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Porto Alegre, de 04 a 07 de maio de 2010 Vila Yolanda: Habitação com conforto e baixo custo para a Comunidade do Iraque, Recife-PE Juliana de Amorim Neves (1) Ruskin Marinho de Freitas (2) (1) Dep. de Arquitetura e Urbanismo, UFPE, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Professor do Dep. de Arquitetura e Urbanismo, UFPE, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: A construção de habitações populares ocorre com maior frequência, devido aos programas lançados pelo Governo Federal em parceria com Governos Estaduais e Municipais, no auxilio da aquisição da casa própria por famílias de baixo poder aquisitivo. Muitos conjuntos habitacionais populares, recentemente inaugurados, revelam falhas de projeto e de construção, além de insuficiente atendimento às necessidades da população, devido à urgência em sanar os problemas de déficit habitacional. Este artigo, desenvolvido a partir de Trabalho Final de Graduação, em Arquitetura e Urbanismo / UFPE, procura dar uma contribuição aos estudos e à concepção de projetos de habitações de interesse social, considerando os aspectos climáticos da região e do clima urbano local, o uso de materiais e energias renováveis, visando à qualidade ambiental, ao conforto dos usuários e ao baixo custo das construções. Palavras-chave: Arquitetura Bioclimática; Habitação Popular; Recife; Comunidade do Iraque. Abstract: The construction of affordable housing occurs more frequently, because of the Federal Govern´s programs in partnership with States and Citys, in aid of home ownership to poor families. Many public housing, recently inaugurated, reveal desing problems and construction fails, well as insufficient attention to the needs of the population,because of the urgency to finish the housing shortage. This article was developed from Work Graduation Final in Architecture and Urbanism / UFPE, seeks to contribute to studies and design projects for social housing, considering the local climate and the local urban climate, use of materials and renewable energy to meet the needs of a low income community in Recife developing a project that aims to environmental quality, the comfort of users and low cost of construction. Key-words: Bioclimatic Architecture, Public Housing, Recife; Community of “Iraque”. 1. INTRODUÇÃO A busca por conforto e economia se mostra cada vez mais forte na sociedade atual, principalmente após a crescente conscientização ambiental, que vem ocorrendo nos últimos anos. Os centros urbanos têm compartilhado problemas ambientais e sociais, de causas culturais, políticas e/ou econômicas, como o déficit habitacional, que inclui a carência da habitação e também de habitabilidade e infraestrutura. Na região Nordeste, segundo dados do Ministério das Cidades (2007), cerca de 90% do déficit habitacional está nas famílias com renda média de até 3 salários mínimos. De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Recife (2001), cerca de 759 mil pessoas moram em áreas de baixo padrão de desenvolvimento humano, correspondendo a 53% da população recifense. Como um exemplo, entre outros, apresentamos a Comunidade do Iraque; um assentamento de população muito pobre localizado no bairro da Estância. Sua área é de aproximadamente 75 mil m², às margens da Avenida Recife (na Zona Oeste da Cidade do Recife), por trás de uma barreira de galpões que escondem a precariedade da comunidade à grande parte da população. O objetivo deste trabalho é desenvolver, junto à Comunidade do Iraque, um estudo sobre as habitações existentes, visando construir uma proposta de conjunto habitacional de interesse social, aplicando princípios da arquitetura bioclimática, visando à melhoria das condições de moradia (saneamento básico, pavimentação, conforto térmico) dos habitantes da Comunidade do Iraque (Recife-PE), seguindo também a atuação dos moradores nas pesquisas.

