Vigilante Das Estrelas

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ISAAC ASIMOV VIGILANTE DAS ESTRELAS

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Ficção Científica

Transcript of Vigilante Das Estrelas

  • ISAAC

    ASIMOV

    VIGILANTE DAS ESTRELAS

  • 1. A espaonave condenada Quinze minutos para zero hora! A espaonave Atlas aguardava o momento de decolar. Suas linhas lustrosas e polidas reluziam na brilhante luz que a Terra refletia, enchendo o firmamento da noite lunar. A proa comprida apontava para cima, em direo ao espao vazio. O vcuo circundava-a e sob ela se via a superficie de textura vacuolar da Lua. O nmero de tripulantes era zero. No havia uma vivaalma a bordo. O Dr. Hector Conway, Conselheiro-Chefe de Cincias, perguntou: - Que horas so, Gus? Sentia-se mal acomodado nos escritrios do Conselho instalados na Lua. Na Terra, estaria localizado bem na ponta da agulha de pedra e ao a que davam o nome de Torre da Cincia. Poderia olhar pela janela na direo da Cidade Internacional. Aqui na Lua faziam o melhor que podiam. Os escritrios possuam janelas de imitao com paisagens terrestres inteligentemente planejadas, servindo de fundo cnico. Tinham cor natural e durante o dia as luzes brilhavam com maior intensidade ou se suavizavam, simulando a manh, o meio-dia e a tardinha. No decorrer dos perodos noturnos, chegavam mesmo a emitir uma luz azul, escura e fraca. Contudo, aquilo no era suficiente para um terrestre, como Conway. Sabia que depararia apenas com miniaturas pintadas, caso investisse contra os vidros das janelas; e, se fosse alm, veria ento somente mais uma sala ou, quem sabe, a rocha slida da Lua. O Dr. Augustus Henree, a quem Conway se dirigira, consultou o relgio de pulso. Entremeando as palavras com baforadas do seu cachimbo, disse: - Ainda restam quinze minutos. No vejo razes para preocupaes. O Atlas est em perfeitas condies. Eu o inspecionei pessoalmente, ontem. - Estou sabendo disto. Os cabelos de Conway eram totalmente grisalhos e ele parecia mais velho do que Henree, que possua um rosto magro e franzino, muito embora os dois fossem da mesma idade. Ele disse: - Quem me preocupa Lucky. - Lucky? Conway sorriu timidamente e acrescentou: - Receio que esteja me acostumando. Estou falando de David Starr. que hoje em dia praticamente todos o chamam de Lucky. No os tem ouvido? - Lucky Starr, hum? At que o nome lhe assenta bem. Mas, o que h com ele? Afinal de contas, tudo isto ideia dele. - Exatamente. o tipo de ideia prpria dele. Penso que em seguida tentar manobrar o consulado srio na Lua. - Gostaria que o fizesse. - No brinque. s vezes acho que voc o encoraja na sua ideia de que deve fazer tudo como tarefa a ser executada por um nico homem. por isso que me desloquei at a Lua. Vim para ficar de olho nele e no para vigiar a espaonave. - Hector, se foi para isto que veio at aqui, ento no est desempenhando sua misso. - Sim, mas acontece que no posso segui-lo a todo lugar, como uma galinha choca. Bigman est com ele. Disse ao sujeitinho que o esfolaria vivo se Lucky resolvesse invadir o consulado srio sem ajuda de ningum. Henree deu uma risada. Pois bem, eu lhe digo que bem capaz disto - resmungou Conway. - E, o que pior, conseguiria safar-se ileso desta faanha.

  • - Pois bem, e da? - Isto apenas o estimularia e ento, qualquer dia destes, arriscar-se-ia alm dos limites; e trata-se de um homem valioso demais para que o percamos. John Bigman atravessou o pavimento cheio de argila, carregando com extremo cuidado a caneca de cerveja. No estendiam os campos da pseudo-gravidade alm da prpria cidade, de modo que aqui no porto espacial a pessoa tinha que portar-se da melhor maneira possvel sob o campo gravitacional da Lua. Felizmente, John Bigman nascera e fora criado em Marte onde a gravidade, de qualquer forma, equivalia apenas a dois quintos da densidade normal, no sendo por conseguinte demasiado ruim. Neste exato momento ele pesava nove quilos. Em Marte pesaria vinte e dois quilos e meio, e na Terra, cinquenta e quatro quilos e meio. Aproximou-se da sentinela, que estivera observando-o com olhos divertidos. A sentinela vergava o uniforme da Guarda Nacional da Lua e estava habituada gravidade. John Bigman disse: - i, no fique parado.a, com este ar de melancolia. Trouxe uma cerveja para voc. Beba, que por minha conta. A sentinela mostrou-se surpresa e disse ento com pesar: - No posso. Voc sabe que no posso, quando estou de servio. - Muito bem. Acho que posso cuidar disso sozinho. Sou John Bigman Jones. Peo que me chame de Bigman. Ele mal chegava altura do queixo da sentinela, e esta no era de estatura particularmente elevada. Bigman estendeu a mo, como se a sentinela estivesse abaixando-se para apanhar a cerveja. Sou Bert Wilson. Voc de Marte? A sentinela olhou para as botas cor vermelho-escarlate de Bigman, que lhe chegavam at os quadris. A no ser um empregado de fazenda de Marte, ningum se daria ao capricho de us-las no espao. Bigman contemplou as botas orgulhosamente e observou: - Pode estar certo. Estou enfiado aqui dentro h cerca duma semana. Bendito espao! Que tremendo penhasco a Lua. Nenhum de vocs nunca chega a sair para a superfcie, em algum momento? - As vezes samos, quando temos necessidade. No h muito que ver l fora. - Certamente gostaria de poder ir. Detesto ficar engaiolado. - L atrs existe uma escotilha que d para a superfcie - disse Bigman. Bigman seguiu o rumo do polegar que havia sido apontado rapidamente para trs, por cima do ombro do sargento. O corredor (pobremente iluminado devido distncia a que se encontrava da Cidade Luna) estreitava-se at formar uma reentrncia na parede. - No tenho um traje espaCial - disse Bigman. - Mesmo que o tivesse, no poderia sair. Ningum est autorizado a sair, sem um passe especial, para permanecer por um determinado perodo de tempo. - Como assim? Wilson bocejou: - Temos uma nave l fora, que esto preparando para partir dentro de doze minutos - disse ele, olhando para o relgio. - Depois que tiver partido, talvez o calor desaparea. No sei o que se passou com ela. A sentinela se apoiou nas palmas dos ps e observou o resto da cerveja descer pela garganta de Bigman e disse: - Diga-me: voc conseguiu a cerveja no Bar Porturio do Patsy? Est lotado o bar?

  • - Vazio. Escute: vou lhe dizer uma coisa. Voc vai gastar uns quinze segundos para entrar l e tomar uma. No tenho nada a fazer. Fico aqui e cuido que nada acontea enquanto voc estiver ausente. Wilson olhou com saudade na direo do bar do porto e disse: - Acho melhor no ir. - Isto com voc. Aparentemente nenhum dos dois tomou conhecimento do vulto que passou flutuando por trs deles ao longo do corredor e penetrou no recesso onde a enorme porta da escotilha espacial obstrua a passagem para a superfcie. Wilson encaminhou-se alguns passos em direo ao Bar, como se estivesse arrastando o resto do seu corpo. Mas logo disse: - No. Acho melhor no ir. Dez minutos para zero hora. A idia fra de Lucky Starr. Ele estivera no escritrio da residncia de Conway no dia em que chegaram as notcias de que o T. S. S. Waltham Zachary havia sido saqueado pelos piratas, a carga desaparecido, os corpos congelados dos oficiais permanecido flutuando no espao e os homens, em sua maioria, feitos prisioneiros. A prpria espaonave oferecera lamentavelmente uma luta intil e ficara demasiado danificada para que o pirata se preocupasse em salv-la. Contudo, apoderaram-se de todas as coisas que podiam ser removidas, dos instrumentos e, naturalmente, at mesmo dos motores. Lucky disse: - O inimigo constitudo pelo cinturo de asterides. So uma centena de milhares de rochas. - Mais do que isto - corrigiu Conway e cuspiu o cigarro. - Mas, o que podemos fazer? Desde o dia em que o Imprio Terrestre se transformou num contnuo motivo de preocupaes, os asterides passaram a representar uma situao que no podemos controlar. Temos feito inmeras incurses at l para acabar com ninhos deles e toda vez deixamos um nmero suficiente capaz de alimentar novos problemas. H vinte e cinco anos, quando... O cientista de cabelos brancos calou-se abruptamente. H vinte e cinco anos, os pais de Lucky foram mortos no espao e ele prprio, um garotinho, fora lanado sua prPria sorte. Lucky no deixava transparecer nenhuma emoo em seus calmos olhos castanhos e disse: - O problema que nem sequer sabemos onde ficam situados todos os asterides. - Naturalmente que desconhecemos. Seriam necessrios uma centena de espaonaves e um sculo para obter as informaes sobre os asterides de tamanho considervel. E mesmo assim, at l, a atrao de Jpiter mudaria continuamente a rbita dos asterides, deslocando-os de um lugar para o outro. - Apesar disto poderamos tentar. Se envissemos uma aeronave, os piratas no considerariam esta nossa medida uma tarefa impossvel e temeriam as consequncias de um verdadeiro levantamento atravs de mapas. Se transpirasse alguma informao de que iniciramos a inspeo geral por meio de mapas, a espaonave poderia ser atacada. - E ento, o que aconteceria? - Imaginemos que enviamos uma nave automtica, completamente equipada, mas sem pessoal. - Seria algo muito dispendioso.

  • - Mas poderia valer a pena. Suponhamos que a equipemos com salva-vidas automaticamente planejados para deixar a espaonave quando os instrumentos registrassem o padro energtico de um motor hiperatmico que se aproximasse. O que acha que os piratas fariam? - Reduziriam os salva-vidas a metal flutuante, embarcariam na espaonave e a levariam para a sua base. - Ou a uma de suas bases. Sem dvida. E se vissem os salva-vidas tentando afastar-se, no ficariam surpresos se no encontrassem ningum a bordo. Afinal de contas, seria uma espaonave desarmada, destinada pesquisa. No de se esperar que a tripulao tente opor resistncia. - Muito bem. Aonde quer chegar? - Imagine, ainda, que a espaonave esteja regulada por meio de ondas de rdio destinadas a faz-la explodir, quando a temperatura atingir vinte graus absolutos, como certamente aconteceria, se fosse levada para o interior de um hangar para asterides. - Est propondo uma bomba camuflada, no ? - Sim, uma gigantesca. Reduziria um asteride a escombros. Poderia destruir dzias de aeronaves piratas. Alm do mais, os observatrios em Ceres, Vesta, Juno ou Palias poderiam detetar a exploso. Em seguida, se pudssemos localizar os piratas sobreviventes, conseguiramos, ento, obter informaes que seriam realmente muito teis. - Compreendo. Ento deram incio aos trabalhos no Atlas. A figura indistinta no recesso que conduz superfcie lunar trabalhou com rapidez e exatido. Os controles selados das cmaras de compresso cederam sob o raio fino como a ponta de uma agulha de um revlver-trmico. O disco metlico protetor abriu-se repentinamente. Por alguns instantes afluram dedos atarefados e revestidos de luvas pretas. Em seguida o disco foi recolocado e soldado com segurana no lugar por um raio mais amplo e menos quente da mesma arma. A porta da cmara de compresso escancarou-se. No soou o alarme que costumava ser acionado sempre que a porta era aberta, pois os circuitos introduzidos atrs do disco haviam sido desarranjados. O vulto entrou no compartimento e a porta fechou-se atrs dele. Antes de abrir a porta da superfcie que dava para o vcuo, o vulto desenrolou o plstico flexvel que carregava debaixo do brao e vestiu-se apressadamente. O material cobriu-o totalmente, aderindo ao seu corpo, interrompido somente por uma tira transparente de silicone altura dos olhos. Um pequeno cilindro de oxignio lquido foi adaptado a uma mangueira curta que ia at o capacete e ficava presa ao cinto. Tratava-se de um semitraje especial, desenhado para viagens rpidas atravs duma superfcie desprovida de ar sem garantia de que poderia ser usado em tempo que ultrapassasse meia hora. Sobressaltado, Bert Wilson girou rapidamente a cabea e perguntou: - Ouviu isto? Bigman encarou-o com o olhar de pasmo para a sentinela e respondeu: - No ouvi nada. - Sou capaz de jurar que era uma cmara de compresso que fechou. E no entanto, no soou nenhum alarme. - E devia soar? - Claro que sim. Voc precisa saber quando uma porta est sendo aberta. Quando existe ar, soa uma campainha; quando no existe ar, ento acende-se uma luz. Caso contrrio algum est sujeito a abrir a outra porta e deixar sair todo o ar duma espaonave ou de um corredor.

