VILA de PARANAPIACABA_Paradoxos de Um Patrimônio Histórico e Um Ponto Turístico

Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 1

VILA DE PARANAPIACABA:

Paradoxos de um patrimnio histrico e um ponto turstico

CAROLINE ANTUNES MARTINS ALAMINO*

APRESENTAO

Este trabalho o resultado de um estudo sobre a questo dos moradores da Vila

de Paranapiacaba, diante dos fatores de ser uma vila tombada como patrimnio histrico

e ser um local que ao longo do tempo mudou suas caractersticas de uma vila de

operrios para uma vila turstica.

Durante a pesquisa foram levantadas algumas adversidades do que morar e

sobreviver em um local tombado e protegido como patrimnio histrico, identificando a

variedade de contextos sociais que se pode apresentar num mesmo local, com uma

diversidade ampla de conjunturas humanas.

O objetivo desse artigo apresentar as transformaes que a vila sofreu com as

polticas pblicas relacionadas venda da vila para a prefeitura de Santo Andr, e os

tombamentos histricos, suscitando o questionamento, "um patrimnio histrico

importante para quem?". Portanto esse estudo apresenta um breve situamento de fatos

histricos do surgimento da vila. No tocante ao recorte espacial foi delimitado a vila de

Paranapiacaba, pertencente ao municpio de Santo Andr, situada na regio do grande

ABC paulista, regio metropolitana de So Paulo. A opo deste recorte ocorreu devido

a diversidade local dos acontecimentos, e por reconhecer que o que a realidade de

Paranapiacaba um reflexo de um processo que ocorre em diversos locais ao longo do

Brasil, que so tombados como patrimnios histricos.

Esse trabalho tem tempo delimitado dentro de sua prpria construo uma vez

que a histria da vila de Paranapiacaba no cessa e assim aps o trmino deste perodo

aqui relatado muitas mudanas com certeza iro vir e peo a compreenso do leitor pela

impossibilidade de se ter uma anlise constante da histria .

* Mestranda em Histria da Universidade Estadual de Santa Catarina - FAED/UDESC. Sob a orientao

da Profa. Dra. Cristiani Bereta da Silva desde 2011.


A VILA DE PARANAPIACABA

A Vila de Paranapiacaba, pertence ao municpio de Santo Andr, embora no

faa limite com o mesmo, e esteja a uma distancia de 35km de seu centro, esta situada

no Alto da Serra do Mar, fazendo limite com as cidades de Rio Grande da Serra,

Cubato e Santos.

Sua origem est vinculada com transporte ferrovirio de caf em So Paulo. Em

junho de 1860 o governo Imperial aprovou atravs do decreto 2.601 os estatutos da

estrada de Ferro Santos Jundia a primeira linha frrea de So Paulo, que recebeu o

nome de So Paulo Railway Company Limited- SPR, uma vez que apenas 10 por cento

do capital era do Baro de Mau e seus scios o restante pertencia a capitalistas

ingleses. Por isso a ferrovia tambm ficou conhecida como a "Inglesa".

No mesmo ano inicia-se a construo da ferrovia, que devido a uma diferena de

nvel de 800 metros na escarpa do planalto, foi adotando o sistema funicular. Em 1866

foi inaugurado o primeiro plano inclinado da serra.

A So Paulo Railway no se interessou em se estender alm de Jundia, uma vez

que possua o monoplio do trecho planalto litoral ,que era uma passagem obrigatria

de qualquer rea de So Paulo em direo a Santos. As estradas de ferro em So Paulo

foram construdas obedecendo aos interesses capitalistas da burguesia cafeeira e,

portanto no tiveram um planejamento prvio. Foram necessrias vrias retificaes em

seu traado e muitos trechos foram inutilizados com a decadncia da venda de caf.

E por consequncia outros cenrios sociais que existiam em funo da ferrovia

foram perdendo suas funes originais, que foi o caso da Vila de Paranapiacaba que

tinha como sua principal funo ser uma vila ferroviria, o que significa que sobrevivia

base das atividades da ferrovia.

A histria da vila est intrinsecamente ligada construo e operao da estrada

de ferro, desde sua fundao que s se deu devido a necessidade da ferrovia para

atender o crescimento da economia cafeeira. Na realidade a construo da ferrovia

trouxe progresso econmico e cultural para toda a regio que sua construo afetou.

