idades das mulheres
acompanhadas está no grupo etário de 30 a 34 anos de idade. Observou-se também
que as mulheres, a partir dos 14 anos, começam a entrar no quadro de violência
doméstica e familiar e que a tendência é crescente até atingirem o pico máximo de
30 a 34 anos de idades. A partir disso, a tendência é diminuir o número de mulheres
que sofrem violência doméstica e familiar.
Segundo Romio (2016), as mulheres que sofrem com violência doméstica
estão em idade reprodutivas entre 15 a 50 anos, o que confirma a tendência do
gráfico abaixo.
Gráfico 1. Percentual de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, por
grupo etário, residentes nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus de 2014 a 2016.
Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
Do total de 537 mulheres atendidas pelo Projeto até 2016, 51,3% (Gráfico 2)
possuíam até 12 anos de estudo (equivalente ao Ensino Médio), ao passo que
33,5% apresentavam até 9 anos de estudos (equivalente ao Ensino Fundamental).
Com mais de 12 anos de estudos se encontravam 13,8% das mulheres (equivale a
Ensino Superior, Técnico e Pós-graduação). No outro extremo, 1,3% das mulheres
vítimas de violência doméstica e familiar sequer possuem instrução ou não
completaram um ano de estudo. Portanto, as mulheres atendidas pelo Ronda Maria
da Penha são de escolaridade baixa. Resultado condizente com o cenário desses
dois bairros em Manaus cujo o percentual de mulheres com até ensino superior
incompleto, em 2010, ultrapassa 50% (Novo Aleixo, 95%, e Cidade de Deus, 70%),
segundo os dados censitários do IBGE.
Gráfico 2.Percentuais das mulheres vítimas, por escolaridade e ocupações
residentes nos bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus -2014 a 2016.
0%
5%
10%
15%
20%
25%
10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69
Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
Não se pode deixar de comentar a respeito dos casos de mulheres mais
escolarizadas que deixam de denunciar, talvez por medo, por vergonha ou apenas
pelo fato de acharem que é um problema familiar e que deve ser resolvido pelo
casol. No entanto, Ventura (2010) afirma que a violência doméstica é uma questão
epidêmica e social e necessita de políticas públicas para combatê-la.
Ventura (2010) diz que a violência é bem democrática, atinge todas as
classes sociais. O autor aponta que 19% das mulheres que sofrem violência
doméstica possuem ensino superior, isso em casos de agressão física, pois quando
se trata de violência psicológica é de 21%.
Referente à situação ocupacional dessas mulheres assistidas, pode-se
observar que 58% (no gráfico acima) possuem atividade remunerada, podendo ser
formal ou informal, confirmando a tendência de estudos anteriores (Oliveira, 2016),
enquanto, 42% não tinham nenhuma atividade remunerada. Esses dados mostram
que as mulheres, assistidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha, colaboram para o
sustento da família. Importante salientar que como não possuem trabalho com
remunerações altas, já que boa parte dessas mulheres eram empregadas
domésticas, vendedoras, o que possível torna essa colaboração se torna um
complemento financeiro para a manutenção do lar.
Além disso, essas mulheres apresentam um percentual de migrantes de 32%
advindos do interior do Estado do Amazonas e de outros estados como, por
exemplo, do estado do Pará, Maranhão, Ceará, Piauí, entre outros. Desses 32%,
pode-se afirmar que o maior fluxo de migração foi do interior do Amazonas. Dessa
forma, mais da metade da população que sofre violência doméstica e familiar na
Zona Norte de Manaus e foi atendida e acompanhada pelo Projeto Ronda Maria da
Penha nasceu na Cidade de Manaus e ainda é residente na mesma.
90% dos casos atendidos pelo Projeto Ronda Maria da Penha correspondiam
à violência doméstica entre parceiros íntimos e 10% a conflitos familiares ligados a
parentes consanguíneos e não consanguíneos, conforme apresenta o Gráfico 3.
Para Nascimento, Januário e Souza (2015), a maior parte das observações dessas
relações recaiu entre casais em coabitacão, não casados e em decorrência de
separação.Oliveira (2016) também relata essa tendência de que na maioria dos
casos de agressões serem cometidas por companheiros e ex-companheiros.
