Violencia e Servico Social

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 187  Rev . Katál. Florianópolis v . 11 n. 2 p. 187-194 jul./dez. 2008 Violência doméstica como tema de estudo em  pr og ra ma s de s-gr ad ua çã o no estado do Rio de Janeiro Sueli Bulhões da Silva  Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) Violência doméstica como tema de estudo em programas de pós-graduação no estado do Rio de Janeiro Resumo: Este artigo discute os resultados de uma pesquisa que objetivou mapear a produção discente (dissertações e teses) no âmbito da violência doméstica, entre 1990 e 2006, em programas de pós-graduação em Serviço Social, Psicologia e Saúde Pública de instituições localizadas no estado do Rio de Janeiro. O estudo, centrado na análise de tendências, avanços e lacunas da referida produção, revelou a  prevalência de pesquisas voltadas para o segmento infanto-juvenil, a mudança de foco da caracterização do fenômeno p ara a discussão de sua dinâmica, e o reduzido número de trabalhos sobre idosos. Palavras-chave: violência doméstica, produção discente, programas de pós-graduação no estado do Rio de Janeiro. Domestic Violence as a Theme of Study in Graduate Programs in Rio de Janeiro State Abstract: This article discusses the results of a study that sought to map the production of master ’s and doctoral students concerning domestic violence, from 1990 to 2006, in graduate programs of Social Wor k, Psychology and Public Health at institutions located in Rio de Janeiro State. The study focused on the analysis of trends, advances and gaps in this production and revealed a prevalence of studies of children and youth, a change of focus from characterization of the phenomenon to a discussion of its dynamic and a reduced number of studies about the elderly. Key words: domestic violence, graduate student production, graduate programs in Rio de Janeiro. Recebido em 15.04.2008. Aprovado em 06.06.2008.  PESQUIS A APL ICADA Antonio Carlos de Oliveira Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio)

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    Rev. Katl. Florianpolis v. 11 n. 2 p. 187-194 jul./dez. 2008

    Violncia domstica como tema de estudo emprogramas de ps-graduao no estado do Rio deJaneiro

    Sueli Bulhes da Silva Pontifcia Universidade Catlica (PUC-Rio)

    Violncia domstica como tema de estudo em programas de ps-graduao no estado do Rio deJaneiroResumo: Este artigo discute os resultados de uma pesquisa que objetivou mapear a produo discente (dissertaes e teses) no mbitoda violncia domstica, entre 1990 e 2006, em programas de ps-graduao em Servio Social, Psicologia e Sade Pblica de instituieslocalizadas no estado do Rio de Janeiro. O estudo, centrado na anlise de tendncias, avanos e lacunas da referida produo, revelou aprevalncia de pesquisas voltadas para o segmento infanto-juvenil, a mudana de foco da caracterizao do fenmeno para a discussode sua dinmica, e o reduzido nmero de trabalhos sobre idosos.Palavras-chave: violncia domstica, produo discente, programas de ps-graduao no estado do Rio de Janeiro.

    Domestic Violence as a Theme of Study in Graduate Programs in Rio de Janeiro StateAbstract: This article discusses the results of a study that sought to map the production of masters and doctoral students concerningdomestic violence, from 1990 to 2006, in graduate programs of Social Work, Psychology and Public Health at institutions located in Riode Janeiro State. The study focused on the analysis of trends, advances and gaps in this production and revealed a prevalence of studiesof children and youth, a change of focus from characterization of the phenomenon to a discussion of its dynamic and a reduced numberof studies about the elderly.Key words: domestic violence, graduate student production, graduate programs in Rio de Janeiro.

    Recebido em 15.04.2008. Aprovado em 06.06.2008.

    PESQUISA APLICADA

    Antonio Carlos de OliveiraPontifcia Universidade Catlica (PUC-Rio)

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    Rev. Katl. Florianpolis v. 11 n. 2 p. 187-194 jul./dez. 2008