Isso possvel se notar na fala de Silvia Helena Passarelli:


A Estrada de Ferro Santos-Jundia ps fim ao isolamento do planalto paulista,

rompendo as dificuldades de transpor a grande inclinao da Serra do Mar,

facilitiando o transporte de mercadorias e o contato cultural e comercial com

a Europa por meio do Porto de Santos. Com o trem de ferro os paulistas

ficaram mais prximos da Europa e puderam respirar os ares do futurismo e

do modernismo e se tornaram vanguarda econmica e cultural do

Brasil.(PASSARELLI, 2003)

A construo da ferrovia comeou nesse mesmo ano utilizando-se das trilhas

indgenas. Conforme Lavander (2005, p. 16) cita "Foi montado um grande

acampamento de trabalhadores no Alto da Serra e outro no litoral, na raz da Serra, que

abrigavam cerca de 5.000 operrios, tcnicos e engenheiros. Quando a construo da

ferrovia transpassou a barreira da Serra do Mar e atingiu o Planalto Paulista, com esse

imenso canteiro de obras e as necessidades de tantos trabalhadores surge Paranapiacaba,

que inicialmente chama-se Alto da Serra. Em 1907 a vila passou a se chamar

Paranapiacaba, que em tupi-guarani siginifca "lugar onde se avista o

mar"(LAVANDER,2005). E em 05 de novembro de 1907 foi elevado a Distrito de Paz

de Paranapiacaba, do antigo municpio de So Bernardo, atual Santo Andr.

A Vila de Paranapiacaba foi um exemplo nico no pas de ncleo constitudo

para apenas uma atividade econmica, por isso a companhia inglesa, cedia casa apenas

para funcionrios com vinculo com a ferrovia. Havia um paternalismo da companhia

inglesa com os operrios, para estes no deixarem a Vila de Paranapiacaba.

A Vila de Paranapiacaba sofreu rpidas transformaes, inicialmente causadas

pela decadncia da atividade cafeeira, mas, o principal motivo, foram os incentivos de

polticas pblicas que priorizavam o transporte rodovirio.

At a dcada de 1940 os moradores que viviam na vila praticamente todos se

conheciam, e a ferrovia tinha como hbito as contratao de parentes, por isso era muito

comum as funes ferrovirias passarem de pai para filho. A vila era bem cuidada, as

casas, ruas e caladas eram constantemente reformadas e pintadas e a vila era

arborizada. Com a incorporao Unio toda a rea ocupada pela vila, seu acervo e a

estrada de ferro receberam o nome de Estrada de Ferro Santos-Jundia. E a Vila de

Paranapiacaba comeou a sofrer uma decadncia mais intensa a partir deste ano e essa

realidade de seus moradores comea a mudar.


Dando continuidade a poltica de construir estradas iniciada por Washington

Luiz na dcada de 1930, Juscelino Kubistcheck abriu as portas do pas s

multinacionais automobilsticas na dcada de 1950, comeando assim um longo

processo de sucateamento da malha ferroviria, com desativao de trechos

considerados "pouco lucrativos", degradao do material rodante e precarizao dos

servios oferecidos aos passageiros. Este processo incluiu a degradao da ferrovia

Santos-Jundia, onde as manutenes de vrios trechos deixaram de ocorrer com a

mesma freqncia, vages da antiga SPR foram abandonados a cu aberto em terrenos

da Vila de Paranapiacaba, a decadncia da malha ferroviria foi sentida violentamente

pela vila ferroviria.

Em 1956, a Rede Ferroviria Federal S.A, idealizada no governo de Getlio

Vargas e criada por Juscelino, uma sociedade por aes, controlada pela Unio,

BNDES , alguns estados e municpios. Foi formada com o objetivo de organizar uma

grande malha de ferrovias espalhadas pelo pas.

A estratgia de controle centralizado possibilitou planos gerenciais amplos, mas

tambm tirou a autonomia, distanciando cada vez mais as relaes entre os

trabalhadores e o corpo administrativo da ferrovia. Isto acarretou a mudana brusca do

sistema em Paranapiacaba, onde as relaes eram paternalistas e a proximidade com o

centro do poder permitia maior interao.

