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Vinicius de Moraes - Livro de Sonetos [Livro]
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7/25/2019 Vinicius de Moraes - Livro de Sonetos [Livro]
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Vincius de Moraes
Livro de Sonetos
Rio de Janeiro. (2 ed. aumentada, Rio de Janeiro: Sabi, 1967);Livros de Portugal.1957
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ria para assovio
Inelutavelmente tu
Rosa sobre o passeioBranca! e a melancoliaNa tarde do seio
As cssias escorremSeu ouro a teus psConheo o sonetoPorm tu quem s?
O madrigal se escreve:Se do teu costume
Deixa que eu te leve
(S... mnima e breveA msica do perfumeNo guarda cime)
Rio de Janeiro, 1936
Soneto a Katherine Mansfield
O teu perfume, amada em tuas cartasRenasce, azul... so tuas mos sentidas!Relembro-as brancas, leves, fenecidasPendendo ao longo de corolas fartas.
Relembro-as, vou... nas terras percorridasTorno a aspir-lo, aqui e ali despertoParo; e to perto sinto-te, to pertoComo se numa foram duas vidas.
Pranto, to pouca dor! tanto quiseraTanto rever-te, tanto! ... e a primaveraVem j to prxima! ... (Nunca te apartas
Primavera, dos sonhos e das preces!)E no perfume preso em tuas cartas primavera surges e esvaneces.
Rio de Janeiro, 1937
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Soneto de devoo
Essa mulher que se arremessa, fria
E lbrica aos meus braos, e nos seiosMe arrebata e me beija e balbuciaVersos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher, flor de melancoliaQue se ri dos meus plidos receiosA nica entre todas a quem deiOs carinhos que nunca a outra daria.
Essa mulher que a cada amor proclamaA misria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher um mundo! uma cadelaTalvez... mas na moldura de uma camaNunca mulher nenhuma foi to bela!
Rio de Janeiro, 1938
Soneto de intimidade
Nas tardes de fazenda h muito azul demais.Eu saio s vezes, sigo pelo pasto, agoraMastigando um capim, o peito nu de foraNo pijama irreal de h trs anos atrs.
Deso o rio no vau dos pequenos canaisPara ir beber na fonte a gua fria e sonoraE se encontro no mato o rubro de uma amoraVou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.
Fico ali respirando o cheiro bom do estrumeEntre as vacas e os bois que me olham sem cimeE quando por acaso uma mijada ferve
Seguida de um olhar no sem malcia e verveNs todos, animais, sem comoo nenhumaMijamos em comum numa festa de espuma.
Campo Belo, 1937
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Soneto de contrio
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me di como em doenaE quanto mais me seja a dor intensaMais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criana que vagueia o cantoAnte o mistrio da amplido suspensaMeu corao um vago de acalantoBerando versos de saudade imensa.
No maior o corao que a almaNem melhor a presena que a saudade
S te amar divino, e sentir calma...
E uma calma to feita de humildadeQue to mais te soubesse pertencidaMenos seria eterno em tua vida.
Rio de Janeiro, 1938
Soneto lua
Por que tens, por que tens olhos escurosE mos lnguidas, loucas e sem fimQuem s, quem s tu, no eu, e ests em mimImpuro, como o bem que est nos puros?
Que paixo fez-te os lbios to madurosNum rosto como o teu criana assimQuem te criou to boa para o ruimE to fatal para os meus versos duros?
Fugaz, com que direito tens-me presaA alma que por ti solua nuaE no s Tatiana e nem Teresa:
E s tampouco a mulher que anda na ruaVagabunda, pattica, indefesa minha branca e pequenina lua!
Rio de Janeiro, 1938
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Soneto de separao
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a brumaE das bocas unidas fez-se a espumaE das mos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o ventoQue dos olhos desfez a ltima chamaE da paixo fez-se o pressentimentoE do momento imvel fez-se o drama.
De repente, no mais que de repenteFez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo prximo o distanteFez-se da vida uma aventura erranteDe repente, no mais que de repente.
Oceano Atlntico, a bordo do Highland Patriot,a caminho da Inglaterra, 09.1938
Soneto de Oxford
Oh, partir pela noite enluaradaNo puro anseio de chegar l ondeA minha doce e fugitiva amadaNa madrugada, trmula, se esconde...
Oh, sentir palpitar em cada fronteO amor, oculto; e ouvir a voz veladaDa ltima estrela que do cu respondeNuma cintilao inesperada...