  • - Muito bem. Assim sendo, se no soou o alarme, no h motivo para preocupao. - No estou certo. com saltos rentes, cada um cobrindo uma distncia de seis metros, dados na escassa gravidade lunar, a sentinela percorreu o corredor e foi at o lugar em que ficava a cmara de compresso. No trajeto, deteve-se diante de um painel fixado parede e acionou trs bancos separados de Floresses, instalados no teto, inundando a rea com uma luz meridional. Bigman acompanhou a sentinela, dando saltos desajeitados, correndo o risco constante de perder o equilbrio e de fazer uma lenta aterrissagem de nariz. Wilson havia tirado seu detonador. Inspecionou a porta e logo virou-se para dar uma olhada de novo no corredor. - Tem certeza de que no ouviu nada? - No. No ouvi nada - confirmou Bigman. - Naturalmente, no estava prestando ateno. Cinco minutos para zero hora A rocha lunar produzia rudos estrepitosos enquanto o vulto com roupas espaciais se movia em cmara lenta na direo do Atlas, A espaonave refletia a luz terrestre, mas na superfcie sem ar da Lua a luz no penetrava nem um centmetro na sombra das cordilheiras que circundavam o porto. com trs longos saltos, o vulto atravessou o trecho iluminado e adentrou a sombra ttrica formada pela espaonave. Subiu a escada usando as mos, lanando-se numa flutuao vertical que o fazia galgar dez degraus de uma s vez at alcanar a cmara de compresso impermevel ao da espaonave. Parou um momento diante dos controles. A porta da cmara se escancarou e fechou-se em seguida. O Atlas tinha um passageiro. Um nico passageiro! A sentinela postou-se diante da cmara de compresso do corredor e estudou-lhe o aspecto, cheia de dvidas. Bigman continuava a conversar animado e disse: - Estive aqui faz quase uma semana. Devo seguir o meu amigo por toda parte e tomar todo cuidado para que ele no se meta em encrencas. Que acha disto para um demandista do espao como eu? No tive uma possibilidade de safar-me... A agoniada sentinela respondeu: - D uma folga, amigo. Veja, voc um sujeito e tanto, mas deixemos isto para outra ocasio. Durante alguns instantes olhou fixamente o selo de controle e comentou: - Esquisito. Bigman estava se tornando detestavelmente arrogante. Seu pequeno rosto enrubesceu. Agarrou a sentinela pelo brao e sacudiu-a de um lado para outro, quase que perdendo ele prprio o equilbrio ao faz-lo. - cara, a quem est chamando de moleque? - Escute, d o fora daqui. - Espere um instante. Vamos pr as coisas em ordem. No pense que vou ser insultado porque no sou to grande como o outro sujeito. Mos ao alto! Em frente, vamos! Se no quer que lhe arrebente o nariz. Ele se defendia com os braos e os punhos, em atitude de pugilismo, movimentando-se rapidamente de um lado Para o outro. Wilson olhou-o atnito: - O que deu em voc? Pare de bancar o idiota! Est com medo?

  • - No posso brigar em servio. Ademais, no tive a inteno de ofend-lo. Tenho um trabalho a executar e no disponho de tempo para perder com voc. Bigman baixou os punhos e disse: - Hei, veja, acho que a espaonave est decolando. Evidentemente no houve nenhum som, porquanto o som no se propaga atravs do vcuo, mas o cho debaixo dos seus ps vibrou levemente, reagindo s marteladas do exaustor de um foguete que impulsionava uma espaonave, afastando-a de um planeta. - isto mesmo. No h dvida. A testa de Wilson se enrugou e ele continuou: - Acho que de nada adianta fazer um relatrio. De qualquer forma, tarde demais. Esquecera-se por completo do selo do controle. Zero hora O cilindro de descarga revestido de cermica abriu-se sob o Atlas e os principais foguetes explodiram furiosamente dentro dele. A aeronave ergueu-se lenta e majestosamente, elevando-se pesadamente. Sua velocidade foi aumentando. Penetrou no cu escuro, diminuindo gradualmente de tamanho at que se transformou numa estrela entre muitas outras, e finalmente desapareceu. O Dr. Henree consultou o relgio pela quinta vez e disse: - Muito bem, j partiu. Deve ter decolado agora. - Ele indicou o mostrador com o cano do cachimbo. Conway sugeriu: - Vamos verificar com as autoridades porturias? Da a segundos, estavam observando na tela panormica o porto espacial que se achava vazio. O cilindro de descarga continuava aberto. Apesar do frio quase total reinante na face escura da Lua, o cilindro continuava fumegando. Conway meneou a cabea e comentou: - Era uma bela aeronave. - E ainda . - Penso nela no pretrito. Dentro de poucos dias no passar duma chuva de metal derretido. uma nave condenada. Oxal exista uma base pirata em algum lugar, a qual esteja tambm condenada. Henree concordou melancolicamente, com um aceno de cabea. Quando a porta foi aberta, ambos giraram a cabea. Era apenas Bigman. Ele esboou rapidamente um sorriso malicioso, arreganhando os dentes: - Ol, rapaz, como foi bom entrar na Cidade Luna. Cada passo que se dava se podia sentir o peso voltar. Bateu com os ps no cho e pulou duas ou trs vezes, continuando: - Veja, experimente fazer isto onde eu estive e ver que bater com a cabea no teto, ficando com a cara de bobo. Conway franziu o cenho e perguntou: - Onde est Lucky? - Sei onde est! - respondeu Bigman. - Sei do seu paradeiro a cada minuto. Pois bem, o Atlas acaba de decolar. - Sei disto - disse Conway. - Mas, onde est Lucky? - No Atlas, evidentemente. Onde acha que poderia estar?

  • 2. Os vermes do espao O Dr. Henree deixou cair o cachimbo, que pulou como bola no pavimento de lanolite. Ele no deu importncia ao fato. - O qu? Conway enrubesceu e seu rosto, totalmente avermelhado, contrastou profundamente com os cabelos cor de neve. - Trata-se duma brincadeira? - No. Ele embarcou cinco minutos antes da decolagem. Eu estava conversando com a sentinela, um sujeito chamado Wilson, e a impedi de interferir. Tive que chamar o sujeito para a briga e lhe teria aplicado aquela surra - e fez uma demonstrao de rpida sequncia de dois socos, desferindo fortes golpes no ar - se no se tivesse acovardado. - Voc o deixou? Por que no nos avisou? - Como poderia eu? Tenho que obedecer s ordens de Lucky. Ele disse que teria que embarcar no ltimo instante, sem qualquer aviso porque, do contrrio, voc e o Dr. Henree o impediriam. Conway suspirou profundamente, como num ronco. - Gus, ele embarcou. Por Deus do cu. Eu devia estar mais bem informado quando confiei naquele marciano de meia tigela. Bigman, seu estpido! Voc sabe muito bem que que aquela espaonave uma bomba camuflada. - Claro que sei, e Lucky tambm. Ele mandou dizer que no enviem naves atrs dele, seno tudo ir por gua abaixo, se arruinar. - E vo mandar, no acha?De qualquer forma dentro de uma hora haver homens ao encalo dele. Henree agarrou a manga do amigo e disse: - Talvez no, Hector. No sabemos o que ele tenciona fazer, mas podemos esperar que se safe so e salvo das dificuldades, sejam quais forem. No vamos interferir. Conway recuou, trmulo de raiva e ansiedade. - Ele mandou dizer que devemos entrar em contato com ele em Ceres - disse Bigman - e que tambm o senhor, Dr. Conway, deve controlar seu mau humor. - Voc, seu... - comeou Conway e Bigman saiu apressadamente da sala. A rbita de Marte ficou para trs e o Sol transformou-se num ponto contrado. Lucky Starr era apaixonado pela cincia do espao. Desde sua graduao e filiao ao Conselho de Cincias, o espao tornara-se seu lar, mais do que qualquer outra superfcie planetria. E o Atlas era uma aeronave confortvel. Havia sido aparelhada para receber uma tripulao completa, sendo omitido apenas o que poderia ser explicado como consumo antes de chegar aos asterides. O Atlas fora planejado em todos os sentidos para dar a impresso de que estava com a tripulao completa, at o aparecimento dos piratas. E assim Lucky comeu um bife sinttico, produzido com os fermentos dos canteiros de cultivo de Vnus, pastelaria marciana, e frangos sem ossos da Terra. vou engordar - pensou ele - e observou o cu. Estava suficientemente prximo para distinguir os asterides maiores. L estava Ceres, o maior de todos, com um dimetro de aproximadamente quinhentas milhas; Vesta encontrava-se do outro lado do Sol, mas Juno e Palias podiam ser vistos. Se usasse o telescpio da nave, descobriria mais alguns milhares, talvez dezenas de milhares. Eram em quantidade incalculvel.

  • Outrora se acreditou que entre Marte e Jpiter existiria um planeta, o qual em eras geolgicas anteriores explodira, transformando-se em fragmentos, mas na realidade no foi o que se deu. Quem fazia o papel de birbante era Jpiter. Sua gigantesca influncia gravitacional desintegrara o esPao numa extenso de centenas de milhes de milhas ao seu redor, nas eras em que o Sistema Solar estava sendo formado. A poeira csmica que se espalhou entre o prprio planeta e Marte nunca conseguiu aglutinar-se para formar um nico planeta, e isto devido constante ao gravitacional de Jpiter. Ao invs disso, agregou-se para formar mirades de pequenos mundos. L estavam os quatro maiores, cada um com um dimetro de cem milhas ou at mais. Havia outros mil e quinhentos com um dimetro de cento e dez milhas. Depois desses existiam milhares (ningum sabia exatamente quantos) que tinham um dimetro que variava de uma at dez milhas; e havia tambm dezenas de milhares com um dimetro menor que uma milha, sendo contudo to grandes ou maiores do que a Grande Pirmide. Havia tal abundncia deles que os astrnomos os denominavam Vermes do Espao. Os asterides espalhavam-se sobre toda a regio entre Marte e Jpiter, cada um girando em sua prpria rbita. Nenhum outro sistema planetrio conhecido do homem, em toda a Galxia, possua semelhante cinturo de asterides. Num certo sentido era bom, porque os asterides serviam de trampolins que permitiam alcanar os planetas mais importantes. Mas, por outro lado, era mau. Qualquer criminoso que conseguisse fugir para os asterides teria quase todas as possibilidades de ficar a salvo de ser capturado. Nenhuma fora policial conseguiria vasculhar uma por uma aquelas montanhas voadoras. Os asterides menores eram terra de ningum. Notadamente em Ceres, nos asterides maiores havia observatrios astronmicos bem equipados de pessoal. Em Palias existiam minas de berlio, enquanto Juno e Vesta serviam como importantes estaes de reabastecimento. Contudo, restavam ainda cinquenta mil asterides de porte considervel sobre os quais o Imprio Terrestre no exercia qualquer tipo de controle. Alguns deles eram bastante grandes que podiam ser utilizados como ancoradouros de frotas espaciais. Alguns eram demasiado pequenos para uma viagem de cruzeiro com espao adicional, talvez para um suprimento de seis meses de combustvel, alimentos e gua. E era impossvel fazer um levantamento cartogrfico deles. Mesmo em tempos idos, nas eras pr-atmicas, antes das viagens espaciais - quando eram conhecidos apenas uns mil e quinhentos, e ainda os maiores, o seu mapeamento se tornara invivel. Suas rbitas haviam sido cuidadosamente calculadas por meio da observao telescpica, mas, mesmo assim, os asterides eram dados constantemente como perdidos para serem, depois, redescobertos. Lucky interrompeu subitamente suas divagaes. O sensvel Ergmetro estava captando pulsaes das regies externas. Deu um passo e aproximou-se do painel de controle. Quer prximo por via direta, quer por meio da poeira relativamente minscula que era refletida dos planetas, a constante energia que transbordava do Sol fora eliminada no medidor. O que surgia agora eram as pulsaes intermitentes caractersticas de um motor hiperatmico. Lucky ligou a conexo do Ergmetro e o padro de energia se delineou numa srie de linhas. Seguiu o papel diagramado medida que o mesmo emergia e os msculos do seu queixo entesaram-se. Persistiu sempre a possibilidade de que o Atlas pudesse encontrar uma nave mercante comum ou uma espaonave de passageiros, no entanto o padro energtico no revelava indcio de nenhuma das duas possibilidades. A nave que se aproximava possua motores de esquema avanado e diferente de qualquer nave da frota terrestre.

