VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES UM ESTUDO DE CASO NO CONSELHO TUTELAR

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES METODOLOGIA DE ATENDIMENTO SOCIAL DE CASOS ESTUDO DE CASO NO CONSELHO TUTELAR COMO ENTENDER E ENCAMINHAR UM CASO PRÁTICO NO ATUAL CONTEXTO DE FUNCIONAMENTO DOS CONSELHOS TUTELARES. Marco Aurelio Romar 1 O Conselho Tutelar, que é um órgão permanente, não jurisdicional, independente e autônomo, integrante do Sistema de Garantias e Direitos da Criança e do Adolescente, e que no cumprimento de suas atribuições legais, trabalha diretamente com pessoas que, na maioria das vezes, vão ao Conselho Tutelar ou que recebem sua visita em situações de crises e dificuldades histórias de vidas complexas, confusas, diversificadas e vítimas das mais complexas expressões das questões sociais contemporâneas. É ÓRGÃO PERMANENTE Não depende de autorização de ninguém - nem do prefeito, nem do juiz, nem do Promotor de Justiça, para o exercício das atribuições legais que lhe foram conferidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente: artigos 95, 101e 194. É um órgão público municipal, que tem sua origem na lei, integrando-se ao conjunto das instituições nacionais (estaduais e municipais) e subordinando-se ao ordenamento jurídico brasileiro. Criado por lei municipal e efetivamente implantado passa a integrar de forma definitiva o quadro das instituições municipais. Desenvolve uma ação contínua e ininterrupta. Sua ação não deve sofrer solução de continuidade, sob qualquer pretexto. Uma vez criado e implantado, não desaparece; apenas renovam-se os seus membros. É NÃO JURISDICIONAL Pois não integra o Poder Judiciário. Exerce funções de caráter administrativo, vinculado, portanto, ao Poder Executivo Municipal. Não pode exercer o papel e as funções do Poder Judiciário na apreciação e julgamento dos conflitos de interesse. Apesar de ser não jurisdicional O Conselho Tutelar pode e deve: Fiscalizar as entidades de atendimento; Iniciar os procedimentos de apuração de irregularidades em entidades de atendimento, através de representação (art. 191 do Estatuto da Criança e do Adolescente); Iniciar os procedimentos de apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente (art. 194 do Estatuto da Criança e do Adolescente). É INDEPENDENTE E AUTÔNOMO Em matéria técnica de sua competência, delibera e age aplicando as medidas práticas pertinentes, sem interferência externa. Exerce suas funções com independência, Inclusive para relatar e corrigir distorções existentes na própria administração municipal relativas ao atendimento a crianças e adolescentes. 1 Assistente Social, formado pela Universidade Federal do Tocantins - TO, Pós-Graduado em Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes pela Faculdade de Educação da Serra - FASE ES, Estatutário do DEGASE, Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro, onde atua na execução de Medidas Socioeducativas desde 1998, Extensionista da UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro, do Curso “Violência Contra Crianças e Adolescentes – Teoria e Prática” – 2011. Endereço Eletrônico: [email protected] Tels: 55 21 9743.1871 / 55 21 8430.2595.

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Estudo de Caso no Conselho Tutelar como fazer

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

METODOLOGIA DE ATENDIMENTO SOCIAL DE CASOS

ESTUDO DE CASO NO CONSELHO TUTELAR

COMO ENTENDER E ENCAMINHAR UM CASO PRÁTICO NO ATUAL CONTEXTO DE

FUNCIONAMENTO DOS CONSELHOS TUTELARES.

Marco Aurelio Romar1

O Conselho Tutelar, que é um órgão permanente, não jurisdicional, independente e

autônomo, integrante do Sistema de Garantias e Direitos da Criança e do Adolescente, e que

no cumprimento de suas atribuições legais, trabalha diretamente com pessoas que, na

maioria das vezes, vão ao Conselho Tutelar ou que recebem sua visita em situações de crises

e dificuldades – histórias de vidas complexas, confusas, diversificadas e vítimas das mais

complexas expressões das questões sociais contemporâneas.

