Vinte Anos Nafta

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20 ANOS DE NAFTA E A SITUAÇÃO DO MÉXICO: EFEITOS SOCIOECONÔMICOS DE UMA INTEGRAÇÃO ASSIMÉTRICA Rúbia Marcussi Pontes * Resumo O contexto de formação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) entre Canadá, Estados Unidos e México no início da década de 1990 demonstra a busca das empresas transnacionais (ETNs) por novos contextos de acumulação capitalista, sendo o México um local ideal para a prática de medidas de comércio liberalizantes. Embora o nível de exportações do México tenha crescido, o valor agregado às suas cadeias de produção é extremamente baixo. Depois de 20 anos, os efeitos do NAFTA para o México são o agravamento da pobreza e o baixo crescimento do PIB em descompasso com o aumento das exportações. O presente artigo analisa, portanto, os efeitos socioeconômicos de uma integração assimétrica como proposto nos moldes do NAFTA, levando em consideração o impacto da China como novo centro de localização de manufaturas principalmente a partir dos anos 2000. O México, que não foi completamente integrado às economias americana e canadense, foi, portanto, facilmente substituído. Palavras–chave: Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA); México; indústria maquiladora; efeitos socioeconômicos; relação assimétrica. Abstract The context of constitution of the North America Free Trade Agreement (NAFTA) between Canada, the United States and Mexico in the early 1990s demonstrates the pursuit of new spaces of capitalist accumulation by transnational corporations (TNCs), in which Mexico was an ideal place for liberalizing trade measures. Although the level of exports from Mexico grew, the value added to the production chains is extremely low. After 20 years, the effects of NAFTA in Mexico are the deepening poverty and low GDP growth in a mismatch with the exports’ increase. This article seeks, therefore, to analyze the socioeconomic effects of an asymmetric integration proposed in terms such as NAFTA is, taking into account the impact of China as a new center of location for manufactures, especially since the 2000s. Mexico, which was not completely integrated into the American and Canadian economies, was, therefore, easily replaced. Keywords: North American Free Trade Agreement (NAFTA); México; maquiladora industry; socioeconomic effects; assymetrical relationship. * Diretora Acadêmica do Centro Acadêmico de Relações Internacionais na Faculdade de Campinas na gestão de 2014, participou da iniciativa FACAMP Model United Nations nas edições de 2013 e 2014 como Diretora Assistente e Diretora, respectivamente. Graduanda em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pelas Faculdades de Campinas, tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Relações Internacionais, Bilaterais e Multilaterais. E-mail: [email protected] Revista Orbis Latina, vol.5, nº1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Página 73

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O contexto de formação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) entre Canadá, Estados Unidos e México no início da década de 1990 demonstra a busca das empresas transnacionais (ETNs) por novos contextos de acumulação capitalista, sendo o México um local ideal para a prática de medidas de comércio liberalizantes. Embora o nível de exportações do México tenha crescido, o valor agregado às suas cadeias de produção é extremamente baixo. Depois de 20 anos, os efeitos do NAFTA para o México são o agravamento da pobreza e o baixo crescimento do PIB em descompasso com o aumento das exportações. O presente artigo analisa, portanto, os efeitos socioeconômicos de uma integração assimétrica como proposto nos moldes do NAFTA, levando em consideração o impacto da China como novo centro de localização de manufaturas principalmente a partir dos anos 2000. O México, que não foi completamente integrado às economias americana e canadense, foi, portanto, facilmente substituído.

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  • 20 ANOS DE NAFTA E A SITUAO DO MXICO: EFEITOS

    SOCIOECONMICOS DE UMA INTEGRAO ASSIMTRICA

    Rbia Marcussi Pontes*

    Resumo

    O contexto de formao do Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte (NAFTA) entre Canad, Estados Unidos e Mxico no incio da dcada de 1990 demonstra a busca das empresas transnacionais (ETNs) por novos contextos de acumulao capitalista, sendo o Mxico um local ideal para a prtica de medidas de comrcio liberalizantes. Embora o nvel de exportaes do Mxico tenha crescido, o valor agregado s suas cadeias de produo extremamente baixo. Depois de 20 anos, os efeitos do NAFTA para o Mxico so o agravamento da pobreza e o baixo crescimento do PIB em descompasso com o aumento das exportaes. O presente artigo analisa, portanto, os efeitos socioeconmicos de uma integrao assimtrica como proposto nos moldes do NAFTA, levando em considerao o impacto da China como novo centro de localizao de manufaturas principalmente a partir dos anos 2000. O Mxico, que no foi completamente integrado s economias americana e canadense, foi, portanto, facilmente substitudo.

    Palavraschave: Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte (NAFTA); Mxico; indstria maquiladora; efeitos socioeconmicos; relao assimtrica.

    Abstract

    The context of constitution of the North America Free Trade Agreement (NAFTA) between Canada, the United States and Mexico in the early 1990s demonstrates the pursuit of new spaces of capitalist accumulation by transnational corporations (TNCs), in which Mexico was an ideal place for liberalizing trade measures. Although the level of exports from Mexico grew, the value added to the production chains is extremely low. After 20 years, the effects of NAFTA in Mexico are the deepening poverty and low GDP growth in a mismatch with the exports increase. This article seeks, therefore, to analyze the socioeconomic effects of an asymmetric integration proposed in terms such as NAFTA is, taking into account the impact of China as a new center of location for manufactures, especially since the 2000s. Mexico, which was not completely integrated into the American and Canadian economies, was, therefore, easily replaced.

    Keywords: North American Free Trade Agreement (NAFTA); Mxico; maquiladora industry; socioeconomic effects; assymetrical relationship.