  • Decorreram cinco minutos at que conseguisse uma extenso de medidas que lhe possibilitassem calcular a distncia e a direo da fonte de energia. Ajustou o foco de viso panormica para observao telescpica e o campo estelar apresentou-se salpicado de pontos brilhantes. com extremo cuidado, inspecionou as estrelas infinitamente distantes, infinitamente silenciosas e infinitamente estticas at que a seus olhos se revelou um rpido lampejo de movimento e as leituras do mostrador do ergmetro registraram zero mltiplo. No havia dvida de que se tratava de um pirata! Conseguiu distinguir o perfil da nave pela metade que brilhava luz do Sol e pelas luzes do porto que se projetavam na outra metade mergulhada em sombras. Era uma nave delgada e de linhas elegantes, aparentando ser muito veloz e de grande maleabilidade. Era, tambm, uma nave de aspecto diferente, pelo que parecia. - Deve ser um desenho da estrela Srio - opinou Lucky. Ele observou a nave ampliar-se cada vez mais na tela. Foi uma nave deste tipo que seus pais viram no ltimo dia de suas vidas. Ele tinha uma vaga lembrana de seu pai e de sua me, mas vira fotografias deles e ouvira estrias sem fim sobre Lawrence e Brbara Starr, contadas por Henree e Conway. O alto e imponente Gus Henree, o colrico e perseverante Hector Conway bem como o sagaz e risonho Larry Starr haviam sido inseparveis. Frequentaram a mesma escola, formaram-se ao mesmo tempo, entraram para o Conselho como uma s pessoa e desincumbiram-se de todas as tarefas como uma equipe. Posteriormente Lawrence Starr fora promovido e designado para uma viagem em misso especial a Vnus. Ele, a esposa e o filho de quatro anos de idade estavam a caminho de Vnus, quando a espaonave pirata atacou. Durante quatro anos Lucky ficou pensando desgostosamente nos acontecimentos que se desenrolaram naquela ltima hora, quando a espaonave ia desaparecendo: Inicialmente, o enfraquecimento dos principais foguetes propulsores na popa, enquanto os piratas e as vtimas estavam ainda separados. Em seguida, a exploso das cmaras de compresso e, finalmente, a abordagem; a tripulao e os passageiros lutando desesperadamente para vestir as roupas espaciais no momento em que as cmaras cederam; a tripulao armada e espera; os passageiros acotovelados nas salas interiores, sem muitas esperanas, mulheres chorando, crianas gritando. Seu pai no estava entre os que buscavam abrigo. Era um membro do Conselho. Armara-se e fora para a luta. Lucky tinha certeza disto. Ele guardava uma recordao, uma ligeira lembrana que se gravara em sua mente. No instante em que a porta da sala ruiu para dentro, levantando uma nuvem de fumaa negra, seu pai, um homem alto e forte, estava em p, com o detonador em posio de disparar e o rosto tomado de uma fria violenta, o que deve ter sido um dos poucos momentos que tal coisa aconteceu em sua vida. Sua me - com o rosto mido e esfumarado, enxergando, porm, claramente atravs da viseira do capacete do traje espacial - estava forcejando para faz-lo entrar num pequeno salva-vidas. - No chore, David, tudo dar certo. Em toda a sua vida, eram as nicas palavras de que tinha lembrana ter ouvido sua me pronunciar. Ouviu-se, em seguida, um estrondo, s suas costas, e ele foi pressionado contra uma parede. Encontraram-no no salva-vidas dois dias depois, quando seguiram os pedidos de socorro das ondas quase imperceptveis do seu rdio automtico. Logo aps estes acontecimentos, o governo desfechara uma campanha implacvel contra os piratas dos asterides e o Conselho hipotecara ao movimento at as ltimas reservas do seu prprio esforo. Os piratas concluram que atacar e matar elementos

  • proeminentes do Conselho constitua um mau negcio. medida que eram localizados, os redutos de asterides eram dizimados e reduzidos a poalha; e assim a ameaa dos piratas ficou restrita ao mnimo durante uns vinte anos. Contudo, Lucky se perguntava com frequncia se algum dia teriam conseguido localizar a nave corsria particular que transportara os homens que haviam assassinado seus progenitores. No havia meio de saber disto. Agora, a ameaa revivera de modo menos espetacular, porm muito mais perigosa. A pirataria j no era mais questo de golpes desfechados isoladamente, mas revestia aspectos de uma investida organizada contra o comrcio terrestre. E, mais do que isto. Em virtude da natureza das hostilidades em marcha, Lucky tinha absoluta certeza de que por trs de tudo havia uma mente, uma orientao nica estratgica que dirigia as atividades blicas. E era justamente esse mentor que teria que descobrir - pensou ele. Mais uma vez reparou no Ergmetro. Agora os registros energticos eram fortes. A outra nave encontrava-se exatamente dentro da distncia que o acordo de cortesia esPacial determinava que fossem trocadas mensagens de mutua identificao. No que diz respeito ao assunto, estava enquadrada perfeitamente e na distncia em que um corsrio poderia ter empreendido seu ataque hostil inicial. O piso estremeceu sob os ps de Lucky. No se tratava de um disparo da outra nave, mas do impacto produzido pela partida de um salva-vidas. Os impulsos de energia haviam ganho fora suficiente para ativar os seus controles automticos. Outro abalo. Mais um. Cinco ao todo. Ele estudou atentamente a nave que se aproximava. Os piratas frequentemente disparavam contra tais salva-vidas, em parte pelo prazer malvado de se divertirem e em parte para impedir que os fugitivos descrevessem a nave, supondo que j o tinham feito atravs do espao celeste. Desta feita, contudo, a nave ignorou por completo a presena dos salva-vidas. Aproximou-se a uma distncia de atracao. Seus arpus magnticos foram postos para fora, agarrando-se ao casco do Atlas, e subitamente as duas naves ficaram ligadas uma outra e os seus movimentos pelo espao foram coordenados. Lucky aguardou. Algum surgiu na porta. O capacete e as luvas haviam sido removidos, mas o resto do seu corpo ainda estava envolto na roupa espacial protegida por uma camada de gelo. Isto acontecia habitualmente com os trajes espaciais, quando algum, procedente do zero quase absoluto do espao, entrasse numa nave com temperatura interior morna e mida. O gelo estava comeando a derreter-se. S depois de ter dado dois passos completos no interior da sala de controle que o corsrio avistou Lucky. Parou, seu rosto ficou paralisado de assombro, mostrando uma expresso quase cmica de surpresa. Lucky teve tempo de notar os escassos cabelos pretos, o nariz comprido e a profunda cicatriz que comeava na narina e terminava nos dentes caninos, dividindo o lbio superior em duas partes desiguais. Lucky enfrentou e sustentou calmamente o olhar perscrutador e atnito do pirata. No temia ser reconhecido. Os membros do Conselho, quando em servio, sempre trabalhavam sem publicidade, cnscios de que um rosto demasiadamente conhecido diminuiria o seu desempenho. O rosto do prprio pai havia aparecido no espao celeste somente aps sua morte. com fugaz melancolia Lucky refletiu que uma melhor publicidade durante a vida talvez evitasse o ataque dos piratas. Mas compreendeu que aquilo era bobagem, pois a esta altura os piratas tinham avisado Lawrence Starr e o ataque j se tornara por demais encarniado para ser interrompido. Lucky falou:

  • - Tenho um detonador. S farei uso dele se tentar pegar o seu. No se mexa. O pirata que ficara boquiaberto fechou de novo a boca. Lucky continuou: - Se quiser chamar os outros, pode cham-los. O pirata fitou-o com os olhos arregalados, cheio de desconfiana. Em seguida, fitando atentamente o detonador de Lucky, berrou: - Maldito espao! Temos aqui um matador empunhando um revlver! Imediatamente explodiu uma gargalhada e uma voz gritou: - Silncio! - Fique de lado, Dingo - ordenou outro homem que entrou na sala. Despiram-lhe completamente o traje espacial e ele se transformou numa figura incngrua a bordo. O traje que vestia deve ter sido confeccionado na mais elegante alfaiataria da Cidade Luna e ficaria mais apropriado para um jantar de cerimnia na Terra. A camisa era de aspecto sedoso que s se conseguiria com o melhor material plstico. Possua uma iridescncia mais sutil que espalhafatosa. com exceo do cinto enfeitado, seus cales apertados nos tornozelos combinavam to bem com a roupa, que teriam dado a impresso de que se tratava de um traje nico. O punho da camisa casava bem com o cinto e a gola fota azul celeste. Seus cabelos castanhos e encaracolados pareciam receber constantes tratos. Era um pouco mais baixo que Lucky; mas, em vista do seu comportamento, o jovem membro do Conselho pde discernir que seria completamente errnea qualquer suposio de urbanidade que pudesse formar com base no traje Janota do homem. O recm-chegado falou com amabilidade: - Anton o meu nome. Quer baixar a arma, por favor? Lucky retrucou: - E ser morto por um disparo? - Eventualmente pode ser que venha a ser morto com um disparo, mas no agora. Primeiramente gostaria de interrog-lo. Lucky no se moveu. Anton disse: - Cumpro o que prometo. Um leve rubor assomou-lhe no rosto e continuou: - a minha nica virtude, como os homens entendem a virtude, mas eu me apego a ela. Lucky deps o detonador e Anton apanhou-o, entregando-o ao outro pirata. - Guarde-o, Dingo, e retire-se. Dirigiu-se a Lucky: - Os outros passageiros escaparam nos salva-vidas, no verdade? Lucky retrucou: - Trata-se duma evidente armadilha, Anton... - Capito Anton, por favor - corrigiu ele, sorrindo enquanto suas narinas tremiam. - Pois bem, quer dizer que uma armadilha. Capito Anton. Era evidente que sabia que nesta nave no havia nem passageiros nem tripulao alguma. Sabia disto muito antes de embarcar. - mesmo? Como chegou a esta concluso? - Porque se aproximou da nave sem nenhuma comunicao por sinal e sem nenhum disparo de advertncia. No desenvolveu uma velocidade especial. Ignorou os salva-vidas quando foram lanados. Seus homens entraram na nave sem nenhuma precauo como se no esperassem nenhuma resistncia. O homem que me viu logo de incio entrou nesta sala com o detonador completamente enfiado no coldre. A concluso bvia. - Muito bem. E o que est fazendo numa espaonave sem tripulantes nem passageiros?

