Violência Doméstica Analise de Um Caso
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Violência Doméstica
Braga, Maio de 2014
Agradecimentos
Este trabalho, é dedicado em especial à “Maria”, que tenha coragem para levar
a sua caminhada em frente, que nunca lhe faltem as forças.
2
ÍNDICE
Introdução 4
Dados estatísticos 7
Sistema de Protecção 9
Enquadramento Penal 12
O Caso 14
História de vida da Vitima 14
Vivência do Agressor 18
Entrevista à “Maria” 20
Associação de Proteção e Apoio à Vítima – APAV 25
Analise do caso 29
Conclusão 33
Bibliografia 34
3
INTRODUÇÃO
Este trabalho, é desenvolvido no âmbito da Unidade Curricular de
Criminologia, leccionada no segundo ano da Licenciatura de Direito da
Universidade do Minho.
Quando este trabalho foi proposto, numa panóplia de temas á escolha,
optei pelo tema da violência doméstica.
Não é objectivo deste trabalho fazer uma análise teórica do tema, mas
direccionar o mesmo para análise de um caso concreto.
A escolha deste tema, deve-se à necessidade que senti em tentar
analisar o que pensa e sente na realidade uma vitima de violência domestica,
qual o sistema de protecção que lhe é oferecido, como se sente alguém que
deixa tudo para trás e recorre à protecção da APAV e vai para uma casa-
abrigo, como funciona esta relação Vitima–Protecção, até que ponto o sistema
protector, protege efectivamente as necessidades sentidas pela vitima, ou se
pelo contrário, o sistema protector não se torna também ele num agressor da
vitima.
Haverá alguma coisa passível de mudança?
O tema da violência doméstica está cada vez mais actual, o que não
significa obrigatoriamente que exista mais violência doméstica, penso que
sobretudo se deve a uma mudança de mentalidade.
A violência doméstica vem desde os tempos mais remotos, no entanto,
culturalmente era aceite como uma situação “normal”, o que se passava entre
as quatro paredes só dizia respeito ao casal e a sabedoria popular defendia
que “entre marido e mulher, não metas a colher”…
Não posso deixar aqui de fazer referência ao que ainda há pouco tempo
uma Guineense me dizia: “aqui as coisas são muito diferentes do meu país, lá
4
um homem se não bater na mulher é porque não gosta dela, porque se gosta
tem de se preocupar e de lhe bater, lá é normal!!”
Na nossa cultura e com a evolução dos tempos esta ideia de
normalidade foi-se alterando, começou a deixar de ser admissível as agressões
no seio do casal e surgiu a necessidade de prestar apoio às vítimas.
Apesar da grande publicidade em torno desta questão, o cidadão
comum, pouco sabe sobre como funciona na realidade este apoio à vítima.
De uma breve analise teórica à legislação em vigor, fica-se tentado a
afirmar que as vitimas têm muitos meios de apoio à sua disposição, mas serão
os adequados? Funcionam na realidade? Respondem às necessidades das
vítimas?
Num breve olhar sobre as estatísticas, observa-se que muitas são as
pessoas que anualmente recorrem ao apoio das instituições de apoia à vitima.
O que procuram as vítimas e o que lhes é oferecido é o que vamos
tentar analisar ao longo deste trabalho, com base num caso concreto de
alguém que se encontra num centro de acolhimento temporário de apoio à
vítima.
Durante muito tempo, quando nos referíamos às vítimas de violência
doméstica, referíamos sobretudo a mulheres, actualmente o conceito de
violência doméstica tem um âmbito muito mais alargado, quando falamos de
vítimas de violência doméstica não nos podemos esquecer que os homens
também são por vezes vítimas.
As estatísticas mostram que cada vez mais homens apresentam queixa
de violência doméstica, no entanto, ainda existe muito preconceito e muita
vergonha que leva ao silêncio por parte das vítimas.
Falando de violência doméstica, também não podemos deixar de
lembrar que existem ainda outras vítimas que raramente são referidas, falamos
das crianças e dos idosos, também eles muitas vezes vítimas da própria
família.
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Este trabalho no entanto, vai ser direccionado para as mulheres vítimas
de violência doméstica.
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DADOS ESTATÍSTICOS
Segundo um estudo apresentado pela Agencia para os Direitos
Fundamentais da União Europeia, baseado em 42 mil entrevistas a mulheres
dos 28 Estados-membros, podemos observar que em Portugal 24% das
mulheres revelaram já terem sido vítimas de violência física ao sexual,
infringida pelos seus companheiros. Segundo o mesmo estudo, Portugal
encontra-se abaixo dos valores médios da União europeia que é de 33%.
Ainda com base neste estudo, a questão sobre se é comum a violência
doméstica no nosso país, 60% das portuguesas responderam afirmativamente
à questão. No entanto, 30% desconhecem a existência de leis de protecção às
vítimas, apesar de 70% conhecer campanhas contra a violência doméstica.
Alerta ainda este estudo, para a necessidade dos profissionais de saúde
estarem alerta e preparados para ler os sinais da violência doméstica, uma vez
que, a maior parte das vítimas acaba por recorrer aos serviços de saúde.
Outro dos grupos que podem ajudar as vítimas de violência doméstica e
desempenhar um papel fundamental, são sem dúvida os amigos e familiares
que contactam com a vítima. No entanto é certo que, com o passar do tempo
as vítimas de violência doméstica se tendem a isolar e afastar das pessoas que
lhe são mais próximos.
