Vigotsky

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L. S. Vigotski A CONSTRU9AO DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM (Texto integral, traduzido do russoPensamento e linguagem) Tradufiio: PAULO BEZERRA - Professor Livre-Docenfe em Literatura Russa pela USP Martins Fontes 500 Paulo 200 I

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A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM

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L. S. VigotskiA CONSTRU9AODO PENSAMENTOE DA LINGUAGEM(Texto integral, traduzido do russo Pensamentoe linguagem)

Tradufiio: PA ULO BEZERRA - Professor Livre-Docenfeem Literatura Russa pela USP

Martins Fontes500 Paulo 200 I

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Esta obm foi publicada originalmenre em russo com a tituloMICHL/ENI£: I RIITCH.

Copyright © Vigotskiy L. S., Moscow.Copyri?,Ju © 2001, Lh'raria Marrins Fontes Edirora Ltda ..

Sao POllIo, para a presente edi{ao.

11 edi~aomarro de 2001

Pro logo do tradutor VIIPrefado do autor XV

Revisao graficaTeresa Ceeflia de Olil'eira Ramos

Ana Lui=a FranraProdu~ao gratica

Geraldo AlvesPagina~ao/Fotolitos

Stlldio 3 Desem'olvimenro Editorial

Dados [nlemacionais de Cataloga9io na Publica9io (CIP)

(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Vigolsky. Lev Semenovich. 1869-1934.A constru~ao do pensamenlo e da linguagem / L. S. Vigorski ;

tradu\:ao Paulo Bezerra. - Sao Paulo: Manins Fontes. 2000. -(Psicologia e pedagogia)

X 1. 0 problema e 0 metodo de investiga9Go 12. A linguagem e 0 pensamento da crian9a na teoria

de Piaget 193. 0 desenvolvimento da linguagem na teoria de Stern4. As raizes geneticas do pensamento e da linguagem5. Estudo experimental do desenvolvimento dos

conceitos 1516. Estudo do desenvolvimento dos conceitos cientificos

na infancia 241/ 7. Pensamento e palavra

97111

395 ( 0, t;) __ '")ro4 'r· l-~,Bibliografia 487Relar;iio das obras do professor L. S. Vigotski

Indices para cauilogo sistematico:I. Pensamenlo e linguagem : Constru\=ao :

Psicologia infaIllil 155.413

2. Linguagem e pensamento : Constru\=3o :Psicologia infantil 155.413

Todos os direitos para a lfngua partuguesa reserl'adas aLivroria Marti"s Fo"les Editoro Ltda.Rua Co"selheira Rama/lia, 330134001325-000 Sao Paulo SP Brasil

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basi co e a ideia condutora de todo 0 nosso trabalho: no mo-mento da assimila<;ao da nova palavra, 0 processo de desenvol-vimento do conceito correspondente nao so nao se conclui comoesta apenas come<;ando. Quando esta come<;ando a ser apreen-dida, a nova palavra nao esta no fim mas no inicio do seu de-senvolvimento. Nesse periodo ela e sempre uma palavra ima-tura. 0 gradual desenvolvimento interno do seu significadoredunda tambem no amadurecimento da propria palavra. Aqui,como em toda parte, 0 desenvolvimento do aspecto semanticoe 0 processo basico e decisivo do desenvolvimento do pensa-mento e da linguagem da crian<;a. Como diz Tolstoi, a palavraquase sempre esta pronta quando 0 conceito esta pronto; istoquando se costumava supor que 0 conceito estivesse semprepronto quando a palavra estava pronta.

Esqueci a palavra que pretendia dizer,e rneu pensarnento, privado de sua substiincia,volta ao reino das sornbras*.

"- .1. J Come<;amos 0 nosso estudo pela tentativa de elucidar arela<;aointerior entre 0 pensamento e a palavra nos estagios maisprimarios do desenvolvimento filogenetico e ontogenetico. Oes-cobrimos que 0 inicio do desenvolvimento do pensamento e dapalavra, periodo pre-historico na existencia do pensamento eda linguagem, nao revela nenhuma rela<;ao e dependencia defi-nidas entre as raizes genetic as do pensamento e da palavra. Oes-te modo, verifica-se que essas rela<;oes, incognitas para nos,nao sao uma grandeza primordial e dada antecipadamente, pre-missa, fundamento ou ponto de partida de todo urn ulterior de-senvolvimento, mas surgem e se constituem unicamente noprocesso do desenvolvimento historico da consciencia huma-na, sendo, elas proprias, urn produto e nao uma premissa da for-ma<;aodo homem.

[ ) J Ate mesmo no ponto supremo da evolu<;ao animal - entreos antropoides - a linguagem, perfeitamente semelhante a dohomem em termos foneticos, nao revela nenhum vinculo com

* Palavras de urn poerna de Ossip Mandelstarn, segundo 0 organizador daedi<;aoarnericana resurnida de Pensamenlo e /inguagem. (N. do T.)

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o intelecto, tambem semelhante ao do homem. Tambem no es-tagio inicial do desenvolvimento da crian<;a, poderiamos, semduvida, constatar a existencia de urn estagio pre-intelectual noprocesso de forma<;ao da linguagem e de urn estadio pre-lin-guagem no desenvolvimento do pensamento. 0 pensamento ea palavra nao estao ligados entre si por urn vinculo primario.Este surge, modifica-se e amplia-se no processo do proprio de-senvolvimento do pensamento e da palavra.L ')JEntretanto, como procuramos demonstrar desde 0 inicioda nossa investiga<;ao, seria incorreto conceber 0 pensamentoe a linguagem como do is processos em rela<;ao extern a entresi, como duas for<;as independentes que fluem e atuam parale-lamente uma a outra ou se cruzam em determinados pontos dasua trajetoria, entrando em intera<;ao mecanica. A ausencia deurn vinculo primario entre 0 pensamento e a palavra nao sign i-fica, de maneira nenhuma, que esse vinculo so possa surgir comoliga<;ao extern a entre dois tipos essencialmente heterogeneosde atividade da nossa consciencia. Ao contrario, como procu-ramos mostrar desde 0 inicio do nosso trabalho, a falha me to-dologica principal da imensa maioria de investiga<;oes do pen-samento e da linguagem - falha essa que determinou a esteri-lidade deste trabalho - esta justamente naquela concep<;ao dasrela<;oes entre pensamento e palavra que considera esses doisprocessos como dois elementos autonomos, independentes eisolados, cuja unifica<;ao externa faz surgir 0 pensamento ver-balizado com todas as suas propriedades inerentes.[ Y}Procuramos mostrar que 0 metodo de analise dai decor-rente estava antecipadamente condenado ao fracasso por urnasimples razao: para explicar as propriedades do pensamento dis-cursivo como uma totalidade, ele decompunha essa totalidadenos seus elementos constituintes - em pensamento e linguagem,que nao contem propriedades inerentes a essa totalidade - e,desta forma, fechava antecipadamente 0 caminho para a expli-ca<;ao dessas propriedades. Nos assemelhamos 0 pesquisadorque aplicava esse metodo a uma pessoa que, ao tentar explicar

por que a agua apaga 0 fogo, iria tentar decompor a agua emoxigenio e hidrogenio e ficaria surpresa ao perceber que ooxi-genio man tern a combustao enquanto 0 hidrogenio e inflama-vel. Procuramos mostrar, ainda, que essa analise, baseada nometoda da decomposi<;ao em elementos, nao e propriamenteurna analise do ponto de vista da sua aplica<;ao a solu<;aode pro-blemas concretos em algum campo definido dos fenomenos.Trata-se mais de uma proje<;ao ao geral do que de uma decom-posi<;ao interna e de uma divisao do particular contida no feno-meno suscetivel de explica<;ao. Por sua propria essencia, essemetodo leva mais a generaliza<;ao que a analise. Em realidade,afirmar que a agua e formada de oxigenio e hidrogenio signi-fica dizer que a mesma coisa se aplica a toda a agua em gerale igualmente a todas as suas propriedades: ao grande oceano nasmesmas propor<;oes que a urna gota de chuva, a propriedade quetern a agua de apagar 0 fogo na mesma propor<;ao que a lei deArquimedes. De igual mane ira, afirmar que 0 pensamento ver-bal contem os processos intelectuais e as fun<;oes propriamen-te verbais significa afirmar uma coisa que diz respeito a todo 0

pensamento verbal e a todas as suas propriedades e, assim, im-plica nao dizer nada sobre cada problema concreto que se colo-ca diante da investiga<;ao do pensamento discursivo.[sJ Por tudo isso, desde 0 inicio procuramos assumir outroponto de vista, dando a todo 0 problema outro enfoque e aplican-do a pesquisa outro metodo de analise. Procuramos substituir aanalise que aplica 0 metoda da decomposi<;ao em elementospela analise que desmembra a unidade complexa do pensamen-to discursivo em unidades varias, entendidas estas como produ-tos da analise que, a diferen<;ados elementos, nao sac momentosprimarios constituintes em rela<;ao a todo 0 fenomeno estuda-do mas apenas a alguns dos seus elementos e propriedades con-cretas, os quais, tambem diferentemente dos elementos, naoperdem as propriedades inerentes a totalidade e sac suscetiveisde explica<;ao mas contem, em sua forma primaria e simples,aquelas propriedades do todo em fun<;aodas quais se empreen-

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o intelecto, tambem semelhante ao do homem. Tambem no es-tagio inicial do desenvolvimento da crian<;a, poderiamos, semduvida, constatar a existencia de urn estagio pre-intelectual noprocesso de forma<;ao da linguagem e de urn estadio pre-lin-guagem no desenvolvimento do pensamento. 0 pensamento ea palavra nao estao ligados entre si por urn vinculo primario.Este surge, modifica-se e amplia-se no processo do proprio de-senvolvimento do pensamento e da palavra.,. . J Entretanto, como procuramos demonstrar desde 0 inicioda nossa investiga<;ao, seria incorreto conceber 0 pensamentoe a linguagem como dois processos em rela<;ao extern a entresi, como duas for<;as independentes que fluem e atuam parale-lamente uma a outra ou se cruzam em determinados pontos dasua trajetoria, entrando em intera<;ao mecanica. A ausencia deurn vinculo primario entre 0 pensamento e a palavra nao signi-fica, de maneira nenhuma, que esse vinculo so possa surgir comoligac;ao externa entre dois tipos essencialmente heterogeneosde atividade da nossa consciencia. Ao contrario, como procu-ramos mostrar desde 0 inicio do nosso trabalho, a falha meto-dologic a principal da imensa maioria de investiga<;oes do pen-samento e da linguagem - falha essa que deterrninou a esteri-lidade deste trabalho - esta justamente naquela concepc;ao dasrela<;oes entre pensamento e palavra que considera esses doisprocessos como dois elementos autonomos, independentes eisolados, cuja unifica<;ao externa faz surgir 0 pensamento ver-balizado com todas as suas propriedades inerentes.[ Lj 1Procuramos mostrar que 0 metodo de analise dai decor-rente estava antecipadamente condenado ao fracasso por umasimples razao: para explicar as propriedades do pensamento dis-cursivo como uma totalidade, ele decompunha essa totalidadenos seus elementos constituintes - em pensamento e linguagem,que nao con tern propriedades inerentes a essa totalidade - e,desta forma, fechava antecipadamente 0 caminho para a expli-ca<;ao dessas propriedades. Nos assemelhamos 0 pesquisadorque aplicava esse metoda a uma pessoa que, ao tentar explicar

por que a agua apaga 0 fogo, iria tentar decompor a agua emoxigenio e hidrogenio e ficaria surpresa ao perceber que 0 oxi-genio mantem a combustao enquanto 0 hidrogenio e inflama-vel. Procuramos mostrar, ainda, que essa analise, baseada nometoda da decomposi<;ao em elementos, nao e propriamenteuma analise do ponto de vista da sua aplica<;ao a solu<;aode pro-blemas concretos em algum campo definido dos fenomenos.Trata-se mais de uma proje<;ao ao geral do que de uma decom-posi<;ao interna e de uma divisao do particular contida no feno-menD suscetivel de explica<;ao. Por sua propria essencia, essemetoda leva mais a generaliza<;ao que a analise. Em realidade,afirmar que a agua e formada de oxigenio e hidrogenio signi-fica dizer que a mesma coisa se aplica a toda a agua em gerale igualmente a todas as suas propriedades: ao grande oceano nasmesmas propor<;oes que a uma gota de chuva, a propriedade quetern a agua de apagar 0 fogo na mesma propor<;ao que a lei deArquimedes. De igual mane ira, afirmar que 0 pensamento ver-bal contem os processos intelectuais e as fun<;oes propriamen-te verbais significa afirmar uma coisa que diz respeito a todo 0

pensamento verbal e a todas as suas propriedades e, assim, im-plica nao dizer nada sobre cada problema concreto que se colo-ca diante da investiga<;ao do pensamento discursivo.[sJ Por tudo isso, desde 0 inicio procuramos assumir outroponto de vista, dando a todo 0 problema outro enfoque e aplican-do a pesquisa outro metodo de analise. Procuramos substituir aanalise que aplica 0 metoda da decomposi<;ao em elementospela analise que desmembra a unidade complexa do pensamen-to discursivo em unidades varias, entendidas estas como produ-tos da analise que, a diferen<;ados elementos, nao sao momentosprimarios constituintes em rela<;ao a todo 0 fenomeno estuda-do mas apenas a alguns dos seus elementos e propriedades con-cretas, os quais, tambem diferentemente dos elementos, naoperdem as propriedades inerentes a totalidade e sao suscetiveisde explica<;ao mas contem, em sua forma primaria e simples,aquelas propriedades do todo em fun<;aodas quais se empreen-

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398- A construr;ao do pensamento e da /inguagem

de a analise. A unidade a que chegamos na analise contem, naforma mais simples, as propriedades inerentes ao pensamentodiscursivo enquanto unidade.[Gl Encontramos no significado da palavra essa unidade quereflete da forma mais simples a unidade do pensamento e dalinguagem. 0 significado da palavra, como tentamos elucidaranteriormente, e urna unidade indecomponivel de ambos os pro-cessos e nao podemos dizer que ele seja urn fenomeno da lin-guagem ou urn fenomeno do pensamento. A palavra desprovi-da de significado nao e palavra, e urn som vazio. Logo, 0 signi-ficado e urn trac;;oconstitutivo indispensavel da palavra. E apropria palavra vista no seu aspecto interior. Deste modo, pare-ce que temos todo 0 fundamento para considera-Ia como urnfenomeno de discurso. Mas, como nos convencemos reiteradasvezes, ao longo de toda nossa investigac;;ao, do ponto de vistapsicologico 0 significado da palavra nao e senao uma genera-lizac;;aoou conceito. Generalizac;;ao e significado da palavra sacsinonimos. Toda generalizac;;ao, toda formac;;ao de conceitos eo ate mais especifico, mais autentico e mais indiscutivel de pen-samento. Conseqiientemente, estamos autorizados a consideraro significado da palavra como urn fenomeno de pensamento.[ f J Assim, 0 significado da palavra e, ao mesmo tempo, urn fe-nomeno de discurso e intelectual, mas isto nao significa a suafiliac;;ao puramente externa a dois diferentes campos da vidapsiquica. 0 significado da palavra so e urn fenomeno de pen-samento na medida em que 0 pensamento esta relacionado apalavra e nela materializado, e vice-versa: e urn fenomeno dediscurso apenas na medida em que 0 discurso esta vinculadoao pensamento e focalizado por sua luz. E urn fenomeno do pen-samento discursivo ou da palavra consciente, e a unidade dapalavra com 0 pensamento.

[" '6J Achamos que esta tese fundante de toda a nossa investiga-c;;aodificilmente necessitaria de novas confirmac;;oes depois detudo 0 que afirmamos. Nossos estudos experimentais confir-maram inteiramente e justificaram esta tese, mostrando que, ao

operar com 0 significado da palavra como unidade do pensa-mento discursivo, nos efetivamente descobrimos a possibilida-de real de estudo concreto do desenvolvimento discursivo e daexplicac;;aodas suas mais importantes peculiaridades nos dife-rentes estagios. Entretanto, 0 resultado principal de todas asnossas investigac;;oes nao e essa tese em si mas 0 que descobri-mos posteriormente como 0 resultado mais importante e cen-tral de toda a nossa pesquisa. 0 novo e essencial que essa in-vestigac;;aointroduz na teoria do pensamento e da linguagem ea descoberta de que os significados das palavras se desenvol-verno A descoberta da mudanc;;ados significados das palavras edo seu desenvolvimento e a nossa descoberta principal, quepermite, pela primeira vez, superar definitivamente 0 postuladoda constancia e da imutabilidade do significado da palavra, queservira de base a todas as teorias anteriores do pensamento eda linguagem. Do ponto de vista da velha psicologia, a ligac;;aoentre a palavra e 0 significado e uma simples ligac;;aoassocia-tiva, que se estabelece em func;;aoda reiterada coincidencia, naconsciencia, da impressao deixada pela palavra e da impressaodeixada pelo objeto designado por essa palavra. A palavra lem-bra 0 seu significado da mesma forma que 0 casaco de urnhomem conhecido lembra esse homem ou 0 aspecto externo deurn edificio lembra os seus moradores. Desse ponto de vista, 0

significado da palavra, uma vez estabelecido, nao pode deixarde desenvolver-se e sofrer modificac;;oes. A associac;;aoque vin-cula a palavra ao significado pode ser reforc;;ada ou debilitada,pode ser enriquecida por uma serie de vinculos com outrosobjetos da me sma especie, pode, pela aparencia ou a contigiii-dade, estender-se a urn circulo mais ample de objetos ou, aocontrario, pode restringir esse circulo. Noutros termos, podesofrer uma serie de mudanc;;asquantitativas e externas mas naopode mudar a sua natureza psicologica interior, uma vez que, paratanto, deveria deixar de ser 0 que e, ou seja, uma associac;;ao.

9J E natural que, do ponto de vista do desenvolvimento doaspecto fonetico da fala, 0 desenvolvimento do significado das

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palavras se tome inexplicavel e impossive!. Isto se manifestoutanto na lingliistica quanta na psicologia da linguagem da crian-c;ae do adulto. A semasiologia, a area da lingiiistica que estu-da 0 aspecto semfmtico da linguagem, assimilou a concepc;iioassociativa da palavra e ate hoje considera 0 significado comouma associac;iio entre a forma sonora da palavra e 0 seu con-teudo concreto. Por isso, todas as palavras - das mais concre-tas as mais abstratas - siio igualmente construidas no aspectosemantico e niio contem nada de especifico do discurso comotal, uma vez que 0 vinculo associativo, que une palavra e signi-ficado, constitui a base psicologica do discurso consciente namesma medida em que constitui a base de processos como aque-Ie em que urn hornem se lembra de outro so ao ver 0 seu casaco.A palavra nos infunde a lembranc;a do seu significado comoqualquer coisa nos faz lembrar outra coisa. Por isso, niio sur-preende que a semantica, niio encontrando nada de especificono vinculo da palavra com 0 significado, tenha sido incapaz delevantar a questiio do desenvolvimento do aspecto semanticoda linguagem, a questiio do desenvolvimento dos significadosdas palavras. Reduziu todo 0 desenvolvimento exclusivamentea mudanc;a dos vinculos associativos entre palavras isoladas eobjetos isolados: antes a palavra podia significar urn objeto,depois ser vinculada a outro por associac;iio.Assim, 0 casaco, de-pois de passar de urn dona a outro, pode lembrar antes umapessoa e depois outra. 0 desenvolvimento do aspecto semanti-co do discurso se esgota, para a lingiiistica, nas mudanc;as doconteudo concreto das palavras, mas essa disciplina continua aignorar a ideia de que, no processo do desenvolvimento histo-rico da lingua, modificam-se a estrutura semantica dos signifi-cados das palavras e a natureza psicologica desses significa-dos, a ignorar que 0 pensamento lingiiistico passa das formasinferiores e primitivas de generalizac;iio a formas superiores emais complexas, que encontram expressiio nos conceitos abs-tratos, e, finalmente, que no curso do desenvolvimento histori-co da palavra modificam-se tanto 0 conteudo concreto da pal a-

vra quanta 0 proprio carater da representac;iio e da generaliza-C;iioda realidade na palavra.? De igual mane ira, 0 ponto de vista associativo leva a im-

possibilidade e a inexplicabilidade do desenvolvimento do as-pecto semantico da linguagem na idade infanti!. 0 desenvolvi-mento do significado da palavra da crianc;a pode reduzir-se amudanc;as puramente extemas e quantitativas dos vinculos as-sociativos que unificam palavra e significado, e ao enriqueci-mento e consolidac;iio desses vinculos, e so. E inexplicavel 0

ponto de vista associativo segundo 0 qual a propria estrutura ea natureza do vinculo entre a palavra e 0 significado podem mo-dificar-se e efetivamente se modificam no curso do desenvol-vimento da linguagem infantil.

';1 ~Por ultimo, desse mesmo ponto de vista, no funcionamentodo pensamento discursivo de urn homem maduro niio podemosdescobrir nada seniio urn movimento linear continuo, que trans-corre em uma superficie por vias associativas entre a palavra eo seu significado e entre 0 significado e a palavra. A compreen-siio da linguagem consiste numa cadeia de associac;oes, que sur-gem na mente sob a influencia das imagens semiotic as das pa-lavras. A expressiio do pensamento na palavra e urn movimentoinverso, pelas mesmas vias associativas, dos objetos represen-tados no pensamento as designac;oes verbais desses mesmosobjetos. A associac;iio sempre assegura esse vinculo bilateralentre duas representac;oes: uma vez 0 casaco pode lembrar 0 ho-mem que 0 usa, outra vez a aparencia do homem pode fazerlembrar 0 seu casaco. Na interpretac;iio da linguagem e na ex-pressiio do pensamento na palavra niio hil, conseqiientemente,nada de novo e nada de especifico em comparac;iio a qualquerato de memorizac;iio e vinculac;iio associativa._ ,jApesar de a inconsistencia da teoria associativa ter sidopercebida, demonstrada por via experimental e teorica ha muitotempo, isto niio se refletiu de nenhuma maneira no destino daconcepc;iio associativa da natureza da palavra e do significado.A Escola de Wiirzburg, que teve como objetivo principal demons-

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403Pensamento e palavra _

trar a irredutibilidade do pensamento ao fluxo associativo dasrepresentayoes, a impossibilidade de explicar 0 movimento, aconcatenayao e a memorizayao de ideias do ponto de vista dasleis da associayao, e demonstrar a existencia de leis especificasque regem 0 fluxo dos pensamentos, alem de nao tel' feito nadaem termos de revisao das concepyoes associativas da naturezada relayao entre palavra e significado, nem chegou a cogitar danecessidade dessa revisao. Ela dividiu pensamento e linguageme, dando a Deus 0 que e de Deus e a Cesar 0 que e de Cesar,libertou 0 pensamento dos grilhOes do figurado e do sensivel,do poder das leis associativas, transformou-o em ato puramen-te espiritual e, assim, retomou as fontes da concepyao espiri-tualista pre-cientifica de Santo Agostinho e Descartes e aca-bou em urn idealismo subjetivo extremado na teoria do pensa-mento, indo alem de Descartes e declarando pelos labios deKuelpe: "N6s nao s6 afirmamos 'penso, logo existo' mas tam-bem '0 mundo existe como 0 estabelecemos e definimos'" (35,p. 81). Deste modo, 0 pensamento foi dado a Deus como 0 queera de Deus. A psicologia do pensamento passou a tomar aber-tamente 0 caminho das ideias de Platao, como 0 reconheceu 0pr6prio Kuelpe.(1~lAo mesmo tempo, depois de libertar 0 pensamento dos gri-lhOes de tudo 0 que era sensivel e transforma-Io em ato espiri-tual puramente esteril, esses psic610gos 0 dissociaram da lingua-gem, deixando-a inteiramente amerce das leis do associacio-nismo. 0 vinculo entre a palavra e 0 seu significado continuoua ser visto como uma simples associayao, inclusive depois dostrabalhos da Escola de Wurzburg. Assim, a palavra deixou deser a expressao extern a do pensamento, a sua veste, isenta dequalquer participayao em sua vida interior. Nunca 0 pensamen-to e a linguagem haviam estado tao dissociados e tao separadosurn do outro na interpretayao dos psic610gos quanta na epocada Escola de Wurzburg. A superayao do associacionismo nocampo do pensamento levou a urn fortalecimento ainda maiorda concepyao associacionista de linguagem. Ela foi dada a Cesarcomo 0 que era de Cesar.

~L.iJos psic610gos des sa corrente, que foram os seguidoresdessa linha, alem de nao terem conseguido modifica-Ia aindacontinuaram a aprofunda-Ia e desenvolve-Ia. Zeitz, pOl'exem-plo, que mostrou toda a inconsistencia do constelacionismo, emsuma, des sa teoria tambem associacionista do pensamento pro-dutivo, lanyou em seu lugar uma nova teoria, que aprofundou ereforyou 0 div6rcio entre 0 pensamento e a palavra, div6rcioesse que se definiu desde 0 inicio dos trabalhos dessa corren-te. Zeitz continuou a abordar 0 pensamento em si, divorciadoda linguagem, e chegou a conclusao segundo a qual existe umaidentidade de principio entre 0 pensamento produtivo do homeme as operayoes intelectuais do chimpanze. Nesse enfoque, per-cebe-se 0 quanta a palavra nao introduziu nenhuma mudanyana natureza do pensamento, 0 quanta e grande a independenciado pensamento em relayao a linguagem.r '::,1 Nem Ach, que foi 0 primeiro a fazer do significado da pa-lavra objeto direto de urn estudo especial e 0 primeiro a enve-redar pelo caminho da superayao do associacionismo na teoriados conceitos, conseguiu ir alem de reconhecer tendencias de-terminantes no processo de formayao dos conceitos paralela-mente com as tendencias associativas. Vma vez surgido, 0 sig-nificado da palavra continua imutavel e constante. Concluida aformayao do significado da palavra, 0 caminho de seu desenvol-vimento esta concluido. Mas isso nao foi levado em conta pOl'aqueles psic610gos cujos pontos de vista Ach combateu. A di-ferenya entre eles e seus adversarios e apenas uma: eles esbo-yam de diferentes maneiras esse momenta inicial na formayaodo significado da palavra, mas tanto para ele quanto para osoutros esse momenta inicial e igual e simultaneamente 0 pontofinal de todo 0 desenvolvimento do conceito.r 1\ ~JA mesma situayao criou-se na modern a psicologia estrutu-ral no campo da teoria do pensamento e da linguagem. Essateoria tentou com mais profundidade, mais coerencia e maisprincipio que as outras superar a psicologia associacionista comourn todo. POl'isso, nao se limitou a uma soluyao paliativa do pro-

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404-------- A constru(:iio do pensamento e da linguagem

blema como os seus antecessores. Tentou libertar 0 pensamen-to e a linguagem do poder das leis do associacionismo e sub or-dinar ambos as leis da formayao estrutural. Mas, para surpresa,essa corrente, a mais progressista em toda a psicologia atual,alem de nao avanyar mais na teoria do pensamento e da lingua-gem, ainda deu urn grande passo atras em comparayao comsuas antecessoras.