  • Lucky retrucou rispidamente: - Vim v-lo, Capito Anton.

  • 3. Duelo de palavras No se notou nenhuma mudana de expresso no rosto de Anton: - E agora est me vendo. - Mas no em particular, Capito. Os lbios de Lucky afinaram-se, trancando-se com grande deliberao. Anton olhou rapidamente volta. Uma dzia de seus homens, em todos os estgios possveis da remoo dos trajes espaciais, havia lotado a sala, observando e prestando ateno com vivo interesse. Ele ruborizou levemente. Sua voz elevou-se: - Vo cuidar dos seus afazeres, sua ral! Quero um relatrio completo desta nave. Mantenham as armas prontas para ao. Pode haver mais homens a bordo; e se mais algum for apanhado desprevenido como Dingo, ser jogado fora pela cmara de compresso. Ouviu-se um rudo de arrastar de ps saindo da sala. Anton gritou repentinamente: - Rpido! Rpido! Fez um movimento ondulante com o brao e logo um detonador estava em sua mo: - vou contar at trs e atirar. Um... dois... Os homens desapareceram. Ele encarou novamente Lucky. Seus olhos luziam e a respirao entrava e saa rapidamente pelas plidas narinas contradas. - A disciplina uma grande coisa - murmurou. - Eles tm que me temer. Tm que me temer mais do que receiam ser capturados pela Frota Terrestre. Uma nave deve ser uma s mente e um s brao. Minha mente e meu brao. Sim.- ponderou Lucky - uma mente e um brao: mas de quem? A mente e o brao dele? Anton voltou a sorrir, com um sorriso travesso, amistoso e franco: - Agora, diga-me o que deseja. Lucky apontou rapidamente com o polegar para o detonador do outro, que continuava fora do coldre e pronto. Ele correspondeu ao sorriso e perguntou: - Pretende atirar? Caso afirmativo, acabe logo com isto. Anton enervou-se: - cus! Como voc calmo. Atirarei quando quiser. Gosto das coisas como esto. Como se chama? O detonador continuou firme, apontado para o alvo. - Chamo-me Williams, Capito. - Williams, voc um homem alto. Parece forte. Todavia, estou aqui sentado e com a simples presso do meu polegar voc um homem morto. Acho isto muito instrutivo. Dois homens e um detonador, eis todo o segredo do poder. J pensou no poder, Williams? - De vez em quando. - o nico significado da vida, no acha? - Talvez. - Vejo que est ansioso por tratar de negcios. Vamos comear. Por que est aqui? - Ouvi falar de piratas. - Williams, somos homens dos asterides. No exista outra denominao. - Serve tambm. Vim para associar-me aos homens dos asterides. - Lisonjeia-nos, mas fique sabendo que o meu polegar continua no contato do detonador. Por que quer associar-se a ns? - Porque na Terra a vida se encerrou, Capito. Um homem como eu poderia estabelecer-se como contador ou engenheiro. Poderia mesmo dirigir uma fbrica ou sentar-se

  • a uma escrivaninha e votar nas assembleias de acionistas. Mas isto no vem ao caso. Seja como for, sempre ser rotina. Conheceria minha vida do comeo ao fim. Mas no haveria nenhuma sensao de aventura, de expectativa. .- Williams, voc um filsofo. Prossiga. - Existem as colnias, mas no sinto nenhuma atrao pela vida de empregado de fazenda em marte ou de fabricante de bebidas em Vnus. O que realmente me atrai a vida nos asterides. Leva-se uma vida dura e cheia de perigos. Um homem tem possibilidades de galgar o poder, como voc. Conforme voc afirma, o poder d significado vida. - E por isso escondeu-se numa espaonave vazia? - No sabia que estava vazia. Precisava me ocultar em algum lugar. As passagens normais para os voos espaciais so caras e os passaportes para os asterides atualmente no esto sendo fornecidos. Eu estava inteirado de que esta nave fazia parte de uma expedio de levantamento cartogrfico. A notcia espalhou-se que estava programada para os asterides. Foi por isso que esperei at que declasse. Seria quando todos estariam ocupados, preparando-se para a decolagem, e as cmaras de compresso estariam ainda abertas. Mandei um amigo pr a sentinela fora de circulao. - Imaginei que faramos uma parada em Ceres. Seria decisivamente a Primeira Base para qualquer expedio com destino aos asterides. Uma vez ali, parecia-me que poderia escapar sem problemas. A tripulao seria composta de astrnomos e matemticos. Bastaria surrupiar-lhes os culos que ficariam cegos; apontar-lhes um detonador e morreriam de medo. Uma vez em Ceres, entraria em contato com os pir... sim, de qualquer forma com os homens dos asterides. Simples. - Somente que teve uma surpresa quando embarcou na aeronave, no ? - perguntou Anton. - Contar-lhe-ei como foi. No tendo ningum a bordo e antes mesmo que eu me convencesse de que no havia mesmo ningum nela, a nave decolou. - Como foi que aconteceu tudo isto, Williams? Como imagina que as coisas teriam acontecido? - No sei. Est acima de minha compreenso. - Pois bem, vamos ver se descobrimos. Juntos, voc e eu. Ele fez um gesto com o detonador e disse rispidamente: - Vamos! Encaminhando-se frente, o comandante pirata saiu da sala dos controles e entrou no longo corredor central da nave. Logo um grupo de homens apareceu na porta diante deles. Resmungavam comentrios entre si e calaram-se assim que perceberam a presena de Anton, que os fitava. - Venham c - chamou-os Anton. Eles aproximaram-se. Um deles limpou o bigode grisalho com as costas da mo e disse: - Capito, no h mais ningum a bordo da nave. - Muito bem. O que acha da nave? Eram quatro homens. O nmero aumentou, com mais homens que se juntavam ao grupo. A voz de Anton tornou-se irrascvel: - Algum de vocs sabe me dizer o que pensa da belonave? Dingo adiantou-se. Desfizera-se do traje espacial e Lcky podia v-lo tal qual um homem. No era uma viso totalmente agradvel. Tinha um corpo amplo e pesado, braos levemente curvados para dentro, que lhe pendiam frouxamente dos ombros salientes. Viam-se tufos de pelos pretos nas costas dos dedos e a cicatriz no lbio superior se repuxava constantemente. Seus olhos fitavam penetrantes Lucky.

  • - No gosto dela - disse Dingo. - No gosta da nave? - perguntou Anton estridentemente. Dingo vacilou. Endireitou os braos e aprumou os ombros: - uma porcaria. - Por qu? Por que fala assim? - Seria capaz de abri-la com um abridor de latas. Pergunte aos outros e veja se no concordam comigo. Este engradado montado com palitos de dentes. No continuaria em p por mais trs meses. Houve murmrios de concordncia. O homem de bigodes grisalhos falou: - Desculpe-me, Capito, mas os fios esto presos nos devidos lugares com fitas adesivas. uma espaonave feita aos trancos sem nenhum valor. O isolamento est praticamente todo queimado. .- Toda a soldagem foi feita s pressas - observou outro - e as emendas so to visveis como isto.- disse ele, erguendo o polegar grosso e imundo. - E quanto a consertos? - perguntou Anton. - Levariam uma eternidade - disse Dingo. - No vale a pena. De qualquer modo, no poderamos consert-la aqui. Teramos que lev-la a uma das rochas. Anton voltou-se para Lucky e explicou amavelmente: - Sabe, sempre nos referimos aos asterides como rochas, ouviu? Lucky acenou afirmativamente com a cabea. Anton prosseguiu: - Meus homens so aparentemente de opinio que no fariam questo de manobrar esta nave. Por que supe que o governo terrestre haveria de enviar uma nave vazia e, alm do mais, um engenho to mal construdo s para se pavonear? - A coisa est ficando cada vez mais confusa - disse Lucky. - Pois bem, vamos completar nossas investigaes. Anton caminhou na frente, seguido de perto por Lucky. Os homens seguiam a reboque, em silncio. A nuca de Lucky formigava. As costas de Anton estavam firmes e eretas, como se no esperassem uma agresso por parte de Lucky. Ele podia perfeitamente pensar no ser agredido, pois havia dez homens armados atrs de Lucky. De passagem deram uma olhada rpida nas salas pequenas, cada uma delas planejada para o mximo de economia de espao. Havia a sala do computador, a sala do pequeno observatrio, a sala em que ficava o pequeno laboratrio fotogrfico, a cozinha e o dormitrio. Passaram para o nvel inferior, atravs de um tubo curvo dentro do qual o campo de pseudo-gravidade era neutralizado, de modo que qualquer direo poderia ser tanto para cima como para baixo, vontade. Fizeram sinal a Lucky para que descesse em primeiro lugar e Anton o seguiu to de perto que Lucky mal teve tempo de esquivar-se rapidamente do caminho (suas pernas dobraram-se levemente devido ao sbito acrscimo de peso) antes que o comandante pirata lhe casse em cima. As duras e pesadas botas espaciais no lhe atingiram o rosto por questo de centmetros. Lucky recuperou o equilbrio e girou o corpo raivosamente, mas deu com Anton em p, ali, sorrindo alegremente, com o detonador apontado intencionalmente na direo do corao de Lucky. - Mil desculpas - disse ele. - Felizmente voc muito gil. - Sim.- resmungou Lucky. No nvel inferior da nave ficavam a sala das mquinas e a seo de fora, alm dos ancoradouros vazios onde haviam estado os salva-vidas. Havia, ainda, o depsito de combustvel, os reservatrios de gua e o armazm de alimentos, os renovadores de ar e as blindagens atmicas.

  • Anton murmurou: - Muito bem. O que pensa de tudo isto? No resta dvida que de segunda qualidade, mas no vejo nada fora do lugar. - difcil dizer com preciso - observou Lucky. - Mas voc deve ter vivido nesta nave durante dias. - Realmente. Mas no gastei meu tempo inspecionando-a. Apenas esperei que me levasse a algum lugar. - Compreendo. Todavia, voltemos para o nvel superior. Lucky foi o primeiro a enfiar-se novamente no tubo de passagem. Desta feita aterrou suavemente e deu um pulo de um metro e oitenta para o lado, fazendo-o com a graciosidade de um gato. Passaram-se segundos antes que Anton emergisse do tubo. - Est nervoso? - perguntou. Lucky corou. Os piratas foram surgindo um aps outro, Anton no esperou por todos, mas comeou a caminhar de novo pelo corredor. - Sabe.- disse ele - voc certamente haveria de pensar que examinamos detalhadamente a nave. Muitas pessoas diriam o mesmo. O que acha? - No.- disse Lucky calmamente. - Eu no diria o mesmo. Ainda no estivemos no banheiro. Anton franziu o sobrolho e por um instante a urbanidade desapareceu do seu rosto, substituda apenas por uma evidente expresso de raiva que se estampou nitidamente em seu semblante. Mas logo essa expresso se desfez. Ps em ordem uma mecha de cabelos em desalinho na cabea e em seguida contemplou as costas das mos, com interesse. - Muito bem, ento vamos dar uma olhada l dentro. Vrios homens assobiaram perplexos e os demais soltaram as mais diversas exclamaes quando a porta adequada emitiu um estalido, abrindo-se. - Muito agradvel - murmurou Anton. - Muito bonito. Eu diria luxuoso. E era-o mesmo! Quanto a isto no havia dvida. Havia boxes separados para banhos com chuveiro, sendo que trs deles dispunham de encanamento para gua com sabo espumoso (morna) e gua para a enxaguadura (quente e fria). Havia tambm meia dzia de pias de cromo branco, com recintos reservados para aplicao de xampu, secadores de cabelo e estimuladores de pele com jatos finos como a ponta de uma agulha. No faltava nada do que fosse necessrio. - Sem dvida, aqui no h nada de segunda qualidade - comentou Anton. - Parece uma exposio no espao sideral, hen, Williams? O que acha disto? - Estou simplesmente embasbacado. O sorriso de Anton desapareceu como o ponto luminoso de uma veloz espaonave que surgisse no firmamento, na tela de observao. - Mas eu no estou embasbacado. Dingo, venha c. O comandante pirata disse a Lucky: - Trata-se de um problema muito simples. Temos aqui uma nave, sem ningum a bordo, montada na maneira mais dispendiosa possvel, como se fosse feita s pressas, mas com um banheiro que a ltima palavra no assunto. Por qu? Penso que simplesmente com a finalidade de ter o maior nmero possvel de canos dentro do banheiro. E por que razo? Para que jamais suspeitssemos que um ou dois deles fossem imitaes... Dingo, que cano este? Dingo deu um pontap num dos canos. - No o chute, seu bastardo. Desmonte-o. Dingo agiu conforme lhe fora ordenado, usando levemente o foco de um revlver trmico.