    * Diretora Acadmica do Centro Acadmico de Relaes Internacionais na Faculdade de Campinas na gesto de 2014, participou da iniciativa FACAMP Model United Nations nas edies de 2013 e 2014 como Diretora Assistente e Diretora, respectivamente. Graduanda em Relaes Internacionais e Cincias Econmicas pelas Faculdades de Campinas, tem experincia na rea de Cincia Poltica, com nfase em Relaes Internacionais, Bilaterais e Multilaterais. E-mail: [email protected]

    Revista Orbis Latina, vol.5, n1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Pgina 73

  • Introduo As tendncias de desregulamentao e o NAFTA

    A formao do North American Free Trade Agreement (NAFTA) ou Tratado de Livre Comrcio da Amrica do Norte no incio da dcada de 1990 foi resultado de uma negociao extremamente rpida entre Canad, Estados Unidos e Mxico, que formalizaram o acordo em 1992. Aps sua entrada em vigor em 1 de janeiro de 1994, o NAFTA criou a maior rea de livre comrcio do mundo, movimentando aproximadamente US$ 17 trilhes em bens e servios e eliminando completamente todas as barreiras alfandegrias em 2008 (UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE, 2014). Os impactos do NAFTA, contudo, vo muito alm do aumento do comrcio entre seus pases membros: o tratado reforou um movimento j existente anteriormente no qual as grandes empresas transnacionais (ETNs), com destaque paras empresas norte-americanas, podiam se instalar no Mxico, onde havia mo de obra relativamente barata se comparada dos Estados Unidos, alm de uma legislao precria em relao ao meio ambiente e infraestrutura (CORSI, 2013, p. 33). Embora o acordo do NAFTA tenha sido analisado com uma importante demonstrao de integrao, o presente artigo buscar demonstrar que a liberalizao completa da economia mexicana proporcionou, na verdade, resultados socioeconmicos agravantes em um contexto de integrao assimtrica, dado que a economia mexicana no foi integrada estadunidense e canadense sendo somente um espao de acumulao capitalista para as grandes empresas transnacionais.

    O contexto no qual o NAFTA criado est diretamente relacionado s ideias de liberalizao e de desregulamentao dos mercados, um

    discurso constante principalmente a partir da dcada de 1980 com a busca por vantagens competitivas. Nesse sentido, estratgias de blocos econmicos regionais se inserem dentro de um processo denominado como globalizao, que pressupe a criao de reas de livre comrcio como institucionalizado atravs do NAFTA. Nesse sentido, a ETN considerada como o principal agente do processo de internacionalizao da produo (GONALVES, 2002, p. 391), que se expressa atravs do aumento dos fluxos de Investimento Externo Direto (IED) e atravs de uma estratgia de deslocalizao produtiva. Portanto, para demonstrar os efeitos devastadores que a liberalizao e a abertura completa do mercado mexicano trouxeram para o pas, o artigo demonstrar o contexto no qual o NAFTA se insere.

    Embora as exportaes mexicanas tenham aumentado consideravelmente a partir da assinatura do NAFTA, no houve a formao de cadeias produtivas completas no pas, havendo destaque para as indstrias maquiladoras, que renem componentes diversos para a montagem final de produtos no Mxico (ESPSITO, 2013, pp. 51-53). Nesse sentido, torna-se um imperativo demonstrar que a deslocalizao produtiva uma estratgia adotada pelas empresas transnacionais na busca por vantagens competitivas que no necessariamente geram benefcios de desenvolvimento para o pas na qual elas se instalam, dado que o aumento do PIB nem sempre acompanha o aumento das exportaes (PALMA, 2004). Um exemplo disso a produo de aparelhos de televises no Mxico: as empresas mexicanas so responsveis pelo fornecimento de somente 2% dos insumos na composio dos aparelhos, sendo os 98% dos insumos restantes vindo de importaes diretas ou indiretas (PALMA, 2004, p. 413). possvel observar, portanto, que embora as exportaes mexicanas tenham, de fato, aumentado,

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  • isso ocorreu s custas de uma atividade que desmantelou a capacidade de organizao sindical do pas e manteve os altos ndices de pobreza da populao mexicana ainda em um perodo recente (ESPSITO, 2013, p. 53).

    Entretanto, mesmo com dados que demonstram claramente as desvantagens que uma integrao assimtrica proporcionou para o Mxico, ainda afirma-se que o NAFTA foi um dos exemplos de integrao de maior sucesso no continente americano: a abertura liberalizante do mercado mexicano e a atrao de IED para o pas so muitas vezes vistos como fatores que tornaram o Mxico em um pas estvel e prspero (DEPPTER, Better, NAFTA, 2014). O presente artigo defender a tese de que o processo de integrao do NAFTA proporcionou, na verdade, impactos socioeconmicos extremamente negativos para o Mxico: medidas de complementariedade no foram adotadas e, portanto, as assimetrias entre as economias membros do Tratado foram acentuadas, visto que no houve uma integrao produtiva.

    Essa falta de integrao entre as economias claramente visvel atravs da substituio do Mxico como espao de montagem de produtos em detrimento da China, que tornou-se um centro de montagem principalmente a partir da entrada do pas na Organizao Mundial do Comrcio (OMC), no incio dos anos 2000. O artigo demonstrar, portanto, que a situao mexicana foi agravada a partir deslocalizao produtiva para o Leste Asitico e principalmente para a China em busca de melhores vantagens comerciais, havendo deslocamento de 730 indstrias maquilas do Mxico para a China entre 2000 e 2003, provocando queda acentuada nos nveis de emprego no pas da Amrica Latina (MURUA, 2010, pp. 118-119).

    O artigo demonstrar ainda que os efeitos socioeconmicos negativos do NAFTA para o Mxico reforam a

    vulnerabilidade do pas, como demonstrado com o acrscimo da China problematizao. Como apontado por Palma, na China, a montagem dos produtos tende a estar integrada numa cadeia de produo domstica bem mais ampla (2004, p. 413). Assim, confirma-se a tese de que a zona de livre comrcio do NAFTA, a partir de uma perspectiva sem complementariedade entre as economias, reforou a problemtica de insero do Mxico a partir de uma especializao regressiva, que demonstrada a partir da baixa produtividade e dos modestos nveis de crescimento do seu PIB ao longo de 20 anos.