Oh, cruzar solides, viver soturnasMagias, e entre lgrimas noturnasVer o tempo passar, hora por hora
Para o instante em que, isenta de desejoEla despertar sob o meu beijoEnquanto a treva se desfaz l fora...
Oxford, 1938
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Soneto do maior amor
Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que no sossega a coisa amadaE quando a sente alegre, fica tristeE se a v descontente, d risada.
E que s fica em paz se lhe resisteO amado corao, e que se agradaMais da eterna aventura em que persisteQue de uma vida mal-aventurada.
Louco amor meu, que quando toca, fereE quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer e vive a esmo
Fiel sua lei de cada instanteDesassombrado, doido, deliranteNuma paixo de tudo e de si mesmo.
Oxford, 1938
Soneto de agosto
Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousadosAmamos, vagamente surpreendidosPelo ardor com que estvamos unidosNs que andvamos sempre separados.
Espantei-me, confesso-te, dos bradosCom que enchi teus patticos ouvidosE achei rude o calor dos teus gemidosEu que sempre os julgara desolados.
S assim arrancara a linha intilDa tua eterna tnica inconstil...E para a glria do teu ser mais franco
Quisera que te vissem como eu viaDepois, luz da lmpada maciaO pbis negro sobre o corpo branco.
Oxford, 1938
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Soneto de carnaval
Distante o meu amor, se me afiguraO amor como um pattico tormentoPensar nele morrer de desventuraNo pensar matar meu pensamento.
Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido um sofrimentoCada beijo lembrado uma torturaUm cime do prprio ciumento.
E vivemos partindo, ela de mimE eu dela, enquanto breves vo-se os anosPara a grande partida que h no fim
De toda a vida e todo o amor humanos:Mas tranqila ela sabe, e eu sei tranqiloQue se um fica o outro parte a redimi-lo.
Oxford, 02.1939
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Quatro sonetos de meditao
I
Mas o instante passou. A carne novaSente a primeira fibra enrijecerE o seu sonho infinito de morrerPassa a caber no bero de uma cova.
Outra carne vir. A primavera carne, o amor seiva eterna e forteQuando o ser que viver unir-se morte
No mundo uma criana nascer.
Importar jamais por qu? AdianteO poema translcido, e distanteA palavra que vem do pensamento
Sem saudade. No ter contentamento.Ser simples como o gro de poesia.E ntimo como a melancolia.
II
Uma mulher me ama. Se eu me fosseTalvez ela sentisse o desalentoDa rvore jovem que no ouve o ventoInconstante e fiel, tardio e doce.
Na sua tarde em flor. Uma mulherMe ama como a chama ama o silncioE o seu amor vitorioso venceO desejo da morte que me quer.
Uma mulher me ama. Quando o escuroDo crepsculo mrbido e maduroMe leva a face ao gnio dos espelhos
E eu, moo, busco em vo meus olhos velhosVindos de ver a morte em mim divina:Uma mulher me ama e me ilumina.
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III
O efmero. Ora, um pssaro no valeCantou por um momento, outrora, masO vale escuta ainda envolto em pazPara que a voz do pssaro no cale.
E uma fonte futura, hoje primriaNo seio da montanha, irromperFatal, da pedra ardente, e levar voz a melodia necessria.
O efmero. E mais tarde, quando antigas
Se fizerem as flores, e as cantigasA uma nova emoo morrerem, cedo
Quem conhecer o vale e o seu segredoNem sequer pensar na fonte, a ss...Porm o vale h de escutar a voz.
IV
Apavorado acordo, em treva. O luar como o espectro do meu sonho em mimE sem destino, e louco, sou o marPattico, sonmbulo e sem fim.
Deso na noite, envolto em sono; e os braosComo ims, atraio o firmamentoEnquanto os bruxos, velhos e devassosAssoviam de mim na voz do vento.
Sou o mar! sou o mar! meu corpo informeSem dimenso e sem razo me levaPara o silncio onde o Silncio dorme
Enorme. E como o mar dentro da trevaNum constante arremesso largo e aflitoEu me espedao em vo contra o infinito.
Oxford, 1938
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Allegro
Sente como vibra
Doidamente em nsUm vento ferozEstorcendo a fibra
Dos caules informesE as plantas carnvorasDe bocas enormesLutam contra as vboras
E os rios soturnosOuve como vazam
A gua corrompida
E as sombras se casamNos raios noturnosDa lua perdida.
