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ESTUDOS DE CINEMA E AUDIOVISUAL
SOCINE
ISBN: 85-7419-647-9
ANO VII SO PAULO
2012
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Rubens Machado Jr., Rosana de Lima Soares,
Luciana Corra de Arajo
(orgs.)
VII ESTUDOSDE CINEMA EAUDIOVISUAL
SOCINE
SO PAULO - SOCINE
2012
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Estudos de Cinema e Audiovisual Socine
____________________________
Coordenao editorial
Joaquim Antnio Pereira
Capa
A partir de arte grca de Carlos Clmen
Projeto Grco e DiagramaoPaula Paschoalick
____________________________
1aedio digital: julho de 2012
Encontro realizado em 2005, na Universidade do Vale do Rio Dos SinosSo Leopoldo, Rio Grande do Sul
Socine - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual
Estudos de cinema e audiovisual Socine / organizadores:Rubens Machado Jr., Rosana de Lima Soares, Luciana Corrade Arajo. So Paulo : Socine, 2006.
478 p. (Estudos de cinema e audiovisual; v. 7)
ISBN: 85-7419-647-9(impresso)
1. Cinema. 2. Cinema brasileiro. 3. Cinema latino - americano.4. Audiovisual. 5. Documentrio. 6. Sociologia do Cinema. I. Ttulo. II.Srie. III. Socine. IV. Encontro Socine.
CDU 791.43 CDD: 791
M129
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Diretoria da Socine
Jos Gatti (UFSCar) Presidente
Consuelo Lins (UFRJ) Vice-Presidente
Afrnio Mendes Catani (USP) Tesoureiro
Maurcio Reinaldo Gonalves (Universidade Anhembi-Morumbi) Secretrio
Conselho Deliberativo
Andra Frana (PUC-RJ)
Czar Migliorin (UFRJ) - representante discente
Erick Felinto (UERJ)
Esther Hamburguer (USP)
Fernando Mascarello (Unisinos)
Henri Gervaiseau (USP)
Laura Cnepa (Unicamp) - representante discente
Marcius Freire (Unicamp)
Mauro Baptista (Universidade Anhembi-Morumbi)
Paulo Menezes (USP)
Renato Luiz Pucci Jr. (Universidade Tuiuti do Paran)
Rosana de Lima Soares (USP)
Rubens Machado Jr. (USP)
Sheila Schvarzman (Universidade Anhembi-Morumbi)
Tunico Amncio (UFF)
Wilton Garcia (Universidade Anhembi-Morumbi)
Comit Cientco
Alexandre Figueira (Unicap)
Anelise Reich Corseuil (UFSC)
Denilson Lopes (UnB)
Ismail Xavier (USP)
Joo Luiz Vieira (UFF)
Maria Dora Mouro (USP)
Conselho Editorial
Afrnio Mendes Catani, Alexandre Figueira, Anelise Reich Corseuil, Consuelo Lins, Eduardo Peuela Canizal,
Esther Hamburguer, Glnio Pvoas, Joo Luiz Vieira, Jos Gatti, Jos Incio de Melo Souza, Luciana Corra
de Arajo, Marcius Freire, Mariarosaria Fabris, Rosana de Lima Soares, Rubens Machado Jr.
Comisso de Publicao
Rubens Machado Jr., Rosana de Lima Soares, Luciana Corra de Arajo
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ENCONTROS ANUAIS DA SOCINE
I 1997 Universidade de So Paulo (So Paulo-SP)
II 1998 Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro RJ)
III 1999 Universidade de Braslia (Braslia DF)
IV 2000 Universidade Federal de Santa Catarina (Florianpolis SC)
V 2001 Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre RS)
VI 2002 Universidade Federal Fluminense (Niteri RJ)
VII 2003 Universidade Federal da Bahia (Salvador BA)
VIII 2004 Universidade Catlica de Pernambuco (Recife PE)
IX 2005 Universidade do Vale do Rio Dos Sinos (So Leopoldo RS)
X 2006 Estalagem de Minas Gerais (Ouro Preto MG)
XI 2007 Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro RJ)
XII 2008 Universidade de Braslia (Braslia DF)
XIII 2009 Universidade de So Paulo (So Paulo SP)
XIV 2010 Universidade Federal de Pernambuco (Recife - PE)
XV 2011 Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro - RJ)
XVI 2012 Centro Universitrio Senac (So Paulo - SP)
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Sumrio
Apresentao1 2 Rubens Machado Jr., Rosana de Lima Soares, Luciana Corra de Arajo
Introduo
1 4 Subjetividad, memoria y poltica en el nuevo documental
Ana Amado
Cinema, literatura, msica
30 As contribuies poticas do cinema das vanguardas
Eduardo Peuela Caizal
4 1 A leitura como prazer e interdio: uma anlise foucaultiana
Ndea Regina Gaspar
5 1 Incio do cinema sonoro: a relao com a msica popular no Brasil como em
outros pasesFernando Morais da Costa
60 Filmando a msica: as variaes da escuta no lme de Franois Girard
Suzana Reck Miranda
Cinema latino-americano
7 2 O pensamento de Frantz Fanon no cinema latino-americanoFabin Nez
82 O documentrio latino-americano em Havana: breve crnica
Afrnio Mendes Catani
9 2 Santa Maria sob 25 watts: Onetti encontra o cinema
Ariadne Costa
http://../2008/final.pdfhttp://../2008/final.pdfhttp://../2008/final.pdf -
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1 02 Realismo e histrias mnimas no novo cinema argentino
Ivonete Pinto
1 1 2 Abrao partido
Tunico Amancio
1 2 1 Mi casa es su casa:Cultura e sociedade no melodrama familiar mexicano
dos anos 40
Maurcio de Bragana
1 30 Dinmica e estrutura da circulao internacional de produtos audiovisuais entre
os pases do mercosul
Alessandra Meleiro
Mercado e recepo
1 4 1 Intersesses tecnolgicas e institucionais: notas para uma arqueologia do
espao audiovisual contemporneo e sua problemtica
Joo Guilherme Barone Reis e Silva
1 5 1 Procura-se a audincia brasileira desesperadamente
Fernando Mascarello
1 6 1 A Recepo dos lmes africanos no Brasil
Mahomed Bamba
1 7 1 Mercado e cinema perifrico em Portugal
Leandro Jos Luz Riodades de Mendona
Crtica de cinema
1 8 1 Revista da Tela: uma experincia de imprensa especializada no Recife
Alexandre Figueira
1 90 Cinelia e crtica cinematogrca na internet: uma nova forma de cineclubismo?
Cyntia Nogueira
20 1 Notas sobre a carreira de So Paulo S/A
Marcia Regina Carvalho da Silva
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2 12 A fabricao do mitoA Margem, de Ozualdo Candeias
Daniela Pinto Senador
Em torno do cinema marginal
224 A deambulao em O Candinho, de O. Candeias
Fbio Raddi Ucha
235 Ritmo e ruptura na narrao deZzero
Pedro Plaza Pinto
246 Nen Bandalho: Maldito, marginal e bandido
Rafael de Luna Freire
256 A construo da ironia no cinema de Srgio Bianchi
Nezi Heverton C. de Oliveira
Olhares documentais
268 Funeral Bororo em imagens: Major Reis e outros realizadores
Edgar Teodoro da Cunha
280 Ao redor do Brasil cinema como apropriao?
Samuel Paiva
290 O herosmo no documentrio contemporneo ouEntreatos e a herana do
Cinema Direto no Brasil
Andrea Molfetta
3 0 1 A Participao de comunidades na realizao de documentrios
Clarisse Alvarenga
3 09 Sob a nvoa da inteligncia
Paulo Menezes
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Documentrios, experincias
3 2 1 Imagem-experincia: 1949/2003, Jonas Mekas e Agnes Varda
Cezar Migliorin
3 3 1 Documentrios experimentais?
Guiomar Ramos
3 4 1 Trs balizas do experimental no cinema brasileiro
Francisco Elinaldo Teixeira
3 5 1 Um jovem com uma cmera: notas sobre o olhar afetivo em Zonazul
Srgio R. Basbaum
3 6 1 O uso da noo de representao na teoria do documentrio
Luiz Augusto Rezende Filho
Cinema brasileiro: dilogos, diagnsticos, propostas
3 72 A capacidade criativa de copiar
Sheila Schvarzman
3 8 1 Rio, 40e o cinema realista brasileiro dos anos 1950
Mariarosaria Fabris
3 90 Os Cafajestese seus tiros no sol cinema brasileiro e nouvelle vague
Maria do Socorro Silva Carvalho
3 99 Dois Crregos Dois Destinos:Uma Concentrao de Tempos
Celia Regina Cavalheiro
40 7 Burguesia e malandragem em Mulher de verdade
Flvia Cesarino Costa
4 1 7 Feitio da Vila eEstouro na praa: dois roteiros inditos de Alex Viany e
Alinor Azevedo
Lus Alberto Rocha Melo
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428 Retratos do militante na dramaturgia do Centro Popular de Cultura
Reinaldo Cardenuto Filho
Anlises do audiovisual brasileiro
439 Cinema e jornalismo: Lcio Flvio, o passageiro da agonia,a representao do
jornalista no cinema brasileiro
Lisandro Nogueira
448 Os lugares de uma cidade
Marlyvan Moraes de Alencar
457 Introduo ao cinema queerno Brasil: anotaes
Wilton Garcia
467 De Godard para Guel Arraes: o cinema moderno como matriz para a
TV ps-moderna?
Renato Luiz Pucci Jr.
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APRESENTAO
Ao completar dez anos de existncia, a Socine (sociedade Brasileira de
Estudos de Cinema e Audiovisual) conrma sua vocao de discusso e intercmbio
de experincias enre pesquisadores ligados ao estudo do audiovisual em seus
mais variados aspectos. Desdobramentos dos encontros anuais organizados
desde 1997, a publicao regular de Estudos de Cinema permite ampliar o acesso
e o alcance das reexes que se deram no mbito dos encontros, divulgando-as
para um pblico mais amplo.