('\1J Antes de mais nada, ela manteve na integra 0 mais profun-do divorcio entre pensamento e linguagem, concebendo a suarelayao a luz da nova teoria como simples analogia, como re-dUyao de ambos os fenomenos a urn denominador estruturalcomum. A origem das primeiras palavras conscientes na crian-ya foi vista pelos representantes dessa corrente em analogiacom as operayoes do chimpanze de Kohler. Segundo eles, apalavra passa a integrar a estrutura do objeto e adquire certosignificado funcional, como a vara para 0 macaco entra na es-trutura da situayao de obtenyao do fruto e adquire 0 valor fun-cional de instrumento de trabalho. Deste modo, 0 vinculo entrea palavra e 0 significado nao e mais concebido como simplesvinculo associativo e sim como vinculo estrutural. E urn gran-de pas so adiante. Mas, se examinarmos atentamente 0 que nosfaculta a nova concepyao dos objetos, nao sera dificil nos con-vencermos de que esse passo adiante e mera ilusao e que, nofundo, continuamos onde estavamos: aver navios da psicolo-gia associacionista.['\ 'b1De fato, a palavra eo objeto que ela nomeia formam umaestrutura unica. Mas essa estrutura e absolutamente analoga aqualquer vinculo estrutural entre as duas coisas. Nao contemnada de especifico da palavra como tal. Quaisquer coisas, sejauma vara, urn fruto, a palavra ou 0 objeto que ela nomeia, con-fluem em uma estrutura una segundo as mesmas leis. Mais umavez a palavra nao e outra coisa senao urn objeto ao lado de ou-tros objetos. No entanto, permanece fora do campo de visaodos pesquisadores 0 que distingue a palavra de qualquer outracoisa e a estrutura da palavra de qualquer outra estrutura, como

a palavra representa 0 objeto na consciencia, 0 que tom a a pala-vra palavra. A negayao da especificidade da palavra e da suarelayao com os significados, bem como a diluiyao dessas rela-yoes no mar de todos e quaisquer vinculos estruturais, se man-tern integralmente na nova psicologia tanto quanta na antiga., I 9~ Em essencia, para esclarecer as ideias da psicologia estru-tural sobre a natureza da palavra, poderiamos reproduzir 0 mes-mo exemplo com que tentamos esclarecer a ideia da psicologiaassociacionista sobre a natureza do vinculo entre palavra e sig-nificado. Ali se afirmava que a palavra lembra 0 seu significa-do tanto quanta 0 casaco lembra 0 homem em quem nos habi-tuamos a ve-Io. Esta tese mantem todo 0 seu vigor tambem paraa psicologia estrutural, uma vez que, para esta, 0 casaco e 0 ho-mem que 0 veste formam uma estrutura una como a palavra ea coisa que ela nomeia. 0 fato de 0 casaco poder nos lembraro seu dono como 0 avistar 0 homem pode nos lembrar 0 seucasaco tambem se deve as leis estruturais, segundo a nova psi-cologia. Assim, 0 principio da associayao e substituido pelo prin-cipio da estrutura, mas este se estende de modo tao universal enao diferenciado a todas as relayoes entre os objetos quanta 0

velho principio. Os representantes dessa corrente nos dizem queo vinculo entre a palavra e 0 seu significado se constitui da mes-ma forma que 0 vinculo entre a vara e 0 fruto. Por acaso nao setrata do mesmo vinculo que citamos no nosso exemplo? A essen-cia da questao e a seguinte: na nova psicologia como na velha,exclui-se de antemao qualquer possibilidade de explicayao dasrelayoes especificas da palavra com 0 significado. Conclui-se deantemao que essa relayao nao difere essencialmente em nadade nenhurna outra relayao eventual entre os objetos. Todos osgatos acabam pardos no escuro da estruturalidade universal, co-mo antes todos acabavam pardos no escuro do associacionismouniversal.[20JAch tentou superar a associayao com 0 auxilio da tenden-cia determinante, enquanto a nova psicologia 0 fazia por inter-medio do principio da estrutura, mas em ambos os casos man-

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407Pensamento e palavra _

tinham-se integralmente os do is momentos basilares da velhadoutrina: em primeiro lugar, 0 reconhecimento da identidadede principio do vinculo da palavra e do significado com 0 vin-culo de quaisquer outros dois objetos e, em segundo, 0 reconhe-cimento de que 0 significado da palavra nao se desenvolve. Co-mo para a antiga psicologia, para a nova mantem-se em vigor amesma tese segundo a qual 0 desenvolvimento do significadoda palavra termina no momenta em que este surge. E por issoque a alternancia de diferentes tendencias em psicologia, quefizeram avan<;artanto capitulos da psicologia como a teoria dapercep<;ao e da mem6ria, deixa a impressao de urn cansativo emon6tono chover no molhado quando se trata do problema dopensamento e da linguagem. Urn principio substitui 0 outro. 0novo aparece como radicalmente diferente do anterior. Mas nateoria do pensamento e da linguagem tais postulados se asseme-lham. Como diz urn proverbio frances, quanta mais a coisa mudatanto mais continua a me sma.[211Se na teoria da linguagem a nova psicologia continua navelha posi<;ao e man tern integralmente a concep<;ao de que 0

pensamento e independente da palavra, no campo da teoriado pensamento ela da urn consideravel passo atras. Isto se mani-festa, antes de tudo, em que a nova psicologia tende a negar aexistencia de leis especificas do pensamento como tal e a dis-solve-Ias nas leis gerais da estrutura. A Escola de Wiirzburg pro-moveu 0 pensamento a categoria de ate puramente espiritual edeixou a palavra amerce das associa<;oes s6rdidas e sensuais.Nisto reside a sua falha principal, mas, apesar de tudo, ela con-seguiu distinguir as leis especificas da concatena<;ao, do movi-mento e do fluxo dos pensamentos das leis mais elementaresda concatena<;ao e do fluxo das representa<;oes e percep<;oes.Neste sentido, ela esteve acima da nova psicologia. Esta, porsua vez, levou a urn denominador estrutural comum as percep-<;oesde uma galinha, as opera<;oes intelectuais do chimpanze,a primeira palavra consciente da crian<;ae 0 desenvolvido pen-samento produtivo do homem; nao s6 apagou toda e qualquer

fronteira entre a estrutura da palavra conscientizada e a estru-tura da vara e do fruto como ainda apagou a fronteira entre 0 pen-samento nas suas formas mais avan<;adas e a percep<;ao maiselementar.[22JSe tentarmos resumir 0 resultado desse breve apanhadocritico das principais correntes modernas do pensamento e dalinguagem, poderemos facilmente reduzir a duas teses basic~so postulado comum a todas essas correntes do pensamento pS\-col6gico. Primeiro: nenhuma dessas correntes consegue captarna natureza psicol6gica da palavra aquele elemento fundamen-tal e central que faz da palavra palavra e sem 0 qual a palavradeixa de ser 0 que e: a generaliza<;ao nela contida como modoabsolutamente original de representa<;ao da realidade na cons-ciencia. Segundo: todas essas doutrinas consideram a palavra eo significado fora do desenvolvimento. Ambos esses momen-tos sao interiormente vinculados entre si, porque s6 uma no<;aoadequada da natureza psicol6gica da palavra pode nos levar aentender a possibilidade do desenvolvimento da palavra e doseu significado. Ambos os momentos se mantem em todas ascorrentes que se alternam, na medida em que, no fundamental,elas se repetem. Por isso, a luta e a alternancia de certas corren-tes na psicologia moderna no campo da teoria do pensamentoe da Iinguagem lembram urn poema hurnoristico de Heine sobreo reino de urn velho e honroso Chavao, que era fiel a si mesmoe, certa vez, foi mortalmente atingido pelo punhal dos que serevoltavam contra ele:

Quando em triunfo os herdeirosdividiram 0 reino e 0 trono,sobre 0 novo Chavao se ouviu -parece 0 velho Chavao

A descoberta da inconstancia e da mutabilidade dos signi-ficados das palavras e do seu desenvolvimento e a descobertaprincipal e (mica capaz de tirar do impasse a teoria do pensa-

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408----- A constru~iio do pensamento e da /inguagem

mento e da linguagem. 0 significado da palavra e inconstante.Modifica-se no processo do desenvolvimento da crian~a. Mo-difica-se tambem sob diferentes modos de funcionamento dopensamento. E antes uma forma~ao dinamica que estatica. 0estabelecimento da mutabilidade dos significados s6 se tornoupossivel quando foi definida corretamente a natureza do pr6-prio significado. Esta se revela antes de tudo na generaliza~ao,que esta contida como momento central, fundamental, em qual-quer palavra, tendo em vista que qualquer palavra ja e uma ge-neraliza~ao. Contudo, uma vez que 0 significado da palavrapode modificar-se em sua natureza interior, modifica-se tam-bem a rela~ao do pensamento com a palavra. Para entender amutabilidade e a dinamica das rela~oes entre 0 pensamento e apalavra, e indispensavel que, no esquema genetico de mudan-~a dos significados que desenvolvemos na nossa investiga~aobasilar, se introduza uma especie de corte transversal. E neces-sario elucidar 0 papel funcional do significado da palavra noato de pensamento. Ao longo de todo 0 nosso trabalho, aindanao tivemos uma unica oportunidade de nos determos em todoo processo do pensamento verbal. Entretanto, ja reunimos to-dos os dados necessarios para concebermos como esse processose realiza nas linhas mais gerais. Procuremos imaginar, no seuaspecto integral, a complexa estrutura de qualquer processoreal de pensamento e 0 seu fluxo complexo do momenta maisvago de germina~ao do pensamento ate a sua conclusao finalna formula~ao verbal. Para tanto, devemos passar do planogenetico para 0 plano funcional e esbo~ar nao 0 processo dedesenvolvimento dos significados e a mudan~a da sua estrutu-ra mas 0 processo de funcionamento dos significados no cursovivo do pensamento verbal. Se 0 fizermos, conseguiremos mos-trar que, em cada fase do desenvolvimento, existe nao s6 a suaestrutura peculiar de significado verbal mas tambem a sua re-la~ao especifica entre pensamento e linguagem, determinadapor essa estrutura. Como se sabe, porem, as questoes funcionaisse resolvem mais facilmente quando 0 estudo opera com for-

mas superiores desenvolvidas de algum tipo de atividade, emque toda a grandiosa complexidade da estrutura funcional e re-presentada em forma desmembrada e madura. Por essa razao,deixaremos por algum tempo de lado os problemas do desenvol-vimento e examinaremos 0 estudo das rela~oes do pensamentoe da palavra na consciencia desenvolvida.

Mal come~amos a por este prop6sito em pratica, logo serevela diante de n6s 0 quadro grandioso, surnamente complexoe delicado que, pela sutileza da sua arquitetonica, supera tudo 0

que a respeito poderiam imaginar os esquemas das imagina~oesmais ricas dos pesquisadores. Confirmam-se as palavras de Tols-t6i, segundo quem "a rela~ao da palavra com 0 pensamento e aforma~ao de novos conceitos e esse processo complexo, miste-rioso e delicado da alma".

Antes de passar a descri~ao esquematica desse processo eantecipando 0 resultado da futura exposi~ao, digamos a respei-to da ideia basica e diretriz que toda a investiga~ao subseqiientedeve desenvolver e elucidar 0 seguinte: a rela~ao entre 0 pen-samento e a palavra e, antes de tudo, nao uma coisa mas umprocesso, e urn movimento do pensamento a palavra e da pala-vra ao pensamento. A luz da analise psicol6gica, essa rela~aoe vista como urn processo em desenvolvimento, que passa poruma serie de fases e estagios, sofrendo todas as mudan~as que,por todos os seus tra~os essenciais, podem ser suscitadas pelodesenvolvimento no verdadeiro sentido desta palavra. Natu-ralmente nao se trata de urn desenvolvimento etario e sim fun-cional, mas 0 movimento do pr6prio processo de pensamentoda ideia a palavra e urn desenvolvimento. 0 pensamento nao seexprime na palavra mas nela se realiza. Por isto, seria possivelfalar de forma~ao (unidade do ser e do nao-ser) do pensamen-to na palavra. Todo pensamento procura unificar alguma coisa,estabelecer uma rela~ao entre coisas. Todo pensamento tern urnmovimento, urn fluxo, urn desdobramento, em suma, 0 pensa-mento cumpre alguma fun~ao, executa algum trabalho, resolvealgurna tarefa. Esse fluxo de pensamento se realiza como movi-

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mento interno, atraves de uma serie de pianos, como uma tran-si9ao do pensamento para a palavra e da palavra para 0 pensa-mento. Por essa razao, a tare fa primordial da analise que dese-je estudar a rela9ao do pensamento com a palavra como movi-mento do pensamento em dire9ao a palavra e 0 estudo daque-las fases de que se constitui esse movimento, a discrimina9aodos varios pianos por que passa 0 pensamento, que se materia-liza na palavra. Aqui se revela ao pesquisador muito daquilocom que "nem os sabios sonharam".

Em primeiro lugar, a nossa analise nos leva a distinguirdois pIanos na propria linguagem. Mostra que 0 aspecto seman-tico interior da linguagem e 0 aspecto fisico e sonoro exterior,ainda que constituam uma unidade autentica, tern cada urn assuas leis de desenvolvimento. A unidade da linguagem e umaunidade complexa e nao homogenea. Antes de mais nada, a exis-tencia do seu movimento nos aspectos semantico e fisico da lin-guagem revela-se a partir de toda uma serie de fatos relativosao campo do desenvolvimento da linguagem da crian9a. Apon-temos apenas os dois fatos mais importantes.

Sabe-se que 0 aspecto externo da linguagem se desenvolvena crian9a a partir de uma palavra no sentido da concatena9aode duas ou tres palavras, depois no sentido de uma frase sim-ples e da concatena9ao de frases para redundar, mais tarde, emproposi90eS complexas e numa Iinguagem coordenada e for-mada pela serie desenvolvida de ora90es. Desse modo, ao assi-milar 0 aspecto fasico da linguagem a crian9a caminha das par-tes para 0 todo. Sabe-se igualmente que, por seu significado, aprimeira palavra da crian9a e uma frase inteira: uma ora9ao la-conica. No desenvolvimento do aspecto semantico da linguagem,a crian9a come9a pelo todo, por uma ora9ao, e so mais tardepassa a apreender as unidades particulares e semanticas, os sig-nificados de determinadas palavras, desmembrando em umaserie de significados verbais interligados 0 seu pensamentolaconico e expresso em uma ora9ao laconica. Desse modo,abrangendo-se os momentos inicial e final no desenvolvimento

dos aspectos semantico e fasico da linguagem, podemos nosconvencer facilmente de que esse desenvolvimento transcorreem sentidos opostos. 0 aspecto semantico transcorre em seu de-senvolvimento do todo para a parte, da ora9ao para a palavra,ao passo que 0 aspecto externo transcorre da parte para 0 todo,da palavra para a ora9ao.

Em si mesmo esse fato ainda e insuficiente para nos con-vencer da necessidade de distinguir os movimentos dos pIanossemantico e sonoro da linguagem. Em ambos os pianos os mo-vimentos nao coincidem, fundem-se em uma linha mas podemtranscorrer por linhas de sentido diametralmente oposto, comonos mostra 0 caso que examinamos. Ao contnirio, a distin9aode ambos os pianos e 0 passo primeiro e indispensavel para 0

estabelecimento de uma unidade inferior dos dois pianos dalinguagem. A unidade dos dois pressupoe a existencia do seumovimento em cada urna das partes da linguagem e a existenciade rela90es complexas entre os movimentos de ambas. Entre-tanto, so e possivel estudar as rela90es em que se fund a a uni-dade da linguagem depois que a analise nos permite distinguiraqueles aspectos entre os quais e unicamente possivel a exis-tencia dessas rela90es complexas. Se os dois aspectos da lin-guagem representassem a mesma coisa, coincidissem entre si ese fundissem em uma linha, seria impossivel falar de quaisquerrela90es na estrutura interior da linguagem, pois sao impossi-veis quaisquer rela90es do objeto consigo mesmo. No nossoexemplo, essa unidade interior de ambos os aspectos da lin-guagem, que apresentam sentido oposto no processo do desen-volvimento da crian9a, manifesta-se com tanta clareza quantaa discrepancia entre eles. 0 pensamento da crian9a surge ini-cialmente como urn todo confuso e inteiro, e precisamente porisso deve encontrar na linguagem a sua expressao em umapalavra isolada. E como se a crian9a escolhesse para 0 seu pen-samento uma veste de linguagem sob medida. 0 pensamentoda crian9a se desmembra e passa a construir a partir de unida-des particulares na medida em que ela caminha das partes para

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o todo desmembrado em sua linguagem. Ocorre tambem 0

contnirio: na medida em que, em sua linguagem, a crian<;apas-sa das unidades para 0 todo decomposto na ora<;ao, no pensa-mento ela pode passar do todo nao decomposto para as partes.Deste modo, desde 0 inicio 0 pensamento e a palavra nao se es-truturam, absolutamente, pelo mesmo modelo. Em certo sentido,pode-se dizer que entre eles existe antes uma contradi<;ao queuma concordancia. Por sua estrutura, a linguagem nao e urnsimples reflexo especular da estrutura do pensamento, razao porque nao pode esperar que 0 pensamento seja uma veste pronta.A linguagem nao serve como expressao de urn pensamentopronto. Ao transformar-se em linguagem, 0 pensamento se rees-trutura e se modifica. 0 pensamento nao se expressa mas serealiza na palavra. Por isto, os processos de desenvolvimentodos aspectos semantico e sonoro da linguagem, de sentidosopostos, constituem a autentica unidade justamente por for<;ado seu sentido oposto.

Outro fato, igualmente capital, vincula-se a urn periodomais tardio do desenvolvimento. Piaget estabeleceu que a crian-<;adomina antes uma estrutura complexa de ora<;ao subordina-da com as conjun<;5es "porque", "apesar de", "uma vez que","embora" que as estruturas semanticas correspondentes a essasformas sintaticas. No desenvolvimento da crian<;a a gramciticaesta adiante da sua logica. A crian<;a que emprega de modocorreto e adequado as conjun<;5es que explicam rela<;5es decausa e efeito, temporais, adversativas, condicionais e outras,em situa<;5es equivalentes em sua linguagem espontanea, vivi-das ao longo de toda a idade escolar, ainda nao demonstra terconsciencia do aspecto semantico dessas conjun<;5es e nao con-,segue emprega-las de forma arbitraria. Isto significa que osmovimentos dos aspectos semantico e fasico da palavra naocoincidem em termos de desenvolvimento no processo de assi-mila<;ao das estruturas sintaticas complexas. A analise da pala-vra poderia mostrar que essa discrepancia entre a gramatica ea logica no desenvolvimento da linguagem infantil, como no

caso anterior, nao so nao exclui a sua unidade como, ao contra-rio, e a unica a viabilizar essa unidade interna do significado eda palavra, que traduz rela<;5es logicas complexas.

De modo menos direto, porem mais relevante, manifesta-se a discrepancia entre os aspectos semantico e fasico no fun-cionamento do pensamento desenvolvido. Para descobri-Io,devemos transferir 0 seu exame do plano genetico para 0 planofuncional. Antes, porem, devemos observar que os fatos pornos ressaltados na genese da linguagem ja permitem algumasconclus5es essenciais tambem em termos funcionais. Se, co-mo observamos, 0 desenvolvimento dos aspectos semantico esonoro da linguagem transcorre em sentidos opostos ao longode todo 0 desenvolvimento da tenra idade, e perfeitamenteclaro que nunca possa haver plena coincidencia entre eles emcada momenta dado, seja qual for 0 ponto em que examinemosa correla<;ao desses dois pianos da linguagem. Contudo, sacbem mais ilustrativos os fatos que decorrem -diretamente daanalise funcional da linguagem: eles sac bem conhecidos daatual lingiiistica de orienta<;ao psicologica. De todos os fatosaqui discutidos relacionados ao tema, deve ser colocada emprimeiro lugar a discrepancia entre 0 sujeito gramatical e psi-cologico e 0 predicado. Diz Vossler:

E pouco provavel que exista uma via mais incorreta parainterpretar 0 sentido espiritual de algum fenomeno lingiiisticoque a via da interpreta<;aogramatical. Por esta via surgem inevi-tavelmente erros de interpreta<;ao,determinados pela discrepiin-cia entre a articula<;aopsicologica e a articula<;aogramatical dodiscurso.No prologo de sua pe<;a0 duque Ernst von Schwaben,Uhland diz: "Uma cena grave Ira descortinar-se diante de vos."Do ponto de vista da estrutura gramatical, "uma cena grave" e 0

sujeito, e "ira descortinar-se" e 0 predicado. Mas, do ponto devista da estrutura psicologica da frase, daquilo que quis dizer 0

poeta, "ira descortinar-se" e 0 sujeito e "uma cena grave" 0 pre-dicado. 0 poeta quis dizer isto com as palavras: 0 que vai acon-tecer diante de vos e uma tragedia.A primeira coisa que 0 espec-

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tador teve em mente foi que diante dele se passaria uma cena. Eisto que diz a frase, istoe, 0 sujeito psicol6gico.A novidade acres-centada a este sujeito e a no<;aoda tragedia, que e 0 verdadeiropredicado psicol6gico.

Uma discrepancia ainda mais nitida do sujeito gramatical epsicol6gico com 0 predicado pode ser demonstrada no seguin-te exemplo. Tomemos a frase "0 rel6gio caiu", na qual "reI6-gio" e 0 sujeito e "caiu" e 0 predicado, e imaginemos que essafrase seja pronunciada duas vezes em situayoes diferentes e,consequentemente, exprima em uma mesma forma dois senti-dos diferentes. Noto que 0 rel6gio esta parado, pergunto comoaconteceu, e OUyOa resposta: "0 rel6gio caiu." Neste caso, an-tes eu tinha na consciencia uma representayao do rel6gio, 0 re-16gio aqui e 0 sujeito psicol6gico, aquilo de que se fala. A se-gunda represeptayao que me surgiu foi a de que ele caiu. "Caiu"e, nesse caso, 0 predicado psicol6gico, aquilo que se diz dosujeito. Neste caso, as articulayoes gramatical e psicol6gica dafrase coincidem mas podem nao coincidir.

Trabalhando em minha escrivaninha OUyO0 ruido do obje-to que caiu e pergunto 0 que caiu. A resposta vem pela mesmafrase: 0 rel6gio caiu. Neste caso, antes nao havia na conscien-cia a representayao do que caira. "Caiu" e aquilo de que se falanesta frase, isto e, 0 sujeito psicol6gico. Aquilo que se diz destesujeito, deste segundo, surge na consciencia, e uma representa-yao: eo rel6gio, que, neste caso, e 0 predicado psicol6gico. Emessencia, esta ideia poderia ser expressa assim: 0 que caiu foi 0

rel6gio. Neste caso, tanto 0 predicado psicol6gico quanta 0

gramatical estariam coincidindo, ao passo que nao coincidemno exemplo anterior. A analise demonstra que, numa frase com-plexa, qualquer termo integrante da orayao pode tornar-se pre-dicado psicol6gico. Neste caso, ele assume 0 acento 16gico cujafunyao semantica e precisamente destacar 0 predicado psicol6-gico. Diz Herman Paul:

Pensamenlo e palavra 415

A categoria gramatical e, ate certo ponto, uma petrifica<;aoda psicol6gica e par isto precisa ser vivificada com ajuda doacento 16gico,que revela a sua estrutura semantica.

Herman Paul mostrou como a mesma estrutura gramaticalpode esconder a opiniao mais sincera. Talvez a corresponden-cia entre a estrutura gramatical e a estrutura psicol6gica da lin-guagem nao seja tao frequente quanta supomos. E mais prova-vel que n6s apenas a postulemos e que raramente ou nunca serealize na pr<itica. Em toda parte - na fonetica, na morfologia,no lexico e na semantica, ate mesmo no ritmo, na metrica e namusica - as categorias gramaticais ou formais escondem cate-gorias psicol6gicas. Se em um caso parecem encobrir uma aoutra, em outros tornam a separar-se. Pode-se falar nao s6 sobreos elementos psicol6gicos da forma e os significados, sobre ossujeitos e os predicados psicol6gicos, e com a mesma legitimi-dade falar do numero psicol6gico, do genero, do caso, do pro-nome, do termo integrante, do superlativo, do tempo futuro, etc.Ao lado dos conceitos gramaticais e formais de sujeito, predi-cado, genero, teve-se de admitir a existencia dos seus duplospsicol6gicos ou prot6tipos. 0 que pode ser um erro do pontode vista da lingua pode ter valor artistico se vem de uma natu-reza original. 0 seguinte terceto de Puchkin tem urn significa-do mais profundo do que se costuma imaginar:

Como a boca dos rosados sem sorriso,sem erro de gramMicanao gosto da fala russa

A completa eliminayao das discrepancias a favor da expres-san geral indiscutivelmente correta s6 se atinge alem da linguae de suas habilidades na mate mati ca. Descartes parece ter sidoo primeiro aver na matem<itica urn pensamento derivado da lin-gua mas que a supera. Pode-se dizer apenas uma coisa: a nos sacostumeira lingua gem coloquial, em razao das suas pr6prias va-

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cilal;oes e discrepancias de natureza gramatical e psicologica,vive em uma situal;ao de equilibrio movel entre os ideais da har-monia matematica e fantastica e urn movimento continuo quechamamos de evolul;ao.

