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    ESTUDOS DE CINEMA E AUDIOVISUAL

    SOCINE

    ISBN: 85-7419-647-9

    ANO VII SO PAULO

    2012

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    Rubens Machado Jr., Rosana de Lima Soares,

    Luciana Corra de Arajo

    (orgs.)

    VII ESTUDOSDE CINEMA EAUDIOVISUAL

    SOCINE

    SO PAULO - SOCINE

    2012

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    Estudos de Cinema e Audiovisual Socine

    ____________________________

    Coordenao editorial

    Joaquim Antnio Pereira

    Capa

    A partir de arte grca de Carlos Clmen

    Projeto Grco e DiagramaoPaula Paschoalick

    ____________________________

    1aedio digital: julho de 2012

    Encontro realizado em 2005, na Universidade do Vale do Rio Dos SinosSo Leopoldo, Rio Grande do Sul

    Socine - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual

    Estudos de cinema e audiovisual Socine / organizadores:Rubens Machado Jr., Rosana de Lima Soares, Luciana Corrade Arajo. So Paulo : Socine, 2006.

    478 p. (Estudos de cinema e audiovisual; v. 7)

    ISBN: 85-7419-647-9(impresso)

    1. Cinema. 2. Cinema brasileiro. 3. Cinema latino - americano.4. Audiovisual. 5. Documentrio. 6. Sociologia do Cinema. I. Ttulo. II.Srie. III. Socine. IV. Encontro Socine.

    CDU 791.43 CDD: 791

    M129

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    Diretoria da Socine

    Jos Gatti (UFSCar) Presidente

    Consuelo Lins (UFRJ) Vice-Presidente

    Afrnio Mendes Catani (USP) Tesoureiro

    Maurcio Reinaldo Gonalves (Universidade Anhembi-Morumbi) Secretrio

    Conselho Deliberativo

    Andra Frana (PUC-RJ)

    Czar Migliorin (UFRJ) - representante discente

    Erick Felinto (UERJ)

    Esther Hamburguer (USP)

    Fernando Mascarello (Unisinos)

    Henri Gervaiseau (USP)

    Laura Cnepa (Unicamp) - representante discente

    Marcius Freire (Unicamp)

    Mauro Baptista (Universidade Anhembi-Morumbi)

    Paulo Menezes (USP)

    Renato Luiz Pucci Jr. (Universidade Tuiuti do Paran)

    Rosana de Lima Soares (USP)

    Rubens Machado Jr. (USP)

    Sheila Schvarzman (Universidade Anhembi-Morumbi)

    Tunico Amncio (UFF)

    Wilton Garcia (Universidade Anhembi-Morumbi)

    Comit Cientco

    Alexandre Figueira (Unicap)

    Anelise Reich Corseuil (UFSC)

    Denilson Lopes (UnB)

    Ismail Xavier (USP)

    Joo Luiz Vieira (UFF)

    Maria Dora Mouro (USP)

    Conselho Editorial

    Afrnio Mendes Catani, Alexandre Figueira, Anelise Reich Corseuil, Consuelo Lins, Eduardo Peuela Canizal,

    Esther Hamburguer, Glnio Pvoas, Joo Luiz Vieira, Jos Gatti, Jos Incio de Melo Souza, Luciana Corra

    de Arajo, Marcius Freire, Mariarosaria Fabris, Rosana de Lima Soares, Rubens Machado Jr.

    Comisso de Publicao

    Rubens Machado Jr., Rosana de Lima Soares, Luciana Corra de Arajo

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    ENCONTROS ANUAIS DA SOCINE

    I 1997 Universidade de So Paulo (So Paulo-SP)

    II 1998 Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro RJ)

    III 1999 Universidade de Braslia (Braslia DF)

    IV 2000 Universidade Federal de Santa Catarina (Florianpolis SC)

    V 2001 Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre RS)

    VI 2002 Universidade Federal Fluminense (Niteri RJ)

    VII 2003 Universidade Federal da Bahia (Salvador BA)

    VIII 2004 Universidade Catlica de Pernambuco (Recife PE)

    IX 2005 Universidade do Vale do Rio Dos Sinos (So Leopoldo RS)

    X 2006 Estalagem de Minas Gerais (Ouro Preto MG)

    XI 2007 Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro RJ)

    XII 2008 Universidade de Braslia (Braslia DF)

    XIII 2009 Universidade de So Paulo (So Paulo SP)

    XIV 2010 Universidade Federal de Pernambuco (Recife - PE)

    XV 2011 Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro - RJ)

    XVI 2012 Centro Universitrio Senac (So Paulo - SP)

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    Sumrio

    Apresentao1 2 Rubens Machado Jr., Rosana de Lima Soares, Luciana Corra de Arajo

    Introduo

    1 4 Subjetividad, memoria y poltica en el nuevo documental

    Ana Amado

    Cinema, literatura, msica

    30 As contribuies poticas do cinema das vanguardas

    Eduardo Peuela Caizal

    4 1 A leitura como prazer e interdio: uma anlise foucaultiana

    Ndea Regina Gaspar

    5 1 Incio do cinema sonoro: a relao com a msica popular no Brasil como em

    outros pasesFernando Morais da Costa

    60 Filmando a msica: as variaes da escuta no lme de Franois Girard

    Suzana Reck Miranda

    Cinema latino-americano

    7 2 O pensamento de Frantz Fanon no cinema latino-americanoFabin Nez

    82 O documentrio latino-americano em Havana: breve crnica

    Afrnio Mendes Catani

    9 2 Santa Maria sob 25 watts: Onetti encontra o cinema

    Ariadne Costa

    http://../2008/final.pdfhttp://../2008/final.pdfhttp://../2008/final.pdf
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    1 02 Realismo e histrias mnimas no novo cinema argentino

    Ivonete Pinto

    1 1 2 Abrao partido

    Tunico Amancio

    1 2 1 Mi casa es su casa:Cultura e sociedade no melodrama familiar mexicano

    dos anos 40

    Maurcio de Bragana

    1 30 Dinmica e estrutura da circulao internacional de produtos audiovisuais entre

    os pases do mercosul

    Alessandra Meleiro

    Mercado e recepo

    1 4 1 Intersesses tecnolgicas e institucionais: notas para uma arqueologia do

    espao audiovisual contemporneo e sua problemtica

    Joo Guilherme Barone Reis e Silva

    1 5 1 Procura-se a audincia brasileira desesperadamente

    Fernando Mascarello

    1 6 1 A Recepo dos lmes africanos no Brasil

    Mahomed Bamba

    1 7 1 Mercado e cinema perifrico em Portugal

    Leandro Jos Luz Riodades de Mendona

    Crtica de cinema

    1 8 1 Revista da Tela: uma experincia de imprensa especializada no Recife

    Alexandre Figueira

    1 90 Cinelia e crtica cinematogrca na internet: uma nova forma de cineclubismo?

    Cyntia Nogueira

    20 1 Notas sobre a carreira de So Paulo S/A

    Marcia Regina Carvalho da Silva

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    2 12 A fabricao do mitoA Margem, de Ozualdo Candeias

    Daniela Pinto Senador

    Em torno do cinema marginal

    224 A deambulao em O Candinho, de O. Candeias

    Fbio Raddi Ucha

    235 Ritmo e ruptura na narrao deZzero

    Pedro Plaza Pinto

    246 Nen Bandalho: Maldito, marginal e bandido

    Rafael de Luna Freire

    256 A construo da ironia no cinema de Srgio Bianchi

    Nezi Heverton C. de Oliveira

    Olhares documentais

    268 Funeral Bororo em imagens: Major Reis e outros realizadores

    Edgar Teodoro da Cunha

    280 Ao redor do Brasil cinema como apropriao?

    Samuel Paiva

    290 O herosmo no documentrio contemporneo ouEntreatos e a herana do

    Cinema Direto no Brasil

    Andrea Molfetta

    3 0 1 A Participao de comunidades na realizao de documentrios

    Clarisse Alvarenga

    3 09 Sob a nvoa da inteligncia

    Paulo Menezes

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    Documentrios, experincias

    3 2 1 Imagem-experincia: 1949/2003, Jonas Mekas e Agnes Varda

    Cezar Migliorin

    3 3 1 Documentrios experimentais?

    Guiomar Ramos

    3 4 1 Trs balizas do experimental no cinema brasileiro

    Francisco Elinaldo Teixeira

    3 5 1 Um jovem com uma cmera: notas sobre o olhar afetivo em Zonazul

    Srgio R. Basbaum

    3 6 1 O uso da noo de representao na teoria do documentrio

    Luiz Augusto Rezende Filho

    Cinema brasileiro: dilogos, diagnsticos, propostas

    3 72 A capacidade criativa de copiar

    Sheila Schvarzman

    3 8 1 Rio, 40e o cinema realista brasileiro dos anos 1950

    Mariarosaria Fabris

    3 90 Os Cafajestese seus tiros no sol cinema brasileiro e nouvelle vague

    Maria do Socorro Silva Carvalho

    3 99 Dois Crregos Dois Destinos:Uma Concentrao de Tempos

    Celia Regina Cavalheiro

    40 7 Burguesia e malandragem em Mulher de verdade

    Flvia Cesarino Costa

    4 1 7 Feitio da Vila eEstouro na praa: dois roteiros inditos de Alex Viany e

    Alinor Azevedo

    Lus Alberto Rocha Melo

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    428 Retratos do militante na dramaturgia do Centro Popular de Cultura

    Reinaldo Cardenuto Filho

    Anlises do audiovisual brasileiro

    439 Cinema e jornalismo: Lcio Flvio, o passageiro da agonia,a representao do

    jornalista no cinema brasileiro

    Lisandro Nogueira

    448 Os lugares de uma cidade

    Marlyvan Moraes de Alencar

    457 Introduo ao cinema queerno Brasil: anotaes

    Wilton Garcia

    467 De Godard para Guel Arraes: o cinema moderno como matriz para a

    TV ps-moderna?

    Renato Luiz Pucci Jr.

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    APRESENTAO

    Ao completar dez anos de existncia, a Socine (sociedade Brasileira de

    Estudos de Cinema e Audiovisual) conrma sua vocao de discusso e intercmbio

    de experincias enre pesquisadores ligados ao estudo do audiovisual em seus

    mais variados aspectos. Desdobramentos dos encontros anuais organizados

    desde 1997, a publicao regular de Estudos de Cinema permite ampliar o acesso

    e o alcance das reexes que se deram no mbito dos encontros, divulgando-as

    para um pblico mais amplo.

