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vinagre (1), em que todos os indivíduos apresentam sempre as mesmas caracterís- ticas, transmitidas por hereditariedade. Inopinadamente, nesta linhagem pura, uma das moscas nasce com uma característica diferente, a destoar na uniformidade do conjunto, que aparte este acidente continua como dantes. Todos os indivíduos traziam, por exemplo, olhos vermelhos, e aparece um com olhos pretos. Diz-se que houve uma mutação. Na constituição genética do ôvo que deu origem àquela mosca aber- rante, deu-se uma alteração desconhecida, desconhecida tanto nas causas como na essência, e cujo resultado foi um desvio na côr dos olhos. Ora sucede que todas as moscas nasci- das da que apareceu com olhos pretos, terão olhos pretos, e de geração em gera- ção, a nova característica — olhos pretos — há-de manter-se até que uma nova mutação sobrevenha, se sobrevier, e a substitua por outra. Quere dizer: a mutação, o novo arranjo genético, fixou-se e transmite-se hereditàriamente. Assim se constituem as variedades (variação) que surgem dentro duma mesma espécie, duma mesma raça. A mutação aparece sem que saibamos como, nem porque motivo. Aparece. De Vries foi o primeiro a estudar este curioso fenómeno, em 1901, e numa obra hoje clás- sica (2) atribue à mutação a formação de variações esporádicas, espontâneas, indepen- dentes da acção do meio, descontínuas e niti- damente hereditárias, constituindo formas es- pecificas novas e estáveis. Contudo, e isto ó, para o nosso caso, muito importante, em 1927, II. J. Muller realizou artificialmente um grande número de mutações na Drosophila (1) Citamos a mosca do vinagre, Drosophila melanogaster, porque é o animal de escolha nos es- tudos de genética (2) Hugo de Vries Die Mutationstheorie 2 vols. — Leipzig, 1901 e 1903. Foi publicado um resumo em francês, por Blaringhem, com o título: Espèces et varietés, leur naissance par mutations Paris, 1909. pela acção dos Raios X (1). As moscas ou as larvas eram irradiadas em cápsulas de gelatina por meio duma ampola Coolidge de 50.000 volts e 5 miliamperes. Numa primeira série de experiências, Muller obteve 18 mutações que se traduziam por caracte- res morfológicos bem visíveis, e que se transmitiam hereditàriamente. Noutra sé- rie obteve 143 mutações, noutra 147, e as experiências sucederam-se. A mutação não é pois por completo independente do meio, como o afirmou de Vries, pois basta juntar ao meio um ele- mento estranho e enérgico para que a mu- tação se dê. Nós vamos mesmo um pouco mais longe. Para nós, é exclusivamente condicionada pelo meio ambiente: pela ali- mentação, pelo calor, pela luz, pela rádio- -actividade do solo, das águas, da atmos- fera, pelas radiações cósmicas, por tudo. São estes diversos elementos que condicio- nam a mutação, uns proporcionando, pre- dispondo a constituição genética da célula, outros desencadeando o fenómeno. # Vejamos agora outra questão: o da trans- missibilidade dos caracteres adquiridos. Cultivando na planície espécies vegetais próprias da montanha e vice-versa, Gr. Bon- nier observou que fragmentos do mesmo pó tomavam características totalmente dife- rentes. Determinada espécie que na mon- tanha apresentava um fácies A, transpor- tada à planície e aí cultivada originava uma espécie com um fácies diferente B. O novo fácies mantinha-se enquanto a cultura era feita na planície; mas transportada de novo à montanha readquiria logo o fácies primi- tivo A. Quere dizer: os caracteres adqui- ridos na planície, certamente condicionados pelo meio, não se fixavam na espécie, não se transmitiam hereditàriamente. (1) In Maurice Caullery Les conceptions mo- dernes de Vhérèditè, págs. 192 e segs. Flamma- rion, Paris, 1935 (16 frs.)

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v inagre (1), em que todos os ind iv íduos

ap re sen t am sempre as m e s m a s caracter ís ­

t i c a s , t r a n s m i t i d a s por he red i t a r i edade .

I n o p i n a d a m e n t e , nes ta l inhagem pura , u m a

das moscas nasce com uma carac ter í s t ica

diferente, a des toa r n a uni formidade do

conjun to , que apar te es te ac idente cont inua

como dan tes . T o d o s os ind iv íduos t raz iam,

po r exemplo , olhos ve rme lhos , e aparece

um com olhos p r e t o s . Diz-se que houve

u m a mutação. N a const i tu ição gené t i ca do

ôvo que deu or igem àquela mosca aber­

r an t e , deu-se u m a al teração desconhecida ,

desconhecida t a n t o nas causas como n a

essência, e cujo r e su l t ado foi um desvio n a

côr dos olhos.