Quais os sinais que devem ser tidos em atenção e que podem servir de
indício de violência de uma pessoa próxima? Devem estar atentos a pequenos
sinais, como é o caso por exemplo: se a pessoa começa a andar bastante
nervosa, ou deprimida, esta tende a isolar-se dos amigos e familiares, tende a
esconder atitudes do companheiro, mostrando-se este muito controlador e
autoritário, controlando todos os seus actos e dinheiro, sendo um sinal muito
evidente quando aparecem com marcas no corpo não justificadas.
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Uma das questões que se podem levantar será até que ponto podem as
pessoas de fora ajudar, se na realidade a última palavra deve ser sempre da
vítima? Até que ponto uma pessoa amiga deve denunciar a violência
doméstica?
Para responder a esta questão é fundamental, conhecer o sistema
protector das vítimas de violência doméstica e sobretudo como funciona na
prática.
Este é sem dúvida um dos objectivos deste trabalho.
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SISTEMA DE PROTEÇÃO
Portugal tem medidas e legislação de combate ao crime de violência
doméstica dos quais se destacam:
A Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, que garante protecção
adequada às mulheres vítimas de violência;
Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro - indemnização, por
parte do Estado, às vítimas de crimes violentos.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/97, de 24 de Março,
estabelece o Plano Global para a Igualdade;
Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto – Procede a alteração do Código
de Processo Penal para a inclusão da medida de afastamento do ofensor da
casa de morada família, afastando-o da vítima em caso de violência doméstica;
Criação do Projecto INOVAR (Iniciar uma Nova Orientação à
Vítima por uma Atitude Responsável) - MAI - dando particular importância ao
apoio a vítimas de violência doméstica (1998);
Resolução da Assembleia da República n.º 31/99, de 14 de Abril -
regulamentação da legislação que garante a protecção às mulheres vítimas de
violência.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/99, de 15 de Junho,
que estabelece o Plano Nacional contra a Violência Doméstica;
Lei n.º 93/99 de 14 de Julho – Permite a aplicação de medidas
para protecção de testemunhas em processo penal (com este diploma é
possível atribuir às vítimas de violência doméstica, o estatuto de testemunhas
especialmente vulneráveis, permitindo assim, a possibilidade de usufruírem de
determinadas medidas de carácter processual e não só, por forma a garantir a
espontaneidade e sinceridade das respostas);
9
A Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto - aprova o regime aplicável ao
adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência
conjugal;
Lei n.º 107/99 de 3 de Agosto - Criação da rede pública de casas
de apoio a mulheres vítimas de violência;
Decreto-Lei n.º 323/2000 de 19 de Dezembro Regulamentação da
lei que cria a rede pública de casas de apoio para vítimas de violência
doméstica;
Lei n.º 7/2000 de 27 de Maio - Autonomização do crime de maus
tratos a cônjuge ou equiparado e qualificação do mesmo como crime público;
Aprovação do II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica
(termina em 2006 e está alicerçado nas seguintes áreas temáticas: informação,
sensibilização e prevenção; formação; legislação e sua aplicação; proteção da
vítima e integração social; investigação; mulheres imigrantes; e avaliação -
Resolução do Conselho de Ministros nº88/2003 de 7 de Julho);
Decisão-Quadro do Conselho, de 15 de Março de 2001, publicada
no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, em 22 de Março - relativa ao
estatuto da vítima em processo penal.
Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2003, de 07 de Julho -
Aprova o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica.
Decreto-Lei n.º 190/2003, de 22 de Agosto - regulamenta a Lei n.º
93 que regula a aplicação de medidas para proteção de testemunhas em
processo penal.
Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2007, de 22 de Junho
- Aprova o III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica.
Lei nº. 112/2009, de 16 de Setembro - estabelece o regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à
assistência das suas vítimas;
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Portaria nº. 220-A/2010, de 16 de Abril - Estabelece as condições
de utilização inicial dos meios técnicos de teleassistência e de controlo à
distância
Despacho conjunto nº. 6810-A/2010, de 15 de Abril, da
Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Justiça e do Trabalho e
da Solidariedade Social - Define os requisitos obrigatórios para os técnicos de
apoio à vítima
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ENQUADRAMENTO PENAL
O Artigo 152.º do Código Penal Português - Lei n.º 59/2007, publicado
em Diário da República (1.ª Série) em 04 de Setembro de 2007 estabelece o
seguinte:
" Violência Doméstica "
1. - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou
psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas
sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo, com quem o agente mantenha
ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem
coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau;
d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência,
doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
É punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave
lhe não couber por força de outra disposição legal.
2. - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar facto
contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da
vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3. - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de
prisão de dois a oito anos;
b) Pela morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
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4. - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas
ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de
proibição de uso e porte de arma, pelo período de seis meses a cinco anos, e
de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da
violência doméstica.
5. - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pode incluir
o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento
pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6. - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a
gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser
inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período
de um a dez anos.
(...)
Ainda assim, são configuráveis outros tipos de crime:
- Homicídio Qualificado (art. 132º, n.º2, alíneas a e b), do Código Penal)
- Ofensas à integridade física qualificadas (art.º 145º do Código Penal)
- Ameaça (art.153º do Código Penal)
- Coacção (art.º 154º, n.º4 do Código Penal)
- Sequestro (art. 158º do Código Penal)
- Violação (art.º 164º do Código Penal)
- Crimes sexuais contra menores (art.ºs 171º a 176º do Código Penal)
- Agravação em função da qualidade do agente (art. 177º do Código
Penal)
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“O CASO”
HISTÓRIA DE VIDA DE UMA VITIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Maria é proveniente de uma família modesta, que estudou até aos 16
anos.
