vinãr notas para pensar o odio ao estrangeiro

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172 Fernando Ulloa um mero vínculo entre semelhantes, de igual para igual, para deixar lugar ao estrangeiro do outro semelhante e ao próprio estrangeiro. Encontram-se nela o mesmo e o estra- nho, aquilo da identidade que mantém o traço da estrangeridade das origens. em comum nessas amizades estrangeiras um mito fundacional, que não é alheio aos usos da novela neurótica - diria que se trata nelas de uma encenação dessa novela. É comum recorrer, para situar sua especificidade, a uma qualificação das relações pessoais em termos de afetos. Assim, em um primeiro nível, colocar-se-iam as relações ín- timas, centradas no enamoramento e no edípico. Poder-se- ia dizer, a respeito delas, que navegam pelo mesmo rio, em um mesmo bote, expostas aos naufrágios do Édipo e do amor. Uma segunda categoria seria representada pelas ami- zades cotidianas, a camaradagem, as relações de trabalho, onde a navegação continua em um mesmo rio, mas agora em botes diferentes. As colisões costumam ser, aqui, mais fre- quentes que os naufrágios. São também o viveiro da solida- riedade. Por último, nas amizades estrangeiras teríamos um rio heraclitiano, constantemente cambiante, sem correntes nem botes. Os amigos estrangeiros estão em margens distin- tas desse rio mutante da vida que passa entre eles - e, no entanto, periodicamente encontros. Encontros cerimoni- ais que selam a amizade, ilustrados, por exemplo, na histó- ria da amizade entre Martin Pierrô e o sargento Cruz. O interessante desse desenho é que ele ilustra o que constitui a essência das amizades estrangeiras, ou seja, aquelas situações em que prevalece a liberdade, que alberga uma certa estrangeiridade e, como consequência, um desejo distante dos caminhos edípicos e da doce tirania dos enamoramentos. Essas amizades que chamo, quase metaforicamente, estrangeiras, constituem, além disso, uma via que me permite recuperar o amistoso, o amigo, no dispositivo psicanalítico transferencial. i \J reconhecimento do próximo* Notas para pensar o ódio ao estrangeiro* Marcelo Vinar JNos estudos de antropologia política de Pierre Clastres 1 , estudioso francês que conviveu durante muito tempo com tribos indígenas sul-americanas, menciona-se o fato de frequentemente os membros dessas tribos designarem a si mesmos com um vocábulo que em sua língua era sinónimo de "os homens" e reservavam para seus congéneres de tribos vizinhas termos como "ovos de piolho", "sub-homens" ou equivalentes com valor pejorativo. Trago esta referência - que Clastres denomina etnocentrismo - eloquente de uma xenofobia em sociedades primitivas, porque ela é tentadora para propor origens precoces, quem sabe constitucionais ou genéticas, no ódio ou recusa das diferenças. A mesma precocidade, dizem alguns, encontra-se nas crianças. Uma criança uruguaia, com clara ascendência europeia, como é comum em nosso país, resultado do genocídio indígena, denuncia, entre indignada e temerosa, * Tradução de Monica M. Seincman. 1. Pierre Clastres, Chronique dês indiens Guayaqui, 1972. La sodélé contre l'État (Recherches d'anthropologie politique). Paris, MinuiL, (Collection "Critique"), 1974.

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  • 172 Fernando Ul loa

    um mero vnculo entre semelhantes, de igual para igual,para deixar lugar ao estrangeiro do outro semelhante e aoprprio estrangeiro. Encontram-se nela o mesmo e o estra-nho, aqui lo da identidade que mantm o trao daestrangeridade das origens.

    H em comum nessas amizades estrangeiras um mitofundacional, que no alheio aos usos da novela neurtica- diria que se trata nelas de uma encenao dessa novela.

    comum recorrer, para situar sua especificidade, auma qualificao das relaes pessoais em termos de afetos.Assim, em um primeiro nvel, colocar-se-iam as relaes n-timas, centradas no enamoramento e no edpico. Poder-se-ia dizer, a respeito delas, que navegam pelo mesmo rio, emum mesmo bote, expostas aos naufrgios do dipo e doamor. Uma segunda categoria seria representada pelas ami-zades cotidianas, a camaradagem, as relaes de trabalho,onde a navegao continua em um mesmo rio, mas agoraem botes diferentes. As colises costumam ser, aqui, mais fre-quentes que os naufrgios. So tambm o viveiro da solida-riedade. Por ltimo, nas amizades estrangeiras teramos umrio heraclitiano, constantemente cambiante, sem correntesnem botes. Os amigos estrangeiros esto em margens distin-tas desse rio mutante da vida que passa entre eles - e, noentanto, h periodicamente encontros. Encontros cerimoni-ais que selam a amizade, ilustrados, por exemplo, na hist-ria da amizade entre Martin Pierr e o sargento Cruz.