É ÓRGÃO PERMANENTE Não depende de autorização de ninguém - nem do prefeito, nem do juiz, nem do Promotor

de Justiça, para o exercício das atribuições legais que lhe foram conferidas pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente: artigos 95, 101e 194.

É um órgão público municipal, que tem sua origem na lei, integrando-se ao conjunto das

instituições nacionais (estaduais e municipais) e subordinando-se ao ordenamento jurídico

brasileiro. Criado por lei municipal e efetivamente implantado passa a integrar de forma

definitiva o quadro das instituições municipais. Desenvolve uma ação contínua e ininterrupta.

Sua ação não deve sofrer solução de continuidade, sob qualquer pretexto. Uma vez criado e

implantado, não desaparece; apenas renovam-se os seus membros.

É NÃO JURISDICIONAL

Pois não integra o Poder Judiciário. Exerce funções de caráter administrativo, vinculado,

portanto, ao Poder Executivo Municipal. Não pode exercer o papel e as funções do Poder

Judiciário na apreciação e julgamento dos conflitos de interesse. Apesar de ser não

jurisdicional O Conselho Tutelar pode e deve:

Fiscalizar as entidades de atendimento;

Iniciar os procedimentos de apuração de irregularidades em entidades de

atendimento, através de representação (art. 191 do Estatuto da Criança e do

Adolescente);

Iniciar os procedimentos de apuração de infração administrativa às normas de

proteção à criança e ao adolescente (art. 194 do Estatuto da Criança e do

Adolescente).

É INDEPENDENTE E AUTÔNOMO

Em matéria técnica de sua competência, delibera e age aplicando as medidas práticas

pertinentes, sem interferência externa. Exerce suas funções com independência, Inclusive

para relatar e corrigir distorções existentes na própria administração municipal relativas ao

atendimento a crianças e adolescentes.

1 Assistente Social, formado pela Universidade Federal do Tocantins - TO, Pós-Graduado em Violência Doméstica Contra Crianças e

Adolescentes pela Faculdade de Educação da Serra - FASE – ES, Estatutário do DEGASE, Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro, onde atua na execução de Medidas Socioeducativas desde 1998, Extensionista da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, do Curso “Violência Contra Crianças e Adolescentes – Teoria e Prática” – 2011. Endereço Eletrônico: [email protected] – Tels: 55 21 9743.1871 / 55 21 8430.2595.

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Suas decisões só podem ser revistas pelo juiz da Infância e da Juventude, a partir de

requerimento daquele que se sentir prejudicado (art. 137 da Lei nº 8.069/90).

ATENÇÃO!

Ser autônomo e independente não significa ser solto no mundo, desgarrado de tudo e de

todos.

Autonomia não pode significar uma ação arrogante, sem bom senso e sem limites. Os

conselheiros tutelares devem desenvolver habilidades de relacionamento com as pessoas,

organizações e comunidades.

Devem agir com rigor no cumprimento de suas atribuições e com equilíbrio e, ainda, buscar

articular esforços e ações.

É vital, para a realização de um trabalho social eficaz (fazer mudanças concretas) e efetivo

(garantir a consolidação dos resultados positivos), que o conselheiro tutelar saiba ouvir e

compreender os casos (situações individuais específicas) que chegam ao Conselho Tutelar,

ou por ele identificado.

Cada caso é um caso e tem direito a um atendimento personalizado, que leve em conta suas

particularidades e procure encaminhar soluções adequadas às suas reais necessidades e que

necessariamente em resposta, garanta a devida proteção e garantia a esses direitos.

Vale sempre destacar: o Conselho Tutelar, assim como o Juiz, Pode Aplicar Medidas

Protetivas aos casos que atende, mas não executa essas medidas. As medidas de

proteção aplicadas pelo Conselho Tutelar são para que outros (poder público, famílias e a

sociedade em geral) as executem. O atendimento do conselho é de primeira linha, tem o

sentido de garantir e promover direitos.

