Violência, Vingança e Perdão
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Violncia, Vingana e Perdo
Cezar Flora
Gosto de matemtica, porm, o caminho que escolhi me levou para
longe dela. Entretanto, nas Escrituras encontramos algumas
multiplicaes interessantes. Talvez as possamos considerar como
princpios que desencadeiam inmeras aes, ou, quem sabe, em
princpios que norteiam e dinamizam possveis movimentos. Vamos nos
atentar para algumas delas. Ento, vamos s contas:
7 vezes
Em Gnesis 4.8-16 encontramos o primeiro homicdio narrado nas
Escrituras: um fratricdio. Pelo fato de, ao contrrio de Abel, a sua vida e
oferta no ter agradado ao Senhor, Caim irou-se com seu irmo e o
matou. Aps ser confrontado pelo Senhor, Caim diz: quem comigo se
encontrar me matar. Em resposta, Deus diz: se algum matar Caim,
sofrer sete vezes a vingana. Esta palavra no tem por objetivo
instituir um ciclo de vingana, ela apresenta um dentre muitos gestos
encontrados na Bblia contra a prtica da vingana (Clifford). Pois o
Senhor coloca um sinal em Caim para que o no ferisse de morte quem
quer que o encontrasse. A vingana multiplicada por sete tinha por
objetivo colocar um ponto final prtica da vingana.
77 vezes
Logo na sequencia, em Gnesis 4.17-24, nos encontramos com alguns
fatos sobre os descendentes de Caim. Dentre estes encontra-se
Lameque, que celebra a sua tendncia violncia: eu matei um
homem porque me feriu // e um menino, porque me machucou. Ante
esta desproporo entre a ofensa recebida e o castigo infligido,
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Lameque declara: Se Caim vingado sete vezes, Lameque o ser
setenta e sete. A multiplicao aqui proposta incita um ciclo
desproporcional de violncia assim, cada ato de violncia geraria o
stuplo de violncia! Tempos depois, ao anunciar o dilvio a No, o
Senhor diz: a terra est cheia da violncia dos seres humanos (Gnesis
6.13b).
Proporcionalidade
A aplicao da frmula de Lameque desencadeia um ciclo
interminvel de violncia desproporcional. Parte do contexto cultural
da Mesopotmia, a Lei de Talio, tambm contida no Livro da Aliana
(Ex 20.22-23.19), objetiva apresentar uma limitao
desproporcionalidade: olho por olho... ao invs de olho por cabea!
No entanto, na prpria Tor, apresenta-se outro princpio que busca ir
alm de um dispositivo de proporcionalidade: no te vingars, nem
guardars ira contra os filhos do teu povo; mas amars o teu prximo
como a ti mesmo (Levtico 19.18) isto acena para uma possvel
anulao da frmula de Lameque!
70 vezes 7
A ltima multiplicao que gostaria de abordar encontra-se em Mateus
18.22. Ao ser questionado por Pedro, a respeito da quantidade de vezes
em que um irmo deveria ser perdoado, Jesus lhe responde: no te
digo que at sete vezes, mas at setenta vezes sete. Jesus no prope
um princpio de proporcionalidade formula de Lameque, ele institui
uma Nova Frmula, a frmula do perdo: 70x7! O evangelho
extremamente radical, extremamente avesso nossa violncia
quando ofendidos, nossos instintos clamam por vingana. Ele ainda vai
mais longe: se, por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier
ter contigo, dizendo: estou arrependido, perdoa-lhe (Lucas 17.4).
Fator Graa
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Aps apresentar a Nova Frmula, Jesus apresenta a sua fundamentao
com a parbola do Credor Incompassivo (Mateus 18.23-35). Um rei
perdoa uma dvida impagvel. No entanto, o perdoado no consegue
perdoar a dvida pagvel de seu conservo. O rei diz quele que no
dispensou perdo: no devias tu, igualmente, compadecer-te do teu
conservo, como eu me compadeci de ti?. Com isso Jesus diz que o
fundamento do perdo se encontra em Deus Deus como modelo! Este
o fator que fundamenta a Nova Frmula: 70x7.
Problematizao
Violncia gera violncia esta uma mxima que todos j ouvimos.
Porm, quando juntamos coisas como: violncia, vingana e perdo...
temos uma mistura complexa, que no aceita uma resposta simplista.
Por vezes a palavra perdo aparenta ser a palavra mais dura a ns
dirigida. Quando os efeitos da violncia so extremamente drsticos e
profundos a palavra perdo a ltima que desejaramos ouvir... di
os ouvidos. A frmula de Lameque de mais fcil aplicao.
A vingana violenta pode ser instantnea, como uma resposta
automtica, ou pode ser um prato que se come frio, o fruto de uma
paciente maquinao. Atenho-me aqui apenas ao segundo caso. A
vingana, fruto de uma paciente maquinao, alimentada por um
corao repleto de dio, rancor e amargura. Assim, perdoar no
apenas proferir uma palavra mgica... um processo de cura e
restaurao. Este processo no algo simplesmente humano, pois o
fator divino.
Quando o violento incontrolvel, como cont-lo? Perdoar significa
deix-lo livre para oprimir e agir violentamente? Como o perdo pode
no ser uma carta branca para que as aes perdoadas no tornem-se
repetidas infinitamente? O perdo deve ser transformador para quem o
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recebe? Como pode ser o perdo uma possibilidade de crescimento e
mudana de atitude?
Cezar Flora
Camb, 20 de maio de 2015