Oxford, 1939
Soneto de vspera
Quando chegares e eu te vir chorandoDe tanto te esperar, que te direi?E da angstia de amar-te, te esperandoReencontrada, como te amarei?
Que beijo teu de lgrimas tereiPara esquecer o que vivi lembrandoE que farei da antiga mgoa quandoNo puder te dizer por que chorei?
Como ocultar a sombra em mim suspensaPelo martrio da memria imensaQue a distncia criou fria de vida
Imagem tua que eu compus serenaAtenta ao meu apelo e minha penaE que quisera nunca mais perdida...
Oxford, 1939
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Soneto a Otvio de Faria
No te vira cantar sem voz, chorar
Sem lgrimas, e lgrimas e estrelasDesencantar, e mudo recolh-lasPara lan-las fulgurando ao mar?
No te vira no bojo secularDas praias, desmaiar de xtase nelasAo cansao viril de percorr-lasEntre os negros abismos do luar?
No te vira ferir o indiferentePara lavar os olhos da impostura
De uma vida que cala e que consente?
Vira-te tudo, amigo! coisa puraArrancada da carne intransigentePelo trgico amor da criatura.
Oxford, 1939
Sonetinho a Portinari
O pintor pequenoO grande pintorRuim como um venenoBom como uma flor
Vi-o da InglaterraUma tarde, vi-oNo ermo, vadioBrodvski onde a terra
cor de pinturaMuito louro, vi-oDentro da moldura
De um quadro de auroraO olhar azul frio:
L ia ele embora...
Oxford, 1939
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Soneto ao inverno
Inverno, doce inverno das manhs
Translcidas, tardias e distantesPropcio ao sentimento das irmsE ao mistrio da carne das amantes:
Quem s, que transfiguras as masEm iluminaes dessemelhantesE enlouqueces as rosas temporsRosa-dos-ventos, rosa dos instantes?
Por que ruflaste as tremulantes asasAlma do cu? o amor das coisas vrias
Fez-te migrar inverno sobre casas!
Anjo tutelar das luminriasPreservador de santas e de estrelas...Que importa a noite lgubre escond-las?
Londres, 1939
Soneto de Londres
Que angstia estar sozinho na tristezaE na prece! que angstia estar sozinhoImensamente, na inocncia! acesaA noite, em brancas trevas o caminho
Da vida, e a solido do burburinhoUnindo as almas frias belezaDa neve v; oh, tristemente assimO sonho, neve pela natureza!
Irremedivel, muito irremedivelTanto como essa torre medievalCruel, pura, insensvel, inefvel
Torre; que angstia estar sozinho! almaQue ideal perfume, que fatal
Torpor te despetala a flor do cu?
Londres, 1939
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7/25/2019 Vinicius de Moraes - Livro de Sonetos [Livro]
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Epitfio
Aqui jaz o Sol
Que criou a auroraE deu a luz ao diaE apascentou a tarde
O mgico pastorDe mos luminosasQue fecundou as rosasE as despetalou.
Aqui jaz o SolO andrgino meigo
E violento, que
Possuiu a formaDe todas as mulheresE morreu no mar.
Oxford, 1939
Soneto de fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atentoAntes, e com tal zelo, e sempre, e tantoQue mesmo em face do maior encantoDele se encante mais meu pensamento
Quero viv-lo em cada vo momentoE em seu louvor hei de espalhar meu cantoE rir meu riso e derramar meu prantoAo seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procureQuem sabe a morte, angstia de quem viveQuem sabe a solido, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):Que no seja imortal, posto que chamaMas que seja infinito enquanto dure
Estoril - Portugal, 10.1939
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7/25/2019 Vinicius de Moraes - Livro de Sonetos [Livro]
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Pr-do-sol em Itatiaia
Nascentes efmeras
Em clareiras sbitasEntre as luzes tardasDo imenso crepsculo.
Negros megalitosEm doce decbitoSob o peso frgilDa plida abbada
Calmo subjacenteO vale infinito
A estender-se mltiplo
Inventando espaosDilatando a angstiaCriando o silncio....
Campo Belo, 1940
Soneto de despedida
Uma lua no cu apareceuCheia e branca; foi quando, emocionadaA mulher a meu lado estremeceuE se entregou sem que eu dissesse nada.
Larguei-as pela jovem madrugadaAmbas cheias e brancas e sem vuPerdida uma, a outra abandonadaUma nua na terra, outra no cu.