E a quem são destinadas as medidas que podem ser aplicadas pelo Conselho Tutelar no

âmbito de sua atuação?

Às crianças e aos adolescentes; Aos pais ou responsáveis; Às entidades de atendimento; Ao Poder Executivo

O Conselheiro Tutelar deve ainda:

Zelar pelo cumprimento de diretos; Garantir absoluta prioridade na efetivação de direitos; Orientar a construção da política municipal de atendimento.

Em resumo estas são as principais características mínimas e funções de um Conselho Tutelar, e para dar conta desse trabalho, que é a rotina diária de um Conselho Tutelar, o conselheiro precisa conhecer e saber aplicar uma metodologia de atendimento social de casos. Para um melhor entendimento da metodologia de atendimento social de casos, suas

principais etapas serão detalhadas a seguir, com ênfase na postura que o conselheiro tutelar

e sua equipe devem assumir no processo acolhimento/atendimento.

É importante ainda ressaltar, que para uma atuação ótima do Conselho Tutelar, o

Conselheiro Tutelar deve agir com extremo zelo no que pertine a trabalhar sempre em

equipe. As decisões do Conselho Tutelar devem ser sempre coletivas:

Saber acolher, ouvir, compreender e discernir é habilidade imprescindível para o

trabalho de receber, acolher, confirmar, estudar, encaminhar e acompanhar

casos

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Elas devem ser discutidas, analisadas e referendadas pelo conjunto dos conselheiros,

atender a todos com atenção, registrando todas as informações relativas a cada caso,

fazendo reuniões de estudo de casos, aplicando as medidas pertinentes a cada caso e

acompanhando sistematicamente o andamento dos mesmos.

Deve, também, evitar a arrogância e desrespeito com crianças, adolescentes, pais,

responsáveis, autoridades ou qualquer outro cidadão, nunca extrapolando suas atribuições

legais, e nunca ter uma postura de descaso e desmazelo no atendimento.

O Conselho Tutelar começa a agir sempre que os direitos de crianças e adolescentes forem

ameaçados ou violados pela própria sociedade, pelo Estado, pelos pais, responsável ou em

razão de sua própria conduta, sempre que receber uma denúncia ou fazendo uma

constatação da real ameaça ou violação de seus direitos.

Na maioria dos casos, o conselho tutelar vai ser provocado, chamado a agir, por meio de

uma denúncia. Outras vezes, o conselho, sintonizado com os problemas da comunidade onde

atua, vai se antecipar à denúncia – o que faz uma enorme diferença para as crianças e

adolescentes.

O conselho Tutelar deve agir sempre com assertividade, rapidez e agilidade:

Quando na ameaça de violação de direitos preventivamente;

Quando a ameaça já se concretizou corretivamente;

A forma de ação, e a maneira de considerar uma situação ou problema existente, do

Conselho Tutelar, compartilhada com a sociedade e o poder público, será sempre a de

corrigir os desvios dos que, devendo prestar certo serviço ou cumprir certa obrigação não o

fazem por despreparo, desleixo, desatenção, falta ou omissão.

DENÚNCIA

O QUE É? COMO FAZER?

A denúncia é o relato ao Conselho Tutelar de fatos que configurem ameaça ou violação de direitos de crianças e adolescentes e poderá

ser feita das seguintes formas?

Por escrito; Por telefone; Pessoalmente; Ou de alguma forma possível.

Não há necessidade de identificação do denunciante que poderá permanecer

anônimo. No entanto, para que a denúncia tenha consistência e consequência, é

importante que dela constem:

Qual a ameaça ou violação de direitos denunciada;

Nome da criança ou adolescente vítima de ameaça ou violação de direitos;

Ou, pelo menos, alguma referência que permita a apuração da denúncia.