    Introduo

    Entendida como uma forma de relao socialabusiva, a violncia domstica um conceito que in-clui abusos/maus-tratos co-metidos no s contra crian-as e adolescentes, mas, tam-bm, contra idosos e mulhe-res em um espao que deve-ria ser marcado pelo afeto,parentesco, dependncia econfiana, ou seja, o espaofamiliar. No Brasil, os estu-dos da violncia domsticacomeam a ganhar visibilida-de a partir dos anos de 1980,com o movimento de demo-cratizao no pas, quando sedesperta para a defesa e ga-rantia dos direitos de gruposconsiderados mais vulner-veis, em especial crianas,adolescentes e mulheres.Esta discusso ganha vulto,em primeiro lugar, atravs dosmovimentos femininos e feministas, cujo acmulo jera, poca, considervel. Uma das conquistas dadecorrentes foi a instalao de equipamentos espe-cficos para atendimento deste segmento, como asDelegacias Especializadas de Atendimento Mulher(DEAMs) que tm sua primeira unidade im-plementada em 1985, em So Paulo (UNB, 2008).No rastro deste debate, tambm se fortalece um mo-vimento nacional voltado para a garantia dos direitosde crianas e adolescentes, que culmina com a inclu-so do artigo 227 na nova Constituio da RepblicaFederativa do Brasil de 1988, regulamentado no Es-tatuto da Criana e do Adolescente (ECA), em 1990(BRASIL, 1995). Posteriormente, com o advento daPoltica Nacional do Idoso (BRASIL, 2008) e a pro-mulgao do Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), estesegmento da populao passa a merecer, tambm,uma ateno diferenciada nas polticas e programasque lhe so dirigidos, principalmente quanto prote-o contra a violncia domstica.

    Embora Kowarick (1995, p. 46) afirme que noprocesso de produo de conhecimento no existeuma relao linear entre as realidades de determina-da sociedade e a produo de conhecimento nelaexistente, ele tambm considera que possa haver umainfluncia recproca. Este momento histrico e osmarcos legais que dele emergem, como mediaesengendradas na dinmica da prpria sociedade, pos-sibilitam o incremento de referncias temticas, taiscomo a violncia domstica, transformadas em obje-to de investigao. A partir dessa premissa, a pesqui-sa Mapeamento da produo acadmica sobre

    violncia domstica nos programas de ps-gra-duao, na cidade do Rio de Janeiro, no Perodo1990-20061, cujos resultados so apresentados nesteartigo, analisou a produo acadmica (dissertaes

    de mestrado e teses de dou-torado) sobre a violncia do-mstica nos programas deps-graduao, especifica-mente nos de Servio Social,Psicologia e Sade Pblica,localizados na cidade do Riode Janeiro, a partir de 1990(ano da promulgao doECA) at 2006. Cabe infor-mar que o mapeamento tevecomo objetivos, identificar:a) as principais temticasabordadas;b) os grupos mais freqen-temente estudados; ec) os tipos de violnciaprevalentes na produo emrelao a cada grupo.

    Vale considerar que, em-bora no tenha se constitudo

    em um inventrio exaustivo da produo na rea, a pes-quisa permitiu identificar tendncias temticas, avanose lacunas na produo cientfica referente violnciaque ocorre no espao intrafamiliar, cuja apresentao ediscusso consistem no objetivo do presente artigo.

    Mtodo

    O estudo estruturou-se a partir de uma pesquisadocumental de cunho exploratrio, realizada atravsdo levantamento e da catalogao dos resumos dasdissertaes e teses, como fontes privilegiadas paraanlise, que forneceram a base necessria quantificao e identificao das tendncias, avan-os e lacunas na rea da violncia domstica, no Riode Janeiro, no perodo estudado.

    Assim, os procedimentos metodolgicos adotadosconsistiram de:

    a) levantamento da produo discente;b) agrupamento da mesma, a partir de seus re-

    cortes temticos;c) leitura e anlise dos resumos daquelas volta-

    das para a questo da violncia domstica,buscando identificar as principais temticasabordadas, os grupos estudados (criana, ado-lescente, mulher ou idoso) e as abordagens depesquisa utilizadas;

    d) anlise e interpretao dos dados obtidos.As instituies pesquisadas foram: Pontifcia Uni-

    versidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Programas de Servio Social e Psicologia Clnica;

    ... a violncia domstica umconceito que inclui abusos/

    maus-tratos cometidos no scontra crianas e adolescentes,mas, tambm, contra idosos emulheres em um espao que

    deveria ser marcado peloafeto, parentesco, dependnciae confiana, ou seja, o espao

    familiar.