    Este stimo volume rene uma seleo dos trabalhos apresentados

    no IX Encontro Socine, realizado na Unisinos (Universidade do Vale do Rio

    dos Sinos), em So Leopoldo (RS), de 19 a 22 de outubro de 2005. Pela

    primeira vez publicamos a palestra de abertura do evento, tradicionalmente

    realizada por um convidado brasileiro ou do exterior. Em 2005, tivemos o

    prazer de receber a professora Ana Amado, da Universidade de Buenos Aires.

    Seu artigo Subjetividad, memria y poltica en el nuevo documental no s

    traz uma anlise envolvente das interseces entre histria poltica e familiar

    que caracterizam documentrio argentinos recentes como tambm, numa

    feliz sintonia, funciona como perfeita apresentao aos artigos seguintes, ao

    imobilizar aspectos recorrentes ao longo do livro.

    Um desses aspectos o particular interesse pela produo documental.

    O grande nmero de artigos dedicados ao documentrio fortalece uma tendncia

    j presente nos volumes anteriores como, de resto, no campo dos estudos

    do audiovisual em geral -, estabelecendo estimulantes dilogos com prticas

    e reexes ligadas ao gnero. O artigo de Ana Amada, sinaliza tambm outra

    caracterstica deste volume: a presena marcante do cinema latino-americano.

    Apesar do tema no ser estranho aos encontros j realizados, no deixa de

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    ser uma grata surpresa, considerando a quantidade de texto e a variedade de

    abordagens, que transitam das particularidades do mercado s anlises de

    lmes orientadas muitas vezes pelo desejo de estabelecer paralelos com a

    experincia brasileira.

    Para alm da Amrica Latina, o cinema estrangeiro comparece com

    trabalhos que procuram traar relaes com outros campos como a literatura, a

    msica e a televiso.

    O audiovisual brasileiro continua a merecer amplo destaque nas reexes

    e debates que animam a Socine, trao que repercute diretamente nas nossaspublicaes. Este volume no poderia ser diferente, cabendo chamar a ateno

    para a variedade de enfoques aqui presente. tradicional anlise dos lmes vem

    se juntar o estudo da produo crtica e da recepo, em percursos que procuram

    explorar diferentes aspectos, ainda que inter-relacionados, que envolvem as

    obras audiovisuais. Tambm se sobressai a preocupao em compreender a

    experincia brasileira a partir de sua relao com momentos, lmograas e

    tendncias tal como se manifestaram ou como vm se desenvolvendo no cinema

    realizado em outros pases.

    Esperamos que a publicao dos artigos possa propiciar novos dilogos

    e leituras diversas, contribuindo para enriquecer as pesquisas e as discusses

    no campo do cinema e do audiovisual.

    Os organizadores

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    Introduo

    Subjetividad,m

    emriaypolticaenelnuevod

    ocumental-AnaAmado

    INTRODUO

    Subjetividad, memoria y poltica en el nuevo documental

    Ana Amado (UBA)

    Entre los ncleos conictivos que envuelven las referencias a los

    acontecimientos histricos del pasado reciente argentino, hoy parecen prevalecer

    los aspectos relacionados con su transmisin. No se trata (solamente) de los

    debates sobre la disposicin formal y temtica de las narraciones musesticas

    acerca de los eventos de sangre y fuego de los setenta, con su carga traumtica.

    Dilemas y posiciones de una peculiar irresolucin atrapan tambin, desde hace

    una dcada, los trminos en que se establece la transferencia generacional de

    experiencias. Sobre todo cuando la transmisin de saberes y relatos sobre esos

    acontecimientos es atravesada - como sucede en numerosos casos-, por vnculos

    genealgicos o directamente familiares. La va testimonial, que suele garantizarla circulacin narrativa entre testigos directos e indirectos de la poca, alberga

    sobresaltos o interferencias en el pasaje de la memoria de los protagonistas

    a una suerte de post-memoria de sus descendientes quienes, ante el peso

    de la historia, o segn la medida de las revelaciones, reaccionan con gestos

    simultneos de reverencia y rebelin ante la gura o las acciones polticas de

    sus antecesores. Esto no agrega nada nuevo respecto a las frmulas siempre

    litigiosas de sucesin generacional, aunque estas cuestiones integran hoy una

    escena especca, reproducida con insistencia en algunas pelculas recientes del

    cine argentino, entre otras producciones simblicas en torno de la memoria de la

    violencia poltica de aquella dcada.

    La escena a la que me reero se construye con un encuentro que es

    en realidad un choque-, entre una narracin y una escucha. La narracin es de

    los sobrevivientes de la muerte y desaparicin generalizadas de los setenta,

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    ocumental-AnaAmado

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    con distintos niveles de participacin en las organizaciones armadas en

    aquella dcada. La escucha -y la demanda misma de relato- es asumida por la

    generacin de los hijos, hijos de los muertos o de los que sobrevivieron, nacidos

    en los setenta y devenidos jvenes en la dcada del noventa. Esta reunin o

    intercambio conjuga pasiones diferentes segn los protagonistas (hijas y padres,

    hijos y padres, ambos con sus madres), y activa el doble sentido del trmino

    escena: por una parte se orienta a una representacin literal, a una puesta en

    escena, en tanto se presenta como espacio dramtico donde se desarrolla o se

    escenica una accin. Y por otra, anuda las manifestaciones de un conicto que

    al incluir interpelaciones y demandas de una generacin a otra, suele signicarseen castellano (al menos en Argentina) con la expresin de hacer una escena. La

    situacin se reitera, como dije antes, con algunas variantes en el cine documental

    argentino de aos recientes, dedicado en parte considerable a representaciones

    de la memoria, y sucede tambin quizs con menos frecuencia en otros pases

    del Cono Sur, como Chile o Uruguay, cuyas sociedades han padecido en gran

    escala la conmocin traumtica del terrorismo de Estado. La proliferacin de este

    sesgo memorialstico del documental se origina, por una parte, en la particular

    ductilidad del gnero como herramienta de experiencias subjetivas, sobre todo

    aquellas que comprometen identidades. Pero entre los motivos de esta insistencia

    temtica no puede desestimarse el que una cantidad considerable de hijos e hijas

    de los desaparecidos o de los sobrevivientes de la represin de los setenta, se

    hayan volcado a la realizacin en cine o video. Es decir, jvenes que renen su

    condicin de descendientes, con la de cineastas, videastas, audiovisualistas, o,

    para decirlo en sentido amplio, artistas.

    El doble protagonismo que se juega en esa escena adopta el rito

    generacional, que traza identidades por va de la pertenencia (en este caso,

    la pertenencia a una comunidad poltica, a una historia y a una poca). Pero

    la nocin de generacin tambin alude a los lazos tendidos entre sucesin y

    genealoga, entre liacin y linaje, en un trayecto familiar donde los vnculos

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    suelen consolidar su perl dramtico. Y en el cual la gura del padre, como

    fantasma de la ley y el origen, comanda tanto las biografas individuales,

    como las metforas genealgicas utilizadas para anudar colectivamente a los

    legatarios de una cultura.

    Una cita de Rodolfo Walsh me ayudar a gracar particularmente

    este ltimo sentido, a travs de la enftica descripcin que realiza de los signos

    violentos del recambio generacional en la literatura argentina de nales de los 60.

    (Hay)actitudes que codican la rebelin. Contra qu se rebelan? Contra los

    padres, claro, que es el pas, que es la realidad, contra el inters disfrazado de

    honor, la estupidez que puede llamarse patriotismo, el clculo que pasa por amor,

    la constante simulacin y la nal irresponsabilidad de los mayores. El parricidio

    habitual? Este promete ser sangriento, ejecutarse sin pudores, con nombres y

    apellidos.1 Otro ejemplo, esta vez flmico, sobre violentaciones y herencias:

    Hitler: un lm alemn, de Hans Jrgen Syberberg (1977), obra monumental que

    aborda sin concesiones un oprobioso pasado, incluye un monlogo nal a cargo

    del personaje del Artista, que llama a mirar de frente el horror y asumir esa

    transmisin dolorosa. Cmo hacerte entender, cmo hacerme entender a m, a los

    hijos y nietos que no conocieron esta vida anterior, ahora olvidada, envenenada por

    las herencias de la poca Mira, lo ms terrible es lo eternamente pretrito El

    personaje despliega su doloroso monlogo sobre la imagen de una nia angelical

    que con un perro de peluche igual a Hitler entre sus brazos, insiste en mantener

    los ojos cerrados, quizs desatenta o seguramente abatida por el peso demoledor

    de semejante legado. Menos pesimista respecto a la historia, Fernando Solanas

    inicia su ltimo documental, La dignidad de los nadies, subrayando el encuentro

    generacional en un escenario de sangre y fuego como fue el de las jornadas

    de la rebelin callejera de diciembre de 2001, entre el Toba, un maestro rural

    comprometido con las luchas de los 70 y un joven motoquero participante

    espontneo de la revuelta, quien malamente herido en aquella ocasin debe la

    vida al la intervencin arriesgada del Toba. Las imgenes de aquel azar histrico

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    que reuni biografas y experiencias dispares y la continuidad de ese vnculo en

    el presente a travs de activas prcticas solidarias con otros excluidos, Solanas

    rubrica el sentido positivo con el que sus ltimos documentales construye una

    poltica de las herencias.

    Admito que los ejemplos son dismiles en su origen y en sus alcances.

    El carcter de la contienda parricida que reere Walsh no reviste la gravedad

    de la herencia envenenada que, como enfatiza el personaje cinematogrco de

    Syberberg, abruma a las generaciones alemanas desde la segunda posguerra.

    Y puede decirse que Solanas reserva un tono esperanzado para el contacto

    entre pocas. Pero hay una equivalencia entre estas alusiones en cuanto a que la

    relacin entre generaciones solo parece narrarse trgicamente, sea bajo el guin

    del impulso parricida, de los modos de rebelin o desde la pregunta sobre cmo y

    quin transmite la historia.