    Seo 1 O contexto internacional de formao do NAFTA

    A Seo 1 buscar demonstrar a formao do contexto internacional para a assinatura do Tratado de Livre Comrcio da Amrica do Norte (NAFTA) a partir de uma perspectiva que salienta, em um primeiro momento, a desregulamentao e a abertura dos mercados nacionais, em um contexto no qual o Investimento Estrangeiro Direito (IED) e a deslocalizao produtiva tornaram-se parte da estratgia das empresas transnacionais (ETNs) em busca de novos espaos de acumulao. Em um segundo momento, a anlise demonstrar como ocorreu a assinatura do Acordo e, por fim, qual foi o papel que as empresas maquiladoras desempenharam na economia mexicana levando em considerao uma postura crtica que demonstrar a baixa complementariedade entre as economias que fazem parte do NAFTA e, em especial, como as empresas maquiladoras no acrescentam valor produo industrial mexicana.

    1.1 O Investimento Direto Estrangeiro e a deslocalizao produtiva

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  • O sistema internacional na dcada de 1970 marcado por profundas crises, que vo desde os choques do petrleo em 1973 e 1979 at uma reestruturao do sistema capitalista, que busca recompor a sua rentabilidade a partir da superao dos limites que haviam sido impostos no perodo denominado como poca de ouro do capitalismo (CORSI, 2013). importante destacar que esse processo de reestruturao do sistema feito principalmente a partir da chamada acumulao flexvel, que busca a expanso do capital atravs da sua internacionalizao (CORSI, 2013, pp. 14-15).

    A internacionalizao do capital est diretamente relacionada ao termo globalizao, que surge no comeo dos anos 1980 para descrever um processo no qual a economia internacional estaria cada vez mais integrada at a eliminao completa das fronteiras e com empresas cada vez mais sem nacionalidades, um processo que pressupe a liberalizao e a desregulamentao de todos os campos que impedem que o capital seja valorizado e expandido (CHESNAIS, 1996, pp. 23-25). A noo de mundo globalizado, embora tenha invadido o discurso poltico vigente na poca de forma extremamente otimista, , na verdade, uma ferramenta que facilita as operaes dos grupos industriais multinacionalizados: a desregulamentao financeira e dos mercados, bem como a precarizao das condies de trabalho, so duas consequncias indissociveis da chamada internacionalizao do capital (SABBATINI, 2008, p. 1).

    Nesse panorama de transformaes do sistema internacional capitalista, importante destacar que existem duas dimenses interdependentes, que so a esfera financeira e produtiva (SABBATINI, 2001, p. 5). Embora esssas esferas comuniquem-se constantemente no processo de globalizao (CHESNAIS, 1996), o presente trabalho buscar

    entender as transformaes na dimenso produtiva a partir da ascenso da ideia de mundo globalizado, no qual as ETNs ou as grandes corporaes mundiais so consideradas como os centros de acumulao e de centralizao do poder econmico do capital (GONALVES, 2002, p. 389).

    Nesse contexto de liberalizao e de desregulamentao dos mercados, a empresa transnacional considerada como o principal agente do processo de internacionalizao da produo (GONALVES, 2002, p. 391), que se expressa atravs da exportao, do licenciamento de ativos e de Investimento Externo Direto (IED). Levando em considerao os elevados ndices de IED principalmente a partir da dcada de 1990 entre os pases da Trade (Estados Unidos, Japo e Alemanha) (SABBATINI, 2001, p. 6), possvel observar que essa uma maiores formas de expresso que a internacionalizao da produo assume, tornando-se um imperativo analisar as causas que levam preferncia pelo IED.

    A expanso de filiais das ETNs no mundo acompanha o processo de desregulamentao dos mercados nacionais, o que, sob o discurso da globalizao, levaria a efeitos benficos que promoveriam a integrao e o desenvolvimento, principalmente a partir de maior eficincia econmica e de fortalecimento das indstrias atravs da atividade das empresas transnacionais (PASSOS, 2010, p. 38); entretanto, como apontado por Chesnais, a absoluta liberdade de movimentos (CHESNAIS, 1996, p. 25) das empresas transnacionais nos pases , na maioria das vezes, somente a potencializao da acumulao capitalista a partir da possibilidade da explorao de recursos naturais, de mo de obra, que costuma ser barata e desqualificada, e de mercado consumidor (PERON et al., 2010, p. 7).

    Em outras palavras, as empresas transnacionais utilizam o IED como forma

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  • de garantir vantagens competitivas que, em um contexto de intensificao da concorrncia intercapitalista, geraro maiores taxas de rentabilidade. Assim, a reestruturao do sistema capitalista est baseada na produo internacional a partir da instalao das ETNs nas regies que apresentam as melhores condies estratgias para a intensificao do processo de acumulao capitalista (CORSI, 2013, pp. 23-26).

    Esse processo caracteriza a deslocalizao produtiva, um desdobramento do processo de intensificao de IED que caracterizado por estratgias empresariais lucrativas de outsourcing, ou fluxos internacionais de insumos produzidos ao redor do globo, pela prpria corporao ou por redes de fornecimento expliciatamente hierarquizadas (SABBATINI, 2001, p. 7). Nesse sentido, as ETNs no possuem mais laos diretos com seus Estados de origem: em um contexto de abertura de mercados e de internacionalizao da produo, esses organismos passam a buscar novas fronteiras de acumulao.

    Esse processo gerou uma mudana essencial nas determinantes das estratgias de desenvolvimento dos pases no mesmo perodo, pois o poder econmico das transnacionais traduz-se principalmente na capacidade de determinar as trajetrias de crescimento e desenvolvimento (ou at mesmo o contrrio) dos pases que as recebem (PASSOS, 2010, p. 37): as relaes de emprego e renda, por exemplo, so profundamente afetadas pela presena das ETNs em pases em desenvolvimento.

    A deslocalizao produtiva e o aumento dos fluxos de IED, portanto, tornam-se fatores determinantes para a compreenso da trajetria de desenvolvimento de diversos pases, visto que a

    internacionalizao produtiva signficou a descentralizao territorial das cadeias de produo globais ao mesmo tempo em que esto integradas sobre o comando dessas empresas [transnacionais], como uma nova

    expresso da concorrncia capitalista global. E os IED se tornaram o veculo principal de internacionalizao dessas operaes, de modo que a partir da dcada de 1970 observa-se um aumento progressivo desses fluxos no mundo inteiro (GUARNIERI, 2010, p. 11).