Mesmo com a expanso econmica iniciada apesar de todos esses investimentos

no sistema rodovirio, a ferrovia Santos Jundia, ainda estava com uma grande demanda

de carregamentos, pois como visto at os dias de hoje, apenas o sistema rodovirio

no suficiente para demanda de transporte de cargas no pas, por isso na dcada de

1960, comearam os estudos para o aumento da capacidade de trfego na Santos a

Jundia, o que resultou na implantao do sistema cremalheira- aderncia1 construdo

exatamente em cima do traado da Serra Velha.

Com o sistema de cremalheira-aderncia implantado em 1974, a nova

administrao marginalizou o transporte de passageiros investindo em tecnologias

voltadas apenas para corredor de exportao. A partir de 1981 iniciou a dispensa de um

grande nmero de funcionrios, que acelerou o processo de decadncia da Vila de

1 Sistema onde h a instalao de um terceiro trilho dentado, entre os dois trilhos ferrovirios normais,

onde um mecanismo existente sob a locomotiva encaixa sobre o trilho dentado e nela fica articulado,

permitindo que a locomotiva auxilie os trens a vencerem terrenos inclinados.


Paranapiacaba. A vila que abrigou famlias ao longo de geraes, ganha um novo

cenrio com as demisses compulsrias, antigos moradores tiveram que deixar suas

casas e a vila, que com a encampao da RFFSA2, deixou de receber a prestao de

servios e a manuteno que no passado existia.

Logo, concentraram-se os investimentos no corredor de exportao

(principalmente minerais e gros) e o transporte de passageiros foi gradativamente

entrando num processo de marginalizao, e transformando o que era antes um

transporte mais elitista, num transporte suburbano, incorporado pela CPTM (Companhia

Paulista de Trens Metropolitanos).

Em 1982 um incndio destruiu a antiga estao, acabando assim, com a

referncia da vila e o ponto de encontro dos moradores, denotando um novo cenrio de

abandono, descaso e decadncia, a vila passa a servir de "dormitrio" onde os

moradores trabalham fora da vila durante o dia e retornam apenas a noite para as casas,

crescendo assim o nmero de novos moradores agora no-ferrovirios.

TRANSFORMAO EM PATRIMNIO HISTRICO

A vila de Paranapiacaba foi tombada pelas trs instncias de governo,

inicialmente pela estadual (Condephaat-1987), seguida da federal (Iphan -2002) e

municipal (Comdephaapasa- 2003).

Juntamente com o tombamento no mbito estadual da Vila de Paranapiacaba foi

feito a Resoluo Estadual 40/85, que tomba tambm a Serra do Mar e de

Paranapiacaba num permetro que inclui a Reserva Biolgica do Alto da Serra de

Paranapiacaba e o Parque Estadual da Serra do Mar, pois o Condephaat entende que a

Vila possui elementos da ao humana integrados com a natureza , no caso no limite do

Parque.

A base do tombamento foram as recomendaes do Conselho da Europa, que

orienta-se a partir do conceito de "paisagem cultural" .Que prev o tombamento como

parte de qualidade de vida, onde em conjunto aes governamentais e projetos culturais

2 RFFSA- Rede Ferroviaria Federal Sociedade Annima, foi uma empresa estatal brasileira de

transporte ferroviario que cobria boa parte do territrio brasileiro criada em 1957 e privatizada em

2007, o processo de privatizao teve inicio em 1998 comandado pelo ento presidente Fernando

Henrique Cardoso.


podem at conceder mudanas no objeto tombado, pois o objetivo maior , unir aes

como controle de mudana territorial, de uso de solo e participao popular visando

sustentabilidade, para a partir da adotar instrumentos de planejamento urbano nas aes

de preservao. Deve haver uma harmonia entre aes de preservao humana, da

natureza e o planejamento das atividades econmicas.

O Condephaat inicia o processo de tombamento por meio de ofcio em agosto de

1982 e a sua concluso data de 1987 por meio da Resoluo Estadual no 37/87, a Vila

de Paranapiacaba e entorno so tombados na esfera estadual como bem cultural de

interesse histrico, arquitetnico-urbanstico, ambiental e tecnolgico. As partes da vila

so justificadas de formas diferentes como objetos que constituem patrimnios

histricos, onde a Parte Baixa deve ser tombada pela exclusividade de seu conjunto

urbanstico, um dos nicos exemplares no Brasil de ncleo urbano planejado com uso

especializado de Vila Ferroviria. J a Parte Alta, com ocupao diferenciada, tem um

papel histrico importante como local de comrcio e de servios necessrios para todo o

ncleo urbano. A linha frrea e seus complementos resguardam remanescentes do antigo

sistema funicular, como os 4 e 5 Patamares dos Novos Planos Inclinados da Serra e

seus equipamentos, e por esse motivo devem ser preservados. E a poro de terras que

envolvem o ncleo urbano da Vila de Paranapiacaba deve ser includa no tombamento

municipal pelo seu estado de preservao e por sua importncia ambiental. Essas terras

resguardam um conjunto de nascentes do Rio Grande, um dos principais formadores do