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    Rev. Katl. Florianpolis v. 11 n. 2 p. 187-194 jul./dez. 2008

    Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Programas de Servio Social e Psicologia; Univer-sidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Pro-gramas de Servio Social, Psicologia Social e Sa-de Coletiva; Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), es-pecificamente a Escola Nacional de Sade Pblica(ENSP) Programa de Sade Pblica e o InstitutoFernandes Figueira (IFF) Programa de Sade daCriana e da Mulher; e Universidade FederalFluminense (UFF) Programas de Servio Sociale Psicologia. Este levantamento das produes aca-dmicas discentes realizados nas bibliotecas lo-cais e pela Internet possibilitou a identificao, noperodo proposto pela pesquisa, de um total geral de3.599 trabalhos cientficos.

    Ao primeiro contato com cada programa, a bol-sista do Programa Institucional de Bolsas de Inicia-o Cientfica (Pibic) compareceu munida de umacarta de apresentao destinada aos coordenadores,esclarecendo o teor e os objetivos do estudo, bemcomo a instituio de origem e o professor respons-vel pelo referido projeto.

    Para o levantamento das dissertaes e teses e aobteno dos resumos das produes voltadas paraa questo da violncia domstica, por vezes, foramnecessrias mais de uma visita s instituies de en-sino, tendo em vista a dificuldade em obter os resu-mos das produes na biblioteca virtual.

    Em uma das instituies, uma greve de funcion-rios dificultou o contato com os programas, uma vezque seu funcionamento, nesse perodo, tornou-se es-pordico e os horrios no eram compatveis com osanunciados no site da referida universidade.

    Uma outra dificuldade na quantificao dos da-dos e na obteno dos resumos foi resultante da au-sncia de catlogos com o acervo das publicaesdos programas.

    Na Fiocruz, o ponto de partida foi o Centro Lati-no-Americano de Estudos de Violncia e Sade (Cla-ves), onde o acervo se constitui de doaes de tesese dissertaes, defendidas no Brasil e em alguns pa-ses da Amrica Latina, mas no de todas as queforam defendidas na Escola Nacional de Sade P-blica e no Instituto Fernandes Figueira. Assim, a al-ternativa foi a obteno dos dados de interesse paraa realizao do mapeamento, atravs da bibliotecavirtual, que se tornou uma ferramenta valiosa.

    Cabe ressaltar que, embora as bibliotecas virtuaisdos programas tenham se constitudo em elementofundamental para o acesso aos dados, tambm apre-sentaram entraves no desenvolvimento da pesquisa.No foram raros os momentos de dificuldades deacesso tais como sistema off line e/ou perma-nncia queda de rede na consulta s bibliotecasvirtuais, bem como processos de informatizao dosdados ainda em construo. Em algumas das biblio-tecas consultadas, somou-se o fato de a ordem de

    catalogao dos autores no seguir critrios clarose/ou possurem entrada de dados com grande defa-sagem de data.

    A leitura e a anlise dos resumos das referidasprodues apresentaram desafios devido qualida-de das informaes de algumas, bastante incomple-tas. Mesmo assim, foi possvel identificar as princi-pais temticas de violncia domstica abordadas eos grupos estudados (crianas, adolescente, mulherou idoso). Quanto ao tipo de pesquisa e metodologia utilizada, como muitos resumos noforneciam tais informaes, procedeu-se ao neces-srio redimensionamento dos objetivos iniciais, de-vido precariedade destes dados.

    No total, foram levantadas 3.599 produes aca-dmicas, sendo 2.750 dissertaes e 849 teses de-fendidas no perodo estudado. A coleta de dados foifinalizada em abril de 2007, objetivando uma mar-gem razovel de tempo para o seu lanamento, refe-rente s produes defendidas at julho de 2006.

    A etapa seguinte foi o agrupamento das produ-es a partir do seu recorte temtico. Esta etapa pos-sibilitou identificar que, no perodo de 1990 a julho de2006, foi produzido um total de 140 teses e disserta-es (4%) voltadas para a questo da violncia, sen-do que destas, 71 (51%) tratam da violncia no ge-ral2 e 69 (49%), da violncia domstica. Este agru-pamento permitiu identificar 48 dissertaes e 21 te-ses que abordavam, especificamente, a temtica daviolncia domstica.

    Resultados

    A temtica da violncia nas produes dos pro-gramas

    A temtica da violncia, em maior ou menor grau,est presente em produes de todos os programaspesquisados, conforme pode ser observado na tabela 1.

