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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E RACISMO NO BRASIL: PRECISAMOS
FALAR SOBRE A SITUAÇÃO DAS MULHERES NEGRAS.
Anne Karollinne Michaelle Silva1
Orientadora: Ângela Paula Nunes Ferreira2
RESUMO: Este artigo tem como objetivo o estudo acerca das problemáticas que envolvem racismo e o feminicídio, tendo em vista o crescente número de homicídios que envolvem mulheres negras no país. Buscaremos fazer uma viagem no tempo, trazendo a tona o surgimento de tais termos e as situações nelas envolvidos, além de averiguarmos quais são as formas pelas quais a violência chega até o âmbito familiar, analisando a dimensão estrutural, até chegarmos ao entrecho interfamiliar. O artigo trará ainda dados em números e quadros comparativos que mostrarão a discrepância diante da realidade que a mulher negra tem enfrentado nos últimos anos. Nosso artigo se dará através de pesquisa bibliográfica, em artigos científicos, doutrinas, Legislação Penal específica sobre o tema, e em sites especializados sobre o assunto.
Palavras-chave: Violência doméstica. Racismo. Gênero. Mulheres Negras. Feminicídio.
1. INTRODUÇÃO
O racismo é uma das armas que mais gera violência e mata no mundo. Quando
falamos em violência, não estamos tratando apenas de corpos, de violência física, pois
psicologicamente o racismo abala, degenera, esmaga, destrói.
No bojo de sua definição, o racismo é um “Sistema que afirma a superioridade de um
grupo racial sobre os outros, preconizando, particularmente, a separação destes dentro de um
1 Graduanda do 5º período do Curso de Direito da Faculdade Reinaldo Ramos/FARR, do Centro de Educação Superior Reinaldo Ramos/CESREI. 2 Mestra em Letras pela UFPB, Especialista em Direito Constitucional pela UEPB e Especialista em Ciências Penais pela Faculdade Anhanguera. Professora do Curso de Direito da Faculdade Reinaldo Ramos/FARR, do Centro de Educação Superior Reinaldo Ramos/CESREI.
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país (segregação racial) ou mesmo visando o extermínio de uma minoria (racismo antissemita
dos nazistas)”. (Dicionário Aurélio)
Começando a ser utilizado no ano de 1936, o termo “racismo” espelha-se no contexto
histórico do nazismo que enaltecia a raça ariana, colocando-a em caráter superior com relação
às demais raças. Assim, podemos afirmar que o racismo é uma forma de discriminação a
partir do conceito de raça. Outras “minorias” também sofreram e ainda são alvo de
preconceito em nossa sociedade, a partir de outros critérios de discriminação, tais como, sexo,
opção sexual, nacionalidade, etc. No que diz respeito a relação entre homem e mulher na
sociedade, esta sempre esteve marcada, nas mais diversas sociedades, pela superioridade do
homem sobre a mulher, gerador de violência e opressão às mulheres. A mais grave destas
formas de violência é o feminicídio. De acordo com o Código Penal brasileiro, art.121, §2º,
VI, o homicídio será qualificado se praticado “contra a mulher por razões da condição de sexo
feminino”.
O feminicídio também não está longe de ser algo que nos acompanha desde os
primórdios. Tal expressão apesar de soar nova aos nossos ouvidos foi utilizada pela primeira
vez em 1801, na obra literária de Jhon Corry: A satirical view of London at the
Commencement od the Nineteenth Century, e que mais tarde ganhara novo significado por
Diana Russel, para detalhar “o homicídio de mulheres por serem mulheres” (MUJICA,
TUESTA, 2012). Russel se utilizou de tal terminologia perante/diante do Tribunal
Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas (PASINATO, 2011).
O feminicídio ganha força diante da sanção da nova lei n°13.104/2015 que modifica o Código
Penal, incluindo tal crime como qualificadora na modalidade homicídio, além de classificá-lo
como crime hediondo.