Brao Rio Grande da Represa Billings, responsvel pelo abastecimento de parcela da

populao metropolitana. Alm disso, a vegetao ali existente atua como propiciadora

e mantenedora da fauna e flora locais, e tambm como importante fator na proteo do

solo. Em seu Artigo 4, a Resoluo 37 define que as diretrizes para regulamentao da

rea tombada sero definidas em ato complementar referida Resoluo, aps

detalhamento e aprovao pelos rgos competentes dos projetos de preservao e

revitalizao de Paranapiacaba.

No posso deixar de aproveitar o espao e chamar a ateno mais uma vez

para a importncia desse conjunto, e de toda a ferrovia, na histria paulista e

brasileira. Abandono e incria so responsveis pela sua grave deteriorao e

urgentes so as aes efetivas que modifiquem este estado desolador. Se

Paranapiacaba sobrevive, ainda que em estado preocupante, no por causa


da proteo legal do Condephaat que j conta com mais de 20 anos, mas sim

graas dedicao abnegada de algumas ONGs, dos seus moradores, de

funcionrios da RFFSA, de membros da ABPF , de cidados apaixonados...

Est mais do que provado ( e discutir "porque" uma outra histria que fica

para uma outra vez...) que o tombamento no mais garante a integridade e

preservao do bem protegido, nem do ponto de vista da fiscalizao e

orientao tcnicas e legais muito menos da canalizao de recursos, pblicos

ou no. Basta olhar em volta. Ou talvez seja melhor no olhar

muito...(Santos, 2010)

No mbito federal, o Iphan inicia processo de tombamento da Vila em 1985 e

finaliza-o em 2002. A justificativa federal para o tombamento esta no valor histrico do

conjunto. A rea desse tombamento no contempla os bens mveis relacionados a

ferrovia, no entanto, a concluso do processo indica que seja mantida a denominao

inicial da Vila como Vila Ferroviria de Paranapiacaba, a ser inscrita no livro de

Tombo Histrico. O permetro do tombamento circunscreve-se, predominantemente, s

instalaes que tm relao direta com a ferrovia (Processo no 1.252-T-87). E portanto

esto excludas, por a Parte Alta e toda a rea natural envoltria Vila, que no tem

relao direta com o funcionamento dos planos inclinados nem com a Vila construda

pela ferrovia. Assim, a rea tombada na esfera federal resulta bem menor do que

aquelas tombadas pelo Condephaat e pelo Condephaapasa . A partir do tombamento do

Iphan, todos os projetos que visam alterar os bens integrantes do conjunto tombado na

esfera federal, assim como aqueles relacionados sua vizinhana, ficam sujeitos ambm

ao exame e aprovao por parte do Instituto, tendo em vista garantir a visibilidade e a

ambincia do conjunto. No nvel municipal, o tombamento de Paranapiacaba pelo

Condephaapasa foi apresentado em 17 de dezembro de 1996 (Processo no 56616/96-5).

A sua homologao ocorreu em 07 de julho de 2003 aps um longo debate sobre a

situao fundiria da Vila. A rea deste tombamento, maior que aquelas definidas nas

instncias federal e estadual, inclui toda a rea urbana da Vila Parte Alta, Vila Velha,

Vila Martin Smith e o meio ambiente natural que a cerca (o Parque Natural Municipal

Nascentes de Paranapiacaba). Foram tombados tambm a Linha Frrea e seus

complementos: runas das pontes da Serra Velha e da Mquina Fixa do 4 Patamar. O

grupo de estudos composto por conselheiros e pelo corpo tcnico daquele Conselho,

especialmente criado para o estudo de tombamento da Vila de Paranapiacaba, informou


sobre a necessidade de uma posterior regulamentao das reas tombadas, observando-

se os nveis de proteo de cada rea em questo. Portanto, no consta no processo de

tombamento a definio dos critrios de interveno, sendo que cada caso avaliado

isoladamente segundo os pareceres dos conselheiros e do corpo tcnico, ainda no

normalizado.