    Relatos del duelo

    El modelo generacional, entendido de esta manera como umbral de

    emergencia y continuacin entre proveniencia y legado, entre procreacin y

    tradicin, entre origen y memoria , est atravesado en nuestro pas por los

    efectos devastadores de la violencia de los setenta. Una concreta huella poltica

    anuda el vnculo de sucesin y transmisin entre aquella generacin diezmada

    por la muerte y la de sus hijos, que desde los ochentas y noventas componen

    su propia trama generacional en la sociedad que los contiene. La interrogacin

    desordenada sobre el pasado, el desconcierto, o la compaginacin de dolor,

    duelo y reexin, forman parte de la complejidad de ese vnculo, que agita,

    directa o indirectamente, la produccin simblica flmica, literaria y teatral- en

    la que participan desde la ltima dcada.

    Relatos con un patrn generacional semejante, en el que aparecen

    entrelazadas historias de poca con subjetividad familiar, dominan hoy la

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    creacin cultural en diversas sociedades. Tal vez por la desvalorizacin de

    otras formas de agrupacin colectiva, es evidente que en el cine actual el grupo

    conformado por la clula familiar ha devenido el principal, si no el nico tipo de

    colectividad utilizable en la ccin. As se multiplican los relatos donde la familia,

    o ms precisamente las relaciones de liacin, la relacin padres-hijos, est en

    el centro de sus historias. En el cine argentino (aunque tambin sucede en la

    literatura) el modelo encuentra su rasgo especco en la escena de memoria y

    liacin a las que me refera antes, en la que biologa y poltica aparecen como

    cifra de una experiencia personal y esttica, sesgada por ese nudo inevitable

    que enlaza en nuestro pas tragedia e historia.

    La nueva generacin de hurfanos asom en el cine de los noventa

    invocada por una cineasta del bando de los setenta, sobreviviente ella misma a la

    represin poltica. La trama de Un muro de silencio(Lita Stantic, 1992) se inicia

    con el susurro de una beba en brazos de sus padres, y contina despus con la

    presencia muda y marginal de esa nia en cada secuencia de acontecimientos

    de una historia donde desaparece, como en un agujero negro, su padre. Ya

    adolescente, es ella la que cierra el lm con un interrogante sobre la sociedad

    cmplice. La gente saba lo que estaba pasando aqu? , dice, frente las ruinas

    de un centro clandestino de detencin (como en eco de la pregunta que concluye

    Noche y nieblade Alain Resnais, frente al paisaje actual de Auschwitz,: Pero

    entonces, quin es responsable?). Y si la pelcula de Stantic anticip en varios

    aos la manifestacin pblica de los hijos de desaparecidos, tambin profetiz de

    alguna manera sobre la vocacin que podramos llamar artstica de la generacin

    de hurfanos, por la importancia que stos conceden a la simbolizacin de sus

    experiencias de duelo y de prdida. Porque el personaje de aquella adolescente que

    mira desde los rincones la lmacin de escenas sobre un pasado que desconoce

    an cuando la involucra directamente, de algn modo pregura a las legiones de

    futuras y futuros cineastas decididos a reconstruir esa historia y su propia relacin

    con ella. Ya no desde la ccin las consecuencias del terrorismo estatal no

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    asoman en las cciones del cine joven argentino- sino con los procedimientos del

    documental, un formato maleable para reunir especicidad histrica y subjetividad

    en operaciones donde anan duelo, memoria y autobiografa.

    De padres e hijas

    Entre los ttulos y autores sobresale la produccin de un puado de

    cineastas mujeres que como autoras, buscan un cauce esttico para su estado de

    memoria y desde su posicin de hijas, abonan a una escena que podramos llamar

    edpica, en nombre de la memoria del padre arrasado por la violencia poltica.

    Pueden mencionarse en este sentido Pap Ivn, de Mara Ins Roqu (2000),

    Los rubiosde Albertina Carri (2003), En ausenciacortometraje ccional de Luca

    Cedrn (2003), Encontrando a Vctor, de Natalia Bruschstein (2004), El Tiempo y

    la sangre, de Alejandra Almirn (2003), La Matanzade Mara Giuffra (2005)2.

    Atribuir un corte de gnero a la produccin documental de estas

    caractersticas resulta, por lo menos, problemtico. Pero es un hecho que

    ubicar en el centro de la representacin la gura paterna y a su generacin para

    desestabilizar a ambas, es una tarea explicable tal vez en su matiz freudiano-

    acometida hasta ahora por las hijas. Los proyectos similares de los hijos varones

    exhiben, en cambio, un corte ms fraterno, por medio de la participacin

    testimonial slo de otros hijos, de pares que discurren sus homenajes o crticas,

    sin que sus intervenciones confronten sus opiniones con las de otra generacin.

    He analizado en otro trabajo Los rubiosy Pap Ivn, las pelculas de Carri,

    Roqu.3Voy a referirme brevemente a ellas para subrayar mi argumentacin

    anterior, ya que pretendo enfocarme ahora en otros documentales recientes.

    Los Rubiosy Pap Ivn, son dos lms pioneros en esta lnea de ensayos

    autobiogrcos sobre la memoria, y de poticas muy diferentes, aunque en ellos se

    plantean interrogantes parecidos, formulados en su doble condicin de hijas y de

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    realizadoras, y dirigidos particularmente a los setenta. El documental de Roqu

    sobre la muerte de su padre, un alto cuadro de la direccin de Montoneros, se

    inclina al uso del testimonio como variante del gnero documental, es decir utiliza

    lo testimonial como reserva pedaggica de la reconstruccin histrica y de su propia

    autobiografa. Albertina Carri, en cambio, recurre a una esttica fragmentaria,

    lacunar, que en el borde lo ccional alude menos a las circunstancias de la

    desaparicin de sus padres militantes, que a la materia imposible del recuerdo, o

    el duelo por su ausencia.

    Tambin coinciden en que ambas dieron lugar a la polmica. Mara Ins

    Roqu, por ejemplo, deja entrever la gura de la traicin asociada al padre y su

    generacin, en el revs de la trama pica y guerrera que construye en Pap Ivn,

    trama que concluye sin temor al lugar comn de la demanda: Yo necesitaba un

    padre vivo antes que un hroe muerto. Carri, por su parte, desat con Los rubios

    un debate todava abierto a partir del maniesto y provocador desplazamiento

    que realiza de imgenes y voces de testigos directos de aquel pasado que,

    paradjicamente, no deja de solicitar para armar su evocacin flmica. Con una

    particular organizacin esttica, Carri privilegia en su pelcula el odo antes que

    la visin, la insercin de un no ver incluso en el ver, en un texto de escucha y de

    ausencia, volcado a la dicultad de seguir los avatares de recordar a su padre y

    madre militantes desaparecidos, ah donde esa tarea tiene lugar: en territorios de

    la intimidad, de la subjetividad.

    En este parricidio interior que supone un entierro con homenaje y el

    despegue con voz propia, las hijas escuchan sobre la Historia que fulmin a sus

    padres y las razones con las que ellos y su generacin unan compromiso, Causa

    y dogma. Su respuesta, como hijas y artistas, entraa una armacin potica e

    ideolgica a la vez, que desplaza el retrato del padre (de los padres) del centro

    de un sistema representativo fundado -simblica, metafricamente, tambin

    literalmente para ellas- en esa gura.

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    De la pica a la voz testimonial

    Hay otras versiones de la escena, en las que la interlocucin directa entre

    hijos e hijas con sus padres o madres militantes de los 70, redene la idea degeneraciones como construccin narrativa y temporal (tambin biolgica) de la

    genealoga. En principio, con la disparidad que ponen en evidencia sus respectivos

    testimonios sobre la historia.

    Unos y otros comparten espacio y dilogo en dos documentales recientes y

    esta co-presencia es el rasgo que las distingue de las pelculas mencionadas antes,

    vectorizadas por la relacin con la memoria del espectro paterno-. Encontrandoa Vctor, es un lm realizado por Natalia Bruschstein a lo largo de cinco aos y

    en calidad de tesis de su carrera en la direccin cinematogrca. En ese lapso, la

    joven cineasta desand el camino desde Mxico, donde creci junto a su madre

    exiliada, a Buenos Aires, ciudad en la que el padre, cuadro combatiente de una

    organizacin guerrillera de izquierda (ERP), desapareci en 1977. En el inicio del

    documental interroga largamente a su madre, tambin cuadro combatiente en la

    misma organizacin, con un balbuceo ostensible, sobre la participacin de ambos

    en acciones armadas despus de su nacimiento. Las respuestas de la madre

    se apoyan en fundamentos ideolgicos atendibles, aunque el plano cercano sobre

    su rostro deja percibir el efecto perturbador de las reiteraciones de la hija, que

    con el uso de la tercera persona parece extender ms all de ella su reclamo:

    pero al decidir tener un hijo, no se cuidaban un poco ms la vida para que el

    hijo no quedara hurfano?. Antes que un psicodrama abonado por una historia

    silenciada (los testimonios de los hijos de los militantes de los 70 siempre coinciden

    en sealar los relatos falsos acerca de las actividades polticas de sus padres, o

    sobre su desaparicin, mentiras piadosas de sus familiares con las que crecieron

    hasta su adolescencia, o su juventud), el documental construye la escenicacin

    de un conicto con races histricas y polticas que la cmara, emplazada como

    un testigo neutro, pero testigo al n de la liberacin de estas experiencias dismiles

    pero ntimamente conectadas, apenas devuelve como un espejo: la cronologa

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    temporal y razonada del compromiso de una generacin que no limit su sacricio

    por sus ideales, enfrentada a una demanda de amor igualmente legtima (por

    qu sus padres eligieron privilegiar sus ideales en detrimento del afecto que le

    deban?). Los argumentos del psicoanlisis -no hay ninguna posibilidad que un

    padre, cualquier padre, est a la altura de su funcin-, y los de la mstica de la

    causa revolucionaria resultan difcilmente compatibles con la urgencia afectiva que

    inviste el reclamo de la hija. Una escena semejante desafa sin duda los sentidos

    controlados de la transmisin testimonial de experiencias. Pero Bruchstein, como

    otros videastas de su generacin, reivindica la creencia en esta expresin efusiva

    y sentimental de la memoria como mtodo apropiado para aproximarse a la historia.Resultado quizs de hacerse cargo, resueltamente, de una narracin mediada

    siempre por representantes de las vctimas, por otros narradores, antroplogos,

    familiares, abogados, idelogos , periodistas.