Apuração da Denúncia

A apuração da veridicidade da denúncia deverá ser feita no local da ocorrência da violência,

ameaça ou violação de direitos (domicílio, escola, hospital, entidade de atendimento, etc.) ou

em qualquer outro lugar onde se dê a mesma.

Depois de noticiada e recepcionada a denúncia, o Conselho Tutelar deve apurá-la sem a

mínima demora e consecutivamente a mesma, se possível destacando dois conselheiros

tutelares para o serviço, além dos técnicos disponíveis no Conselho Tutelar: isso evita ou

pelo menos diminui a ocorrência de incidentes, bem como o entendimento distorcido ou

parcial da situação social que está sendo apurada.

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A apuração da denúncia é feita por meio de visita técnica de atendimento, que deverá ter

as seguintes características e envolver os seguintes cuidados:

A visita não precisa ser marcada com antecedência, mas, sempre que necessário deve

ser;

O conselheiro tutelar não faz perícias técnicas, não sendo, portanto, primordial para o

seu trabalho o “fator surpresa” ou a “preservação da cena do crime”;

O conselheiro tutelar apura fatos por meio de relatos e fatos. Por isso, deve ficar

atento às falas, aos discursos, aos comportamentos, buscando, com o diálogo, elucidar suas

dúvidas e detectar contradições;

A entrada no local da visita deve ser feita com a permissão dos proprietários e/ou

responsáveis, a menos que se constate flagrante delito, onde a força policial deverá

obrigatoriamente ser requisitada;

A visita deve ser iniciada com a apresentação do (s) conselheiro (s) – nome e

identificação – e o esclarecimento do motivo da mesma;

Se necessário (nos casos mais complexos) e se possível (quando há o profissional

requerido), o conselheiro tutelar deve fazer a visita com a assessoria de um técnico

(assistente social, psicólogo, médico, etc.), que poderá ser solicitado junto aos órgãos

municipais de atenção à criança e ao adolescente.

A visita deve ser feita com o respeito indispensável a quem está entrando em um

domicílio particular, repartição pública ou entidade particular. O conselheiro tutelar é um

agente do zelo municipal e não da arrogância.

Todos os cuidados elencados nos itens acima não podem descaracterizar a autoridade

do Conselho Tutelar no cumprimento de suas atribuições legais, mas, no entanto, reforçá-la.

Frisamos que se necessário, o conselheiro deverá usar de firmeza para realizar uma visita

técnica domiciliar e apurar uma denúncia. Em casos extremos, como no caso de violência

doméstica contra crianças e adolescentes, poderá e deverá requisitar força policial, para

garantir sua integridade física, a da criança ou do adolescente e a de outras pessoas, assim

como as condições para apuração de uma denúncia e o imediato socorro à criança ou

adolescente em questão.

Constatada ser real a denúncia, após visita de atendimento, e sendo ela totalmente ou

parcialmente procedente, o Conselho Tutelar tem em suas mãos um caso, para acolhimento,

estudo, encaminhamento e acompanhamento.

VOCÊ SABIA ?? O Conselho Tutelar pode, conforme a gravidade do caso que está sendo atendido,

aplicar uma MEDIDA EMERGENCIAL, tratar o problema, situação etc. analiticamente, dispondo seus

elementos de modo a poder operá-los na direção de uma solução rápida para os problemas

encontrados. É uma forma de fazer cessar de imediato uma situação de ameaça ou violação de

direitos de crianças e adolescentes.

Como, normalmente, a medida emergencial não soluciona o caso em toda sua complexidade e

extensão, o atendimento social prossegue com o estudo mais detalhado do caso e a aplicação das

demais medidas protetivas pertinentes.

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O estudo de casos é um trabalho minucioso. Os itens e as perguntas que iremos apresentar

em nosso pequeno elenco de questionamentos, utilizados nos relatórios ou informes

técnicos, são o esboço de um roteiro de preocupações que devem guiar a ação de cada

Profissional envolvido. Certamente, outras indagações e preocupações irão surgir diante de

cada caso, que é sempre único, e particularmente específico.