O mapa da violência (2015) exibe mais uma vez o crescente número de assassinatos
cometidos à mulher. Segundo mostra o SIM (Sistema de Informações de Mortalidade), do ano
de 1980 ao ano de 2013 o número de mortes e taxas contabilizam um total de 106.093
mulheres, que foram vítimas de homicídio. Diante dos números, extrai-se que a soma de
vítimas em 1980 era de 1.553, número este que em 2013 sofre um salto, passando a ser 4.762.
E a taxa que em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil, passara a ser de 4,8 em 2103, sofrendo,
assim, um aumento de 111,11%.
A PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) mostra, ainda, que em 2013 houve 2,4 milhões
de agressões, sendo 950 mil em mulheres brancas, 22 mil em indígenas e orientais (mulher
amarela) e assustadoramente 1,5 milhão a mulheres negras.
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Diante de tantos números e das inúmeras notícias vinculadas a esse tipo de violência,
fica clara, a necessidade de se haver uma maior mobilização por parte não só da raça negra,
mas da sociedade como um todo no que diz respeito à mortalidade de mulheres negras,
vítimas de feminicídio.
A violência é um fenômeno complexo e que apresenta diferentes dimensões,
começando pela dimensão estrutural, através da qual os demais tipos de violência passam, até
chegarem a suas particularidades. No contexto estrutural, temos várias vertentes, quais sejam:
o racismo, o sexismo, o lesbianismo, a homofobia; dentre tantas outras que também fazer
parte da estrutura de violência intrafamiliar (doméstica) e que também necessitam de serem
abraçadas na luta contra a violência a mulher, pois as que fazem parte desses grupos são tão
mulheres quanto as demais. Mas a violência contra a mulher está longe de ser algo que só se
encontra no contexto doméstico.
O racismo e o feminicídio andam de mãos dadas todos os dias, fazendo vítimas. São
várias as Franciscas das Chagas, as Luanas, as Verônicas que têm o seu direito a vida e a sua
dignidade arrancadas de suas mãos, apenas pela condição de serem mulheres negras.
Considerando esta realidade, surge para nós o seguinte questionamento: qual a relação
entre ou feminicídio e racismo no Brasil? Diante desta indagação, neste artigo, nos propomos
a analisar tal relação. Para tanto, traçaremos um breve histórico sobre a violência contra a
mulher negra no Brasil, analisaremos os índices de violência contra a mulher negra, e em
seguida, realizaremos um comparativo com os dados relativos à morte de mulheres brancas
em nosso país, além de registrarmos onde a violência ocorre, quem são os causadores das
mortes e quais os tipo de violência existentes.
Nosso artigo se dará através de pesquisa bibliográfica, em artigos científicos,
doutrinas, Legislação Penal específica sobre o tema, além da análise de dados estatísticos
acerca do assunto.
2. BRASIL, UM BERÇO NEM SEMPRE TÃO ESPLENDIDO.
“A mulher negra foi na escravidão e nos primeiros tempos de liberdade, a viga mestra
da família e da comunidade negra”. (THEODORO, Helena, 1996, p: 24)
O Brasil traz em sua história uma clara herança, quando se trata de violência contra a
mulher. Desde a época da colonização das terras brasileiras até o domínio dos barões de café e
a chegada dos escravos africanos, notoriamente percebemos a presença da mulher como sendo
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nada mais do que um objeto, um ser não dotado de opiniões ou vontades, um alguém
submisso e pronto a cumprir ordens.
A mulher não podia sair sozinha ou “mostrando mais do que devia”. Seu papel era
ficar em casa, fazendo os trabalhos domésticos, cuidando dos filhos, e sofrendo o poder de
disciplina do pai e/ou do marido. Era o homem dotado de todos os poderes financeiros e
decisões, decisões estas que incluía todos os demais membros da casa, fazendo surgir o
modelo de família patriarcal, que reconhece o homem como o chefe sobre tudo e todos.