    En otro documental, se formulan planteos idnticos con un tenor semejante.

    Para qu tenan tres hijos como mnimo, si las casas caan unas tras otra?. La

    respuesta: Porque creamos verdaderamente que bamos a hacer la revolucin,

    no pensbamos que nos iban a matar a todos. Esta vez la escena rene a varios

    hijos de ex militantes montoneros muertos o desaparecidos en la zona Oeste

    de Buenos Aires (las localidades de Morn, Haedo), con algunos de los pocos

    sobrevivientes de la feroz represin en ese territorio en los 70, y se encuentra

    en un documental dirigido por una joven cineasta, Fernanda Almirn, bajo la

    idea y la produccin de Sonia Severini, sobreviviente de los acontecimientos

    narrados. Desde el ttulo, El tiempo y la sangre, esta pelcula condensa el par

    de elementos que anuda toda transmisin entre generaciones y que tomados al

    pie de la letra (tiempo, sangre), parecen anticipar las secuencias dramticas de

    lo familiar biogrco. Sin embargo, la cadena sugerida en ambos documentales

    entre temporalidad y biologa, ciclo histrico y descendencia, sucesin y linaje,

    excede la materia narrativa y asoma como el molde o la frmula con la que el

    dispositivo flmico traduce un ejercicio de memorias plurales, de memoria y post

    memoria en su conuencia con la historia, la violencia y la poltica.

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    En uno y otro lm testimonian los hurfanos, con su versin paralela sobre

    aquellas experiencias de sus padres, en el doble registro del respeto y de la

    interpelacin. Siel relato de los mayores, con la lengua al sesgo de la patria o

    en el nombre de la idea de revolucin, recupera escenas de la gesta heroica que

    motorizaba su accionar juvenil en el pasado, la narracin de los hijos reere a las

    consecuencias de esa eleccin, en tanto testigos de los violentos secuestros de

    sus padres y como damnicados por la tragedia de su ausencia y desaparicin.

    As, las narrativas sobre el trauma padecido en el pasado (cercano y protagonizado

    por unos, distante y desconocido para otros) obedecen a un guin diferencial

    en El tiempo y la sangre, al igual que en las pelculas de Bruschtein, Roqu yCarri, que de este modo se constituyen en un documento de memoria de los

    sobrevivientes y de post memoria de los descendientes. Mariane Hirsch llama

    post memoria a aquella que se despliega desde una distancia generacional y

    desde otra conexin personal con la historia.4 Pensada en relacin a los hijos de

    los sobrevivientes del Holocausto, la nocin resulta adecuada para describir la

    memoria de otras segundas generaciones de eventos y experiencias culturales o

    colectivas de ndole traumtica. Dado que el vnculo con su objeto o su fuente

    est mediado de diversas maneras, la post memoria sera la que caracteriza las

    experiencias de aquellos que crecieron dominados por narrativas que precedieron

    su nacimiento, cuyas propias historias son modeladas con retraso por las historias

    de la generacin previa y labradas por eventos traumticos que (por lo general) no

    pueden ser ni comprendidos ni recreados del todo. O recreados bajo sus propias

    versiones y condiciones.

    La post memoria de estos hijos e hijas funda en lo visual con remarcables

    dosis de irona, en divergencia con la retrica que suelen calicar como solemne

    de los mayores- una narrativa propia, de carcter alusivo antes que mimtico.

    Como sucede en Los rubios, donde la palabra de testigos directos de la vida

    familiar de Carri en los setenta entra en competencia con un puado de juguetes

    animados para reinventar escenas de infancia (incluida la del secuestro de sus

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    padres por extraterrestres), los rostros de las decenas de muertos evocados por

    Severini en El tiempo y la sangre son convertidos en dibujos animados por su

    hija, Mara Giuffra, experta animadora que participa en el lm con su produccin

    grca, fotogrca o pictrica. La violencia y la sangre traducidas en los rojos

    de sus pinturas, el terror en la secuencia donde un gato despanzurra con saa

    una tierna paloma, la desaparicin del padre por un gesto de la Mujer Maravilla

    que lo esfuma en el aire, atraviesan lo narrado con la carga del imaginario

    mgico y aterrorizante de los cuentos infantiles. (Como excursus, o suplemento,

    aadir que Mara Giuffra, de 29 aos de edad, acaba de concluir La matanza,

    un cortometraje en video que realiz con el expediente policial/militar localizadorecientemente sobre la muerte de su padre Rmulo Giuffra , desaparecido en

    febrero de 1977. En l reproduce los correos y ocios intercambiados a lo largo

    de cinco aos entre organismos policiales, forenses, militares, municipales, etc.,

    donde detallan su asesinato lo designan como muerte inevitable- en un camino

    solitario del conurbano bonaerense, lo calican de homicida, lo identican a

    travs de sus huellas dactilares y nalmente dictaminan su entierro como NN.

    Los dibujos de Mara Giuffra alternan puntos de vista y perspectivas del cadver

    y trazos sin guracin nico rasgo de color, el rojo de la sangre-, con la retrica

    administrativa, entretenida en el pormenor kafkiano de un juego demencial con el

    destino del cuerpo de un secuestrado).

    Ese movimiento aleatorio entre memoria y post memoria tiene una

    inscripcin formal en El tiempo y la sangre. La secuencia no lineal de los testimonios

    acumula informacin fragmentaria y desordena la linealidad de las secuencias,

    entrecortadas por citas flmicas, lmaciones caseras, imagen inestable y montaje

    acelerado, entre otras operaciones que delatan el dispositivo ccional de la trama

    documental. Pero que tambin graban materialmente el modo espasmdico y

    discontinuo con que la nueva generacin recibe los relatos. Voces, rostros, miradas,

    movimientos y trayectos incesantes, saturacin de elementos hasta la anulacin

    misma del sentido pleno, son operadores formales y a la vez distribuidores que

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    trastornan la cronologa de las versiones antes que simplemente comunicarlas.

    La eleccin formal de no unir las piezas sueltas y presentar los balbuceos y

    contramarchas del ejercicio de recordar, de subrayar los problemas de la relacin

    del lenguaje con la historia cuando es abordada desde las heridas de la memoria,

    apela a una tica y una esttica fundadas en la elipsis y la supresin para referir

    los costados ms traumticos de la violencia.

    El documental de Almirn inventa un escenario donde plantear una

    serie de consideraciones sobre lo que es razonable o irrazonable, lo que es

    sensato o resueltamente subversivo en una escena donde se comprometen de

    modo divergente los ojos y los odos, la voz y la escucha. La conmocin de

    ese premeditado regreso al pasado surge entonces de dos programas difciles de

    unir. De un choque de imposibilidades entre padres que cuentan cmo su entrega

    haca la historia (la entrega al proyecto, trasciende lo privado y los afectos, dice

    uno de ellos) e hijos que no quieren o no aceptan que los padres les reciten la

    idea. Aunque entre ambas partes haya una puesta en comn de la lengua de la

    prdida (la prdida de la utopa para unos, la de los padres para otros).

    Nuevas voces, otras versiones

    En El tiempo y la sangrey en Encontrando a Vctor el intercambio de

    narrativas se ejecuta con la multiplicacin de testigos. Hay testigos inmediatos

    de los setenta: testigos de las armas, de la muerte alrededor. Y a la vez una

    generacin joven que confronta, que est ah para plantarse explcitamente como

    testigos de esos testigos directos de la poca, con preguntas frontales en lo que

    concierne a sus vidas (Para qu tenan tres hijos como mnimo, si las casas caan

    unas tras otra?, en El tiempo y la sangre; No era para nosotros ms saludable

    tener a nuestros padres vivosque tener para siempre un trauma porque

    nuestros padres decidieron quedarse estecon la militancia antes que con los

    hijos?, en Encontrando a Vctor), con gestos ensimismados cuando se convoca

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    la Historia (se muestran aparentemente impermeables a las explicaciones sobre

    la pasin y la voluntad de cambio que guiaba en aquella poca el compromiso y

    la disposicin al sacricio de sus mayores). Por lo tanto surgen dos relatos, el de

    la militancia, los motivos de la resistencia, del combate armado, de la represin

    y las desapariciones a cargo de los testigos sobrevivientes; y el relato de los

    testigos de la nueva generacin. Entre unos y otros, el espectro del testigo que no

    puede hablar porque est muerto. Constatacin que ms all de las alternancias

    o solapamientos, coloca a todos ante la evidencia del lmite, ante la imposibilidad

    absoluta de reemplazarlo.

    La gura de los nuevos testigos, personajes protagnicos en los

    documentales mencionados, reere, por una parte, a un posicionamiento

    generacional. Como tal, puede resultar precario (desafan sin armar nada sobre

    s mismos, confrontan sin sealar una alternativa, hacen gala de una memoria que

    se disuelve en la apariencia o en su propia imagen, son en sntesis los argumentos

    crticos de los debates generados por algunas de estas pelculas, sobre todo Los

    rubios5). El perl querellante que de modo directo o tangencial asientan frente

    al de sus padres y su generacin ya sea hacia su opcin por la poltica de las

    armas o hacia la cultura de la violencia que la cobij- determina al menos una

    distancia y una diferencia, aunque nalmente slo puedan exhibirse como puras

    subjetividades en riesgo. Tal vez suciente para perlar un sentido de comunidad

    diferente. O para imaginar un mundo, horizontal de las multiplicidades, contra

    el mundo dualista y vertical del modelo y de la copia, como describe Jacques

    Rancire,6mundo conquistado con no poco esfuerzo en el combate de la heroica

    comunidad paterna de los setenta.