Cedo começou a trabalhar, com o sonho de alcançar uma vida melhor.
Mulher de pouca cultura, mas com muita força para lutar e alcançar os
seus objectivos, que passam pela sua independência, estabilidade económica
e a constituição de uma família feliz.
A sua vivência não era das melhores, na sua família de origem vários
eram os problemas que a rodeavam, entre eles a indiferença com que a sua
mãe sempre a tratou, a falta de dinheiro em casa, o mau ambiente familiar que
existia, que ela não pretendia que se mantivesse na sua vida futura.
No entanto, Maria tinha um grande sentimento de família, por muito que
se sentisse desamparada e desprotegida, continuava a amar e proteger
incondicionalmente os seus.
Aos 20 anos começa a ter autonomia financeira, aluga uma casa e
começa uma vida nova.
Tinha dois empregos, trabalhando de 2ª a 6ª durante o dia e de 6ª a
Domingo durante a noite tomava conta de uma deficiente profunda que, a
maior parte da noite permanecia acordada.
Sonhava continuar os estudos, mas a prioridade era manter a sua
autonomia financeira, de modo a ter o conforto que tanto sonhara.
Trabalhava e vivia em Braga, de onde era natural e onde entretanto já
tinha a sua própria casa.
14
Um dia apaixona-se por um colega que trabalhava em Lisboa, que a
convence a ir viver com ele naquela cidade, deixando tudo para trás.
Embarca no sonho, em busca de uma nova família, ao lado de um
homem que a amasse num ambiente feliz onde criaria os seus filhos.
Deixa a sua casa em Braga e parte. Para trás fica a sua família e os
amigos, vai acompanhada dos seus sonhos e da sua força de vencer.
Vai viver com o namorado. Nos primeiros anos mantém dois empregos,
tinha uma vida boa e era feliz.
Nasce o primeiro filho, passa a ter apenas um emprego.
Não sabe muito bem dizer quando começaram os seus problemas, mas
a verdade é que começaram com pequenas coisas que foram piorando dia a
dia.
O seu companheiro torna-se lentamente num homem possessivo,
desequilibrado, controlador e ditador. Vivia da imagem que passava para os
colegas, sempre frustrado e insatisfeito com a vida que tinha. A culpa essa
recaía sempre sobre a sua mulher, era a culpada dele não ter a vida que
pretendia ter.
Os maus-tratos foram-se agravando dia após dia. Sem perceber bem
como estava a viver com um monstro, o homem que ela pensava ser o seu
príncipe, afinal era o seu carcereiro.
Começam os problemas de saúde que a impedem de trabalhar, além de
a deixar debilitada fisicamente também agravava a situação económica do
casal, que por sua vez agravava as discussões e os maus-tratos.
Estava doente, o seu rendimento económico era baixo, tinha-se afastado
dos amigos, tinha um filho e estava sozinha numa grande cidade sem família
de retaguarda que lhe pudesse dar apoio.
Perante isto, que saída tinha ela para a infeliz vida que levava? Como
iria ela sobreviver com o seu filho? O seu marido era um homem violento, que
a ameaçava física e psicologicamente, e se ele lhe retirasse o filho como
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ameaçava? Perder o seu tesouro mais precioso, isso nem se poderia ponderar.
Assim, vai-se mantendo no lar, talvez um dia as coisas melhorem…
Os anos passaram, os maus-tratos continuaram, em especial os
psicológicos, que a vão destruindo cada vez mais.
Novos problemas de saúde e um tratamento que lhe corta o efeito do
anticoncepcional e fica grávida.
Uma gravidez de risco, uma vida em sofrimento e mais maus-tratos.
Mais um filho chega, não foi programado, agravando ainda mais as dificuldades
financeiras.
O seu sofrimento agonizava-se de dia para dia. Os filhos tornaram-se
também vítimas da fúria do pai, até o cãozinho era castigado.
Que fazer? Para onde ir? Chega o dia do seu aniversário, como prenda
recebe mais uma violenta agressão física que a deixa bastante marcada.
Aos poucos tinha perdido os amigos, a família estava longe e não tinha
possibilidades nem estava disponível para a ajudar. Mas sabia que não podia
continuar assim, tinha de fazer alguma coisa.
Comunica ao filho que pretende ir embora, que não consegue continuar
naquele sofrimento. Os filhos passavam fome, eram mal tratados, ela
constantemente enxovalhada… mas para sua surpresa o filho que tinha
acabado de fazer 12 anos, diz que não quer ir embora, não quer deixar os
amigos nem o futebol e ameaça que se forem embora ele “se mata”.
Afinal não podia fazer nada… não tinha saída. Vivia com um monstro e
não tinha saída.
As pessoas começaram a aperceber-se cada vez mais dos maus-tratos
que eram infringidos, na escola da filha mais nova ameaçam que se ela não
tomar uma atitude iriam comunicar à protecção de menores, correndo assim o
risco de lhe serem retirados os filhos. Já numa das vezes em que a policia
tinha ido lá a casa, por causa de mais um conflito, os policias referiram que se
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participassem corriam os riscos de a protecção de menores intervir e retirar-
lhes as crianças.
Mas…o que fazer?
Não tinha dinheiro, não tinha vontade de viver, não podia ir embora o
filho não aceitava… os dias passavam e a situação piorava.
As poucas pessoas que ainda lhe eram próximas, diziam-lhe que aquilo
não era vida, que para bem dela e dos filhos tinha de tomar uma decisão e
começar uma vida nova.