Tal modelo familiar persiste e continua a ser o molde de estrutura familiar perfeita a
ser seguida nos tempos atuais. Para muitos, o pensamento continua o mesmo. Lugar de
mulher é em casa, cuidando dos filhos e dos afazeres domésticos.
Na época da escravidão, os relatos são sombrios. Segundo narra Angela Davis,
em Mulher, raça e classe, a mulher negra não era vista como as brancas, pois às mulheres
negras eram atribuídos serviços tão pesados quanto aos homens, como a colheita de café e
algodão, a aeração do solo, o corte da cana, enquanto que às mulheres brancas era atribuído o
papel de apenas cuidar do marido e passar uma imagem de castidade e companheirismo.
Prova disso é Jenny Proctor, uma velha mulher negra, entrevistada nos anos 30 do
século XX, que relata com clareza como era o trabalho feminino na época da escravidão e
como era sua subvida. Tínhamos uma velha cabana irregular feita de postes e com fissuras tapadas com lama e musgo e algumas deles não estavam nem sequer tapadas. Nós não tínhamos boas camas, apenas andaimes pregados à parede e a roupa velha esfarrapada jogada sobre eles. Isso com certeza tornou difícil dormirmos, mas mesmo assim sabia bem para os nossos ossos cansados depois de um longo dia de trabalho duro no campo. Eu cuidava das crianças quando eu era garotinha e tentei limpar a casa exatamente como a senhora dona (Old Miss) me dizia. Mas, logo que fiz dez anos de idade, o senhor dono (Old Master) disse: Tira daqui essa negra para o campo de algodão.
Outra dura realidade vivida pelas mulheres negras se encontra no estupro. Reduzidas
não só aos duros trabalhos, também eram utilizadas como fonte de prazer dos seus senhores, e
não só de prazer, os abusos sexuais poderiam servir de castigo e demonstração de poder
financeiro e físico por parte dos senhores e capatazes, dando a partir daí um processo trágico
de mistura que expõe a brutalidade por trás desta e que está longe de ser algo tão belo quanto
soa hoje em dia a relação entre homens brancos e mulheres negras.
Diante de todo o exposto, fica clara a relação entre a violência contra a mulher, a
cultura do estupro e os processos de colonização e escravidão no Brasil. A triste realidade
persiste nos dias hoje, na qual a mulher segue sendo violentada físico e psicologicamente,
Este fato tem sido mais presente na vida da mulher negra que durante todos esses processos,
tiveram suas vidas machucadas pela miscigenação forçada. As consequências destas relações
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desiguais, marcadas pelo preconceito de gênero e de raça se encontram nos tópicos seguintes,
onde analisaremos os altos índices de violência a mulher negra.
3. ÍNDICES DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NEGRA NO BRASIL
A partir deste ponto, veremos em números o grande avanço de violência contra a
mulher negra nos tempos atuais, provando que a cruel realidade vivida pelas negras nos
séculos passados continua bem presente depois de tantos anos. Este macabro legado passeia
entre nós, fazendo a cada dia, hora e minuto, milhares de vítimas, como se fosse um
verdadeiro espelho que reflete a história de dor vivida por aquelas mulheres.
Analisando o Mapa da Violência (2015) e todos os outros já feitos, não há como
discordar que no quesito violência/mortes à mulher, o número do grupo de mulheres que mais
cresce é o da mulher negra, enquanto que o grupo pertencente as brancas tende,
consideravelmente, a cair.
O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) também demonstra este
crescimento. Uma pesquisa feita pelo instituto em 2012 mostra que as mulheres negras
vítimas de feminicídio, se totaliza em 61%, e estas vítimas estão presentes em todas as regiões
do Brasil, com exceção, apenas, da região Sul.
Ainda conforme esta pesquisa, algumas regiões merecem um maior destaque com
relação ao feminícidio cometido contra as negras. Como por exemplo, a região Nordeste, que
está no topo da lista, contabilizando um total de 87%, a região Norte que ocupa o segundo
lugar, com 83%, e a região Centro-oeste, que computa 63% dos casos.