    En este sentido, la reiteracin que practican con tonos y poticas diversas

    en su produccin documental, termina por constituir una gura propia, la del

    testigo-escucha, una tercera persona que va al encuentro del relato de lo ausente,

    de algn modo abierto a la conciencia de un tiempo, un pasado, la violencia,

    la muerte. Esa gura tercera en la cadena de una post historia, la del escucha,

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    podra pensarse tal vez desde Walter Benjamin: implcita en el crculo que rodea

    al narrador ese narrador de Benjamin que retorna enmudecido de la guerra, que

    tiene que superar el silencio en que lo sumi la barbarie de su experiencia- , en

    ese crculo, deca, el escucha espera recibir sus historias. Es elegido para pensar

    el desastre, para guardar memoria y al mismo tiempo, romper con la lgica (y su

    legitimacin temporal) del haber estado de una generacin. Para distanciarse,

    en suma, de esa extraa experiencia del sobreviviente que, en el fondo, es el

    habitante de una historia concluida. El sobreviviente es irreemplazable en su

    experiencia, pero est sujeto a la paradoja de no representar otra cosa que a s

    mismo. En cambio, el escucha se hace poseedor de lo denitivamente ausente,que es la historia, para proseguirla de alguna manera. Quizs para reabrirla con

    otra nocin del tiempo (nocin de pasado y de futuro), para inscribir la posibilidad

    de una memoria y asegurar una transmisin.

    En las pelculas mencionadas, ese vnculo se edica con la enunciacin

    o la presencia de esa joven generacin compuesta por los hijos, a su modo

    sustrados de la historia, hijos que no atravesaron esa historia, que estuvieron

    ausentes de la experiencia de la generacin de sus padres, pero que estn

    destinados a ser mediadores sobre la veracidad (a falta de otro trmino) del

    recuerdo y el olvido que los involucra. Situados por fuera de la escena de los

    acontecimientos (posicin que compartimos, como espectadores y destinatarios

    exteriores de estos documentos testimoniales), sera sta una escucha capaz

    de entender, de reconstruir el discurso de los testigos directos -discurso hecho

    todava de retazos y fragmentos-, una escucha dispuesta a suplir los silencios,

    de aadir sus voces y sus versiones a la narracin de la Historia (la de los

    setenta y la guerra) ah donde sta se vuelve invisible o demasiado densa en

    la comunidad de la muerte.

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    _____________________________________________________________

    1. En Una literatura de la incomodidad, revistaPrimera Plana,Ao VI, n 260, 19 de diciembre de 1967, p. 84, sobre laaparicin simultnea de los primeros cuentos y/o novelas de Los entonces jvenes Ricardo Piglia, Germn Garca, AnbalFord y Ricardo Frente.

    2. Los rubios (Argentina, 2003), guin y direccin de Albertina Carri; intrprete: Anala Couceyro. Pap Ivn (Argentina-Mxico,2000), guin y direccin de Mara Ins Roqu, En ausencia ( Argentina-Francia, 2002), cortometraje de ccin, guin ydireccin de de Luca Cedrn. Encontrando a Vctor (Argentina-Mxico, 2004), guin y direccin de Natalia Bruchstein. Eltiempo y la sangre (Argentina, 2003), Direccin: Alejandra Almirn. Idea y Produccin: Sonia Severini. Produccin ejecutiva:Cine Ojo. La Matanza, (Argentina), guin y realizacin de Mara Giuffra.

    3. He desarrollado un anlisis extenso acerca de cada una de estos lms en Ordenes de la memoria y desrdenes de laccin, en Amado A. y Domnguez N, Lazos de familia. Herencias, cuerpos, cciones, Buenos Aires, Paids, 2004.

    4. Marianne Hirsch, Family frames. Photogarphy, narrative and postmemory, Harvard University Press, Mass, 2002, p 22

    5. Cf. La apariencia celebrada, de Martn Kohan, Punto de Vista75, 2004

    6. Jacques Rancire, Deleuze e a literatura, MatracaN 12, 2do semestre, San Pablo, 1999

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    As Contribuies Poticas do cinema das vanguardas:

    entremeios e resduos onricos

    Eduardo Peuela Caizal (USP/UNIP)

    A armao de que o cinema seria para os vanguardistas, e especialmente

    para o surrealismo, uma espcie de fagulha de suas atividades onricasmerece

    algumdiscernimento pelo fato de que, em sua conotao mais profunda, a idia

    se liga com o paradoxo ou, dito de maneira diferente, com o carter regressivo que

    subjaze a qualquer processo de contradio, isto , a esse tipo de combinatrias

    aparentemente sem nexo lgico em que dois elementos antagnicos se relacionam

    e evocam construtos expressivos tpicos do estgio mais primitivo dos signos.

    A esse respeito, creio que as oposies utilizadas por Breton quando

    trata de denir a beleza convulsiva, embora estejam formadas por dois termos

    opostos ertico-velada, explosivo-xa e mgico-circunstancial , deixam a forte

    impresso, no contexto de Nadja (1928), de constiturem uma nica unidade

    morfolgica, j que o hfen, enquanto sinal diacrtico, no s utilizado para unir

    duas palavras, mas para instituir uma unidade nica, uma inusitada adjacncia

    que, ao ser sobredeterminada por signicados contrrios, no encontra nas

    lexias da lngua francesa ou portuguesa o vocbulo pertinente para expressar

    o sentido radical a que o arranjo signicante das duas unidades morfolgicas

    se refere. Ora, se minha hiptese correta, tenho de admitir que o hfen, no

    caso, funciona como um sinal atravs do qual se manifesta o signicado do que

    entendo por entremeio. Ou seja, o signicado de algo que no necessariamente

    nem explosivo nem xo, por exemplo.

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    Cinema, literatura, msica

    Ascontribuiespoticasd

    ocinemadasvanguardas:entremeioseresduosonricos-E

    duardoPeuelaCaizal

    como se essa entidade vocabular, sem ser um neologismo, se

    apropriasse das peculiaridades das formaes homonmicas ou homogrcas.

    A mesma palavra pode exprimir, simultaneamente, dois sentidos avessos, como

    ocorre com o termo escatologia que, de um lado, se reporta doutrina que se

    ocupa do destino nal do homem e do mundo e, de outro, signica tratado acerca

    dos excrementos. Mas no necessria muita imaginao para perceber, sem se

    valer dos matizes etimolgicos, que os dois signicados, supostamente diferentes,

    pertencem a uma interseco de contedos, de ndole bastante primitiva, inserida

    nos domnios semnticos determinados pela extremidade, entendida, de um lado,

    como ponto nal da linha simblica da vida e, de outro, a inferioridade da cavidade

    anal em relao da boca. Alm do mais, se levarmos em conta os gestos nais

    de uma pessoa ao morrer ou ao defecar, no teremos grandes diculdades

    para intuir as analogias existentes no processo de homonmia que se instala na

    palavra escatologia. Por outro lado, no atinente ao pensamento freudiano sobre

    os signicados opostos dos nomes primitivos, julgo oportuno lembrar que, para o

    criador da psicanlise, as idias de Carl Abel, segundo Michel Arriv (1994:189-208)

    tiveram forte repercusso sobre os conceitos relativos s relaes da linguagemcom o inconsciente e, sobretudo, no papel que nessas relaes desempenham

    nas oposies de sentido, tpicas dos nomes primitivos, nos processos simblicos,

    eles mesmos fundamentais, como se sabe, para a anlise dos sonhos.

    Convm, conseqentemente, assentar o princpio de que os enunciados

    que trazem tona as emanaes signicativas desses fenmenos no tm seu

    epicentro precisamente no redemoinho dos automatismos psquicos tomados,

    no geral, como apangio do Surrealismo , seno na dialtica que, no seio da vida

    social, as imagens desencadeiam para vencer as barreiras do tempo e perpetuar-

    se em formas que sofrem constantes metamorfoses. Vale dizer que, dessa

    perspectiva, estudar o Surrealismo hoje tarefa que requer a insero de seus

    conceitos mais banalizados na vida social dos signos tal qual a formula Bakhtin

    (1997) quando se entrega conjetura de que qualquer enunciado, por ser um

    dos mltiplos os entranado nas tramas da linguagem, sempre ter seu dia de

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    ressurreio, isto , sempre esse o manter contato, ao longo da sua inndvel

    travessia, com outros os que lhe enriquecero os signicados.

    Em outras palavras, o Surrealismo, na opinio de alguns, no se dene nocerne da cultura francesa ou europia, pois ele fruto, no pensamento de um crtico

    e poeta da lucidez de Octavio Paz, de uma pluralidade, ou seja, de um conjunto de

    posies excntricas que trazem ao cenrio do dilogo vozes contraditrias, ecos

    procedentes de geograas distantes e diferentes. No estou minimizando repito

    mais uma vez que os inuxos da poesia de Rimbaud e de Lautramont, poetas

    amide lembrados como precursores das imagens surrealistas, no tenham

    desempenhado um papel importante, nem mesmo que contgios esotricos,

    caso, por exemplo, da irradiao de certas conguraes imaginrias oriundas

    da alquimia ou de rituais primitivos arraigados nos recantos mais inslitos de

    nosso planeta, deixem de ter uma inuncia contundente, como j assinalei. O

    que desejo frisar que, para compreender melhor a estrutura potica de algumas

    imagens surrealistas, ajuda mais a signicncia das conguraes propiciadas

    pela inveno do cinematgrafo do que os conceitos formulados segundo a lgica

    sinttica dos discursos verbais e, sobretudo, que as conformaes de tais imagens

    projetaram nas pupilas estupefatas dos espectadores uma iluso de realidade

    deslumbrante e, com sua persistente renovao de procedimentos expressivos,

    plasmaram marcas de um fulgor potico que devem perdurar por muito tempo,

    pois h de se reconhecer quer muitas dessas marcas se deixam perceber nas

    obras de arte mais relevantes do sculo XX e dos comeos do sculo XXI..

    Tomando como pontos de referncia imagens em que o entremeio regula

    suas estruturas, tenho para mim que a gnese do cinema surrealista tem, nas

    seqncias nais de The Pelgrim(1923), de Charles Chaplin, um de seus embries

    mais auspicioso. Falando metaforicamente, o lme todo parece ter sido forjado

    como um grande tero que acolhe o vulo fecundado do Surrealismo. Isso o

    que se deixa vislumbrar, para citar apenas um exemplo, nas cenas em que, na

    casa de um dos devotos, os is se renem para recepcionar o padre impostor.