Mas no partira delas; a mais loucaApaixonou-me o pensamento; dei-oFeliz eu de amor pouco e vida pouca
Mas que tinha deixado em meu enleioUm sorriso de carne em sua bocaUma gota de leite no seu seio.
Rio de Janeiro, 1940
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O escndalo da rosa
Oh rosa que raivosa
Assim carmesimQuem te fez zelosaO carme to ruim?
Que anjo ou que pssaroRoubou tua corQue ventos passaramSobre o teu pudor
Coisa milagrosaDe rosa de mate
De bom para mim
Rosa glamourosa?Oh rosa que escarlate:No mesmo jardim!
Soneto de quarta-feira de cinzas
Por seres quem me foste, grave e puraEm to doce surpresa conquistadaPor seres uma branca criaturaDe uma brancura de manh raiada
Por seres de uma rara formosuraMalgrado a vida dura e atormentadaPor seres mais que a simples aventuraE menos que a constante namorada
Porque te vi nascer de mim sozinhaComo a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura
Por no te possuir, tendo-te minhaPor s quereres tudo, e eu dar-te nadaHei de lembrar-te sempre com ternura.
Rio de Janeiro, 1941
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Soneto da mulher intil
De tanta graa e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeitoEu to de leve sinto-te no peitoQue o meu prprio suspiro te levanta.
Tu, contra quem me esbato liquefeitoRocha branca! brancura que me espantaBrancos seios azuis, nvea gargantaBranco pssaro fiel com que me deito.
Mulher intil, quando nas noturnasCelebraes, nufrago em teus delrios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas.
So teus seios to tristes como urnasSo teus braos to finos como lrios teu corpo to leve como plumas.
Rio de Janeiro, 05.1943
Soneto de aniversrio
Passem-se dias, horas, meses, anosAmaduream as iluses da vidaProssiga ela sempre divididaEntre compensaes e desenganos.
Faa-se a carne mais envilecidaDiminuam os bens, cresam os danosVena o ideal de andar caminhos planosMelhor que levar tudo de vencida.
Queira-se antes ventura que aventura medida que a tmpora embranqueceE fica tenra a fibra que era dura.
E eu te direi: amiga minha, esquece....Que grande este amor meu de criaturaQue v envelhecer e no envelhece.
Rio de Janeiro, 1942
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Soneto a Lasar Segall
De inescrutavelmente no que pintas
Como num amplo espao de agoniasImarcescvel msica de tintasA arder na lucidez das coisas frias:
To patticas sois, to sonolentasCores que o meu olhar mortificaisEntre verdes crestados e cinzentasFerrugens no preldio dos metais.
Que segredo recobre a velha ptinaPor onde a luz se filtra quase tmida
Do espao silencioso que esculpiste
Para pintar sem gritos de escalarteNa profunda revolta contra o crimeDaqueles que fizeram a vida triste?...
Rio de Janeiro, 1942
Soneto de um domingo
Em casa h muita paz por um domingo assim.A mulher dorme, os filhos brincam, a chuva cai...Esqueo de quem sou para sentir-me paiE ouo na sala, num silncio ermo e sem fim,
Um relgio bater, e outro dentro de mim...Olho o jardim mido e agreste: isso distraiV-lo, feroz, florir mesmo onde o sol no vaiA despeito do vento e da terra que ruim.
Na verdade o infinito essa casa pequenaQue me amortalha o sonho e abriga a desventuraE a mo de uma mulher fez simples, pura e amena.
Deus que s pai como eu e a estimas, porventura:Quando for minha vez, d-me que eu v sem penaLevando apenas esse pouco que no dura.
Rio de Janeiro, 09.1944
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Soneto da rosa
Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como o astro matinal, que a adoraMolhar de puras lgrimas de auroraA morna rosa escura e apetecida.
E da fragrante tepidez sonoraNo recesso, como vida feridaGuardar o plasma mltiplo da vidaQue a faz materna e plcida, e agora
Rosa geral de sonho e plenitudeTransforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude
Para que o sonho viva da certezaPara que o tempo da paixo no mudePara que se una o verbo natureza.
Soneto do s
(Parbola de Malte Laurids Brigge)
Depois foi s. O amor era mais nadaSentiu-se pobre e triste como JUm co veio lamber-lhe a mo na estradaEspantado, parou. Depois foi s.
Depois veio a poesia ensimesmadaEm espelhos. Sofreu de fazer dViu a face do Cristo ensangentadaDa sua, imagem e orou. Depois foi s.