    O interessante desse desenho que ele ilustra o queconstitui a essncia das amizades estrangeiras, ou seja,aquelas situaes em que prevalece a liberdade, que albergauma certa estrangeiridade e, como consequncia, um desejodistante dos caminhos edpicos e da doce tirania dosenamoramentos.

    Essas amizades que chamo, quase metaforicamente,estrangeiras, constituem, alm disso, uma via que mepermite recuperar o amistoso, o amigo, no dispositivopsicanaltico transferencial.i

    \J reconhecimento do prximo*Notas para pensar

    o dio ao estrangeiro*Marcelo Vinar

    JNos estudos de antropologia poltica de PierreClastres1, estudioso francs que conviveu durante muitotempo com tribos indgenas sul-americanas, menciona-se ofa to de f requentemente os membros dessas tribosdesignarem a si mesmos com um vocbulo que em sualngua era sinnimo de "os homens" e reservavam para seuscongneres de tribos vizinhas termos como "ovos de piolho","sub-homens" ou equivalentes com valor pejorativo.

    Trago esta referncia - que Clastres denominaetnocentrismo - eloquente de uma xenofobia em sociedadesprimitivas, porque ela tentadora para propor origensprecoces, quem sabe constitucionais ou genticas, no dioou recusa das diferenas.

    A mesma precocidade, dizem alguns, encontra-se nascrianas. Uma criana uruguaia, com clara ascendnciaeuropeia, como comum em nosso pas, resultado dogenocdio indgena, denuncia, entre indignada e temerosa,

    * Traduo de Mon ica M. Se incman .1. Pierre Clastres, Chronique ds indiens Guayaqui, 1972. La sodl

    contre l'tat (Recherches d'anthropologie politique). Paris, M i n u i L ,(Collection "Critique"), 1974.

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    l?4 Marcelo V ina r

    sua repulsa a uma criana japonesa que entrou em suaclasse (fato raro em nosso meio) e argumenta que sual i n g u a g e m lhe incompreensvel e seus traos sodiferentes e incomuns.

    Se as crianas e os primitivos reagem deste modo,pocler-se-ia concluir - precipitadamente - que o quemanifestam, de maneira to primria e transparente, algoque os desenvolvimentos posteriores da civilizao tornaroevidente de forma mais complexa e sofisticada, mas com a

    P mesma contundncia elementar.T Por esse caminho, e com a tendncia humana a buscarj cajjsalidades simples e lineares, estamos a um passo de"encontrar" explicaes instintivistas do dio e da violncia,em uma hierarquizao em que a natureza precede acultura, territrio de escolha das argumentaes racistas, A"natureza" - o "biolgico" como "a" origem ou "a" causa -operam como explicao segura e tranquilizadora antequestes que nos encurralam na ignorncia e na inseguranade um saber parcial (o recurso falcia referencial).

    Basta deter-se um instante para reagir falsidadepseudoprobatria cia demonstrao.

    J r Os pertencentes chamada cultura primitiva - povosagrafos - por serem primitivos no so "mais naturais" e seusperfis culturais so com frequncia estabelecidos mais

    rigidamente do que na sociedade moderna. Suas regras deconvivncia, aliana ou inimizade, devem ser buscadas porcaminhos menos montonos que os das diferenas tnicas.

    1 A noo de identidade grupai, que pretende aludir a um\ referente que preexiste ao discurso, , na realidade, seu[j">rocluto.

    Lembro-me com prazer de minhas caminhadas peloparque quando meu filho mais novo, um andarilho, erapequeno, e de minha surpresa ao ver em seu pequeno corpoum retrato gestual de m i m mesmo. No h necessidade depreencher esta recordao com explicaes genticas, massim mimticas. - -^v - - -

    O reconhecimento cio prximo 175

    sT-Seja primitivo, criana ou adulto ocidental moderno,reconhecer e qualificar o outro um problema difcil einterminvel como um labirinto, e apesar de a religio e deos "princpios morais universais" nos falarem do prximo oudo semelhante, necessrio, para poder pensar mais longe,no se deixar pegar na armadilha de uma viso angelical do!homem como essencialmente bom, e, sim, partir do axioma ,oposto (que uma olhada na histria e na vicia privada efamiliar nos faz constatar com estremecimento) - o outrocomo algum a subjugar ou a exterminar.

    O primeiro passo - e no o menor - do problema queabordamos o do reconhecimento de sua existncia comoproblema e de sua dificuldade, isto , de que o prximo,meu semelhante, coloca-me desafios para os quais no tenhouma resposta clara, mas sim hesitaes contraditrias. Se aproposta crist - amars ao prximo - no eficaz, e a donazismo - extermin-lo-s no sustentvel, somente nosresta o caminho rido, difcil e espinhoso de tematizar egerar narrativas que permitam simbolizar a presena ciosemelhante e do diferente em duas existncias noexcludentes, sabendo que a metfora conciliadora e ametfora da excluso sempre rondam por a e culminam noaparecimento de um entendimento, ou na monstruosidadecie um sacrificado e um torturador.