    Pelo seu cariz paradoxal, a situao em si j sutilmente surrealista, mas seu

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    surrealismo se torna evidente quando, de repente, o comedimento dos convivas

    diante do falso reverendo subvertido pelas molecagens de um garotinho que

    vai, com perversa inocncia, desmantelando a rgida compostura e as engomadas

    vestimentas dos tpicos representantes da burguesia pater famlias, esposas

    diletas, aclitos... . Um circunspecto senhor e inclusive o falso reverendo

    interpretado por Chaplin esbofeteado e seu traseiro aguilhoado pelo garotinho

    que se serve de uma agulha de fazer tric. De um lado, nesta perversa inocncia

    do menino, expresso ditada talvez pelo meu inconsciente, eu vislumbro algo dos

    efeitos de um entremeio que se oculta e creio que, tambm no falso reverendo,

    esse entremeio est presente, tanto na traduo que fao das imagens do lme

    quanto no prprio lme. Pressente-se nesse arranjo uma beleza convulsiva que

    tem seu germe no invlucro que se instaura no instante em que disponho as

    palavras desta maneira: perversidade-inocncia.

    E, no rumo desse pressentimento, creio ainda mais, creio que nessa

    seqncia do lme de Chaplin se alude pulso de morte que subjaze ao hfen

    enquanto elemento homogrco mediante o qual se anulam as diferenas das

    duas lexias postas em relao, unidas quase para aniquilar os vazios gerados

    pela distncia de duas palavras que, ao entrar no domnio do simblico e, por

    conseguinte, da linguagem e das regras, se reportam a referentes distintos e

    opostos, pois, anal de contas, a pulso de morte, no pensamento freudiano,

    o resultado da separao radical porque passa o animal humano quando a sua

    integridade com o cosmos se desfaz e nele se instala, para a vida inteira, um

    visceral sentimento de nostalgia provocado pelos silenciosos estilhaos dessa

    hecatombe. Antes disso, a inocncia e a perversidade no tinham razo de ser,

    ou, dito de outra maneira, eram uma nica e mesma coisa.

    Tanto pelas caractersticas da cena brevemente comentada acima quanto

    pelas latncias decorrentes da dupla signicao das imagens que a estruturam,

    The Pilgrim no simplesmente um antecedente do cinema surrealista: ele

    um lme basicamente surrealista. E no o pelos seus ataques burguesia,

    parecendo ser esse o motivo a que se amarram os crticos para ver na ta algum

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    que outro trao tpico do surrealismo, sem, a tal respeito, deixar de lado, claro, o

    arroubo que esse e outros lmes de Chaplin geravam nos seguidores de Breton.

    Meu argumento para defender a surrealidade deste lme de outra natureza e,

    evidentemente, no se prende a premissas contaminadas pela ideologia atrelada

    luta de classes. Prero persistir na idia do entremeio, sempre entendido como

    embrio expressivo a partir do qual se desenvolvem os recursos poticos mais

    especcos do surrealismo e, seguindo essa trilha, mostrar que, na seqncia nal

    de The Pilgrim, esse procedimento expressivo formata, atravs da originalidade da

    sua forma, uma congurao cujos componentes fundamentais sobredeterminam

    um arranjo expressivo em que ingredientes do paradoxo, da signicncia, do

    polissmico e da homonmia se congregam e, de maneira pregnante, forjam uma

    forma expressiva tipicamente surrealista.

    No deixa de ser sugestivo o fato de que Maxime Alexandre (1968)

    preserve, em suas memrias de um surrealista, seqncias e at detalhes do

    lme The Pilgrime, ao se referir cena nal da ta, confessa que o episdio em

    que se envolvem o policial e o falso reverendo foi feito para atingir o corao.

    E, no que a mim se refere, estou plenamente convencido, depois de ver e rever

    essa magistral seqncia do lme, que a encenao e a construo expressiva

    das imagens que a se congregam exprimem, com nitidez, a gura do entremeio,

    essa gura que, atravs da navalha talhando o olho ou das nuvens cortando a

    lua, se manifesta na famosa cena do prlogo de Un Chien Andalou (1929) e j

    se desenha plasticamente nessa navalha-fronteira sobre a qual, colocando uma

    perna nos Estados Unidos e outra no Mxico, tenta fazer caminho a personagem

    criada e encarnada por Charles Chaplin.

    Embora alguns do grupo desconassem do cinema, fato indiscutvel,

    entretanto, que a grande maioria dos seguidores de Breton enxergava nas

    aventuras de Fantmas ou nas peripcias burlescas dos irmos Marx um tipo

    de expresso livre e condizente com o esprito surrealista. Futuristas e dadastas

    tambm se interessaram pelo cinema. Para os primeiros, as experincias

    sinestsicas construdas a partir da atribuio de atributos sonoros s cores

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    deram origem ao manifesto Cinema abstrato - Msica cromtica, inspirado, sem

    dvida, nas experincias de Ginna e Corra. Entre os lmes que tiveram grande

    repercusso no mbito dos futuristas se destacam Il perdo incanto, (1916), de

    Antonio Giulio Gragaglia e o documentrio LItalia futurista(1916). Mas os que me

    parece que merecem ateno so, de um lado, o curioso lme Amore pedestre,

    feito em 1914 por Marcel Fabre e, de outro, a ta de Yakov Protozanoz intitulada

    Aelita1924), pois h ressonncia deles, no atinente lgica e fantasia, em

    passagens de lmes surrealistas.

    O primeiro trabalha expressivamente com um tipo de metonmia

    carnavalizada por meio da qual se valorizam as partes inferiores do corpo, processo

    que, em certa medida, se deixa perceber em seqncias de Lge dor(1930) e

    o segundo se vale de um tosco simulacro de sonho para montar, num cenrio de

    formas assimtricas e expressionistas, um relato melodramtico. Mas, como os

    surrealistas, ao que tudo indica, pouco se interessaram pelos lmes abstratos de

    Walther Ruttmann, Viking Eggeling, Hans Richter e Henri Chomette, sem que isso

    signique que alguns deles caso de Germaine Dulac no tenham feito algumas

    incurses nos experimentos do cinema puro e integral, procurando, principalmente,

    explorar questes de ritmo, ca evidente o fato de que, alm das relaes, sempre

    poeticamente conitantes, com o sistema narrativo, os artistas do Surrealismo

    enveredaram para os territrios do onrico e em seus domnios, afastados das

    sinfonias urbanas e das profecias futuristas, encontraram, perambulando por todo

    lugar, os fantasmas da liberdade exibindo nas metforas que neles se encarnam

    modalidades expressivas muito mais atrativas do que aquelas que se mostravam

    com excesso de alarde em realizaes vanguardistas do tipo Le retour la raison

    (1923) , Emak Bakia(1927), Ltoile de mer (1928) e Les mystres du chteau du

    D(1928-29). No se pode negar que nesses lmes, e em outros que poderiam

    ser citados, existem passagens em que o grau de ambigidade muito alto, trao

    que nos autnticos lmes surrealistas uma constante. de se reconhecer,

    porm, que essa polissemia, tambm cultivada pelos cineastas especicamente

    surrealistas, se atrelava a requintes no isentos das elucubraes prprias das

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    prticas eruditas e, portanto, comprometidas com engrenagens que, alm de

    submeter o ritmo ao automatismo das mquinas, recurso dicilmente presente

    nas obras surrealistas, desmantelava o mistrio das imagens. Em razo disso, os

    cineastas foram buscar o sigilo das coisas na irracionalidade dos sonhos.

    Compreende-se, conseqentemente, que lmes como Aelita no fossem

    tomados na condio de parmetros, pois, neles, o sonho era construdo de

    maneira racional e, posto a servio da narrativa, se transformava em recurso

    expressivo destinado a apresentar solues pertinentes ao equacionamento das

    incgnitas espalhadas na fbula para despertar o interesse dos espectadores. Os

    processos onricos explorados pelos surrealistas tinham, em princpio, sua origem

    no pensamento freudiano, j presente nos manifestos e que, anos depois, Breton

    ordenava de maneira mais consistente em seu livro Les Vases Communicants

    (1992), publicado em 1932, momento em que o cinema surrealista atingia o seu

    apogeu. Tenho para mim, entretanto, que os procedimentos expressivos que o

    autntico cinema surrealista cujo paradigma, em minha opinio, constitudo

    basicamente por trs lmes de co La Coquille et le Clergyman (1927), Un

    Chien Andalou(1929) e Lge dor (1930) possuem suas razes, no caso dos

    sonhos, no s nas idias da psicanlise, mas tambm nos construtos onricos

    forjados por cineastas como Buster Keaton. Ser suciente assistir com ateno

    o lme Sherlock Jr(1924) para se convencer de que o somnium ctumconstrudo

    pelo cineasta norte-americano possui um conjunto de caractersticas coincidentes

    com as que Luis Buuel desenvolve em sua primeira ta: subverso das leis do

    espao, ambientes naturais de que emergem surpresas que roam os limites

    da ironia sem, contudo, fugir dos mbitos do humor e, ainda, transmutao das

    circunstncias em que a realidade e a fantasia se confundem para contar uma

    histria de amour fou.

    Tambm em La Coquille et le Clergyman, considerado, por alguns

    estudiosos do Surrealismo, como sendo o primeiro lme do Movimento, se

    preservam particularidades do construto onrico, embora a ta de Germaine Dulac

    no se liberte totalmente das amarras dos relatos montados segundo os princpios

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    da concatenao lgica dos acontecimentos. Creio que, nesta obra, existe um

    sentimento de culpa que confere uma tonalidade dramtica cuja intensidade

    pertence a uma atmosfera que no precisamente semelhante que Buuel

    expe, valendo-se de smbolos e iconograas inslitos, em Un Chien Andalou.

    Pode-se dizer que Dulac, tendo utilizado muito mais elementos emblemticos

    do que simblicos, descaracteriza de maneira signicativa o roteiro de Antonin

    Artaud. Apesar dos protestos dos surrealistas, o lme, a meu ver, se encaixa com

    legitimidade nos parmetros do cinema do Surrealismo, principalmente porque,

    em muitas das suas seqncias, a fantasia e a realidade se confundem numa

    trama em que os os onricos urdem conguraes imaginrias nas que aoram

    tentativas de entrar no mbito do inconsciente.