Em nenhuma das trs instncias de poder que a Vila foi tombada foram

regulamentados os processos, ficando assim a vila sujeita s diretrizes genricas

relativas proteo do patrimnio histrico estipuladas nas normas de cunho geral, ou

seja no foram criados parmetros mais precisos que condicionam os projetos de

interveno urbana e funcional para a vila de Paranapiacaba.

Atualmente sua poro de Mata Atlntica ncleo da Reserva da Biosfera do

Cinturo Verde da cidade de So Paulo e integra tambm a Reserva da Biosfera da Mata

Atlntica, reconhecida pela UNESCO como uma importante rea de conservao

ambiental para a humanidade. Paranapiacaba est entre os 100 maiores monumentos

histricos do mundo, figurando na lista da WMF( World Monuments Fund).

Apesar de, no final do sculo XX, j haver grupos preocupados em recuperar a

Vila de Paranapiacaba de seu estado de decadncia as medidas foram insuficientes e a

vila entra no sculo XXI muito degradada. Segundo o eminente professor Aziz

Ab`Saber (2000):

A Vila de Paranapiacaba exemplo vivo de um aglomerado urbano, palco de

acontecimentos scio-culturais construdos pelo homem em poca de um

memorvel passado no muito distante (no 2 milnio, lembram-se?) e, hoje

reflexo da situao esdrxula pela qual passa todo patrimnio histrico,

enquanto produto do homem, portanto arte, vtima do descaso, que necessita

com urgncia de medidas que impeam a deteriorao de seu espao. A

gravidade da situao exige uma postura da sociedade como um todo, pois

tomando a localidade como exemplo, o momento exige seriedade de todos os

rgos que tem o dever de zelar pelas condies de preservao dos nossos

bens culturais. No se pode mais adiar a implementao de propostas de

revitalizao que levem em conta a destinao social.( ABSABER,2008)

quando surge o que aparentemente vai retirar a vila desse estado de

decadncia em janeiro de 2002, a Prefeitura Municipal de Santo Andr, no ltimo


governo do prefeito Celso Daniel, concretiza a compra da vila,a prefeitura de Santo

Andr fechando negcio com a RFFSA (Rede Ferroviria Federal S/A). Contudo,

paradoxal a questo da compra da Vila de Paranapiacaba estar atrelada a melhoras para

a mesma. A MRS continua proprietria da linha frrea Santos - Jundia, apesar da

compra da Vila de Paranapiacaba pela prefeitura de Santo Andr, isso no interfere no

sistema frreo que atende a vila que se torna cada vez mais claro que seus objetivos

atender a demanda comercial de cargas, no se importando com a questo social da

regio , a primeira evidncia disto se d em novembro de 2001, quando os trens

metropolitanos da CPTM, que iam at Paranapiacaba em diferentes horrios, mas no

tantos quantos os que chegavam a Rio Grande da Serra diariamente, passaram a seguir

somente nos fins de semana para Paranapiacaba, e um ano depois, houve a suspenso

total do trem para a vila o que acabou dificultando a vida de muitos moradores que

precisam se deslocar diariamente para outros municpios da regio. Ironicamente os

trens de passageiros no chegam mais ate a vila ferroviria.

A VILA DE PARANAPIACABA COM VIS TURSTICO

Com a quase total extino da ligao dos moradores da vila com o trabalho

ferrovirio, Paranapiacaba vai aderindo ao turismo como forma de sobrevivncia. Como

a promoo do desenvolvimento sustentvel, de forma inovadora, passa pelo

envolvimento dos diversos atores locais, tendo o poder pblico o papel catalisador e

articulador das foras sociais, transformando-se em um ator que disputa projetos e induz

a novas prticas de gesto. Acreditando nisso que Celso Daniel, ao ser eleito prefeito do

municpio de Santo Andr , pela primeira vez em 1989 j possua convices a despeito

do papel da gesto municipal:

As aes socioculturais so diversas demais para a implantao de um

"Estado Central" que padronize cultura regional, dai a necessidade do poder

municipal de prover condies para exercer integrao e legitimao social,

pois na instncia municipal que se pode reconhecer e absorver as

especificidades locais e culturais da sociedade.( DANIEL,1982)