Este stimo volume rene uma seleo dos trabalhos apresentados
no IX Encontro Socine, realizado na Unisinos (Universidade do Vale do Rio
dos Sinos), em So Leopoldo (RS), de 19 a 22 de outubro de 2005. Pela
primeira vez publicamos a palestra de abertura do evento, tradicionalmente
realizada por um convidado brasileiro ou do exterior. Em 2005, tivemos o
prazer de receber a professora Ana Amado, da Universidade de Buenos Aires.
Seu artigo Subjetividad, memria y poltica en el nuevo documental no s
traz uma anlise envolvente das interseces entre histria poltica e familiar
que caracterizam documentrio argentinos recentes como tambm, numa
feliz sintonia, funciona como perfeita apresentao aos artigos seguintes, ao
imobilizar aspectos recorrentes ao longo do livro.
Um desses aspectos o particular interesse pela produo documental.
O grande nmero de artigos dedicados ao documentrio fortalece uma tendncia
j presente nos volumes anteriores como, de resto, no campo dos estudos
do audiovisual em geral -, estabelecendo estimulantes dilogos com prticas
e reexes ligadas ao gnero. O artigo de Ana Amada, sinaliza tambm outra
caracterstica deste volume: a presena marcante do cinema latino-americano.
Apesar do tema no ser estranho aos encontros j realizados, no deixa de
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ser uma grata surpresa, considerando a quantidade de texto e a variedade de
abordagens, que transitam das particularidades do mercado s anlises de
lmes orientadas muitas vezes pelo desejo de estabelecer paralelos com a
experincia brasileira.
Para alm da Amrica Latina, o cinema estrangeiro comparece com
trabalhos que procuram traar relaes com outros campos como a literatura, a
msica e a televiso.
O audiovisual brasileiro continua a merecer amplo destaque nas reexes
e debates que animam a Socine, trao que repercute diretamente nas nossaspublicaes. Este volume no poderia ser diferente, cabendo chamar a ateno
para a variedade de enfoques aqui presente. tradicional anlise dos lmes vem
se juntar o estudo da produo crtica e da recepo, em percursos que procuram
explorar diferentes aspectos, ainda que inter-relacionados, que envolvem as
obras audiovisuais. Tambm se sobressai a preocupao em compreender a
experincia brasileira a partir de sua relao com momentos, lmograas e
tendncias tal como se manifestaram ou como vm se desenvolvendo no cinema
realizado em outros pases.
Esperamos que a publicao dos artigos possa propiciar novos dilogos
e leituras diversas, contribuindo para enriquecer as pesquisas e as discusses
no campo do cinema e do audiovisual.
Os organizadores
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Introduo
Subjetividad,m
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ocumental-AnaAmado
INTRODUO
Subjetividad, memoria y poltica en el nuevo documental
Ana Amado (UBA)
Entre los ncleos conictivos que envuelven las referencias a los
acontecimientos histricos del pasado reciente argentino, hoy parecen prevalecer
los aspectos relacionados con su transmisin. No se trata (solamente) de los
debates sobre la disposicin formal y temtica de las narraciones musesticas
acerca de los eventos de sangre y fuego de los setenta, con su carga traumtica.
Dilemas y posiciones de una peculiar irresolucin atrapan tambin, desde hace
una dcada, los trminos en que se establece la transferencia generacional de
experiencias. Sobre todo cuando la transmisin de saberes y relatos sobre esos
acontecimientos es atravesada - como sucede en numerosos casos-, por vnculos
genealgicos o directamente familiares. La va testimonial, que suele garantizarla circulacin narrativa entre testigos directos e indirectos de la poca, alberga
sobresaltos o interferencias en el pasaje de la memoria de los protagonistas
a una suerte de post-memoria de sus descendientes quienes, ante el peso
de la historia, o segn la medida de las revelaciones, reaccionan con gestos
simultneos de reverencia y rebelin ante la gura o las acciones polticas de
sus antecesores. Esto no agrega nada nuevo respecto a las frmulas siempre
litigiosas de sucesin generacional, aunque estas cuestiones integran hoy una
escena especca, reproducida con insistencia en algunas pelculas recientes del
cine argentino, entre otras producciones simblicas en torno de la memoria de la
violencia poltica de aquella dcada.
La escena a la que me reero se construye con un encuentro que es
en realidad un choque-, entre una narracin y una escucha. La narracin es de
los sobrevivientes de la muerte y desaparicin generalizadas de los setenta,
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con distintos niveles de participacin en las organizaciones armadas en
aquella dcada. La escucha -y la demanda misma de relato- es asumida por la
generacin de los hijos, hijos de los muertos o de los que sobrevivieron, nacidos
en los setenta y devenidos jvenes en la dcada del noventa. Esta reunin o
intercambio conjuga pasiones diferentes segn los protagonistas (hijas y padres,
hijos y padres, ambos con sus madres), y activa el doble sentido del trmino
escena: por una parte se orienta a una representacin literal, a una puesta en
escena, en tanto se presenta como espacio dramtico donde se desarrolla o se
escenica una accin. Y por otra, anuda las manifestaciones de un conicto que
al incluir interpelaciones y demandas de una generacin a otra, suele signicarseen castellano (al menos en Argentina) con la expresin de hacer una escena. La
situacin se reitera, como dije antes, con algunas variantes en el cine documental
argentino de aos recientes, dedicado en parte considerable a representaciones
de la memoria, y sucede tambin quizs con menos frecuencia en otros pases
del Cono Sur, como Chile o Uruguay, cuyas sociedades han padecido en gran
escala la conmocin traumtica del terrorismo de Estado. La proliferacin de este
sesgo memorialstico del documental se origina, por una parte, en la particular
ductilidad del gnero como herramienta de experiencias subjetivas, sobre todo
aquellas que comprometen identidades. Pero entre los motivos de esta insistencia
temtica no puede desestimarse el que una cantidad considerable de hijos e hijas
de los desaparecidos o de los sobrevivientes de la represin de los setenta, se
hayan volcado a la realizacin en cine o video. Es decir, jvenes que renen su
condicin de descendientes, con la de cineastas, videastas, audiovisualistas, o,
para decirlo en sentido amplio, artistas.
El doble protagonismo que se juega en esa escena adopta el rito
generacional, que traza identidades por va de la pertenencia (en este caso,
la pertenencia a una comunidad poltica, a una historia y a una poca). Pero
la nocin de generacin tambin alude a los lazos tendidos entre sucesin y
genealoga, entre liacin y linaje, en un trayecto familiar donde los vnculos
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Introduo
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suelen consolidar su perl dramtico. Y en el cual la gura del padre, como
fantasma de la ley y el origen, comanda tanto las biografas individuales,
como las metforas genealgicas utilizadas para anudar colectivamente a los
legatarios de una cultura.
Una cita de Rodolfo Walsh me ayudar a gracar particularmente
este ltimo sentido, a travs de la enftica descripcin que realiza de los signos
violentos del recambio generacional en la literatura argentina de nales de los 60.
(Hay)actitudes que codican la rebelin. Contra qu se rebelan? Contra los
padres, claro, que es el pas, que es la realidad, contra el inters disfrazado de
honor, la estupidez que puede llamarse patriotismo, el clculo que pasa por amor,
la constante simulacin y la nal irresponsabilidad de los mayores. El parricidio
habitual? Este promete ser sangriento, ejecutarse sin pudores, con nombres y
apellidos.1 Otro ejemplo, esta vez flmico, sobre violentaciones y herencias:
Hitler: un lm alemn, de Hans Jrgen Syberberg (1977), obra monumental que
aborda sin concesiones un oprobioso pasado, incluye un monlogo nal a cargo
del personaje del Artista, que llama a mirar de frente el horror y asumir esa
transmisin dolorosa. Cmo hacerte entender, cmo hacerme entender a m, a los
hijos y nietos que no conocieron esta vida anterior, ahora olvidada, envenenada por
las herencias de la poca Mira, lo ms terrible es lo eternamente pretrito El
personaje despliega su doloroso monlogo sobre la imagen de una nia angelical
que con un perro de peluche igual a Hitler entre sus brazos, insiste en mantener
los ojos cerrados, quizs desatenta o seguramente abatida por el peso demoledor
de semejante legado. Menos pesimista respecto a la historia, Fernando Solanas
inicia su ltimo documental, La dignidad de los nadies, subrayando el encuentro
generacional en un escenario de sangre y fuego como fue el de las jornadas
de la rebelin callejera de diciembre de 2001, entre el Toba, un maestro rural
comprometido con las luchas de los 70 y un joven motoquero participante
espontneo de la revuelta, quien malamente herido en aquella ocasin debe la
vida al la intervencin arriesgada del Toba. Las imgenes de aquel azar histrico
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que reuni biografas y experiencias dispares y la continuidad de ese vnculo en
el presente a travs de activas prcticas solidarias con otros excluidos, Solanas
rubrica el sentido positivo con el que sus ltimos documentales construye una
poltica de las herencias.
Admito que los ejemplos son dismiles en su origen y en sus alcances.
El carcter de la contienda parricida que reere Walsh no reviste la gravedad
de la herencia envenenada que, como enfatiza el personaje cinematogrco de
Syberberg, abruma a las generaciones alemanas desde la segunda posguerra.
Y puede decirse que Solanas reserva un tono esperanzado para el contacto
entre pocas. Pero hay una equivalencia entre estas alusiones en cuanto a que la
relacin entre generaciones solo parece narrarse trgicamente, sea bajo el guin
del impulso parricida, de los modos de rebelin o desde la pregunta sobre cmo y
quin transmite la historia.