Para melhor estudo e compreensão de um caso, onde quer que ele se nos apresente, muitas

vezes será necessária a atuação de um profissional habilitado para trabalhos técnicos

especializados:

Psicólogos – estudo e parecer psicológico;

Pedagogos – estudo e parecer pedagógico;

Assistentes Sociais – estudo e parecer social;

Médicos – atendimento e avaliações médicas;

Autoridades Policiais – Registros de Ocorrência, exames de corpo de delito, entre

outras providências a elas incumbidas, pelo Código Penal e pelo Estatuto da Criança

e do Adolescente – Lei 8.069/90, além de outras medidas cabíveis e pertinentes ao

caso.

O profissional Conselheiro Tutelar, para completar suas observações e análises e

fundamentar suas decisões, deverá requisitar os serviços especializados dos

profissionais citados e de outros que julgar necessários. O importante é um estudo

preciso e completo do caso que precisa de atendimento, acolhimento, encaminhamento e

solução.

Encaminhar um caso é aplicar uma ou mais medidas protetivas que atuem nos focos

desencadeadores de ameaça ou violação dos direitos da criança ou do adolescente, devendo

o Conselho Tutelar requisitar, sempre que necessário, os serviços públicos nas áreas de

Saúde, Educação, Serviço Social, Previdência, Trabalho e Segurança Pública, indispensáveis

ao correto encaminhamento de soluções para cada caso. Encaminhar um caso pode significar

também à aplicação de medidas pertinentes aos pais ou responsável pela criança ou

adolescente, o que, muitas vezes, torna-se vital para o completo atendimento da criança ou

adolescente.

Acompanhar o caso é garantir o cumprimento das medidas protetivas aplicadas e zelar pela

efetividade do atendimento prestado, evitando que qualquer uma das partes envolvidas

(família, escola, hospital, entidade assistencial e outras) deixe de cumprir suas obrigações,

fazendo romper a rede de ações que sustentam o bom andamento de cada caso específico. O

bom acompanhamento de caso, feito em parceria com outros atores comunitários e o poder

público, dá ao Conselho Tutelar condições de verificar o resultado do atendimento e, se

necessário, aplicar novas medidas que o caso requisitar.

O Conselho Tutelar não precisa especializar-se em acompanhamento de casos, podendo

fazer este trabalho por meio de associações comunitárias, igrejas, entidades de atendimento

e órgãos públicos de atenção à criança – aos quais requisitará, periodicamente, relatórios

sobre o desenvolvimento dos casos.

Saber manejar a Metodologia de Atendimento Social de Casos é, no entanto, fundamental

para o trabalho do Conselho Tutelar: receber, acolher, constatar, estudar, encaminhar, e

acompanhar casos, buscando superar as situações de ameaças ou violações dos direitos de

crianças e adolescentes, com a aplicação das medidas adequadas.

Caso é a expressão individual e personalizada de questões sociais complexas e abrangentes.

Uma criança ou adolescente vivendo, uma situação de ameaça ou violação de direitos será,

sempre, um caso de configuração única, com identidade própria, mesmo que as ameaças ou

violações observadas sejam comuns na sociedade. Por isso, vale reafirmar: cada caso é um

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caso único e requer um atendimento personalizado, sem os vícios das padronizações e

automatismos.

Estudar um caso é mergulhar na sua complexidade e inteireza, buscando desvendar a teia

de relações, os meandros e os labirintos que o constitui. O conselheiro tutelar, com sua

capacidade de observação, interlocução e discernimento, deverá, com diálogo, colher o

maior número possível de informações que o ajudem a compreender e encaminhar soluções

adequadas a cada caso que atende.

Nesse trabalho, é importante a coleta e o registro de informações que possibilitem o

conhecimento detalhado das seguintes variáveis:

Situação Denunciada

O que realmente acontece? A denúncia é procedente?