Se arrolamos todos esses exemplos para demonstrar a dis-crepancia entre os aspectos fasico e semantico da linguagem,eles mostram ainda que essa discrepancia da palavra nao so naoexclui a unidade e ambos os aspectos como, ao contrario, a pres-supoe necessariamente. Porque essa discrepancia, alem de naoimpedir a concretizal;ao do pensamento na palavra, ainda e con-dil;ao necessaria para que 0 movimento entre 0 pensamento e apalavra possa desenvolver-se. Expliquemos com dois exem-plos como as mudanl;as da estrutura formal e gramatical acar-retam uma mudanl;a profundissima de todo 0 sentido da lingua-gem, para podermos elucidar essa dependencia intema entre osseus dois pIanos. Ao traduzir a fabula A cigarra e a formiga,Krilov* substituiu a cigarra de La Fontaine por libelula, dando-lheo epiteto de saltadeira, que nao se aplicaria a cigarra. Cigarraem frances e do genero feminino e perfeitamente adequada paraencamar em sua imagem a frivolidade e a despreocupal;ao fe-mininas. Mas em russo essa nuance semantica da represental;aoda frivolidade desaparece inevitavelmente, e por isso em Krilovo genero gramatical predominou sobre 0 significado real: a ci-garra se tomou libelula, conservando, ainda assim, todos os tra-l;OSda cigarra (saltava, cantava), embora a libelula nao pulenem cante. A transmissao adequada de toda a plenitude do sen-tido exigiu a manutenl;ao obrigatoria tambem da categoria gra-matical de genera feminino para a heroina da fabula. OIOpostoaconteceu com a tradul;ao do poema de Heine 0 pinheiro e apalmeira. No alemao, pinheiro e masculino. Gral;as a isto todaa historia ganha urn sentido simbolico de amor pela mulher. Para

conservar essa nuance semantica do texto alemao, Tiuttchevsubstituiu pinheiro por cedro: 0 cedro aparece sozinho. Ao tradu-zir esse mesmo poema com exatidao, Liermontov 0 privou dessanuance semantica e the deu urn sentido essencialmente diferen-te: mais abstrato e generico. Assim, a mudanl;a de urn detalheque pareceria gramatical acarreta, nas respectivas condil;oes, amudanl;a de todo 0 aspecto semantico do discurso. Urn resumodo conhecimento que nos deu a analise dos dois pIanos da lin-guagem permitiria afirmar que a discrepancia entre esses doispIanos, a existencia de urn segundo plano interior da linguagemque esta por tras das palavras, a autonomia da gramatica dopensamento e da sintaxe dos significados verbais nos levam aperceber, no mais simples enunciado discursivo, nao uma rela-l;ao imovel e constante, dada de uma vez por todas entre osaspectos semantico e sonoro da linguagem, mas urn movimen-to, uma transil;ao da sintaxe dos significados para a sintaxe dapalavra, a transformal;ao da gramitica do pensamento em gra-matica das palavras, a modifical;ao da estrutura semantica coma sua materializal;ao em palavras.

Se, porem, os aspectos fasico e semantico da linguagemnao coincidem, evidentemente 0 enunciado discursivo nao podesurgir imediatamente em toda a sua plenitude, uma vez que assintaxes da semantica e da palavra nao surgem em simultanei-dade e em conjunto mas pressupoem uma transil;ao e urn mo-vimento de uma para a outra. Mas esse processo complexo detransil;ao dos significados para os sons se desenvolve, gerandouma das linhas basic as no aperfeil;oamento do pensamento dis-cursivo. Essa decomposil;ao da linguagem em semantica e fo-nologia nao e dada imediatamente e desde 0 inicio mas surgeapenas no processo de desenvolvimento: a crianl;a deve dife-renciar ambos os aspectos da linguagem, tomar consciencia dasua diferenl;a e da natureza de cada urn deles para tomar pos-sivel aquele descenso pelos estagios que se pressupoe natural-mente no processo vivo da palavra conscientizada. A principioencontramos na crianl;a a nao-consciencia das formas e dos

* Krilov, Ivan Andreieviteh (1769-1844). Eseritor russo muito versatil,mais eonheeido por suas fabulas e suas tradw;oes - adapta<;oesde La Fontaine,foi tambem prosador dotado de um eorrosivo estilo satirieo. (N. do T.)

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significados das palavras, bem como a ni'io-diferencia<;i'iode unse de outros. A crian<;apercebe a palavra em sua estrutura sono-ra como parte do objeto ou como uma propriedade sua insepa-ravel de outras propriedades. Tudo indica tratar-se de urn feno-meno inerente a toda a consciencia lingilistica primitiva.

Humboldt cita a seguinte anedota: ouvindo estudantes deastronomia conversando sobre estrelas, pessoas simples lhesperguntaram: "A gente entende que, com 0 auxilio de toda sortede instrumentos, os homens conseguiram medir a distancia en-tre a Terra e os astros mais distantes e descobrir a sua distribui<;i'ioe 0 seu movimento. Mas a gente gostaria de saber como desco-briram os nomes das estrelas." Quem perguntou supunha queso dos proprios astros seria possivel saber os seus nomes. Ex-periencias simples com crian<;as mostram que, antes da idadeescolar, a crian<;aexplica os nomes dos objetos pel as suas pro-priedades: "vaca" se chama "vaca" porque tern chifres, "bezer-ro" se chama "bezerro" porque tern os chifres ainda pequenos,"cavalo" se chama "cavalo" porque ni'iotern chifres, "cachorro"se chama "cachorro" porque ni'iotern chifres e e pequeno, "auto-movel" se chama "automovel" porque ni'io e animal.

Quando se pergunta se e possivel substituir 0 nome de urnobjeto por outro, por exemplo, chamar uma vaca de tinta e tintade vaca, as crian<;as respondem que isso e totalmente impossi-vel, porque com tinta se escreve e a vaca da leite. A transferen-cia do nome como que significa a transferencia das proprieda-des de urn objeto para outro, ti'io estreita e indissoluvelmenteligadas entre si esti'io as propriedades do objeto e 0 seu nome.o grau de dificuldade que experimenta a crian<;apara transfe-rir 0 nome de urn objeto a outro pode ser visto pelas experienciasem que, por instru<;i'io,di'io-se convencionalmente aos objetosnomes ni'io-verdadeiros. Na experiencia si'iosubstituidos os no-mes de "vaca" por "ci'io" e "janela" por "tinta".

- Se 0 cachorro tern chifres, ele da leite? - pergunta-se auma crian<;a.

-Da.

- A vaca tern chifres?-Tern.- A vaca e urn cachorro, por acaso 0 cachorro tern chifres?- E claro, se 0 cachorro e vaca, se se chama vaca, enti'io

deve ter chifres. Ja que se chama vaca, enti'io tambem deve terchifres. 0 cachorro que se chamar vaca deve ter uns chifrinhossem duvida.

Esse exemplo mostra 0 quanta a crian<;ae dificil separar 0

nome das propriedades do objeto e como, nas transferencias, aspropriedades vem logo depois do nome como urn bem depois dodono. Obtemos os mesmos resultados nas perguntas relativas aspropriedades da tinta e da janela na transferencia dos seus nomes.No come<;oas respostas corretas aparecem com grande dificul-dade, mas quando se pergunta se a tinta e transparente a respos-ta e uma so: ni'io. "Mas tinta e janela, janela e tinta." "Enti'io atinta e tinta e mesmo assim ni'ioe transparente."

Com esse exemplo, quisemos apenas ilustrar a tese segun-do a qual os aspectos sonoro e semantico da palavra ainda si'io,para a crian<;a,uma unidade imediata, ni'iodiferenciada nem cons-cientizada. Uma das linhas basicas do desenvolvimento verbalda crian<;aconsiste precisamente em que essa unidade come<;aa diferenciar-se e a ser conscientizada. Deste modo, no iniciodo desenvolvimento ocorrem a fusi'io de ambos os pIanos daIinguagem e a sua divisi'io gradual, de sorte que a distancia entreeles cresce com a idade, e a cada estagio no desenvolvimento ena tomada de consciencia dos significados das palavras corres-pondem a sua rela<;i'ioespecifica entre os aspectos semantico efasico da linguagem e a sua via especifica de transi<;i'iodo sig-nificado para 0 som. A insuficiente delimita<;i'io de ambos ospIanos da linguagem esta vinculada as limita<;6es da possibili-dade da expressi'io do pensamento e da sua compreensi'io emtenra idade. Se levarmos em conta 0 que foi dito no inicio danossa pesquisa sobre a fun<;i'iocomunicativa dos significados,ficara claro que a comunica<;i'io da crian<;a atraves da lingua-gem esta diretamente vinculada a diferencia<;i'io dos significa-

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dos das palavras em sua linguagem e a tomada de conscienciadesses casos.

Para elucidar essa ideia, devemos examinar uma peculia-ridade essencial na construyao do significado das palavras, queja rnencionamos quando analisamos os resultados dos nossosexperimentos. Ali distinguimos na estrutura semantica da pa-lavra a sua referencialidade concreta e 0 seu significado, e pro-curamos mostrar que os dois nao coincidem. No aspecto fun-cional, isto nos levou a distinguir as funyoes indicativa e nomi-nativa da palavra, por urn lado, e a sua funyao significativa, poroutro. Se compararmos essas relayoes estruturais e funcionaisno inicio, no meio e no final do desenvolvimento, conseguirernosnos convencer da existencia da seguinte lei genetica: ao ini-ciar-se 0 desenvolvimento, na estrutura da palavra existe a suareferencialidade concreta exclusiva e, dentre as funyoes, exis-tern apenas as funyoes indicativa e nominativa. 0 significado,independente da referencialidade concreta, e a significayao, in-dependente da indicayao e da nomeayao do objeto, surgern pos-teriorrnente e se desenvolvem por aquelas vias que procuramosobservar e esboyar neste trabalho.

Mas aqui se verifica que, desde 0 inicio, essas peculiarida-des estruturais e funcionais da palavra sofrem urn desvio paraos lados opostos na crianya em comparayao com 0 adulto. Porurn lado, a referencialidade concreta da palavra se rnanifestade modo bem mais nitido e intenso na crianya que no adulto:para a crianya, a palavra e parte do objeto, uma de suas proprie-dades, esta mais estreita e indissoluvelmente ligada ao objetoque a palavra do adulto. E isto que assegura urn peso especifi-co bem maior da referencialidade concreta na palavra da crian-ya. Por outro lado, e precisarnente por estar a palavra vincula-da ao objeto na crianya mais estreitamente que em nos que elarepresenta uma especie de parte do objeto, mas que no adultopode facilmente separar-se do objeto, substitui-Io nos pensa-mentos e levar uma vida autonoma. Assim, a insuficiente dife-renciayao da referencialidade concreta e do significado da pala-

vra redunda em que a palavra da crianya esta ao mesmo tempomais proxima da realidade e mais distante dela que a palavra doadulto. Inicialrnente, a crianya nao diferencia 0 significado ver-bal e 0 objeto, 0 significado e a forma sonora da palavra. Noprocesso de desenvolvimento, essa diferenciayao ocorre na me-dida em que se desenvolve a generalizayao, e no final do de-senvolvimento, quando ja encontramos conceitos verdadeiros,surgem aquelas relayoes complexas entre os pIanos decompos-tos da linguagem a que ja nos referimos.

Essa diferenciayao dos dois pianos da palavra, que crescecom 0 passar dos anos, e acompanhada ainda do desenvolvi-mento da via que 0 pensamento percorre no curso da transfor-mayao da sintaxe dos significados em sintaxe das palavras. 0pensamento imprime a marca do acento logico em urna das pa-lavras de uma frase, destacando 0 predicado psicologico sem 0

qual qualquer frase se torna incompreensivel. 0 ato de falar re-quer a transiyao do plano interior para 0 plano exterior, enquan-to a compreensao pressupoe 0 movimento inverso do planoexterno da linguagem para 0 plano interno.

Entretanto, devemos dar mais urn passo pela via que traya-mos e penetrar ainda rnais fundo na estrutura interna da lingua-gem. Seu plano sernantico nao e apenas urn plano inicial e iden-tico dentre todos os pIanos internos. Por tras dele e diante dopesquisador descortina-se 0 plano da linguagern interior*. Emuma correta compreensao da natureza psicologica da lingua-gem interior, nao ha nem pode haver nenhuma possibilidade deelucidar a relayao do pensamento com a palavra em toda a sua

* Vamos manter 0 termo "linguagem interior" por uma questiio de coeren-cia, uma vez que, neste livre, ele esta inicialmente ligado it categoria de lingua-gem egocentrica desenvolvida por Piaget e discutida por Vigotski. Entretanto, areflexiio de Vigotski, especialmente a partir desta pagina, niio so distingue 0 con-ceito das suas interpretac;6es e aplicac;6es anteriores como Ihe da urn novo sentidoe uma nova dimensiio teorica e pratica, que justifica tranquilamente a sua substi-tuic;iio por discurso interior, termo, a meu ver, bem mais ample e mais especificoque linguagem interior. (N. do T.)

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complexidade real. Mas esse problema chega a ser quase 0 maisconfuso entre todos os problemas relativos ao estudo do pens a-mento e da linguagem. Por isto, merece um estudo absolutamen-te especifico, mas nao podemos deixar de apresentar algunsdados fundamentais desse estudo especial da linguagem inte-rior, uma vez que sem eles nao poderiamos conceber a relayaoentre pensamento e palavra.

A confusao comeya pela imprecisao terminologica. 0 termolinguagem interior ou endofasia vem sendo aplicado na litera-tura aos mais diversos fenomenos. Dai surge toda uma serie demal-entendidos, uma vez que os estudiosos discutem frequen-temente sobre diferentes objetos mas os nomeiam com mesmotermo. E impossivel enquadrar em algum sistema os nossos co-nhecimentos sobre a natureza da linguagem interior se antes naotentarmos introduzir clareza terminologica nesta questao. Umavez que ate hoje ninguem realizou esse trabalho, nao surpreen-de que nenhum autor tenha feito uma unica exposiyao com umminimo de sistematicidade nem sequer de simples dados fa-tuais sobre a natureza da linguagem interior. Pelo visto, 0 sig-nificado inicial desse termo era a concepyao de linguagem in-terior como memoria verbal. Eu posso declamar de memoriaum poema decorado mas so posso reproduzi-lo na memoria. Apalavra pode ser ainda substituida pela representayao sobre elaou por uma imagem de memoria, como acontece com qualqueroutro objeto. Neste caso, a linguagem interior se distingue daexterior exatam~nte como a representayao de um objeto diferedo objeto real. E precisamente neste sentido que entendiam alinguagem interior os autores franceses, quando estudavam emque imagens da memoria - acusticas, opticas, motoras ou sin-teticas - se realiza a memoriza9ao das palavras. A memoriaverbal e urn dos momentos determinantes da natureza da lin-guagem interior. Mas e evidente que ela, em si mesma, alem denao esgotar 0 conceito, ainda nao coincide diretamente comele. Nos autores antigos encontramos sempre 0 sinal de igual-dade entre reproduyao das palavras de memoria e linguagem

interior. Em realidade, trata-se de dois diferentes processosque devem ser distinguidos.

o segundo significado de linguagem interior costuma vin-cular-se a reduyao do ato habitual de fala. Neste caso, chama-selinguagem interior a linguagem nao pronunciada, sem som,muda, isto e, linguagem menos 0 som, segundo celebre defini-yao de MLiller.Para Watson, ela e a mesma linguagem exterior,apenas nao levada ate 0 fim. Bekhteriev a definiu como refle-xo verbal nao revelado em sua parte motora. Sietchenov, comoreflexo interrompido em dois teryos do seu caminho. E essaconcepyao de linguagem interior pode ser inserida como urndos momentos subordinados no conceito cientifico de lingua-gem interior mas, como a primeira, nao so nao esgota esse con-ceito como nao coincide absolutamente com ele. 0 ato de pro-nunciar alguma palavra sem som ainda nao significa processode linguagem interior. Ultimamente Schilling propos delimitarterminologicamente linguagem interior e fala interior, distin-guindo par fala 0 conteudo que os autores que acabamos decitar aplicavam ao conceito de linguagem interior. Esse con-ceito difere quantitativamente de linguagem interior por so terem vista processos ativos e nao processos passivos de lingua-gem, diferindo qualitativamente por ter em vista uma atividadeinicialmente motora da funyao da fala. Desse ponto de vista, afala interior e uma funyao particular da linguagem interior, urnato motriz de fala de carater inicial, cujos impulsos nao encon-tram expressao nos movimentos articulatorios ou se manifes-tam em movimentos vagamente expressos e surdos mas queacompanham, refor9am e inibem a funyao de pensar.

A terceira e ultima concep9ao de linguagem interior - etambem mais vag a - amplia extremamente 0 tema. Deixandode lado a sua historia, 0 nosso exame desta ultima concepyaoficad limitado ao estado atual que encontramos nos trabalhosde muitos autores.

Goldstein chama de linguagem interior tudo 0 que prece-de ao ato motor de falar, a todo 0 aspecto interior da linguagem

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em que ele distingue dois momentos: primeiro, a forma interiorde discurso do linguista ou os motivos do discurso de Wundt;segundo, a presenc;a de uma vivencia extremamente indefini-vel, nao sensorial ou motora mas especificamente discursiva,que e tao conhecida de cada urn quanta impossivel de ser ca-racterizada com precisao. Fundindo no conceito de linguageminterior todo 0 aspecto interior de qualquer linguagem, mes-clando em urn todo a linguagem interior de autores franceses ea palavra-conceito dos alemaes, Goldstein coloca esse aspectono centro de toda a linguagem. Aqui e correto 0 aspecto nega-tivo da definic;ao, precisamente a sugestao de que os processossensoriais e motores tern na linguagem interior uma importan-cia submissa, mas e muito confuso e por isso incorreto 0 as-pecto positivo. :E impossivel nao contestar a identificac;a9 doponto central de toda a linguagem com uma vivencia que seapreende por via intuitiva, nao se presta a nenhuma analise fun-cional, estrutural ou nenhuma analise objetiva, assim como eimpossivel nao contestar a identificac;ao des sa vivencia com alinguagem interior, na qual pianos estruturais particulares, quepodem ser bem distinguidos atraves da analise psicologica, sediluem sem deixar vestigio. Esse vivenciamento central do dis-curso e comum a qualquer modalidade de linguagem e, por estasimples razao, ja nao se presta, de maneira alguma, a discrimi-nac;ao daquela func;ao discursiva especifica e original, que e aunica a merecer 0 nome de linguagem interior. Em essencia, seformos coerentes e levarmos 0 ponto de vista de Goldstein asultimas consequencias, teremos de reconhecer que a sua lin-guagem interior nao e nenhuma linguagem mas urna atividadepensante e afetivo-volitiva, uma vez que incorpora motivos dediscurso e pensamento expresso em palavra. No melhor dos ca-sos, esse ponto de vista abrange, em forma nao desarticulada,todos os processos interiores que se desenvolvem ate 0 momen-to da fala, isto e, todo 0 aspecto interior da linguagem exterior.

Vma concepc;ao correta da linguagem interior deve partirda tese segundo a qual a linguagem interior e uma formac;ao

particular por sua natureza psicol6gica, uma modalidade espe-cifica de linguagem dotada de particularidades absolutamenteespecificas e situada em uma relac;ao complexa com as outrasmodalidades de linguagem. Para estudar essas relac;oes da lin-guagem interior com 0 pensamento, por urn lado, e com a pala-vra, por outro, e necessario, antes de tudo, descobrir as dife-renc;as especificas que distinguem a linguagem interior tantodo pensamento quanta da palavra e elucidar a sua func;ao abso-lutamente especifica. A linguagem interior e uma linguagempara si. A linguagem exterior e uma linguagem para os outros.Nao se pode admitir nem por antecipac;ao que essa diferenc;aradical e fundamental de func;oes dessa ou daquela linguagempossa nao ter conseqilencias para a natureza estrutural de am-bas as func;oes discursivas. Por isso achamos incorreto cons i-derar, como 0 fazem Jackson e Head, a linguagem interior comouma linguagem que se distingue da exterior pelo grau e naopela natureza. Aqui nao se trata de vocalizac;ao. A propria exis-tencia ou inexistencia de vocalizac;ao nao e causa que nos ex-plique a natureza da linguagem interior mas conseqilencia des sanatureza. Em certo sentido, pode-se dizer que a linguagem in-terior nao e so aquilo que antecede a linguagem exterior ou areproduz na memoria mas e oposta a linguagem exterior. Estee urn processo de transformac;ao do pensamento em palavra, ea sua materializac;ao e sua objetivac;ao. Aqui temos 0 outro pro-cesso de sentido oposto, que caminha de fora para dentro, urnprocesso de evaporac;ao da linguagem no pensamento. Dai asua estrutura com todas as diferenc;as que a distinguem da lin-guagem exterior. A linguagem interior chega a ser quase a areamais dificil de investigac;ao da psicologia. :E por isso mesmoque, na sua teoria, esbarramos em urn imenso numero de hip6-teses absolutamente arbitrarias e construc;oes especulativas, enao dispomos de nenhum dado fatual possivel. Nesta questaos6 se fez experimento a titulo de ilustrac;ao. as pesquisadorestern procurado captar, na articulac;ao e na respirac;ao, a existen-cia de mudanc;as motoras concomitantes, quase imperceptiveis,

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no melhor dos casos de terceiro grau pela importancia, mas aomenos situadas fora do nucleo central da linguagem interior.Essa questao permaneceu quase inacessivel a experimentos en-quanta nao se conseguiu aplicar a ela 0 metodo genetico. Tam-bem aqui, 0 desenvolvimento foi a chave para a compreensaode uma das mais complexas func;oes interiores da conscienciahumana. Por isto, a descoberta do metodo adequado de investi-gac;ao da linguagem interior fez, efetivamente, toda a questaosair do ponto morto. Por essa razao, abordaremos 0 metoda emprimeiro lugar.

Pelo visto, foi Piaget 0 primeiro a perceber a func;ao espe-cial da linguagem egocentrica da crianc;a e a conseguir apre-ciar-Ihe a importancia teorica. Seu merito foi 0 de nao ter pas-sado a margem desse fato, que se repete diariamente e e conhe-cido de cada urn que ja tenha visto uma crianc;a, mas de havertentado estuda-Io e apreende-Io teoricamente. Mas ele perma-neceu inteiramente cego ao mais importante que a linguagemegocentrico traz implicito: a sua semelhanc;a genetica e os seusvinculos com a linguagem interior e, como conseqiiencia, pro-duziu uma falsa interpretac;ao da propria natureza dessa lingua-gem nos aspectos funcional, estrutural e genetico. Em nossasinvestigac;oes da linguagem interior, nos nos afastamos de Piagete colocamos no centro precisamente as relac;oes da linguagemegocentrica com a linguagem interior. Achamos que isto nosdeu, pel a primeira vez, a possibilidade de estudar experimen-talmente a natureza da linguagem interior com uma plenitudejamais alcanc;ada.

Ja expusemos todas as reflexoes basicas que nos permitemconcluir que a linguagem egocentrica e uma serie de estagiosanteriores ao desenvolvimento da linguagem interior. Lembre-mos que essas reflexoes sao de urn triplice carater: funcional(descobrimos que a linguagem egocentric a desempenha func;oesintelectuais semelhantes a linguagem interior), estrutural (des-cobrimos que a linguagem egocentrica se aproxima estrutural-mente da interior) e genetico (comparamos 0 fato da extinc;ao

da linguagem egocentrica no inicio da idade escolar, descobertopor Piaget, com uma serie de fatos que nos levam a inserir nes-se momento 0 inicio do desenvolvimento da linguagem inte-rior, e dai concluimos que, em realidade, no limiar da idade es-colar ocorre, nao a extinc;ao da linguagem egocentrica, mas asua transic;ao e transformac;ao em linguagem interior). Essa novahipotese de trabalho sobre a estrutura, a func;ao e 0 destino dalinguagem egocentrica nos permitiu nao so reconstruir radical-mente toda a teoria da linguagem egocentrica como ainda pe-netrar fundo na questao da natureza da linguagem interior. See confiavel a nossa hipotese de que a linguagem egocentrica econstituida de formas precoces de linguagem interior, com istose resolve 0 problema do metoda de investigac;ao da linguageminterior.

Neste caso, a linguagem egocentrica e a chave para a inves-tigac;ao da linguagem interior. Isto porque ela e uma linguagemainda vocalizada, sonora, isto e, uma linguagem exterior pelomodo de sua manifestac;ao e, ao mesmo tempo, uma linguageminterior por suas func;oes e estrutura. Quando estudamos os pro-cessos interiores para experimentar e objetivar 0 processo inte-rior observado, somos levados a criar experimentalmente 0 seuaspecto externo, vinculando-o a alguma atividade externa, a le-va-Io para fora a fim de possibilitar a sua analise objetivo-fun-cional baseada nas observac;oes do aspecto externo do processointerno. No caso da linguagem egocentrica, operamos com umaespecie de experimento natural construido segundo esse tipo.Trata-se da linguagem interior acessivel a observac;ao direta ea experimentac;ao, isto e, de urn processo interior por naturezae exterior por manifestac;ao. E por este motivo que 0 estudo dalinguagem egocentrica e, para nos, 0 metodo fundamental deestudo da linguagem interior.

A segunda vanta gem desse metoda e permitir que se estu-de a linguagem egocentric a nao de modo estatico mas dinami-co no processo de seu desenvolvimento, de declinio gradual deumas peculiaridades e lenta ascensao de outras. Grac;as a IStO

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surge a possibilidade de julgar as tendencias do desenvolvimen-to da linguagem interior, de analisar niio so 0 que e secundarioe se extingue no processo de desenvolvimento mas tambem 0

que e essencial, 0 que se refon;a e cresce nesse processo. Por ulti-mo, 0 estudo dessas tendencias geneticas da linguagem interiorpermite conduir, com 0 auxilio dos metodos de interpolac;iio,o que e esse movimento da linguagem egocentrica para a lingua-gem interior, ou melhor, qual e a natureza da linguagem interior.