Relatos del duelo
El modelo generacional, entendido de esta manera como umbral de
emergencia y continuacin entre proveniencia y legado, entre procreacin y
tradicin, entre origen y memoria , est atravesado en nuestro pas por los
efectos devastadores de la violencia de los setenta. Una concreta huella poltica
anuda el vnculo de sucesin y transmisin entre aquella generacin diezmada
por la muerte y la de sus hijos, que desde los ochentas y noventas componen
su propia trama generacional en la sociedad que los contiene. La interrogacin
desordenada sobre el pasado, el desconcierto, o la compaginacin de dolor,
duelo y reexin, forman parte de la complejidad de ese vnculo, que agita,
directa o indirectamente, la produccin simblica flmica, literaria y teatral- en
la que participan desde la ltima dcada.
Relatos con un patrn generacional semejante, en el que aparecen
entrelazadas historias de poca con subjetividad familiar, dominan hoy la
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creacin cultural en diversas sociedades. Tal vez por la desvalorizacin de
otras formas de agrupacin colectiva, es evidente que en el cine actual el grupo
conformado por la clula familiar ha devenido el principal, si no el nico tipo de
colectividad utilizable en la ccin. As se multiplican los relatos donde la familia,
o ms precisamente las relaciones de liacin, la relacin padres-hijos, est en
el centro de sus historias. En el cine argentino (aunque tambin sucede en la
literatura) el modelo encuentra su rasgo especco en la escena de memoria y
liacin a las que me refera antes, en la que biologa y poltica aparecen como
cifra de una experiencia personal y esttica, sesgada por ese nudo inevitable
que enlaza en nuestro pas tragedia e historia.
La nueva generacin de hurfanos asom en el cine de los noventa
invocada por una cineasta del bando de los setenta, sobreviviente ella misma a la
represin poltica. La trama de Un muro de silencio(Lita Stantic, 1992) se inicia
con el susurro de una beba en brazos de sus padres, y contina despus con la
presencia muda y marginal de esa nia en cada secuencia de acontecimientos
de una historia donde desaparece, como en un agujero negro, su padre. Ya
adolescente, es ella la que cierra el lm con un interrogante sobre la sociedad
cmplice. La gente saba lo que estaba pasando aqu? , dice, frente las ruinas
de un centro clandestino de detencin (como en eco de la pregunta que concluye
Noche y nieblade Alain Resnais, frente al paisaje actual de Auschwitz,: Pero
entonces, quin es responsable?). Y si la pelcula de Stantic anticip en varios
aos la manifestacin pblica de los hijos de desaparecidos, tambin profetiz de
alguna manera sobre la vocacin que podramos llamar artstica de la generacin
de hurfanos, por la importancia que stos conceden a la simbolizacin de sus
experiencias de duelo y de prdida. Porque el personaje de aquella adolescente que
mira desde los rincones la lmacin de escenas sobre un pasado que desconoce
an cuando la involucra directamente, de algn modo pregura a las legiones de
futuras y futuros cineastas decididos a reconstruir esa historia y su propia relacin
con ella. Ya no desde la ccin las consecuencias del terrorismo estatal no
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asoman en las cciones del cine joven argentino- sino con los procedimientos del
documental, un formato maleable para reunir especicidad histrica y subjetividad
en operaciones donde anan duelo, memoria y autobiografa.
De padres e hijas
Entre los ttulos y autores sobresale la produccin de un puado de
cineastas mujeres que como autoras, buscan un cauce esttico para su estado de
memoria y desde su posicin de hijas, abonan a una escena que podramos llamar
edpica, en nombre de la memoria del padre arrasado por la violencia poltica.
Pueden mencionarse en este sentido Pap Ivn, de Mara Ins Roqu (2000),
Los rubiosde Albertina Carri (2003), En ausenciacortometraje ccional de Luca
Cedrn (2003), Encontrando a Vctor, de Natalia Bruschstein (2004), El Tiempo y
la sangre, de Alejandra Almirn (2003), La Matanzade Mara Giuffra (2005)2.
Atribuir un corte de gnero a la produccin documental de estas
caractersticas resulta, por lo menos, problemtico. Pero es un hecho que
ubicar en el centro de la representacin la gura paterna y a su generacin para
desestabilizar a ambas, es una tarea explicable tal vez en su matiz freudiano-
acometida hasta ahora por las hijas. Los proyectos similares de los hijos varones
exhiben, en cambio, un corte ms fraterno, por medio de la participacin
testimonial slo de otros hijos, de pares que discurren sus homenajes o crticas,
sin que sus intervenciones confronten sus opiniones con las de otra generacin.
He analizado en otro trabajo Los rubiosy Pap Ivn, las pelculas de Carri,
Roqu.3Voy a referirme brevemente a ellas para subrayar mi argumentacin
anterior, ya que pretendo enfocarme ahora en otros documentales recientes.
Los Rubiosy Pap Ivn, son dos lms pioneros en esta lnea de ensayos
autobiogrcos sobre la memoria, y de poticas muy diferentes, aunque en ellos se
plantean interrogantes parecidos, formulados en su doble condicin de hijas y de
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realizadoras, y dirigidos particularmente a los setenta. El documental de Roqu
sobre la muerte de su padre, un alto cuadro de la direccin de Montoneros, se
inclina al uso del testimonio como variante del gnero documental, es decir utiliza
lo testimonial como reserva pedaggica de la reconstruccin histrica y de su propia
autobiografa. Albertina Carri, en cambio, recurre a una esttica fragmentaria,
lacunar, que en el borde lo ccional alude menos a las circunstancias de la
desaparicin de sus padres militantes, que a la materia imposible del recuerdo, o
el duelo por su ausencia.
Tambin coinciden en que ambas dieron lugar a la polmica. Mara Ins
Roqu, por ejemplo, deja entrever la gura de la traicin asociada al padre y su
generacin, en el revs de la trama pica y guerrera que construye en Pap Ivn,
trama que concluye sin temor al lugar comn de la demanda: Yo necesitaba un
padre vivo antes que un hroe muerto. Carri, por su parte, desat con Los rubios
un debate todava abierto a partir del maniesto y provocador desplazamiento
que realiza de imgenes y voces de testigos directos de aquel pasado que,
paradjicamente, no deja de solicitar para armar su evocacin flmica. Con una
particular organizacin esttica, Carri privilegia en su pelcula el odo antes que
la visin, la insercin de un no ver incluso en el ver, en un texto de escucha y de
ausencia, volcado a la dicultad de seguir los avatares de recordar a su padre y
madre militantes desaparecidos, ah donde esa tarea tiene lugar: en territorios de
la intimidad, de la subjetividad.
En este parricidio interior que supone un entierro con homenaje y el
despegue con voz propia, las hijas escuchan sobre la Historia que fulmin a sus
padres y las razones con las que ellos y su generacin unan compromiso, Causa
y dogma. Su respuesta, como hijas y artistas, entraa una armacin potica e
ideolgica a la vez, que desplaza el retrato del padre (de los padres) del centro
de un sistema representativo fundado -simblica, metafricamente, tambin
literalmente para ellas- en esa gura.
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De la pica a la voz testimonial
Hay otras versiones de la escena, en las que la interlocucin directa entre
hijos e hijas con sus padres o madres militantes de los 70, redene la idea degeneraciones como construccin narrativa y temporal (tambin biolgica) de la
genealoga. En principio, con la disparidad que ponen en evidencia sus respectivos
testimonios sobre la historia.
Unos y otros comparten espacio y dilogo en dos documentales recientes y
esta co-presencia es el rasgo que las distingue de las pelculas mencionadas antes,
vectorizadas por la relacin con la memoria del espectro paterno-. Encontrandoa Vctor, es un lm realizado por Natalia Bruschstein a lo largo de cinco aos y
en calidad de tesis de su carrera en la direccin cinematogrca. En ese lapso, la
joven cineasta desand el camino desde Mxico, donde creci junto a su madre
exiliada, a Buenos Aires, ciudad en la que el padre, cuadro combatiente de una
organizacin guerrillera de izquierda (ERP), desapareci en 1977. En el inicio del
documental interroga largamente a su madre, tambin cuadro combatiente en la
misma organizacin, con un balbuceo ostensible, sobre la participacin de ambos
en acciones armadas despus de su nacimiento. Las respuestas de la madre
se apoyan en fundamentos ideolgicos atendibles, aunque el plano cercano sobre
su rostro deja percibir el efecto perturbador de las reiteraciones de la hija, que
con el uso de la tercera persona parece extender ms all de ella su reclamo:
pero al decidir tener un hijo, no se cuidaban un poco ms la vida para que el
hijo no quedara hurfano?. Antes que un psicodrama abonado por una historia
silenciada (los testimonios de los hijos de los militantes de los 70 siempre coinciden
en sealar los relatos falsos acerca de las actividades polticas de sus padres, o
sobre su desaparicin, mentiras piadosas de sus familiares con las que crecieron
hasta su adolescencia, o su juventud), el documental construye la escenicacin
de un conicto con races histricas y polticas que la cmara, emplazada como
un testigo neutro, pero testigo al n de la liberacin de estas experiencias dismiles
pero ntimamente conectadas, apenas devuelve como un espejo: la cronologa
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temporal y razonada del compromiso de una generacin que no limit su sacricio
por sus ideales, enfrentada a una demanda de amor igualmente legtima (por
qu sus padres eligieron privilegiar sus ideales en detrimento del afecto que le
deban?). Los argumentos del psicoanlisis -no hay ninguna posibilidad que un
padre, cualquier padre, est a la altura de su funcin-, y los de la mstica de la
causa revolucionaria resultan difcilmente compatibles con la urgencia afectiva que
inviste el reclamo de la hija. Una escena semejante desafa sin duda los sentidos
controlados de la transmisin testimonial de experiencias. Pero Bruchstein, como
otros videastas de su generacin, reivindica la creencia en esta expresin efusiva
y sentimental de la memoria como mtodo apropiado para aproximarse a la historia.Resultado quizs de hacerse cargo, resueltamente, de una narracin mediada
siempre por representantes de las vctimas, por otros narradores, antroplogos,
familiares, abogados, idelogos , periodistas.