    Aqueles que apresentam produo mais signifi-cativa na temtica da violncia, tanto em geral comodomstica, so da rea de sade. De um total de 11programas pesquisados, somadas as produes daENSP, do IFF e do IMS obtm-se um total de 82trabalhos, o que corresponde a 58,6% das disserta-es e teses.

    O Programa de Sade Pblica da ENSP tem suaproduo fortemente concentrada em violncia nogeral: das 43 dissertaes e teses encontradas, 70%tratam desta dimenso do fenmeno. Por outro lado,no IFF, cujo programa est focado na sade da mu-lher e da criana, a produo discente na rea daviolncia domstica mostrou-se bem mais prevalente:83% de um total de 18.

    O Programa de Ps-Graduao em Servio Socialda PUC-Rio o que possui maior nmero de disserta-es (12) na temtica de violncia domstica, o que

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    Tabela 1 - Distribuio da produo discente sobre violncia em geral e violncia domsticanos programas de ps-graduao selecionados, no Rio de Janeiro, no perodo de 1990 a julhode 2006

    Fonte: elaborao dos autores* Doutorado ainda no teve nenhuma defesa de tese no perodo compreendido pela pesquisa.** Programa possui apenas Mestrado.

    Tabela 2 - Distribuio da produo discente sobre violncia domstica nos programas de ps-graduao selecionados, no Rio de Janeiro, segundo os grupos estudados e os tipos de violnciasofrida, no perodo de 1990 a julho de 2006

    Fonte: elaborao dos autoresLegenda: S = Sexual; F = Fsica; P = Psicolgica; N = Negligncia; * = Mais de um tipo(1) Servio Social; (2) Psicologia; (3) Sade Coletiva

    ProgramasPUC-Rio (1)UCc-Rio (2)UFRJ (1)UFRJ (2)UFF (1)UFF (2)UERJ (1)UERJ (2)UERJ (3)IFF (3)ENSP (3)TOTAL

    Mulher

    S F P N *S F 2 N 1S F P N *S F P N 1S F P N *S 1 P N *S F 1 N *S F P N *S F P N *S 3 P N 21 3 P N 11 2 P N 12 9 3 6

    Grupos estudados nas dissertaes e tesesCriana e

    adolescenteS F P N *3 1 2 N1 32 1 P N *S F P N 11 F 1 N *2S 1 P N *1 F 1 N 21 F 1 N 2S 1 P N *6S 1 P N *623 P 6N 12 1 3 N 111 4 10 1 13

    Idoso

    S F P N *S F 2 N 1S F P N *S F P N 1S F P N *S 1 P N *S F 1 N *S F P N *S F P N *S 3 P N 11 3 P N 11 2 P N 12 9 3 1

    Mais deum grupo

    S F P N *S F 2 N 1S F P N 1S F P N 1S F P N *S 1 P N *S F 1 N *S F P N *S F P N *S 3 P N 21 3 P N 21 2 P N 32 9 3 9

    Abordagens da ViolnciaInstituies/ ProgramasPUC-Rio/Servio SocialPUC-Rio/Psicologia ClnicaUFRJ/Servio SocialUFRJ/PsicologiaUFF/Poltica SocialUFF/PsicologiaUERJ/Psicologia SocialUERJ/Sade ColetivaUERJ/Servio SocialFiocruz-ENSP/Sade PblicaFiocruz-IFF/Sade da Crianae da MulherTOTAL

    Teses*

    020201****0

    03*110

    19

    Teses*03002****004*0705

    21

    Total1410061203040121084318

    140

    (%)10%7%4%8%2%3%1%15%6%31%13%

    100%

    Violncia em geralDissertaes

    0204030702030103051903

    52

    Violncia DomsticaDissertaes

    120101020101011030610

    48

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    pode estar associado ao fato de o referido programapossuir uma linha de pesquisa voltada para o fenme-no da violncia nos contextos familiar e institucional.

    Tambm no IMS pode-se atribuir a alta concen-trao de produes na rea de violncia domstica existncia de duas linhas de pesquisa que propici-am o desenvolvimento de estudos na temtica, quaissejam Violncias Pblicas e Privadas e Gnero,Sexualidade e Sade.

    A temtica da violncia domstica e os gruposestudados

    Como se pode constatar na tabela 2, o segmentocom maior concentrao de dissertaes e teses ode crianas e adolescentes, com 39 produes emum total de 69 (56,5%).