Depois veio o vero e veio o medoDesceu de seu castelo at o rochedoSobre a noite e do mar lhe veio a voz
A anunciar os anjos sanguinrios...Depois cerrou os olhos solitriosE s ento foi totalmente a ss.
Rio de Janeiro, 1946
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Bilhete a Baudelaire
Poeta, um pouco tua maneira
E para distrair o spleenQue estou sentindo vir a mimEm sua ronda costumeira
Folheando-te, reencontro a raraDelcia de me depararCom tua sordidez preclaraNo velha foto de Carjat
Que no revia desde o tempoEm que te lia e te relia
A ti, a Verlaine, a Rimbaud...
Como passou depressa o tempoComo mudou a poesiaComo teu rosto no mudou!
Los Angeles, 1947
No comerei da alface a verde ptala
No comerei da alface a verde ptalaNem da cenoura as hstias desbotadasDeixarei as pastagens s manadasE a quem mais aprouver fazer dieta.
Cajus hei de chupar, mangas-espadasTalvez pouco elegantes para um poetaMas pras e mas, deixo-as ao estetaQue acredita no cromo das saladas.
No nasci ruminante como os boisNem como os coelhos, roedor; nasciOmnvoro; dem-me feijo com arroz
E um bife, e um queijo forte, e paratiE eu morrerei, feliz, do coraoDe ter vivido sem comer em vo.
Los Angeles, 1947
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A pra
Como de ceraE por acasoFria no vasoA entardecer
A pra um pomoEm holocausto vida, comoUm seio exausto
Entre bananas
SupervenientesE mas lhanas
Rubras, contentesA pobre pra:Quem manda ser a?
Los Angeles, 1947
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Trptico na morte de Sergei Mikhailovitch Eisenstein
Na morte de Sergei Mikhailovitch Eisenstein
I
Camarada Eisenstein, muito obrigadoPelos dilemas, e pela montagemDe Canal de Ferghama, irrealizadoE outras afirmaes. Tu foste a imagem
Em movimento. Agora, unificado tua prpria imagem, muito mais
De ti, sobre o futuro projetadoNos hs de restituir. Boa viagem
Camarada, atravs dos grandes gelosImensurveis. Nunca vi mais belosCus que esses sob que caminhas, s
E infatigvel, a despertar o assombroDos horizontes com tua cmara ao ombro...Spasibo, tovarishch. Khorosho.
II
Pelas auroras imobilizadasNo instante anterior; pelos geraisMilagres da matria; pela pazDa matria; pelas transfiguradas
Faces da Histria; pelo contedoDa Histria e em nome de seus grandes idosPela correspondncia dos sentidos
Pela vida a pulsar dentro de tudo
Pelas nuvens errantes; pelos montesPelos inatingveis horizontesPelos sons; pelas cores; pela voz
Humana; pelo Velho e pelo NovoPelo misterioso amor do povoSpasibo, tovarishch, Khorosho.
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III
O cinema infinito no se mede.
No tem passado nem futuro. CadaImagem s existe interligada que a antecedeu e que a sucede.
O cinema a presciente antevisoNa sucesso de imagens. O cinema o que no se v, o que no Mas resulta: a indizvel dimenso.
Cinema Odessa, imvel na manh espera do massacre; Nevski; IvanO Terrvel; s tu, mestre! maior
Entre os maiores, grande destinado...Muito bem, Eisenstein. Muito obrigado.Spasibo, tovarishch. Khorosho.
Los Angeles, 12.02.1948
Soneto do amor totalAmo-te tanto, meu amor... no canteO humano corao com mais verdade...Amo-te como amigo e como amanteNuma sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,E te amo alm, presente na saudade.Amo-te, enfim, com grande liberdadeDentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,De um amor sem mistrio e sem virtudeCom um desejo macio e permanente.
E de te amar assim muito e amide, que um dia em teu corpo de repenteHei de morrer de amar mais do que pude.
Rio de Janeiro, 1951
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Soneto de Florena
Florena... que serenidade imensa
Nos teus campos remotos, de onde surgemEm tons de terracota e de ferrugem
Torres, cpulas, claustros: renascena
Das coisas que passaram mas que urgem...Como em teu seio pareceu-me densaA selva oscura onde silncios rugemNo meio do caminho da descrena...
Que tristes sombras nos teus cus toscanosOnde, em meu crime e meu remorso humanos
Julguei ver, na colina apascentada
Na forma de um cipreste impressionanteO grande vulto secular de DanteCarpindo a morte da mulher amada...