Um dia uma colega de trabalho fala-lhe na APAV e ela começa a estudar
essa hipótese… era uma saída, tinha protecção.
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VIVÊNCIA DO AGRESSOR
É chegada a altura de contar um pouco da história de vida do agressor,
também ele filho de uma família completamente desestruturada. Os pais eram
de uma aldeia do interior. Filho de mãe solteira, uma vez que, quando a mãe
engravidou o namorado partiu para o Ultramar. Quando mais tarde o pai vem
passar um tempo a Portugal, a mãe engravida de novo de uma menina. Mas
mais uma vez fica sozinha e o namorado parte de novo para o Ultramar.
A mãe e as duas crianças permanecem na aldeia.
Anos mais tarde, o pai regressa a Portugal, mas fica em Lisboa,
abandonando a namorada e os filhos, recomeçando a sua vida lá.
A mãe deixa os filhos na aldeia aos cuidados da avó e parte também
para Lisboa na esperança de uma reconciliação com o pai dos seus filhos, o
que não aconteceu.
Com o passar do tempo, cada um dos progenitores refaz a sua vida e
arranjam novos companheiros, continuando as crianças na aldeia. Só com 14
anos é que o filho vem viver para Lisboa.
Numa primeira fase foi viver com a mãe e o companheiro, mas a relação
com a mãe não é das melhores, as dificuldades financeiras eram muitas e já
tinham nascido mais duas crianças desta nova relação. Decide então ir morar
para junto do pai e da sua companheira.
O pai tinha casado com uma pessoa de quem entretanto se separou,
agora estava junto com uma senhora que era divorciada e tinha duas filhas.
Quando chegou a casa do pai, foi incentivado a trabalhar e a dar
dinheiro em casa. No entanto, as filhas da “madrasta” estudavam, ele tinha a
sensação que a elas nada lhes faltava.
18
Mais uma vez sente que “a vida o atraiçoa”, sentindo-se mal tratado e
explorado.
Mais tarde, acaba por conhecer uma moça das ilhas e casam. No
entanto, o casamento não dura muito e ela foge para a ilha de onde era natural
e onde tinha família.
Segundo ele, ela tinha-o abandonado, por causa de outro homem.
É quando Maria o conhece…
Depois deste breve resumo familiar, social e económico da vítima e do
agressor, vamos ver o que tem para nos dizer esta mulher que depois de muita
violência física e psicológica, um dia sonhou que podia começar de novo e ser
feliz com os seus filhos com a ajuda da APAV, a associação que lhe abre as
portas e garante protecção.
19
Entrevista a “Maria”
Idade : 42 Anos
Nº de filhos: 2 (um rapaz e uma rapariga)
Idades: 13 e 4 anos
Como descreves a tua vida de casada?
Sei lá … era uma prisão, só servia para ser dona de casa e meter
dinheiro ao fim do mês…. No início foi bom, mas tornou-se uma prisão…
Quais os melhores momentos que te vêm a cabeça?
O nascimento dos filhos, do resto não tenho mais nada… E na altura do
namoro em que íamos até a praia… era uma paz… era bom. Desde que fomos
viver juntos tudo acabou…
Quais ao momentos que mais te marcaram pela negativa?
O que mais impacto me marcou pelo menos a nível psicológico, foi o
desconfiar que a filha mais nova não era dele. Depois era o sobressalto de que
chegasse alguma conta da água ou da luz que provocasse a cólera dele… Ele
controlava tudo… Batia imenso no miúdo… o menino não podia beber leite, ou
fazer algumas coisas banais… que já lhe estava a bater… e eu era a
causadora de tudo…
20
Quando decidiste sair de casa?
Ele tinha jurado pela saúde dos meus filhos no dia anterior quando mais
uma vez me bateu, que não o voltaria a fazer e no dia seguinte voltou a fazer o
mesmo.
Nesse dia seguinte, queria que o acompanhássemos a um jogo de
futebol, mas a menina era alérgica aos bichinhos que existiam junto aos
campos de futebol, na última vez que tinham ido a um jogo a menina ficou toda
empolada tendo de recorrer ao médico. Tentei recusar, mas ele tornou a bater-
me deixando-me toda marcada, e independente do risco de a menina ficar
doente lá fomos nós. No fim ainda teve a coragem de dizer que se eu tinha
ficado toda pisada (quando me bateu) foi por causa do nosso filho, que tinha
sido ele, quando se meteu ao meio que me tinha marcado….
Já tinha feito queixa várias vezes….
O que pensavas na altura?
Pensei tantas vezes que a culpa era minha… que estava a mais… que
era eu que tinha de desaparecer desta vida…. Ele culpava-me de tudo, até de
ele ter nascido… que era igual à minha família… pensei várias vezes em
desaparecer, mas a Leonor era muito pequenina e precisava de mim… ele já
me matou… já matou a minha alma. Deixei de gostar de mim… Passei a viver
apenas para a família.
Como conheces-te a APAV?
Não foi bem a APAV que eu conheci primeiro… uma enfermeira do meu
serviço depois de ter visto várias vezes as minhas marcas das agressões
encaminhou-me para uma instituição “ Associação contra a violência contra as
mulheres”, como essa associação era muito perto do local onde trabalhava e
vivia, foi-me aconselhada a APAV….. Denuncie 3 vezes, mas das 3 desisti…
21
Denuncias-te a quem?