    Tais resultados fazem eco ao constatado por As-sis e Constantino (2003, p. 183):

    [...] a dcada de 90 colocou o tema da Violnciacontra Crianas e Adolescentes, de forma muitoampla, na pauta da gerao de conhecimento cien-tfico e de formulao de estratgias sociais. O quefoi produzido, freqentemente fundamentado na leide proteo que se constituiu com o ECA, avan-ou na compreenso do fenmeno [...].

    Observa-se que as produes voltadas para oestudo da violncia domstica contra mulheres apre-sentam a segunda maior concentrao, com 20 dis-sertaes e teses (29%).

    Como j dito anteriormente, os movimentos femi-nistas e de mulheres colocaram em pauta, principal-mente a partir da dcada de 1980, no Brasil, a neces-sidade de reconhecimento dos direitos das mulherescomo direitos humanos, conseguindo, inclusive, trans-formar sua luta em diversas leis. Tal contexto igual-mente contribuiu para a ampliao dos estudos aca-dmicos sobre os direitos deste grupo, em diversoscampos do conhecimento e, em especial, no que serefere violncia domstica.

    Ratificando os dados referentes aos programasda rea da sade, a produo do IFF centrada emrelaes familiares tem 15 dissertaes e teses (83%do total) tratando da temtica da violncia domsti-ca. Destas, cinco referem-se a mulheres, oito a cri-anas e duas a mais de um grupo.

    Considerando-se a produo de todos os progra-mas pesquisados, encontra-se um total de 20 disser-taes e teses sobre a violncia domstica contramulheres e 39 contra crianas e adolescentes. O fatode as produes sobre este ltimo grupo representarquase o dobro em relao aos trabalhos que tm comofoco as mulheres tambm corrobora a constataode Assis e Constantino (2003).

    Quanto aos idosos, h apenas um trabalho. Im-portante salientar que , dentre os grupos especial-mente vulnerveis abarcados pela pesquisa, o de in-teresse generalizado mais recente. A esse respeito,Minayo e Souza (2003, p. 233) registram que:

    No caso brasileiro, o tema apenas est sendo toca-do e problematizado, fato que pode ser atribudo,ao lado de uma falta de prioridade, novidade docrescimento acelerado de um grupo populacionalque, at bem poucas dcadas, no era to signifi-cativo. [...] Infelizmente, o estgio inicial em que seencontra o tratamento do tema nos permite apenasdizer que ele passou a fazer parte da pauta dosestudiosos do impacto da violncia sobre a sade,mas apenas na segunda metade da dcada de 90.

    Tambm h que se considerar que o Estatuto doIdoso uma das mais recentes leis que regulam osdireitos e a ateno aos grupos estudados, datandode 2003, tendo posteriormente, apenas, a Lei Mariada Penha, de 2006 (BRASIL, 2007).

    Os estudos referentes a mais de um grupo so-mam nove dissertaes e teses, representando 13%do total de produes sobre violncia domstica. Aliteratura sobre o tema (FURNISS, 1993; KAMEYAMA,1998; SOARES, 1999; OLIVEIRA; FERNANDES, 2007)costuma referir a ocorrncia concomitante, em umamesma famlia de: de mulheres e sua prole tanto sen-do vitimadas pelo mesmo perpetrador como tambmautoras de violncia contra seus filhos. Tambm h,com freqncia, a leitura de que ao assistirem vio-lncia praticada contra suas mes, crianas e ado-lescentes sofrem impactos que podem ser conside-rados como violncia psicolgica.

    Os grupos estudados e os tipos de violncia

    O mapeamento permitiu observar que, com rela-o violncia domstica praticada contra mulhe-res, h maior concentrao de estudos em violnciafsica (45%), seguida de mais de um tipo (30%). Umapossibilidade, quanto explicao desta prevalncia,reside no fato de os homicdios de mulheres por seusparceiros ter sido objeto de inmeras discusses pau-tadas pelos movimentos feministas e de mulheres, noBrasil. Outro aspecto a ser considerado que, emnosso pas, historicamente, a violncia fsica figuroucomo justificvel, tendendo naturalizao, o que,em parte, pode explicar a necessidade de desenvol-vimento de pesquisas que busquem dar fundamentos desconstruo destes argumentos.