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Porto Alegre, de 04 a 07 de maio de 2010

Vila Yolanda: Habitação com conforto e baixo custo para a Comunidade do Iraque, Recife-PE

Juliana de Amorim Neves (1) Ruskin Marinho de Freitas (2)

(1) Dep. de Arquitetura e Urbanismo, UFPE, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Professor do Dep. de Arquitetura e Urbanismo, UFPE, Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo: A construção de habitações populares ocorre com maior frequência, devido aos programas

lançados pelo Governo Federal em parceria com Governos Estaduais e Municipais, no auxilio da aquisição da casa própria por famílias de baixo poder aquisitivo. Muitos conjuntos habitacionais

populares, recentemente inaugurados, revelam falhas de projeto e de construção, além de insuficiente

atendimento às necessidades da população, devido à urgência em sanar os problemas de déficit

habitacional. Este artigo, desenvolvido a partir de Trabalho Final de Graduação, em Arquitetura e Urbanismo / UFPE, procura dar uma contribuição aos estudos e à concepção de projetos de habitações

de interesse social, considerando os aspectos climáticos da região e do clima urbano local, o uso de

materiais e energias renováveis, visando à qualidade ambiental, ao conforto dos usuários e ao baixo custo das construções.

Palavras-chave: Arquitetura Bioclimática; Habitação Popular; Recife; Comunidade do Iraque.

Abstract: The construction of affordable housing occurs more frequently, because of the Federal Govern´s programs in partnership with States and Citys, in aid of home ownership to poor families. Many

public housing, recently inaugurated, reveal desing problems and construction fails, well as insufficient

attention to the needs of the population,because of the urgency to finish the housing shortage. This article was developed from Work Graduation Final in Architecture and Urbanism / UFPE, seeks to contribute to studies and design projects for social housing, considering the local climate and the local urban climate,

use of materials and renewable energy to meet the needs of a low income community in Recife developing

a project that aims to environmental quality, the comfort of users and low cost of construction.

Key-words: Bioclimatic Architecture, Public Housing, Recife; Community of “Iraque”.

1. INTRODUÇÃO

A busca por conforto e economia se mostra cada vez mais forte na sociedade atual, principalmente após a crescente conscientização ambiental, que vem ocorrendo nos últimos anos. Os centros urbanos têm compartilhado problemas ambientais e sociais, de causas culturais, políticas e/ou econômicas, como o déficit habitacional, que inclui a carência da habitação e também de habitabilidade e infraestrutura. Na região Nordeste, segundo dados do Ministério das Cidades (2007), cerca de 90% do déficit habitacional está nas famílias com renda média de até 3 salários mínimos.

De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Recife (2001), cerca de 759 mil pessoas moram em áreas de baixo padrão de desenvolvimento humano, correspondendo a 53% da população recifense. Como um exemplo, entre outros, apresentamos a Comunidade do Iraque; um assentamento de população muito pobre localizado no bairro da Estância. Sua área é de aproximadamente 75 mil m², às margens da Avenida Recife (na Zona Oeste da Cidade do Recife), por trás de uma barreira de galpões que escondem a precariedade da comunidade à grande parte da população.

O objetivo deste trabalho é desenvolver, junto à Comunidade do Iraque, um estudo sobre as habitações existentes, visando construir uma proposta de conjunto habitacional de interesse social, aplicando princípios da arquitetura bioclimática, visando à melhoria das condições de moradia (saneamento básico, pavimentação, conforto térmico) dos habitantes da Comunidade do Iraque (Recife-PE), seguindo também a atuação dos moradores nas pesquisas.

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2. HABITAÇÃO POPULAR

Segundo o Ministério das Cidades (2009), o déficit habitacional em relação ao total de domicílios no Brasil é maior nas regiões menos desenvolvidas, como na Região Norte e no Nordeste. Ainda assim, as grandes capitais também sofrem com esse problema. A estimativa no Brasil do déficit habitacional em 2007 é em torno de 6,27 milhões de novas moradias, cerca de 82% se encontra em áreas urbanas, e se concentra nos estados do Nordeste e Sudeste, com 34,2% e 37,2% respectivamente (Ministério das Cidades, 2009). Nas principais capitais, onde o problema se concentra, tem-se uma parcela da população que reside em áreas de alto padrão (poucas pessoas em grandes áreas), contrastando com espaços ocupados por comunidades carentes (muitas pessoas em pouco espaço).