Antes de expormos os resultados basicos que 0 metodo nospropiciou, examinemos brevemente a concepc;iio original da na-tureza da linguagem egocentrica para elucidar, de uma vez portodas, 0 fundamento teorico do nosso metoda, enfatizando asdiferenc;as entre a teoria de Piaget e a nossa. Piaget argumentaque a linguagem egocentrica da crianc;a e uma expressiio diretado egocentrismo do seu pensamento, 0 qual, por sua vez, e urncompromisso entre 0 autismo primitivo do pensamento infan-til e a sua socializac;iiogradual, compromisso especifico de cadafase etaria, por assim dizer, urn compromisso dinamico, no qual,a medida que a crianc;a cresce, 0 autismo desaparece e a socia-lizac;iio evolui, levando gradualmente a zero 0 egocentrismo noseu pensamento e na sua linguagem.

Dessa concepc;iioda natureza da linguagem egocentrica de-corre 0 ponto de vista piagetiano sobre a estrutura, a func;iio eo destino dessa modalidade de linguagem. Na linguagem ego-centrica, a crianc;a niio deve adaptar-se ao pensamento do adul-to; por isso 0 seu pensamento continua egocentrico ao maximo,fato que se manifesta na incompreensiio da linguagem egocen-trica para 0 interlocutor, na sua reduc;iio e em outras peculiari-dades estruturais. Neste caso, por sua func;iio,a linguagem ego-centrica niio pode ser seniio urn simples acompanhamento damelodia central da atividade infantil, que nada modifica nes-sa melodia. E mais urn fenomeno concomitante que urn feno-meno de importancia funcional independente. Essa linguagemniio desempenha nenhuma func;iio no comportamento da crian-c;a.Por ultimo, sendo uma expressiio do egocentrismo infantil,

e estando este condenado a extinc;iiono curso do desenvolvimen-to da crianc;a, e natural que 0 seu destino genetico seja extin-guir-se concomitantemente com 0 egocentrismo infantil. Por isso,o desenvolvimento da linguagem egocentrica segue uma curvadescendente, cujo ponto culminante esta situado no inicio dodesenvolvimento e decresce ate chegar a zero no limiar da idadeescolar. Assim, pode-se afirmar sobre 0 egocentrismo 0 que Listdisse sobre os meninos prodigios: seu futuro esta no passado.Essa lingua gem niio tern futuro. Niio surge nem se desenvol-ve com a crianc;a mas se atrofia e se extingue, sendo antes urnprocesso involutivo por natureza que evolutivo. Se, deste modo,o desenvolvimento da linguagem egocentric a se realiza por umacurva em continua extinc;iio, e natural que, em cada etapa dodesenvolvimento da crianc;a, essa linguagem derive da insufi-ciente socializac;iio da linguagem infantil, inicialmente indivi-dual, sendo expressiio direta do grau dessa insuficiencia de so-cializac;iio.

Segundo uma teoria oposta, a linguagem egocentrica dacrianc;a e uma das manifestac;oes da transic;iio das func;oes in-terpsicologicas para as intrapsicologicas, isto e, das formas deatividade social coletiva da crianc;a para as func;oes individuais.Essa transic;iio e uma lei geral - como mostramos em urn dosnossos estudos anteriores (40, pp. 483 ss.) - do desenvolvimen-to das func;oes psiquicas superiores, que surgem inicialmentecomo formas de atividade em colaborac;iio e so depois siio trans-feridas pela crianc;a para 0 campo das suas form as psicologicasde atividade. A linguagem para si surge pela diferenciac;iio dafunc;iio inicialmente social da linguagem para outros. A estra-da real do desenvolvimento da crianc;aniio e a socializac;iio gra-dual introduzida de fora mas a individualizac;iio gradual quesurge com base na sociabilidade interior da crianc;a. Em func;iiodisto modificam-se tambem as nossas concepc;oes sobre a es-trutura, a funC;iioe 0 destino da linguagem egocentrica. Achamosque sua estrutura se desenvolve paralelamente ao isolamento dassuas func;oes e em conformidade com essas func;oes. Noutros

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Pensamento e pa/avra 4_3_1

termos, ao adquirir uma nova func;ao, a linguagem naturalmentese transforma tambem em sua estrutura, em consonancia comas novas func;5es. Adiante analisaremos detalhadamente essaspeculiaridades estruturais. Por ora queremos dizer apenas queessas peculiaridades nao se extinguem nem se atenuam, nao seredu7 '1 zero nem involuem, mas se intensificam e crescem,evoluem com 0 crescimento da crianc;a, de sorte que 0 seu de-senvolvimento, como alias 0 desenvolvimento de toda linguagemegocentrica, segue por linha ascendente e nao descendente.

Os resultados dos nossos experimentos mostram que a fun-c;ao da linguagem egocentrica e semelhante a da linguageminterior: e menos urn acompanhamento, e uma melodia inde-pendente, uma func;ao autonoma que serve aos objetivos daorientac;ao intelectual, da tomada de consciencia da superac;aodas dificuldades e dos obstaculos, da reflexao e do pensamen-to, em suma, e uma linguagem para si, que da forma mais inti-ma serve 0 pensamento da crianc;a. Por ultimo, 0 destino gene-tico da linguagem egocentrica nos parece menos parecido aque-Ie esboc;ado por Piaget. A linguagem egocentrica nao se desen-volve por uma linha de extinc;ao mas por uma linha ascendente.Seu desenvolvimento nao e uma involuc;ao mas uma verdadei-ra evoluc;ao. 0 que ele menos lembra sao os processos involu-tivos bem conhecidos em biologia e pediatria, que se manifes-tam na extinc;ao, como os processos de cicatrizac;ao da veia doumbigo ou da sua queda no recem-nascido. Essa linguagem estamais para os process os de desenvolvimento da crianc;a, que es-tao voltados para 0 futuro e, por sua natureza, sao processos dedesenvolvimento construtivos, criativos e plenos de significa-do positivo. Nossa hipotese ve a linguagem egocentrica comouma linguagem interior por sua func;ao psicologica e exteriorpor sua estrutura. Seu destino e transformar-se em linguageminterior.

Achamos que a nossa hipotese tern diversas vantagens so-bre a de Piaget: em termos teoricos, permite explicar melhor emais adequadamente a estrutura, a func;ao eo destino da lingua-

gem egocentrica; combina-se melhor com os nossos fatos ex-perimentais - inexplicaveis do ponto de vista da teoria de Piaget- sobre 0 crescimento do coeficiente de linguagem egocentri-ca quando ha dificuldades na atividade que exigem tomada deconsciencia e reflexao. Mas a sua vantagem principal e decisivae oferecer uma explicac;ao satisfatoria para 0 estado de coisasparadoxal descrito pelo proprio Piaget e inexplicavel de outromodo. De fato, a teoria de Piaget postula que a linguagem ego-centrica se extingue com 0 crescimento, declinando quantitati-vamente na medida em que a crianc;a se desenvolve. Entre-tanto, deveriamos esperar que as suas peculiaridades estruturaistambem devessem decrescer e nao crescer com a sua extinc;ao,pois e dificil imaginar que a extinc;ao abranja so 0 aspecto quan-titativo do processo e nao tenha nenhum reflexo em sua estru-tura interior. Na passagem dos tres para os sete anos, isto e, doponto superior para 0 inferior no desenvolvimento da lingua-gem egocentrica, 0 egocentrismo do pensamento infantil decli-na em imensas proporc;5es. Se as peculiaridades estruturais dalinguagem egocentrica radicam precisamente no egocentrismo,e natural esperar que tais peculiaridades, cuja expressao suma-ria e a ininteligibilidade dessa linguagem para os outros, tambemvenham a extinguir-se e reduzir-se gradualmente a zero como asproprias manifestac;5es dessa linguagem. Em suma, caberia es-perar que 0 processo de extinc;ao da linguagem egocentrica en-contrasse sua expressao tambem na extin<;:aodas suas peculia-ridades estruturais internas, isto e, que essa linguagem, tambempor sua estrutura interna, vie sse a se aproximar mais da lingua-gem socializada e, especialmente, se tornasse mais compreen-sive!. 0 que dizem os fatos a respeito? Que linguagem e maisincompreensivel- a de uma crianc;ade tres ou de sete anos? Urndos resultados fatuais da nossa investiga<;:ao,mais importantese decisivos pelo seu significado, eo estabelecimento do seguin-te fato: as peculiaridades estruturais da linguagem egocentrica,que traduzem os seus desvios em relac;ao a linguagem social edeterminam a sua ininteligibilidade para os outros, nao declinammas crescem com 0 desenvolvimento, sao minimas aos tres anos

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de idade e maximas aos sete; nao se extinguem mas evoluem;revelam leis inversas de desenvolvimento em compara<;ao como coeficiente de linguagem egocentrica. Enquanto esta ultimadeclina sem cessar no processo de desenvolvimento, chegandoa zero no limiar da idade escolar, aquelas peculiaridades estru-turais ~ ssam por urn desenvolvimento em sentido contnirio,subinou de urn patamar quase zero aos tres anos de idade paraatingir quase 100% de originalidade estrutural no conjunto dassuas diferen<;as estruturais.

Esse fato nao e s6 inexplicavel do ponto de vista de Piaget,uma vez que nao ha como conceber de que modo os processosde extin<;aodo egocentrismo infantil, da pr6pria linguagem ego-centrica e de suas peculiaridades internas podem crescer tanto;ao mesmo tempo, porem, ele tambem nos permite elucidar 0

unico fato que Piaget toma como pedra angular e sobre 0 qualconstr6i toda a sua teoria da linguagem egocentrica, ou seja, 0

fato da extin<;ao do coeficiente de linguagem egocentrica como crescimento da crian<;a.

No fundo, 0 que significa esse declinio do coeficiente delinguagem egocentrica? As peculiaridades estruturais da lingua-gem interior e a sua diferencia<;ao funcional em rela<;ao it lin-guagem exterior aumentam com a idade. 0 que entao declina?o declinio da linguagem egocentrica nao diz nada mais a naoser que declina exclusivamente uma (mica peculiaridade dessalinguagem: exatamente a sua vocaliza<;ao, 0 seu som. Podemosconcluir dai que a extin<;ao da vocaliza<;ao e do som equivale itextin<;ao de toda linguagem egocentrica? Isto nos parece inad-missivel, porque, neste caso, fica absolutamente inexplicavel 0

desenvolvimento de suas peculiaridades estruturais e funcio-nais. Ao contrario, it luz desse fator torna-se absolutamente com-preensivel 0 pr6prio declinio do coeficiente de linguagem ego-centrica. A contradi<;ao entre 0 declinio celere de urn sintoma dalinguagem egocentrica (a vocaliza<;ao) e 0 aumento igualmen-te celere de outros sintomas (as diferencia<;oes estrutural e fun-cional) acaba sendo uma contradi<;ao aparente, ilus6ria.

Raciocinemos a partir de urn fato indiscutivel, que estabe-lecemos por via experimental. As peculiaridades estruturais efuncionais da linguagem egocentrica aumentam com 0 desen-volvimento da crian<;a. Aos tres anos, e quase igual a zero adiferen<;a entre essa linguagem e a linguagem comunicativa dacrian<;a.Aos sete anos verificamos uma linguagem que difereem 100% da linguagem social de uma crian<;a de tres anos, porsuas peculiaridades funcionais e estruturais. Neste fato, mani-festam-se a diferencia<;ao das duas fun<;oes discursivas - queprogride com a idade - e 0 isolamento da linguagem para si eda linguagem para os outros em face da fun<;ao social nao arti-culada, fun<;aoessa que desempenha em tenra idade essas duasatribui<;oesde modo quase inteiramente identico. Isto e indubita-vel. Isto e urn fato e, como se sabe, e dificil discutir com os fatos.

Se isso e assim, todo 0 restante se torn a compreensivel porsi mesmo. Se as peculiaridades estruturais e funcionais da lin-guagem egocentrica - a sua estrutura interior e 0 modo de suaatividade - se desenvolvem cada vez mais e a isolam da lingua-gem exterior, na exata propor<;ao em que aumentam essas pe-culiaridades especificas da linguagem egocentrica seu aspectoexterno e sonoro deve extinguir-se, sua vocaliza<;ao deve di-luir-se e anular-se, suas manifesta<;oes externas devem cair parazero, 0 que ira manifestar-se no declinio do coeficiente de lin-guagem egocentrica no periodo dos tres aos sete anos. Na me-dida em que se isola a fun<;ao da linguagem egocentrica, dessalinguagem para si, em iguais propor<;oes a sua vocaliza<;ao setorna funcionalmente inutil e sem sentido (sabemos a nossafrase pensada antes de pronuncia-Ia) e na medida em que au-mentam as peculiaridades estruturais da linguagem egocentric aa sua vocaliza<;ao se torna impossivel nas mesmas propor<;oes.A linguagem para si, totalmente diferente por sua estrutura,nao pode encontrar expressao na estrutura - totalmente hetero-genea por natureza - da linguagem exterior; totalmente especi-fica por sua estrutura, a modalidade de linguagem que surgenesse periodo deve, necessariamente, ter a sua forma especifica

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de expressao, uma vez que 0 seu aspecto fasico deixa de coin-cidir com 0 aspecto fasico da linguagem exterior. 0 aumentodas peculiaridades funcionais da linguagem egocentrica, seu iso-lamento como func;ao discursiva independente, a constituic;aogradual e a formac;ao de sua natureza interna original levaminevita' nte a que essa linguagem se torne cada vez maispobre em suas manifestac;5es externas, distanciando-se cadavez mais da linguagem exterior, perdendo cada vez mais a suavocalizac;ao. E em certo momenta do desenvolvimento, quan-do esse isolamento da linguagem egocentrica atinge 0 limitenecessario, quando a linguagem para si se separa definitiva-mente da linguagem para os outros, ela deve necessariamentedeixar de ser sonora e, consequentemente, criar a ilusao do seudesaparecimento e da sua total extinc;ao. Mas isto e precis a-mente uma ilusao. Considerar 0 declinio do coeficiente de lin-guagem egocentrica ate zero como sintoma de sua extinc;ao e 0

mesmo que considerar como extinc;ao do calculo 0 momentaem que a crianc;a deixa de usar os dedos para contar e deixa decontar em voz alta para contar de memoria. No fundo, por trasdesse sintoma da extinc;ao, desse sintoma negativo e involutivo,esconde-se urn conteudo absolutamente positivo. 0 declinio docoeficiente de linguagem egocentrica e a reduc;ao de sua voca-lizac;ao estao estreitamente vinculados ao crescimento interiore ao isolamento dessa nova modalidade de linguagem infantil, eso aparentemente sao sintomas negativos, involutivos. Em es-sencia, sao sintomas evolutivos de urn desenvolvimento ascen-dente. Porque por tras deles nao se esconde a extinc;ao mas agerminac;ao de uma nova forma de linguagem.

o declinio das manifestac;5es externas da linguagem ego-centrica deve ser visto: como manifestac;ao de uma abstrac;aoque se desenvolve a partir do aspecto sonoro da linguagem,aspecto esse que e urn dos principais trac;os constitutivos dalinguagem interior; como diferenciac;ao progressiva da lingua-gem egocentrica em relac;ao a linguagem comunicativa; comotrac;o da crescente capacidade da crianc;a para pensar e imagi-

nar as palavras em vez de pronuncia-las, para operar com aimagem da palavra em vez da propria palavra. Nisto reside 0

sentido positivo do sintoma do declinio do coeficiente de lin-guagem egocentrica. Porque esse declinio e de natureza perfei-tamente definida: realiza-se em urn determinado sentido, inclu-sive no mesmo sentido em que se realiza 0 desenvolvimentodas generalizac;5es funcionais e estruturais da linguagem ego-centrica, isto e, no sentido da linguagem interior. A diferenc;aradical entre a linguagem interior e a exterior e a ausencia devocalizac;ao.

A linguagem interior e uma linguagem muda, silenciosa.Esse e 0 seu principal trac;o distintivo. Mas e precisamente nosentido do aumento gradual desse trac;o distintivo que se da aevoluc;ao da linguagem egocentrica. Sua vocalizac;ao declinaate chegar a zero, ela se torn a uma linguagem muda. Mas assimdeve ser necessariamente se a concebemos como etapas gene-ticamente precoces no desenvolvimento da linguagem interior.o fato de que esse trac;o se desenvolve gradualmente, de que alinguagem egocentrica se isola antes em termos funcionais eestruturais que em termos de vocalizac;ao, sugere apenas 0 quetomamos por base da nossa hipotese sobre 0 desenvolvimentoda linguagem interior, isto e, sugere que a linguagem interior sedesenvolve atraves do enfraquecimento externo de seu aspectosonoro, passando da fala para 0 sussurro e do sussurro para alinguagem surda e, atraves do isolamento funcional e estrutu-ral, da linguagem externa para a linguagem egocentrica e daegocentrica para a interior.

Assim, a contradic;ao entre a extinc;ao das manifestac;5esexternas da linguagem egocentric a e 0 aumento das suas peculia-ridades internas e uma contradic;ao aparente. Em realidade, portras do declinio do toeficiente de linguagem egocentrica escon-de-se 0 desenvolvimento positivo de uma das peculiaridadescentrais da linguagem interior - a abstrac;ao do aspecto sonoroda linguagem e a diferenciac;ao definitiva de linguagem interiore linguagem exterior. Desse modo, todos os tres grupos funda-

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mentais de tra90s - funcionais, estruturais e geneticos -, todosos fatos que conhecemos do campo do desenvolvimento da lin-guagem egocentrica (inclusive os fatos de Piaget) atestam har-moniosamente uma unica coisa: a linguagem egocentrica sedesenvolve no sentido da linguagem interior, e todo 0 curso doseu l. 1 olvimento nao pode ser entendido senao como 0curso de aumento progressivo de todas as propriedades distin-tivas da linguagem interior.

Nisto vemos a confirma9ao irrefutavel da hipotese quedesenvolvemos sobre a origem e a natureza da linguagem ego-centrica e a prova igualmente incontestavel em favor de que 0estudo da linguagem egocentrica e 0 metodo fundamental deconhecimento da natureza da linguagem interior. Mas para quea nossa tese hipotetica possa ganhar autenticidade teorica, de-vemos encontrar as possibilidades para urn experimento criti-co capaz de resolver de modo indubitavel qual das duas con-cep90es contraditorias do processo de desenvolvimento da lin-guagem egocentrica corresponde a realidade. Examinemos osdados desse experimento critico.

Lembremos a situa9ao teorica que 0 nosso experimentoteve de resolver. Segundo Piaget, a linguagem egocentric a sur-ge da insuficiente socializa9ao da linguagem individual prima-ria. E nossa opiniao que ela surge de uma insuficiente indivi-dualiza9ao da linguagem social primaria, de seu insuficienteisolamento e sua insuficiente diferencia9ao, da impossibilida-de de destaca-la. No primeiro caso, a linguagem egocentrica eo ponto da curva descendente, cuja culmina9ao esta para tras.A linguagem egocentrica se extingue. Nisto consiste 0 seu de-senvolvimento. Ela tern apenas passado. No segundo caso, alinguagem egocentrica e 0 ponto da curva ascendente, cujaculmina9ao esta no futuro. Ela evolui para a linguagem inte-rior, e nesta que existe futuro. No primeiro caso, a linguagempara si, isto e, a linguagem interior, e levada para fora com asocializa9ao, uma vez que a agua branca desloca a vermelha peloprincipio ja referido. No segundo caso, a linguagem para si sur-

ge da linguagem egocentrica, isto e, desenvolve-se de dentropara fora.

Para resolver em definitivo qual das duas opinioes e justa,e necessario elucidar experimental mente em que sentido iraoinfluenciar a linguagem egocentrica da crian9a as mudan9as desitua9ao de dupla especie: no senti do do enfraquecimento dosmomentos sociais da situa9ao que asseguram 0 surgimento dalinguagem social, e no senti do da intensifica9ao de tais momen-tos. Todas as provas que ate agora arrolamos a favor da nos saconcep9ao de linguagem egocentrica e contra Piaget, por maiorque seja a sua importancia aos nossos olhos, tern, entretanto,importancia indireta e dependem de uma interpreta9ao gera!.Esse mesmo experimento poderia dar uma resposta direta aquestao de nosso interesse. E por isso que 0 consideramos ex-perimentum crucis.

De fate, se a linguagem egocentrica da crian<;a deriva doegocentrismo do seu pensamento e da insuficiencia de sua so-cializa9ao, qualquer debilitamento dos momentos sociais na si-tua9ao, qualquer garantia do isolamento da crian9a e de sua liber-ta9ao em face do grupo coletivo, qualquer contribui<;ao para 0seu isolamento psicologico e para a perda do contato psieolo-gieo com outras pessoas, qualquer libera9ao da neeessidade deadaptar-se aos pensamentos dos outros e, eonseqiientemente,de aproveitar-se da linguagem soeializada, em suma, tudo issodeve levar necessariamente a urn aeentuado aumento do eoefi-eiente de linguagem egocentriea a eusta da linguagem soeiali-zada, porque tudo isso deve eriar eondi90es extremamente favo-raveis a livre e plena revela9ao da insufieieneia da soeializa9aodo pensamento e da linguagem da erian9a. Se, porem, a lingua-gem egoeentriea deriva da insufieieneia de difereneia9ao dalinguagem para si e da linguagem para os outros, da insufieien-te individualiza9ao da linguagem primariamente social, do nao-isolamento e da nao-separa9ao da linguagem para si em rela-9ao a linguagem para os outros, entao todas essas mudan9as desitua9ao devem manifestar-se no aeentuado deelinio da lingua-gem egoeentriea.

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Essa era a questao que se colocava diante do nosso expe-rimento. Para a sua construr;ao, tomamos como pontos de parti-da os momentos observados pelo proprio Piaget na linguagemegocentrica e que, conseqiientemente, nao apresentam nenhumaduvida quanto a pertencerem de fato ao circulo de fenomenospor I studados.

Embora Piaget nao de a esses momentos nenhuma aten-r;ao teorica, descrevendo-os antes como trar;os externos da lin-guagem egocentrica, ainda assim nao podemos deixar de nosimpressionar desde 0 inicio com tres peculiaridades dessa lin-guagem: 1) 0 fato de ela representar urn mono logo coletivo,isto e, nao se manifestar a nao ser no grupo de crianr;as e na pre-senr;a de outras crianr;as igualmente ocupadas na me sma ativi-dade e nao quando a crianr;a esta sozinha; 2) 0 fato de esse mo-nologo coletivo ser acompanhado, como observou Piaget, dailusao de compreensao; os circundantes entend em aquilo emque a crianr;a cre e que supoe serem os seus enunciados ego-centricos dirigidos a alguem; 3) por ultimo, 0 fato de que essalinguagem para si tern carater de linguagem externa, sem lem-brar a linguagem socializada, e nao se pronuncia por sussur-ros, de forma desarticulada, para si mesma. Essas tres peculia-ridades essenciais nao podem ser fortuitas. A linguagem ego-centrica, do ponto de vista da crianr;a, ainda nao esta subjetiva-mente separada da social (ilusao de compreensao), e objetivapor situar;ao (monologo coletivo) e por forma (vocalizar;ao),nao esta separada nem isolada da linguagem social. So isso jainclina 0 nosso pensamento num sentido diferente da teoria dainsuficiencia de socializar;ao como fonte de linguagem ego-centrica. Essas peculiaridades testemunham antes a favor deuma socializar;ao grande demais e de urn insuficiente isolamen-to da linguagem para si em relar;ao a linguagem para os outros.Porque elas sugerem que a linguagem egocentrica, a linguagempara si transcorre nas condir;oes subjetivas e objetivas propriasda linguagem para os outros.

A nossa avaliar;ao dos tres momentos nao e conseqiienciade uma opiniao preconcebida; Grunbal1m, em quem nao pode-

mos deixar de nos apoiar, chega a mesma apreciar;ao sem ne-nhuma experimentar;ao, baseando-se apenas na interpretar;ao dosdados do proprio Piaget. Ele afirma haver casos em que a obser-var;ao superficial nos leva a pensar que a crianr;a esta inteira-mente ensimesmada. Essa falsa impressao surge do fato de es-perarmos de uma crianr;a de tres anos uma relar;ao logica como ambiente. Uma vez que essa especie de relar;oes com a reali-dade nao e propria da crianr;a, admitimos facilmente que elavive mergulhada em seus proprios pensamentos e fantasias eque nao Ihe e propria uma diretriz egocentrica. Quando brin-cam, as crianr;as dos tres aos cinco anos estao freqiientementeocupadas apenas de si mesmas, falam freqiientemente apenaspara si mesmas. Se de longe isto causa a impressao de conversa,num exame mais proximo verifica-se que se trata de urn mono-logo coletivo cujos participantes nao prestam atenr;ao uns aosoutros nem respondem. Mas, no fim das contas, ate esse exem-plo, que pareceria clarissimo, de diretriz egocentrica da crianr;ae, de fato, antes uma prova do acanhamento social do psiquis-mo infantil. No monologo coletivo nao ocorre 0 isolamento in-tencional em relar;ao ao grupo, ou 0 autismo no sentido da psi-cologia moderna; ocorre aquilo que, pela estrutura psiquica, ediametralmente oposto a isso. Piaget, que enfatiza muito 0 ego-centrisrno da crianr;a e faz dele a pedra de toque de toda a suaexplicar;ao das peculiaridades psiquicas da crianr;a, ainda assimteve de reconhecer que, no monologo coletivo, as crianr;as acre-ditam que falam umas com as outras e que as outras as escutam.E verdade que elas se comportam como se prestassem atenr;aoas outras, mas so porque supoem que cada urn de seus pensa-mentos, mesmo nao tendo sido expresso ou 0 tendo sido insu-ficientemente, ainda assim e urn patrimonio comum. E isto queGrunbaum considera prova do insuficiente isolamento do psi-quismo individual da crianr;a em relar;ao ao todo.

Reiteremos, porem, que a solur;ao definitiva do problemanao esta nessa ou naquela interpretar;ao mas no experimentocritico. Nesse experimento tentamos dinamizar as tres peculia-

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441Pensamento e palavra _

ridades da linguagem egocentrica acima referidas (vocaliza~iio,mon6logo coletivo e ilusiio de compreensiio) no sentido de suaintensifica~iio e de seu enfraquecimento para obtermos a res-posta sobre a natureza e a origem da linguagem egocentrica.