    No que diz respeito a crianas e adolescentes,as produes esto distribudas quase que igualmen-te entre mais de um tipo (33%), violncia sexual(28%) e violncia psicolgica (26%). Neste seg-

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    mento etrio, chama a ateno a alta prevalnciade estudos sobre violncia psicolgica, dada suapouca freqncia na literatura brasileira, apesar dedescrita pelos estudiosos como extremamente insidi-osa e estando na base de outros tipos de violncia(GUERRA, 1985, AZEVEDO; GUERRA, 1989, OLIVEI-RA; FERNANDES, 2007). Por outro lado, surpreen-dente o baixo ndice de estudos em violncia fsica(10%), em funo da maior evidncia de seus sinais favorecendo sua identificao e, mais ainda, queno caso das mulheres, a naturalizao de seu empre-go como recurso pedaggico para educao de cri-anas e adolescentes. Na categoria mais de um tipo,embora a qualidade dos resumos reduzam com pre-ciso as informaes acerca de que violncias figu-ram em cada caso, vale registrar o quanto a literatu-ra sobre o tema freqentemente relaciona a ocor-rncia concomitante de abusos fsicos ou sexuais epsicolgicos, tomando emprestado da rea da sadeo termo co-morbidade para descrever tal fenmeno.O expressivo percentual relativo violncia sexualdeve ser compreendido, dentre outros aspectos, emum contexto no qual a temtica ganha grande visibi-lidade na pauta mundial com a discusso acerca dotrfico de crianas para fins sexuais e das redes depedofilia na Internet (ONU, 2006).

    Merece registro o fato de ter sido identificadoapenas um estudo abordando a negligncia em rela-o a crianas e adolescentes. O estgio atual desua compreenso se expressa em leis que a classifi-cam como um tipo de violncia domstica para to-dos os grupos estudados, e em definies cada vezmais precisas, como se pode observar a seguir:

    A negligncia ocorre quando os pais ou respons-veis deixam de prover dispondo de condies paratal os meios, recursos e cuidados necessrios aopleno e sadio desenvolvimento fsico e mental da cri-ana ou adolescente sob sua guarda e/ou responsa-bilidade (OLIVEIRA; FERNANDES, 2007, p. 138).

    Apesar disto, persiste grande polmica envolven-do sua identificao. Isso se deve, em parte, ao fatode os profissionais voltados para seu atendimentoterem dificuldades em discernir entre atitudes efeti-vamente negligentes de misria ausncia ou pre-cariedade de recursos para suprir necessidades oufalta de conhecimentos adequados por exemplo,nveis de competncia ou autonomia para execuode algumas tarefas por parte dos cuidadores.

    Quanto aos idosos, cabe reiterar que, nos progra-mas estudados, este segmento tem ateno aindaincipiente, tendo sido encontrado apenas um estudotratando de mais de um tipo de violncia.

    Finalmente, quando se analisa os estudos refe-rentes a mais de um grupo, constata-se que estotodos associados a mais de um tipo de violncia,

    totalizando nove dissertaes e teses, o que equivalea 13% do total da produo em violncia domstica.Tal constatao ratifica o argumento desenvolvidoacima no que se refere co-morbidade, fenmenoque tende a se mostrar acentuado ao se estudar aviolncia contra crianas, adolescentes, mulheres eidosos conjuntamente.

    Discusso

    Cientes de que os programas de ps-graduaoestrito-senso constituem o locus privilegiado de pro-duo de conhecimento, onde docentes e discentesdesenvolvem projetos voltados para temticas de re-levncia social, para os objetivos deste estudo,priorizou-se a produo discente na rea da violn-cia domstica, compreendida entre 1990 e 2006, deum conjunto de programas de ps-graduao emServio Social, Psicologia e Sade Pblica localiza-dos na cidade do Rio de Janeiro.

    Tal estratgia permitiu explorar ainda que deforma no exaustiva e consideradas as limitaesmetodolgicas supracitadas tendncias, avanos elacunas no que diz respeito violncia domstica.Observando-se a extenso do perodo analisado (17anos) e o nmero total de dissertaes e teses pro-duzidas nos programas estudados (3.599), h que seregistrar a ainda relativamente reduzida produo narea da violncia domstica (69, ou 2% do total).