Atualmente, no estado de Pernambuco, o déficit habitacional é de cerca de 280 mil habitações e cerca de 47% desse déficit se encontra na região metropolitana do Recife, onde o déficit habitacional é estimado em 133 mil habitações, sendo cerca de 130 mil localizadas na área urbana, segundo Ministério das Cidades (2007).

Em 1983 foi sancionada a Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano (LUOS Nº 14.511) que dividiu a cidade em várias zonas, e legitimou os assentamentos populares através da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). Habitação de Interesse Social é toda moradia, com condições adequadas de habitabilidade, destinada à população de baixa renda que disponha de, pelo menos, dois quartos, uma sala, uma cozinha, área de serviço e um banheiro, Segundo o Plano Diretor do Recife: Projeto de Lei que promove a revisão do Plano Diretor do Município do Recife, 2006, Art.: 33..

Para garantir o direito às cidades sustentáveis, e consequentemente à moradia, estão sendo desenvolvidos programas habitacionais com a construção de unidades. Porém, a questão da “pressa” em sanar o problema do déficit habitacional está ocasionando diversos problemas posteriores: o serviço não ser bem executado (ou inacabado), a utilização de materiais de baixa qualidade, a má distribuição das unidades habitacionais e a ausência de espaços públicos de convivência e áreas verdes, como praças e parques.

FIGURA 01: Zonas de Diretrizes Específicas da Cidade do Recife. Em lilás, as ZEIS, e a seta indica a localização da ZEIS Rua do Rio/Iraque. Fonte: Mapa 3 da LUOS (1996), Prefeitura da Cidade do Recife.

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3. ARQUITETURA BIOCLIMÁTICA

A arquitetura bioclimática é aquela que permite que o edifício se beneficie de ambientes confortáveis sem a necessidade (ou utilizando o mínimo) de condicionamento artificial, segundo Jean-Louis Izard (1983). Ela utiliza dados climáticos do local a ser “alvo” do projeto, de modo a colaborar com o conforto e com a eficiência energética da edificação. Para chegar a esses últimos dados é necessário analisar o clima da região (ou microclima, se o clima da região possuir características diferenciadas do espaço analisado), dados de temperatura, umidade e velocidade e direção do vento médias, observar os materiais utilizados na arquitetura local e sua tradição vernacular, a cultura e o contexto socioeconômico de seus habitantes.

A Cidade do Recife localiza-se no litoral nordeste brasileiro, latitude 8º 04' 03'' Sul e longitude 34º 55' 00'' Oeste, em clima tropical litorâneo quente e úmido, com uma temperatura média anual de 25,5°C, umidade relativa do ar média em 80% (precipitação anual de 2400mm), predominância de ventos de 6 m/s, vindos do sudeste. A altitude da cidade está na média de 4m ao nível do mar, tendo 67,43% de seu território em morros (site da Prefeitura da Cidade do Recife, acessado em 18/01/2009.

A carta bioclimática, uma base de dados (diagrama) que apresenta as zonas de conforto e desconforto térmico de um determinado local anualmente, é uma das muitas ferramentas que orienta no projeto arquitetônico.

1- Zona de conforto; 2- Zona de ventilação; 3- Zona de resfriamento

evaporativo; 4- Zona de massa térmica para

resfriamento; 5- Zona de ar-condicionado; 6- Zona de umidificação; 7- Zona de massa térmica para

aquecimento; 8- Zona de aquecimento solar

passivo; 9- Zona de aquecimento artificial.

FIGURA 02: Carta Bioclimática com as estratégias para a Cidade do Recife. Fonte: Lamberts, p. 140, 1997.