    Em nossa prtica clnica na Amrica Latina o problemase coloca com frequncia. Sabe-se que muitas mulheresbrancas centro-americanas no se depilam, contrariando oideal de beleza ocidental de que so subsidirias em outrosaspectos, para marcar a diferena com a indgena que notem plos.

    Um paciente peruano, mestio, pediu uma consulta emvirtude de ideias delirantes de que de seus ps exalavam umodor insuportvel, e, na descrio, voltava com insistncia expresso: "Quero ser claro". Claridade que o trabalhoanaltico remetia "raa branca" de um de seus progenitorese a preocupao delirante do odor concernia ambivalncia

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    em relao ao outro progenitor a quem amava, mas quepertencia "raa inferior".

    Como resumiu Marie-Claire Calloz, citando C.Castoriadis:

    O racismo participa de algo muito mais universal do quehabitualmente se admite. um fruto, particularmente agudoe exacerbado, uma especificao monstruosa de um trao quese constata empi r i camente como quase un iversa l nassocieciades humanas . Tra ta - se da i n c a p a c i d a d e deconstruir-se como si mesmo sem excluir o outro, e daincapacidade de excluir o outro sem desvaloriz-lo ef inalmente odi-lo.

    Nosso ponto de partida ser, ento, reconhecer nooutro seu aspecto inquietante e fobgeno e no obturar ouenclausurar esta inquietude ante as diferenas com o mitoutpico das manifestaes. Reconhecer o conflito para neletransitar, no pretender conciliar as diferenas e trabalharsempre em uma transparncia diferida e parcial. curioso,observa Fernando Andacht , que com o mesmo termo"inquirir", "inquisio", possamos fazer o melhor e o pior.

    Voltando s consignas crists, fonte de nossa cultura,evoco novamente o "Amars ao prximo como a ti mesmo",porque um psicanalista pode escutar esta consigna comhumor e divertimento, quando nosso trabalho clnico deIodos os dias manifesta a capacidade que o humano tem decausar danos a si prprio e at de se destruir, nessa viagemque prope cada destino: a do impossvel caminho at afelicidade.

    No rduo processo de reconhecer e qualif icar ol > n i \ i i n o - problema que emerge e se coloca tanto ao nveldos indivduos quanto ao das comunidades - no temoso i i i m remdio (pelo menos no vejo outro caminho) a no

    i H-ronvr a uma pluralidade de disciplinas, a uma salada

    O reconhecimento do prximo 111

    mista de observaes e cdigos tericos, para poder apenasesboar a sua colocao, e no pretender neste momentosolues s suas tenses, sendo sem dvida a xenofobia suaexpresso mais mortfera e odiosa. No se trata de umproblema a ser resolvido, mas de explicitar e esclarecerparadoxos a respeitar. Mas, como pensa Gerardo Caetano2,

    ... sem uma "resposta7 ' a essas "perguntas", sem essasdefinies, no h mundo humano, nem sociedade, nemcultura , pois tudo f icaria em um caos indiferenciado. Afuno das significaes imaginrias prover uma respostaque, de mane i ra a lguma , nem a "realidade" nem a"racionaldade" so capazes de proporcionar.

    Porque, se me perguntam quem sou, certamenteresponderei com a ficha de identidade de meu passaporte:nome, idade, profisso, nacionalidade. Mas uruguaio querdizer "sudaca" na Espanha, e "hispano" na Amrica doNorte, eptetos que conotam o deslizamento de umelemento descritivo a um juzo de valor que denuncia ocarter posicionai e no substantivo da proposio.

    T. Todorov"1, em um livro no qual postula que asemitica no pode ser pensada fora cia relao com o outro,recorda que este vnculo no se constitui em uma s e nicadimenso e que h pelo menos trs eixos para situar aproblemtica da alteridacle:

    o primeiro axiolgico, um juzo de valor: o outro bomou mau, amo-o ou no, igual ou inferior a mim, comodiziam os ndios guayakis, citados por Clastres. (Por outrolado, Freud sustentava tambm em seu texto sobre anegao, j em 1925, que para a operao mental o juzode valor precede o da existncia);

    2. Identidad uruguaya: jMito, crisis o afirma cio n? CompilaoAchugar y Caetano. Textos de G. Verdesio e G. Caetano, Montevidu,Trilce, 1992.

    3. T. Todorov, "Tipologa de Ia relacin ai oiro", in La conquista deAmrica o Ia cuestin dei oiro. Paris, Seuil, 1982, cap. IV, p. 191.