Na primeira serie dos nossos experimentos, tentamos des-truir a ilusiio de compreensiio por outras pessoas que surgiu nalinguagem egocentrica da crian~a. Para tanto, colocamos umacrian~a - cujo coeficiente de linguagem egocentrica haviamosmedido anteriormente em uma situa~iio absolutamente identi-ca a das experiencias de Piaget - em outra situa~iio: ou organi-zamos a sua atividade em urn grupo de crian~as surdas-mudas,ou a colocamos em urn grupo de crian~as que falavam uma lin-gua estrangeira. Em todo 0 restante a situa~iio continuou a mes-ma pela estrutura e pelos detalhes. A grandeza variavel do nos-so experimento foi apenas a ilusiio de compreensiio, que surgenatural mente na primeira situa~iio e e antecipadamente exclui-da na segunda. Como se comportou a linguagem egocentricaquando excluida a ilusiio de compreensiio? As experiencias mos-traram que 0 seu coeficiente, na experiencia critica sem ilusiiode compreensiio, declinou vertiginosamente e chegou a zero namaioria dos casos, mas em todos os restantes sofreu uma redu-~iio media de oito vezes.

Essas experiencias niio deixam duvida de que a ilusiio decompreensiio niio e casual, niio e urn apendice ou produto in-significante, urn epifenomeno em rela~iio a linguagem egocen-trica mas algo funcionalmente inseparavel dela. Do ponto devista da teoria de Piaget, os resultados por nos obtidos niio po-dem deixar de parecer paradoxais. Quanto menos expresso e 0

contato psicologico da crian~a com as outras que a rodeiam,quanta mais fraca e a sua liga~iio com 0 grupo, quanta menosa situa~iio exige da linguagem socializada e da adapta~iio dassuas ideias aos pensamentos das outras, tanto mais livrementedeve manifestar-se 0 egocentrismo no pensamento e, conseqiien-temente, na linguagem da crian~a. A esta conclusiio nos teria-mos de chegar necessariamente se a linguagem egocentrica da

crian~a efetivamente decorresse da socializa~iio insuficientedo seu pensamento e da sua linguagem. Neste caso, a exclusiio dailusiio de compreensiio deveria aumentar 0 coeficiente de lin-guagem egocentrica e niio reduzi-lo, como de fato acontece. Doponto de vista da hipotese que defendemos, achamos que essesdados experimentais niio podem ser considerados seniio comoprova direta de que a insuficiencia de individualiza~iio da lin-guagem para si e a sua inseparabilidade da linguagem para osoutros sao a verdadeira fonte da linguagem infantil, que niio podeter vida autonoma nem funcionar fora da linguagem social. Bas-ta excluir a ilusiio de compreensiio, momenta psicol6gico fun-damental de qualquer linguagem social, para que desmorone alinguagem egocentrica.

Na segunda serie de experimentos, introduzimos 0 mono-logo coletivo da crian~a como grandeza variavel no processode transi~ao da experiencia basica para a experiencia critica.Tomamos a medir inicialmente 0 coeficiente de linguagem ego-centrica na situa~iio basica em que esse fenomeno se manifes-tou na forma de monologo coletivo. Depois transferimos a ati-vidade da crian~a para outra situa~iio em que a possibilidadede mon6logo coletivo estava excluida por uma das circunstanciasabaixo: a crian~a foi colocada no meio de crian~as desconhe-cidas, com as quais ela niio conversou nem antes, nem durante,nem depois da experiencia; ela foi isolada das outras, colocadaa uma mesa no canto da sala; trabalhou sozinha, fora do grupo;o experimentador saiu da sala no meio da experiencia, deixan-do-a sozinha mas mantendo a possibilidade de ve-la e ouvi-la.Os resultados gerais destas experiencias combinam-se perfeita-mente com aqueles obtidos na primeira serie de experimentos.A destrui~iio do mon6logo coletivo em uma situa~iio que semantem inalterada em todos os demais quesitos costuma redun-dar em urn vertiginoso declinio do coeficiente de linguagemegocentrica, embora, no caso dado, esse declinio tenha se ma-nifestado em formas urn pouco menos relevantes que no pri-meiro caso. Raramente 0 coeficiente chegou a zero, apresen-

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442 A consfrur;:iio do pensamenfo e da Iinguagem Pensamenfo e palavra 443

tando uma propon;:ao media de 6: 1 na primeira e na segundasitua<;oes. Varios exemplos de exclusao do monologo coletivoda situa<;ao revelaram uma nitida grada<;ao no declinio da lin-guagem egocentrica. Ainda assim, revelou-se notoriamente atendencia basica para 0 declinio na mesma situa<;ao. Por isso,poderiamos repetir neste caso apenas as reflexoes que desen-volvemos sobre a primeira serie. Tudo indica que 0 monologocoletivo nao e urn fenomeno casual e secundario, nao e urn epi-fenomeno em rela<;ao a linguagem egocentrica mas e funcio-nalmente inseparavel dela. Novamente estamos diante de urn pa-radoxo do ponto de vista da hipotese que contestamos. A exclu-sao do grupo deveria dar livre curso e liberdade para revelar alinguagem egocentrica e redundar num rapido crescimento doseu coeficiente, se essa linguagem para si efetivamente decor-resse da insuficiente socializa<;ao do pensamento e da linguageminfantis. Mas esses dados nao sao apenas paradoxais como vol-tam a ser uma conclusao logicamente necessaria da hipoteseque defendemos: se a linguagem egocentrica se baseia em umadiferencia<;ao insuficiente, numa insuficiente desarticula<;ao dalinguagem para si e da linguagem para os outros, cabe suporantecipadamente que a exclusao do monologo coletivo deveacarretar necessariamente 0 declinio do coeficiente de lingua-gem egocentrica da crian<;a. Os fatos confirmam inteiramenteessa hipotese.

Na terceira hipotese das nossas experiencias, tomamos avocaliza<;ao da linguagem egocentrica como grandeza varia velna transi<;ao da experiencia basic a para a experiencia critica.Depois de medido 0 coeficiente de linguagem egocentrica nasitua<;ao basica, a crian<;afoi transferida para outra situa<;ao emque a possibilidade de vocaliza<;ao estava dificultada ou exclui-da. Colocamos a crian<;aa urna determinada distancia das outras,tambem distribuidas entre grandes intervalos em uma sala gran-de; por tras das paredes do laboratorio em que se desenvolviaa experiencia tocava urna orquestra ou se produzia urn ruidoque abafava inteiramente nao so a voz dos outros como a propria:

por ultimo, deu-se instru<;ao especial a crian<;a, proibindo-a defalar alto e sugerindo que nao conversasse senao por sussurrosabafados. Em todas essas experiencias criticas, tornamos a obser-var com urna regularidade impressionante 0 mesmo que observa-ramos nos dois outros casos: urn declinio vertiginoso da curvado coeficiente de linguagem egocentrica. E verdade que, ai, 0

declinio do coeficiente se expressou de modo ainda mais com-plexo que na segunda situa<;ao (a rela<;ao do coeficiente naexperiencia basica e critica foi de 5,4: 1); a gradac;:aonos variosmodos de exclusao ou dificuldade de vocaliza<;ao foi ainda maisvertiginosa do que na segunda serie. Contudo, a lei basica que setraduz no declinio do coeficiente de linguagem egocentrica coma exclusao da vocaliza<;ao nessas experiencias se delineia comurna seguranc;:aabsolutamente notoria. Mais uma vez nao pode-mos considerar esses dados senao como urn paradoxa do pontode vista da hipotese do egocentrismo, como a essencia da lin-guagem para si na crian<;a dessa idade e, noutros termos, comoconfirmac;:ao direta da hipotese da linguagem interior como es-sencia da linguagem para si nas crian<;as que ainda nao domi-nam a linguagem interior no senti do proprio desta palavra.

o objetivo de todas as tres series foi urn so: tomamos porbase da investigac;:ao os mesmos tres fenomenos que surgemem quase toda linguagem egocentrica da crian<;a - a ilusao decompreensao, 0 mono logo coletivo e a vocaliza<;ao. Esses tresfenomenos sao comuns a linguagem egocentric a e a social. Com-paramos experimentalmente as situa<;oes em que tais fenome-nos estavam presentes e ausentes e notamos que a exclusao des-ses momentos que aproximam a linguagem para si da lingua--gem para os outros redunda na extin<;aoda linguagem egocen-trica. Isto nos autoriza a concluir que a linguagem egocentricada crian<;ae uma forma especifica de linguagem que ja se dis-tingue em termos funcionais e estruturais e, nao obstante, porsua manifesta<;ao ainda nao se destacou definitivamente da lin-guagem social em cujo seio esteve sempre se desenvolvendo eamadurecendo.

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444----- A constrw;QO do pensamento e da linguagem

Para esclarecer 0 senti do da hipotese que desenvolvemosvejamos urn exemplo imaginavel: estou sentado a uma mesa ~converso com uma pessoa que esta atras de mim, naturalmen-te fora da minha visao pela situa9ao em que me encontro; semque eu perceba, meu interlocutor sai da sala; continuo a con-versar, alimentando a ilusao de que estou sendo ouvido e enten-dido. Neste caso, minha fala lembra pela aparencia a lingua-gem egocentrica, uma linguagem a sos consigo mesma, umalinguagem para si. Mas em termos psicologicos e por sua natu-reza ela e evidentemente uma linguagem social. Comparemosa esse exemplo a linguagem egocentrica da crian9a. Do ponto devista de Piaget, a situa9ao aqui se inverte se a comparamos aonosso exemplo: em termos psicologicos, subjetivos, do pontode vista da propria crian9a a sua linguagem e uma linguagemegocentrica para si, uma linguagem a sos consigo mesma e sona aparencia e uma linguagem social. Seu carater social e a mes-ma ilusao do carater egocentrico da minha fala no exemploimaginado. Segundo a hipotese que desenvolvemos, aqui a si-tua9ao e bem mais complexa: psicologicamente, a linguagemda crian9a e uma linguagem egocentrica em termos funcionaise estruturais, isto e, uma forma especifica e autonoma de lin-guagem, mas isto nao acontece ate 0 fim, uma vez que ela esubjetiva quanta a sua natureza psicologica, ainda nao e cons-cientizada como a Iinguagem interior e a crian9a ainda nao adestaca da linguagem para os outros; tambem em termos objeti-vos, essa linguagem e uma fun9ao diferenciada da linguagemsocial, mas nao 0 e ate 0 fim, uma vez que pode funcionar ape-nas em situa9ao que torne possivel a linguagem social. Assim,nos aspectos subjetivo e objetivo essa linguagem e uma formamista e transitoria entre a linguagem para os outros e a lingua-gem para si - nisto reside a lei basica do desenvolvimento dalinguagem interior. A linguagem para si, linguagem interior,torna-se interior mais por sua fun9ao e por sua estrutura, isto e,mais por sua natureza psicologica que pel as formas externasde sua manifesta9ao.

Desse modo, chegamos a confirma9ao da nossa hipotese,segundo a qual 0 estudo da linguagem egocentrica e das ten-dencias dinamicas nela manifestas para 0 crescimento de umaspeculiaridades e 0 enfraquecimento de outras, que caracterizama sua natureza funcional e estrutural, e a chave para 0 estudo danatureza psicologica da linguagem interior. Agora podemospassar a expor os resultados basicos das nossas investiga90es eapresentar uma breve caracteriza9ao do terceiro plano que des-cobrimos no movimento do pensamento a palavra: 0 plano dalinguagem interior.

o estudo da natureza psicologica da linguagem interior,com a aplica9ao do metoda que tentamos fundamentar experi-mentalmente, nos convenceu de que a linguagem interior naodeve ser vista como fala menos som mas como uma fun9aodiscursiva absolutamente especifica e original por sua estrutu-ra e seu funcionamento, que, em razao de ser organizada emurn plano inteiramente diverso do plano da linguagem exterior,mantem com esta uma indissoluvel unidade dinamica de tran-si90es de urn plano a outro. A peculiaridade primeira e funda-mental da linguagem interior e a sua sintaxe absolutamente es-pecifica. Ao estudarmos a sintaxe da linguagem interior na lin-guagem egocentrica da crian9a, notamos uma peculiaridadeessencial que revela uma indiscutivel tendencia dinamica parao crescimento na medida em que se desenvolve a linguagem ego-centrica. Essa peculiaridade e a aparente fragmenta9ao e 0 abre-viamento da linguagem interior em compara9ao com a exterior.

No fundo, essa observa9ao nao e nova. rodos os que estu-daram a linguagem interior ate mesmo do ponto de vista beha-viorista, como Watson, abordaram essa peculiaridade como seutra90 central e caracteristico. So os autores que reduzem tallin-guagem a reprodu9ao da memoria da linguagem exterior emimagens veem a linguagem interior como urn reflexo especularda exterior. Mas, pelo que sabemos, ninguem foi alem de urnestudo descritivo e constatatorio des sa peculiaridade. E mais:ninguem empreendeu sequer uma analise descritiva desse feno-

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menD fundamental da linguagem interior, de sorte que toda umavariedade de fenomenos passiveis de fragmentayao interna aca-bou amontoada em urn novelo confuso, grayas ao que, por suamanifestayao externa, todos esses diferentes fenomenos se ex-pressam na fragmentariedade da linguagem interior. Seguindoa via genetica, procuramos: primeiro, desarticular 0 confusonovelo de fenomenos particulares caracteristicos da naturezada linguagem interior; segundo, apresentar as suas causas e ex-plica-Ios. Com base nos fenomenos do curto-circuito, observa-do no processo de aquisiyao de habilidades, Watson supoe queo mesmo ocorre indiscutivelmente no curso da fala ou do pen-samento surdos. Mesmo se tivessemos conseguido desenvolvertodos esses processos latentes e grava-los em urn disco sensi-vel ou no cilindro de urn fonografo, ainda assim haveria nelestantos abreviamentos, tantos curtos-circuitos e tanta economiaque eles seriam irreconheciveis caso nao se observasse a suaformayao do ponto inicial em que estao prontos e sao sociaispor natureza ate 0 estagio final em que servem a adaptayoesindividuais mas nao sociais. Assim, a linguagem interior, mes-mo gravada em urn fonografo, seria abreviada, fragmenmria, des-conexa, irreconhecivel e incompreensivel em comparayao coma linguagem exterior.

Fenomeno absolutamente analogo observa-se na lingua-gem egocentrica da crianya, com a unica diferenya de que elacresce aos nossos olhos ao passar de uma idade a outra e, assim,na medida em que a linguagem egocentrica se aproxima da lin-guagem interior no limiar da idade escolar, ela atinge 0 seuponto maximo. 0 estudo da dinamica do seu crescimento naodeixa nenhuma duvida de que, a continuarmos essa linha, nolimite ela devera nos levar a uma linguagem interior totalmenteincompreensivel, fragmentaria e abreviada. Mas toda a vanta-gem do estudo da linguagem egocentrica e nos permitir obser-var passo a pas so como surgem essas peculiaridades da lingua-gem interior entre a primeira e a ultima fase. Como observouPiaget, a linguagem egocentrica tambem seria incompreensivel

se ignorassemos a situayao em que ela surge, seria fragmenta-ria e abreviada em comparayao com a linguagem exterior.

A observayao gradual do aumento dessas peculiaridadesda linguagem egocentrica permite decompor e explicar as suaspropriedades enigmaticas. 0 estudo genetico mostra, de mododireto e imediato, como e de que surge essa fragmentariedadeque examinamos como fenomeno primeiro e autonomo. Emtermos de lei geral, poderemos afirmar que a linguagem ego-centrica, na medida em que se desenvolve, revela nao uma sim-ples tendencia para a abreviayao e a omissao de palavras, naourna simples transmissao para 0 estilo telegrafico, mas urna ten-dencia totalmente original para a abreviayao da frase e da ora-yao no sentido da manutenyao do predicado e dos termos inte-grantes da orayao a ele vinculados a custa da omissao do sujeitoe das palavras a ele vinculadas. Essa tendencia para uma sinta-xe predicativa da linguagem interior aparece em todas as nos-sas experiencias com uma regularidade e uma justeza quasesem exceyao; por isto, aplicando no limite 0 metodo da inter-polayao, devemos pressupor a predicatividade pura e absolutacomo forma sintatica basilar da linguagem interior.

Para explicarmos essa peculiaridade primeira entre todas,e necessario que a comparemos ao quadro anaIogo que surgeem situayoes limite na lingua gem interior. As nossas observa-yoes mostram que a predicatividade pura surge na linguageminterior em dois casos basicos: ou numa situayao de respostaou numa situayao em que 0 sujeito do juizo a ser enunciado ede conhecimento antecipado dos interlocutores. Perguntado sequer uma xicara de cha, ninguem vai responder com a frasedesenvolvida: "Nao, eu nao quero uma xicara de cha." A res-posta sera puramente predicativa: "Nao." Ela trara apenas 0

predicado. E evidente que essa orayao puramente predicativaso e possivel porque 0 seu sujeito - aquilo de que se fala naorayao - e subentendido pelos interlocutores. Do mesmo modo,a pergunta "Seu irmao leu esse livro?", a resposta nunca sera:"Sim, meu irrnao leu este livro", mas uma simples resposta pre-dicativa: "Sim" ou "Leu".

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Uma situac;ao analoga se cria no segundo caso, na situac;aoem que os interlocutores conhecem de antemao 0 sujeito dojuizo a ser emitido. Imaginemos que algumas pessoas aguar-dem no ponto 0 bonde "B", para irem a algum lugar. Ao notara aproximac;ao do bonde, nenhuma dessas pessoas jamais ircidizer numa frase desenvolvida "0 bonde 'B', que aguardamospara ir a algum lugar, vem vindo", po is a enunciac;ao irciredu-zir-se sempre a urn predicado: "Vem vindo." Neste caso, a ora-c;aopuramente predicativa surgiu no discurso vivo s6 porque 0

sujeito e as palavras a ele relacionadas eram conhecidos pelasituac;ao em que se encontravam os interlocutores. Freqiiente-mente, semelhantes juizos predicativos dao motivo a mal-en-tendidos comicos e toda sorte de qi.iiproqu6s, levando oouvintea relacionar 0 enunciado nao com 0 sujeito que 0 falante tinhaem vista mas com outro que estava contido na sua ideia. Emambos os casos, a predicatividade pura surge quando 0 sujeitoda enunciac;ao esta contido nos pensamentos do interlocutor.Se as suas ideias coincidem, ambos tern em vista a mesma coisae entao a compreensao se concretiza integralmente apenas atra-yes de dois predicados. Se em suas ideias 0 predicado se refe-re a varios sujeitos, surge uma inevitavel incompreensao.

Nos romances de Tolst6i - que muitas vezes abordou 0 te-ma da psicologia da compreensao - e possivel encontrar exem-plos muito bons da condensac;ao da linguagem exterior e dasua reduc;ao a predicados: "Ninguem ouviu 0 que ele (0 mori-bundo Nicolai Lievin) disse, s6 Kiti entendeu. Ela compreen-deu porque nao parava de acompanhar com 0 pensamentoaquilo de que ele precisava." Poderiamos dizer que, no pensa-mento dela, que acompanhava 0 pensamento do moribundo,havia aquele sujeito ao qual se referia urna palavra que ninguementendia. Entretanto, 0 exemplo mais notavel talvez seja a de-clarac;ao de amor entre Kiti e Lievin por meio de iniciais:

- Ra muito tempo eu queria the perguntar uma coisa.- Pois nao, pergunte.

- Veja - disse Lievin, e escreveu a giz as seguintes iniciais:QVMRINPSIQDNOE. Essas iniciais significavam: "Quando voceme respondeu isto nao pode ser, isto quis dizer nunca ou entao?"

Nao havia nenhuma probabilidade de Kiti decifrar essafrase complicada.

- Eu entendi - disse ela, ruborizada.- Que palavra e esta? - perguntou ele, apontando para a

letra N, que significava nunca.- Quer dizer "nunca" - disse ela - mas isto nao e verdade.Ele apagou rapidamente 0 que havia escrito, entregou 0

giz a ela e levantou-se. Ela escreveu: EENPRD.De repente ele corou: tinha entendido. Significava: "En-

tao eu nao podia responder diferente."Kiti escreveu as iniciais: PQVPEEPOQA. Queria dizer:

"Para que voce pudesse esquecer e perdoar 0 que acontecera."Lievin pegou 0 giz com os dedos tensos e tremulos, partiu

ao meio e escreveu as iniciais da seguinte frase: "Nao tenho 0

que esquecer e perdoar. Eu nunca deixei de ama-la."- Eu entendi - sussurrou ela.Lievin sentou-se e escreveu uma frase longa. Ela com-

preendeu tudo e, sem the perguntar se era aquilo mesmo, pegouo giz e respondeu imediatamente. Durante muito tempo ele naoconseguiu entender 0 que ela havia escrito e freqiientemente aolhava nos olhos. A felicidade 0 fez ter uma ausencia. Ele naoencontrava meio de atinar nas palavras que ela subentendia;mas nos olhos belos e radiantes de felicidade dela, ele enten-deu tudo 0 que precisava saber. E escreveu tres letras. Mas eleainda nao havia terminado de escrever e ela ja lia pela maodele e terminava de escrever a resposta: "sim". Na conversaentre eles tudo foi dito; foi dito que ela 0 amava e contaria aopai e a mae, que no dia seguinte ele viria pela manha a casa dele(Anna Karienina, p. 4, c. XII).

Esse epis6dio tern urna importancia psicol6gica excepcio-nal porque Tolst6i foi buscar todo 0 epis6dio da declarac;ao deamor de Lievin e Kiti em sua pr6pria biografia. Foi exatamente

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assim que Tolstoi declarou a SOfia Andreievna, sua futura es-posa, que a amava. Como 0 exemplo anterior, este tern a rela-~ao mais direta com 0 fenomeno de nosso interesse e e centralpara toda a linguagem interior: 0 problema da abrevia~ao. Poroutro lado, a compreensao acontece sem nenhum engano. Emoutra obra, Tolstoi chama a aten~ao para 0 fato de que, entre aspessoas que vivem em urn grande contato psicologico, a com-preensao baseada apenas em urna Iinguagem abreviada, a meiaspalavras, e mais uma regra que uma exce~ao.

"Lievinja se habituara a exprimir ousadamente 0 seu pen-samento, sem se dar ao trabalho de plasma-Io em palavras pre-cisas: sabia que, em momentos de amor como aqueles, a esposaentenderia 0 que ele queria dizer por insinua~ao, e ela 0 com-preendia."

o estudo desse tipo de abrevia~5es no discurso dialogicolevou Yakubinski a concluir que a compreensao por suposi~aoeo enunciado por insinua~ao a ela correspondente, sob a condi-~ao de que se conhe~a 0 assunto, e certa generalidade de mas-sas aperceptivas nos interlocutores desempenham urn imensopapel no intercambio verbal. Polivanov afirma a este respeito:

como esta se manifesta na linguagem interior em determinadassitua~5es. 0 oposto total desse tipo de compreensao com sin-taxe simplificada sac os casos comicos de incompreensao quemencionamos e serviram como imagem para uma famosa pa-rodia de conversas entre dois surdos, totalmente desarticuladasentre si pelo sentido:

Dois surdos foram convocados ao tribunal por urnjuiz surdo.o surdo gritou: "Ele roubou minha vaca.""Tenha d6", berrou 0 outro surdo em resposta:"Essa terra ja era do meu falecido avo."o juiz resolveu: "nao briguem irmao contra irmao.Os dois sao inocentes, a mulher e que e culpada."

Em essencia, tudo 0 que falamos necessita de ouvinte queentenda de que se trata. Se tudo 0 que desejamos enunciar ter-minasse nos significados forrnais das palavras empregadas, paraenunciar cada pensamento particular necessitariamos empregarbem mais palavras do que 0 fazemos em realidade. N6s falamosapenas por interrnedio das insinua<;6esnecessarias.

Se compararmos esses dois casos extremos - a declara~aoentre Kiti e Lievin e 0 julgamento dos surdos - encontraremosos do is polos entre os quais gira 0 fenomeno da abrevia~ao daIinguagem exterior. Havendo urn sujeito com urn nos pensamen-tos dos interlocutores, a compreensao se realiza plenamentecom 0 auxilio do maximo de discurso abreviado e uma extre-ma simplifica~ao da sintaxe; em caso contrario, a compreensaonao se obtem de maneira nenhuma nem mesmo com discursodesenvolvido. As vezes nao so dois surdos nao conseguem seentender mas ate mesmo duas pessoas que atribuem conteudodiferente a mesma palavra ou interlocutores que mantem pon-tos de vista opostos. Como notou Tolstoi, quem esta acostuma-do ao pensamento solitario e independente nao apreende comfacilidade os pensamentos alheios e e muito parcial quanta aosseus proprios. Ao contrario, as pessoas que estao em contato tal-vez compreendam a meias palavras aquilo que Tolstoi chamade comunica~ao laconic a e clara, quase sem palavras, das maiscomplexas ideias.

Depois de ter estudado nesses exemplos 0 fenomeno daabrevia~ao da Iinguagem exterior, podemos voltar enriquecidosao fenomeno da linguagem interior que nos interessa. Como ja

Yakubinski tern toda razao, porque nos casos dessas abre-via~5es trata-se de uma original estrutura sintatica do discurso,de sua simplicidade objetiva em compara~ao com urn falar maisdiscursivo. A simplicidade da sintaxe, 0 minimo de desarticula-~ao sintatica, 0 enunciado do pensamento em forma condensa-da e 0 numero consideravelmente menor de palavras, tudo issosac tra~os que caracterizam a tendencia para a predicatividade,

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afirmamos, aqui esse fenomeno se manifesta nao so em situa-90es exclusivas mas sempre que ocorre 0 funcionamento dalinguagem interior. A importancia desse fenomeno ficara defi-nitivamente clara se compararmos a linguagem exterior com alingua gem escrita, por urn lado, e com a linguagem interior, poroutro. Polivanov afirma que, se tudo 0 que desejamos exprimirconsistisse nos significados formais das palavras que empre-gamos, necessitariamos empregar bem mais palavras do que secostuma fazer para exprimir cada pensamento isolado. Mas eprecisamente este caso que se verifica na escrita. Ali, em pro-por90es bem maiores que na linguagem falada, 0 pensamentoemitido se expressa nos significados formais das palavras queempregamos. 0 discurso escrito e urn discurso feito na ausen-cia de interlocutor. Por isso e um discurso desenvolvido ao ma-ximo, nele a decomposi9ao sintatica atinge 0 apogeu. Ali, gra9asa divisao dos interlocutores, raramente sao possiveis a com-preensao a meias palavras e os juizos predicativos. Na lingua-gem escrita, os interlocutores estao em diferentes situa90es, 0

que exclui a possibilidade de existencia de um sujeito comumem seus pensamentos. Por isso, comparado ao discurso falado,o escrito e, neste senti do, maximamente desenvolvido e umaforma de discurso sintaticamente complexa na qual, para enun-ciar cada pensamento isolado, precisamos empregar muito maispalavras do que se faz com a linguagem falada. Como dizThompson, na exposi9ao escrita e costume empregar palavras,expressoes e constru90es que pareceriam contranaturais na lin-guagem falada. A expressao de Griboiedov "arde como escre-ve" tern em vista aquela comicidade da transferencia de umalinguagem prolixa, sintaticamente complexa e desarticulada, daforma escrita para a falada.