Assim sendo, não há como negar que a cultura do estupro e das violências físicas e
psicológicas investidas contra a mulher negra estão absolutamente gravadas na história do
Brasil até os dias atuais. Os altos índices demonstram claramente que atualmente a mulher
negra é a grande protagonista do feminicídio e da violência, e a estas condições de mulher e
negra, outras tantas se unem, como as questões de condição social e opção sexual. A maior
incidência encontra-se nas periferias, onde a grande maioria da população é negra, estando
estas longe de uma boa escolaridade, do mercado de trabalho e longe de condições dignas de
vida humana.
As lésbicas também não escapam das estatísticas, e ficam a mercê do estupro
denominado por “corretivo”, feitos para que estas se consertem e sejam “curadas” de sua
homossexualidade. De acordo com as estatísticas disponibilizadas pela LBL (Liga Brasileira
de Lésbicas), em 2012, ao menos 6% das vítimas de estupro eram lésbicas,
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Diante das assustadoras estatísticas, fica a reflexão de como todo esse quadro poderia
estar sendo tratado. Se faz necessária uma maior intervenção por parte do poder estatal com
relação ao quadro degradante da mulher, e não falo apenas da negra. Todas as mulheres,
sejam elas brancas, pardas, indígenas ou negras estão sendo vítimas do machismo assassino
que muitos homens trazem em seu (mau) caráter.
É preciso que haja um maior investimento nas Políticas de proteção à mulher, como
implementar delegacias da mulher que estejam sempre a disposição dessa parcela da
população. Precisamos de uma maior atenção com relação as investigações dos casos que
envolvem a violência a mulher e os feminicídios. As mulheres que são alvos diários das
violências físicas e psicológicas necessitam de assistência médica e psicológica e de proteção
jurídica e principalmente, deve-se ser dado a essas mulheres uma vida digna.
4. ANÁLISE COMPARATIVA DOS DADOS RELATIVOS À MORTE DE MULHERES BRANCAS E NEGRAS EM NOSSO PAÍS.
Neste tópico, analisaremos as diferenças existentes nas taxas de morte entre mulheres
brancas e negras. Conforme já destacamos, a quantidade de mulheres negras que são
violentadas e mortas no país é alarmante. Segundo dados informados pelo Mapa da Violência
(2015), a vitimização de mulheres negras tem crescido radicalmente a cada ano.
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De acordo com as informações contidas neste quadro, vemos que houve queda no
número de mulheres brancas vítimas de homicídio em 2013. No ano de 2003, o número era de
1.747 mulheres brancas mortas, já em 2013, 10 anos depois, esse número passa a ser de 1.576.
Houve, portanto uma redução de assassinatos às mulheres brancas de 9,8%.
Essa realidade seria algo mais satisfatório se junto com estes índices, o número de
mulheres negras, mortas, também decaísse, mas infelizmente não foi isso que ocorreu. Ao
passo que as mulheres brancas ganhavam mais oportunidades de vida, as negras viviam
exatamente o oposto.
Esse quadro revela o drama vivenciado pelas negras. No ano de 2003, observamos que
o número de mulheres negras mortas, por região, era de 1.864, e em 10 anos o número deu um
salto violento, ficando em 2013 com a marca de 2.875 mulheres vítimas do feminicídio.
Portanto, a taxa de homicídios de mulheres negras em relação às brancas que era de 22,9% em
2003, passa a ser de 66,7% em 2013.
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Vale lembrar que a Lei nº 11.340, a Lei Maria da Penha, foi criada em 2006, mas, o
advento da lei não significou uma redução dos casos de feminicídio, pelo contrário, mesmo
com a criação de centros de ajuda a mulher, a proporção de mulheres negras sobe para 54,2%
em 10 anos, o que significa que 1.011 mulheres negras foram assassinadas a mais. No ano de
criação da lei, podemos observar em ambos os quadros que o número de mulheres brancas
vítimas de homicídio diminui em 2,1%, em contraposição ao número de mulheres negras que
aumenta para 35,0%.