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    uma segunda dimenso praxeolgica: aceito os valoresdo outro e me assimilo a ele; ou imponho-lhe minhaprpria imagem e o assimilo a mim, a tenso quemsubmete quem;e, por ltimo, a operao epistmica: conhecer e reconhe-cer a alteridade constitui-se somente na superao dos ei-xos precedentes (de amor-dio, domnio-submisso).

    ^ As trs dimenses, amar-odiar, conquistar e conhecerso o trip semitico no qual se processa a possibilidade doencontro com a alteridade.-^ Ao nvel do coletivo, do societrio, da sociedade, a

    noo de nao ou de identidade nacional'1 padece datentao essencialista (ou falcia referencial), como aquelaproposta pela definio de Seton Watson: "Continuidadenarrativa de progresso nacional, de autogerao narcisista,de auto-realizao de uma cultura e sociedade homogneas".As naes, como sabemos, se definem na Europa ou noNorte, pois quem nomeia, domina. Se pde ser pensado algodesta definio para as sociedades europeias, seus conceitosdificilmente so aplicveis s comunidades latino-americanasconstrudas com base em um genocdio indgena recente esobre emigraes europeias e africanas, em uma diversidadetnico-cultural formidvel. Mas para se adaptar s exignciasdos pattems europeus, os civilizadores criollos que no tinhamsuporte para a noo histrica da nao-Estado (isto , umaorganizao jurdico-institucional baseada na preexistnciade uma longa histria compartilhada pelos membros dacomunidade), tiveram de criar o Estado-nao, "organizaoquase ex-nibilo", para "criar" uma conscincia nacional emque ela no existia.5 A histria da identidade nacional est,assim, marcada por exigncias de um poder hegemnico,econmico e cultural.

    4. Ibiclem.5. Identidad uru^uaya:

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    -v> Segundo Stanley Fish7, quando um indivduo enfrentaum texto, o decodifica munido de uma srie de estratgiasiftterpretativas que no lhe pertencem com exclusividade,mas que so patrimnio de uma comunidade da qual fazparte. Estas estratgias, que bem poderiam ser consideradascomo uma espcie de formato cogni t ivo , exis t i r iampreviamente a qualquer texto ou mensagem a decodificar.Desta maneira, haveria uma srie de indivduos pertencentes mesma comunidade interpretativa que, ante um dadotexto, o decodificariam da mesma maneira ou, na pior dashipteses, de forma similar.

    _^> Como indica Hanna Arendt , o peso da t r i log iaautoridade, tradio, religio como entropia e peso inercialcom que os indivduos e grupos enfrentam os problemasaluais em suas incessantes novidades, sob o esforo de umvdiscernimento novo e original, de enorme importncia.

    Pensar por si mesmo no um dado primrioalegremente disponvel no ponto de partida, mas, sim, oresultado da dor e penria de um esforo de pensamento,em que ao gozo e ao prazer de reconhecer e descobrir ope-sc o sentimento de traio; ao consenso, o sentimento dacriao como transgresso. O exemplo mais famoso edivulgado o de Galileu.

    Recentemente um bilogo, Stephen Gould, no livro Lame esl helle, evidencia como as ideias recebidas do darwnismoforam a interpretao do achado de novos fsseis luz doevolucionismo nico codificante autorizado e so necessriasquat ro dcadas para reinterpretar uma nova teoria daevoluo da vida. Durante esse tempo foi mais forte areproduo do formato cognitivo darwiniano, j oficial eaceito, do que as novas evidncias trazidas pelos novosachados.

    7. Stanley Fish, Is There a Text in this Class?, Cambridge/London,L i r v a i d l l n ivc r s i ly Press, 1980, pp. 303-321.

    necessrio, pois, desprender-se da falcia referencial(.entidades estveis que precedem o discurso) e situar-sena realidade do discurso: as "palavras" que usamos tmtodos os sentidos que lhes deram os que as usaram antes e"... quando falamos de identidade coletiva, somos faladospela histria destas palavras (G. Verdesio) com aapresentao e valores que contm".

    E quando uma comunidade institui seus textos, seusc

    mitos, seus valores ticos e estticos, est gerandosimultaneamente sua margem: o que se insti tui comomarginalidade e dissidncia, a cor da pele, a f religiosa, ascondutas sexuais, os loucos e os extraordinrios. MichelFoucault v neste movimento um vetor essencial do motorda histria: a produo incessante de diviso e segregao(partage etsegrgatiori).

    Com base em nossa escolha de pertinncia profissionale poltica, nossa funo trabalhar na margem (SergeLeclaire postula que a funo do psicanalista est destinadaa escutar o que no se diz [est vou Vcoute du non-ditj).Trabalhar na margem para reintegrar ao consenso (oestablishmenf) o que tende a ser expulso e abominado.