No Recife, a carta bioclimática demonstra que os maiores pontos de desconforto podem ser resolvidos com ventilação natural e sombra, já que a temperatura é um pouco elevada para o conforto térmico humano e a incidência solar acentua a sensação de desconforto e aquecimento. Portanto, na Cidade do Recife é recomendado desenvolver espaços sombreados e ambientes ventilados (de preferência naturalmente), de modo a diminuir os efeitos da radiação solar. A ventilação também contribui para diminuir a umidade do ar, de modo a diminuir a proliferação de fungos e doenças. Como a chuva é um elemento natural constante, aconselha-se uma inclinação da coberta para o melhor escoamento dessas águas, além de um bom sistema de drenagem urbana.

4. COMUNIDADE DO IRAQUE

A comunidade do Iraque, localizada na Zona Oeste da cidade do Recife, assentada às margens da Avenida Recife juntamente com a Rua do Rio, faz parte de uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS Rua do Rio/Iraque). Este é um dos muitos assentamentos de aterro em área alagada (ao longo de um braço do rio Tejipió). Sofreu poucas intervenções urbanísticas, sendo predominante o traçado amorfo (ruas tortuosas e estreitas) e a não-pavimentação de suas ruas/becos. Seu período de ocupação foi durante a época da Guerra Irã/Iraque (na década de 1980), daí a origem de seu nome. Segundo dados da ONG ETAPAS (2005), a ZEIS Rua do Rio / Iraque possui 3326 moradores distribuídos em 842 famílias.

Através de pesquisa realizada na comunidade, em março de 2009, para observar a cultura construtiva dos moradores, chegamos a um padrão construtivo, na qual a planta baixa tem como base um retângulo e o divide em 4 ou 6 partes. Foram analisadas algumas habitações e dessas, selecionadas três unidades que representam os tipos de construção mais frequentes da Comunidade do Iraque. Como exemplo,

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apresentamos a Casa Tipo - habitada por três pessoas (um adulto e duas crianças); portanto a quantidade de quartos está adequada. Trata-se de uma casa que não possui revestimento interno nem externo, e o piso é em cimento. A coberta é em fibrocimento, material que aquece o ambiente e não é recomendado por fazer mal a saúde (contém substâncias tóxicas), apoiado em ripas de madeira, por sua vez, apoiadas no que seriam as paredes externas. As paredes internas não encostam na coberta (exceto a que divide quarto/sala e quarto/cozinha), deixando uma abertura de aproximadamente 30 cm.

FIGURA 03: Divisão interna esquemática das casas na comunidade, tendo como princípio um retângulo dividido em 4 ou 6 partes. Fonte: Juliana Neves, 2009.

FIGURA 04: Planta baixa da Casa 1. Fonte: Juliana Neves, 2009.

FIGURA 05: Espaço interno (vista da cozinha para a sala), na Casa 1. Fonte: Juliana Neves, 2009.

É uma residência que possui pouca iluminação natural. Por estar cercada por outras casas (sem recuos), o fator de céu visível é mínimo, entorno de 10°, comprometendo a iluminação natural dos ambientes: os quartos e o banheiro não possuem janelas, tendo os únicos espaços para iluminação as frestas do telhado e a sua porta; as janelas da cozinha (pivotante de vidro) e da sala (porta do tipo saia-blusa, configurando assim um tipo de janela) têm poucas horas do dia com iluminação devido à construção de outra casa com 1,5m de distância da Casa 1. Durante a visita, os ventiladores da casa estavam ligados devido à ausência de ventilação natural no interior; no exterior, a disposição das casas e a largura das ruas formam uma barreira contra o vento, sendo sentido com intensidade mais confortável nas ruas a Sudeste da Comunidade. Isso acarreta num maior consumo de energia elétrica. O limite da casa é o limite do “lote”, como acontece com a maioria das habitações em comunidades pobres, o que dificulta a ventilação natural da casa (além da iluminação). A ausência de portas internas é suprida por cortinas, o que compromete a privacidade dos moradores. A inexistência de área de serviço é suprida pela lavagem de roupas no banheiro e a secagem da mesma em varais na rua, na frente da casa.