    Com base, pois, nos dados considerados, os lmes surrealistas que neles

    se arraigam estabelecem as peculiaridades que, com o passar do tempo, rmam

    no s sua identidade, mas tambm um conjunto de marcas expressivas que Linda

    Williams (1981:3-9) soube reconhecer com preciso quando estuda a teoria potica

    que se manifesta nas imagens que ela chama de pr-surrealistas. As principais

    caractersticas dessas imagens podem ser ordenadas segundo os seguintes

    princpios: (1) no nascem de comparaes e possuem uma forte propenso

    justaposio, aproximando sempre elementos distantes; (2) quanto mais forte a

    aproximao de realidades distintas, mais forte ser tambm a carga emocional de

    que se revestem essas imagens; (3) e a emoo que elas provocam poeticamente

    pura porque ela provm de algo que no est nem fora nem dentro da comparao,

    da evocao ou da imitao. Claro que tais princpios foram empregados pelos

    poetas surrealistas, mas, como tentei provar, embora de maneira sucinta, sua

    origem mais legtima deve ser buscada nos diferentes gneros cinematogrcos

    desenvolvidos pelo cinema durante as trs primeiras dcadas do sculo passado e

    mesmo durante os ltimos anos do m do sculo XIX.

    No que diz respeito narrativa, convivo com a convico de que os

    legtimos lmes do Surrealismo rompem com a linearidade no simplesmente

    porque os cineastas mais representativos desse movimento vanguardista tenham

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    como nalidade se opor aos hbitos da burguesia, mas porque um relato no linear

    sempre deixa o espectador num estado de perplexidade. curioso, entretanto, o

    fato de que Breton e muitos outros companheiros do seu grupo se sentisse

    profundamente atrado pelos seriados, isto , por um tipo de construto flmico cujo

    principal ingrediente residia no recurso de prolongar ao mximo a narrativa linear.

    Em Nadja (1988: 663), Breton fala com entusiasmo de Ltreinte de la pieuvre

    - lme norte-americano cujo ttulo original The Trail of the Octopus, realizado

    em 1919, com direo de Duke Worne - e se sente cativado por essa fantasia

    do chins que pode multiplicar seu corpo e pouco a pouco ir invadindo o mundo

    com inmeras criaturas como ele. de se considerar, entretanto, que esses

    relatos cheios de acontecimentos que se entrelaam tecendo, como Penlope,

    durante o dia e desfazendo tudo durante a noite, foi para os surrealistas uma

    espcie de metfora de um texto manifesto, de um texto que escondia alguns

    tramados menos evidentes. Com base nisso, inclino-me a pensar que a destruio

    da obviedade desses relatos mediante o desmoronamento da linearidade tinha,

    como quando rompemos a carcaa dos sonhos manifestos, a funo de produzir

    um efeito ominoso, isto , um efeito de estranheza, que, alm de desnortear apercepo do espectador, relevava a presena do objeto do desejo.

    Em suma, os recursos do entremeio e dos construtos onricos so,

    sem dvida, contribuies poticas que alargam os domnios da ambigidade

    em que se situam os autnticos lmes surrealistas. Eles possuem um encanto

    inconfundvel e quando suas rupturas expressivas atingem a narrao e o relato

    ao mesmo tempo, surge, de repente, a atmosfera envolvente que apenas permite

    vislumbrar as imagens fantasmagricas que o animal humano carrega em seu

    interior. E a partir desses recintos que, uma vez parcialmente ordenadas pelos

    expedientes da poesia, as foras sinrgicas que a fervilham criam essa inslita

    miragem em que a realidade e a fantasia se confundem, como em quase todas

    as passagens de Un Chien Andalou, Lage dore, mesmo,emLa Coquille et le

    Clergyman. possvel que esses processos os das tramas do entremeio e os

    dos os onricos tenham ainda a nalidade de jogar com a inverso das imagens,

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    de gerar conguraes em que o outro lado do visvel mostra seus esconderijos

    e que, na explorao desses mesmos esconderijos, o cinema encontre ainda em

    nossos dias os jazigos de enunciados que ressuscitam e comovem milhes de

    espectadores em todo o mundo.

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    Referncias bibliogrcas

    ALEXANDRE, Maxime. 1968. Mmoires dun surraliste. Paris: ditiom de la Jeune Parque.

    ARRIV, Michel. 1994. Langage et psychanalyse, linguistique et inconscient.Paris: PUF.

    BAKHTIN, Mikhail. 1997. Problemas da potica de Dostoivski.Rio, Forense Universitria, 2 edio.

    BRETON, Andr. 1988. Nadja, in Oeuvres Compltes I.Paris: Gallimard.

    BRETON, Andr. 1992. Les Vases Communicants, in Oeuvres Compltes I.Paris, Gallimard.

    WILLIAMS, Linda. 1981. Figures of Desire: A Theory and Analysis of Surrealist Film. Urbana:

    University of Illinois Press.

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    -NdeaReginaGaspar

    A leitura como prazer e interdio: uma anlisefoucaultiana

    Ndea Regina Gaspar (UFSCar)

    Neste trabalho pretende-se demonstrar aspetos de como a leitura vem

    sendo discursivisada nos lmes, durante as duas ltimas dcadas. Para tanto,detivemo-nos nos princpios fundamentais da teoria do discurso de Michel Foucault.

    A anlise do discurso assume uma importncia central para Foucault, pois

    um dos grandes projetos desse autor foi propor uma teoria de anlise daquilo

    que foi efetivamente dito nos rastros dos discursos, a teoria arqueolgica,

    fundamentada, principalmente, no texto A arqueologia do saber (1997). Neste

    sentido, para o terico (1997, p.56) os discursos [so]prticas que formam

    sistematicamente os objetos de que falam. As prticas as quais esse autor se refere

    advm de acontecimentos histricos que so representados tanto sob o ponto de

    vista cientco (formaes discursivas), como o das experincias pr-cientcas

    (formaes no discursivas). Para que se possa observar e descrever como um

    objeto do discurso se constitui nas formaes discursivas e no discursivas, faz-

    se necessrio que o analista estabelea relaes entre as superfcies nas quais os

    objetos possam aparecer. Ou seja, observar e descrever o modo como eles foramrepresentados nas superfcies dos textos e das obras, em diferentes momentos

    da histria, procurando relacion-losentre si. A anlise de um objeto do discurso,

    dentre umapluralidade emaranhadade objetos, que faz aparecer uma prtica

    discursiva (advinda de acontecimentos) que pode ser ressaltada em um conjunto

    de textos, originando um sistema de arquivo. neste contexto que Foucault (2000,

    p. 72) arma,A arqueologia tal como eu a entendo, [...] a anlise do discurso em

    sua modalidade de arquivo.

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    Os discursos, sendo observados por Foucault desta maneira, levaram-no

    a perceber que eles se deslocam de texto para texto, mas, ao se deslocarem,

    conservam algo que permanece. Este algo que permanece denido por esse

    terico, como sendo o enunciado discursivo. Devido s migraes do enunciado

    que Foucault (1997, p. 99) o tomou como tema central para os seus estudos

    sobre o discurso, e ele armou: o enunciado [...] uma funo de existncia.

    Demonstrando a funo de existncia do enunciado, Foucault formulou quatro

    grandes princpiospara identicar as variaesenunciativas: a srie, os sujeitos,

    amaterialidadee o campo associado. Por esses princpios, o analista reconhece

    a permanncia, a alternncia e os deslocamentos enunciativos. Para o terico,

    portanto, embora a unidade central do discurso seja o enunciado, ele s seria

    considerado como tal se estivesse articulado s formaes discursivas, gerando

    assim, um sistema de arquivo.

    Mediante a proposta de Foucault para se entender o que se falou sobre

    determinado objeto discursivo, buscaremos averiguar, ainda que sucintamente,

    como vm sendo concebidos os discursos em torno da leitura. Para tanto,

    recorremos a um pequeno arquivo constitudo por quatro lmes. Vale lembrar que

    essa teoria aponta para possibilidades de anlises em diversos tipos de textos,

    dentre eles, os flmicos. Barros da Motta (2000) observa, que Foucault s comeou

    a trabalhar com a anlise de lmes em um perodo mais recente (prximo da sua

    morte em 1984).

    A leitura como intimidade

    Na busca por encontrar enunciados discursivos que apresentaram modos

    semelhantes de percepo sobre o objeto leitura; mesmo tendo sido pronunciados

    por sujeitos diferentes, materialidades distintas e contextos textuais singulares tal

    como prope a teoria foucualtiana; iniciamos o processo de anlise escolhendo

    uma seqncia do lme dirigido por Michel de Ville, La lectrice(1989), cujo ttulo

    foi traduzido no Brasil como Uma leitora bem particular.

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    O lme La Lectrice narra a histria da personagem Marie (Miou Miou)

    lendo um livro, que tambm se intitula La Lectrice. O lme procura expor o que

    a leitura deste livro provocou em Marie, no exato momento em que ela o est

    lendo. Assim, o livro e o lme se mesclam, levando o espectador, juntamente

    com Marie, a se posicionar como um dos leitores do livro e ao mesmo tempo

    do lme. Destacamos uma das seqncias de Marie quando ela vai visitar um

    empresrio (um dos seus clientes leitor), e inicia para ele a leitura bastante

    provocativa do texto O Amante, de Marguerite Duras. A leitura do incio do

    romance de Duras, associada voz de Marie, faz com que o empresrio durma.

    Irritada com isso, ela l mais alto para poder acord-lo, visto que ela est ali

    para cumprir sua funo de leitora, e espera que o outro a oua. O empresrio

    acorda e se justica diante dela, revelando que tem um bloqueio pessoal quando

    ele l (ou quando ela l), pois sente sono. Percebe-se que ele est visivelmente

    envolvido emocionalmente com Marie, e buscando seduzi-la, ajoelha-se no

    cho, abraando-a pelas pernas. A moa, revelando timidez, segura o livro entre

    as duas mos na direo do ventre. O empresrio neste momento, procurando

    envolv-la para que ela o ajude a solucionar o seu problema, diz: - Pensei que,

    com sua voz, eu poderia penetrar aqui, indicando com as mos o livro que se

    encontra na direo do ventre de Marie.

    Essa breve seqncia flmica, certamente sugere o incio de um

    relacionamento amoroso entre um homem e uma mulher. Entretando, ela indica

    tambm, o desejo do empresrio em penetrar no s em Marie, quando se v

    que ele coloca a mo no seu ventre, mas tambm no contedo do livro que essa

    segura. Este fato ser conrmado em uma seqncia posterior, quando Marie,

    totalmente imbuda da sua funo de leitora vai para a cama com o empresrio e,

    com o livro entre as mos, quase consome o ato sexual, lendo.