En otro documental, se formulan planteos idnticos con un tenor semejante.
Para qu tenan tres hijos como mnimo, si las casas caan unas tras otra?. La
respuesta: Porque creamos verdaderamente que bamos a hacer la revolucin,
no pensbamos que nos iban a matar a todos. Esta vez la escena rene a varios
hijos de ex militantes montoneros muertos o desaparecidos en la zona Oeste
de Buenos Aires (las localidades de Morn, Haedo), con algunos de los pocos
sobrevivientes de la feroz represin en ese territorio en los 70, y se encuentra
en un documental dirigido por una joven cineasta, Fernanda Almirn, bajo la
idea y la produccin de Sonia Severini, sobreviviente de los acontecimientos
narrados. Desde el ttulo, El tiempo y la sangre, esta pelcula condensa el par
de elementos que anuda toda transmisin entre generaciones y que tomados al
pie de la letra (tiempo, sangre), parecen anticipar las secuencias dramticas de
lo familiar biogrco. Sin embargo, la cadena sugerida en ambos documentales
entre temporalidad y biologa, ciclo histrico y descendencia, sucesin y linaje,
excede la materia narrativa y asoma como el molde o la frmula con la que el
dispositivo flmico traduce un ejercicio de memorias plurales, de memoria y post
memoria en su conuencia con la historia, la violencia y la poltica.
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En uno y otro lm testimonian los hurfanos, con su versin paralela sobre
aquellas experiencias de sus padres, en el doble registro del respeto y de la
interpelacin. Siel relato de los mayores, con la lengua al sesgo de la patria o
en el nombre de la idea de revolucin, recupera escenas de la gesta heroica que
motorizaba su accionar juvenil en el pasado, la narracin de los hijos reere a las
consecuencias de esa eleccin, en tanto testigos de los violentos secuestros de
sus padres y como damnicados por la tragedia de su ausencia y desaparicin.
As, las narrativas sobre el trauma padecido en el pasado (cercano y protagonizado
por unos, distante y desconocido para otros) obedecen a un guin diferencial
en El tiempo y la sangre, al igual que en las pelculas de Bruschtein, Roqu yCarri, que de este modo se constituyen en un documento de memoria de los
sobrevivientes y de post memoria de los descendientes. Mariane Hirsch llama
post memoria a aquella que se despliega desde una distancia generacional y
desde otra conexin personal con la historia.4 Pensada en relacin a los hijos de
los sobrevivientes del Holocausto, la nocin resulta adecuada para describir la
memoria de otras segundas generaciones de eventos y experiencias culturales o
colectivas de ndole traumtica. Dado que el vnculo con su objeto o su fuente
est mediado de diversas maneras, la post memoria sera la que caracteriza las
experiencias de aquellos que crecieron dominados por narrativas que precedieron
su nacimiento, cuyas propias historias son modeladas con retraso por las historias
de la generacin previa y labradas por eventos traumticos que (por lo general) no
pueden ser ni comprendidos ni recreados del todo. O recreados bajo sus propias
versiones y condiciones.
La post memoria de estos hijos e hijas funda en lo visual con remarcables
dosis de irona, en divergencia con la retrica que suelen calicar como solemne
de los mayores- una narrativa propia, de carcter alusivo antes que mimtico.
Como sucede en Los rubios, donde la palabra de testigos directos de la vida
familiar de Carri en los setenta entra en competencia con un puado de juguetes
animados para reinventar escenas de infancia (incluida la del secuestro de sus
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padres por extraterrestres), los rostros de las decenas de muertos evocados por
Severini en El tiempo y la sangre son convertidos en dibujos animados por su
hija, Mara Giuffra, experta animadora que participa en el lm con su produccin
grca, fotogrca o pictrica. La violencia y la sangre traducidas en los rojos
de sus pinturas, el terror en la secuencia donde un gato despanzurra con saa
una tierna paloma, la desaparicin del padre por un gesto de la Mujer Maravilla
que lo esfuma en el aire, atraviesan lo narrado con la carga del imaginario
mgico y aterrorizante de los cuentos infantiles. (Como excursus, o suplemento,
aadir que Mara Giuffra, de 29 aos de edad, acaba de concluir La matanza,
un cortometraje en video que realiz con el expediente policial/militar localizadorecientemente sobre la muerte de su padre Rmulo Giuffra , desaparecido en
febrero de 1977. En l reproduce los correos y ocios intercambiados a lo largo
de cinco aos entre organismos policiales, forenses, militares, municipales, etc.,
donde detallan su asesinato lo designan como muerte inevitable- en un camino
solitario del conurbano bonaerense, lo calican de homicida, lo identican a
travs de sus huellas dactilares y nalmente dictaminan su entierro como NN.
Los dibujos de Mara Giuffra alternan puntos de vista y perspectivas del cadver
y trazos sin guracin nico rasgo de color, el rojo de la sangre-, con la retrica
administrativa, entretenida en el pormenor kafkiano de un juego demencial con el
destino del cuerpo de un secuestrado).
Ese movimiento aleatorio entre memoria y post memoria tiene una
inscripcin formal en El tiempo y la sangre. La secuencia no lineal de los testimonios
acumula informacin fragmentaria y desordena la linealidad de las secuencias,
entrecortadas por citas flmicas, lmaciones caseras, imagen inestable y montaje
acelerado, entre otras operaciones que delatan el dispositivo ccional de la trama
documental. Pero que tambin graban materialmente el modo espasmdico y
discontinuo con que la nueva generacin recibe los relatos. Voces, rostros, miradas,
movimientos y trayectos incesantes, saturacin de elementos hasta la anulacin
misma del sentido pleno, son operadores formales y a la vez distribuidores que
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trastornan la cronologa de las versiones antes que simplemente comunicarlas.
La eleccin formal de no unir las piezas sueltas y presentar los balbuceos y
contramarchas del ejercicio de recordar, de subrayar los problemas de la relacin
del lenguaje con la historia cuando es abordada desde las heridas de la memoria,
apela a una tica y una esttica fundadas en la elipsis y la supresin para referir
los costados ms traumticos de la violencia.
El documental de Almirn inventa un escenario donde plantear una
serie de consideraciones sobre lo que es razonable o irrazonable, lo que es
sensato o resueltamente subversivo en una escena donde se comprometen de
modo divergente los ojos y los odos, la voz y la escucha. La conmocin de
ese premeditado regreso al pasado surge entonces de dos programas difciles de
unir. De un choque de imposibilidades entre padres que cuentan cmo su entrega
haca la historia (la entrega al proyecto, trasciende lo privado y los afectos, dice
uno de ellos) e hijos que no quieren o no aceptan que los padres les reciten la
idea. Aunque entre ambas partes haya una puesta en comn de la lengua de la
prdida (la prdida de la utopa para unos, la de los padres para otros).
Nuevas voces, otras versiones
En El tiempo y la sangrey en Encontrando a Vctor el intercambio de
narrativas se ejecuta con la multiplicacin de testigos. Hay testigos inmediatos
de los setenta: testigos de las armas, de la muerte alrededor. Y a la vez una
generacin joven que confronta, que est ah para plantarse explcitamente como
testigos de esos testigos directos de la poca, con preguntas frontales en lo que
concierne a sus vidas (Para qu tenan tres hijos como mnimo, si las casas caan
unas tras otra?, en El tiempo y la sangre; No era para nosotros ms saludable
tener a nuestros padres vivosque tener para siempre un trauma porque
nuestros padres decidieron quedarse estecon la militancia antes que con los
hijos?, en Encontrando a Vctor), con gestos ensimismados cuando se convoca
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la Historia (se muestran aparentemente impermeables a las explicaciones sobre
la pasin y la voluntad de cambio que guiaba en aquella poca el compromiso y
la disposicin al sacricio de sus mayores). Por lo tanto surgen dos relatos, el de
la militancia, los motivos de la resistencia, del combate armado, de la represin
y las desapariciones a cargo de los testigos sobrevivientes; y el relato de los
testigos de la nueva generacin. Entre unos y otros, el espectro del testigo que no
puede hablar porque est muerto. Constatacin que ms all de las alternancias
o solapamientos, coloca a todos ante la evidencia del lmite, ante la imposibilidad
absoluta de reemplazarlo.
La gura de los nuevos testigos, personajes protagnicos en los
documentales mencionados, reere, por una parte, a un posicionamiento
generacional. Como tal, puede resultar precario (desafan sin armar nada sobre
s mismos, confrontan sin sealar una alternativa, hacen gala de una memoria que
se disuelve en la apariencia o en su propia imagen, son en sntesis los argumentos
crticos de los debates generados por algunas de estas pelculas, sobre todo Los
rubios5). El perl querellante que de modo directo o tangencial asientan frente
al de sus padres y su generacin ya sea hacia su opcin por la poltica de las
armas o hacia la cultura de la violencia que la cobij- determina al menos una
distancia y una diferencia, aunque nalmente slo puedan exhibirse como puras
subjetividades en riesgo. Tal vez suciente para perlar un sentido de comunidad
diferente. O para imaginar un mundo, horizontal de las multiplicidades, contra
el mundo dualista y vertical del modelo y de la copia, como describe Jacques
Rancire,6mundo conquistado con no poco esfuerzo en el combate de la heroica
comunidad paterna de los setenta.