Quem são os envolvidos por ação ou omissão?

Qual a gravidade da situação?

È necessária a aplicação de uma medida emergencial?

Registrar, por escrito, a situação encontrada, nomes dos envolvidos e de

testemunhas, endereços, como localizá-los.

Situação Escolar da Criança ou do adolescente

Está matriculada (o) e frequenta à escola?

Tem condições adequadas para frequência à escola e estudo em casa?

E necessário, visitar a escola da criança/adolescente e colher informações detalhadas

e precisas sobre sua vida escolar.

Situação de saúde da criança ou do adolescente

Apresenta problemas de saúde?

Se apresenta, tem atendimento médico adequado?

Faz uso de medicamentos?

Se faz, tem acesso aos medicamentos e os usa corretamente?

Apresenta sinais de maus-tratos, de agressões?

Se necessário, requisitar socorro ou atendimento médico especializado, com

urgência.

Situação Familiar da criança ou do adolescente

Vive com a família?

Como é a composição da família? Qual o número de integrantes? Quem compõe a

família: pai, mãe, irmão, tio, avós, outros parentes, outros agregados? – aqui é

importante se conhecer todas as novas conformações familiares tais como família

estendida, afetiva, ampliada, etc, e descrevê-las.

Quem trabalha e contribui para a manutenção da família?

Está se relacionando bem no contexto familiar?

Se não está, quais os problemas que acontecem?

Deve permanecer na família? Ou existe alguma situação grave que recomende sua

saída do contexto familiar?

Situação de Trabalho da Criança ou do adolescente

Trabalha?

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Em que condições?

As condições são compatíveis com o que preconiza e determina o ECA no seu

capítulo V – Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho?

Se necessário, visitar o seu local de trabalho e colher informações detalhadas e

precisas sobre a situação.

Histórico institucional da Criança ou do adolescente

Frequenta entidade de atendimento?

Vive em entidade de atendimento?

Se vive, como vive? Deve permanecer na unidade?

Já passou por entidade de atendimento?

Se já passou, como se deu o seu desligamento?

Qual sua história de vida em entidade (s) de atendimento.

Se necessário, visitar a (s) entidade (s) para colher informações, detalhadas e

precisas sobre sua trajetória.

Na verdade, a violência doméstica é muitas vezes tratada como assunto privado e acaba

sendo tolerada pela sociedade e pelo poder público. Daí a importância dos Conselhos

Tutelares, criados como instrumentos para que o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

seja aplicado. Estes órgãos exercem um papel fundamental ao oferecer uma porta de

entrada para denúncias, mesmo que anônimas, mas que possibilitam o diagnóstico dos casos

de violência contra crianças e adolescentes.

Para médicos, professores e outros profissionais que trabalham com crianças e adolescentes,

a denúncia é obrigatória, sob pena de serem responsabilizados por crime de omissão.

Com certeza, os Conselhos Tutelares carecem de equipamentos, de capacitação, de redes de

apoio, etc. Mas, os Conselhos Tutelares, para os padrões brasileiros, até que funcionam

bem; estando, constantemente, buscando treinamentos e capacitação para melhorar o

atendimento.

Fazendo uma pesquisa entre os Conselhos Tutelares Brasileiros verificamos, no entanto, que

estas carências são bastante evidentes e muitas vezes causadas até mesmo pela falta de

apoio do próprio governo, que carece de políticas de saúde pública eficientes. O Conselho

Municipal, que agrega os Conselhos Tutelares de cada região da cidade, sofre, por exemplo,

com o descontinuismo de suas administrações. Sequer é possível saber quantas denúncias

foram registradas, por ano, nos municípios brasileiros, principalmente no interior.