    Percebemos, assim, a profunda analogia existente nas relaes ntimas

    entre um homem, uma mulher, o livro e a leitura. Neste momento, julgamos que ele

    poderia ser identicado como a possibilidade de um enunciado discursivo. Para

    Foucault, contudo, o enunciado ter este statusse ele tambm puder ser observado

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    em uma srie, compondo assim, uma formao discursivasobre um determinado

    arquivo. A srie enunciativapode ser constituda por materialidadesdiferentes,

    sujeitosdistintos e contextos (campos associados) que se assemelham ou se

    diferenciam entre si. O que os une a possibilidade de se identicar o mesmo

    enunciado, pois este se repete. Destacamos, ento, um outro lme de uma srie

    escolhida por ns, Indelidade(2002) dirigido por Adrian Lyne.

    Elegemos duas seqncias deste lme para a anlise. A primeira delas

    logo no incio, quando a personagem Constance (representada por Diane Lane)

    se encontra na rua, e d de encontro com Paul Martel (Olivier Martinez), devido

    a uma forte ventania. Neste momento, ela carrega algumas sacolas de plsticocontendo objetos variados para a sua casa e ele carrega uma pilha enorme

    de livros. O encontro inusitado e tumultuoso dos dois, em meio tempestade,

    faz com que os livros e objetos das sacolas se espalhem pela calada. Com o

    incidente e o tombo dos dois protagonistas principais do lme, Constance se

    machuca e Paul a convida para subir no apartamento dele para que ela possa

    fazer a assepsia no machucado.

    Interessante observarmos que j nesta seqncia inicial encontramos

    diversos signos que demonstram o desenrolar e o desfecho da narrativa como,

    por exemplo, sacolas de plstico com objetos para festa infantil sugerindo que

    Constance tem lhos; livros nas mos de Paul aventando a possibilidade de

    ele trabalhar com esse material; venta muito e tambm os atores se encontram

    em uma rua bastante movimentada, indicando, assim, no contexto, que a vida

    dos dois poderia vir a ser bastante tumultuada e confusa; o band-aid revelando

    machucados. Para Foucault, porm, um signo no um enunciado. O autor

    (1997, p. 56) arma que, certamente os discursos so feitos de signos; mas o que

    fazem mais que utilizar esses signos para designar coisas. (...) esse mais

    que preciso aparecer e que preciso descrever.Esse mais, para Foucault,

    no sugere a anlise de signos apresentados em apenas um texto ou mesmo em

    vrios fragmentos de textos, mas em um processo de relaes dos princpios por

    ele observados, buscando-se encontrar o campo dos enunciados discursivos. Na

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    anlise, inicialmente, s vezes essas relaes ocorrem internamente a um mesmo

    texto, mas, posteriormente, tem-se que fazer a busca em outros textos.

    Neste sentido, evidenciamos no mesmo texto uma outra seqncia queapoiaria o destaque a um possvel enunciado. quando Constance visita Paul no

    seu apartamento, cujo local revela que ele vende livros (um sebo). Depois de uma

    breve conversa entre os dois, ele tira o casaco dela e, em primeiro plano, percebe-

    se o toque da sua mo na nuca de Constance, sugerindo um ato afetivo entre

    duas pessoas que mal se conhecem. Enquanto ele pega um caf, ela encontra um

    livro escrito embraille. Assim que ele chega com o caf solicita que ela feche os

    olhos, e ento, pega nas mos e, com os dedos entrelaados aos dela l o textointituladoA delcia de cozinhar. Terminada a leitura, os dois permanecem ainda de

    mos dadas, mas Constance diz que precisa sair dali.

    Novamente nesta seqncia, assim como em La lectrice, percebem-se

    relaes de intimidade e prazer entre um homem, uma mulher, o livro e a leitura.

    Se atrelarmos as seqncias acima buscando relacion-las ao lme anterior

    (e tambm ao lme O homem que copiava (2003), que por razes de espao

    textual no foi possvel descrever), veremos que, embora eles tenham sido feitos

    em momentos histricos, pases e culturas distintas, produzidos por diretores

    diferenciados, por atores diversos, com enredos bastante diferentes, h algo que

    permanece de texto para texto. Esse algo o que Foucault destaca como sendo

    o enunciado. No caso, sem dvida h um enunciado fazendo-se presente nestes

    textos flmicos e formando um determinado discurso - formao discursiva- sobre

    o objeto leitura.

    Destacamos, assim, o enunciado: A leitura como intimidade .

    Porm, a leitura no foi representada nos lmes formando um discurso

    que traduz somente intimidade e prazer. Mediante o recorte necessrio de

    ser feito nesse trabalho, observaremos mais uma formao discursiva que foi

    possvel depreender.

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    A leitura como interdio

    Muitas vezes, a leitura tambm aparece nos lmes traduzindo experincias

    de amargas, solitrias, que revelam proibies. o caso, por exemplo, deAbrildespedaado, dirigido por Walter Salles. Elegemos na anlise desse lme o

    personagem menino (vivenciado por Ravi Ramos Lacerda). Logo no incio da

    trama ele diz que no consegue se lembrar de uma histria porque tem outra

    na cabea, e ento comea a contar esta outra. A histria a qual ele no se

    lembra diz respeito leitura das guras de um livro que ele ganha de Clara

    (Flvia Marco Antnio), uma artista de circo que chega na regio onde reside,

    no serto nordestino. A histria que ele se lembra a dele e a de sua famlia,

    cujos personagens esto envolvidos em brigas de sangue por disputas de terras

    locais. Em uma das seqncias flmicas, observa-se que ele est sentado

    sombra de uma rvore frondosa com o livro entre as mos, e ento, ele recria

    mentalmente a histria textual se inserindo como protagonista da mesma. Para

    ele, neste momento, a sereia estava em perigo e ele precisava salv-la.

    quando ele descreve que ela se apaixona por ele e o chama para viver no mar.

    Esta seqncia flmica narrada com inseres de imagens demonstrando os

    pais do menino (Rita Assemany e Jos Dumont) cortando folhas de cactos sob

    um sol escaldante. O pai ca irritado com o menino, pois esperava que esse

    ajudasse no trabalho pesado, dirige-se ento em direo ao garoto e toma o

    livro das suas mos, dizendo:- tu que pensa que pode car sem uma obrigao

    nessa casa!O menino corre at o pai implorando, inutilmente: - me d meu livro!

    Me d meu livro! Me d!

    Deduz-se que a atitude paterna tira do menino o que lhe mais precioso,

    os entornos que o objeto livro representa, pois pela leitura imagtica que ele

    consegue abstrair, via imaginao, a realidade cruel que vivencia. Esse objeto

    proporciona a ele o sentimento de ganhar um presente de uma mulher nova, linda

    e artista, a capacidade de sonhar com peixes, sereias e o mar, j que ele mora no

    rido serto, etc. no contexto desse lme, por exemplo, que se destaca a leitura

    como interdio, angstia, sofrimento e dor.

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    Para Foucault, como vimos, um enunciado se repete originando

    uma formao de um determinado discurso. Deste modo, faz-se necessrio

    exemplicar agora, em ao menos mais um texto flmico, aspectos que denotam a

    leitura como interdio. Escolhemos uma seqncia da obra do diretor iraniano

    Moshen Makhmalbaf, intitulado A caminho de Kandahar (2001), quando se

    observa o modo como se realiza a leitura numa escola afeg e a relao do

    professor com seus alunos.

    Arquitetonicamente, a escola parece um pequeno templo muito rstico e

    se assemelha s demais residncias locais. Os alunos que a esto (somente

    do sexo masculino, uma vez que as mulheres no podem freqentar o local),

    encontram-se sentados sob uma esteira no cho, com as pernas cruzadas, um

    livro grande aberto sobre elas, e movimentam-se sem parar para frente e para trs.

    A leitura feita em voz alta, em um coro de vozes unssona e ritmada. O professor

    aparece andando nessa sala de aula, e vez ou outra faz uma pergunta a algum

    aluno da classe sobre o contedo do livro que esto lendo, o Alcoro. Observa-se

    que o professor pergunta a um dos alunos sobre o funcionamento de uma arma

    (Kalashnikov) que se assemelha a uma metralhadora, sendo que a mesma se

    encontra nas mos do garoto. Depois que ele ouve atentamente a resposta dada

    pelo aluno, corrigindo-o em um determinado ponto, o professor dirige-se a outro

    aluno e solicita a esse ltimo que leia um determinado trecho do livro. Esse ltimo

    no est executando os mesmos gestos corporais dos demais alunos, pois diz

    que as costas doem, mas imita a mesma voz ritmada do coro que at ento se

    ouvia. Agindo assim, ele busca demonstrar ao professor seu saber diante do que

    ouve - o ritmo -, mas no consegue efetivamente decifrar os signos escritos que l

    - as palavras -, pois parece no dominar o alfabeto afego. O professor, por duas

    vezes, solicita que ele faa igual ao colega que se encontra ao lado dele. Esse

    ltimo l ritmado e faz os gestos necessrios para a leitura sagrada. O primeiro

    menino no consegue fazer o mesmo e ento, o professor, muito calmo, na frente

    dos demais alunos, diz que ele no aprendeu e que est com a cabea em outro

    lugar, salientando, em voz alta, que se ele no aprender a ler corretamente ser

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    expulso da escola. Neste momento, o mestre solicita para esse menino parar de

    ler e pede para chamar a sua me, pois quer falar com ela.

    Observa-se por essa passagem, no s as relaes de poder que existemna escola afeg, ou um aprendizado de uma leitura do texto verbal j bastante

    ultrapassada para os moldes ocidentais (voz alta), ou mesmo um contedo de um

    texto de cunho religioso, poltico e ideolgico, cujo propsito preparar crianas

    para guerrear. O que destacamos neste momento a profunda angstia do aluno

    diante do texto e da aprendizagem da leitura, sentimento comum entre as crianas

    que ali se encontram, e isso pode ser visto pelas expresses faciais.

    Neste contexto que podemos destacar as relaes entre esse lme e

    Abril despedaado. Nas