  • Arrancou alguns fios. - O que isto, Williams? - interrogou Anton. - Fios - disse Lucky apressadamente. - Eu sei, seu imbecil - retrucou ele, enfurecendo-se subitamente. - E o que mais? vou lhe dizer o que mais. Estes fios esto ligados de forma a explodir cada miligrama de energia atmica a bordo da nave to logo a levemos para a nossa base. Lucky fingiu um sobressalto: - Como pode afirmar uma coisa destas? - Est surpreso? No sabia que a nave uma gigantesca bomba? No sabia que estava sujeita a transformar a ns e base em poeira incandescente? Ora, voc est aqui como isca para cuidar de todos Os detalhes no sentido de certificar-se de que estamos sendo devidamente ludibriados. Acontece, apenas, que no sou nenhum idiota! Os homens do capito aproximavam-se cada vez mais. Dingo passou a lngua pelos lbios. Anton puxou o detonador com um movimento rpido e nos seus olhos no havia nem piedade nem sonho de misericrdia! - Espere, pela Grande Galxia! No sei de nada a este respeito. No tem o direito de matar-me sem justa causa. Ele entesou-se para dar um pulo a fim de travar a derradeira luta antes de morrer. - No tenho nenhum direito? - perguntou Anton, com os olhos soltando chispas e baixando subitamente o detonador. - Como se atreve a dizer que no tenho nenhum direito? Eu tenho todos os direitos sobre esta nave. - No pode matar um homem til. Os homens do asteride precisam de homens teis. No desperdice um homem til a troco de nada. Entre alguns dos piratas se formou um sbito murmrio inesperado. Algum dentre eles, falou: - Ele corajoso, Capito, Talvez pudssemos us-lo... A voz morreu no momento em que Anton girou o corpo. Ele retomou a posio anterior: - Para voc, Williams, em que consiste um homem til? Responda pergunta e eu pensarei no assunto. - Saio bem numa luta com qualquer um dos presentes. com mos limpas ou com qualquer arma. - Ento? Ouviram isto, homens? - perguntou Anton, arreganhando os dentes num arremedo de sorriso. Houve um alarido afirmativo. - O desafio parte de voc, Williams. Qualquer arma. timo! Procure sair desta vivo que no ser morto a tiros. Ser, ento, considerado como membro de minha tripulao. - Tenho sua palavra, Capito? - Tem minha palavra, pois fique sabendo que nunca falto com a minha palavra empenhada. A tripulao est me ouvindo. Se sair deste desafio com vida. - com quem vou lutar? - perguntou Lucky a Anton. - Dingo, aqui. Um homem til. Qualquer um que consiga derrot-lo um homem til. Lucky avaliou o corpanzil todo cartilagens e nervos em p diante de si, cujos olhos luziam de ansiedade, e concordou carrancudamente com o capito. Mas disse, com firmeza: - Quais as armas? Ou ser uma luta mo limpa? - Armas! Tubos propulsores, para ser mais exato. Tubos propulsores no espao aberto. Por um instante Lucky sentiu dificuldade em manter a conveniente serenidade. Anton sorriu: - Receia que no seja um teste apropriado para voc? No tema. Dentro de toda a nossa

  • frota Dingo o melhor homem no manejo do tubo propulsor. O corao de Lucky mergulhou verticalmente no peito. Um duelo em tubos propulsores requeria a percia de um entendido. Era um fato sobejamente conhecido! Esse duelo travado como havia sido feito nos dias de colgio no passara de um esporte. Disputado por profissionais era um jogo mortal! E ele no era nenhum profissional!

  • 4. O verdadeiro duelo Os piratas acotovelaram-se no lado externo do Atlas z na sua prpria aeronave de desenho feito na estrela Srio. Alguns estavam em p, presos pelo campo magntico das botas. Outros preferiram libertar-se para observar melhor, garantindo os lugares por meio de um pequeno cabo magntico ligado ao casco da nave. Haviam sido instalados dois marcos revestidos de lminas metlicas. Guardavam entre si uma distncia aproximada de cinquenta milhas. No tendo mais do que noventa centmetros quadrados quando dobrados dentro da nave, ao serem abertos cobriam uma rea de trinta e tantos metros em qualquer sentido, em lminas finas de berlio-magnsio. Sem perder o brilho e intactos na grande vastido do espao, foram desenrolados e os reflexos ruxuleantes do Sol sobre a superfcie luzente emitiam raios visveis distncia de muitas milhas. - Voc conhece os regulamentos - soou forte a voz de Anton nos ouvidos de Lucky e, presumivelmente com igual intensidade, nos de Dingo. Lucky conseguia divisar o contorno do traje espacial do oponente como se fosse uma mancha iluminada pelo Sol a uma distncia de meia milha. Naquele momento o salva-vidas que os trouxera afastava-se rapidamente de volta espaonave pirata. - Voc conhece os regulamentos - tornou a voz de Anton. quele que for empurrado de volta para o seu prprio marco ser o perdedor. Se nenhum dos dois for impelido para trs, ser perdedor aquele cuja pistola propulsora se esgotar em primeiro lugar. No h limite de tempo. Nem impedimento. Dispem de cinco minutos para se aprontar. A pistola propulsora s pode ser usada quando for dada a ordem de incio. No h impedimento - pensou consigo Lucky. Estava diante da revelao do ardil. guisa de esporte legalizado, os duelos propulsores no podiam ser realizados a uma distncia de mais de cem milhas de um asteride que tivesse pelo menos cinquenta milhas de dimetro. Aquilo proporcionaria aos jogadores um impulso gravitacional decisivo, embora pequeno. No seria suficiente para afetar a mobilidade; mas, seria bastante para resgatar um disputante que se encontrasse a algumas milhas de distncia no espao, com uma pistola propulsora sem carga. Mesmo que no fosse resgatado pela nave de salvamento, teria simplesmente que permanecer quieto e em questo de horas ou, no mximo, de um ou dois dias, flutuaria de volta superfcie do asteride. Por outro lado, aqui no havia um asteride de tamanho considervel numa rea de centenas de milhares de milhas. Um impulso vigoroso continuaria indefinidamente. com toda probabilidade iria terminar no Sol, muito depois que o infeliz contendor tivesse morrido asfixiado, quando seu oxignio se esgotasse. Nestas condies, subentendia-se geralmente que, quando um ou outro dos contendores ultrapassasse certos limites preestabelecidos, seria feita a contagem at o seu retorno. Dizer sem impedimento equivalia a dizer at morte. A voz de Anton soou lmpida e aguda atravs das milhas de espao que o separavam do rdio-receptor instalado no capacete de Lucky. Ele disse: - Dois minutos para o incio. Ajustem os sinais corporais. Lucky ergueu a mo e fechou o painel em seu peito. A lmina de metal colorido, que havia sido colocada anteriormente em seu capacete, estava girando. Era um marco em miniatura. O vulto de Dingo, que pouco antes fora apenas um ponto obscuro, subitamente assumiu formas exuberantes de vida. Seu prprio sinal.- Lucky sabia - era um brilhante verdadeiro. E os marcos eram completamente brancos. Mesmo neste instante uma rao da mente de Lucky estava muito distante. Logo de inicio ele procurara levantar uma nica objeo, dizendo:

  • - Oua. Tudo est muito bem, no meu entender, mas, enquanto estamos aqui perdendo tempo, poderia muito bem aparecer uma patrulha terrestre... Anton clamou com menosprezo: - Esquea-se dela. Nenhuma nave patrulha teria o atrevimento de vir at este ponto dos asterides. Dispomos de uma centena de naves dentro do raio de alcance de chamamento e milhares de asterides para nos garantir, se tivssemos que fazer uma arrancada. Vista o traje. Uma centena de espaonaves! Um milhar de asterides! Se fosse verdade, os piratas ainda no teriam mostrado o seu verdadeiro poderio. O que estava acontecendo? - Resta um minuto! - soou a voz de Anton pelo espao. De fisionomia carrancuda, Lucky sacou das duas pistolas propulsoras. Eram objetos em forma de L, ligados a cilindros de gs (contendo gs carbnico lquido sob alta presso) por meio de tubos feitos de tecido malevel e engomado. Os cilindros haviam sido ajustados sua cintura. Em outros tempos os tubos de ligao eram feitos de metal entrelaado. No entanto, embora mais resistente, aquele metal era tambm mais macio e influa no movimento e na inrcia das pistolas propulsoras. Naquele tipo de duelo com pistolas propulsoras, constituam fatores essenciais a mira rpida e o disparo imediato. Desde quando o silcio fluorado fora inventado, passou a ser adotado universalmente o tubulamento com material mais leve, visto que o silcio permanecia uma goma flexvel na temperatura espacial, sem contudo tornar-se pegajoso sob a ao direta dos raios do Sol. - Disparem quando estiverem prontos! - gritou Anton. Uma das pistolas propulsoras de Dingo disparou por um momento. O gs carbnico lquido do seu cilindro espumou, transformando-se em gs violento e esguichou para fora do orifcio de agulha da pistola propulsora. O gs congelou, formando uma linha de cristais minsculos a uma distncia de quinze centmetros do seu ponto de emerso. Mesmo na frao de segundo permitida para a liberao, formara-se uma linha de cristais de milhas de comprimento. Enquanto esses cristais impeliam num sentido, Dingo era impulsionado em sentido contrrio. Eram uma espaonave e a propulso do seu foguete em miniatura. A linha de cristais apareceu como um relmpago por trs vezes e trs vezes foi sumindo distncia. Ele assomava no espao bem longe de Lucky e a cada disparo Dingo ganhava velocidade, aproximando-se de Lucky. O estado atual das coisas era ilusrio. A nica mudana visvel que se apresentava aos olhos era o alvo do traje espacial de Dingo que brilhava fracamente, mas Lucky percebia que a distncia que os separava diminua com uma velocidade impressionante. O que Lucky desconhecia era a estratgia apropriada a ser adotada; a defesa adequada. Ele aguardou o desdobramento da ofensiva do seu opositor. Dingo j era suficientemente grande para ser visto como um vulto humanide, dotado de cabea e quatro membros. Passava de lado, sem tomar nenhuma iniciativa no sentido de ajustar sua mira. Parecia satisfeito em passar a uma boa distncia, no lado esquerdo de Lucky. Lucky continuava na expectativa. Dentro do seu capacete diminura o coro confuso de gritos que estridulavam. Provinham esses gritos dos transmissores ligados aos expectadores. Embora se achassem bastante distanciados para assistir os contendores, podiam contudo seguir a passagem dos sinais corporais e o brilho rpido dos fluxos de gs carbnico. Esperavam algo - pensou Lucky. E algo aconteceu subitamente. No lado direito de Dingo surgiu um disparo de gs carbnico, seguido de um segundo, e sua linha de voo foi desviada para a direo em que se encontrava o jovem Conselheiro.