En este sentido, la reiteracin que practican con tonos y poticas diversas
en su produccin documental, termina por constituir una gura propia, la del
testigo-escucha, una tercera persona que va al encuentro del relato de lo ausente,
de algn modo abierto a la conciencia de un tiempo, un pasado, la violencia,
la muerte. Esa gura tercera en la cadena de una post historia, la del escucha,
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podra pensarse tal vez desde Walter Benjamin: implcita en el crculo que rodea
al narrador ese narrador de Benjamin que retorna enmudecido de la guerra, que
tiene que superar el silencio en que lo sumi la barbarie de su experiencia- , en
ese crculo, deca, el escucha espera recibir sus historias. Es elegido para pensar
el desastre, para guardar memoria y al mismo tiempo, romper con la lgica (y su
legitimacin temporal) del haber estado de una generacin. Para distanciarse,
en suma, de esa extraa experiencia del sobreviviente que, en el fondo, es el
habitante de una historia concluida. El sobreviviente es irreemplazable en su
experiencia, pero est sujeto a la paradoja de no representar otra cosa que a s
mismo. En cambio, el escucha se hace poseedor de lo denitivamente ausente,que es la historia, para proseguirla de alguna manera. Quizs para reabrirla con
otra nocin del tiempo (nocin de pasado y de futuro), para inscribir la posibilidad
de una memoria y asegurar una transmisin.
En las pelculas mencionadas, ese vnculo se edica con la enunciacin
o la presencia de esa joven generacin compuesta por los hijos, a su modo
sustrados de la historia, hijos que no atravesaron esa historia, que estuvieron
ausentes de la experiencia de la generacin de sus padres, pero que estn
destinados a ser mediadores sobre la veracidad (a falta de otro trmino) del
recuerdo y el olvido que los involucra. Situados por fuera de la escena de los
acontecimientos (posicin que compartimos, como espectadores y destinatarios
exteriores de estos documentos testimoniales), sera sta una escucha capaz
de entender, de reconstruir el discurso de los testigos directos -discurso hecho
todava de retazos y fragmentos-, una escucha dispuesta a suplir los silencios,
de aadir sus voces y sus versiones a la narracin de la Historia (la de los
setenta y la guerra) ah donde sta se vuelve invisible o demasiado densa en
la comunidad de la muerte.
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1. En Una literatura de la incomodidad, revistaPrimera Plana,Ao VI, n 260, 19 de diciembre de 1967, p. 84, sobre laaparicin simultnea de los primeros cuentos y/o novelas de Los entonces jvenes Ricardo Piglia, Germn Garca, AnbalFord y Ricardo Frente.
2. Los rubios (Argentina, 2003), guin y direccin de Albertina Carri; intrprete: Anala Couceyro. Pap Ivn (Argentina-Mxico,2000), guin y direccin de Mara Ins Roqu, En ausencia ( Argentina-Francia, 2002), cortometraje de ccin, guin ydireccin de de Luca Cedrn. Encontrando a Vctor (Argentina-Mxico, 2004), guin y direccin de Natalia Bruchstein. Eltiempo y la sangre (Argentina, 2003), Direccin: Alejandra Almirn. Idea y Produccin: Sonia Severini. Produccin ejecutiva:Cine Ojo. La Matanza, (Argentina), guin y realizacin de Mara Giuffra.
3. He desarrollado un anlisis extenso acerca de cada una de estos lms en Ordenes de la memoria y desrdenes de laccin, en Amado A. y Domnguez N, Lazos de familia. Herencias, cuerpos, cciones, Buenos Aires, Paids, 2004.
4. Marianne Hirsch, Family frames. Photogarphy, narrative and postmemory, Harvard University Press, Mass, 2002, p 22
5. Cf. La apariencia celebrada, de Martn Kohan, Punto de Vista75, 2004
6. Jacques Rancire, Deleuze e a literatura, MatracaN 12, 2do semestre, San Pablo, 1999
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As Contribuies Poticas do cinema das vanguardas:
entremeios e resduos onricos
Eduardo Peuela Caizal (USP/UNIP)
A armao de que o cinema seria para os vanguardistas, e especialmente
para o surrealismo, uma espcie de fagulha de suas atividades onricasmerece
algumdiscernimento pelo fato de que, em sua conotao mais profunda, a idia
se liga com o paradoxo ou, dito de maneira diferente, com o carter regressivo que
subjaze a qualquer processo de contradio, isto , a esse tipo de combinatrias
aparentemente sem nexo lgico em que dois elementos antagnicos se relacionam
e evocam construtos expressivos tpicos do estgio mais primitivo dos signos.
A esse respeito, creio que as oposies utilizadas por Breton quando
trata de denir a beleza convulsiva, embora estejam formadas por dois termos
opostos ertico-velada, explosivo-xa e mgico-circunstancial , deixam a forte
impresso, no contexto de Nadja (1928), de constiturem uma nica unidade
morfolgica, j que o hfen, enquanto sinal diacrtico, no s utilizado para unir
duas palavras, mas para instituir uma unidade nica, uma inusitada adjacncia
que, ao ser sobredeterminada por signicados contrrios, no encontra nas
lexias da lngua francesa ou portuguesa o vocbulo pertinente para expressar
o sentido radical a que o arranjo signicante das duas unidades morfolgicas
se refere. Ora, se minha hiptese correta, tenho de admitir que o hfen, no
caso, funciona como um sinal atravs do qual se manifesta o signicado do que
entendo por entremeio. Ou seja, o signicado de algo que no necessariamente
nem explosivo nem xo, por exemplo.
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como se essa entidade vocabular, sem ser um neologismo, se
apropriasse das peculiaridades das formaes homonmicas ou homogrcas.
A mesma palavra pode exprimir, simultaneamente, dois sentidos avessos, como
ocorre com o termo escatologia que, de um lado, se reporta doutrina que se
ocupa do destino nal do homem e do mundo e, de outro, signica tratado acerca
dos excrementos. Mas no necessria muita imaginao para perceber, sem se
valer dos matizes etimolgicos, que os dois signicados, supostamente diferentes,
pertencem a uma interseco de contedos, de ndole bastante primitiva, inserida
nos domnios semnticos determinados pela extremidade, entendida, de um lado,
como ponto nal da linha simblica da vida e, de outro, a inferioridade da cavidade
anal em relao da boca. Alm do mais, se levarmos em conta os gestos nais
de uma pessoa ao morrer ou ao defecar, no teremos grandes diculdades
para intuir as analogias existentes no processo de homonmia que se instala na
palavra escatologia. Por outro lado, no atinente ao pensamento freudiano sobre
os signicados opostos dos nomes primitivos, julgo oportuno lembrar que, para o
criador da psicanlise, as idias de Carl Abel, segundo Michel Arriv (1994:189-208)
tiveram forte repercusso sobre os conceitos relativos s relaes da linguagemcom o inconsciente e, sobretudo, no papel que nessas relaes desempenham
nas oposies de sentido, tpicas dos nomes primitivos, nos processos simblicos,
eles mesmos fundamentais, como se sabe, para a anlise dos sonhos.
Convm, conseqentemente, assentar o princpio de que os enunciados
que trazem tona as emanaes signicativas desses fenmenos no tm seu
epicentro precisamente no redemoinho dos automatismos psquicos tomados,
no geral, como apangio do Surrealismo , seno na dialtica que, no seio da vida
social, as imagens desencadeiam para vencer as barreiras do tempo e perpetuar-
se em formas que sofrem constantes metamorfoses. Vale dizer que, dessa
perspectiva, estudar o Surrealismo hoje tarefa que requer a insero de seus
conceitos mais banalizados na vida social dos signos tal qual a formula Bakhtin
(1997) quando se entrega conjetura de que qualquer enunciado, por ser um
dos mltiplos os entranado nas tramas da linguagem, sempre ter seu dia de
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ressurreio, isto , sempre esse o manter contato, ao longo da sua inndvel
travessia, com outros os que lhe enriquecero os signicados.
Em outras palavras, o Surrealismo, na opinio de alguns, no se dene nocerne da cultura francesa ou europia, pois ele fruto, no pensamento de um crtico
e poeta da lucidez de Octavio Paz, de uma pluralidade, ou seja, de um conjunto de
posies excntricas que trazem ao cenrio do dilogo vozes contraditrias, ecos
procedentes de geograas distantes e diferentes. No estou minimizando repito
mais uma vez que os inuxos da poesia de Rimbaud e de Lautramont, poetas
amide lembrados como precursores das imagens surrealistas, no tenham
desempenhado um papel importante, nem mesmo que contgios esotricos,
caso, por exemplo, da irradiao de certas conguraes imaginrias oriundas
da alquimia ou de rituais primitivos arraigados nos recantos mais inslitos de
nosso planeta, deixem de ter uma inuncia contundente, como j assinalei. O
que desejo frisar que, para compreender melhor a estrutura potica de algumas
imagens surrealistas, ajuda mais a signicncia das conguraes propiciadas
pela inveno do cinematgrafo do que os conceitos formulados segundo a lgica
sinttica dos discursos verbais e, sobretudo, que as conformaes de tais imagens
projetaram nas pupilas estupefatas dos espectadores uma iluso de realidade
deslumbrante e, com sua persistente renovao de procedimentos expressivos,
plasmaram marcas de um fulgor potico que devem perdurar por muito tempo,
pois h de se reconhecer quer muitas dessas marcas se deixam perceber nas
obras de arte mais relevantes do sculo XX e dos comeos do sculo XXI..
Tomando como pontos de referncia imagens em que o entremeio regula
suas estruturas, tenho para mim que a gnese do cinema surrealista tem, nas
seqncias nais de The Pelgrim(1923), de Charles Chaplin, um de seus embries
mais auspicioso. Falando metaforicamente, o lme todo parece ter sido forjado
como um grande tero que acolhe o vulo fecundado do Surrealismo. Isso o
que se deixa vislumbrar, para citar apenas um exemplo, nas cenas em que, na
casa de um dos devotos, os is se renem para recepcionar o padre impostor.