Ultimamente a lingiiistica vem colocando em urn dos pri-meiros lugares 0 problema da diversidade funcional da lingua-gem. Mesmo do ponto de vista lingiiistico, a linguagem nao euma forma de atividade discursiva mas um conjunto de fun90esdiscursivas diversas. 0 enfoque funcional da lingua, do ponto

de vista das condi90es e do objetivo da enuncia9ao verbal, pas-sou a ocupar 0 centro da aten9ao dos estudiosos. Humboldt japercebia claramente a diversidade funcional do discurso quan-do aplicada a Iinguagem da poesia e da prosa, que se distinguementre si por seus meios e suas tendencias e nunca podem fun-dir-se propriamente porque a poesia e inseparavel da musica en-quanta a prosa esta exclusivamente a cargo da linguagem. Se-gundo Humboldt, a prosa se distingue pelo fato de que a lingua-gem aproveita as suas proprias prerrogativas mas as subordinaao objetivo que ai domina legitimamente; por meio da subordi-na9ao e da combina9ao de ora90es na prosa, desenvolve-se ori-ginalmente uma euritmia logica correspondente ao desenvolvi-mento do pensamento, na qual 0 discurso da prosa se ajusta aoseu proprio objetivo. Em ambas as modalidades de discurso aIinguagem tern as suas peculiaridades na escolha das expressoes,no emprego das formas gramaticais e dos modos sintaticos defusao das palavras no discurso. Deste modo, pensa Humboldtque as form as de discurso funcionalmente diferentes tern, cadauma, 0 seu lexico especifico, a sua gramlitica e a sua sintaxe.Este e um pensamento da maior importancia. Embora nem 0

proprio Humboldt nem Potiebnya, que 0 imitou e desenvolveuseu pensamento, apreciassem essa tese em toda a sua impor-tancia fundamental, e nao fossem alem de distinguir poesia eprosa e, em prosa, nao fossem alem de distinguir uma conver-sa ilustrada e abundante de pensamentos de uma tagarelice co-tidiana ou convencional, que serve apenas para comunicar as-suntos sem despertar ideias nem sensa90es; ainda assim, 0

pensamento desses teoricos, inteiramente esquecido pelos lin-giiistas e ressuscitado so recentemente, e da mais aha impor-tancia nao so para a lingiiistica mas tambem para a psicologiada linguagem. Como afirma Yakubinski, 0 proprio enfoquedessas questoes nesse plano e estranho a lingiiistica e foi esque-cido nas obras sobre lingiiistica em gera!. Como a Iingiiistica, apsicologia da linguagem, ao desenvolver-se por sua via autono-ma, nos coloca perante a mesma tarefa de distinguir a diversi-

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dade funcionaJ da linguagem. Entre outras coisas, tanto para apsicologia da linguagem como para a lingiiistica, ganha imp or-tancia de primeiro grau a distinc;ao fundamental entre as formasdial6gica e monol6gica de discurso. A linguagem escrita e in-terior, com as quais comparamos, neste caso, a linguagem falada,sao formas monol6gicas de linguagem. Ja a linguagem faladae dial6gica na maioria dos casos.

o dialogo sempre pressupoe que os interlocutores conhe-c;am0 assunto que, como vimos, permite uma serie de abrevia-c;oesna linguagem falada e, em determinadas situac;oes, criajui-zos puramente predicativos. 0 dialogo sempre pressupoe a per-cepc;ao visual do interlocutor, de sua mimica e seus gestos, bemcomo a percepc;ao acustica de todo 0 aspecto entonacional dafala. Em conjunto, ambos admitem aquela compreensao a meiaspalavras, aquela comunicac;ao atraves de insinuac;oescujos exem-plos citamos anteriormente. S6 na linguagem falada e possivelurn dialogo que, segundo expressao de Gabriel Tarde, e apenaso complemento de olhares que urn interlocutor lanc;a a outro.Como ja dissemos em referencia a tendencia da linguagem fa-lada para a abreviac;ao, examinamos apenas 0 aspecto acusticodo discurso e citamos urn exemplo classico tirado dos diariosde Dostoievski, que mostra 0 quanta a entonac;ao facilita umacompreensao sutilmente diferenciada do significado das palavras.

Dostoievski fala da linguagem dos bebados, constituidasimplesmente de urn substantivo que nao esta no lexico.

em rela<;aoa justeza da nega<;ao do primeiro rapaz. De repente 0

terceiro fica indignado com 0 primeiro, intromete-se brusca earrebatadamente na conversa e the grita 0 mesmo substantivo, soque num sentido ja de xingamento e improperio. Nisso, 0 segun-do tom a a intrometer-se indignado com 0 terceiro, com 0 ofen-sor, e 0 detern neste sentido: "Por que voce se meteu? A genteestava conversando calmamente e nao se sabe de onde voce semeteu e xingou Filka." E ele extemou todo esse pensamentocom a mesma palavra, a mesma palavra secreta, 0 mesmo nomemonossilabico de urn objeto, apenas levantando 0 bra<;o e pon-do-o no ombro do terceiro. Subitamente urn quarto rapaz, 0

mais jovem do grupo, que ate entao ficara calado e que talveztivesse encontrado uma inesperada solu<;ao para a dificuldadeinicial que originara a discussao, levantou alegremente 0 bra<;oe gritou ... Heureca, 0 que voces acham, descobri, descobri? Nao,nao e nenhuma heureca e eu nao descobri; ele apenas repete 0

mesmo substantivo nao lexicografado, apenas uma palavra, souma palavra.

E possivel, como diz Dostoievski, exprimir todos os pen-samentos, sensac;oes e ate reflexoes profundas com uma pala-vra. Isto e possivel quando a entonac;ao transmite 0 contextopsicol6gico interior do falante, 0 unico no qual e possivel quea palavra conscientizada seja entendida. Na conversa, ouvidapor Dostoievski, esse contexto consiste uma vez na negac;aomais desdenhosa, outra vez na duvida, uma terceira na indig-nac;ao, etc. Pelo visto, s6 entao 0 conteudo interno do discursopode ser transmitido na entonac;ao, 0 discurso pode revelar amais acentuada tendencia para a abreviac;ao, e toda uma con-versa pode desenvolver-se por meio de uma unica palavra.

E perfeitamente compreensivel que esses dois momentos,que facilitam a abreviac;ao da linguagem falada - 0 conheci-mento do sujeito e a transmissao imediata do pensamento atra-yeS da entonac;ao -, sejam totalmente excluidos pela linguagemescrita. E precisamente por isso que aqui somos forc;ados aempregar bem mais palavras que na linguagem oral para expri-

Uma vez, em urn domingo ja quase noite, tive a oportuni-dade de passar uns quinze passos ao lado de uma turba de ope-rarios bebados, e de repente me convenci de que era possivel ex-pressar os mesmos pensamentos, sensa<;6es e ate reflex6es pro-fundas apenas pelo nome desse substantivo que, ainda por cima,tern poucas silabas. Eis que urn rapaz pronuncia de modo brus-co e energico esse substantivo, sua mais desdenhosa nega<;aodisso e daquilo de que antes todos estavam falando. Outro lheresponde repetindo 0 mesmo substantivo, mas ja em urn tom eem urn senti do bem diferente, ou seja, no sentido de duvida total

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mir urn mesmo pensamento. Por isso a linguagem escrita e aforma de linguagem mais prolixa, exata e desenvolvida. Nelatemos de transmitir por palavras 0 que na linguagem falada setransmite por entona<;ao e pela percep<;ao imediata da situa<;ao.Scherba observa que, para a linguagem falada, 0 dialogo e aforma mais natural. Ele admite que 0 mon610go e uma formade linguagem ate certo ponto artificial e que a lingua descobreo seu verdadeiro ser apenas no dialogo. De fato, no aspecto psi-col6gico, 0 discurso dial6gico e a forma primaria de discurso.Exprimindo a mesma ideia, Yakubinski afirma que 0 dialogo,sendo indubitavelmente urn fenomeno da cultura, e, simultanea-mente, muito mais urn fenomeno da natureza que 0 mon610go.Para a investiga<;ao psicol6gica, e indubitavel 0 fato de que 0mon610go representa a forma superior e mais complexa de dis-curso, que historicamente se desenvolveu mais tarde que 0 dia-logo. Mas no momenta nos interessa comparar essas duas for-mas apenas em urn sentido: no da tendencia para a abrevia9aodo discurso e sua redu<;ao a juizos puramente predicativos.

A velocidade do ritmo da linguagem oral nao e 0 momen-to que propicia 0 fluxo da atividade ~iscursiva na ordem da a<;aovolitiva complexa, isto e, com reflexao, com luta de motivos, es-colha, etc.; ao contrario, a velocidade do ritmo da fala pressu-poe antes 0 seu fluxo na ordem da a<;aovolitiva simples e aindapor cima com os elementos habituais. Esta se constata para 0dialogo por uma observa<;ao simples; de fato, diferentementedo mon610go (especialmente do escrito), a comunica<;ao dial6-gica pressupoe urn enunciado emitido de imediato. 0 dialogo eurn discurso constituido de replicas, e uma cadeia de rea<;oes.o discurso falado, como vimos anteriormente, desde 0 inicioesta ligado a consciencia e a intencionalidade. Por isso, 0 dialo-go quase sempre conclui em si a possibilidade da nao-conclu-sao do enunciado, da enuncia<;ao incompleta, da inutilidade demobilizar todas as palavras que devem ser mobilizadas para re-velar 0 mesmo complexo concebivel nas condi<;oes do discur-so monol6gico. Em oposi<;ao a simplicidade composicional do

dialogo, 0 mon610go e uma complexidade composicional, queintroduz os fatos verbais no campo iluminado da consciencia,e a aten<;aose concentra bem mais facilmente. Aqui as rela<;oesdiscursivas se tornam determinantes e fontes de vivenciamentosque se manifestam na consciencia por motivo dessas mesmasrela<;oes discursivas.

E perfeitamente compreensivel que, neste caso, a lingua-gem escrita seja diametralmente oposta a falada. Na linguagemescrita, faltam antecipadamente a situa<;aoclara para ambos osinterlocutores e qualquer possibilidade de entona<;ao expressi-va, mimica e gesto. Logo, aqui esta excluida de antemao a pos-sibilidade de todas as abrevia<;oes de que falamos a respeito dalinguagem falada. Aqui a compreensao e produzida a custa depalavras e combina<;oes. A linguagem escrita contribui para 0fluxo do discurso na ordem da atividade complexa. Aqui a ati-vidade discursiva se define como complexa. E nisto que sebaseia 0 emprego de rascunhos. 0 caminho entre 0 esbo<;o e 0ato de passar a limpo e uma via de atividade complexa, mas atemesmo quando nao ha c6pia fatual 0 momento da reflexao nodiscurso escrito e muito forte; muito amiude falamos primeiropara n6s mesmos e depois escrevemos: aqui estamos diante deurn rascunho mental. Esse rascunho mental da escrita e a lin-guagem interior, como procuramos mostrar no capitulo ante-rior. Por isso agora vamos comparar as linguagens falada eescrita com a linguagem interior em face da tendencia a abre-via<;ao, que e do nosso interesse.

Vimos que na linguagem falada a tendencia para a abre-via<;ao e para a predicatividade pura dos juizos surge em doiscasos: quando a situa<;ao de que se fala e clara para ambos osinterlocutores e quando 0 falante traduz na entona<;ao 0 con-texto psicol6gico do enunciado. Por isso, 0 discurso escrito naorevela tendencia para a predicatividade e e a forma mais desen-volvida de discurso. Entretanto, como acontece com a linguageminterior neste caso? N6s nos detivemos tao minuciosamentenessa tendencia para a predicatividade na linguagem falada

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459Pensamento e palavra _

porque a analise desses fenomenos permite exprimir com todaclareza uma das teses mais obscuras, confusas e complexas aque chegamos como resultado das nossas investigal;oes da lin-guagem interior: a tese da linguagem interior, tese que tern im-portancia central para todas as questoes vinculadas a esse tema.Se na linguagem falada a tendencia para a predicatividade surge

. as veze (em certos casos, de modo bastante frequente e regu-lar), se nunca surge na linguagem escrita, surge sempre na lin-guagem interior. A predicatividade e a forma fundamental e(mica de linguagem interior e, em termos psicologicos, e for-mada apenas por predicados, nao se verificando uma manuten-l;ao relativa do predicado a custa da abrevial;ao do sujeito: ve-rifica-se uma predicatividade absoluta. Ser constituido de sujei-tos e predicados desdobrados e uma lei da linguagem escrita;omitir sempre 0 sujeito e constituir-se apenas de predicados elei da linguagem interior.

Em que se funda essa predicatividade completa e absolutada linguagem interior, que se observa constantemente comoregra? Como simples fato, conseguimos estabelece-Ia pela pri-meira vez em experimento. Entretanto, tinhamos a tare fa degeneralizar, conscientizar e explicar esse fato. So conseguimosfaze-Io observando a dinamica da intensifical;ao dessa predi-catividade pura entre as suas formas iniciais e as formas finaise comparando, na analise tea rica, essa dinamica da tendenciapara a abrevial;ao nas linguagens escrita e falada com a mesmatendencia que se observa na linguagem interior.

Comecemos por essa segunda via, ou seja, pela compara-l;ao da linguagem interior com a linguagem escrita e a lingua-gem falada, ainda mais pOl'que esta via nos ja percorremos dofim para 0 comel;O e ja preparamos tudo para a elucidal;ao de-finitiva do pensamento. Toda a questao consiste em que aque-las mesmas circunstancias que, as vezes, criam na linguagemfalada a possibilidade de juizos puramente predicativos e estaototalmente ausentes na linguagem escrita sao constantes, imu-taveis e insepaniveis da linguagem interior. Por isso, a me sma

tendencia para a predicatividade deve surgir inevitavelmente -e a experiencia 0 comprova na linguagem interior - como feno-menD constante e, alem disso, em sua forma mais pura e abso-luta. Por essa razao, se a linguagem escrita e diametralmenteoposta a falada em termos de desdobramento maximo e ausen-cia total daquelas circunstancias que suscitam 0 declinio dosujeito nesta, a linguagem interior tambem e diametralmenteoposta a falada so que em urn senti do inverso, uma vez quenela domina a predicatividade absoluta e constante. A lingua-gem falada ocupa, assim, uma posil;ao intermediaria entre alinguagem escrita e a linguagem interior.

Examinemos mais de perto essas circunstancias capazes desuscitar abrevial;ao no que se refere a linguagem interior. Lem-bremos mais uma vez que, na linguagem falada, surgem elisoese abrevial;oes quando 0 sujeito da enuncial;ao e antecipada-mente conhecido pelos interlocutores. Mas esse estado de coisase lei absoluta e constante da linguagem interior. Sempre sabe-mos do que se trata em nos sa linguagem interior. Estamos sem-pre a par da nossa situal;ao interior. 0 tema do nosso dialogointerior e sempre do nosso conhecimento. Sabemos 0 que pen-samos. 0 sujeito do nosso juizo interior sempre esta presente nosnossos pensamentos. Esta sempre subentendido. Piaget obser-va, de certa forma, que nos sempre acreditamos [licil e literal-mente em nos mesmos e por isso a necessidade de demonstrare a habilidade de fundamentar 0 nosso proprio pensamento sosurgem quando as nossas ideias se chocam com ideias alheias.Teriamos 0 mesmo direito de afirmar que compreendemos es-pecialmente a nos mesmos a meias palavras, por insinual;ao.Quando falamos a sos, estamos sempre naquela situal;ao quesurge de quando em quando no dialogo, mais como excel;ao doque como regra, e cujos exemplos ja citamos. Voltando a essesexemplos, podemos dizer que a linguagem interior sempre trans-corre, precisamente como regra, nessa situal;ao em que 0 fa-lante emite juizos inteiros em urn ponto de bonde apenas como predicado laconico "B". Porque sempre estamos a par das

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nossas expectativas e intenyoes. A s6s conosco nunca experi-mentamos a necessidade de recorrer a formulayoes desenvol-vidas como "0 bonde' B' , que esperamos para ir a algum lugar,vem vindo". Aqui sempre se revela necessario e suficiente ape-nas urn predicado. 0 sujeito sempre esta na mente, assim comoo aluno escolar mantem na mente os restos que passam de umadezen a em uma soma.

Alem do mais, em nossa linguagem interior, como Lievinna conversa com a esposa, n6s sempre externamos corajosa-mente a nossa ideia sem nos darmos ao trabalho de revesti-lade palavras exatas. A proximidade psicol6gica dos interlocuto-res cria entre os falantes uma identidade de apercepyao, 0 que,por sua vez, e momenta determinante para se compreender porinsinuayao, para a abreviayao da linguagem. Mas essa identi-dade de apercepyao na comunicayao de si para si e plena, inte-gral e absoluta na linguagem interior, por isso e lei desta lin-guagem a comunicayao laconic a e clara, quase sem palavras,dos pensamentos mais complexos de que fala Tolst6i comorara exceyao na linguagem falada, s6 possivel quando existeuma intima proximidade entre os falantes. Na linguagem inte-rior nunca precisamos nomear aquilo de que se fala, isto e, 0

sujeito. Sempre nos limitamos ao que se diz desse sujeito, istoe, ao predicado. Mas e isto que leva ao dominio da predicativi-dade pura da linguagem interior.

A analise de uma tendencia analoga na linguagem faladanos levou a duas conclusoes basicas. Primeira: mostrou que atendencia a predicatividade surge na linguagem falada quandoo sujeito da enunciayao e antecipadamente conhecido dos in-terlocutores e quando se esta diante de alguma identidade deapercepyao entre os falantes. Mas ambas as coisas, levadas aolimite na forma plena e absoluta, sempre se verificam na lin-guagem interior. S6 isto ja nos permite entender por que nestalinguagem deve-se observar 0 dominio absoluto da predicativi-dade pura. Como ja vimos, na linguagem falada essas circuns-tancias acarretam a simplificayao da sintaxe, 0 minimo de de-

composiyao sintatica e uma original construyao sintatica. Masaquilo que, nesses casos, se veri fica na linguagem falada comouma tendencia mais ou menos vag a manifesta-se na linguageminterior em sua forma absoluta, levada ao limite como simpli-ficayao sintatica extrema, como condensayao absoluta do pen-samento, como uma estrutura sintatica absolutamente nova que,em termos rigorosos, nao e outra coisa senao a plena erradica-yao da sintaxe da linguagem fa lada e a construyao puramentepredicativa das orayoes. Segunda: a analise mostra que a mu-danya funcional do discurso leva necessariamente a mudanyade sua estrutura. Mais urna vez, aquilo que se observa na lingua-gem falada apenas como uma tendencia, mais ou menos fraca,para mudanyas estruturais sob a influencia das peculiaridadesfuncionais do discurso, na linguagem interior se observa na for-ma absoluta e levada ao extremo. Como conseguimos estabe-lecer nas investigayoes genetic a e funcional, a funyao da lingua-gem interior leva invariavel e sistematicamente a que a linguagemegocentrica, que no inicio s6 se distingue da linguagem socialem termos funcionais, va se modificando gradualmente em suaestrutura, na proporyao em que cresce essa diferenciayao fun-cional, ate chegar ao limite da plena erradicayao da sintaxe dalinguagem falada.

Se passarmos dessa comparayao da linguagem interior coma linguagem falada para 0 estudo direto das peculiaridades es-truturais da linguagem interior, conseguiremos observar passoa pas so a ascensao da predicatividade. De fato, a linguagem ego-centrica ainda se funde inteiramente com a linguagem socialem termos estruturais. Mas, na medida em que se desenvolve ese destaca funcionalmente como forma autonoma e indepen-dente de discurso, ela revela cada vez mais a tendencia para aabreviayao, para 0 enfraquecimento da decomposiyao sintati-ca, para a condensayao. No momenta de sua extinyao e de suatransformayao em linguagem interior, ela ja produz a impres-sao de linguagem fragmentaria, uma vez que ja esta quase in-teiramente subordinada a sintaxe puramente predicativa. A obser-

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va<;:aodesenvolvida durante os experimentos mostra sempre deque maneira e de onde surge essa nova sintaxe da lingua geminterior. A crian<;:afala a respeito daquilo em que esta ocupadaem dado momento, daquilo que esta fazendo neste momento,daquilo que tern perante si. Por isso omite cada vez mais, reduz econdensa 0 sujeito e as palavras a este vinculadas. E reduz ca-da vez mais 0 seu discurso a urn predicado. Como resultadodesses experimentos, conseguimos estabelecer uma lei nota-vel: quanto mais a linguagem egocentrica se expressa como talem seu sentido funcional, tanto mais claramente se manifestamas peculiaridades da sua sintaxe em termos da sua simplifica-<;:aoe da perceptividade. Se compararmos em nossas experien-cias a linguagem egocentrica da crian<;:anaqueles casos em queela se manifestou no papel especifico de linguagem interiorcomo meio de apreensao, na presen<;:ade obstaculos provocadosexperimentalmente, com aqueles casos em que ela se manifes-tou fora dessa fun<;:ao,poderemos estabelecer sem duvida 0

seguinte: quanta mais intensamente se expressa a fun<;:aointe-lectual especifica da linguagem interior como tal, tanto maisnitidamente se manifestam as peculiaridades da sua estruturasintatica.

Entretanto, essa predicatividade da linguagem interior aindanao esgota todo 0 conjunto de fen6menos que encontra sua su-maria expressao externa na abrevia<;:aoda linguagem interior secomparado ao discurso falado. Quando tentamos analisar essefen6meno complexo, tomamos conhecimento de que, por trasdele, esconde-se toda urna serie de peculiaridades estruturais dalinguagem interior, dentre as quais so examinamos as mais im-portantes. Em primeiro lugar, deve-se mencionar aqui a redu-<;:aodos momentos foneticos do discurso que ja verificamostambem em alguns casos de abrevia<;:aoda linguagem falada.A declara<;:aode amor de Kiti e Lievin, uma longa conversa de-senvolvida por meio de iniciais de palavras e decifra<;:aode fra-ses inteiras, ja nos permitiu concluir que, quando a conscienciatern urn unico sentido, 0 papel das estimula<;:oesverbais se reduz

ao minimo (a iniciais de palavras) e a compreensao transcorresem erro. Mas essa redu<;:aoao minimo do papel das estimula-<;:oesverbais mais urna vez e levada ao limite e se observa quaseem forma absoluta na linguagem interior, pois a mesma orienta-<;:aoda consciencia atinge aqui a sua plenitude. No fundo, na lin-guagem interior sempre ocorre aquela situa<;:aoque e uma exce-<;:aorara e surpreendente na linguagem falada. Na linguageminterior sempre nos encontramos na situa<;:aodo dialogo de Kitie Lievin. Por isso, nesse discurso sempre brincamos de secre-taria, como urn velho principe denominou esse dialogo, todoconstruido na base de adivinha<;:oesde frases complexas cons-truidas apenas com iniciais. Encontramos uma surpreendenteanalogia com esse dialogo nos estudos da linguagem interiordesenvolvidos por Lemaitre. Urn dos adolescentes estudados porele, de doze anos, pensa a frase: Les montagnes di fa Suissesont belles na forma de uma serie de letras: LmdfSsb, atras dasquais aparece urn vago desenho da linha de uma montanha (41,p. 5). Aqui verificamos no inicio da forma<;:aoda linguageminterior urn modo absolutamente analogo de abrevia<;:aodo dis-curso, de redu<;:aodo aspecto fonetico da palavra as suas ini-ciais, como se observou no dialogo entre Kiti e Lievin. Na lin-guagem interior nunca precisamos pronunciar a palavra ate 0

fim. Pela propria inten<;:aoja compreendemos que palavras de-vemos pronunciar. Ao compararmos esses dois exemplos naoqueremos afirmar que na linguagem interior as palavras sem-pre sejam substituidas por suas iniciais e 0 discurso se desen-volva por intermedio de urn mecanismo que acabou sendo iden-tico em ambos os casos. Temos em vista algo bem mais gene-rico. Queremos dizer apenas que, assim como na linguagemfalada 0 papel das estimula<;:oes verbais se reduz ao minimoquando a orienta<;:aoda consciencia e a mesma, como se verifi-cou no dialogo entre Kiti e Lievin, da mesma forma na lingua-gem interior a redu<;:aodo aspecto fonetico, como regra geral,ocorre sempre. A linguagem interior e, no sentido exato, urndiscurso quase sem palavras. E precisamente em razao disso

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464____________ A constr!l(:iio do pensamento e da linguagem

que nos parece profundamente notavel a coincidencia entre osnossos exemplos; 0 fato de que, em casos raros, tanto a lingua-gem verbal quanto a linguagem interior reduzem as palavras assuas iniciais, de que tanto la quanta aqui, as vezes, e possivel urnmecanismo absolutamente identico, nos convence ainda maisda semelhan<;a intern a entre os fenomenos da linguagem faladae da linguagem interior por nos comparados.