  • Lucky ergueu sua pistola propulsora, pronto para disparar para baixo, evitando a curta distncia. A estratgia mais segura - ponderou ele.- consistia em agir exatamente daquela maneira e deslocar-se de modo to lento e menor distncia possvel em sentido contrrio, a fim de poupar o gs carbnico. Mas, o voo de Dingo no prosseguiu na direo de Lucky. Disparou diretamente para a frente de si mesmo uma descarga prolongada e comeou a recuar. Lucky ficou observando-o e percebeu o fluxo luminoso um pouco tarde demais. A ltima descarga de gs carbnico disparada por Dingo projetou-se para a frente, no h dvida, mas no momento ele se deslocara para a esquerda, e a descarga o acompanhara. As duas aes simultneas fizeram com que a descarga se movesse em direo a Lucky, atingindo-o na mossa do seu ombro esquerdo. Lucky teve a impresso de haver sido atingido por uma forte martelada. Os cristais eram minsculos, porm se estendiam por uma rea de milhas e percorriam uma distncia de milhas por segundo. Todos atingiram seu traje espacial no espao de tempo que pareceu semelhar-se a uma frao de segundo de um pestanejo. O traje de Luky estremeceu e o alarido dos presentes reboou em seus ouvidos. - Acertou-o, Dingo! - Que descarga! - Direto para o marco. D uma olhada nele! - Foi lindo! Lindo! - Vejam como o valento entrou em parafuso. Entre o vozerio se notavam murmrios que pareciam, de certa forma, menos entusisticos. Lucky rodopiava ou, em outras palavras, a seus olhos parecia que o firmamento e as estrelas nele incrustadas giravam. De um lado a outro do visor do seu capacete as estrelas semelhavam torrentes brancas, como se fossem milhes de cristais de gs carbnico. No conseguia distinguir nada, salvo os numerosos pontos luminosos indistintos. Momentaneamente teve a impresso de que o golpe o privara da capacidade de raciocnio. Um golpe desferido no diafragma e outro nas costas fizeram-no rodopiar continuamente, ainda mais distante, na sua viagem pelo espao. Ele precisava fazer algo, seno Dingo faria dele uma bola de futebol, jogando-o de uma extremidade outra do Sistema Solar. A primeira iniciativa a tomar seria cessar de rodopiar e procurar orientar-se. Ele girava diagonalmente, com o ombro esquerdo sobre o quadril direito. Apontou a pistola propulsora na direo oposta quele movimento de rotao e com disparos rapidssimos bombeou torrentes de gs carbnico. As estrelas foram perdendo a velocidade giratria at que seu movimento se tornou uma marcha majestosa que as transformou em pontos claramente definidos. E o cu passou a ser o conhecido firmamento. Uma estrela bruxuleava com um brilho exagerado e Lucky a reconheceu como sendo o seu prprio marco. Em posio quase diametralmente oposta estava o vermelho vivo do sinal corporal de Dingo. Lucky no podia arremeter-se para trs, indo alm do marco, pois ento o duelo estaria terminado e ele teria perdido o desafio. Alm do marco e dentro de uma distncia de uma milha estava a regra padro para o fim do marco. Por outro lado, no podia permitir-se o luxo de aproximar-se ainda mais do seu opositor. Ergueu a pistola propulsora bem acima da cabea, apertou o contato e manteve-a naquela posio. Fez a contagem completa de um minuto, antes de soltar o contato, e urante todos os sessenta segundos sentiu a presso contra o topo do capacete, enquanto

  • acelerava para baixo. Foi uma manobra desesperada, pois naquele nico minuto consumiu meia hora do suprimento de gs. Furioso, Dingo berrava roucamente. - Voc, seu fujo covarde. Os gritos dos expectadores ganharam tambm um crescendo. - Vejam como foge. - Ele tem que passar por Dingo. Dingo, pegue-o! - i, Williams, ataque! Lucky avistou de novo o vermelho vivo da roupa do seu oponente. Tinha que se manter em movimento. Nada mais lhe restava fazer. Dingo era um perito, capaz de acertar num meteorito do tamanho de uma polegada quando passasse com a velocidade de um relmpago. Ele faria muito - pensou Lucky - se conseguisse acertar em Ceres a uma distncia de uma milha. Usou sua pistola propulsora alternadamente, apontando-a para a direita, para a esquerda; em seguida, rapidamente para a direita, para a esquerda e novamente para a direita. No fazia diferena. Era como se Dingo fosse capaz de adivinhar seus movimentos, interceptando-lhe os ngulos e avanando inexoravelmente. Lucky sentiu a transpirao formar bagas na testa e subitamente apercebeu-se do silncio. No conseguia lembrar-se com preciso do momento em que se formara, mas acontecera como o sbito romper de uma linha. Pouco antes imperavam os berros e as gargalhadas dos piratas e agora apenas o silncio mortal do espao, onde no se podia ouvir nunca som algum. Teria ele ultrapassado o raio de ao das espaonaves? Impossvel! Mesmo as mais simples, as ondas de rdio percorreriam milhares de milhas atravs do espao. Apertou ao mximo seu dial de sintonia no seu peito. - Capito Anton! Mas, quem respondeu foi a voz rouca e spera de Dingo: - No grite! Posso muito bem ouvi-lo. - Contagem de tempo! - disse Lucky. - H algo errado com o meu rdio. Dingo estava bastante perto de modo que podia ser distinguido novamente como uma figura humana. Um disparo flamejante de cristais aproximou-se ainda mais. Lucky afastou-se, mas o pirata o seguiu de perto. - No h nada de errado - disse Dingo. - Apenas um pequeno truque em seu rdio. Estive espera o tempo todo. H muito que poderia t-lo mandado alm do marco, mas fiquei esperando que o rdio passasse a funcionar. Trata-se apenas de um transistor que coloquei ocultamente em seu rdio, antes de voc vestir o traje espacial. Contudo, voc pode ainda conversar comigo. Ele alcanar ainda uma ou duas milhas. Ou, pelo menos, voc pode ainda falar comigo por algum tempo. Ele regozijou-se com a piada e soltou uma gargalhada estrepitosa. - No entendi - disse Lucky. A voz de Dingo se tornou spera e cruel: - Na nave, voc me apanhou de surpresa com o detonador ainda enfiado no coldre. L voc me enganou. Fez-me de bobo. Ningum me engana e no admito que algum me passe por idiota e muito menos diante do capito. Depois de me fazer uma destas o sujeito no vive por muito tempo. No tenho a inteno de mand-lo alm do marco para terminar com voc. vou dar cabo de voc aqui mesmo! Eu, pessoalmente! Dingo achava-se ainda mais prximo. Lucky quase conseguia divisar o rosto por trs do grosso visor de glassite. Lucky abandonou as tentativas de deslocar-se de um

  • lado para o outro ou de mover-se firmemente com vantagem sobre o contendor. Isso - ponderou ele - levaria aos poucos a um excesso de manobras. Pensou no voo reto, impulsionando-se a uma velocidade crescente enquanto seu gs durasse. Mas, e depois? Dar-se-ia por satisfeito em morrer enquanto fugia? Teria que revidar a agresso. Apontou a pistola propulsora na direo de Dingo e este no se achava na mesma posio quando a linha de cristais passou pelo lugar em que havia estado instantes antes. Tentou vrias vezes, mas Dingo era um verdadeiro diabrete em movimento. Lucky sentiu imediatamente o impacto violento de outro disparo da pistola propulsora e comeou a rodopiar novamente. Tentou desesperadamente sair do rodopio e, antes que lograsse seu intento, sentiu a fora ressonante do encontro de um corpo contra o seu. Dingo agarrou-se ao seu traje espacial num forte amplexo. Capacete contra capacete. Visor contra visor. Lucky observava com os olhos arregalados a cicatriz branca que dividia desigualmente o lbio superior de Dingo. Quando Dingo sorria, a cicatriz se abria tensamente. - Ol. camarada! - disse ele. - um prazer v-lo. Por um momento Dingo deu a impresso de se afastar, flutuando, enquanto ia afrouxando o amplexo. As coxas do corsrio pressionavam fortemente contra os joelhos de Lucky. A fora de gorila do oponente imobilizava-o. Os msculos vigorosos de Lucky contorciam-se de um lado para o outro, inutilmente. O recuo parcial de Dingo fora planejado com o simples objetivo de libertar os prprios braos. Um dos braos ergueu-se bem alto, segurando a pistola propulsora com a coronha para frente. Desceu diretamente sobre o visor do capacete de Lucky e a cabea deste foi projetada para trs com o impacto sbito e esmagador. O brao implacvel ergueu-se mais uma vez, enquanto o outro envolvia o pescoo de Lucky. - No mova a cabea.- vociferou o corsrio. - Estou terminando. Lucky compreendeu que aquelas palavras expressavam a verdade dos fatos, a menos que ele agisse rapidamente. O glassite era forte e resistente, mas suportaria por pouco tempo os golpes do metal. com as costas de sua luva bateu contra o capacete de Dingo, endireitando o brao e empurrando a cabea do pirata para trs. Dingo girou a cabea para o lado, desviando-a do brao de Lucky. Pela segunda vez baixou a coronha de sua arma. Lucky largou as duas pistolas propulsoras, deixando-as pender do tubo de conexo e, com preciso movimento, segurou depressa os tubos conectores das pistolas propulsoras de Dingo, envolvendo-os entre os dedos de suas luvas de ao. Os msculos de seus braos se moveram pesadamente e entesaram-se dolorosamente. As mandbulas comprimiram-se e ele sentiu o sangue subir-lhe s fontes. com a boca retorcida numa feroz e alegre prelibao da vitria, Dingo no via mais nada, seno o rosto transtornado da vtima por trs do visor do capacete - contorcida, no seu entender, em virtude do medo. Ele desferiu mais um golpe com a coronha da pistola propulsora. Do lugar atingido pela arma saltou uma pequena fasca, dando um estalido. Imediatamente algo mais aconteceu e o universo inteiro pareceu endoidecer. Primeiro um e, quase imediatamente aps, outro dos tubos conectores das duas pistolas propulsoras de Dingo partiram-se, esguichando uma torrente incontrolvel de gs carbnico de cada tubo quebrado. Os tubos contorceram-se como serpente endoidecidas e Lucky foi arremessado primeiro contra seu traje espacial e depois como reao violenta louca e incontrolada acelerao. Sacudido pela surpresa, Dingo soltou um berro e afrouxou seu amplexo.

  • Os dois quase se separaram, mas Lucky agarrou-se firmemente a um dos tornozelos do corsrio. O jorro de gs carbnico diminuiu e Lucky partiu para as pernas do adversrio, segurando-as alternadamente com ambas as mos. Agora aparentemente estavam imveis. s contorses imprevistas dos tubos devido torrente de gs carbnico deixara-as sem movimento perceptvel. As pistolas propulsoras de Dingo, agora inoperantes e flcidas, apontaram em sua derradeira posio. Tudo parecia imvel, to imvel como a prpria morte. No entanto, aquilo no passava de uma iluso. Lucky sabia que se deslocavam a milhas por segundo, independentemente da direo para onde o esguicho de gs os impelia. Ambos estavam sozinhos e perdidos no espao.