Pelo seu cariz paradoxal, a situao em si j sutilmente surrealista, mas seu
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surrealismo se torna evidente quando, de repente, o comedimento dos convivas
diante do falso reverendo subvertido pelas molecagens de um garotinho que
vai, com perversa inocncia, desmantelando a rgida compostura e as engomadas
vestimentas dos tpicos representantes da burguesia pater famlias, esposas
diletas, aclitos... . Um circunspecto senhor e inclusive o falso reverendo
interpretado por Chaplin esbofeteado e seu traseiro aguilhoado pelo garotinho
que se serve de uma agulha de fazer tric. De um lado, nesta perversa inocncia
do menino, expresso ditada talvez pelo meu inconsciente, eu vislumbro algo dos
efeitos de um entremeio que se oculta e creio que, tambm no falso reverendo,
esse entremeio est presente, tanto na traduo que fao das imagens do lme
quanto no prprio lme. Pressente-se nesse arranjo uma beleza convulsiva que
tem seu germe no invlucro que se instaura no instante em que disponho as
palavras desta maneira: perversidade-inocncia.
E, no rumo desse pressentimento, creio ainda mais, creio que nessa
seqncia do lme de Chaplin se alude pulso de morte que subjaze ao hfen
enquanto elemento homogrco mediante o qual se anulam as diferenas das
duas lexias postas em relao, unidas quase para aniquilar os vazios gerados
pela distncia de duas palavras que, ao entrar no domnio do simblico e, por
conseguinte, da linguagem e das regras, se reportam a referentes distintos e
opostos, pois, anal de contas, a pulso de morte, no pensamento freudiano,
o resultado da separao radical porque passa o animal humano quando a sua
integridade com o cosmos se desfaz e nele se instala, para a vida inteira, um
visceral sentimento de nostalgia provocado pelos silenciosos estilhaos dessa
hecatombe. Antes disso, a inocncia e a perversidade no tinham razo de ser,
ou, dito de outra maneira, eram uma nica e mesma coisa.
Tanto pelas caractersticas da cena brevemente comentada acima quanto
pelas latncias decorrentes da dupla signicao das imagens que a estruturam,
The Pilgrim no simplesmente um antecedente do cinema surrealista: ele
um lme basicamente surrealista. E no o pelos seus ataques burguesia,
parecendo ser esse o motivo a que se amarram os crticos para ver na ta algum
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que outro trao tpico do surrealismo, sem, a tal respeito, deixar de lado, claro, o
arroubo que esse e outros lmes de Chaplin geravam nos seguidores de Breton.
Meu argumento para defender a surrealidade deste lme de outra natureza e,
evidentemente, no se prende a premissas contaminadas pela ideologia atrelada
luta de classes. Prero persistir na idia do entremeio, sempre entendido como
embrio expressivo a partir do qual se desenvolvem os recursos poticos mais
especcos do surrealismo e, seguindo essa trilha, mostrar que, na seqncia nal
de The Pilgrim, esse procedimento expressivo formata, atravs da originalidade da
sua forma, uma congurao cujos componentes fundamentais sobredeterminam
um arranjo expressivo em que ingredientes do paradoxo, da signicncia, do
polissmico e da homonmia se congregam e, de maneira pregnante, forjam uma
forma expressiva tipicamente surrealista.
No deixa de ser sugestivo o fato de que Maxime Alexandre (1968)
preserve, em suas memrias de um surrealista, seqncias e at detalhes do
lme The Pilgrime, ao se referir cena nal da ta, confessa que o episdio em
que se envolvem o policial e o falso reverendo foi feito para atingir o corao.
E, no que a mim se refere, estou plenamente convencido, depois de ver e rever
essa magistral seqncia do lme, que a encenao e a construo expressiva
das imagens que a se congregam exprimem, com nitidez, a gura do entremeio,
essa gura que, atravs da navalha talhando o olho ou das nuvens cortando a
lua, se manifesta na famosa cena do prlogo de Un Chien Andalou (1929) e j
se desenha plasticamente nessa navalha-fronteira sobre a qual, colocando uma
perna nos Estados Unidos e outra no Mxico, tenta fazer caminho a personagem
criada e encarnada por Charles Chaplin.
Embora alguns do grupo desconassem do cinema, fato indiscutvel,
entretanto, que a grande maioria dos seguidores de Breton enxergava nas
aventuras de Fantmas ou nas peripcias burlescas dos irmos Marx um tipo
de expresso livre e condizente com o esprito surrealista. Futuristas e dadastas
tambm se interessaram pelo cinema. Para os primeiros, as experincias
sinestsicas construdas a partir da atribuio de atributos sonoros s cores
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deram origem ao manifesto Cinema abstrato - Msica cromtica, inspirado, sem
dvida, nas experincias de Ginna e Corra. Entre os lmes que tiveram grande
repercusso no mbito dos futuristas se destacam Il perdo incanto, (1916), de
Antonio Giulio Gragaglia e o documentrio LItalia futurista(1916). Mas os que me
parece que merecem ateno so, de um lado, o curioso lme Amore pedestre,
feito em 1914 por Marcel Fabre e, de outro, a ta de Yakov Protozanoz intitulada
Aelita1924), pois h ressonncia deles, no atinente lgica e fantasia, em
passagens de lmes surrealistas.
O primeiro trabalha expressivamente com um tipo de metonmia
carnavalizada por meio da qual se valorizam as partes inferiores do corpo, processo
que, em certa medida, se deixa perceber em seqncias de Lge dor(1930) e
o segundo se vale de um tosco simulacro de sonho para montar, num cenrio de
formas assimtricas e expressionistas, um relato melodramtico. Mas, como os
surrealistas, ao que tudo indica, pouco se interessaram pelos lmes abstratos de
Walther Ruttmann, Viking Eggeling, Hans Richter e Henri Chomette, sem que isso
signique que alguns deles caso de Germaine Dulac no tenham feito algumas
incurses nos experimentos do cinema puro e integral, procurando, principalmente,
explorar questes de ritmo, ca evidente o fato de que, alm das relaes, sempre
poeticamente conitantes, com o sistema narrativo, os artistas do Surrealismo
enveredaram para os territrios do onrico e em seus domnios, afastados das
sinfonias urbanas e das profecias futuristas, encontraram, perambulando por todo
lugar, os fantasmas da liberdade exibindo nas metforas que neles se encarnam
modalidades expressivas muito mais atrativas do que aquelas que se mostravam
com excesso de alarde em realizaes vanguardistas do tipo Le retour la raison
(1923) , Emak Bakia(1927), Ltoile de mer (1928) e Les mystres du chteau du
D(1928-29). No se pode negar que nesses lmes, e em outros que poderiam
ser citados, existem passagens em que o grau de ambigidade muito alto, trao
que nos autnticos lmes surrealistas uma constante. de se reconhecer,
porm, que essa polissemia, tambm cultivada pelos cineastas especicamente
surrealistas, se atrelava a requintes no isentos das elucubraes prprias das
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prticas eruditas e, portanto, comprometidas com engrenagens que, alm de
submeter o ritmo ao automatismo das mquinas, recurso dicilmente presente
nas obras surrealistas, desmantelava o mistrio das imagens. Em razo disso, os
cineastas foram buscar o sigilo das coisas na irracionalidade dos sonhos.
Compreende-se, conseqentemente, que lmes como Aelita no fossem
tomados na condio de parmetros, pois, neles, o sonho era construdo de
maneira racional e, posto a servio da narrativa, se transformava em recurso
expressivo destinado a apresentar solues pertinentes ao equacionamento das
incgnitas espalhadas na fbula para despertar o interesse dos espectadores. Os
processos onricos explorados pelos surrealistas tinham, em princpio, sua origem
no pensamento freudiano, j presente nos manifestos e que, anos depois, Breton
ordenava de maneira mais consistente em seu livro Les Vases Communicants
(1992), publicado em 1932, momento em que o cinema surrealista atingia o seu
apogeu. Tenho para mim, entretanto, que os procedimentos expressivos que o
autntico cinema surrealista cujo paradigma, em minha opinio, constitudo
basicamente por trs lmes de co La Coquille et le Clergyman (1927), Un
Chien Andalou(1929) e Lge dor (1930) possuem suas razes, no caso dos
sonhos, no s nas idias da psicanlise, mas tambm nos construtos onricos
forjados por cineastas como Buster Keaton. Ser suciente assistir com ateno
o lme Sherlock Jr(1924) para se convencer de que o somnium ctumconstrudo
pelo cineasta norte-americano possui um conjunto de caractersticas coincidentes
com as que Luis Buuel desenvolve em sua primeira ta: subverso das leis do
espao, ambientes naturais de que emergem surpresas que roam os limites
da ironia sem, contudo, fugir dos mbitos do humor e, ainda, transmutao das
circunstncias em que a realidade e a fantasia se confundem para contar uma
histria de amour fou.
Tambm em La Coquille et le Clergyman, considerado, por alguns
estudiosos do Surrealismo, como sendo o primeiro lme do Movimento, se
preservam particularidades do construto onrico, embora a ta de Germaine Dulac
no se liberte totalmente das amarras dos relatos montados segundo os princpios
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da concatenao lgica dos acontecimentos. Creio que, nesta obra, existe um
sentimento de culpa que confere uma tonalidade dramtica cuja intensidade
pertence a uma atmosfera que no precisamente semelhante que Buuel
expe, valendo-se de smbolos e iconograas inslitos, em Un Chien Andalou.
Pode-se dizer que Dulac, tendo utilizado muito mais elementos emblemticos
do que simblicos, descaracteriza de maneira signicativa o roteiro de Antonin
Artaud. Apesar dos protestos dos surrealistas, o lme, a meu ver, se encaixa com
legitimidade nos parmetros do cinema do Surrealismo, principalmente porque,
em muitas das suas seqncias, a fantasia e a realidade se confundem numa
trama em que os os onricos urdem conguraes imaginrias nas que aoram
tentativas de entrar no mbito do inconsciente.