    1.2 A assinatura do NAFTA

    O contexto de liberalizao e de desregulamentao do sistema internacional a partir das dcadas de 1980 e 1990 evidenciado no somente atravs do processo de globalizao, mas tambm a partir da retomada da ideia de regionalismo (SABBATINI, 2001, pp. 9-13). O regionalismo no uma ideia oposta globalizao, mas sim um instrumento que permite a integrao econmica de diversos pases principalmente a partir de acordos que buscam, na maioria das vezes, o livre comrcio. Esses acordos regionais esto, portanto, dentro de uma tendncia observada nas ltimas dcadas do sculo XX de diminuio das barreiras e de liberalizao crescente (SABBATINI, 2001, pp. 14-16).

    Dentro desse contexto de simbiose entre as noes de globalizao e de regionalismo, possvel observar uma relao entre a tendncia de liberalizao e de desregulamentao dos mercados considerando que esse novo modelo de insero internacional baseado na atrao de ETN consubstancia uma relao simbitica entre o capital sob a forma de IED e o Estado - na medida em que os Estados passaram a compactuar e a incentivar a vinda dessas autoridades transnacionais (PASSOS, 2010, p. 38). H, portanto, uma profunda alterao em relao forma com as quais as empresas transnacionais so tratadas nesse novo contexto: os Estados tornam-se importantes agentes no processo de atrao das ETNs tanto nos planos nacionais quanto multilaterais atravs de medidas que ampliam os direitos das empresas

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  • concomitantemente uma forte limitao da capacidade dos Estados nacionais de atuarem em questes essenciais (SABBATINI, 2008, pp. 5-8).

    O caso do Mxico , nesse sentido, uma evidncia do processo de atrao das empresas transnacionais atravs de uma mudana qualitativa nas foras do Estado, que passam a atuar fortemente em prol de medidas que reforcem os direitos das ETNs atravs da desregulamentao e da abertura de seus mercados. Segundo Hiernaux-Nicolas, a abertura dos mercados [mexicanos] no resultado, como pensam alguns observadores, da assinatura do Tratado de Livre Comrcio de 1994, mas encontra suas origens no sexnio de Miguel de La Madrid (1982-1988) (2005, p. 30).

    importante destacar que a crise de 1982 no Mxico afetou profundamente a credibilidade do pas no sistema internacional, gerando uma forte presso sobre o novo presidente, De La Madrid, para que houvesse a tomada de medidas de acordo com o postulado pelo Fundo Monetrio Internacional (FMI) para que a economia mexicana pudesse se recuperar: a reduo do gasto pblico, a reestruturao da dvida pblica e o congelamento dos salrios foram somente algumas das medidas do novo governo mexicano que geraram, em primeiro lugar, o empobrecimento da populao (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, p. 31). Alm disso, a radical poltica de liberalizao do presidente De La Madrid afetou profundamente a indstria mexicana, que antes era fortemente protegida (PALMA, 2004, p. 411). Nesse sentido, a reduo do emprego e da atividade industrial so consequncias de um processo de abertura unilateral das fronteiras com desonerao de tarifas para o comrcio exterior (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, p. 31), o que demonstra a desregulamentao da atividade produtiva no Mxico.

    Dentro do contexto de globalizao, as novas polticas adotadas por De La Madrid demonstraram o alinhamento do Mxico com o corolrio do denominado Consenso de Washington, que preconizava a estabilizao das economias atravs de uma reestruturao baseada em medidas liberalizantes (CORSI, 2013, p. 15). O processo no ocorreu somente no Mxico, mas em toda a Amrica Latina: sobre o pretexto de que a adaptao era necessria para que as economias pudessem se inserir na nova ordem global atravs da abertura dos mercados (CHESNAIS, 1996), as ETNs encontraram novas fronteiras de acumulao, enquanto os Estados tiveram seu escopo de atuao limitado.

    A nova postura adotada por De La Madrid foi recebida com entusiasmo pelos diversos atores internacionais, que manifestaram seu apoio atravs de novos fluxos de capitais (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, p. 34). Dessa forma, o governo de Carlos Salinas de Gortari, compreendido no perodo de 1988 a 1994, encontrou uma perspectiva positiva para a continuao do processo de abertura da economia mexicana.

    Nesse sentido, torna-se evidente que a assinatura do Tratado de Livre Comrcio da Amrica do Norte (NAFTA) foi um processo de integrao das economias do Canad, Estados Unidos e Mxico dentro da conjuntura internacional baseada na ideia de que o regionalismo expresso atravs de acordos de livre comrcio beneficiaria as economias; aps sua entrada em vigor em 1 de janeiro de 1994, o NAFTA criou a maior rea de livre comrcio do mundo, movimentando aproximadamente US$ 17 trilhes em bens e servios (UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE, 2014). Porm, embora tenha sido celebrado como um acordo inovador, o NAFTA foi, na verdade, somente a formalizao do que j ocorria atravs da ao das empresas estadunidenses no Mxico e no Canad

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  • (SABBATINI, 2008, p. 13), o que demonstra que a deslocalizao produtiva em busca por vantagens competitivas j ocorria antes da assinatura do Tratado. A assinatura do NAFTA, contudo, garantiu que as ETNs tivessem uma srie de direitos institucionalizados, o que, dentro da formao de uma rea de livre comrcio, foi, na prtica, expresso atravs da abertura unilateral dos mercados mexicanos (SABBATINI, 2008, p. 36).

    Dentro desse contexto de liberalizao generalizada, possvel observar que o NAFTA, embora tenha sido baseado na eliminao das barreiras alfandegrias entre as economias membros, foi pautado por uma relao extremamente assimtrica: mesmo com as exportaes crescendo muito desde 1994, o PIB do Mxico no acompanhou a mesma trajetria, deixando de haver uma taxa de 1 para 1 entre as exportaes e o PIB (PALMA, 2004, p. 411). Alm disso, possvel observar que as tendncias concentradoras dos fluxos migratrias nas grandes cidades do pas, como ocorria com a Cidade do Mxico, sofrem uma forte alterao: esses centros deixaram de ser atrativos em detrimento das cidades do norte do pas, as quais estavam mais prximas da fronteira com os Estados Unidos (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, p. 33). Esse processo demonstra que a liberalizao das fronteiras proporcionada pelo NAFTA fez com que grande parte das empresas transnacionais especialmente as norte-americanas pudessem instalar-se de fato no territrio mexicano, onde a mo de obra era mais barata e a legislao ambiental, relativamente fraca. Dessa forma, a descentralizao produtiva e o IED assumem carter de destaque na transformao que o Mxico sofre com o NAFTA a partir da intensificao da presena das indstrias maquilas no territrio mexicano, o que ser analisado no seguinte item.