À APAV de Coimbra, porque ele (agressor) estava ligado à APAV de
Lisboa, inclusive tem formação da APAV... Porque a GNR depois de várias
vezes o ter posto fora de casa, na realidade nada fez, mesmo a sangrar de
uma das vezes, deixou-me em casa sozinha com os meninos, levaram-no a dar
uma volta mas fiquei sozinha sem socorro… E nada foi feito… Eram
conhecidos dele… Uma das vezes ainda disseram para ter cuidado, senão
participavam à proteção de menores e corria o risco dos filhos me serem
retirados!!! Agora vim a saber que na realidade não há registo de nenhuma
queixa!!!!
Após as denuncia, a APAV marcava entrevista, mas era em Lisboa,
sabia que ele teria conhecimento, então desistia, pois tinha medo, só quando
fui encaminhada para a APAV de Coimbra é tive alguma coragem... Mandei um
mail a pedir ajuda, mas a solicitar para não me marcarem em Lisboa, aí quem
me respondeu foi Coimbra que passou a dar-me poio.
Como idealizas-te a tua vinda para uma casa de abrigo?
Não deu para idealizar…não deu para pensar, nem para perceber… só
sei que tinha que sair o mais rapidamente daquela casa, tinha alguém que me
apoiava, não fazia ideia do que me esperava… foi tudo tão…. Não deu mesmo
para nada, apenas para saber que queria sair dali.
O que encontras-te quando chegas-te?
Fui de transportes públicos, nas situações de risco a APAV transporta as
pessoas através do transporte que é disponibilizado pela cruz vermelha, no
entanto, no meu caso particular, uma vez que o agressor trabalhava na cruz
vermelha, fiquei limitada aos transportes públicos, pelo que só pude trazer o
mínimo dos mínimos…
22
Encontrei uma psicóloga quando cheguei que deu apoio ao meu filho,
porque também era altura de férias, informaram-me das regras da casa, e
atribuíram-me um quarto para mim e para os meninos, onde eu permaneço até
hoje…. Aos poucos fui-me apercebendo e descobrindo das regras da casa, na
qual tinha hora para comer, hora para tomar banho, hora para tudo... São-nos
atribuídas as tarefas de limpeza, de jardinagem, de tudo um pouco….
Quais os aspectos mais positivos da casa?
(Silêncio) É a protecção… Somos protegidas… é a protecção física,
porque é muita gente, pessoas de diferentes escalões sociais, varias
culturas…. É difícil permanecer lá! Trocamos tudo pela protecção que nos é
dada.
Quais os aspectos mais negativos?
É sentirmo-nos presas e com o medo de cometer algum erro… porque
tudo é escrito no livro, até mesmo na educação dos nossos filhos ficamos muito
limitadas… não podemos ser nós próprias. Há muitas desistências, há muitas
mulheres que não aguentam e acabam por desistir. Temos as funcionárias que
exigem saber todos os nossos passos, não temos apoio psicológico, tudo que
fazemos desde falar com os advogados tem de passar por elas, recebemos
prendas no Natal, que têm de ser vistas por elas… Cartas …de tudo se tira
cópias. As saídas só com pedido, com os termos onde tem de constar hora de
saída, com quem e hora de regresso, e que podem ou não ser autorizadas, e
que muitas vezes só nos é comunicado só no próprio dia….
De que sentes mais falta?
Do meu quarto… do meu cantinho….dos meus amigos, do meu
trabalho….
Como descreves a vida numa casa de abrigo com dois filhos menores?
23
Difícil, porque não consigo dar educação, porque eles são sempre
protegidos, porque as funcionárias intrometem-se em tudo, e eles vão jogando
com os nossos sentimentos, e com a protecção que lhe é dada… Não podes
ralhar, não podes pôr regras, não podes fazer nada… eles estão
traumatizados… e à custa disso fazem o que querem…
O que mudavas?
Quase tudo… porque no fundo quem está presa somos nós, parece que
nós é que cometemos um crime, passaram-se nove meses e eu não tenho
ainda o meu emprego, apesar de ser funcionária pública e supostamente o
estado ser o primeiro assegurar-me a protecção.
As regras não precisavam de ser tão duras, devia existir mais
privacidade, na nossa vida, nas nossas cartas… naquilo que recebemos. O
mais grave, mais grave é por exemplo fazermos uma inscrição num centro de
saúde onde deveríamos estar confidenciais, e nada disso existe… para ir ao
centro de saúde, ir ao médico, obrigam-nos a inscrever no centro de saúde e
com a morada verdadeira, e depois qualquer pessoa que tenha acesso a base
de dados da saúde passa a saber onde afinal estamos, o que é um contra-
senso... Temos de usar uma morada falsa (no meu caso a da Coimbra) em
todas as nossas correspondência, e, no nosso dia a dia, os miúdos não podem
por exemplo jogar futebol, federado, para não ser possível a nossa localização
e depois mandam-nos ir inscrever no centro de saúde e logo somos
localizadas. Foi o que me aconteceu…Há aspectos básicos, que deviam ser
alterados. Além de que penso que quem teria de sair de casa era o agressor e
não a vítima. A vítima tem de começar a vida do zero, chega à casa de abrigo e
mesmo não tendo dinheiro, tem de colocar os filhos na escola… Cheguei lá
sem roupa para os meninos, sem dinheiro, e quem ainda me valeu foi uma
amiga, que me emprestou o dinheiro, que necessitava para poder inscrever os
meninos na escola e comprar algumas coisas fundamentais…
24
O CASO CONCRETO DA APAV
No sítio da APAV, da internet ficamos a saber que a Associação
Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) é uma instituição particular de
solidariedade social, pessoa colectiva de utilidade pública, que tem como
objectivo estatutário promover e contribuir para a informação, protecção e
apoio aos cidadãos vítimas de infracções penais.