Rio de Janeiro, 01.1953
Mscara morturia de Graciliano Ramos
Feito s, sua mscara paterna,Sua mscara tosca, de acre-doceFeio, sua mscara austerizou-seNuma preclara deciso eterna.
Feito s, feito p, desencantou-seNele o ntimo arcanjo, a chama internaDa paixo em que sempre se queimouSeu duro corpo que ora longe inverna.
Feito p, feito plen, feito fibraFeito pedra, feito o que morto e vibraSua mscara enxuta de homem forte.
Isto revela em seu silncio escuta:Numa severa afirmao da luta,Uma impassvel negao da morte.
Rio de Janeiro, 03.1953
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Soneto da maioridade
O Sol, que pelas ruas da cidade
Revela as marcas do viver humanoSobre teu belo rosto soberanoEspalha apenas pura claridade.
Nasceste para o Sol; s mocidadeEm plena florao, fruto sem danoRosa que enfloresceu, ano por anoPara uma esplndida maioridade.
Ao Sol, que pai do tempo, e nunca menteHoje se eleva a minha prece ardente:
No permita ele nunca que se afoite
A vida em ti, que sumo de alegriaDe maneira que tarde muito a noiteSobre a manh radiosa do teu dia.
Rio de Janeiro, 1954
Soneto do corifeu
So demais os perigos desta vidaPara quem tem paixo, principalmenteQuando uma lua surge de repenteE se deixa no cu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairadoVem se unir uma msica qualquerA ento preciso ter cuidadoPorque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que feitaDe msica, luar e sentimentoE que a vida no quer, de to perfeita.
Uma mulher que como a prpria Lua:To linda que s espalha sofrimentoTo cheia de pudor que vive nua.
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Soneto da mulher ao sol
Uma mulher ao sol eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braos em cruzA flor dos lbios entreaberta para o beijoA pele a fulgurar todo o plen da luz.
Uma linda mulher com os seios em repousoNua e quente de sol eis tudo o que eu precisoO ventre terso, o plo mido, e um sorriso flor dos lbios entreabertos para o gozo.
Uma mulher ao sol sobre quem me debruceEm quem beba e a quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfurea e soluce
E tente me expelir, e ao me sentir ausenteMe busque novamente e se deixa a dormirQuando, pacificado, eu tiver de partir...
A bordo do Andrea C, a caminho da Frana, 11.1956
Soneto do amor como um rio
Este infinito amor de um ano fazQue maior do que o tempo e do que tudoEste amor que real, e que, contudoEu j no cria que existisse mais.
Este amor que surgiu insuspeitadoE que dentro do drama fez-se em pazEste amor que o tmulo onde jazMeu corpo para sempre sepultado.
Este amor meu como um rio; um rioNoturno interminvel e tardioA deslizar macio pelo ermo
E que em seu curso sideral me levaIluminado de paixo na trevaPara o espao sem fim de um mar sem termo.
Montevidu, 1959
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Retrato de Maria Lcia
Tu vens de longe; a pedra
Suavizou seu tempoPara entalhar-te o rostoEnsimesmado e lento
Teu rosto como um temploVoltado para o orienteRemoto como o nuncaEterno como o sempre
E que subitamenteSe aclara e movimenta
Como se a chuva e o vento
Cedessem seu momento pura claridadeDo sol do amor intenso!
Montevidu, 1959
O espectro da rosa
Juntem-se vermelhoRosa, azul e verdeE quebrem o espelhoRoxo para ver-te
Amada anadimenaSaindo do banhoQual rosa morenaMais ch que laranja.
E salte o amareloCinzento de cimeE envolta em seu chambre
Te leve castanhaAo branco negrumeDo meu leito em chamas.
Montevidu, 1959
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7/25/2019 Vinicius de Moraes - Livro de Sonetos [Livro]
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Soneto de Montevidu
No te rias de mim, que as minhas lgrimas
So gua para as flores que plantasteNo meu ser infeliz, e isso lhe bastePara querer-te sempre mais e mais.
No te esqueas de mim, que desvendasteA calma ao meu olhar ermo de pazNem te ausentes de mim quando se gasteEm ti esse carinho em que te esvais.
No me ocultes jamais teu rosto; dize-meSempre esse manso adeus de quem aguarda
Um novo manso adeus que nunca tarda
Ao amante dulcssimo que fiz-me tua pura imagem, anjo da guardaQue no ds tempo a que a distncia cisme.