    Faz meio sculo que surg i ram na Europa osmovimentos de psiquiatria antimanicomial que apontamnessa direco com a relativa sorte que conhecemos. Aopelos loucos de natureza tcnica, acadmica e tica, mastambm poltica, porque o sistema manicomial pauta, marcae institui um pattern de trato do diferente em "sade mental",como tambm ocorre no meio social, ou nas qualidadestnico-culturais.

    Volto psicanlise e cito Alain Diclier-Weill:

    Na condio humana, um universal de cada sujeito (eque grupalmente leva comunho grupai) o estar habitadopor um impossvel de significar (uma zona no-simbolizvel).Estes ncleos rebeldes simbolizaro (ou seja, radicalmenteinacessveis ao saber) correspondem ao mais ntimo de cadaser e atravessam as geraes.

  • J-'ftvMTE182 j

    - l O t M n - f t - f ^ ^ j ^ o *^7:.'r-.,l -^icVe? 4i'Ait~Tt '

    Marcelo Vinar

    : Este mistrio do ser (ou enigma da origem) se mobilizae atualiza na relao com o estrangeiro. Que lugar assinalar-

    lhe e/ou a t r ibu i r - lhe frente irrupo do estranho daAlteridade, de sua incgnita, de seu carter inacessvel?"

    -. Desde Parmnides, a mente racional aponta para umateoria do ser, para a consistncia e unicidade de umaessncia, e o representvel se conserva na memriaconsciente, ou se reprime, inscrevendo-se na memriainconsciente. Mas o que fazer, ento, quando a mente estdiante do irrepresentvel?

    Uma resposta irrupo do estranho a paixotaxonmica, que responde mediante o dio radical dodiferente, como antinmico do prprio ser.

    .r s Outra soluo a esta angstia a experincia esttica,na qual admirao e espanto se conjugam, na qual omonstro se mostra e o escondido se faz acessvel e se resolvena abertura da operao epistmica, possibilitadora dodiferente. Mas esta operao comporta uma renncia aspirao da pureza do ser, porque o estrangeiro seapresenta como decomposio da unidade, como fermentodissipativo de corrupo que possibilita os riscos e incertezasde trocar o nico pelo mltiplo (na cidade e nos costumes).

    Parece-me um progresso a compreenso da necessidadede um tratamento bipolar do problema: interrogar umaidentidade no apenas definir o que ela contm e abrigano interior, mas o que faz fronteira e limite diferencial e otratamento que damos a esse fora, isto , a criao doestranho e do estrangeiro.

    Na matriz tnico-cultural a que pertencemos, as ideiasconsensuais - dominantes ou transgressoras - configuram

    8. L'tranger. Crise, Reprsentation. Colquio de Lyon, 1984.Colectivo de Acontecimientos Psicoanalticos, Paris.

    Pt?

    O reconhecimento do prximo 183

    um modo de pensar e de posicionar-se ante o amor, a moru-,a constituio do sagrado e do intolervel, os ideais e valoresticos e estticos.

    No h ponto intacto para um sujeito singular, masponto de adeso, de rejeio ou de questionamento do querecebe como institudo. Na magia coletiva do postulado peloestablishment, mestres ou heris, no se trata de pretender al iberdade, mas discernir , negociar e adminis t rar asdependncias, sabendo que pensar por si mesmo e parir aprpria alteridade do trabalho, dor e risco. Na sugestocoletiva em que estamos sempre imersos, a singularidadeque a experincia analtica busca e propicia, necessita desselimite, limiar entre o pessoal e o coletivo, ponto de disjunoque alerta contra uma megalomania solipsista e totalizante,sempre ativa e em ao em cada um de ns.

    H um ponto originrio, mtico, mgico ou sagrado noqual se discrimina o familiar do estrangeiro, o prprio doestranho. sobre este ponto que queremos nos interrogar.

    A observao de bebs situa entre o oitavo ms de vidaa fobia ao estrangeiro, que contrasta com o jbilo com quea imagem visual, acstica ou olfatva, delata a presenamaterna ou de seus substitutos; e se o beb to bom queno chora nesta circunstncia, ento - diz Melanie Klein - um mau pressgio para sua organizao psquica posterior,o que indica a importncia da funo estruturante destadiscriminao primria.

    A psicopatologia psicanaltica - e de um modo particu-lar a teorizao lacaniana, que faz da perda e da metonimi-zao do ncleo original a base da constituio do sujeito -se ocupa da importncia dos ncleos ide n ti f i ca to rios inici-ais e/ou dos aleatrios em sua constituio.

    Para no repetir o estudado e conhecido na teori/aaosobre o advento de um sujeito singular, quero clescentrar-me do desenvolvimento habitual e tomar como eixo de-reflexo, no enigma das origens, no o que define o su j r i i oem sua singularidade, mas os traos identificatrios

  • 'Marcelo V i f i a r

    concernem ao vnculo social e definem, por sua vez, acomunidade - conjunto transuhjetivo - e/ou os sujeitos quea constituem.