Os quadros a seguir revelam a mesma condição, porém em taxas, pois segundo
informação passada pelo Mapa da Violência (2015) “as taxas permitem levar em
consideração as diferenças na composição da população ao longo do tempo e/ou entre as
diversas UFs do País, resulta mais adequado trabalhar com elas do que com números
absolutos.”.
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Segundo os gráficos, a taxa de mulheres brancas caiu em 11,9%, esse número em
taxas representa uma queda de 3,6 por 100 mil brancas no ano de 2003, para 3,2 em 2013. Em
conformidade com esta informação, a taxa de mulheres negras sobe para 19,5%, passando
nesses mesmos 10 anos de 4,5 por 100 mil negras para 5,5.
Essas discrepâncias entre os percentuais e taxas apresentadas nos gráficos
representam, para o Mapa da Violência um “índice de vitimização negra” 3. Em 2003 esse
índice era de 22,9%, isso significa que morriam mais que mulheres brancas um percentual de
22,9% negras. Esse percentual sobe drasticamente para 66,7% em 2013. Durante esses 10
anos, o único período em que houve uma queda no percentual foi do ano 2012 para 2013,
onde em 2012 a porcentagem que era de 77,1% passa a ser em 2013 de 66,7%, como já foi
dito.
Dessa forma, não há como não se preocupar diante das estatísticas apresentadas. As
mulheres negras, com maior ênfase, têm sido alvo diário da violência e do grande surto de
óbitos provocados as mesmas. E este fato nos desperta a percebermos que o fator de gênero
3 O Mapa da violência entende que índice de vitimização negra nada mais é do que “a diferença percentual entre as taxas de homicídio de mulheres de ambos os grupos”.
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não é o único que deve ser analisado, juntamente com ele se encontra o elemento raça,
fazendo com que a violência gerada seja dupla, tendo em vista que a maioria dos óbitos se dá
às negras.
5. PRINCIPAIS MODALIDADES DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NEGRA NO BRASIL, LOCAIS DE OCORRÊNCIA E PRINCIPAIS CAUSADORES.
Muitos interpretam a violência como sendo apenas um ato de agressões físicas que
deixam marcas apenas no corpo, porém o ato de violência alcança margens muito mais
complexas do que as imagináveis. São os mais variados os tipos de violência que acometem
as mulheres em todo país. Muito mais que marcas no corpo, as cicatrizes as quais não podem
ser vistas também estão presentes e machucam tanto quanto as visíveis.
De acordo com o disposto no art.7° da Lei Maria da Penha, são formas de violência
doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
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O medo por trás do medo. Cenas que se repetem. Momentos que jamais deveriam ser
vivenciados. Planos e sonhos destruídos. Idealizações desconstruídas. Respeito pelo receio.
Silêncio pela vida. Desespero. Vergonha. Humilhações. Culpa. Medo! Essas só são algumas
das mais diversas situações e substantivos que constituem a vida de uma mulher que vive
envolta pela violência.
A cena sempre geralmente é a mesma. O esposo/namorado se utiliza do ciúme como o
ponto de partida para iniciar suas práticas violentas, logo após ele já está dizendo o que a
parceira deve e não deve vestir, para onde deve ou não deve ir, com quem ela pode ou não
pode andar, afastando-a muitas vezes do próprio convívio familiar, não deixando brechas para
que outros vejam de fora a real situação de violência transvestida de preocupação, amor e
cuidado. E é exatamente neste ponto que podemos ver o primeiro tipo de violência, a
violência psicológica, que também é conhecida como violência emocional, e que geralmente é
por onde o ciclo de violência tem seu início. Esse tipo de violência abala com as emoções e
autoestima da mulher, é acompanhada de humilhações, xingamentos, ameaças e chantagens,
que acabam deixando a mulher “num beco sem saída”, presas aos caprichos de seus parceiros
que sempre trazem um argumento egoístico de que não as querem perder e que na maioria das
vezes responsabilizam a própria mulher pelo mal ocorrido.