  • 5. O eremita do asteride Agora Lucky achava-se nas costas de Dingo e suas coxas se agarravam cintura do outro. Falou de maneira suave e incisiva: - Pode me ouvir, Dingo? No sei onde estamos nem para onde vamos, e tampouco voc sabe. Assim sendo, Dingo, neste momento precisamos um do outro. Est disposto a entrar num acordo? Voc pode descobrir onde estamos porque seu rdio pode alcanar a nave, mas no pode voltar sem gs carbnico. Tenho suficiente para os dois, mas preciso de voc para guiar-nos de volta. - V para os confins do espao, seu trapaceiro! - berrou Dingo. - Quando der cabo de voc, ficarei com seus tubos propulsores. - No sou de opinio que o far - disse Lucky friamente. - Voc pensa que os deixar soltos. Vamos, prossiga. Continue, seu trocista assassino. De que adiantar? O capito vir procurar-me onde eu estiver, enquanto voc ficar flutuando com um capacete rachado e o sangue congelado no rosto. - No bem isto, meu amigo. Voc sabe que h algo em suas costas. Talvez no possa sentir atravs do metal, mas posso assegurar-lhe que existe. - Uma pistola propulsora. E da? Enquanto estivermos juntos no significa coisa alguma. Mas seus braos pararam de fazer movimentos desesperados para alcanar Lucky. - No sou um duelista de pistolas propulsoras - falou Lucky animadamente. - No entanto, sei mais do que voc sobre pistolas propulsoras. Trocam-se disparos guardando-se uma distncia de milhas. No existe a resistncia do ar para diminuir e interceptar a fora do jorro de gs, mas existe a resistncia interna. No jato sempre ocorre alguma turbulncia. Os cristais se entrechocam e perdem velocidade. A linha de gs amplia-se. Se no acerta no alvo, acaba finalmente se espalhando no espao e em seguida desaparece; mas, se acertar, continua a escoicear como uma mula, depois de ter percorrido muitas milhas. - Pelo santo espao, de que est falando? Sobre que est discorrendo? O pirata contorceu-se com fora taurina e Lucky resmungou, forando-o a acalmar-se. Lucky respondeu: - Apenas isto: o que pensa que acontece quando o gs carbnico acerta o alvo a duas polegadas de distncia, antes que a turbulncia tenha interferido para reduzir sua velocidade ou ampliar o jorro? No tente adivinhar. Digo-lhe que atravessaria seu traje espacial como se fosse um maarico. E atravessaria igualmente seu corpo. - Doido! Est falando como um louco! Dingo soltou furiosas imprecaes, mas logo conservou o corpo rigidamente imvel. - Tente, ento - falou Lucky. - Mexa-se. Minha pistola propulsora est rente ao seu traje espacial e estou com o dedo no gatilho. Experimente. - Est fazendo jogo sujo comigo - queixou-se Dingo. - No uma vitria limpa. - Meu visor est com uma rachadura - disse Lucky. - Os homens sabero onde est o jogo sujo. Tem meio minuto para tomar uma deciso. Os segundos escoaram em silncio. Lucky percebeu o movimento de mo de Dingo. - Adeus, Dingo - disse ele. Dingo soltou um grito abafado: - Espere! Espere! Estou apenas ampliando o raio de alcance do meu rdio. Em seguida chamou: - Capito Anton, Capito Anton!...

  • Levaram hora e meia para retornar s espaonaves. O Atlas movia-se novamente pelo espao, a reboque do seu capturador pirata. Seus circuitos automticos haviam sido mudados para controles manuais onde se fez necessrio e uma tripulao selecionada de trs homens controlava sua fora. Como antes, sua lista de passageiros era composta de uma s pessoa - Lucky Starr. Lucky estava confinado numa cabina e s via a tripulao quando lhe levavam as raes. As mesmas raes do Atlas - pensou Lucky. Ou, pelo menos, as sobras dele. Os alimentos e equipamentos em sua maioria no considerados necessrios para as manobras imediatas da nave j tinham sido transferidos para a nave corsria. Todos os trs piratas levaram-lhe a primeira refeio. Eram todos magros, bronzeados pelos raios inclementes do sol do espao. Deram-lhe a bandeja, calados, inspecionaram cautelosamente a cabina, postaram-se de lado enquanto ele abria as latas de alimentos e deixava o contedo aquecer-se e em seguida se retiraram, levando os restos. - Sentem-se, homens - convidou-os Lucky. - No precisam ficar em p enquanto como. No responderam uma palavra sequer. Um deles, o mais magro e de carnes chupadas, possuidor de um nariz que em certa ocasio devia ter sido quebrado e agora estava entortado para um lado, com um pomo de Ado visivelmente saliente, olhou para os outros com ar de quem estava inclinado a aceitar o convite. No encontrou, porm, reao. A refeio seguinte foi levada por Nariz Quebrado, sozinho. Depositou a bandeja e voltou porta, abrindo-a. Olhou em ambas as direes do corredor, fechou de novo a porta e apresentou-se: - Sou Martim Maniu. Lucky sorriu: - Sou Bill Williams. Os outros dois no falam contigo, no ? - So amigos de Dingo. Mas eu no sou amigo dele. Voc pode ser um agente do governo, conforme acredita o capito, mas pode tambm no ser. No sei. Mas para mim, qualquer um que faa aquilo que fez com aquele valento, o Dingo, um bom sujeito. Ele um intrometido e maltrata a gente. Quando eu era novato me forou a uma competio com pistolas propulsoras. Ele me mandou para outro asteride. E sem nenhuma razo. Ele alegou que foi engano, mas, oua, ele no comete nenhum engano com a pistola propulsora. Meu caro, voc conseguiu muitos amigos, quando trouxe aquela hiena arrastada pelos fundilhos. - De qualquer forma folgo muito em saber e alegro-me. - Mas tome cuidado com ele. Ele nunca se esquecer disso. Nem que seja daqui a vinte anos, nunca fique sozinho com ele. Estou apenas avisando-o. No se trata simplesmente da derrota, ouviu? Ele costuma alardear a estria de que cortou mais de uma polegada de metal com o gs carbnico. Todo mundo faz troa disso e est farto de ouvir essa estria. Rapaz, eu quero dizer com nojo, porque a melhor coisa que jamais poderia ter acontecido. Espero que o Chefe o considere isento de suspeitas. - O Chefe? O Capito Anton? - No, o Chefe. O Manda-Chuva. Oua: a comida que voc tem a bordo boa. Especialmente a carne. E o pirata estalou os beios de tal forma que se podia ouvir, continuando: - A gente se cansa de toda esta papa de fermento, especialmente quando se est tomando conta de um tonel. Lucky estava acabando de limpar o resto de sua refeio e perguntou: - Quem esse sujeito?

  • - Quem? - O Chefo. Maniu encolheu os ombros, externando sua ignorncia. - Por este imenso cu, no sei. Voc no pensa que um sujeito como eu haveria de encontr-lo, um dia. Trata-se apenas de algum sobre o qual o pessoal tece comentrios. claro que o chefe de algum. .- A organizao um bocado complexa. - Rapaz, enquanto no entrar nela, voc a desconhecer. Veja, quando vim para c eu estava completamente arruinado. No sabia o que fazer. Ento pensei: pois bem, assaltarei algumas naves, pego o meu e tudo estar acabado. Voc compreende, seria melhor do que morrer de fome conforme estava acontecendo. - E no foi assim? - No. Nunca participei duma expedio de assalto. Quase nenhum de ns esteve. Apenas alguns, como Dingo, por exemplo. Ele sempre sai em misso. O bandido gosta disto. Na maioria das vezes samos e assaltamos algumas mulheres, s vezes. O pirata sorriu e continuou: - Tenho mulher e um filho. Voc nem acreditaria nisto. Certamente, temos um projeto prprio, os nossos prprios tonis. De vez em quando presto servio no espao, como agora, por exemplo. uma vida boa. Voc se daria muito bem se participasse dela. Um sujeito de boa aparncia como voc poderia arranjar uma esposa e em pouco tempo se acomodaria. Ou ento uma vida muito emocionante, se disto que gosta. - Sim, Sr. Bill. Espero que o Chefo o aceite. Lucky acompanhou-o at porta e perguntou: - A propsito: para onde estamos indo? Para uma das bases? - No. Estamos nos dirigindo para um dos asterides, creio eu. Para aquele que estiver mais prximo. Voc permanecer por l at que receba ordens. o que costumam fazer. E, fechando a porta, acrescentou: - E no diga aos rapazes ou a nenhuma pessoa que estive conversando com voc. Est certo, camarada? - Fique tranquilo. Achando-se novamente sozinho, Lucky voltou a roar o punho lenta e suavemente contra a palma da mo. O Chefe! Seria apenas conversa fiada! Boato? Ou tinha algum significado? E quanto ao resto da conversa? Tinha que aguardar. Galxia! Oxal Conway e Henree tivessem o bom senso de no interferir, por mais algum tempo. Lucky no teve oportunidade de observar a rocha, quando o Atlas se aproximou. S a viu depois que, precedido de Martin Maniu e seguido de um segundo pirata, passou pela cmara de compresso e entrou no espao, onde avistou a rocha a uns noventa metros abaixo. O asteride era bastante caracterstico. Lucky calculou que devia ter em mdia umas duas milhas de comprimento. Tinha forma angular e penhascosa, como se um gigante o tivesse arrancado do pico de uma montanha e lanado no espao. O lado que recebia a luz do Sol tinha um brilho cinza escuro. Girava de maneira visvel, fazendo com que as sombras mudassem continuamente de posio. Logo que saiu da cmara de compresso impulsionou-se na direo do asteride, flexionando os msculos das pernas contra o casco da nave. Os penhascos flutuaram lentamente em sua direo. No momento em que suas mos tocaram o cho, a inrcia do

  • seu corpo impeliu o restante de sua pessoa para baixo, forando-o a girar, desenvolvendo movimentos de extrema lentido, at que conseguiu agarrar-se a uma rocha saliente e parar. Ele levantou-se. Em torno da rocha havia a iluso como que de uma superfcie planetria. Contudo, os recortes de matria mais prximos no revelavam nada atrs de si, nada mesmo, a no ser o prprio vazio do espao. Movendo-se perceptivelmente medida que a rocha girava, as estrelas pareciam fascas de brilho intenso. Posta em rbita em torno do asteride, a nave permanecia imvel acima de sua cabea. Um pirata ia frente, a uma distncia de aproximadamente um metro e trinta centmetros, caminhando na direo de uma elevao rochosa que no se diferenciava de modo algum dos arredores. Venceu a distncia com dois longos passos. Enquanto aguardavam, uma seo da rocha deslizou para o lado, emergindo uma figura em trajes espaciais. - Sem dvida, Herm - disse um dos piratas com voz grosseira. - Aqui est ele. Agora est sob seus cuidados. A voz que em seguida soou aos ouvidos de Lucky era suave e tinha uma inflexo cansada. - Por quanto tempo ficar comigo, cavalheiro? - At que venhamos busc-lo. E no faa perguntas. Os piratas deram-lhe as costas e tomaram impulso para cima. A gravidade do asteride no podia fazer nada no sentido de det-los. Aos poucos foram desaparecendo e da a alguns minutos Lucky divisou um rpido brilho de cristais, no momento em que um deles corrigiu sua trajetria por meio de uma pistola-propulsora; era uma arma pequena, usada habitualmente para tais fins e que fazia parte do equipamento padro. Seu suprimento de gs consistia de um cartucho embutido na prpria arma, contendo gs carbnico. Passaram-se alguns minutos e logo os propulsores da nave brilharam numa cintilao rubra e esta, tambm, comeou a desaparecer. Era intil tentar verificar em que direo a nave estava partindo, sem conhecimento de sua prpria posio no espao - pensou Lucky. E ele desconhecia por completo sua posio no espao, salvo que se achava em algum ponto do cinturo de asterides. Tamanho era seu alheamento que quase deu um pulo quando ouviu a voz suave do outro homem que estava no asteride. Ele disse: - lindo aqui fora. Saio to raramente que s vezes me esqueo. Veja! Lucky virou-se para a esquerda. O pequeno Sol comeava a despontar por cima da borda penhascosa do asteride. Dentro de pouco se tornaria por demais brilhante para poder ser encarado. Era uma moeda enorme de ouro ; reluzente. O cu, anteriormente negro, continuava negro e as estrelas brilhavam com a mesma intensidade. Esta era a viso que se tinha de um mundo desprovido de ar, onde no existia poeira para difundir a luz solar e transformar o firmamento num azul profundo e difuso. O habitante do asteride disse: - Dentro de vinte e cinco minutos o sol estar desaparecendo novamente. s vezes, quando se encontra na sua distncia mais prxima do asteride, tambm Jpiter pode ser visto, dando a impresso de uma pequena bola de gude, com os seus quatro satlites faiscantes em formao militar. Mas isto s acontece cada trs anos e meio. Esta no sua poca. Lucky perguntou bruscamente: - Aqueles homens chamaram a voc de Herm. assim que voc se chama? Faz parte deles? - Pergunta se sou pirata? No. Mas admitirei que sou cmplice do crime. Por outro lado, no me chamo Herm. Trata-se apenas de um termo que usam para os eremitas,