    1.3 A indstria maquiladora no Mxico

    O processo de integrao entre pases com grandes diferenas nas estruturas de custos (SABBATINI, 2008, p. 74) potencializa o Investimento Externo Direto que busca vantagens competitivas; a relao entre os parceiros comerciais do NAFTA insere-se nessa rede de livre comrcio, na qual o aumento do IED proveniente dos Estados Unidos em direo ao Mxico exatamente em busca de condies de produo mais baratas especialmente em manufaturas (PASSOS, 2010). Nesse sentido, possvel observar que, para os Estados Unidos e para as empresas transnacionais, o NAFTA era a institucionalizao de circunstncias nas quais poderia haver reforo da acumulao capitalista, principalmente a partir da deslocalizao produtiva. O Mxico sob a administrao do presidente Salinas responsvel pela assinatura do Tratado esperava que o pas pudesse inserir-se no mundo globalizado a partir da transferncia de tecnologia e de maior proximidade com seus parceiros econmicos (PASSOS, 2010, pp. 43-44). Nesse panorama, nota-se que o NAFTA possibilitou a efetivao do ambiente institucional liberalizado e flexvel necessrio para a atrao das empresas maquilas, principalmente as americanas (PASSOS, 2010, p. 43).

    As indstrias maquiladores iniciaram suas atividades no Mxico em 1964 atravs de um estatuto de exceo, que permitia que matrias-primas e produtos semimanufaturados pudessem ser importados para o pas, onde seriam montados e transformados em produtos finais que seriam exportados sem que impostos fossem cobrados em nenhuma das fases do processo (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, p. 33). As indstrias maquilas, portanto, fazem parte da histria econmica mexicana desde meados do sculo XX como uma forma de industrializao que proporcionava o desenvolvimento principalmente do norte

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  • do pas (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, p. 33).

    Porm, dentro do contexto de liberalizao das fronteiras e dos mercados, bem como da deslocalizao produtiva na dcada de 1980, as indstrias maquiladoras assumem um papel ainda mais importante, pois a abertura das fronteiras mexicanas proporcionou o rpido crescimento das indstrias maquila em todo o territrio do pas. A prpria localizao geogrfica com os Estados Unidos foi um fator importante na logstica de exportao dos produtos, alm da proximidade entre os pases facilitar a instalao das empresas transnacionais principalmente na fronteira (PASSOS, 2010, p. 44): inmeras ETNs provindas dos Estados Unidos passam a poder se instalar no territrio mexicano para montarem produtos (com destaque para manufaturados). Nesse sentido,

    essa indstria [maquila], como forma de insero internacional e desenvolvimento industrial escolhida pelo Mxico, pode ser definida como um conjunto de unidades produtivas particularmente empresas transnacionais organizadas para realizar a montagem final (assemble) de diversos produtos no pas, meio do processamento de diferentes materiais, insumos, peas e componentes. Porm, esses insumos e componentes apresentam uma particularidade: alm de todos eles serem importados sem taxaes do Estado em que as maquilas se estabelecem, essa importao considerada temporal (e no caso do Mxico, esses insumos podem permanecer at um ano no pas). A importao temporal justamente porque o objetivo da indstria maquilas o de montar o produto com insumos importados para que ele prontamente seja reexportado para o pas de origem da empresa ou at mesmo para outras localidades definidas pela matriz, de modo que essa indstria tambm conhecida como empresa maquiladora de exportao (PASSOS, 2010, pp. 43-44).

    Outro elemento essencial para a compreenso acerca do crescimento das

    indstrias maquila no Mxico proporcionado pelo NAFTA a busca por mo de obra barata e desqualificada: embora o discurso estadunidense fosse, por um lado, de ganho de competitividade das ETNs a partir de custos de produo mais baixos, o discurso mexicano era, por outro, de que a economia do Mxico seria beneficiada com a gerao de empregos e com expanso da renda (PASSOS, 2010, p. 44). A realidade, contudo, apresentou-se de forma extremamente diferente, o que ser analisado na prxima Seo.

    Seo 2 Um balano aps 20 anos de NAFTA

    A formao do Acordo de Livre Comrcio na Amrica do Norte correspondeu, como analisado na Seo 1, uma conformao de polticas nacionais concomitantemente com o panorama internacional de desregulamentao e de abertura de mercados. Desde a assinatura do Tratado, 20 anos se passaram e as consequncias dessa integrao ainda so apresentadas com discursos extremamente positivos em relao aos efeitos da integrao, especialmente para o Mxico, que visto como o principal beneficirio do processo (BIGGER, Better, NAFTA, 2014). Segundo o discurso atual, a abertura da economia mexicana proporcionou elevao na produtividade manufatureira do Mxico, assegurando o comprometimento do pas atravs do NAFTA com polticas domsticas coerentes com um modelo liberalizante, abrindo portas para mais 14 acordos de livre comrcio assinados pelo Mxico desde ento (BIGGER, Better, NAFTA, 2014); a iniciativa adotada pelo NAFTA , ento, uma perspectiva de integrao que deveria ser estimulada e adotada por mais pases no continente americano (BEAULIEU, 2013). evidente, portanto, que o movimento de integrao atravs do NAFTA visto por diversos veculos de comunicao e autores de forma vantajosa

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  • especialmente para a economia mexicana, que ganhou competitividade e pde se inserir na estratgia econmica global atravs da atrao de IED. A realidade do Mxico, contudo, muito diferente daquela comumente exposta, o que ser analisado nessa Seo.