A partir disto, surge o tipo de violência mais frequente entre os casos apurados, a
violência física. Geralmente esta ocorre de maneira gradativa. Primeiro o parceiro empurra a
mulher, depois passa a lançar coisas contra ela, surgindo a partir daí brechas maiores, como
segurá-la e esbofeteá-la, e vendo sua condição de fragilidade, passa a espancá-la
constantemente, podendo até prejudicar até a saúde da mulher. Posterior a esses momentos, o
“arrependimento” surge em forma de um pedido de desculpas, acompanhando de um falso
romantismo e a famosa frase de que “não vai mais acontecer”.
Outro tipo de violência muito comum nesse meio de agressões é a violência
patrimonial que se trata da privação e retirada de bens, documentos e economias da mulher,
tendo em vista que muitas, infelizmente, são dependentes financeiramente de seus parceiros, e
por medo de não terem como sobreviver e como sustentar os filhos, por muitas vezes não
possuírem uma profissão, se veem obrigadas a permanecerem no relacionamento.
Os dados apresentados no Mapa da Violência 2015 demonstram como esses e outros
tipos de violência estão presentes na vida de milhares de mulheres e que independentemente
de serem brancas, pretas ou amarelas, o ato de violência tem ganhado força no meio feminino.
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Podemos observar que não há como contestar que a violência física é o tipo mais
presente nos casos de agressões, ocupando o primeiro lugar com 48,7% dos atendimentos e
infelizmente as investidas recaem em sua grande maioria sobre mulheres jovens e adultas,
alcançando um percentual de quase 60% em cada fase da vida, e o que mais assusta é ver que
as adolescentes também estão sendo vítimas assíduas de violência física, ficando com quase
41% dos atendimentos.
A violência psicológica ocupa o segundo lugar, com 23,0% dos casos, as fases mais
atingidas nesse tipo de violência são as fases jovem, adulta e idosa. E em terceiro lugar com
11,9% das ocorrências, a violência sexual, que é o tipo de violência que coloca a mulher sob a
subordinação sexual, onde esta se vê obrigada a manter relações sexuais com o parceiro de
forma não consentida.
Quando falamos de violência à mulher, de cara imaginamos que esta ocorre sempre no
âmbito doméstico e a famosa frase “em briga de marido e mulher não se mete a colher”
sempre surge como álibi para afastar de si algum tipo de envolvimento. Mas o que muitos não
sabem é que os ataques contra as mulheres não acontecem apenas dentro do âmbito
doméstico. Estes podem ocorrer ainda, nas escolas, ruas e até mesmo na própria área de
trabalho.
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O local mais frequente continua sendo a residência, para todas as fases da vida da
mulher, são contabilizados 71,9% de incidência nesse local, vindo logo atrás a rua, que é o
segundo lugar mais típico de ocorrências, onde são apurados 15,9% dos casos.
Outro fator que pode ser associados a violência é o de que esta só ocorre no contexto
conjugal, entre casais, porém é algo que envolve tantos outros, como filhos, irmãos,
padrastos/madrastas, chefes, cuidadores, pais e até mesmo desconhecidos e nos casos
ocorridos por desconhecidos, geralmente a mídia expõe como sendo mais um caso de
violência urbana.
O Mapa da Violência no Brasil ainda mostra os tipos de agressores e por quem parte a
maior parte da violência.
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De forma triste e assustadora, as crianças do sexo feminino de 1 a 11 anos sofrem
violência de maneira gritante por parte dos pais, contabilizando um total de 82,0%, onde deste
total 42,4% parte das mães.
No caso das adolescentes que tem idade entre 12 e 17 anos, as agressões se dividem
entre as feitas pelos pais, ficando com 26,5% nesses casos e 23,2% por parte dos parceiros e
ex-parceiros.