5. TERRENO DA ANTIGA FÁBRICA YOLANDA

Para melhorar as condições de habitabilidade da Comunidade do Iraque, estudou-se a possibilidade de relocação de parte da mesma para um terreno próximo. O terreno escolhido foi o da antiga Fábrica Yolanda, devido a sua proximidade da Comunidade do Iraque (cerca de 1km de distância), seu tamanho (aproximadamente de 59mil m²) e sua subutilização: atualmente é ocupado pela Receita Federal, servindo como depósito de cargas (contêineres) do Porto de Suape. De acordo com a LUOS (Lei de Uso e Ocupação do Solo) da Cidade do Recife, a área da antiga Fábrica Yolanda está situada numa ZUP 1 – Zona de Urbanização Preferencial 1. Com isso, a Taxa de Solo Natural do Terreno é de 25%, seu Coeficiente de Utilização é de 4,00, seu afastamento Inicial Mínimo (Afi) Frontal passa a ser 5,00m, o Afastamento Inicial Mínimo (Afi) Lateral e Fundo (para edificações com 2 pavimentos ou menos) é NULO ou 1,50m, ou quando a edificação tiver mais que 2 pavimentos será de 3,00m.

O entorno da área da antiga Fábrica Yolanda é caracterizado por duas tipologias morfológicas. As faces oeste e sul são predominantemente de uso residencial consolidado, com casas em térreo e 1°andar, seguindo os recuos determinados pela LUOS (maior quantidade de solo natural e/ou permeável), ruas pavimentadas com cerca de 10m de largura, com poucas áreas verdes, porém com maior densidade de

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áreas verdes do que no Iraque. A segunda área, a leste e a norte da Yolanda, não é tão densa quanto a primeira, é residencial, pouco pavimentada (estradas de barro), com grandes áreas não edificadas e a presença de criação de cavalos e construções de casas humildes, remetendo à uma paisagem rural.

Foram realizadas medições em dez pontos no entorno do espaço da antiga Fábrica Yolanda, a fim de verificar as áreas mais confortáveis, de modo a melhor implantar as unidades residenciais. Nas medições, foram utilizados aparelhos e instrumentos que medem a intensidade dos ventos (anemômetro), a direção dos ventos (bússola) e a temperatura e umidade do ar (termohigrômetro). As medições mostram que a temperatura aumenta e a umidade relativa do ar diminui no ponto 8, além da pouca presença de ventos. Isto se dá por causa da pouca existência de árvores neste lado do lote, além de estar ao lado de um espaço com uma grande área pavimentada, material com condutibilidade térmica elevada (1,10 Kcal/m.h°C). A direção do vento predominante é Sudeste, variando entre Leste e Sul por causa do traçado das ruas.

FIGURA 06: Principais vias entorno da Comunidade do Iraque e da antiga Fábrica Yolanda. Fonte: MapLink/Tele

Atlas, GOOGLE, 2009.

FIGURA 07: Locais de medição no entorno da antiga Fábrica Yolanda. Fonte: GOOGLE EARTH, 2007, adaptado por Juliana Neves, 2009.

6. ANTEPROJETO

Para o trabalho acadêmico foram projetadas 220 unidades residenciais no lote da antiga Fábrica Yolanda, com área de 42m² cada. Trata-se de unidades residenciais com dimensões maiores que as comumente projetadas para habitação popular, levando em consideração as necessidades dos moradores da Comunidade do Iraque e a habitabilidade nas novas unidades, isto é, a localização, o dimensionamento, a qualidade, a legislação, o conforto. Serão projetados 5 blocos distintos, sendo quatro blocos residenciais (no total de 220 residências) e um Centro Social Urbano – englobando zeladoria,posto de observação, sala do líder comunitário e guarda de lixo –, além de uma praça com espaço de lazer para crianças. Uma parte do terreno da antiga Fábrica Yolanda foi reservada para a implantação da Academia da Cidade, eleita em 2009 através do Orçamento Participativo como uma das prioridades dos bairros do Jiquiá e da Estância. Foram desenvolvidos alguns estudos a fim de conceber a volumetria das residências propostas para a Comunidade do Iraque no espaço onde funcionava a Fábrica Yolanda.