Entre os Conselhos mais procurados, nas grandes metrópoles brasileiras, descobrimos que

em 1999 foram atendidos e registrados em média 2.037 casos, dos quais cerca de 60%

foram denúncias de maus tratos, nas quais se inclui a pressão psicológica, a violência física,

a exclusão social e mesmo o abuso sexual. De acordo com os Conselhos Tutelares,

nacionalmente falando, a maior parte das denúncias provém de familiares e vizinhos,

seguidas de denúncias das escolas e de médicos.

Após uma denúncia, o ideal é que seja feita a convocação dos responsáveis pela criança;

uma investigação das suas rotinas; uma conversa com a própria criança; uma consulta à

escola que a criança freqüenta; uma visita técnica domiciliar; e, então, colocam-se os pais a

par dos direitos de que a criança deve usufruir, segundo o ECA, e encaminha-se a família

toda para atendimento psicológico. Depois disso, deve ser feito um acompanhamento

constante, com marcação de retorno ao próprio Conselho Tutelar, além de obrigatoriamente

serem aplicadas as medidas protetivas pertinentes que são:

1. Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante o termo de responsabilidade; 2. Orientação, apoio e acompanhamentos temporários;

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3. Matrícula e freqüência obrigatórias a estabelecimento oficial de ensino fundamental; 4. Inclusão em programas comunitários ou oficiais de auxílio à família, à criança e ao

adolescente; 5. Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar

ou ambulatorial; 6. Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento de

alcoólatras e toxicômanos; 7. Abrigo em entidade.

Quem aplica a medida de abrigo é o Conselho Tutelar (arts. 136 e 101, VII do ECA), mas,

garantida a presunção de inocência e a ampla defesa dos acusados, quem transfere a guarda

do pai, da mãe ou do responsável para o dirigente do programa de abrigo é o juiz (arts. 33,

155, 148, par. único, alínea “b”, do ECA).

Deve-se usar como roteiro básico as questões já elencadas para a coleta e o registro de

informações que possibilitem o conhecimento detalhado das variáveis envolvidas.

É claro que a partir desta discussão social e de uma cobrança maior das autoridades alguma

coisa deve mudar no aprimoramento do funcionamento dos Conselhos Tutelares. Esta

esperança, no entanto, fica bastante prejudicada quando se percebe que o Estado não provê

a estas crianças sequer as políticas básicas de saúde, de educação, de condições mínimas de

vida. O ECA é uma proposta de sociedade, de direito, mas que ainda está longe de estar

sendo cumprido.

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REFERÊNCIAS

1. BRAGAGLIA, Mônica, Auto-organização - Um Caminho Promissor para Conselho

Tutelar, 1ª Edição, São Paulo, Editora Annablume, 2005.

2. CURY, Munir, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários jurídicos e sociais, 7ª Edição, São Paulo, Editora Malheiros, 2005.

3. GOMES DA COSTA, Antônio Carlos, Trabalhando o social no dia-a-dia, Belo Horizonte, Cids/Asfas, 1995.

4. ISHIDA, Válter Kenji, Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 7ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, 2006.

5. KOKOL, Anelis, Conselhos Legais - Estatuto da Criança e do Adolescente, 1ª Edição, São Paulo, Editora Adonis, 2005.

6. LIBERATI, Wilson Donizeti; Cyrino, Públio Caio Bessa, Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e Adolescente, 2ª Edição, São Paulo, Editora Malheiros, 2003.

7. MACHADO, Martha de Toledo, A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos, 1ª Edição, São Paulo, Editora Manole, 2003.

8. PESTANA, Denis, Manual do Conselheiro Tutelar – Da Teoria à Prática, 1ª Edição, Paraná, Editora Juruá, 2007.

9. SÊDA, Edson, ABC do Conselho Tutelar - Providências para mudança de usos, hábitos, e costumes da família, sociedade e Estado, quanto a crianças e adolescentes, São Paulo, APMI/CCIA, 1992.

10. ________, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar, Orientações para Criação e Funcionamento, Pró-Conselho do Brasil, Conanda, 2007.

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