    2.1 Consequncias socioeconmicas do Tratado para o Mxico

    As polticas de abertura da economia mexicana e de desproteo indstria nacional (iniciadas por De La Madrid e continuadas pelo presidente Salinas), combinadas com a institucionalizao de uma estratgia clara de atrao de IED, geraram um quadro delicado para a economia do pas; o NAFTA refora essa situao, pois o processo de integrao foi baseado no na complementariedade entre as economias do Canad, dos Estados Unidos e do Mxico, mas sim em uma estratgia que acrescenta baixo valor agregado s cadeias de produo no Mxico (CORSI, 2013, p. 33). A progressiva perda de fora da esquerda mexicana em detrimento de um modelo de desenvolvimento completamente voltado para atrao de IED, expresso atravs de 18 anos de poltica neoliberal (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, p. 42), gerou resultados socioeconmicos extremamente negativos para o Mxico.

    verdade que a consolidao da atividade maquiladora no Mxico principalmente a partir do estabelecimento do NAFTA proporcionou aumento nos ndices de gerao de emprego, chegando a 1,3 milhes em 2001 (PALMA, 2004, p. 413). Entretanto, as empresas maquiladoras so, em essncia, um mecanismo que promove grandes ganhos para as empresas, que montam seus produtos em locais onde a remunerao da mo de obra precria, em detrimento de um quadro com poucos ganhos de longo prazo para o pas onde as empresas so

    instaladas (PASSOS, 2010, p. 38). Dessa forma, embora haja, de fato, uma elevao nas taxas de emprego, esses so de baixa qualificao, instveis e com baixa remunerao. Segundo Espsito, h evidncias de que, pelo menos no perodo entre 1994 e 2000, os empregos criados nas maquilas pagavam 52% menos do que os outros postos de trabalho (2013, p. 53).

    Alm disso, ao permitir uma rea de livre comrcio, o NAFTA proporcionou uma especializao regressiva no Mxico atravs de uma atividade que promove baixo encadeamento da economia (PALMA, 2014). Isso extremamente preocupante porque o desenvolvimento parece requer industrializao com diversificao setorial e adensamento das cadeias produtivas (CORSI, 2013, p. 29). Uma vez que os produtos somente so montados no Mxico, no existe a constituio de elos produtivos que podero garantir um desenvolvimento autnomo para a indstria do pas no longo prazo (ESPSITO, 2013, pp. 51-53); existe, na verdade, uma forte dependncia do IED no pas. possvel observar, portanto, que embora as exportaes mexicanas tenham, de fato, aumentado, isso ocorreu s custas de uma especializao regressiva que desmantelou a capacidade de organizao sindical do pas e manteve os altos ndices de pobreza da populao mexicana, o qual ainda era de 47,4% em 2008 (ESPSITO, 2013, p. 53).

    Tambm torna-se um imperativo destacar que a presena das indstrias maquiladoras no norte do Mxico transformaram profundamente as relaes sociogeogrficas do pas a partir de uma intensa migrao da populao mexicana para a fronteira com os Estados Unidos, o que Hiernaux-Nicolas denomina como Marcha para o Norte (2005, p. 36). A atrao exercida pela deslocalizao produtiva das empresas transnacionais para a regio norte do pas levou uma profunda realocao das atividades

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  • econmicas e da populao mexicana antes mesmo da assinatura do NAFTA: cidades que antes eram extremamente importantes na dinmica social interna, como a Cidade do Mxico, sofreram com altos nveis de desemprego e com a reduo da atividade industrial (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, p. 32). A partir da assinatura do NAFTA, entretanto, observa-se que h um intenso processo de reorganizao social e de migrao para o norte do pas, sendo o lugar reservado para o territrio do sul do pas relegado pelo desenvolvimento das indstrias maquila, de sorte que no seria exagerado afirmar que o sul do territrio mexicano o espao da no-integrao ou da excluso dos processos de abertura (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, pp. 40-41). Alm disso, existe um forte risco de destruio das comunidades tradicionais locais a partir da ascenso da globalizao em todo o territrio mexicano, dado que h uma forte tendncia de separao do desenvolvimento social em relao ao crescimento econmico (HIERNAUX-NICOLAS, 2005, p. 44).

    A anlise de Almeida torna-se crucial nesse ponto para a compreenso do movimento que ocorre com a integrao regional, principalmente no mbito do NAFTA: para ele, a questo social dificilmente faz parte das questes prioritrias na formulao de acordos, especialmente de reas de livre comrcio, onde o principal objetivo a completa eliminao de barreiras alfandegrias para a circulao de mercadorias e para a busca de vantagens competitivas pelas empresas transnacionais (ALMEIDA, 1999, pp. 17-22). O autor destaca que as bases reais dos processos de integrao so, portanto, indubitavelmente, econmicas e comerciais, sem o que esses processos simplesmente no se sustentariam na prtica (ALMEIDA, 1999, p. 21). O autor afirma ainda que o processo de integrao que ocorreu na Amrica do Sul na dcada de 1990 (em uma referncia tanto o

    NAFTA quanto ao Mercado Comum do Sul, o MERCOSUL) no buscou a coeso social que caracterizou o modelo europeu na constituio da Comunidade Econmica Europeia (CEE), mas sim o livre-cambismo administrado, no qual o receiturio de adaptao das economias era amplamente difundido como necessrio no contexto de globalizao (ALMEIDA, 1999, p. 30).

    Contextualizando a integrao nos moldes do NAFTA dentro dessa perspectiva que desnuda a baixa valorizao da coeso social, torna-se um imperativo ressaltar tambm o fato de que segmentos importantes da opinio pblica acreditaram encontrar nessa eventual abertura comercial uma ocasio para (...) favorecer uma maior democratizao do pas (BRUNELLE, 1999, p. 223). Entretanto, vinte anos depois da implementao do Tratado de Livre Comrcio da Amrica do Norte, o que se observa uma grande desarticulao poltica e social atravs de um acordo que no beneficiou os trabalhadores mexicanos, mas, ao contrrio, desmantelou a capacidade de atuao dos sindicatos (...), pois, se o nvel da pobreza aumentou no pas, provavelmente os sindicatos no tm desenvolvido propostas efetivas para o aumento dos nveis salarias no pas (ESPSITO, 2013, p. 53).