Montevidu, 1959
O verbo no infinito
Ser criado, gerar-se, transformarO amor em carne e a carne em amor; nascerRespirar, e chorar, e adormecerE se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertarUm dia luz e ver, ao mundo e ouvirE comear a amar e ento sorrirE ento sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haverE perder, e sofrer, e ter horrorDe ser e amar, e se sentir maldito
E esquecer tudo ao vir um novo amorE viver esse amor at morrerE ir conjugar o verbo no infinito...
Rio de Janeiro, 1960
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Os quatro elementos
I O FOGO
O sol, desrespeitoso do equincioCobre o corpo da Amiga de desvelosAmorena-lhe a tez, doura-lhe os plosEnquanto ela, feliz, desfaz-se em cio.
E ainda, ademais, deixa que a brisa roceO seu rosto infantil e os seus cabelosDe modo que eu, por fim, vendo o negcioNo me posso impedir de pr-me em zelos.
E pego, encaro o Sol com ar de brigaAo mesmo tempo que, num desafogoProibo-a formalmente que prossiga
Com aquele dbio e perigoso jogo...E para proteg-la, cubro a AmigaCom a sombra espessa do meu corpo em fogo.
II A TERRA
Um dia, estando ns em verdes pradosEu e a Amada, a vagar, gozando a brisaEi-la que me detm nos meus agradosE abaixa-se, e olha a terra, e a analisa
Com face cauta e olhos dissimuladosE, mais, me esquece; e, mais, se interiorizaComo se os beijos meus fossem mal dadosE a minha mo no fosse mais precisa.
Irritado, me afasto; mas a Amada minha zanga, meiga, me entretmCom essa astcia que o sexo lhe deu.
Mas eu que no sou bobo, digo nada...Ah, assim... (s penso) Muito bem:Antes que a terra a coma, como eu.
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III O AR
Com mo contente a Amada abre a janelaSequiosa de vento no seu rostoE o vento, folgazo, entra dispostoA comprazer-se com a vontade dela.
Mas ao toc-la e constatar que belaE que macia, e o corpo que bem-postoO vento, de repente, toma gostoE por ali pe-se a brincar com ela.
Eu a princpio, no percebo nada...Mas ao notar depois que a Amada tem
Um ar confuso e uma expresso corada
A cada vez que o velho vento vemEu o expulso dali, e levo a Amada:
Tambm brinco de vento muito bem!
IV A GUA
A gua banha a Amada com to claros
Rudos, morna de banhar a AmadaQue eu, todo ouvidos, ponho-me a sonharOs sons como se foram luz vibrada.
Mas so tais os cochichos e descarosQue, por seu doce peso deslocadaDiz-lhe a gua, que eu friamente encaroOs fatos, e disponho-me emboscada.
E aguardo a Amada. Quando sai, obrigo-aA contar-me o que houve entre ela e a gua:
Ela que me confesse! Ela que diga!
E assim arrasto-a cmara contguaConfusa de pensar, na sua mgoaQue no sei como a gua minha amiga.
Montevidu, 04.1960
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Soneto da hora final
Ser assim, amiga: um certo dia
Estando ns a contemplar o poenteSentiremos no rosto, de repenteO beijo leve de uma aragem fria.
Tu me olhars silenciosamenteE eu te olharei tambm, com nostalgiaE partiremos, tontos de poesiaPara a porta de treva aberta em frente.
Ao transpor as fronteiras do SegredoEu, calmo, te direi: No tenhas medo
E tu, tranqila, me dirs: S forte.
E como dois antigos namoradosNoturnamente triste e enlaadosNs entraremos nos jardins da morte.
Montevidu, 07.1960
Soneto a Pablo Neruda
Quantos caminhos no fizemos juntosNeruda, meu irmo, meu companheiro...Mas este encontro sbito, entre muitosNo foi ele o mais belo e verdadeiro?
Canto maior, canto menor dois cantosFazem-se agora ouvir sob o CruzeiroE em seu recesso as cleras e os prantosDo homem chileno e do homem brasileiro
E o seu amor o amor que hoje encontramos...Por isso, ao se tocarem nossos ramosCelebro-te ainda alm, Cantor Geral
Porque como eu, bicho pesado, voasMas mais alto e melhor do cu entoas
Teu furioso canto material!
Atlntico Sul, a caminho do Rio, 1960
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Potica (II)
Com as lgrimas do tempo
E a cal do meu diaEu fiz o cimentoDa minha poesia.