Por tras da redu<;ao sumaria da linguagem interior, compa-rado a linguagem falada, ainda se esconde urn fenomeno de im-portancia igualmente central para a compreensao da naturezapsicologica desse fenomeno em seu conjunto. Ate agora men-cionamos a predicatividade e a redu<;ao do aspecto fasico dalinguagem como duas fontes de onde decorre a abrevia<;aoda linguagem interior. Mas esses dois fenomenos ja sugeremque existe nessa linguagem uma rela<;ao entre os aspectos fasi-cos do discurso diferente daquela verificada na linguagem fa-lada. 0 aspecto fasico, a sintaxe e a fonetica sao reduzidos aominima, simplificados e condensados ao maximo. No primei-ro plano manifesta-se 0 significado das palavras. A linguageminterior opera preferencialmente com a semantica e nao com afonetica da fala. Essa relativa independencia do significado dapalavra em face do aspecto fonetico ocorre na linguagem inte-rior com urn excepcional relevo. Entretanto, para elucidar estaquestao, devemos examinar mais de perto a terceira fonte daabrevia<;ao que nos interessa e que, como ja afirmamos, e a ex-pressao sumaria de muitos fenomenos que sao interligados masindependentes e nao se fundem diretamente. Encontramos essaterceira fonte na estrutura totalmente original da linguageminterior. A investiga<;ao mostra que a sintaxe dos significados etoda a estrutura do aspecto semantico do discurso nao sao me-nos originais que a sintaxe das palavras e a sua estrutura sono-ra. Em que consistem as peculiaridades basicas da semanticada linguagem interior?

Nas nossas pesquisas conseguimos estabelecer tres dessaspeculiaridades, que sao interiormente interligadas e constroem

a originalidade do aspecto semantico da linguagem interior. Aprimeira, que e fundamental, e 0 predominio do sentido da pa-lavra sobre 0 seu significado na linguagem interior. Paulhamprestou urn grande servi<;o a analise psicologica da linguagemao introduzir a diferen<;a entre 0 sentido e 0 significado da pa-lavra. Mostrou que 0 sentido de uma palavra e a soma de todosos fatos psicologicos que ela desperta em nossa consciencia.Assim, 0 sentido e sempre urna forma<;aodinamica, fluida, com-plexa, que tern varias zonas de estabilidade variada. 0 signifi-cado e apenas uma dessas zonas do senti do que a palavra adqui-re no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona maisestavel, uniforme e exata. Como se sabe, em contextos diferen-tes a palavra muda facilmente de sentido. 0 significado, ao con-trario, e urn ponto imovel e imutavel que permanece estavelem todas as mudan<;as de sentido da palavra em diferentes con-textos. Foi essa mudan<;a de sentido que conseguimos estabe-lecer como fato fundamental na analise semantica da lingua-gem. 0 sentido real de urna palavra e inconstante. Em uma ope-ra<;aoela aparece com urn senti do, em outra, adquire outro. Essedinamismo do sentido e 0 que nos leva ao problema de Paulham,ao problema da correla<;ao entre significado e sentido. Tomadaisoladamente no lexico, a palavra tern apenas urn significado. )Mas este nao e mais que uma potencia que se realiza no i cur-so vivo, no qual 0 significado e a enas uma edra no edificiodo sentido. --'

Esclarecemos essa diferen<;a entre significado e sentido dapalavra tomando por base a palavra final da fabula de KrilovA libelula e a formiga. A palavra dance, com que termina essafabula, tern urn sentido permanente absolutamente definido,unico para qualquer contexto em que venha a ser encontrado.Contudo, no contexto da fabula adquire urn sentido intelectuale afetivo bem mais amplo: ai ele ja significa simultaneamente"divirta-se e morra". Esse enriquecimento das palavras que 0

sentido lhes confere a partir do contexto e a lei fundamental dadiniimica do significado das palavras. A palavra incorpora, absor-

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ve de todo 0 contexto com que esta entrelac;ada os conteudosintelectuais e afetivos e comec;a a significar mais e menos doque contem 0 seu significado quando a tomamos isoladamentee fora do contexto: mais, porque 0 circulo dos seus significa-dos se amplia, adquirindo adicionalmente toda uma variedadede zonas preenchidas por urn novo conteudo; menos, porque 0

significado abstrato da palavra se limita e se restringe aquiloque ela significa apenas em urn determinado contexto. 0 senti-do da palavra, diz Paulham, e urn fen6meno complexo, movel,que muda constantemente ate certo ponto em conformidadecom as consciencias isoladas, para uma mesma consciencia esegundo as circunstancias. Nestes termos, 0 sentido da palavrae inesgotavel. A palavra so adquire sentido na frase, e a propriafrase so adquire sentido no contexto do paragrafo, 0 panigrafono contexto do livro, 0 livro no contexto de toda a obra de urnautor. 0 sentido real de cada palavra e determinado, no fim dascontas, por toda a riqueza dos momentos existentes na cons-ciencia e relacionados aquilo que esta expresso por uma deter-minada palavra. Diz Paulham:

o sentido de Terra e 0 sistema solar que completa a noc;aode Terra; 0 sentido de sistema solar e a Via Ulctea, 0 sentido deVia Lactea ... Isto quer dizer que nunca sabemos 0 sentido com-pleto seja la do que for e, conseqiientemente, 0 sentido pleno denenhuma palavra. A palavra e a fonte inesgotavel de novos pro-blemas. 0 sentido de uma palavra nunca e completo. Baseia-se,em suma, na 'COi11feensao do mundo e no conjunto dalestruturainterior do indivi uo

o merito principal de Paulham foi ter analisado a relac;aodo sentido com a palavra e conseguido mostrar que entre ambosexistem muito mais relac;5es independentes que entre 0 signi-ficado e a palavra. As palavras podem destoar do sentido nelasexpresso. Ha muito se sabe que as palavras podem mudar desentido. Ha relativamente pouco tempo foi observado que tam-bem se deve estudar como os sentidos mudam as palavras, ou

melhor, que se deve estudar como os conceitos mudam de nome.Paulham apresenta muitos exemplos de como as palavras per-manecem enquanto 0 sentido evapora. Ele analisa frases este-reotipadas do cotidiano, por exemplo: "Como voce esta?", amentira e outras manifestac;oes de independencia das palavrasem face do sentido. 0 sentido tambem pode ser separado dapalavra que 0 expressa, assim como pode ser facilmente fixa-do em outra palavra. Da mesma forma que 0 sentido de urnapalavra esta relacionado com toda a palavra e nao com sonsisolados, 0 sentido de uma frase esta relacionado com toda afrase e nao com palavras isoladas. Portanto, uma palavra podeas vezes ser substituida por outra sem que haja nenhuma alte-rac;ao de sentido. 0 sentido se separa da palavra e assim se pre-serva. Mas, se as palavras podem existir sem sentido, de igualmaneira 0 sentido pode existir sem palavras.

Mais uma vez nos valemos da analise de Paulham paradescobrir na linguagem falada urn fen6meno semelhante ao queconseguimos estabelecer experimentalmente na linguagem in-terior. Em regra, na linguagem falada caminhamos do elementomais estavel e constante do sentido, de sua zona mais constan-te, isto e, da zona do significado da palavra, para as suas zonasmais fluidas, para 0 seu sentido conjunto. Na linguagem inte-rior, ao contrario, 0 predominio do sentido sobre 0 significado -que observamos na linguagem falada em casos isolados comouma tendencia mais ou menos fracamente expressa - e levadoao seu limite matematico e representado em forma absoluta.Aqui 0 predominio do senti do sobre 0 significado, da frase so-bre a palavra, de todo 0 contexto sobre a frase nao e excec;ao masregra constante.

Isto nos leva a outras peculiaridades semanticas da lingua-gem interior. Ambas dizem respeito ao processo de unificac;aodas palavras e sua combinac;ao e fusao. Uma delas e muito se-melhante a aglutinac;ao, urna maneira de combinar as palavrasbastante comum em algumas linguas e relativamente rara emoutras. Na lingua alema, por exemplo, ocorre freqiientemente

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a formac;ao de urn t'mico significado a partir de uma frase inteiraou de algumas palavras isoladas, que ai integram 0 significadofuncional de uma unica palavra. Em outras linguas essa agluti-nac;ao de palavras e observada como urn mecanismo em per-manente atividade. Essas palavras compostas, como diz Wundt,nao sao agregados fortuitos de palavras mas se formam segundouma determinada lei. Todas essas linguas aglutinam urn grandenlimero de palavras que significam conceitos simples, em suma,que nao s6 traduzem conceitos bastante complexos como aindadesignam todas as noc;oes particulares contidas no conceito.Nessa relac;ao mecanica ou aglutinac;ao de elementos da lingua,o maior acento sempre recai sobre 0 radical central ou 0 con-ceito principal, donde a causa principal da facil conceituac;aoem uma lingua. Por exemplo, na lingua dos delavaros existeurn vocabulo aglutinado, formado pelas palavras levar ate umlugar, barco e 0 pro nome pessoal do caso reto nos e seu deriva-do obliquo nos, que significa literalmente: levar-nos de barco,chegar ate nos de barco. Essa palavra, que costuma ser empre-gada como urn desafio ao inimigo para que ele atravesse 0 rio,e conjugada em todos os inumeros modos e tempos das linguasdelavaras. Neste caso, dois momentos sao notaveis: primeiro,as palavras isoladas que integram a composi<;ao da palavra aglu-tinada sofrem constantes abreviac;oes na parte sonora, de sorteque delas s6 entra uma parte na palavra aglutinada; segundo, apalavra aglutinada que assim se forma e exprime urn conceitobastante complexo, em termos funcionais e estruturais, atua co-mo uma palavra indivisa e nao como combinac;ao de palavrasindependentes. Wundt afirma que nas linguas americanas a pa-lavra aglutinada e vista exatamente como a palavra simples, e damesma forma e declinada e conjugada.

Algo semelhante observamos na linguagem egocentrica dacrianc;a. Na medida em que essa forma de linguagem se apro-xima da linguagem interior, a aglutinac;ao, como modo de for-mac;ao de palavras aglutinadas indivisas para exprimir concei-tos complexos, aparece com freqiiencia cada vez maior, com

nitidez cada vez maior. Em suas enunciac;oes egocentricas, acrianc;a revela cada vez mais essa tendencia para a aglutinac;aoa-sintatica de palavras, que se manifesta paralelamente ao decli-nio da linguagem egocentrica.

A terceira e ultima peculiaridade da semantica da linguageminterior mais uma vez pode ser melhor esclarecida por compa-rac;ao com urn fenomeno analogo na linguagem falada. Suaessencia consiste em que 0 sentido das palavras, mais dinami-cas e amplas que os seus significados, revela leis de sua unifi-cac;ao e sua fusao diferentes daquelas observadas na unifica-c;aoe fusao dos seus significados. Denominamos influencia dosentido 0 modo original de unificac;ao das palavras que obser-vamos na linguagem egocentrica, entendendo esse termo ao mes-mo tempo em seu significado literal inicial (influencia) e emseu significado figurado, que ja ganhou aceitac;ao gera!. Os sen-tidos como que desaguam uns nos outros e como que influen-ciam uns aos outros, de sorte que os anteriores como que estaocontidos nos posteriores ou os modificam. Quanto a linguagemexterior, observamos fenomenos analogos freqiientes sobretu-do no discurso literario. A palavra, depois de passar atraves deuma obra literaria, incorpora toda a diversidade de unidadessemantic as nela contidas e, pelo seu sentido, passa a ser comoque equivalente a toda a obra em seu conjunto. Isto se pode ex-plicar com especial facilidade tomando como exemplo os titu-los das obras de arte. Numa obra de arte literaria, 0 titulo ternuma relac;ao com ela diferente, por exemplo, do que se verificana pi.ntura ou na musica. Ele exprime e coroa todo 0 conteudosemantico da obra numa proporc;ao bem maior do que ocorre,por exemplo, com 0 nome de urn quadro. Palavras como DomQuixote, Hamlet e levguieni Onieguin e Anna Karienina tra-duzem da forma mais genuina essa lei da influencia do senti-do. Neste caso, uma palavra contem de fato 0 conteudo seman-tico de toda uma obra. Urn exemplo especialmente claro de leida influencia dos sentidos e 0 titulo da obra de G6g01 Almasmortas. Originalmente, 0 titulo se referia a camponeses servos

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mortos, cujos nomes ainda constavam dos registros oficiais eque podiam ser comprados e vendidos como se ainda estivessemvivos. E nesse sentido que as pa1avras saD usadas em todo 0 1i-vra, que gira em torno desse tnifico com os mortos. Entretanto,sendo 0 motivo central de todo 0 1ivro, essas duas palavras reu-oem em si urn sentido absolutamente novo e infinitamentemais rico, absorvendo, como uma esponja a umidade, as maisprofundas generaliza<;oes semanticas de capitulos isolados eimagens, s6 ficando plenamente saturadas de sentido no finalda obra. Agora aquelas palavras ja significam uma coisa intei-ramente diversa se comparadas ao seu significado inicial; a1masmortas nao significam os servos mortos e tidos como vivosmas todas as personagens da obra que vivem mas estao espiri-tualmente mortas.

Algo analogo observamos na 1inguagem interior, em seuaspecto mais uma vez levado ao extremo. Aqui a palavra pare-ce reunir 0 sentido das palavras antecedentes e conseqiientes,ampliando quase ao infinito 0 ambito do seu significado. Nalinguagem interior a palavra e bem mais carre gada de sentidoque na exterior. Como 0 titulo da obra de G6g01, ela e uma es-pecie de coagulo concentrado de sentido. Para traduzir essesignificado para a linguagem do discurso exterior, seria neces-sario desdobrar em todo urn panorama de palavras os sentidosfundidos numa unica palavra. De igual mane ira, para revelarplenamente 0 sentido do titulo da obra de G6gol, seria neces-sario desdobra-Io para que atingisse a plenitude do texto de Al-mas mortas. Contudo, uma vez que todo 0 sentido multi formedessa obra pode ser contido no ambito estreito de duas palavras,o imenso conteudo semantico pode igualmente desaguar novasa de urna palavra unica na linguagem interior.

Todas essas peculiaridades do aspecto semantico da lin-guagem interior levam ao que todos os observadores qualifica-ram como ininteligibilidade da linguagem egocentrica ou dalinguagem interior. E impossivel entender a enuncia<;ao ego-centric a da crian<;a ignorando a que se refere 0 seu predicado,

sem perceber 0 que faz a crian<;a e 0 que ela tern diante de si.Watson afirma que a linguagem interior continuaria incom-preensivel para n6s, mesmo se fosse gravada no disco de urnfon6grafo. Essa ininteligibilidade, assim como a abrevia<;ao, eurn fato observado por todos os pesquisadores mas nunca ana-lisado. Entretanto, a analise mostra que a ininteligibilidade dalinguagem interior e sua redutibilidade SaDderivadas de urnainfinidade de fatos e uma expressao sumaria dos mais diversosfenomenos. Tudo 0 que ja foi observado ate agora, como a sin-taxe original da linguagem interior, a redu<;ao de seu aspectofonetico e a sua estrutura semantica especifica, explica sufi-cientemente e revela a natureza psicol6gica dessa ininteligibi-lidade. Entretanto, gostariamos de abordar mais dois mom en-tos, que condicionam de forma mais ou menos direta essa inin-teligibilidade e se escondem por tras dela. 0 primeiro e umaespecie de efeito integral de todos os momentos acima enume-rados e decorre imediatamente da originalidade funcional dalinguagem interior. Por sua pr6pria fun<;ao,essa linguagem naose destina a comunica<;ao, e uma linguagem para si, uma lin-guagem que transcorre em condi<;oes internas inteiramente di-versas daquelas verificadas na linguagem exterior e que desem-penha func;oes inteiramente distintas. Por isto, 0 que deveria sur-preender nao e que essa linguagem seja ininteligivel mas quese possa esperar inteligibilidade da linguagem interior. 0 se-gundo momenta que determina a inteligibilidade da linguageminterior esta vinculado a originalidade da sua estrutura seman-tica. Para elucidar a nossa ideia, voltamos a comparar 0 feno-menD da linguagem interior que descobrimos com urn fenome-no semelhante na linguagem exterior. Em Infdncia, adolescen-cia e juventude, e em outras passagens de suas obras, ToIst6iconta como entre pessoas que levam a mesma vida surgemfacilmente significados convencionais de palavras, urn dialetoespecifico, urn jargao s6 entendido por aqueles que participa-ram do seu nascimento. Esse tipo de dialeto existe entre as crian-c;as de rua. Em determinadas condi<;oes, as palavras mudam 0

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seu sentido habitual e 0 seu significado e adqui rem urn signi-ficado especifico decorrente das condi90es de seu surgimento.Entretanto, e perfeitamente compreensivel que, nas condi90esda linguagem interior, tambem deve surgir necessariamenteesse dialeto interior. Em seu emprego interior, cada palavra vaiadquirindo gradualmente outros matizes, outras nuances seman-ticas, que se transformam em novo significado da palavra namedida em que se vao constituindo e se condensando. As ex-periencias mostram que, na linguagem interior, os significadosdas palavras sempre sao idiomatismos intraduziveis para a lin-guagem do discurso exterior. Sao sempre significados indivi-duais, compreensiveis apenas no plano da linguagem interior,que tambem e cheia de idiomatismos, como tambem de elisoese omissoes. Em essencia, a influencia do multi forme conteudosemantico sobre urna palavra indivisa sempre representa a for-ma9ao de urn significado individual e intraduzivel, isto e, deurn idiotismo. Aqui ocorre 0 que foi representado no exemploclassico tirado de Dostoievski, que citamos anteriormente. 0que aconteceu na conversa dos seis operarios bebados e e exce-9aO para a linguagem exterior e regra para a linguagem inte-rior. Nesta, sempre podemos exprimir todos os pensamentos,todas as sensa90es e inclusive reflexoes profundas inteiras comapenas urn nome. E, naturalmente, neste caso 0 significadodesse nome unico para pensamentos complexos, sensa90es ereflexoes acaba sendo intraduzivel para a linguagem do discur-so exterior, acaba sendo incomensuravel com 0 significadohabitual da mesma palavra. Gra9as a esse cariter idiomatico detoda a semantica da linguagem interior, esta naturalmente acabasendo incompreensivel e de dificil tradu9ao para a nossa lin-guagem comum.

Neste ponto, podemos concluir 0 resumo das peculiarida-des da linguagem interior que observamos em nossos experi-mentos. Devemos afirmar apenas que todas essas peculiarida-des puderam ser constatadas inicialmente no estudo experimen-tal da linguagem egocentrica, mas para interpretar esses fatos

tivemos de compara-los a fatos analogos e semelhantes no cam-po da linguagem exterior. Isto nos foi importante nao so comovia de generaliza9ao dos fatos descobertos e, conseqiientemen-te, de sua correta interpreta9ao, nao so como meio para elucidar,com exemplos da linguagem falada, as peculiaridades comple-xas e delicadas da linguagem interior, mas principalmente por-que essa compara9ao mostrou que na linguagem exterior jaexistem possibilidades de forma9ao dessas peculiaridades e,assim, confirmou a nossa hipotese sobre a genese dessa lingua-gem nas linguagens egocentrica e exterior. 0 importante e que,em certas circunstancias, todas essas peculiaridades podem sur-gir na linguagem exterior; e importante que isso seja geral-mente possivel, que as tendencias para a predicatividade, paraa redu9ao do aspecto fasico da linguagem, para a prevalenciado sentido sobre 0 significado da palavra, para a aglutina9ao dasunidades semanticas, para a influencia dos sentidos, para 0 idio-tismo do discurso possam ser observadas tambem na lingua-gem exterior, 0 que, conseqiientemente, a natureza e as leis dapalavra admitem e tornam possive!. E isto, reiteremos, e paranos a melhor confirma9ao da nossa hipotese de que a lingua-gem interior surgiu por intermedio da diferencia9ao das lin-guagens egocentrica e social da crian9a.

Todas as peculiaridades da linguagem interior aqui obser-vadas dificilmente podem deixar duvida quanta a justeza danos sa tese basica, segundo a qual a linguagem interior e urnafun9ao absolutamente especifica, independente, aut6noma e ori-ginal da linguagem. Estamos efetivamente perante urna lingua-gem que se distingue total mente da linguagem exterior. Por istoestamos autorizados a considera-la urn plano interior especifi-co de pensamento verbal, que medeia a rela9ao dinamica entrepensamento e palavra. Depois de tudo 0 que foi dito sobre anatureza da linguagem interior, sobre a sua estrutura e fun9ao,nao resta nenhuma duvida de que a passagem da linguageminterior para a exterior nao e uma tradu9ao direta de urna lin-guagem para outra, nao e urna simples incorpora9ao do aspecto

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sonoro ao aspecto silencioso da fala, nao e uma simples voca-liza~ao da linguagem interior mas a reestrutura~ao da linguagem,a transforrna~ao de uma sintaxe absolutamente original, da es-trutura semantica e sonora da linguagem interior em outrasformas estruturais inerentes a linguagem exterior. Como a lin-guagem interior nao e uma fala menos som, a linguagem exte-rior nao e linguagem interior mais som. A passagem da lingua-gem interior para a exterior e uma complexa transforma~aodinamica - urna transforma~ao da linguagem predicativa e idio-matica em urna linguagem sintaticamente decomposta e com-preensivel para todos.

Agora podemos retomar a defini~ao de linguagern interiore sua contraposi~ao a linguagem exterior que serviram de pre am-bulo a toda a nossa analise. Afirrnamos no inicio que a lingua-gem interior e uma fun~ao totalmente especifica, que, em certosenti do, ela se contrap5e a linguagem exterior. Nao concorda-rnos com aqueles que consideram a linguagem interior comoalgo que precede a exterior, como 0 seu aspecto interior. Se alinguagern exterior e urn processo de transforma~ao do pen-samento em palavras, a materializa~ao e a objetiva~ao do pensa-mento, entao aqui observamos urn processo de sentido inverso,que parece carninhar de fora para dentro, urn processo de evapo-ra~ao da linguagern no pensamento. Mas 0 discurso nao desa-parece de rnaneira nenhuma em sua forma interior. A cons-ciencia nao evapora nem se dilui no espirito puro. A despeitode tudo, a linguagem interior e urna linguagem, isto e, urn pen-sarnento vinculado a palavra. Mas se 0 pensarnento se materia-liza em palavra na linguagem exterior, a palavra mone na lin-guagern interior, gerando 0 pensamento. A linguagem interiore, ate certo ponto, urn pensarnento por significados puros, mas,como diz urn poeta, "no ceu logo estarernos cansados". A lin-guagem interior e 0 momento dinamico, instavel, fluido, quese insinua entre os p610s extrernos melhor enformados e esta-veis do nosso estudo do pensamento verbal: entre a palavra e 0pensamento. Por isso 0 seu verdadeiro significado e 0 seu lugar

s6 podem ser elucidados quando derrnos mais urn passo paradentro na nossa analise e conseguirmos ter ao menos a no~aomais geral do plano seguinte e firrne do pensamento discursivo.

Esse novo plano do pensarnento discursivo e a pr6pria ideia.A prirneira importancia da nossa analise foi destacar esse plano,sepani-lo da unidade em que sempre 0 encontramos. Ja afir-mamos que todo pensamento procura combinar urna coisa comoutra, tern 0 movimento, urn corte, urn desdobramento, estabe-lece uma rela~ao entre uma coisa e outra, em surna, desempe-nha alguma fun~ao, algum trabalho, resolve algum problema.Esse fluxo e esse movimento do pensamento nao coincidemdireta e imediatamente com 0 desdobramento do discurso. Asunidades de discurso e as unidades de pensamento nao coinci-demo Ambos os process os revelam unidade mas nao identidade.Estao ligados por complexas transi~5es, por complexas trans-forrna~5es, mas nao se sobrep5em como duas retas sobrepos-tas. 0 que melhor nos convence disto sac aqueles cas os em queo trabalho do pensamento terrnina em fracasso, em que se veri-fica que 0 pensamento nao se converteu em palavras, comodisse Dostoievski. Para efeito de clareza, voltamos a empregarurn exemplo tornado a literatura, uma cena das observa~5es deuma personagem de Glieb Uspienski. A cena em que urn infe-liz andarilho, nao encontrando palavras para exprimir urn pen-samento enorme que 0 domina, tortura-se de impotencia e saipara orar aos santos e pedir a Deus que the de entendimento;pois bern, essa cena deixa uma inexprimivel sensa~ao de an-gustia. Na essencia, porem, 0 que sofre essa pobre mente aba-tida em nada difere da mesma angustia da palavra no poeta ouno pensador. Ele fala quase pelas mesmas palavras:

Eu, meu amigo, poderia te dizer veja 0 que; par mais que te-nha escondido - e - [altam palavras a esse teu irmao ... Veja 0 queeu yOU dizer, parece que e assim que esta no pensamento, mas alingua nao desenrola. Isso e que e a nossa desgraya idiota.

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De quando em quando a escuridao e substituida por fuga-zes intervalos de luz; 0 pensamento se aclara para 0 infeliz eele, como urn poeta, parece que esta quase "captando 0 miste-rio do rosto conhecido". Ele passa a explicar-se:

- Se eu, por exemplo, yOUpara a terra, porque da terra sai,da terra. Se eu for para a terra, por exemplo, de volta, qual e,entao, a familia que vai me cobrar 0 resgate da terra.

- Ah-Ah - pronunciamos alegremente.- Espere, aqui ainda faz falta uma palavra ... Vejam, se-

nhores, como e preciso ...o andarilho levantou-se e ficou no meio da sala, preparan-

do-se para virar mais urn dedo na mao.- Aqui ainda nao foi dito nada sobre a verdade verdadei-

ra. Vejam so isso: porque, por exemplo ... - Mas ele parou epronunciou vivamente: - A alma, quem te deu?

-Deus.- E verdade, muito bern, agora olhem para ca...N6s iamos nos preparar para olhar mas 0 andarilho tomou

a titubear, perdendo a energia, e, batendo com as maos na cin-tura, exclamou quase em desespero:

- Nao. Voce nao vai fazer nada. Nada disso e difici!... Ah,meu Deus! Agora eu you te dizer uma coisinha. Mas veja deque e preciso falar. Aqui e falar da alma, e quanto. Nao, nao.