    O aumento da pobreza a que Espsito faz referncia demonstrado pela autora atravs de dados que evidenciam os efeitos do NAFTA, os quais no so to brilhantes para a economia do Mxico como costuma-se acreditar: se em 1992, 53,1% dos mexicanos eram considerados pobres de acordo com a classificao do Banco Mundial, em 1996 esse nmero subiu para 69% (ESPSITO, 2013, p. 51). Nessa conjuntura, torna-se evidente que o NAFTA no foi um acordo de integrao que buscou a complementariedade entre as economias, de forma que a economia mexicana por ser a menos dinmica entre as trs sofreu uma forte especializao

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  • regressiva, na qual a atividade das empresas maquiladoras proporcionou alteraes sociogeogrficas que aprofundaram as diferenas sociais entre as regies e agravaram a situao qualitativa dos empregos e da produo industrial do pas (HIERNAUX-NICOLAS, 2005).

    Nesse contexto, a presena da China como um novo centro de montagem de manufaturas agrava ainda mais a insero do Mxico na economia mundial, um processo que se desenvolve principalmente a partir dos anos 2000 com a entrada da China na Organizao Mundial do Comrcio (OMC), provocando o deslocamento de 730 indstrias maquilas do Mxico para a China entre 2000 e 2003 (MURUA, 2010, pp. 118-119). Essa nova conjuntura ser analisada no prximo item dessa Seo.

    2.2 A presena da China como um elemento complicador

    Corsi aponta que a reestruturao capitalista a partir das crises de 1970 buscou, de fato, novos espaos de acumulao principalmente a partir de estratgias de IED, com destaque da deslocalizao produtiva atravs das grandes empresas transnacionais principalmente estadunidenses (2013, pp. 35-37). Nesse sentido, o Leste Asitico mostrou-se como uma regio de extrema conexo entre os Estados, o que foi permitido pela proximidade geogrfica e pelo aumento dos fluxos de comrcio a partir de uma perspectiva de integrao entre as cadeias produtivas e a integrao regional (MEDEIROS, 2014, pp. 3-4).

    Dentro dessa rede interconexa entre os Estados do Leste Asitico, h destaque para a ascenso da China como um centro produtor de manufaturas principalmente a partir de um regime macroeconmico de altos nveis de investimento estatais combinado com cmbio extremamente desvalorizado, o que proporcionou elevada competitividade do setor industrial chins

    em relao tanto aos seus vizinhos quanto a outros pases (MEDEIROS, 2014, p. 13). Alm disso, as isenes tarifrias s importaes de componentes para a produo de bens finais nas Zonas Econmicas Especiais (ZEEs), bem como os altos ndices de investimento em cadeias produtivas completas, fizeram com que a China se tornasse um duplo polo na economia mundial, sendo

    de um lado, o principal produtor e exportador asitico de produtos finais intensivos em mo de obra (tanto em bens de consumo quanto em mquinas da TI), de outro afirmou-se como grande mercado para peas e componentes, bens intermedirios e bens de capitais (...), o que levou a uma decidida relocalizao do dficit americano para a China. (...) a China, que em 1990 destinava apenas 8,3% de suas exportaes para os EUA, passou a destinar para este mercado 20,9% em 2000 (MEDEIROS, 2014, p. 15).

    Nesse sentido, importante destacar que a abertura ao exterior empreendida pela China a partir de 1978, com as reformas econmicas e polticas de Deng Xiaoping, faz parte de um projeto de desenvolvimento nacional no qual a China agiria segundo seu prprio ritmo baseado na determinao de seu interesse nacional, que no poderia ser prescrito por estrangeiros (KISSINGER, 2011, p. 410). A aproximao do pas com os Estados Unidos e a ruptura com a ento Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS) demonstram o abandono do modelo de desenvolvimento que vinha sendo empregado por Mao Zedong desde a constituio da Repblica Popular da China em 1949; alm disso, o dinamismo das economias vizinhas, especialmente do Japo e da Coria do Sul, demonstrou que a China precisava se transformar se quisesse desenvolver seus ndices econmicos e sociais (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008, p. 373).

    Nesse sentido, o IED no era uma via que deveria ser evitada, mas, ao

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  • contrrio, poderia ser utilizada em prol do desenvolvimento nacional, pois ele proporcionava, na viso do prprio Deng, transmisso de tecnologia e conhecimento, alm de ser crucial para o processo de abertura econmica (KISSINGER, 2011, p. 426). Entretanto, a atrao de IED nas ZEEs impunha a condio de associao das empresas estrangeiras com empresas estatais, o que fazia com que o IED funcionasse como uma janela de investimentos para adensamento produtivo e ponte para aquisio de novas tecnologias, e no indutor de fundos para fuses e aquisies ou processos de privatizaes (JABBOUR, 2012, p. 281).

    possvel observar, portanto, que a China tornou-se um local extremamente atrativo para o IED, embora isso tenha sido feito a partir de uma estratgia totalmente distinta em relao s maquilas mexicanas. Palma aponta que ao contrrio, no Leste Asitico, por contraste com a maquila mexicana, o percentual de insumos domsticos utilizada, por exemplo, na China, em empresas equivalentes normalmente bem alto (2004, p. 413). A estratgia de desenvolvimento da China est diretamente baseada na montagem de produtos no territrio chins, mas esse processo tende a estar integrado produo domstica, na qual h a formao de cadeias produtivas integradas economia. Dessa forma, mesmo que as empresas transnacionais tenham se instalado no pas principalmente a partir dos anos 2000, quando a China entra na OMC aps 15 anos de negociaes (MURUA, 2010, p. 116), essa estratgia de desenvolvimento feita ainda com uma forte presena estatal e de forma a garantir que as indstrias instaladas no pases pudessem integrar-se no longo prazo. Portanto,

    o pas tambm contou com a atrao de IED, porm, as empresas transnacionais esto em parcerias com empresas estatais e sofrem uma srie de limitaes por parte do governo chins a fim de que grande

    parte dos benefcios provindos ficarem retidos no pas. Com essa estratgia, a China direcionou os investimentos para a formao bruta de capital fixo, internalizando os processos tecnolgicos industriais, e assim, conseguiu diversificar e internalizar sua estrutura produtiva (MURUA, 2010, p. 113).