Contudo, apenas na sua segunda gesto no municpio de Santo Andr, que Celso

Daniel trs aes mais prticas ao que diz respeito a poder local em relao s

necessidades da Vila de Paranapiacaba. Com a crise fiscal do Estado contemporneo

aliado ao processo de descentralizao impulsiona-se a tendncia de valorizao dos

governos locais como agentes de renovao de polticas pblicas. O poder local tem o

papel renovador porque os empreendimentos que trazem o desenvolvimento econmico

com gerao de trabalho e renda fazem uma comparao entre a vantagem e os custos

locais que determinam a competitividade de uma localidade ou de outra, dai a

necessidade de que haja aes de fomento a economia local.

Celso Daniel referncia no assunto porque questiona as abordagens que

consideram o Estado Nacional e as grandes empresas como nicos agentes do

desenvolvimento econmico cabendo s esferas locais apenas a gesto de equipamentos

e servios pblicos e a regulao de atividades, naquilo que considerado de seu

peculiar interesse.O desenvolvimento local indica um conjunto variado de praticas e

perspectivas que permite evidenciar questionamentos quanto ao sentido atribudo aos

atores e espaos de sua gesto local.

A Vila de Paranapiacaba j no fim da dcada de 1990 estava numa situao de

moradias ocupadas de formas irregulares, com pequenos comrcios que comeam a

modificar a arquitetura dos patrimnios histricos e com moradores vindos de diversas

regies que nada mais tm haver com o passado ferrovirio da vila. Muitos moradores

vo para a regio atrados pelos aluguis abaixo do mercado, quando no pela facilidade

da ocupao irregular das casas, contudo a distncia das regies metropolitanas somadas

a suspenso gradativa que foi ocorrendo no transporte de passageiros do trem, dificulta

a vida dos moradores que residem na vila mas, trabalham fora, alm da ausncia de

sistemas de sade, segurana e atendimento bsico social.

O espao transformado por relaes capitalistas que so dinmicas e esto em

constante transformaes, a Vila de Paranapiacaba a partir do momento que perde sua

funo original entra em desuso, e comea a receber elementos de degradao, pois para

de obedecer interesses do capitalismo, no se torna interessante apenas como objeto de

patrimnio cultural e histrico se este no gerar renda, apenas investimentos. Contudo, a

compra da Vila da Paranapiacaba pela prefeitura de Santo Andr oferece a proposta de

uma renovao do capitalismo em forma de turismo rentvel. A subprefeitura de


Paranapiacaba tomou vrias medidas e estabeleceu programas no sentido de

conscientizar a populao sobre a atuao e o funcionamento da atividade turstica, e

como ela se encaminharia na vila. Tudo isso, logicamente, pr-estabelecido no Plano

Patrimnio que tem com objetivo revitalizar a vila atravs do negcio turstico, que por

sua vez estabelece as diretrizes para se investir no potencial da vila.

Atravs de programas da prefeitura, os moradores comearam a criar

empreendimentos em suas prprias residncias, a partir desses programas foram

estabelecidos os valores da conta prestao que cada morador deveria pagar e tambm

as providncias em relao ao restauro das casas.

A Prefeitura no pode alugar casas ento o morador tem a permisso de uso da

casa, o que gera uma situao precria para o morador que pode ser retirado da casa

conforme interesses da prefeitura. Contudo, na primeira gesto da prefeitura aps a

compra o critrio para o desalojamento foi de que se o morador estiver pagando as

prestaes em dia e a prefeitura necessitar de sua casa ela providenciaria outra. Foi feito

um cadastro onde foram chamadas todas as famlias para a prefeitura conhecer a

realidade econmica e cultural.