As jovens e adultas de 12 a 59 anos são mais atingidas por seus parceiros e ex-
parceiros, computando um percentual de 50,7% para as jovens e 50,0% para as adultas, que
registram em ambos os casos metade de todos os casos apurados.
Já as idosas são agredidas em sua grande maioria por seus próprios filhos, onde os
casos apurados totalizam 34,9% e por seus parceiros, tendo como percentual 15,5% dos
acontecimentos.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos, temos ouvido falar com mais frequência acerca de casos
lamentáveis que trazem em sua grande maioria desfechos que resultam em tragédia e dor
relativos à violência contra a mulher. Os finais felizes se fazem menos presentes a cada dia,
sendo tomados por severas lástimas que assolam milhares de famílias. E, apesar de não ser
assunto novo, a violência e a morte de mulheres vem tomando proporções drásticas,
assumindo por esse motivo, destaque no país, o que faz com que a vontade de fazer algo que
mude o triste quadro da situação seja revertido de alguma forma.
Todos os dias, os noticiários são bombardeados com informações e casos que trazem o
feminicídio e a violência às mulheres em geral como manchete principal, pesquisas e
propostas despontam no assunto, buscando meios de apresentarem as estatísticas a fim de
conseguirem de alguma forma mudar o triste cenário em que as mulheres se encontram.
“São tantas as histórias, são tantas as mulheres, negras” são tantas as lutas por trás de
todos esses anos para que o mundo soubesse que maltratar, estuprar e matar mulheres não é
algo natural.
Apesar de todas as investidas feitas para que a situação da mulher se modifique, como
a criação de centros de apoio a mulher e a criação da Lei Maria da Penha, que completou em
agosto de 2016 dez anos de criação, diante de todas as pesquisas e apuração de dados feitos,
notoriamente percebemos que muitas “Marias”, sobretudo negras, continuam de fora da zona
protetiva, tendo em vista que a Lei Maria da Penha, em seu próprio art. 1º deixa claro que a
“Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar”, e a partir disto
podemos nos perguntar onde fica a proteção às mulheres quando falamos de desconhecidos,
onde fica a proteção às mulheres quando nos lembramos que elas também têm o direito de ir e
vir pra onde queiram sem precisarem se preocupar se alguém a estará esperando na próxima
esquina?
Claro, é inegável que a grande incidência de homicídios e violência às mulheres é algo
que costumeiramente está mais presente no contexto familiar/conjugal/doméstico, mas ainda
falta uma maior atenção para os casos que não são investigados, caindo assim, muitas vezes,
no esquecimento.
A luta das mulheres não é voltada para que a pena dos homens seja aumentada, pois
diversos homens já cumprem penas de 30 anos, mesmo antes da criação do feminicídio, e os
números apurados demonstram claramente que esse aumento e classificação do crime de
homicídio às mulheres como sendo hediondo não diminuiu o número de casos de feminicídio.
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Por esta razão se faz necessário pensar em um novo horizonte, é preciso refletir sobre a
criação de centros que verdadeiramente protejam a mulher e de políticas que previnam e
extingam o ataque a todas que fazem parte do meio feminino. As investigações precisam ser
mais intensas nesse meio, é preciso estudar o feminicídio diferentemente dos crimes de
homicídios qualificados, considerando-o como crime de natureza própria por haver neste,
características e peculiaridades concernentes ao sujeito passivo do crime.
A realidade nos convida ao enfrentamento e resistência perante os trágicos
acontecimentos que acometem a população feminina. Não podemos nos calar e colocar todos
esses casos esquecidos em uma gaveta, apesar das notícias diárias não soarem otimistas a
nossos ouvidos. É importante compreender que questões que envolvem raça, gênero e classe
não andam individualizadas, pelo contrário, no contexto de violência a mulher, elas estão
entrelaçadas e por esse motivo são postas a cada um de nós como um desafio para que através
de nossa resiliência possamos alcançar nossa maior conquista: fazer com que todas as
mulheres vivam com dignidade, de verdade.
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REFERÊNCIAS
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