Gráfico 3. Percentual da relação da vítima com o agressor – 2014 a 2016.
Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
Dos casos estudados, 66% das mulheres apontaram possuir filhos com os
seus agressores e em contrapartida, 43% não tinham. Desse total de que possuíam
filhos, 44,5% informaram ter apenas 1 filho, 32,1% apenas 2 filhos, 15,4%
representam as que tem 3 filhos com seus agressores, 5,3% possuem 4 filhos. Em
menores percentuais, mulheres com 5 ou 6 filhos apresentam 1,5% cada, e com 6
filhos apenas 0,6%.
O tipo de agressão que mais se destacou foi a de caráter físico (59%), em
segundo lugar, verbal (33%). Na sequência, em menor percentual, a agressão
psicológica (6%), seguindo patrimonial (1%) e sexual (1%). Nos casos de agressões
físicas, dos 59% verificou-se que 20% representam as que são acompanhadas de
agressões verbais e 2,2% psicológicas.
Gráfico 4. Percentual do tipo de violência sofrida – 2014 a 2016.
Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
As agressões físicas foram cometidas de várias formas, sendo em grande
parte manifestadas com tapas, murros, empurrões, armas de fogo e brancas (facas,
terçado, ferramentas). Oliveira (2016) relatou em seu estudo que a maioria dessas
agressões físicas aconteceu com utilização de ferramentas. No entanto, verificou-se
que em alguns casos foram utilizadas pelos agressores diversas armas para
cometer as agressões, como por exemplo: cadeiras, barra de ferro, cabo de
vassoura, pedaço de pau, tijolo e até mesmo, gasolina para atear fogo no corpo da
vítima.
Atentou-se que as mulheres vítimas, muitas vezes, sofreram violência por
agressores que residiam dentro da mesma casa e que estas estavam vulneráveis,
podendo acontecer a qualquer momento um desentendimento e novas agressões.
Deve-se levar em conta que, em alguns casos, esses agressores são usuários de
bebidas alcoólicas e de drogas, possibilitando o aumento das agressões.
No gráfico abaixo, verifica-se os motivos que levaram o autor da agressão a
cometê-la. A motivação que se destacou foi ciúmes representando 21% das
agressões. Em se tratando desse total, muitas das agressões motivadas por ciúmes
são reforçadas pelo consumo de bebida alcoólica. Enquanto 20% das agressões a
motivação está relacionada na não aceitação da separação, também com 20% de
brigas. Em seguida, 14% a motivação se deu por conta de bebidas alcoólicas. Com
percentuais menores apareceram drogas/bebidas alcoólicas (7%), drogas e outros
(4%), filhos, patrimônio (3%) e pensão alimentícia e traição (2%).
Gráfico 5. Percentuais por motivação da violência-2014 a 2016.
Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
Referente ao período das agressões, a noite é quando estas mais
acontecem, representando 43% dos casos. Possivelmente, por ser o período em
que todos estão em casa e a interação familiar seja maior. Enquanto 24% das
agressões ocorrem no período da tarde, 21% ocorrem pela manhã e 12% de
madrugada.
Gráfico 6. Período do dia em que ocorreram as agressões contra mulheres, 2014 a
2016.
Fonte: Projeto Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
Quando se observa o dia da semana que a agressão foi cometida, encontra-
se o final de semana e pós-final de semana com maiores percentuais, no qual o
domingo é o dia que se destaca com 17%. O pós-final de semana, no caso a
segunda-feira, representa 16% e da mesma forma, com 16% das agressões o
sábado.
Gráfico 7. Percentual de reiteração, 2014 a 2016.
Fonte: Programa Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
Referente à reiteração da situação de mulheres vítimas de violência
doméstica,apresenta-se 54% das atendidas pelo projeto e 46% informaram que não,
durante todo o atendimento da equipe do Projeto Ronda Maria da Penha. Esta
reiteração é a ocorrência de novas agressões enquanto as mulheres estavam sendo
acompanhadas pelo PRPM e o processo tramitava na justiça. Desses 54% de
reiteração se destacam com a maioria dos casos os ex-companheiros com a
motivação de não aceitarem a separação.