Com base, pois, nos dados considerados, os lmes surrealistas que neles
se arraigam estabelecem as peculiaridades que, com o passar do tempo, rmam
no s sua identidade, mas tambm um conjunto de marcas expressivas que Linda
Williams (1981:3-9) soube reconhecer com preciso quando estuda a teoria potica
que se manifesta nas imagens que ela chama de pr-surrealistas. As principais
caractersticas dessas imagens podem ser ordenadas segundo os seguintes
princpios: (1) no nascem de comparaes e possuem uma forte propenso
justaposio, aproximando sempre elementos distantes; (2) quanto mais forte a
aproximao de realidades distintas, mais forte ser tambm a carga emocional de
que se revestem essas imagens; (3) e a emoo que elas provocam poeticamente
pura porque ela provm de algo que no est nem fora nem dentro da comparao,
da evocao ou da imitao. Claro que tais princpios foram empregados pelos
poetas surrealistas, mas, como tentei provar, embora de maneira sucinta, sua
origem mais legtima deve ser buscada nos diferentes gneros cinematogrcos
desenvolvidos pelo cinema durante as trs primeiras dcadas do sculo passado e
mesmo durante os ltimos anos do m do sculo XIX.
No que diz respeito narrativa, convivo com a convico de que os
legtimos lmes do Surrealismo rompem com a linearidade no simplesmente
porque os cineastas mais representativos desse movimento vanguardista tenham
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como nalidade se opor aos hbitos da burguesia, mas porque um relato no linear
sempre deixa o espectador num estado de perplexidade. curioso, entretanto, o
fato de que Breton e muitos outros companheiros do seu grupo se sentisse
profundamente atrado pelos seriados, isto , por um tipo de construto flmico cujo
principal ingrediente residia no recurso de prolongar ao mximo a narrativa linear.
Em Nadja (1988: 663), Breton fala com entusiasmo de Ltreinte de la pieuvre
- lme norte-americano cujo ttulo original The Trail of the Octopus, realizado
em 1919, com direo de Duke Worne - e se sente cativado por essa fantasia
do chins que pode multiplicar seu corpo e pouco a pouco ir invadindo o mundo
com inmeras criaturas como ele. de se considerar, entretanto, que esses
relatos cheios de acontecimentos que se entrelaam tecendo, como Penlope,
durante o dia e desfazendo tudo durante a noite, foi para os surrealistas uma
espcie de metfora de um texto manifesto, de um texto que escondia alguns
tramados menos evidentes. Com base nisso, inclino-me a pensar que a destruio
da obviedade desses relatos mediante o desmoronamento da linearidade tinha,
como quando rompemos a carcaa dos sonhos manifestos, a funo de produzir
um efeito ominoso, isto , um efeito de estranheza, que, alm de desnortear apercepo do espectador, relevava a presena do objeto do desejo.
Em suma, os recursos do entremeio e dos construtos onricos so,
sem dvida, contribuies poticas que alargam os domnios da ambigidade
em que se situam os autnticos lmes surrealistas. Eles possuem um encanto
inconfundvel e quando suas rupturas expressivas atingem a narrao e o relato
ao mesmo tempo, surge, de repente, a atmosfera envolvente que apenas permite
vislumbrar as imagens fantasmagricas que o animal humano carrega em seu
interior. E a partir desses recintos que, uma vez parcialmente ordenadas pelos
expedientes da poesia, as foras sinrgicas que a fervilham criam essa inslita
miragem em que a realidade e a fantasia se confundem, como em quase todas
as passagens de Un Chien Andalou, Lage dore, mesmo,emLa Coquille et le
Clergyman. possvel que esses processos os das tramas do entremeio e os
dos os onricos tenham ainda a nalidade de jogar com a inverso das imagens,
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de gerar conguraes em que o outro lado do visvel mostra seus esconderijos
e que, na explorao desses mesmos esconderijos, o cinema encontre ainda em
nossos dias os jazigos de enunciados que ressuscitam e comovem milhes de
espectadores em todo o mundo.
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ALEXANDRE, Maxime. 1968. Mmoires dun surraliste. Paris: ditiom de la Jeune Parque.
ARRIV, Michel. 1994. Langage et psychanalyse, linguistique et inconscient.Paris: PUF.
BAKHTIN, Mikhail. 1997. Problemas da potica de Dostoivski.Rio, Forense Universitria, 2 edio.
BRETON, Andr. 1988. Nadja, in Oeuvres Compltes I.Paris: Gallimard.
BRETON, Andr. 1992. Les Vases Communicants, in Oeuvres Compltes I.Paris, Gallimard.
WILLIAMS, Linda. 1981. Figures of Desire: A Theory and Analysis of Surrealist Film. Urbana:
University of Illinois Press.
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A leitura como prazer e interdio: uma anlisefoucaultiana
Ndea Regina Gaspar (UFSCar)
Neste trabalho pretende-se demonstrar aspetos de como a leitura vem
sendo discursivisada nos lmes, durante as duas ltimas dcadas. Para tanto,detivemo-nos nos princpios fundamentais da teoria do discurso de Michel Foucault.
A anlise do discurso assume uma importncia central para Foucault, pois
um dos grandes projetos desse autor foi propor uma teoria de anlise daquilo
que foi efetivamente dito nos rastros dos discursos, a teoria arqueolgica,
fundamentada, principalmente, no texto A arqueologia do saber (1997). Neste
sentido, para o terico (1997, p.56) os discursos [so]prticas que formam
sistematicamente os objetos de que falam. As prticas as quais esse autor se refere
advm de acontecimentos histricos que so representados tanto sob o ponto de
vista cientco (formaes discursivas), como o das experincias pr-cientcas
(formaes no discursivas). Para que se possa observar e descrever como um
objeto do discurso se constitui nas formaes discursivas e no discursivas, faz-
se necessrio que o analista estabelea relaes entre as superfcies nas quais os
objetos possam aparecer. Ou seja, observar e descrever o modo como eles foramrepresentados nas superfcies dos textos e das obras, em diferentes momentos
da histria, procurando relacion-losentre si. A anlise de um objeto do discurso,
dentre umapluralidade emaranhadade objetos, que faz aparecer uma prtica
discursiva (advinda de acontecimentos) que pode ser ressaltada em um conjunto
de textos, originando um sistema de arquivo. neste contexto que Foucault (2000,
p. 72) arma,A arqueologia tal como eu a entendo, [...] a anlise do discurso em
sua modalidade de arquivo.
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Os discursos, sendo observados por Foucault desta maneira, levaram-no
a perceber que eles se deslocam de texto para texto, mas, ao se deslocarem,
conservam algo que permanece. Este algo que permanece denido por esse
terico, como sendo o enunciado discursivo. Devido s migraes do enunciado
que Foucault (1997, p. 99) o tomou como tema central para os seus estudos
sobre o discurso, e ele armou: o enunciado [...] uma funo de existncia.
Demonstrando a funo de existncia do enunciado, Foucault formulou quatro
grandes princpiospara identicar as variaesenunciativas: a srie, os sujeitos,
amaterialidadee o campo associado. Por esses princpios, o analista reconhece
a permanncia, a alternncia e os deslocamentos enunciativos. Para o terico,
portanto, embora a unidade central do discurso seja o enunciado, ele s seria
considerado como tal se estivesse articulado s formaes discursivas, gerando
assim, um sistema de arquivo.
Mediante a proposta de Foucault para se entender o que se falou sobre
determinado objeto discursivo, buscaremos averiguar, ainda que sucintamente,
como vm sendo concebidos os discursos em torno da leitura. Para tanto,
recorremos a um pequeno arquivo constitudo por quatro lmes. Vale lembrar que
essa teoria aponta para possibilidades de anlises em diversos tipos de textos,
dentre eles, os flmicos. Barros da Motta (2000) observa, que Foucault s comeou
a trabalhar com a anlise de lmes em um perodo mais recente (prximo da sua
morte em 1984).
A leitura como intimidade
Na busca por encontrar enunciados discursivos que apresentaram modos
semelhantes de percepo sobre o objeto leitura; mesmo tendo sido pronunciados
por sujeitos diferentes, materialidades distintas e contextos textuais singulares tal
como prope a teoria foucualtiana; iniciamos o processo de anlise escolhendo
uma seqncia do lme dirigido por Michel de Ville, La lectrice(1989), cujo ttulo
foi traduzido no Brasil como Uma leitora bem particular.
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O lme La Lectrice narra a histria da personagem Marie (Miou Miou)
lendo um livro, que tambm se intitula La Lectrice. O lme procura expor o que
a leitura deste livro provocou em Marie, no exato momento em que ela o est
lendo. Assim, o livro e o lme se mesclam, levando o espectador, juntamente
com Marie, a se posicionar como um dos leitores do livro e ao mesmo tempo
do lme. Destacamos uma das seqncias de Marie quando ela vai visitar um
empresrio (um dos seus clientes leitor), e inicia para ele a leitura bastante
provocativa do texto O Amante, de Marguerite Duras. A leitura do incio do
romance de Duras, associada voz de Marie, faz com que o empresrio durma.
Irritada com isso, ela l mais alto para poder acord-lo, visto que ela est ali
para cumprir sua funo de leitora, e espera que o outro a oua. O empresrio
acorda e se justica diante dela, revelando que tem um bloqueio pessoal quando
ele l (ou quando ela l), pois sente sono. Percebe-se que ele est visivelmente
envolvido emocionalmente com Marie, e buscando seduzi-la, ajoelha-se no
cho, abraando-a pelas pernas. A moa, revelando timidez, segura o livro entre
as duas mos na direo do ventre. O empresrio neste momento, procurando
envolv-la para que ela o ajude a solucionar o seu problema, diz: - Pensei que,
com sua voz, eu poderia penetrar aqui, indicando com as mos o livro que se
encontra na direo do ventre de Marie.
Essa breve seqncia flmica, certamente sugere o incio de um
relacionamento amoroso entre um homem e uma mulher. Entretando, ela indica
tambm, o desejo do empresrio em penetrar no s em Marie, quando se v
que ele coloca a mo no seu ventre, mas tambm no contedo do livro que essa
segura. Este fato ser conrmado em uma seqncia posterior, quando Marie,
totalmente imbuda da sua funo de leitora vai para a cama com o empresrio e,
com o livro entre as mos, quase consome o ato sexual, lendo.