Tem como objectivo Apoiar as vítimas de crime, suas famílias e amigos,
prestando-lhes serviços de qualidade, gratuitos e confidenciais e contribuir para
o aperfeiçoamento das políticas públicas, sociais e privadas centradas no
estatuto da vítima.
Para a realização do seu objectivo, a APAV propõe-se, nomeadamente:
» Promover a protecção e o apoio a vítimas de infracções penais, em
particular às mais carenciadas, designadamente através da informação, do
atendimento personalizado e encaminhamento, do apoio moral, social, jurídico,
psicológico e económico;
» Colaborar com as competentes entidades da administração da justiça,
polícias, de segurança social, da saúde, bem como as autarquias locais,
regiões autónomas e outras entidades públicas ou particulares de infracções
penais e respectivas famílias;
» Incentivar e promover a solidariedade social, designadamente através
da formação e gestão de redes de cooperadores voluntários e do mecenato
social, bem como da mediação vítima-infractor e outras práticas de justiça
restaurativa;
» Fomentar e patrocinar a realização de investigação e estudos sobre os
problemas da vítima, para a mais adequada satisfação dos seus interesses;
25
» Promover e participar em programas, projectos e acções de
informação e sensibilização da opinião pública;
» Contribuir para a adopção de medidas legislativas, regulamentares e
administrativas, facilitadoras da defesa, protecção e apoio à vítima de
infracções penais, com vista à prevenção dos riscos de vitimização e
atenuação dos seus efeitos;
» Estabelecer contactos com organismos internacionais e colaborar com
entidades que em outros países prosseguem fins análogos.
Recentemente, José Duque, da APAV, referia numa entrevista, que das
queixas apresentadas durante o ano 2013 terem diminuído, não porque a
violência tenha diminuído, mas porque segundo esse responsável da APAV a
crise está a fazer com que as pessoas se sujeitem e subordinem mais
facilmente ao contexto de violência.
Segundo ainda o mesmo representante “ se já antes as vítimas estavam
no silêncio e não pediam ajuda, hoje temos a certeza que há muitas mais
vitimas que não chegam a pedir ajuda, com receio de não terem as condições
económicas para sobreviver fora do agregado familiar violento.” Defende José
Duque
As mulheres aparecem, apesar de em menor número “aparecem não só
com o problema da vitimação mas com uma série de problemas relacionados,
como a necessidade de casa, emprego, alimentação e saúde. E, com a crise,
os técnicos têm muita dificuldade em responder a essas necessidades”, “tem
cada vez mais dificuldade em conseguir emprego, mudança de casa e cidade,
para as vítimas de violência conjugal”.
E não nos podemos esquecer que Portugal é o segundo país da União
Europeia onde as mulheres têm menos poder económico.
Certos de que, havendo menores envolvidos, a questão se torna muito
mais melindrosa e complicada.
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Preocupante no entanto é observar-se que 80% dos casos de violência
doméstica são arquivados.
Nada serve na realidade o facto de estarmos perante um crime púbico,
uma vez que se trata de um crime de difícil prova, quando as vitimas se calam
e não colaboram.
Se uma vítima tem medo, e penso este ser o aspecto fulcral neste tipo
de crime, se não denuncia porque tem medo, não vale a pena os outros
fazerem-no porque a vitima dificilmente deixará de ter medo. O medo provoca o
silêncio, especialmente para se protegerem, e quando as vitimas se remetem
ao silêncio, os processos acabam arquivados. Trata-se de um assunto muito
pessoal, um tipo de crime que ocorre regra geral no seio familiar, e quando os
intervenientes se remetem ao silêncio, nada é possível ser feito.
Num artigo publicado no JN de 29 de Maio de 2013, podemos observar
a opinião de uma gestora de um Gabinete de Apoio a vitima, segundo ela "As
vítimas calam-se porque não se sentem protegidas. Se as ameaças continuam
e se não foi aplicada uma medida de coação eficaz, as vítimas remetem-se ao
silêncio apenas para se protegerem", realçou, ao JN, Sónia Reis, psicóloga
criminal e gestora do Gabinete de Apoio à Vítima de Setúbal.
"Quando denunciam o crime as autoridades agem, mas é naquele
momento, depois o risco mantém-se. Uma medida de afastamento, por
exemplo, vale o que vale para um agressor. Uns respeitam, outros não",
destaca ainda Sónia Reis.
Existem porém, outras situações em que as vítimas não colaboram com
as autoridades, porque já se encontram de novo na relação com o agressor e
se, por um lado, têm medo de represálias, por outro, acreditam que a violência
vai parar. "A urgência da acção judicial não corresponde aos tempos vivenciais
das pessoas. Algumas vítimas retomam as relações acreditando que o
agressor vai mudar e assim não pretendem dar continuidade ao processo-
crime. Há vítimas que, já separadas, não voltam a ser agredidas, mas receiam
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que ao dar continuidade ao processo voltem a ser revitimizadas. Outras têm
medo pelos familiares e não colaboram, com a ideia de que, assim a violência
diminuirá".
O medo de poderem perder os filhos ou pôr os filhos em risco, torna as
vítimas muito mais frágeis.
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BREVE ANALISE AO “NOSSO” CASO
Da entrevista feita a “Maria”, muito emocionada e cheia de silêncios
prolongados nota-se bem a muita dificuldade que ainda sente em falar da sua
história.