E na perspectivaDa vida futuraErgui em carne vivaSua arquitetura.
No sei bem se casaSe torre ou se templo:
(Um templo sem Deus.)
Mas grande e claraPertence ao seu tempo
Entrai, irmos meus!
Rio de Janeiro, 1960
O anjo das pernas tortasA Flvio Porto
A um passe de Didi, Garrincha avanaColado o couro aos ps, o olhar atentoDribla um, dribla dois, depois descansaComo a medir o lance do momento.
Vem-lhe o pressentimento; ele se lanaMais rpido que o prprio pensamentoDribla mais um, mais dois; a bola trana
Feliz, entre seus ps um p-de-vento!
Num s transporte a multido contritaEm ato de morte se levanta e gritaSeu unssono canto de esperana.
Garrincha, o anjo, escuta e atende: Goooool! pura imagem: um G que chuta um oDentro da meta, um 1. pura dana!
Rio de Janeiro, 1962
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Soneto no sessentenrio de Rafael Alberti
A luminosa lgrima que verte
Hoje de ti saudosa a tua EspanhaQuero beb-Ia em forma de champanhaNa mesma taa em que bebeste, Alberti.
E brindaremos para que desperteNum mpeto feroz de touro em sanhaSedenta de viver a tua EspanhaQue um mau toureiro derrotou inerte.
Beberemos, irmo, por que bem hajaTeu povo malferido, e que reaja
E do encontro final, rtilo e forte
Reste na arena o touro sobranceiroE pela arena, o sangue do toureiroConte que a vida renasceu da morte.
Petrpolis, 10.12.1962
Soneto da espera
Aguardando-te, amor, revejo os diasDa minha infncia j distante, quandoEu ficava, como hoje, te esperandoMas sem saber ao certo se virias.
E bom ficar assim, quieto, lembrandoAo longo de milhares de poesiasQue te ests sempre e sempre renovandoPara me dar maiores alegrias.
Dentro em pouco entrars, ardente e louraComo uma jovem chama precursoraDo fogo a se atear entre ns dois
E da cama, onde em ti me dessedentoTu te erguers como o pressentimentoDe uma mulher morena a vir depois.
Rio de Janeiro, 04.1963
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Soneto da rosa tardia
Como uma jovem rosa, a minha amada...
Morena, linda, esgalga, penumbrosaParece a flor colhida, ainda orvalhada
Justo no instante de tornar-se rosa.
Ah, porque no a deixas intocadaPoeta, tu que s pai, na misteriosaFragrncia do seu ser, feito de cadaCoisa to frgil que perfaz a rosa...
Mas (diz-me a Voz) por que deix-la em hasteAgora que ela rosa comovida
De ser na tua vida o que buscaste
To dolorosamente pela vida?Ela rosa, poeta... assim se chama...Sente bem seu perfume... Ela te ama...
Rio de Janeiro, 07.1963
Soneto do gato morto
Um gato vivo qualquer coisa lindaNada existe com mais serenidadeMesmo parado ele caminha aindaAs selvas sinuosas da saudade
De ter sido feroz. sua vindaAltas correntes de eletricidadeRompem do ar as lminas em cinzaNuma silenciosa tempestade.
Por isso ele est sempre a rir de cadaUm de ns, e a morrer perde o veludoFica torpe, ao avesso, opaco, torto
Acaba, o antigato; porque nadaNada parece mais com o fim de tudoQue um gato morto.
Florena, 11.1963
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Anfiguri
Aquilo que eu ouso
No o que queroEu quero o repousoDo que no espero.
No quero o que tenhoPelo que custouNo sei de onde venhoSei para onde vou.
Homem, sou a feraPoeta, sou um louco
Amante, sou pai.
Vida, quem me dera...Amor, dura pouco...Poesia, ai!...
Rio de Janeiro, 1965
Soneto de maio
Suavemente Maio se insinuaPor entre os vus de Abril, o ms cruelE lava o ar de anil, alegra a ruaAlumbra os astros e aproxima o cu.
At a lua, a casta e branca luaEsquecido o pudor, baixa o dosselE em seu leito de plumas fica nuaA destilar seu luminoso mel.
Raia a aurora to tmida e to frgilQue atravs do seu corpo transparenteDir-se-ia poder-se ver o rosto
Carregado de inveja e de pressgioDos irmos Junho e Julho, friamentePreparando as catstrofes de Agosto...
Ouro Preto, 05.1967