    Nesse sentido, o movimento que se observa na primeira dcada do sculo XXI o do deslocamento das maquilas mexicanas para a China pois o recurso que as maquilas buscavam no Mxico era a mo de obra barata e desqualificada (PASSOS, 2010, p. 38): ao encontrarem tal fator de produo em uma rea que se apresentou como mais competitiva e mais propcia para os IED, a saber, a China, as empresas transnacionais no hesitaram em alterar sua localizao embora a presena das maquilas ainda seja uma realidade no Mxico.

    Murua aponta que, se a China estava na 25 posio no que se refere ao destino de exportaes mexicanas e na 5 posio em origens de importaes mexicanas em 2000, no ano de 2008 esses nmeros saltaram para 6 e 3 respectivamente (2010, p. 116). H, nesse contexto, uma entrada macia de produtos chineses no Mxico, o que agrava o dficit comercial do pas, que apresenta uma trajetria crescente: em 2000, o dficit estava em torno de US$ 2.569,20 milhes; porm, atinge quase US$ 31 milhes em 2009 (MURUA, 2010, p. 116). Nessa nova conjuntura, na qual a China se tornou um grande parceiro comercial do Mxico, o pas sofre fortemente no somente com a deslocalizao produtiva das suas indstrias maquiladoras, mas tambm com a elevada competio de produtos nos mercados internacionais.

    Nota-se, portanto, que o fato da economia mexicana no ter sido interligada estadunidense e at mesmo canadense a partir de medidas de complementariedade possibilitou um cenrio no qual o Mxico facilmente

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  • substitudo como centro de atrao de empresas transnacionais pela China. A persistncia do elevado nmero de pobreza em 2008, o qual chegou a 47,4% (ESPSITO, 2013, p. 51) demonstra que o nem o governo mexicano nem as empresas privadas esto preparadas para relacionar-se economicamente com a China (MARUA, 2010, p. 120), pois nenhuma estratgia foi tomada para alterar a forma com a qual o Mxico est inserido no NAFTA. A China, desde as reformas econmicas institudas com a modernizao de Deng Xiaoping, continua a crescer com taxas mdias de PIB de 9,6%, com um PIB per capita de 8,5% no perodo compreendido entre 1975 e 2005 (LAMBERT, 2010, p. 9). O grfico 1 demonstra que a China tornou-se o segundo maior parceiro comercial dos trs pases membros do NAFTA: evidente, portanto, que a presena chinesa como uma das potncias no sistema internacional evidencia as fragilidades dos acordos regionais baseados em assimetrias e na falta de complementariedade entre as economias, caso no qual o NAFTA se encaixa desde sua criao at os dias de hoje.

    Consideraes finais Insero do Mxico no contexto internacional

    O comrcio entre os Estados Unidos e o Mxico chegou a aproximadamente 500 bilhes de dlares em 2012, o que representa um aumento de quase seis vezes em relao ao perodo de negociao do NAFTA, em 1992 (GUITIREZ, 2013). Alm disso, 80% das exportaes do Mxico so em direo aos Estados Unidos, enquanto aproximadamente 50% do IED recebido pelo Mxico entre os anos de 2000 e 2011 vem do seu vizinho do norte (GUITIREZ, 2013). Embora esses dados sejam apresentados a partir de uma perspectiva na qual o NAFTA proporciona avanos econmicos especialmente para o

    Mxico, importante perguntar-se se, de fato, um aumento das exportaes positivo por si s. O descompasso do aumento dessa atividade em relao ao PIB demonstra que no houve necessariamente a gerao de riqueza nova no Mxico a partir da presena das empresas transnacionais no pas. Segundo Palma, a

    brusca acelerao da taxa de crescimento das exportaes correspondeu a uma drstica reduo da taxa de crescimento da economia, que levou ao colapso o multiplicador de exportaes1 implcito de 0,9 (no perodo de 1970 a 1981) para 0,1 (entre 1981 e 2001). Ou seja, no era exatamente a terra prometida dos defensores das reformas! (2004, p. 411).

    A estratgia de crescimento liderado pelas exportaes mexicanas, portanto, no foi capaz de fazer com que as indstrias estivessem firmemente enraizadas e incorporadas na economia domstica, minando a capacidade de crescimento sustentado ao longo do tempo. Embora o IED estadunidense ainda seja parte importante da economia mexicana nos anos recentes (GUITIREZ, 2013), a rpida deslocalizao produtiva para o Leste Asitico e principalmente para a China fizeram com que o Mxico fosse facilmente substitudo no processo de montagem de diversos produtos.

    O presente artigo, longe de buscar esgotar o assunto e seus desdobramentos, buscou demonstrar que a integrao como proposta nos moldes do NAFTA extremamente delicada para economias que eram antes protegidas. Embora as exportaes mexicanas tenham aumentado desde 1994, a tendncia de desintegrao social e de corroso dos indicadores socioeconmicos do Mxico evidenciam que os ganhos econmicos no foram revertidos para diminuio da pobreza e nem para uma dinmica de

    1 Multiplicador de exportaes compreendido como a relao entre as taxas de crescimento de duas variveis (no caso, exportaes e PIB).

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  • desenvolvimento coesa. Nesse sentido, contudo, Hiernaux-Nicolas aponta que existe uma possibilidade de se repensar o modelo (...) pondo em marcha polticas de compensao para as regies marginalizadas (...) e criando oportunidades reais para a populao (2005, p. 48). Alternativas de desenvolvimento so possveis, embora a forma com a qual o Mxico buscar a gesto de suas contradies internas, sendo parte de um acordo de livre comrcio, ainda seja incerta.

    Grfico 1: Relaes comerciais dos pases do NAFTA

    Fonte: Ready to take off again?. In: The Economist. 4 jan. 2014

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    Recebido em 22/02/2015Aprovado em 20/05/2015

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