    Sentimento de comunidade que se faz evidente econvincente em seus aspectos emocionais e passionais, como o grito do gol da vitria no esporte ou o dos espanhisante o passo do toureiro e, a inda de maneira maiselementar, a silhueta de uma paisagem, um rosto ou umgesto, a msica de uma frase ou de uma cano, aevanescncia de um odor ou um sabor capazes de fazersurgir sem hesitao a presena e a certeza de umaidentidade: O amor e a nostalgia fabricam lugares santos ousagrados, sem equivalncia nem comparao pensveis.Jacques Lacan criou o neologismo "extimidade" para indicaro trao da intimidade que se l no exterior.

    v.Tudo isto resiste a uma genuna elucidao racional ou

    discursiva, ainda que sua condio de smbolos compartilha-dos seja de uma fulgurante evidncia. Comunidade que sereconhece na sensibilidade compartilhada de um lugar -geografia pattica, diz Vladimir Yankelevich - ou de umapoca. A historiografia moderna de George Duby ou JosPedro Barrn em nosso meio, e dos estudos de psicologiahistrica de Jean-Pierre Vernant ilustram brilhantementeeste ponto de vista.

    E provvel que a dimenso pica, e a exaltao quecomporta, tenha em cada cultura seus ritos e lugarespreferenciais de expresso e catarse. O futebol foi e , entrens, o mesmo que as olimpadas, os feitos, as ordlias (emeus conhecimentos de histria e antropologia escasseiampara continuar a lista), manifestaes nas quais se expressao que Freud denominou "as almas coetivas". A confusodestas criaes coetivas quando a festa termina ematropelo como em As bruxas de Salem, ou na inquisio ou,mais domesticamente, na cena de linchamento de uminocente que todos vimos nos filmes de cowboys. Em seutempo, o esprito alemo foi invocado para produes to

    O reconhecimento do prximo S.S

    subl imes como uma filosofia e uma ms ica q u rtranscenderam universalmente, e outras monstruosas, comoo nacional-socialismo.

    O que preciso detectar na exaltao dessa alma p h n ; i lque nos "cria", no deve ser apenas buscado em seu interior,mas em sua necessidade estrutural de fabricar ou gerar outrafigura complementar e imprescindvel: a do estrangeiro oua do inimigo.

    Como assinala Cornelius Castoriadis, so as mesmasforcas ou fatores que engendram as facetas saudveis efundantes cie um perfil identitrio que contm - pelo menospotencialmente - a energia da rejeio e da excluso que ) tratamento mais comum do diferente.

    Para pensar cada identidade nacional atual, no se podebuscar uma semiologia descritiva e funcional que pretendeuma objetividade que ultrapassa a tomada de posio deuma tica. H premissas ticas e metodolgicas. Partimos -com Hanna Arenclt - do pressuposto de que "a pluralidade a lei do universo", o mais constante e universal de todofenmeno humano; e o mito do nico, do sublime ou dopuro - enfeitando nossa discusso - entornam o caldo.

    Direito de sangue ou de nascimento - proximidade -so o parco e poderoso recurso jurdico para definir anacionalidade. Basta que algum no tenha carteira deidentidade, passaporte ou acesso ao rgo expedidorcompetente para se ter ideia de sua importncia. Como oar ou a gua com sua presena silenciosa: basta que faltempara que sua ausncia pressione e angustie.

    Em um planeta em expanso demogrfica, com meioscie transporte tambm em expanso, e meios massivos ck-comunicao no auge, e com o incremento de diferenaseconmicas - 1/8 que acumula o poder e a riqueza c 7/8em pauperizao crescente -, as presses migratrias so i*sero um fator poltico decisivo no mundo atual e no f u t u r o .

  • 186 Marcelo V ina r

    A cem anos da descoberta f r eud iana , qua lquerpsicanalista sabe que ningum pode chegar a dizer quem ;mas essa impossibilidade justamente o estmulo ouaguilho de uma busca interminvel que se inicia na aurorada conscincia e dura at a vspera da morte: quem sou?,quem o outro? Sabe tambm - por introspeco eacumulao informativa - que nos momentos nodais dessareflexo - momentos de exaltao feliz ou dolorosa - asrespostas sempre fragmentrias, mas vidas de totalidade,podem agrupar-se esquematicamente como no chistegrotesco do jarro de gua pela metade, sobre o qual ootimista diz que est meio cheio e o pessimista, meio vazio.

    Outro carter que aparece no f luir espontneo dainterrogao o de que esta oscila entre a primeira pessoagramatical do singular e a primeira do plural. Oscilaoentre "eu" e "ns" que deixa sempre um ponto inconclusoe suspenso: quem sou? quem somos?