Para dar incio a uma vida econmica autnoma da vila voltada para o turismo ,

a prefeitura reuniu os moradores e deu incentivos como descontos nas taxas de uso das

casas para que eles aderissem os seguintes programas:

Atelier Residncia - a vila j possua um histrico de abrigar artesos e artistas

em geral, com esse programa, o arteso ou artista abre as portas da casa dele, para

comercializar seus produtos, nos fins de semana;

Monitores Ambientais - programa que oferece monitoria especializada para a

realizao de trilhas nas reas de preservao ambiental, que s podem ocorrer com a

presena de um desses monitores, que so moradores que foram capacitados para

atender o pblico;

Portas Abertas - programa original cubano, como o prprio nome diz as pessoas

abrem as portas de suas casas e comercializam produtos e servios tursticos, foi a partir

desse programa que foi criado o "Forno e Fogo;

Forno e Fogo - por quase no haver restaurantes na vila, o programa oferece a

abertura de algumas casa nos horrios de almoo e jantar, oferecendo refeies caseiras;

Bed and Breakfast - programa original ingls, alguns moradores oferecem


dormitrios e caf da manh para pouso dos turistas em suas prprias residncias;

Dentre os esforos para revitalizar Paranapiacaba tambm estava o Programa de

Jovens - Meio Ambiente e Integrao Social (PJ-MAIS), uma parceria da Prefeitura

Municipal de Santo Andr, Subprefeitura de Paranapiacaba e Parque Andreense, a

Reserva da Biosfera do Cinturo Verde da Cidade de So Paulo e a Associao Holstica

de Participao Comunitria Ecolgica: "Ncleo da Terra" (AHPCE), que promovem os

Ncleos de Educao Ecoprofissional. Destinado a estudantes entre 14 e 21 anos, em

condio de risco social, o Programa de Jovens (PJ), entre 1996 e 2006, atendeu mais de

1.300 pessoas. Com durao de aproximadamente dois anos, o Programa Jovem

oferecia oficinas de produo agrcola e florestal sustentveis; turismo sustentvel;

consumo, lixo e arte; agroindstria artesanal, entre outros. As aulas aconteciam duas

vezes por semana com o intuito de integrar a autonomia econmica, preservao e

recuperao ambiental. A sociedade envolvida por polticas pblicas que favorecem o

meio ambiente. Por meio da educao, a preservao passa a representar uma nova

oportunidade de gerao de renda. esse programa gerou emprego para vrios jovens

moradores da vila sobre tudo nos locais de visitao pblica, como na Casa Fox, Museu

Castelinho, Museu Funicular e Clube Unio Lira Serrano.

Outra forma encontrada para dar continuidade ao trabalho de revitalizao da

Vila foi o investimento na promoo de uma srie de eventos para atrair a populao das

cidades vizinhas.

A Festa do Cambuci, que conta com a Rota do Cambuci, na qual os

empreendimentos locais comercializaram produtos feitos com o cambuci, o Concurso

de Receitas de pratos salgados, doces e coquetis com o cambuci, com a participao de

empreendimentos da vila de Paranapiacaba e moradores do municpio de Santo Andr, a

Feira de Produtos com Cambuci no Antigo Mercado, com atraes musicais e a

comercializao de vrios produtos feitos com o fruto, os Shows itinerantes na Rota do

Cambuci, o Expresso Lazer, com atraes e entretenimento, o Workshop do Cambuci,

com muitas palestras sobre o fruto e o evento de encerramento, com a entrega da

premiao aos vencedores do concurso e um show, j era uma comemorao tradicional

da populao da vila, contudo foi incrementada com esses eventos patrocinados e

organizados pela subprefeitura atraindo um nmero maior de turistas.

A FOPP, Feira de Oratrios e Prespios de Paranapiacaba e Festival de Culturas


Populares, conta com mostra de folguedos, encontro de violeiros, exposio, festival

gatronmico, oficinas de dana, debates e uma grande feira das culturas polares, com o

tema Escambo a troca que move o mundo a FOPP foi totalmente organizada a partir da

troca de espaos, barracas, estadia e alimentao e por apresentao gratuita de msicos,

a FOPP teve incio em 2005, exatamente com a inteno do aumento do turismo na

regio somado a um resgate cultural e regional.

A Conveno de Bruxo e Magos em Paranapiacaba, um dos festivais que mais

tem atrado turistas fora do perodo de inverno, conta com divulgao de

conhecimentos diversos sobre magia, terapias holsticas, ocultismo, umbanda,

mitologia, bruxaria, Feng Shui, xamanismo, reiki, ervas, linguagem do corpo, dana

cigana, dana do ventre, numerologia, astrologia, danas tpicas, leis universais, rituais,

shows de msicas new age, teatro, palestras, atendimento holstico e orculo entre

outras atividades, promovidos por profissionais conhecidos de todo o Brasil. um

festival de origem recente comeou em 2004, e conta com o apoio da prefeitura de

Santo Andr com a organizao da Casa de Bruxas, escola de cursos de misticismo,

localizada em Santo Andr.