Ora sucede que t odas as moscas nasci­

das da que apareceu com olhos pretos,

terão olhos pretos, e de geração em gera­

ção , a n o v a carac ter í s t ica — olhos pretos —

há-de man te r - se a té que u m a nova m u t a ç ã o

sobrevenha , se sobrevier , e a substitua por

ou t ra . Quere d i z e r : a m u t a ç ã o , o novo

arranjo gené t i co , fixou-se e t r a n s m i t e - s e

h e r e d i t à r i a m e n t e . Ass im se cons t i tuem as

va r iedades (variação) que su rgem den t ro

duma m e s m a espécie , duma mesma raça .

A mutação aparece sem que sa ibamos

como, nem porque mot ivo . Apa rece . De

Vries foi o pr imeiro a e s t u d a r es te curioso

fenómeno, em 1901, e n u m a obra hoje clás­

sica (2 ) a t r ibue à mutação a formação de

var iações esporádicas, espontâneas, indepen­

dentes da acção do meio, descontínuas e niti­

damente hereditárias, constituindo formas es­

pecificas novas e estáveis. Con tudo , e i s to

ó, p a r a o nosso caso , muito importante, em

1927, I I . J . Muller realizou artificialmente

um grande número de mutações n a Drosophila

(1) Citamos a mosca do vinagre, Drosophila melanogaster, porque é o animal de escolha nos es­tudos de genética

(2) Hugo de Vries — Die Mutationstheorie — 2 vols. — Leipzig, 1901 e 1903. Foi publicado um resumo em francês, por Blaringhem, com o t í tulo: Espèces et varietés, leur naissance par mutations — Paris , 1909.

pela acção dos Raios X (1). As moscas ou

as l a rvas e r am i r r a d i a d a s em cápsulas de

ge la t ina por meio d u m a ampola Cool idge

de 50.000 vol t s e 5 mi l iamperes . N u m a

pr imei ra série de exper iências , Muller ob teve

18 mutações que se t r a d u z i a m por carac te ­

r e s morfológicos bem visíveis , e que se

t r a n s m i t i a m he red i t à r i amen te . N o u t r a sé­

rie ob teve 143 m u t a ç õ e s , n o u t r a 147, e as

exper iências sucederam-se .

A m u t a ç ã o n ã o é pois p o r comple to

i n d e p e n d e n t e do meio , como o afirmou de

Vr ies , pois b a s t a j u n t a r ao meio u m ele­

men to e s t r anho e enérgico pa ra que a mu­

tação se dê. Nós v a m o s mesmo u m pouco

mais longe . P a r a n ó s , é exc lus ivamente

condic ionada pelo meio a m b i e n t e : pela ali­

men tação , pelo calor, pe la luz , pe la r ád io -

-ac t iv idade do solo, das á g u a s , da a tmos­

fera, pe las rad iações cósmicas , p o r t u d o .

São es tes diversos e lementos que condicio­

n a m a mu tação , u n s p roporc ionando , p r e ­

d ispondo a cons t i tu ição gené t ica da célula,

ou t ros desencadeando o fenómeno.

#

Vejamos agora ou t r a q u e s t ã o : o da t r ans ­

miss ibi l idade dos ca rac te res adqui r idos .

Cu l t ivando n a planície espécies vege t a i s

p rópr ia s da m o n t a n h a e vice-versa, Gr. Bon-

nier obse rvou que f ragmentos do mesmo

pó t o m a v a m carac te r í s t i cas t o t a l m e n t e dife­

r en t e s . D e t e r m i n a d a espécie que n a mon­

t a n h a a p r e s e n t a v a um fácies A, t r anspo r ­

t a d a à planície e aí cu l t ivada or ig inava u m a

espécie com u m fácies diferente B . O novo

fácies mant inha-se e n q u a n t o a cu l t u r a e r a

feita n a planície; mas t r a n s p o r t a d a de n o v o

à m o n t a n h a r eadqu i r i a logo o fácies pr imi­

t ivo A . Quere d i z e r : os carac te res adqui ­

r idos n a planície , certamente condicionados

pelo meio, não se fixavam n a espécie, não

se transmitiam hereditàriamente.

(1) In Maurice Caullery — Les conceptions mo-dernes de Vhérèditè, págs. 192 e segs . — Flamma-rion, Paris, 1935 (16 frs.)