A arquitetura bioclimática recomenda que as moradias devam estar direcionadas no lote em relação a barlavento (no caso, mais ao sudeste). O espaço destinado à Academia da Cidade, área de lazer esportivo, deve ficar a sotavento, de modo a privilegiar as unidades habitacionais como áreas de permanência. O lazer contemplativo (praças e parquinhos infantis) estará entre as unidades habitacionais, de modo que contribuirá para a penetração da ventilação nas habitações mais afastadas do sudeste da área.

A partir de um zoneamento da área, com base nos locais mais indicados para cada equipamento de acordo com a ventilação predominante, foi possível traçar os dados equivalentes à localização das habitações, lazer esportivo e contemplativo. As ruas do entorno foram prolongadas para dentro do lote de modo a verificar a viabilidade viária interna. Adaptamos um desenho ao outro, de modo que a rua projetada não passasse uma idéia de rigidez e seu formato diminuísse a velocidade dos veículos ao passar, já que a maioria dos usuários estaria transitando a pé ou em bicicleta; é interessante a alternância entre habitações e áreas abertas (lazer contemplativo); por fim, próximo a Avenida Dr. José Rufino, a Academia da

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Cidade, local estratégico que facilita o acesso a este equipamento, e seria um ponto de união entre os moradores tanto do Jiquiá quanto da Estância.

FIGURA 08: Pré zoneamento e ventilação predominante. Em amarelo o lazer esportivo, em verde o lazer

contemplativo, em laranja as áreas de habitação e as setas azuis correspondem à ventilação predominante. Fonte do mapa base: Unibase 2002, Prefeitura da Cidade do Recife (Estudo realizado por Juliana Neves, 2009).

FIGURA 09: Estudo da viabilidade viária no espaço da Yolanda. Fonte do mapa base: Unibase 2002, Prefeitura da Cidade do Recife (Estudo realizado por Juliana Neves, 2009).

Com relação às unidades habitacionais, foram projetadas seguindo as dimensões mínimas exigidas pela Lei de Edificações e Instalações no Município do Recife, além de melhor orientar a direção dos espaços de permanência prolongada, como a sala e os quartos, direcionando suas aberturas para a ventilação predominante (Sudeste). Foram estudadas opções duplex e térreas, e foi decidida a seguinte tipologia.

FIGURA 10: Unidade térrea desenvolvida a partir da opção Térrea 02 (Juliana Neves, 2009).

A sala terá porta do tipo saia-blusa, que foi contabilizada no cálculo da janela e, juntamente com cobogós, realizará a ventilação cruzada na sala. As esquadrias serão em madeira: duas portas de 70cm para os quartos e uma de 60cm para o banheiro, além da porta de acesso principal (tipo saia-blusa) ser de 90cm; as janelas dos quartos, da sala e da cozinha/serviço serão de giro e terão 3 folhas para permitir a abertura total; e a janela do banheiro será tipo pivotante, também permitindo a abertura total.

A divisão interna de cada unidade residencial será padrão; o uso de elementos externos para proteger da incidência solar é que diferenciarão os quatros blocos criados, por causa da orientação e da tipologia dos mesmos. As áreas molhadas (cozinha, serviço e banheiro) estão concentradas, economizando na passagem de tubulações por estarem próximas. A localização das janelas e portas facilita a ventilação cruzada, proporcionando maior conforto aos moradores.