E o principal evento anual de Paranapiacaba desde 2001, tem sido o Festival de

Inverno de Paranapiacaba, o festival ocorre durante todos os fins de semana de julho,

aproveitando o clima muito frio da vila, somado a beleza de sua neblina junto com a

paisagem ferroviria e arquitetura inglesa, gerando em muitas pessoas a sensao de se

estar em Londres. O festival teve incio em 2001 criados pela secretria de turismo de

Santo Andr mesmo antes da compra da vila, j como parte dos planejamentos de

revitalizao da mesma.

CONSIDERAES FINAIS

Muitos patrimnios so monumentos histricos, que por sua vez so documentos

histricos, que relatam a memria do lugar, a histria do local, a partir apenas de sua

existncia e sobrevivncia ao longo do tempo

O monumento tem como caractersticas o ligar-se ao poder de perpetuao,

voluntria ou involuntria, das sociedades histricas ( um legado memria

coletiva) e o reenviar a testemunhos que s numa parcela mnima so

testemunhos escritos ( LE GOFF,1996)


Paranapiacaba uma vila de patrimnios histricos, essa definio se torna

muito mais abrangente do que uma viso reducionista em relao ao seu tombamento.

Patrimnios histricos so uma forma de preservao material de fragmentos da

memria coletiva, so as partes sobreviventes do desenvolvimento temporal, do mundo

e da humanidade, daquilo que existiu no passado. Existem independentes da escolha dos

historiadores, mas a sua preservao e classificao como patrimnio histrico, vai

depender da anlise de sua relevncia dentro do contexto poltico, histrico, social e

acadmico, no momento de seu tombamento, ou descaso com sua preservao. Este

um reflexo do que ocorre em Paranapiacaba, onde existe um reduto de fragmentos de

memria coletiva convivendo com o descaso da situao de moradias atual. E a

manuteno do local histrico que gera o sentimento de identidade cultural.

s vezes , a solenidade atribuda ao termo patrimnio sugere que dele faam

parte apenas os grandes edifcios ou as grandes obras de arte, mas o

patrimnio cultural abrange tudo que constitui parte do engenho humano e,

por isso , pode estar no cerne mesmo do turismo (FUNARI,2001)

A lgica da estrutura urbana capitalista levou a questo do patrimnio histrico

gerador de atividade de turismo num patamar de relevncia acima da questo social de

moradores da vila.

Foi possvel observar que monumento histrico se concretiza atravs do dilogo

entre passado e presente. E que Vila de Paranapiacaba est em um constante e intenso

processo de busca de identidade cultural, muitas vezes apresentando ainda as velhas

caractersticas da vila ferroviria inglesa, oras sendo a vila abandonada das dcadas de

70 e 80, oras sendo um resgate moderno de adaptao ao mercado consumidor turstico

e muitas vezes sendo um fragmento histrico diverso, complexo e paradoxal.

Ocorreram mudanas na forma de organizao do trabalho e a maneira como foi

produzido e reproduzido o cotidiano da vila, sempre foi pautado no reflexo do

movimento da economia local, ditada por uma ordem do capitalismo em instncia

superior e fora do domnio direto dos moradores da vila. Por exemplo, enquanto a vila

pertenceu a SPR seu cotidiano era pautado no trabalho ferrovirio, aps a federalizao

da ferrovia, os meios de produo da vila ficaram dispersos, com a compra da vila pela

prefeitura municipal de Santo Andr houve um foco em mudanas intensas na realidade


dos moradores para uma adaptao muitas vezes forada para o turismo comercial

justificado por ser um local tombado como patrimnio histrico. Todo esse movimento

interfere na paisagem e no condicionamento da ao prtica humana em suprir as novas

necessidades para a produo e reproduo do sistema de organizao atual.

Para finalizar, at o trmino dessa pesquisa, o que se encontra em Paranapiacaba

uma vila, com uma poltica de gesto que segue a tnica do chamado

empreendedorismo urbano que pretende transformar o local em um plo turstico de

perfil primeiro-mundista. Numa perspectiva onde muitas vezes h a ausncia da

valorizao da populao local que deveria ser a primeira beneficiada pelas mudanas

em vigncia. Assim como a descaracterizao real do conceito de preservao de

patrimnios histricos.

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