Assim como “Maria”, por norma as vítimas de violência doméstica, nunca
sabem bem dizer quando começou a violência. Uma palavra hoje, uma atitude
amanha, assim começa um jogo psicológico que vai destruindo a vítima, mais
tarde acaba por passar a violência física.
De vários relatos que foram feitos por parte de vítimas de violência
doméstica, percebe-se que todas elas têm em comum demasiada baixa de
autoestima.
Também todas elas dizem ao início acreditar que um dia as coisas vão
mudar e vão voltar ao normal. Mas, ao contrário do que é desejado pelas
vítimas o que acontece é exactamente o contrário, a falta de respeito é cada
vez maior e tudo piora com o passar do tempo.
Depois surge o medo, que se torna o pior inimigo das vítimas, é este
medo que as leva ao silêncio, à solidão e as impede de pedir ajuda.
Surge o medo de não ter capacidade financeira, medo de ser
condenadas pela sociedade, medo de perder os filhos, medo de pôr a família
em risco, medo de ser ainda mais mal tratadas.
Perante esta escalada do medo torna-se difícil o apoio às vítimas, pois
apesar de todos os meios existentes, a realidade é que as vitimas continuam a
sentir-se desprotegidas. Sei que estamos a falar de um assunto extremamente
delicado e que muitas pessoas recorrem à desculpa da violência doméstica
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para atingir outros objectivos, como por exemplo castigarem os ex-
companheiros. Mas também penso que quem realmente é vítima e está
aprisionada no medo continua a sentir-se só.
No nosso caso em concreto e depois de analisado, pude observar que o
verdadeiro motivo que levou esta mulher a agir, foi o facto de as próprias
educadoras da filha mais nova, terem dito que ou ela tomava uma atitude ou
viam-se forçadas a participar à protecção de menores. Na verdade, penso que
este foi o verdadeiro “clique” para ela agir.
Mas, a única saída face ao caso concreto que lhe foi dada foi deixar tudo
para trás e começar a vida com os filhos numa Casa Abrigo, para garantir a
sua segurança.
Não será este um preço muito caro?
Ao longo da conversa Maria refere-se várias vezes ao facto de ter tido
que deixar tudo para trás, ter de abandonar a sua casa e as suas coisas, ter
saído com a roupa do corpo e pouco mais, não ter tido ajuda financeira de
ninguém para os bens necessários ao dia a dia.
Diziam-lhe na casa que tinha tecto e comida…mas na realidade isso não
é tudo. Faltava o material escolar, as sapatilhas para as aulas de ginástica do
filho, até roupa interior.
Faltou-lhe apoio psicológico, que ela só começou a ter ao fim de seis
meses e o filho ainda não teve.
Faltou-lhe a sua autonomia, a sua liberdade.
No fundo faltou-lhe e continua a faltar quase tudo.
Até a nível profissional as coisas se revelaram muito difíceis. Maria era
técnica auxiliar no hospital Y, em Lisboa e ao abrigo da lei que protege as
vitimas, solicitou transferência de local de trabalho para o hospital X da
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localidade onde se encontra, passaram oito meses e Maria ainda não começou
a trabalhar, tentamos perceber porquê e ficamos a saber que o pedido de
transferência teve de dar entrada no hospital “X” (da localidade onde Maria
está) aí teve parecer positivo e foi enviado para o Hospital Y, onde Maria
trabalhava, aí foi dado parecer positivo e foi reenviado para a Sub região de
saúde YY que deu a aprovação, voltou ao Hospital X e foi enviado para a Sub
Região de Saúde XX onde também foi dado parecer concordante, no dia seis
de Março o processo foi então enviado para despacho do Sr Secretário de
Estado. Estamos no fim do mês de Abril de 2014 e Maria continua sem
trabalhar, encontrando-se na casa abrigo desde Agosto de 2013, uma longa
espera, uma longa caminhada.
Queremos salientar aqui, ainda o facto de ao longo de todo este
procedimento sobre a sua transferência nunca lhe ter sido dado qualquer
conhecimento o que agonizava o seu sofrimento de dia para dia, com o medo
de também acabar por perder o seu emprego.
A própria vivência na casa, também se torna complicada, são bastantes
mulheres, de diferentes culturas com os mais variados comportamentos,
algumas delas encontram-se completamente desequilibradas, chegando
mesmo a tentar o suicídio como o caso de uma mulher que ainda à poucos
dias se fechou no quarto com os filhos e pegou fogo ao mesmo de madrugada.
São quadros desesperantes que acabam por afetar todas as mulheres.
As regras também são duras, a falta de privacidade é sem dúvida o
factor mais opressivo. A sensação de ter horas para recolher, e ter satisfações
a dar, de os quartos não terem chave… tudo isto se torna muito penalizador.
Por muito que se tente compreender, e mesmo sendo por questões de
segurança, não deixam de ser pequenos pormenores que fazem as pessoas
sentirem-se privadas da sua liberdade. E que mal fizeram elas?
Seria também importante a existência de um fundo que proporciona-se
algum conforto financeiro às vítimas para fazer face às primeiras necessidades,
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em especial as que têm filhos a cargo. Muitas delas vivendo controladas pelos
companheiros, não eram senhoras de ter qualquer dinheiro em seu poder, pois
o mesmo também era gerido e controlado por eles, levando a que no momento
da saída de casa venham sem qualquer apoio financeiro. A falta de dinheiro
torna-se ainda mais angustiante quando as mulheres têm consigo os filhos,
como vão elas negar tudo que os filhos lhes peçam, quando eles acabaram de
perder tudo o que tinham? Será pedir muito permitir que estas mulher possam
proporcionar uns “miminhos” aos seus filhos, porque emocionalmente sabemos
que elas estão destruídas.