    A pergunta sobre a identidade no funciona como emlgica - dois objetos de pensamento, distintos no tempo ouno espao que apresentariam as mesmas qualidades,(segundo Lalande) - ou em aritmtica (A=A'X A distinoentre a analogia e a diferena no concerne ao que "se temem comum", mas ao que "se pe em comum"9. As peripciasde Branca de Neve e sua madrasta informam e ensinam maissobre este tema do que o dicionrio de lgica ou psicologia:"Diga-me espelho meu, quem mais bela do que eu?" Oconhecimento que todos temos desta obra nos permite teceralguns comentrios: a crena de que o outro tem o que mefa l ta ou o que desejo, permite o acesso a uma dialtica

    y. J. L. Nancy e Philippe Lacoue-Labarthe, "La panique politique",in Confrontation, n11 9.

    O reconhecimento do prximo K7

    singular, na qual os termos opostos so necessrios M . Imesma constelao; sua conjugao deixar aparecer umsujeito dramtico (shakespeariano ou freudiano), enredadoem realidades alucinatrias, compreensveis no como falhade percepo, mas como excesso de sentido. Talvez tenhacie buscar neste raciocnio uma "distncia tima", em que asurpreendente exaltao do dio do semelhante denatureza paradoxal e se apaga quando a diferena radicale facilmente discernvel.

    O termo "identidade" apresenta um risco: parece apon-tar para o reconhecimento - identificao - de elementosdefinidos e estveis e a hipostasi-los; enfatizar o que "se "e no o que "se busca""1 e pode ter o defeito de funcionarcomo espartilho ou molde rgido. Parece convidar a discer-nir o essencial e despoj-lo do acessrio ou contingente, emuma postura taxonomista que promove mais a classificaodo que o pensamento; pode propiciar a tentao de defini-es objetivas, dando por subentendido que a subjetivida-de diminui ou subtrai veracidade a quem sabe do conheci-mento universal e objetivo. Lu is Cludio Figueiredo nos falada alteridade em processo, em emergncia no constituda,e prope definir nossa capacidade de manter o estranho naproximidade sem assimil-lo ou destru-lo.

    Trata-se, ainda, de expressar como algum se identificaem sua pertinncia poltico-cultural, desde sua pessoa, grupoou campo profissional. No h perspectiva exterior nemsaber objetivante; h apenas perspectiva dialgica (Bajtin)em que o observador parte constitutiva do sistema queestuda. Prefiro, como psicanalista, situar a reflexo no tantona identificao de traos ou arestas claras ou clarificveis,

    10. Aprendi depois, com Jos Pedro Barrn, que esta distino co-nhecida na Histria. O conceito alemo de nacionalidade parte e concluisobre o que o sujeito e a comunidade so (o jus sanquinis o critrio fun-dador). Na noo francesa, a nfase est na eleio e na adeso ao projetoem comum.

  • Marcelo V i n a r

    mas nos confins em que a claridade e enigma caminhamlado a lado. Em um questionamento sobre as origens, ointervalo entre o rudo e o sentido, nunca to fcil precisare discriminar como na lgica cognitiva comum. E odiscernimento que conseguirmos estar mais nas perguntasque poderemos formular e no espao de problemas quecheguemos a sugerir ou desenhar, do que nas respostasastutas ou torpes que acalmem e encerrem nossasinquietaes.

    Deus nos livre de buscar explicaes que dicotomizemf a to rs subjetivos e objetivos - econmicos, demogrficos,sociolgicos e psicolgicos - ali onde, se h algumainteligibilidade possvel, no com um suporte de exatido,ou em um realismo substancialista de oposies excludentes,mas na conjectura de f ato r s mltiplos em que asuhjetividade tem um lugar indubitvel.

    Diante dessas perguntas cruciais que palpitam em nossopresente - com certa desordem e a ttulo de sugesto, j queno sou capaz de uma lista sistemtica e exaustiva , queriaabrir algumas brechas num caminho inalcanvel.

    Basta ler, por exemplo, a manchete do jornal quecomemora o dcimo aniversrio da Guerra das Malvinas, naboca do presidente argentino: "Os mil mortos argentinos sofaris no caminho do herosmo latino-americano". Este otipo cie identidade nacional que se deve combater, porque,onde h urtigas, as plantas no crescem. A Guerra dasMalvinas foi desencadeada no momento oportuno em quea ditadura militar se via ameaada pelo ressurgimento demovimentos populares, ocultando na exaltao nacionalistaa oposio fundamental entre uma ditadura criminosa e ademocracia. fcil pensar que h uma coerncia internaentre este texto, como unidade elementar, e o modelopoltico-econmico que o mesmo personagem polticorepresenta e repele.