Neste exemplo, ve-se nitidamente 0 limite que separa urnpensamento da palavra, 0 Rubicao intransponivel para 0 falan-te que separa 0 pensamento da linguagem. Se 0 pensamentocoincidisse imediatamente em sua estrutura e em seu fluxocom a estrutura do fluxo da linguagem, este caso descrito porUspienski seria impossive!. Mas, em realidade, 0 pensamentotern a sua estrutura especifica e 0 seu fluxo, e a passagem destepara a estrutura e para 0 fluxo da linguagem representa gran-des dificuldades nao so para a personagem da cena acima des-crita. E provavel que, antes dos psic610gos, os cen6grafos te-nham esbarrado no problema do pensamento que s~ esconde portras da palavra. Entre outras coisas, no sistema de Stanislavski

encontramos essa tentativa de recriar 0 subtexto de cada repli-ca do drama, isto e, revelar cada pensamento e cada desejo queestao por tras da enuncia9ao. Vejamos mais urn exemplo.Tchatski diz, na conversa com Sofia:

- Louvado seja aquele que cre, 0 mundo the sera caloroso.Stanislavski revel a 0 subtexto dessa frase como esse pen-

samento: "Parem com essa conversa." Da mesma forma pode-riamos considerar a mesma frase como expressao de outropensamento: "Nao acredito em suas palavras. 0 senhor diz pa-lavras confortantes para me tranqiiilizar", ou outra frase: "Poracaso nao ve 0 quanta me atormenta? Eu gostaria de acreditarno senhor. Isto seria para mim a gloria." Toda frase viva, ditapor urn homem vivo, sempre tern 0 seu subtexto, urn pensa-mento por tras.

Nos exemplos anteriores de ausencia de concordancia en-tre sujeito gramatical e psicologico e 0 predicado, interrompe-mos a nossa analise e nao a levamos ate 0 fim. Assim comouma frase pode expressar varios pensamentos, urn pensamentopode ser expresso por meio de varias frases. A propria discre-pancia entre as estruturas psicologica e gramatical da ora9ao edeterminada, em primeiro lugar, pelo tipo de pensamento que seexpressa nesta ora9ao. Por exemplo, a frase "0 rel6gio caiu", emresposta a pergunta "Por que 0 relogio parou?", poderia signi-ficar "Nao e culpa minha se 0 relogio nao esta funcionando,ele caiu". Mas 0 mesmo pensamento poderia ser expresso poroutras frases: "Nao tenho 0 habito de mexer em coisas dos ou-tros, estava apenas tirando 0 po." Se 0 pensamento e uma jus-tificativa, pode encontrar sua expressao em qualquer uma des-sas frases. Neste caso, as frases mais diferentes por significadoirao exprimir 0 mesmo pensamento.

Assim, chegamos a conclusao de que 0 pensamento naocoincide diretamente com a sua expressao verbalizada. 0 pensa-mento nao consiste em unidades isoladas como a linguagem. Sedesejo comunicar 0 pensamento de que hoje vi urn menino des-ca190, de camisa azul, correndo rua abaixo, nao vejo cada aspec-

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478____________ A conslru9iio do pensamenlo e da /inguagem 479Pensamenlo e palavra _

to isoladamente: 0 menino, a camisa, a cor azul, a sua corrida,a ausencia de calc;ados. Vejo tudo isso em urn so ate de pensa-mento, mas 0 exprimo em palavras separadas. 0 pensamentosempre e algo integral, consideravelmente maior por sua exten-sao e 0 seu volume que uma palavra isolada. Frequentemente,em alguns minutos urn orador desenvolve urn mesmo pensa-mento. Esse pensamento esta na sua mente como urn todo, masnunca surge gradualmente, por unidades isoladas, como se de-senvolve a sua linguagem. Aquilo que no pensamento existeem simultaneidade, na linguagem se desenvolve sucessiva-mente. Urn pensamento pode ser comparado a uma nuvemparada, que descarrega uma chuva de palavras. E por isso queo processo de transic;ao do pensamento para a lingua gem e urnprocesso sumamente complexo de decomposic;ao do pensa-mento e sua recriac;ao em palavras. Exatamente porque urnpensamento nao coincide nao so com a palavra mas tambemcom os significados das palavras e que a transic;ao do pensa-mento para a palavra pass a pelo significado. No nosso pensa-mento, sempre existe uma segunda intenc;ao, urn subtextooculto. Como a passagem direta do pensamento para a palavrae impossivel e sempre requer a abertura de urn complexo cami-nho, surgem queixas contra a imperfeic;ao da palavra e lamen-tos pela inexpressibilidade do pensamento, como nestes versosde Tiuttchev:

rou esse trabalho a abertura de urn caminho entre dois vales,falava de urn caminho direto entre Moscou e Kiev e se autode-nominava desbravador de caminhos da linguagem.

As experiencias mostram que 0 pensamento nao se expri-me em palavra mas nela se realiza. As vezes 0 pensamento naose realiza na palavra como acontece com a personagem deUspienski. Sabia ele 0 que queria pensar? Ele sabia, como sesabe, 0 que se deseja memorizar, so que a memorizac;ao naoacontecia. Teria comec;ado a pensar? Comec;ara, como se come-c;aa memorizar. Mas ted atingido 0 pensamento como proces-so? A resposta so pode ser negativa. 0 pensamento nao e so ex-temamente mediado por signos como intemamente mediadopor significados. Acontece que a comunicac;ao imediata entreconsciencias nao e impossivel so fisicamente mas tambem psi-cologicamente. Isto so pode ser atingido por via indireta, porvia mediata. Essa via e uma mediac;ao intema do pensamento,primeiro pelos significados e depois pelas palavras. Por isso 0

pensamento nunca e igual ao significado direto das palavras. 0significado medeia 0 pensamento em sua caminhada rumo a ex-pressao verbal, isto e, 0 caminho entre 0 pensamento e a pala-vra e urn caminho indireto, intemamente mediatizado.

Resta-nos, por ultimo, dar 0 ultimo passo conclusivo nanossa analise dos pianos interiores do pensamento verbal. 0pensamento ainda nao e a ultima instancia em todo esse pro-cesso. 0 proprio pensamento nao nasce de outro pensamentomas do campo da nossa consciencia que 0 motiva, que abran-ge os nossos pendores e necessidades, os nossos interesses emotivac;oes, os nossos afetos e emoc;oes. Por tras do pensamen-to existe uma tendencia afetiva e volitiva. So ela pode dar a res-posta ao ultimo porque na analise do pensamento. Se antes com-paramos 0 pensamento a uma nuvem pairada que derrama umachuva de palavras, a continuar essa comparac;ao figurada teria-mos de assemelhar a motivac;ao do pensamento ao vento quemovimenta as nuvens. A compreensao efetiva e plena do pen-samento alheio so se toma possivel quando descobrimos a sua

Como exprimir-se urn corac;ao,Como outro ira te entender...

E para superar essas queixas que surgem as tentativas defundir palavras, criando novas vias do pensamentG para a pala-vra por intermedio de novos significados. Khliebnikov compa-

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478____________ A constru9iio do pensamento e da linguagem 479Pensamento e palavra _

to isoladamente: 0 menino, a camisa, a cor azul, a sua corrida,a ausencia de cal9ados. Vejo tudo isso em urn so ato de pensa-mento, mas 0 exprimo em palavras separadas. 0 pensamentosempre e algo integral, consideravelmente maior por sua exten-saD e 0 seu volume que uma palavra isolada. Freqiientemente,em alguns minutos urn orador desenvolve urn mesmo pensa-mento. Esse pensamento esta na sua mente como urn todo, masnunc a surge gradualmente, por unidades isoladas, como se de-senvolve a sua linguagem. Aquilo que no pensamento existeem simultaneidade, na linguagem se desenvolve sucessiva-mente. Urn pensamento pode ser comparado a uma nuvemparada, que descarrega uma chuva de palavras. E por isso queo processo de transi9ao do pensamento para a lingua gem e urnprocesso sumamente complexo de decomposi9ao do pensa-mento e sua recria9ao em palavras. Exatamente porque urnpensamento nao coincide nao so com a palavra mas tambemcom os significados das palavras e que a transi9ao do pensa-mento para a palavra passa pelo significado. No nosso pensa-mento, sempre existe uma segunda inten9ao, urn subtextooculto. Como a passagem direta do pensamento para a palavrae impossivel e sempre requer a abertura de urn complexo cami-nho, surgem queixas contra a imperfei9ao da palavra e lamen-tos pela inexpressibilidade do pensamento, como nestes versosde Tiuttchev:

rou esse trabalho a abertura de urn caminho entre dois vales,falava de urn caminho direto entre Moscou e Kiev e se autode-nominava desbravador de caminhos da linguagem.

As experiencias mostram que 0 pensamento nao se expri-me em palavra mas nela se realiza. As vezes 0 pensamento naose realiza na palavra como acontece com a personagem deUspienski. Sabia ele 0 que queria pensar? Ele sabia, como sesabe, 0 que se deseja memorizar, so que a memoriza9ao naoacontecia. Teria come9ado a pensar? Come9ara, como se come-9a a memorizar. Mas tera atingido 0 pensamento como proces-so? A resposta so pode ser negativa. 0 pensamento nao e so ex-ternamente mediado por signos como internamente mediadopor significados. Acontece que a comunica9ao imediata entreconsciencias nao e impossivel so fisicamente mas tambem psi-cologicamente. Isto so pode ser atingido por via indireta, porvia mediata. Essa via e uma media9ao intern a do pensamento,primeiro pelos significados e depois pelas palavras. Por isso 0pensamento nunca e igual ao significado direto das palavras. 0significado medeia 0 pensamento em sua caminhada rumo a ex-pressao verbal, isto e, 0 caminho entre 0 pensamento e a pala-vra e urn caminho indireto, internamente mediatizado.

Resta-nos, por ultimo, dar 0 ultimo passo conclusivo nanossa analise dos pIanos interiores do pensamento verbal. 0pensamento ainda nao e a ultima instancia em todo esse pro-cesso. 0 proprio pensamento nao nasce de outro pensamentomas do campo da nossa consciencia que 0 motiva, que abran-ge os nossos pendores e necessidades, os nossos interesses emotiva90es, os nossos afetos e em090es. Por tras do pensamen-to existe uma tendencia afetiva e volitiva. So ela pode dar a res-posta ao ultimo porque na analise do pensamento. Se antes com-paramos 0 pensamento a uma nuvem pairada que derrama umachuva de palavras, a continuar essa compara9ao figurada teria-mos de assemelhar a motiva9ao do pensamento ao vento quemovimenta as nuvens. A compreensao efetiva e plena do pen-samento alheio so se torna possivel quando descobrimos a sua

Como exprimir-se urn cora<;ao,Como outro ira te entender. ..

E para superar essas queixas que surgem as tentativas defundir palavras, criando novas vias do pensamentCi para a pal a-vra por intermedio de novos significados. Khliebnikov compa-

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eficaz causa profunda afetivo-volitiva. Essa descoberta dosmotivos, que fazem 0 pensamento nascer e orientam 0 seufluxo, pode ser ilustrada no exemplo que ja utilizamos da des-coberta do subtexto durante a interpreta<;ao cenica de algumpapel no palco. Como ensina Stanislavski, por tras de cadareplica da personagem existe 0 desejo de executar determina-das tarefas volitivas. Aquilo que, neste caso, cabe recriar pelometodo da interpreta<;ao cenica, no discurso vivo sempre e 0

momenta inicial de qualquer ato de pensamento verbalizado.Por tras de cada enuncia<;ao existe uma tare fa volitiva. Por isso,paralelamente ao texto da pe<;a, Stanislavski delineava 0 dese-jo correspondente a cada replica, que movimenta 0 pensamen-to e 0 discurso do her6i do drama. Citemos, como exemplo, 0

texto e 0 subtexto para algumas replicas do papel de Tchatskina interpreta<;ao de Stanislavski:

SofiaAh, Tchatski, estou muito alegre

por voce.

TchatskiEm boa hora estas alegre.Porem, quem se alegra com tanta

sinceridade?Acho que, para rematar,Ao deixar as pessoas e cavalos com

calafrioEu apenas me diverti.

LisaOh, senhor, se 0 senhor estivesse

atras da porta,garanto que nao faz cinco minutosque estavamos falando do senhor.Dizei, senhorinha!

SofiaNao s6 agora mas sempre.o senhor nao pode me censurar. Querendo acalmar Tchatski. Nao

tenho culpa de nada!TchatskiAdmitamos que seja assim.Feliz de quem acredita.o mundo the sera caloroso.

Vamos acabar com essa conver-sa!, etc

Para entender 0 discurso do outro, nunc a e necessario en-tender apenas umas palavras; precisamos entender 0 seu pen-samento. Mas e incompleta a compreensao do pensamento dointerlocutor sem a compreensao do motivo que 0 levou a emiti-Io.De igual mane ira, na analise psicol6gica de qualquer enuncia-do s6 chegamos ao fim quando descobrimos esse plano interiorultimo e mais encoberto do pensamento verbal: a sua motiva<;ao.

Aqui termina a nossa analise. Tentemos abranger com urnunico olhar a que resultados ela nos levou. 0 pensamento ver-bal se nos apresentou como urn todo complexo e dinamico, noqual a rela<;aoentre pensamento e palavras se revelou como urnmovimento que passa por uma serie de pianos internos, comouma transi<;ao de urn plano a outro. No drama vivo do pensa-mento verbal, 0 movimento faz urn caminho inverso: do moti-YO, que gera algum pensamento, para a enforma<;ao do pr6priopensamento, para a sua media<;ao na palavra interior, depois nossignificados externos das palavras e, por ultimo, nas palavras.Entretanto, seria incorreto imaginar que essa unica via do pen-samento para a palavra sempre se realiza de fato. Ao contrario,dado 0 estado atual dos nossos conhecimentos nessa questao,sao possiveis movimentos diretos e inversos os mais diversos edificilmente enumeraveis, sao possiveis transi<;oes diretas einversas de uns pianos a outros. Mas ja agora sabemos, naslinhas mais gerais, que e possivel urn movimento que se inter-rompe em qualquer ponto desse complexo caminho, nesse ounaquele sentido: do motivo para a linguagem interior passandopelo pensamento; da linguagem interior para 0 pensamento; da

Quer leva-Ia a razao com zombaria.Que vergonha da vossa parte!

Querendo ajudar Sofia na dificilsituar;ao.

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linguagem interior para a exterior, etc. Nao nos propomos es-tudar todos esses movimentos multi formes que efetivamenteocorrem na estrada real entre 0 pensamento e a palavra. So nosinteressou uma questao fundamental: descobrir a relavao entreo pensamento e a palavra como processo dinamico, como viado pensamento a palavra, como realizavao e materializavao dopensamento na palavra.

** *

culos moveis e as transivoes entre pIanos isolados do pensa-mento verbal so surgem no desenvolvimento. Isto a pesquisamostrou. A separavao entre significado e som, entre palavra eobjeto e entre pensamento e palavra sac estllgios indispensa-veis na historia do desenvolvimento dos conceitos.

Nao tivemos nenhuma intenvao de esgotar toda a comple-xidade da estrutura e da dinamica do pensamento verbal. Qui-semos apenas apresentar uma concepvao inicial da grandiosacomplexidade des sa estrutura dinamica, e uma concepvao ba-seada nos fatos experimentalmente conseguidos e elaborados,na sua analise teorica e nas generalizavoes. Cabe-nos apenasresumir em algumas poucas palavras a concepvao geral dasrelavoes entre pensamento e palavra que nos surge como resul-tado de toda a nos sa investigavao.

A psicologia associacionista concebia a relavao entre 0

pensamento e a palavra como uma relavao externa, formada pelovinculo de dois fen6menos em principio inteiramente analogoao vinculo entre duas silabas sem sentido, que surge no proces-so de memorizavao geminada. A psicologia estrutural substi-tuiu essa concepvao pela concepvao de vinculo estrutural entrepensamento e palavra, mas deixou inalterado 0 postulado so-bre a nao-especificidade desse vinculo, colocando-o na mesmaserie com qualquer outro vinculo estrutural que surge entredois objetos, por exemplo, entre a vara e 0 fruto nos experi-mentos com 0 chimpanze. As teorias, que tentaram resolver demodo diferente essa questao, polarizam-se em torno de duasteorias opostas. Urn polo forma a concepvao behaviorista dopensamento e da linguagem, que se manifestou na formula: pen-samento e linguagem menos som. Outro polo representa a teo-ria idealista, desenvolvida pelos representantes da Escola deWiirzburg e por Bergson, e que postula a total independenciaentre pensamento e palavra, a deformavao que a palavra insereno pensamento. "0 pensamento articulado e uma mentira."Esse verso de Tiuttchev pode servir de formula que traduz apropria essencia dessas teorias. Dai surge 0 empenho dos psi-

Toda a nossa pesquisa seguiu urn caminho urn tanto inusi-tado. Procuramos estudar 0 aspecto interior do pensamento eda linguagem, oculto a observavao imediata. Procuramos ana-lisar 0 significado da palavra, que, para a psicologia, semprefoi a outra face da Lua nao estudada e desconhecida. Para ela,ate recentemente eram terra desconhecida e insondada 0 as-pecto semantico e todo 0 aspecto interior da linguagem, peloqual esta se volta nao para fora mas para dentro, para 0 indivi-duo. Estudava-se predominantemente 0 aspecto fasico da lin-guagem, aquele em que ela se volta para nos. Por isso, as rela-voes entre 0 pensamento e a palavra eram entendidas nas maisvariadas interpretavoes como relavoes constantes, solidas econsolidadas de uma vez por todas entre os objetos e nao comouma relavao interior, dinamica e movel entre processos. Porisso, poderiamos resumir 0 resultado basico de toda a nossapesquisa numa tese: os processos que se consideravam tolhi-dos de modo uniforme e imovel sao, de fate, interligados pelamobilidade. 0 que antes se considerava uma construvao sim-ples, a pesquisa mostrou que e complexa. No nosso empenhode delimitar os aspectos externo e semantico da linguagem, apalavra e 0 pensamento, nao existe nada a nao ser a aspiravaode colocar em urn aspecto mais complexo e em urn vinculomais sutil a unidade que, em realidade, e 0 pensamento discur-sivo. A complexa estrutura des sa unidade, os complexos vin-

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c610gos no sentido de separar a consciencia da realidade e, se-gundo palavras de Bergson, rasgar a moldura da linguagem,abranger os nossos conceitos em seu estado natural, na formaem que sac percebidos pela consciencia, isto e, livres do poderdo espac;o. Tomadas em conjunto, todas essas teorias revelamurn ponto em comum, inerente a quase todas as teorias do pen-samento e da linguagem: urn anti-historicismo surnamente pro-fundo e de principio. Todas elas oscilam entre os p610s do na-turalismo puro e do espiritualismo puro. Todas elas abordamigualmente 0 pensamento e a linguagem fora da sua hist6ria.

Por outro lado, s6 a psicologia hist6rica, s6 a teoria hist6-rica da linguagem interior e capaz de nos levar a uma com-preensao correta dessa questao grandiosa e surnamente comple-xa. Procuramos seguir exatamente esse caminho em nossa in-vestigac;ao. Os resultados que obtivemos podem ser traduzidosem algumas poucas palavras. Percebemos que a relac;ao entrepensamento e palavra e urn processo vivo de nascimento do pen-samento na palavra. Palavra desprovida de pensamento e, antesde mais nada, palavra morta. Como diz 0 poeta:

tal, isto e, a palavra sonora, e com ele traduzirmos 0 verso bi-blico "No principio era 0 verbo", poderemos le-lo com outroacento se 0 abordarmos do ponto de vista da hist6ria do desen-volvimento. No principio era a ac;ao.Com isto ele quer dizer quea palavra the parece 0 estagio supremo do desenvolvimento dohomem comparada a mais suprema expressao da ac;ao. E claroque ele tern razao. A palavra nao esteve no principio. No princi-pio esteve a ac;ao.A palavra constitui antes 0 fim que 0 principiodo desenvolvimento. A palavra e 0 fim que coroa a ac;ao.

Para concluir a nossa investigac;ao, nao podemos deixar dedizer algumas palavras sobre as perspectivas que se abrem alemdo seu limiar. Nossa investigac;ao nos leva inteiramente ao limiarde outro problema mais vasto, mais profundo, mais grandioseque 0 problema do pensamento - a questao da consciencia. Ti-vemos sempre em vista 0 aspecto da palavra que, como a outraface da lua, continuou ignorada pela Terra e pela psicologiaexperimental. Procuramos estudar a relac;ao da palavra com 0objeto, com a realidade. Fizemos empenho de estudar experi-mental mente a transic;ao dialetica da sensa9ao para 0 pensa-mento e mostrar que, neste, a realidade esta refletida de mododiferente do que 0 esta na sensac;ao, que 0 trac;o distintivo fun-damental da palavra e 0 reflexo generalizado da realidade. Comisto abordamos urn aspecto na natureza da palavra, cujo signi-ficado ultrapassa os limites do pensamento como tal e em todaa sua plenitude s6 pode ser estudado em composic;ao com umaquestao mais generica: a da palavra e da consciencia. Se a cons-ciencia, que sente e pensa, dispoe de diferentes modos de repre-sentac;ao da realidade, estes representam igualmente diferentestipos de consciencia. Por isso 0 pensamento e a linguagem saca chave para a compreensao da natureza da consciencia huma-na. Se "a linguagem e tao antiga quanta a consciencia", se "a

Como abelhas em uma colmeia vazia,as palavras mortas cheiram mal.

Mas 0 pensamento que nao se materializa na palavra con-tinua como uma sombra do Estige, "urna neblina, urn tinido, urnhiato", como diz outro poeta. Hegel via a palavra como urn serrevivificado pelo pensamento. Esse ser e absolutamente indis-pensavel aos nossos pensamentos.

Mas 0 vinculo entre 0 pensamento e a palavra nao e urnvinculo primario, dado de uma vez por todas. Surge no desen-volvimento e ele mesmo se desenvolve. "No principio era 0 ver-bo." A essas palavras do Evangelho Goethe respondeu peloslabios de Fausto: "No principio era a ac;ao", procurando comisso desvalorizar a palavra. Mas, observa Humboldt, mesmo secom Goethe nao colocarmos demasiado alto a palavra como

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linguagem e uma consciencia pnltica que existe para outras pes-soas e, consequentemente, para mim", se a "maldil;ao da mate-ria, a maldil;ao das camadas m6veis do espirito paira sobre aconsciencia pura", entao e evidente que nao e urn simples pen-samento mas toda a consciencia em seu conjunto que esta vin-culada em seu desenvolvimento ao desenvolvimento da pala-vra. Pesquisas eficazes mostram, a cada passo, que a palavradesempenha 0 papel central na consciencia e nao funl;oes iso-ladas. Na consciencia a palavra e precisamente aquilo que, se-gundo expressao de Feuerbach, e absolutamente impossive! paraurn homem e possivel para dois. Ela e a expressao mais diretada natureza hist6rica da consciencia hurnana.

A consciencia se reflete na palavra como 0 sol em umagota de agua. A palavra esta para a consciencia como 0 peque-no mundo esta para 0 grande mundo, como a celula viva estapara 0 organismo, como 0 atomo para 0 cosmo. Ela e 0 peque-no mundo da consciencia. A palavra consciente e 0 microcosmoda consciencia humana. d ~ " Co"

~.

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16. Prefacio ao livro de Krassusski Os tipos constitucionais deKretschmer e dos alunos escolares.

17. Prefacio ao livro de Zveizfel Esbor;os da peculiaridade do com-portamento e da educar;iio da crianr;a surda-muda. Ed. Utchped-giz, 1931.

1. "0 metodo do questionario na investigac;ao psico16gica dos alu-nos". Revista A caminho de uma nova escola, 6-7, 1924.

2. "Os principios da educac;ao de crianc;as com deficiencia fisica".Rev. Nar6dnoie prosveshcenie (A educac;ao popular), 1, 1925.

3. "A prop6sito do livro do prof. Graborov A escola auxiliar". Na-r6dnoie prosveschenie, 1925.

4. "A crianc;a e 0 orfanato". Artigos programas-minimos para a ele-vac;ao da qualificac;ao dos colaboradores do Sotsvos, 1927.

5. "Resumos do congresso". Nar6dnoie prosveschenie, 1928.6. "Artigo bibliografico do prof. Bassov. Metodologia das observa-

c;oespsico16gicas com crianc;as". Nar6dnii utchitiel (0 mestre dopovo), 1, 1927.

7. "Pedologia da idade do pioneiro" (manuscrito), 1929.8. "0 comportamento dos animais e do homem" (manuscrito), 1930.9. "0 novo no campo das investigac;oes pedo16gicas". Rev. Dietski

dom (0 orfanato), 7,1930.10. "0 fundamento bio16gico do afeto". Rev. Khotchu vsi6 znat'

(Quero saber tudo), 15-16.II. "Uma lembranc;a celebre". Khotchu vsi6 znat, 1930.

1. "0 problema do desenvolvimento cultural da crianc;a". Rev. Peda-g6guika (Pedagogia), 1, 1928.

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496 A construfiio do pensamenJo e da linguagem

18. "Problemas do desenvolvimento da crian<yanos estudos de Ar-nold Gezell". Ensaio critico do livro de Gezell Pedologia da tenraidade. Utchpedgiz, 1932.

19. Prefacio ao livro de Gratchevaya A educar;:Qoe 0 ensino da crian-r;:asurda retardada. Utchpedgiz, 1932.

20. "0 problema da idade" (manuscrito), 1934.21. "A infiincia" (manuscrito), 1934.22. "The principles of social education of deaf and dumb children in

Russia". International Conference on the Education of Deaf,Londres, 1925.

23. "The problem of the cultural development of the child". Journalof the Genetic Psychology, 3, pp. 415-39, set. 1929.

24. "Die genetischen Wurzeln des Denkens und der Sprache". Unterdein Banner des Marxismus, 1, 1929.

25. "Les fonctions psychologiques superieures".26. "The Functions and the Fate on the egocentric speach". Proceed

of the IX International Conference of Psychology, New Haven,Conn., 1929.

27. "L. S. Vigotsky and A. R. Luria. Tool and Symbol in the deve-lopment of the child" (enviado a Handbook of Child-Psychology,1930).

28. "Thought in Schizophrenia". Archiv of Neurology and Psychia-try, v. 31, pp. 1063-77.