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CONCLUSÕES
Ao longo do estudo feito para a elaboração deste trabalho, e dos relatos
ouvidos na primeira pessoa por vítimas de violência doméstica, pode-se
concluir que apesar de já ter sido trilhado um longo caminho na defesa e apoio
às vítimas de violência doméstica, ainda muito há para fazer.
Observamos que apesar da muita legislação que existe e dos diversos
apoios que são anunciados, na prática, no dia a dia é muito difícil as mulheres
sentirem-se apoiadas e confiantes para poderem dizer basta de violência.
Constantemente somos confrontados com notícias que nos dão conta de
mais um assassinato de vítimas de violência doméstica.
Por exemplo, neste momento em que concluo este trabalho, mais um
assassino anda fugido, apesar de estar com pulseira electrónica, essa medida
não o impediu de assassinar duas mulheres (sogra e cunhada) e ter ferido
outras duas (mulher e filha). A medida de coação tinha sido imposta pelo
Tribunal de S. João da Pesqueira, no âmbito de um processo de violência
doméstica, impedindo-o de se aproximar da ex-mulher, Angelina Félix, de 52
anos, a viver em Valongo dos Azeites - a cinco quilómetros de Trevões, a terra
dele -, tendo de respeitar uma distância mínima de 200 metros. De resto podia
circular à vontade.
Também não nos podemos esquecer o tormento que muitas mulheres
passam mesmo depois de separadas, porque existe uma lei que obriga a
contacto entre o agressor e os filhos menores. Perante isto o Instituto de Apoio
à Criança e a Associação de Mulheres Juristas lançaram um alerta
recentemente, onde pedem alteração ao regime de regulação dos
responsabilidades parentais, de forma a proteger as vítimas de violência
domestica, uma vez que muitas vezes os agressores servem-se dos contactos
impostos pelo tribunal com os menores, para continuar a ameaçar e maltratar
as ex-mulheres. Muitos dos homicídios causados, são praticados depois da
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separação, como forma de vingança, ou devido a um desvio patológico, onde o
agressor defende a ideia de que “se não és minha, não és de mais ninguém”.
Dulce Rocha presidente executiva do IAC diz que se “romantiza muito” a
relação entre pais e filhos e ignora-se o risco de violência. “É urgente alterar
esta lei de 2008. São direitos humanos que estão em causa”, defende,
sublinhando ainda “o terror” a que muitas crianças são submetidas por
assistirem àquela “luta permanente, que é muito má para o seu
desenvolvimento”.
Esta opinião é sustentada pelo psiquiatra Emílio Salgueiro, que
acrescenta ainda o facto de muitas crianças se culpabilizarem pelas discussões
dos pais.
Teresa, vítima de violência doméstica, considera que o processo em
tribunal foi “outra violência”: “Estou há cinco anos em tribunal e não consegui
que os meus filhos fossem protegidos”, diz que conhece situações em que o
pai mantém os comportamentos violentos, mas não se faz nada. “A mãe tem
de estar escondida e o pai tem direito a ver os filhos. Não sei que bem isto
pode fazer às crianças.”
As associações querem que haja uma alteração legislativa que vá ao
encontro da Convenção de Istambul, que impõe aos Estados que garantam a
segurança das vítimas nas questões de guarda e de visitas depois do divórcio.
Diz a Convenção de Istambul, no seu artigo 45, que deve ser possível a
“retirada da responsabilidade parental, se de outro modo não puder ser
garantido o superior interesse da criança, o qual pode incluir a segurança da
vítima”.
Reconhece-se no entanto que é difícil a avaliação destas situações e é
necessário acima de tudo, conseguir diferenciar bem, quando estamos perante
uma situação de violência doméstica, uma situação de risco, para não correr o
risco de as mulheres poderem usar essa protecção para apenas afastarem os
progenitores dos filhos, como forma de represália. É preciso garantir que as
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crianças “não perdem o direito” de ver os progenitores, a não ser que o risco
seja real.
Tem-se verificado também um reforço dos direitos dos cidadãos a nível
da União Europeia, mas não há mecanismos que façam vincular os países à
protecção dos cidadãos. Tem que se criar uma cultura de direitos humanos.
De salientar que em Dezembro de 2013 estavam detidos 427 reclusos
pelo crime de violência doméstica, mais 189 face a 2011, e havia 210
agressores com pulseira electrónica, contra 51 em 2011.
Acredita-se que este aumento de casos, não se deve ao aumento da
violência doméstica, mas ao aumento de casos denunciados. Pensamos no
entanto que com a evolução económica do nosso pais nos últimos tempos, o
agravamento do desemprego e a baixa de salários, que se por um lado, vai
levar ao aumento da violência doméstica, também pensamos que poderá
contribuir para o seu silenciamento, uma vez que quanto maior a dificuldade
financeira, maior a dependência.
Assim, longo se mostra ainda o caminho que é preciso trilhar, para de
facto ser dada uma resposta capaz a estas vítimas, para que não se sintam tão
vitimizadas.
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Bibliografia
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Mulheres, Amenistia internacional Portugal, 2006
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Diário da República, V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência
Doméstica e de Género, 2014-2017, Diário da República, 1.ª série — N.º 253
— 31 de dezembro de 2013
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SITES Consultados:
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Portugal: dinâmicas e processos socioculturais, consultado
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