    O estudo permitiu identificar que o tema da vio-lncia domstica contra criana e adolescente oque tem recebido maior ateno dos mestrandos edoutorandos, seguido do tema da violncia contra amulher. Quanto ao tema da violncia contra o idosono mbito domstico, esse ainda apresenta pouca vi-sibilidade em termos de interesse de estudo, porquantose identificou apenas uma produo.

    Levando em considerao que os estudos volta-dos para a rea da violncia domstica ganharammaior visibilidade no Brasil a partir dos anos de 1980,quando se inicia o movimento de democratizaono pas e se desperta para a defesa e garantia dosdireitos de grupos considerados mais vulnerveis,em especial os de crianas e adolescentes e mulhe-res, os resultados do mapeamento espelham esseinteresse, ao revelar que a proporo maior de pes-quisas focaliza esses grupos, por vezes de formaconjunta. Os programas da rea da sade figuramcomo aqueles cuja produo concentra-se maisacentuadamente nestes dois grupos.

    No caso dos idosos, a subnotificao parece serum dos fatores que torna mais difcil o acesso a da-dos, aspecto este que, associado recenterepresentatividade demogrfica deste grupo etrio,deve ser considerado quando da tentativa de com-preenso da baixa prevalncia de estudos na rea.

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    Rev. Katl. Florianpolis v. 11 n. 2 p. 187-194 jul./dez. 2008

    Trata-se de constatao desta pesquisa, ratificada poroutros estudiosos. (KRUG, 2002; MINAYO; SOUZA,2003; PAIXO JR.; REICHENHEIM, 2006).

    No que se refere s temticas, a anlise dos re-sumos das dissertaes e teses permitiu observaravanos nos estudos voltados para delimitar perfisde vtimas e agressores, apontar a importncia dacapacitao de profissionais e avaliar polticas e pro-gramas de proteo. Tal constatao denota um pro-cesso de superao da fase inicial de caracterizaosociodemogrfica e de definio conceitual do fen-meno, vislumbrando o estudo da dinmica da violn-cia e suas conseqncias. Por outro lado, revelou,tambm, a falta de estudos sobre violncia domsti-ca cometida contra portadores de distrbios mentais,portadores de deficincias e homossexuais do sexomasculino e feminino de diversos segmentos etrios,aspectos que podem contribuir para maiorvulnerabilidade dos grupos estudados.

    A reduzida produo de estudos sobre idosos um dado que valeria ser confrontado com as produ-es em outros municpios e unidades da federao,bem como indica a necessidade de intensificao depesquisas sobre este segmento etrio.

    Igualmente merecem ateno da comunidade aca-dmica as especificidades concernentes ao abuso psi-colgico e negligncia, tipos de violncia cujos estu-dos, embora em crescimento, ainda so reduzidos.

    Espera-se que a anlise decorrente deste estudoexploratrio possa auxiliar no aprimoramento da com-preenso acerca da violncia domstica praticada contragrupos especialmente vulnerveis, contribuindo para odesenvolvimento de futuras produes na rea.

    Referncias

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  • 194 Sueli Bulhes da Silva e Antonio Carlos de Oliveira

    Rev. Katl. Florianpolis v. 11 n. 2 p. 187-194 jul./dez. 2008

    UNB. Tribuna do Brasil. Agresso deve ser denunciada.Disponvel em: .Acesso em: 20 mar. 2008.

    Notas

    1 Pesquisa coordenada pela Professora Doutora Sueli Bulhesda Silva, vinculada linha de pesquisa Violncia, Famlia eDireitos Sociais, do Programa de Ps-Graduao doDepartamento de Servio Social da PUC-Rio, tendo comobolsista PIBIC a aluna Soraia da Silva Rondo.

    2 As dissertaes e teses que abordam a violncia, em geral,tratam de temas tais como: violncia estrutural, violnciacultural, trfico de drogas, violncia institucional, violnciana mdia, homicdios, violncia auto-infligida, criminalidadeurbana, homofobia etc.

    Sueli Bulhes da SilvaDoutora em Servio Social pela Universidade Cat-lica de WashingtonProfessora do Departamento de Servio Social daPontifcia Universidade Catlica (PUC-Rio)

    Antonio Carlos de OliveiraDoutorando em Servio Social pela PUC-RioProfessor do Departamento de Servio Social daPUC-RioOrientadora: Sueli Bulhes da Silva

    PUC-RioRua Marqus de So Vicente, 225Vila dos Diretrios, Casa 209 GveaRio de Janeiro RJCEP: 22451-900