Os reservatórios inferiores dos Blocos C e D deverão estar localizados em frente ao Hall entre duas unidades (ao Sul desses blocos), com afastamento de três metros em relação ao passeio público; e nos Blocos A e B, em frente aos quartos 1 e 2 de cada unidade (cisterna para a unidade térrea e do 1° andar), com afastamento de três metros em relação ao passeio público (lados Leste e Sul, respectivamente). A

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partir disso, as unidades foram justapostas seguindo a necessidade de preenchimento do lote e de privacidade das unidades, formando quatro blocos habitacionais distintos. Na implantação da Vila Yolanda, os blocos das unidades habitacionais foram situados favorecendo a ventilação por toda a área do conjunto.

No Bloco A, que seguirá a orientação Leste-Oeste, dividido em dois pavimentos (térreo e 1° andar), foram projetadas 8 unidades em cada pavimento, totalizando 16 residências em cada bloco e 5 unidades do Bloco A (80 unidades residenciais) existentes na Vila Yolanda.

Para melhor protejer da incidência solar os ambientes de permanência prolongada (quartos e sala), o beiral foi projetado com 80cm, além de brises de concreto com essa mesma dimensão. Com isso, foram realizados gráficos de insolação que mostravam a diminuição da incidência solar direta pela manhã até as 10h (no caso dos quartos do 1° andar) e diminuia nos quartos protegidos pelo corredor, com incidência solar direta quando o sol “nasce” até as 9h. A partir disso há sombra no restante do dia nessas janelas. No caso da sala, localizado no lado oeste, o gráfico mostrou que até as 12h a incidência solar está na fachada leste, e a partir disso, os brises garantem proteção (sombra) até as 14h.

FIGURA 11: Esquema da ventilação na Vila Yolanda. As setas azuis indicam o provável caminho percorrido pelos ventos predominantes (Escala Gráfica em metros). Fonte do mapa base: Unibase 2002, Prefeitura da Cidade do

Recife (Juliana Neves, 2009).

FIGURAS 12 e 13: Vista da fachada Leste, pela manhã (á esquerda), e da fachada Oeste e Sul do Bloco A, pela tarde (á direita) do Bloco A. Fonte: Juliana Neves, 2009. Perspectiva executada por Lenira de Melo, 2010.

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FIGURA 14: Desempenho do beiral de 80cm nas unidades com áreas de permanência prolongada voltadas para Leste (quartos). Fonte: Juliana Neves, 2009.

O Bloco B terá orientação Norte-Sul, dividido em dois pavimentos (térreo e 1° andar), com 8 unidades em cada pavimento, totalizando 16 unidades em cada bloco, semelhantes ao Bloco A, e 4 unidades do Bloco B (64 unidades residenciais). Nas janelas situadas na extremidade Leste dos Blocos B, C e D, o gráfico de sombra mostra um período maior de proteção, que vai do final de setembro até o final de março (primavera/verão), provocando sombra do fim de setembro até o final de janeiro, das 9h00 até as 15h30, e do final de janeiro até o final de março, durante toda a manhã e todas as tardes desse período.

No gráfico de sombra das janelas situadas na extremidade Oeste dos Blocos B, C e D, o período de proteção é maior, entre os meses de março até novembro, com períodos pequenos de incidência solar durante o mês de dezembro (incidência solar pela manhã até as 9h30 e a tarde a partir das 15h) e de janeiro a março apenas pela manhã (até as 8h00). Durante os meses de março até setembro (outono/inverno), o sol incide na fachada Norte.

No período que vai do final de setembro até o início de março (primavera/verão) há incidência solar apenas no início da manhã e no final da tarde, diminuindo a proteção nos período de novembro a Janeiro, em que há sombra nessa janela das 10h30 até as 14h30. Entre os meses de março e setembro (outono/inverno), o sol incide na fachada Norte.