É importante ressaltar que, desde a implementação do projeto até o fim de
2016, somente 5% de mulheres reincidiram na violência doméstica e familiar. Isto
indica que de 536 mulheres atendidas pelo projeto, 5% voltaram a serem vítimas
depois do processo tramitado na justiça e solucionado.
Para Pasinato (2011) a forma mais extrema de atos contínuos de violência
que uma mulher pode sofrer é a morte. Desde o início do Projeto Ronda Maria da
Penha não houve nenhuma morte de mulheres acompanhadas pelo mesmo. Isto é
um dado importante, uma vez que a Cidade de Manaus apresentou uma taxa de
6,5% acima da média brasileira (5,5%) no ranking da taxa de homicídios de
mulheres em 2013 (WAISELFISZ, 2015).
Apesar de não apresentaram p-valor estatisticamente significativas vale a
pena comentar no que se refere à violência em relação à idade da vítima e do
agressor, encontrou-se mais casos com mulheres que são de 1 a 10 anos mais
novas que os agressores, 89 delas sofreram uma nova agressão depois que
passaram a ser atendidas pelo projeto. Quando se trata de mulheres com mais de
10 anos mais novas que os agressores, os casos reduziram para 38 mulheres.
Já quando se refere a mulheres de 1 a 10 anos mais velhas do que os
agressores, os resultados são menores, 42 mulheres apresentaram reincidência em
agressões domésticas. E mulheres que são mais de 10 anos mais velhas que seus
agressores demonstram-se apenas em 16 casos com reincidência.
As reincidências se apresentam em maiores casos de mulheres que sofreram
violência por seus ex-companheiros/ex-namorados (108), e por
companheiros/namorados (71). Bem como, em maiores quantidades de
reincidências de mulheres que sofreram violência física (111), mulheres com até 12
anos de estudos (96), e mulheres que coabitam com seus agressores (129).
Esses resultados trazem a reflexão para o que alerta Romio (2017) de que
quando a violência doméstica contra a mulher é reincidente podem se tornar fatais.
Isto indica que se torna cinco vezes maior a chance de ocorrer feminicídio
doméstico, quatro para o caso de autoria masculina e duas se houver situação
conjugal. Com isso, atenta-se para a importância de políticas públicas que visem
não somente assistência à mulher vítima, mas também políticas que busquem evitar
a reincidência, bem como novos casos de violência doméstica e familiar.
Fonte: Programa Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
NÃO SIM
Diferença de idade entre a vítima e o agressor
1 a 10 anos mais nova 190 101 89
1 a 10 anos mais velha 91 49 42
Mais de 10 anos mais nova 78 40 38
Mais de 10 anos mais velha 32 16 16
Não informado 21 15 6
Relação íntima
Companheiro/namorado 157 86 71
Ex-companheiro/ex-namorado 203 95 108
Familiares/não informado 52 40 12
Ocupação da vítima
Não trabalha 190 105 85
Trabalha 222 116 106
Possuem filhos
Não 92 55 37
Sim 265 123 142
Não se aplica/ n/i 55 43 12
Motivo da Agressão
Brigas/ ciúmes 163 96 67
Drogas/ bebida alcoolica 106 54 52
Filhos/ pensão 18 8 10
Não aceita separação/ traição 91 46 45
Patrimônio 11 6 5
Outros/ não informado 23 11 12
Tipos de Agressão
Agressão patrimonial/ sexual 8 4 4
Agressão física 257 146 111
Agressão verbal 125 63 62
Ameaça/ não informada 22 8 14
Escolaridade da Vítima
+ 12 anos 57 32 25
Até 12 anos 200 104 96
Até 9 anos 148 80 68
Sem instruções/ menos de 1 ano/ não informado 7 5 2
Coabitação
Não 276 147 129
Sim 136 74 62
Casos de
ReincidentesVariável
Total de
casos de
violência
A partir da análise bivariada, Tabela 1, a partir do teste qui-quadrado de
Pearson, observou-se que dentre as variáveis selecionadas somente a relação
íntima com agressor e se as vítimas possuem filhos com os mesmos apresentam
associações significativas (p-valor<0,05) com a reincidência da violência doméstica
e familiar contra as mulheres.