  • de um modo geral. Meu nome, senhor, Joseph Patrick Hansen e espero que sejamos amigos, uma vez que iremos ser companheiros muito achegados por um perodo de tempo indefinido. Ele estendeu a mo protegida com uma luva metlica e Lucky apertou-a. - Eu sou Bill Williams - disse ele. - Voc afirma ser um eremita. Quer dizer, com isto, que vive aqui o tempo todo? - Exatamente. Lucky olhou em torno da pobre caverna de granito e slica e fez uma careta: - No me parece muito convidativa. - No entanto, farei todo o possvel para que nela se sinta confortavelmente e vontade. O eremita tocou uma seo de pedra plana ou rocha donde havia sado e um pedao da mesma girou, recuando mais uma vez. Lucky reparou que as bordas da pedra haviam sido chanfradas e revestidas de lstium ou algum material similar para garantir a vedao do ar. - No quer entrar, Sr. Williams? - convidou o eremita. Lucky entrou. A grossa rocha plana fechou-se atrs deles. Assim que se fechou, uma pequena lmpada fluorescente se acendeu e expulsou com sua luz a escurido. Iluminou uma pequena cmara de compresso, no maior do que o espao necessrio para dois homens. Uma pequena luz sinalizadora de cor vermelha se acendeu e apagou-se rapidamente e o eremita disse: - Agora pode abrir o visor do capacete. Temos ar. Ele prprio abriu o visor do capacete, enquanto falava. Lucky seguiu o exemplo, inflando os pulmes com o ar fresco e limpo. Nada mau. Indiscutivelmente, melhor do que o ar a bordo da nave. Contudo, foi no momento em que a porta interna da cmara de compresso se abriu que Lucky perdeu completamente o flego.

  • 6. O que o eremita sabia Nem sequer na Terra tivera Lucky a oportunidade de ver sala to luxuosa. Media sete metros e meio de comprimento e altura por cinco de largura e era contornada por um balco. As paredes estavam tomadas de alto a baixo por livros em filmes. Num pedestal estava instalado um projetor de parede, enquanto sobre outro havia sido montado um modelo da Galxia, dando a impresso de uma pedra preciosa. Logo que ps os ps dentro da sala, sentiu a ao de motores de pseudo-gravidade. No estava regulado para a gravidade normal da Terra. Pelo seu tato, parecia tratar-se duma gravidade entre o normal da Terra e de Marte. Havia uma deliciosa sensao de leveza e contudo suficiente atrao para permitir a coordenao dos msculos. O cenobita desfizera-se do traje e pendurara-o sobre uma tina branca de plstico dentro da qual o gelo - que formara uma camada espessa sobre o traje quando saram do lgido espao e entraram na sala de ar quente e mido - poderia pingar ao derreter-se. Era alto e de porte ereto, o rosto corado e sem rugas, mas o cabelo bastante grisalho bem como as espessas pestanas. As veias das costas das mos eram salientes. - Posso ajud-lo com seu traje? - perguntou ele com afabilidade. Lucky retornou vida e respondeu: - Est muito bem - disse ele, desfazendo-se do traje com desenvoltura. - Voc vive num lugar pouco comum. - Est gostando dele? - perguntou Hansen, sorrindo. - Demorou muitos anos para ficar como est. Tudo o que est vendo compe meu pequeno lar. Ele falava, inflado de um moderado orgulho. - Fao ideia - disse Lucky. - Deve haver uma casa de fora para a luz e a calefao como tambm para manter em funcionamento a pseudo-gravidade. Voc deve possuir um renovador de ar e substitutos, reservatrio de gua, dispensa para alimentos, e todas estas coisas necessrias. - Correto. - At que a vida de um eremita no ruim. Evidentemente o eremita se sentiu todo feliz e orgulhoso: - No necessariamente - disse ele. - Mas, sente-se, Williams, sente-se. Aceita um trago? - No, obrigado. Lucky abaixou-se e sentou-se numa cadeira de braos. O assento e o encosto aparentemente comum da cadeira dissimulavam um suave campo diamagntico. Cederam um pouco com seu peso e em seguida adquiriram um equilbrio que se ajustou a cada curva do seu corpo. - A menos que possa aprontar uma xcara de caf. - muito fcil! - disse o velho, entrando numa alcova. Em poucos segundos voltava ele com uma xcara fumegante e cheirosa para Lucky e mais outra para si. A um devido toque do dedo do p de Hansen, o brao da cadeira em que Lucky estava sentado se desdobrou e o eremita depositou uma xcara no recesso apropriado. Enquanto colocava a xcara, ficou parado, olhando fixamente para o jovem. - Sim?.- perguntou Lucky, erguendo os olhos. - Nada, nada - respondeu Hansen, meneando a cabea. Estavam sentados frente a frente. As luzes nos recantos mais afastados da grande sala esmaeceram at que ficou claramente visvel apenas a rea circunvizinha imediatamente mais prxima dos dois. - E agora, queira perdoar a curiosidade de um velho - disse o cenobita - mas gostaria de lhe perguntar por que razo veio para c.

  • - No vim. Fui trazido - respondeu Lucky. - Voc quer dizer que no um dos... - e Hansen calou-se. - No, no sou pirata. Pelo menos, at o presente momento. Hansen baixou sua xcara de caf e mostrou-se perturbado: - No compreendo. Talvez eu tenha dito coisas que no devesse ter dito. - No se aflija por isso. Dentro de muito pouco tempo serei um deles. Lucky terminou a xcara de caf e ento, escolhendo com muita cautela as palavras, comeou a narrar os seguintes acontecimentos, desde o momento em que embarcara no Atlas, na Lua, at aquele momento. Hansen ouviu-o com interesse e perguntou, finalmente: - E tem certeza de que o que deseja fazer, meu jovem, agora que acaba de ver um pouco do que aquela vida? - Tenho certeza. - E por qu? Pelo amor da Terra? - Exatamente. Pelo amor da Terra e por tudo o que ela fez por mim. No lugar para se viver. Por que voc veio para c? - Receio que seja uma longa estria. No precisa assustar-se, pois no vou cont-la. Faz muito, comprei este asteride como um recanto para passar curtas frias e passei a gostar dele. Iniciei a ampliao da sala, e pouco a pouco fui comprando moblia e livros-filmes da Terra. No fim de certo tempo descobri que aqui tinha tudo do que precisava. Por conseguinte, por que no permanecer aqui definitivamente? Foi a pergunta que formulei a mim mesmo. E realmente acabei ficando aqui em definitivo. - Est certo. E por que no? Voc inteligente. A Terra est uma confuso. Gente demais. Muitos empregos rotineiros. quase impossvel sair e ir para os planetas e, caso consiga, s obter trabalho manual. No h mais oportunidade para o homem, a menos que venha para os asterides. No sou to velho para estabelecer-me como voc. No entanto, para um jovem significa uma vida livre e emocionante. Existe a possibilidade de a gente se tornar chefe. - Os que j so chefes no gostam de jovens com ideias de conseguir a posio de chefes enfiada na cabea. Haja visto, por exemplo, Anton, a quem tenho observado. - Talvez, mas at o presente momento mantm a palavra - disse Lucky. - Disse que eu teria oportunidade de unir-me aos homens dos asterides, se eu vencesse Dingo. Parece que vou ter a oportunidade. - Parece que voc est aqui, isto sim. E se ele retornar com provas - ou aquilo que ele chama de prova - de que voc um agente do governo? - No far isto. - E, se o fizer? E s para livrar-se de voc? O rosto de Lucky anuviou-se e Hansen estudou-o novamente com curiosidade, franzindo levemente o cenho. - Ele no faria isto - disse Lucky. - Ele pode ter trabalho para um homem apto e sabe muito bem disto. Alm do mais, por que est me aconselhando? Voc mesmo est aqui fazendo o jogo deles. Hansen baixou os olhos: - verdade. No devia interferir na sua vida. Acontece que, por estar solitrio aqui h tanto tempo, tenho a tendncia de falar demais quando aparece alguma pessoa, simplesmente para ouvir o som das vozes. Pois bem, est quase na hora do jantar. Gostaria muito que comesse comigo em silncio, se preferir. Do contrrio, falaremos de qualquer assunto que escolher. - Bem, obrigado, Sr. Hansen. Nada de ressentimentos.

  • - timo. Lucky seguiu Hansen, que passou por uma porta e entrou numa despensa repleta de alimentos enlatados e concentrados de toda espcie. Nenhuma das marcas conhecidas de Lucky estavam ali representadas. Ao invs disso, o contedo de cada lata era descrito em gravaes vivamente coloridas, feitas por processo eletroquimico, que em si mesmo eram partes integrantes do metal. Hansen disse: - Eu costumava guardar carne fresca numa sala especial para congelamento. Num asteride se pode conservar o tempo todo uma temperatura baixa, mas j faz dois anos que consegui pela ltima vez aquele tipo de mantimentos. Ele escolheu e apanhou da prateleira meia dzia de latas e um recipiente de leite concentrado. Aceitando a sugesto de Lucky, pegou numa prateleira inferior um recipiente selado contendo quatro litros de gua. O eremita ps a mesa rapidamente. As latas eram do tipo de auto-aquecimento, que se abriam automaticamente, transformando-se em pratos com os talheres anexos. com algum ar de divertimento e apontando para as latas, disse Hansen: - L fora tenho um vale repleto at borda destas coisas. Bem entendido, j utilizadas. Um acmulo que provm de vinte anos. A comida era boa, mas esquisita. Compunha-se basicamente de material fermentado, um tipo que somente o Imprio Terrestre produzia. Em nenhum outro lugar da Galxia a densidade populacional era to forte, os bilhes de pessoas to numerosos, a tal ponto que houvesse necessidade de ser desenvolvida a cultura de fermento. Em Vnus, onde se cultivava a maioria dos produtos base de fermento, podia ser produzida quase qualquer variedade de imitao alimentar: bifes, amendoim, manteiga e doces. Por sua vez, eram to nutrientes como o produto natural. No entanto, para Lucky o sabor no parecia to venusiano. Percebia que o alimento tinha um travo algo picante. - Desculpe-me por ser to intrometido - disse ele mas tudo isto exige dinheiro, no ? - Oh, sim, mas felizmente ganho algum. Tenho alguns investimentos na Terra. Alguns so muito bons. Meus cheques so sempre descontados... ou pelo menos o eram, at uns dois anos atrs. - O que aconteceu ento? - As espaonaves abastecedoras pararam de vir. Era arriscado demais por cau