O gráfico de sombra das janelas da sala (Norte) mostra um período de proteção durante todo o dia, que vai do dia 21 de março até 15 de abril, e de 30 de agosto até 23 de setembro. Nos períodos de 16 de abril até 14 de maio, e entre os dias 3 e 29 de agosto, o período de insolação vai de 7h30 até 9h00, aproximadamente. A incidência solar direta ocorre do dia 15 de maio até 30 de julho – época mais fria. Durante os meses de setembro até março do outro ano (primavera/verão), o sol incide na fachada Sul. Gráfico válido para todas as janelas da sala dos Blocos B, C e D.

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FIGURA 15: Vista da fachada Sul (á esquerda) e Norte (á direita) do Bloco B, pela manhã. Fonte: Juliana Neves, 2009. Perspectiva executada por Lenira de Melo, 2010.

Os Blocos C e D, também com orientação Norte-Sul, terão tipologia térrea, totalizando 6 habitações no Bloco C (4 unidades do Bloco C) e 4 habitações no Bloco D (13 unidades do Bloco D), somando 76 unidades residenciais.

FIGURA 16: Vista da fachada Norte e Leste do Bloco C, pela tarde (á esquerda) e fachada Norte e Leste do Bloco D, também pela tarde. Fonte: Juliana Neves, 2009. Perspectiva executada por Lenira de Melo, 2010.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A importância de se construir utilizando as recomendações da Arquitetura Bioclimática reflete no clima e no microclima de um determinado espaço – casa, vila, bairro, cidade – e no dia-a-dia dos usuários, podendo ser de forma benéfica ou maléfica. No caso da Cidade do Recife, é imprescindível a desumidificação dos ambientes, já que a umidade relativa do ar é alta; o conforto pode ser obtido com simples artifícios, ainda em projeto, como aberturas que garantam uma ventilação constante, melhorando a sensação térmica do usuário. Além disso, o uso de tecnologias sustentáveis garantirá um melhor aproveitamento dos espaços no presente e no futuro, além de valorizar a cultura construtiva e os materiais da região.

Os estudos de caso realizados em conjuntos habitacionais no Brasil, principalmente em Pernambuco, e até no exterior (Chile), revelam a presença do déficit habitacional e o modo como foram tratados valoriza o clima e as necessidades dos usuários, além das limitações financeiras, construtivas e políticas, sanando de modo simples e criativo, diversos problemas que giram entorno da habitabilidade na casa própria.

A implantação de um conjunto habitacional que sirva de apoio as necessidades da Comunidade do Iraque foi proposto no espaço da antiga Fábrica Yolanda, por questões de proximidade com a ZEIS, pela subutilização e dimensão do espaço e pela influencia maléfica do espaço da Yolanda no microclima dos bairros da Estância e do Jiquiá.

Para o trabalho acadêmico foi desenvolvido um projeto de conjunto habitacional com enfoque nos anseios e necessidades dos moradores da Comunidade do Iraque, além da utilização de elementos que garantem a habitabilidade dos usuários do conjunto e do entorno. Além da implantação de habitações econômicas e confortáveis, a presença de Centro Social Urbano, de praça e de parquinho infantil, e um espaço reservado para a implantação da Academia da Cidade são formas de garantir a permanência e o apego das famílias às novas residências, garantindo também maior durabilidade das unidades habitacionais e dos equipamentos do conjunto, e a satisfação dessas famílias por morarem em espaços melhor planejados.

Page 10: Vila Yolanda: Habitação com conforto e baixo custo para a ... · FIGURA 02: Carta Bioclimática com as estratégias para a Cidade do Recife. Fonte: Lamberts, p. 140, 1997. No Recife,

Porto Alegre, de 04 a 07 de maio de 2010

É preciso incentivar a construção de habitações de interesse social por parte de políticas públicas e privadas, que considerem a arquitetura bioclimática e sustentável como forma de garantir uma melhor utilização dos recursos públicos, o conforto, a identificação e a apropriação da comunidade pelos espaços de moradia e lazer construídos para ela.

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