    Perante a "mercosulizao" de nossa identidade -pujante e no auge e, em muitos aspectos, desejvel -, o que

    O reconhecimento do prximo X')

    no quero "mercosulizar" o tratamento cios meninos derua, produto exemplar da modernizao de nosso sislemaprodutivo. Penso que no h tratamento asspt ico ouapoltico deste tema e que pretend-lo, para alm cie seucinismo, assume uma posio radicalmente poltica. E a ind; ique um psicanalista seja panfletrio quando confessa su;isensibilidade poltica, esse excesso cabe nesta situao que,temo eu, ch ma-se eufemisticamente "cincia no-comprometida",

    Na busca que empreendo - o reconhecimento de queo tema da identidade tambm tem uma dimenso irracional-, bom estar sempre atento para discernir o joio do trigo,o sagrado da podrido, quando o prazer de uma brisa, asilhueta de uma montanha ou uma cano podem darorigem s excrescncias cancerosas de uma auto-refernciaaltaneira e cega para com a alteridade. Com nosso tema, osagrado e o podre devero ser tratados como oxmorons.

    De maneira ainda mais radical, a seguinte prola do Sr.Terre Blanche, lder do partido de ultradireita na frica doSul: "Este um pas em que os pequenos homens negrosque cheiram mal, pretendem a igualdade com os brancosque dispem da tecnologia da bomba atmica e consegui-ram o transplante de coraes" (A repblica, 18.1.1992).

    Caso se supere ou esconda a repugnncia primria eirrenuncivel de nosso racista congnere, pode-sesurpreender com algo extraordinrio na comparao: o quese ope ao corpo supostamente desagradvel no o termoaruinmico e luminoso da mesma srie - um corpo branco,atraente -, mas argumentos de poder tecnolgico, ou se j a ,de poder, mas envolto em um texto que pretende, mc-clianleum espelhamento, veicular racionaliclade demonstrativa,Falso argumento que mil vezes na histria foi vendido comooposio entre civilizao e barbrie, em nome de umaespecificidade cultural, religiosa ou tnica,

    s vezes no fcil distinguir - dentro ou fora de nsmesmos - entre a paixo taxonomista cio racista, que

  • 190 Marcelo Viriar

    discrimina para excluir e massacrar, e a do semitico, quebusca em uma leitura fina avanar na compreenso e deleitedo inundo. O Sr. Tierra Banca (Terra Branca) que falaem outro continente, mas na mesma latitude - traz ao nossocolquio, com telegrfica preciso, uma semiologia quemostra algumas coisas que hoje nos importam: distinguiruma identidade baseada na diferena, de outra baseada nasuperioridade e a falsa antinomia entre tecnologia e corpoacima mencionada, que um curioso modo de tratar e deesconder o tema central da cultura". Contrariamente a estapostura, com falsa modstia, Gabriel Garcia Mrquez diziano querer nunca esquecer que era o oitavo filho doempregado dos correios de Aracataca, um povoadocolombiano, que um outro modo de situar o nosso lugare o dos outros, e contm a proposta identificatria de outraqualidade e, certamente, outra projeo em relao aofuturo.

    O que importa acrescentar - para alm da historieta,mas que somente ela permite evidenciar - que o grupoprovm do n, designando um espao interior discernvelde um fora. O "entre ns" que define uma identidadecompartilhada uma operao que engendra e segrega umdiferente, um alheio, um estranho, ao que deve serassinalado um estatuto e uma funo. Sustento que no modode tratar esse diferente pe-se manifesto e joga-se umdestino e uma projeo do que chamamos identidadenacional e o que eu preferiria renomear "memria coletiva".

    Essa maravilha da mesmidade na srie, da harmonia dounssono, busca um desfrute no homogneo, em que aaltericlade percebida como perigo de ruptura da unidade;

    1 1 . Pode-se presumir que Terra Branca, herdeiro de uma tradio ju-tlaico-crixt de pecado e culpabilidade, coloca-se em posio de inveja emrelac> iM)!i "dores do corpo - nesse oxmoron de atrao e asco -, masisin requereria mais material e um desenvolvimento que excede os limites

    irnbnlhn.

    O reconhecimento do prximo 191

    perigo necessrio, porque a gemelaridade primordial tantoprotege como asfixia. Mas o que quero dizer que odesenlace e futuro desse "ns" que se vai construindodepende tanto da qualidade intrnseca que se procure ourealize, como da natureza do intercmbio com o externo cioexogrupo,

    Nessa busca to necessria do "ns" que define oprprio, o diferente inquietante e s vezes insuportvel.O que fazemos com a diferena e com os sentimentos queprovoca? Procuramos admiti-los ou apag-los, toler-los ou.suprimi-los. Qual o trajeto ou o basculamento entredesignar e ler o diferente, e o deslize - s vezes imperceptvel- que refora a segregao pejorativa e a excluso? Como,entre o prprio e o estranho, vai se deslizando o no-compreensvel, o difcil de ler, at o incmodo e o ridculo,que vai abrindo caminho para uma lgica justificadora doextermnio...?