Percebemos, assim, a profunda analogia existente nas relaes ntimas
entre um homem, uma mulher, o livro e a leitura. Neste momento, julgamos que ele
poderia ser identicado como a possibilidade de um enunciado discursivo. Para
Foucault, contudo, o enunciado ter este statusse ele tambm puder ser observado
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em uma srie, compondo assim, uma formao discursivasobre um determinado
arquivo. A srie enunciativapode ser constituda por materialidadesdiferentes,
sujeitosdistintos e contextos (campos associados) que se assemelham ou se
diferenciam entre si. O que os une a possibilidade de se identicar o mesmo
enunciado, pois este se repete. Destacamos, ento, um outro lme de uma srie
escolhida por ns, Indelidade(2002) dirigido por Adrian Lyne.
Elegemos duas seqncias deste lme para a anlise. A primeira delas
logo no incio, quando a personagem Constance (representada por Diane Lane)
se encontra na rua, e d de encontro com Paul Martel (Olivier Martinez), devido
a uma forte ventania. Neste momento, ela carrega algumas sacolas de plsticocontendo objetos variados para a sua casa e ele carrega uma pilha enorme
de livros. O encontro inusitado e tumultuoso dos dois, em meio tempestade,
faz com que os livros e objetos das sacolas se espalhem pela calada. Com o
incidente e o tombo dos dois protagonistas principais do lme, Constance se
machuca e Paul a convida para subir no apartamento dele para que ela possa
fazer a assepsia no machucado.
Interessante observarmos que j nesta seqncia inicial encontramos
diversos signos que demonstram o desenrolar e o desfecho da narrativa como,
por exemplo, sacolas de plstico com objetos para festa infantil sugerindo que
Constance tem lhos; livros nas mos de Paul aventando a possibilidade de
ele trabalhar com esse material; venta muito e tambm os atores se encontram
em uma rua bastante movimentada, indicando, assim, no contexto, que a vida
dos dois poderia vir a ser bastante tumultuada e confusa; o band-aid revelando
machucados. Para Foucault, porm, um signo no um enunciado. O autor
(1997, p. 56) arma que, certamente os discursos so feitos de signos; mas o que
fazem mais que utilizar esses signos para designar coisas. (...) esse mais
que preciso aparecer e que preciso descrever.Esse mais, para Foucault,
no sugere a anlise de signos apresentados em apenas um texto ou mesmo em
vrios fragmentos de textos, mas em um processo de relaes dos princpios por
ele observados, buscando-se encontrar o campo dos enunciados discursivos. Na
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anlise, inicialmente, s vezes essas relaes ocorrem internamente a um mesmo
texto, mas, posteriormente, tem-se que fazer a busca em outros textos.
Neste sentido, evidenciamos no mesmo texto uma outra seqncia queapoiaria o destaque a um possvel enunciado. quando Constance visita Paul no
seu apartamento, cujo local revela que ele vende livros (um sebo). Depois de uma
breve conversa entre os dois, ele tira o casaco dela e, em primeiro plano, percebe-
se o toque da sua mo na nuca de Constance, sugerindo um ato afetivo entre
duas pessoas que mal se conhecem. Enquanto ele pega um caf, ela encontra um
livro escrito embraille. Assim que ele chega com o caf solicita que ela feche os
olhos, e ento, pega nas mos e, com os dedos entrelaados aos dela l o textointituladoA delcia de cozinhar. Terminada a leitura, os dois permanecem ainda de
mos dadas, mas Constance diz que precisa sair dali.
Novamente nesta seqncia, assim como em La lectrice, percebem-se
relaes de intimidade e prazer entre um homem, uma mulher, o livro e a leitura.
Se atrelarmos as seqncias acima buscando relacion-las ao lme anterior
(e tambm ao lme O homem que copiava (2003), que por razes de espao
textual no foi possvel descrever), veremos que, embora eles tenham sido feitos
em momentos histricos, pases e culturas distintas, produzidos por diretores
diferenciados, por atores diversos, com enredos bastante diferentes, h algo que
permanece de texto para texto. Esse algo o que Foucault destaca como sendo
o enunciado. No caso, sem dvida h um enunciado fazendo-se presente nestes
textos flmicos e formando um determinado discurso - formao discursiva- sobre
o objeto leitura.
Destacamos, assim, o enunciado: A leitura como intimidade .
Porm, a leitura no foi representada nos lmes formando um discurso
que traduz somente intimidade e prazer. Mediante o recorte necessrio de
ser feito nesse trabalho, observaremos mais uma formao discursiva que foi
possvel depreender.
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A leitura como interdio
Muitas vezes, a leitura tambm aparece nos lmes traduzindo experincias
de amargas, solitrias, que revelam proibies. o caso, por exemplo, deAbrildespedaado, dirigido por Walter Salles. Elegemos na anlise desse lme o
personagem menino (vivenciado por Ravi Ramos Lacerda). Logo no incio da
trama ele diz que no consegue se lembrar de uma histria porque tem outra
na cabea, e ento comea a contar esta outra. A histria a qual ele no se
lembra diz respeito leitura das guras de um livro que ele ganha de Clara
(Flvia Marco Antnio), uma artista de circo que chega na regio onde reside,
no serto nordestino. A histria que ele se lembra a dele e a de sua famlia,
cujos personagens esto envolvidos em brigas de sangue por disputas de terras
locais. Em uma das seqncias flmicas, observa-se que ele est sentado
sombra de uma rvore frondosa com o livro entre as mos, e ento, ele recria
mentalmente a histria textual se inserindo como protagonista da mesma. Para
ele, neste momento, a sereia estava em perigo e ele precisava salv-la.
quando ele descreve que ela se apaixona por ele e o chama para viver no mar.
Esta seqncia flmica narrada com inseres de imagens demonstrando os
pais do menino (Rita Assemany e Jos Dumont) cortando folhas de cactos sob
um sol escaldante. O pai ca irritado com o menino, pois esperava que esse
ajudasse no trabalho pesado, dirige-se ento em direo ao garoto e toma o
livro das suas mos, dizendo:- tu que pensa que pode car sem uma obrigao
nessa casa!O menino corre at o pai implorando, inutilmente: - me d meu livro!
Me d meu livro! Me d!
Deduz-se que a atitude paterna tira do menino o que lhe mais precioso,
os entornos que o objeto livro representa, pois pela leitura imagtica que ele
consegue abstrair, via imaginao, a realidade cruel que vivencia. Esse objeto
proporciona a ele o sentimento de ganhar um presente de uma mulher nova, linda
e artista, a capacidade de sonhar com peixes, sereias e o mar, j que ele mora no
rido serto, etc. no contexto desse lme, por exemplo, que se destaca a leitura
como interdio, angstia, sofrimento e dor.
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Para Foucault, como vimos, um enunciado se repete originando
uma formao de um determinado discurso. Deste modo, faz-se necessrio
exemplicar agora, em ao menos mais um texto flmico, aspectos que denotam a
leitura como interdio. Escolhemos uma seqncia da obra do diretor iraniano
Moshen Makhmalbaf, intitulado A caminho de Kandahar (2001), quando se
observa o modo como se realiza a leitura numa escola afeg e a relao do
professor com seus alunos.
Arquitetonicamente, a escola parece um pequeno templo muito rstico e
se assemelha s demais residncias locais. Os alunos que a esto (somente
do sexo masculino, uma vez que as mulheres no podem freqentar o local),
encontram-se sentados sob uma esteira no cho, com as pernas cruzadas, um
livro grande aberto sobre elas, e movimentam-se sem parar para frente e para trs.
A leitura feita em voz alta, em um coro de vozes unssona e ritmada. O professor
aparece andando nessa sala de aula, e vez ou outra faz uma pergunta a algum
aluno da classe sobre o contedo do livro que esto lendo, o Alcoro. Observa-se
que o professor pergunta a um dos alunos sobre o funcionamento de uma arma
(Kalashnikov) que se assemelha a uma metralhadora, sendo que a mesma se
encontra nas mos do garoto. Depois que ele ouve atentamente a resposta dada
pelo aluno, corrigindo-o em um determinado ponto, o professor dirige-se a outro
aluno e solicita a esse ltimo que leia um determinado trecho do livro. Esse ltimo
no est executando os mesmos gestos corporais dos demais alunos, pois diz
que as costas doem, mas imita a mesma voz ritmada do coro que at ento se
ouvia. Agindo assim, ele busca demonstrar ao professor seu saber diante do que
ouve - o ritmo -, mas no consegue efetivamente decifrar os signos escritos que l
- as palavras -, pois parece no dominar o alfabeto afego. O professor, por duas
vezes, solicita que ele faa igual ao colega que se encontra ao lado dele. Esse
ltimo l ritmado e faz os gestos necessrios para a leitura sagrada. O primeiro
menino no consegue fazer o mesmo e ento, o professor, muito calmo, na frente
dos demais alunos, diz que ele no aprendeu e que est com a cabea em outro
lugar, salientando, em voz alta, que se ele no aprender a ler corretamente ser
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expulso da escola. Neste momento, o mestre solicita para esse menino parar de
ler e pede para chamar a sua me, pois quer falar com ela.
Observa-se por essa passagem, no s as relaes de poder que existemna escola afeg, ou um aprendizado de uma leitura do texto verbal j bastante
ultrapassada para os moldes ocidentais (voz alta), ou mesmo um contedo de um
texto de cunho religioso, poltico e ideolgico, cujo propsito preparar crianas
para guerrear. O que destacamos neste momento a profunda angstia do aluno
diante do texto e da aprendizagem da leitura, sentimento comum entre as crianas
que ali se encontram, e isso pode ser visto pelas expresses faciais.
Neste contexto que podemos destacar as relaes entre esse lme e
Abril despedaado. Nas