Tabela 1. Teste Qui-quadrado para avaliar a relação de reincidência de casos
de violência doméstica e familiar contra mulheres residentes em Manaus – 2014-
2016.
Fonte: Programa Ronda Maria da Penha/SSP/AM, 2017.
Portanto, não houve evidência suficientemente forte para provar a hipótese de
que existe diferença entre aquelas mulheres com reincidência associadas à
escolaridade da vitima, coabitação, motivos e tipo de agressão.
Considerações Finais
Desde a implantação da Lei Maria da Penha se discute o aumento dos
registros de violência doméstica e familiar contra a mulher. Muitos estudiosos
relacionam esse aumento ao fato das mulheres se sentirem mais seguras em
denunciar seus agressores devido à existência da lei. Nas últimas décadas várias
políticas públicas foram adotadas como meio para conter esta violência. Na cidade
de Manaus, por exemplo, o Projeto Ronda Maria da Penha (PRMP) foi criado para
dar mais acesso aos direitos fundamentais garantidos em nossa Constituição
Federal às mulheres vítimas de violência doméstica. É um projeto que, de fato pode
causar impactos sobre a redução da violência contra a mulher, conforme observado
na Zona Norte de Manaus, nos resultados aqui analisados.
VariávelQui-
quadrado
Grau de
liberdadeP-valor
Diferença de idade 3,036 4 ,552
Relação íntima 15,239 2 ,000
Ocupação da Vítima 0,373 1 ,541
Possuem filhos 20,28 2 ,000
Motivos da Agressão 3,398 5 ,639
Tipo de Agressão 4,249 3 ,236
Escolaridade da Vítima 1,261 3 ,739
Coabitação 0,049 1 ,826
Da literatura existente, encontram-se alguns trabalhos que tratam sobre a
violência doméstica e familiar na Zona Norte da cidade de Manaus no âmbito do
projeto. No entanto, estes não contemplam estudos em períodos mais atualizados,
tão pouco estudos com análises estatísticas que buscam responder quais variáveis
estão realmente associadas a reincidência de violência doméstica. Dessa forma,
este trabalho buscou trazer uma inovação nos estudos de violência no âmbito de
mulheres acompanhadas pelo Ronda Maria da Penha, trazendo além da descrição
do perfil de mulheres vítimas atendidas pelo projeto, o Teste Qui-quadrado para
avaliar a relação de reincidência de casos de violência doméstica e familiar contra
mulheres residentes em Manaus.
As mulheres atendidas pelo Projeto Ronda Maria da Penha - vítimas de
violência doméstica e familiar - são na sua maioria, adultas nas idades entre 30 a 34
anos, 51 % possui Ensino Médio (escolaridade baixa), 58% delas estavam ocupadas
em atividades formais e informais. No que se refere aos casos de violência, foram
perpetrados pelos seus próprios companheiros ou ex-companheiros e, em muitos
casos, essas mulheres têm filhos com esses agressores, o que faz com que tenham
contato com agressor por causa da criança.
No que se refere a reincidência da violência doméstica associadas as outras
variáveis como coabitação, diferença de idade, relação íntima, se possuem filhos,
escolaridade. Encontraram-se somente associações significativas da reincidência
somente com duas variáveis: possuem filhos e relação íntima. Tal relação se
apresentaram em maiores casos com mulheres que foram agredidas por ex-
companheiros e companheiros.
Este projeto funciona como uma espécie de policiamento que, só pelo fato da
equipe ser vista pelos vizinhos, familiares e até mesmo pelo agressor da vítima, já
inibe a violência que poderia acontecer posteriormente naquele convívio, ou seja,
inibe uma reincidência da violência. Por seguinte, a equipe do Ronda Maria da
Penha esclarece às mulheres quais são os tipos de agressões a que elas estão
vulneráveis - pois muitas acham que a violência doméstica é tão somente uma
agressão física -, causando nas vítimas um despertar para suas situações de
vulnerabilidade e o desejo de sair de tal circunstância. O projeto também trabalha na
construção de consciência coletiva a respeito da violência doméstica e quais os
serviços disponíveis da rede de proteção a mulher vítima com o intuito de fazer um
despertar nas mulheres que sofrem esse tipo de violência
Referências
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