Vidas Secas - Graciliano Ramos

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Resumo

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CONTEXTUALIZAO HISTRICAOs abalos sofridos pelo povo brasileiro em torno dos acontecimentos de 1930, a crise econmica provocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a crise cafeeira, a Revoluo de 1930, o acelerado declnio do nordeste condicionaram um novo estilo ficcional, notadamente mais adulto, mais amadurecido, mais moderno que se marcaria pela rudeza, por uma linguagem mais brasileira, por um enfoque direto dos fatos, por uma retomada do naturalismo, principalmente no plano da narrativa documental, temos tambm o romance nordestino, liberdade temtica e rigor estilstico.Os romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem viso crtica das relaes sociais, regionalismo ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impe.[Snippet not found: '/Quad_FLEX_']Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrngulo, Alagoas. Estudou em Macei, mas no cursou nenhuma faculdade. Aps breve estada no Rio de Janeiro como revisor dos jornais "Correio da Manh e A Tarde", passou a fazer jornalismo e poltica elegendo-se prefeito em 1927.Foi preso em 1936 sob acusao de comunista e nesta fase escreveu "Memrias do Crcere", um srio depoimento sobre a realidade brasileira. Depois do crcere morou no Rio de Janeiro. Em 1945, integrou-se no Partido Comunista Brasileiro.Graciliano estreou em 1933 com "Caets", mas So Berdado, verdadeira obra prima da literatura brasileira. Depois vieram "Angustia" (1936) e Vidas Secas (1938) inspirando-se em Machado de Assis.[Snippet not found: '/Quad_MDL_']Podemos justificar isto com passagens do texto:"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.""A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas""Resolvera de supeto aproveit-lo (papagaio) como alimento...""Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraas e os seus pavores".ESTUDO DOS PERSONAGENSBaleia - cadela da famlia, tratado como gente, muito querido pelas crianas.Sinh Vitria - mulher de Fabiano, sofrida, me de 2 filhos, lutadora e inconformada com a misria em que vivem, trabalha muito na vida.Fabiano - nordestino pobre, ignorante que desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo.Filhos - crianas pobres sofridas e que no tem noo da prpria misria que vivem.Patro - contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto e explorava os empregados.Outros personagens: o soldado, seu Incio (dono do bar).ESTUDO DA LINGUAGEMTipo de discurso: indireto livreFoco narrativo: terceira pessoaAdjetivos, figuras de linguagem:Metfora: " - voc um bicho, Fabiano".Prosopopia: compara Baleia como genteANLISE DAS IDIASComentrio Crtico:Esse livro retrata fielmente a realidade brasileira no s da poca em que o livro foi escrito, mas como nos dias de hoje tais como injustia social, misria, fome, desigualdade, seca, o que nos remete a idia de que o homem se animalizou sob condies sub-humanas de sobrevivncia.RESUMO DA OBRAMudanaEm meio paisagem hostil do serto nordestino,quatro pessoas e uma cachorrinha se arrastam numa peregrinaosilenciosa _ _ . O menino mais velho, exausto da caminhada sem fim,deita-se no cho, incapaz de prosseguir, o que irrita Fabiano, seu pai,que lhe d estocadas com a faca no intuito de faz-lo levantar.Compadecido da situao do pequeno, o pai toma-o nos braos ecarrega-o, tornando a viagem ainda mais modorrenta _ .A cadela Baleia acompanha o grupo de humanos agorasem a companhia do outro animal da famlia, um papagaio, que forasacrificado na vspera a fim de aplacar a fome que se abatia sobreaquelas pessoas. Na verdade, era um papagaio estranho, que poucofalava, talvez porque convivesse com gente que tambm falava pouco _ _.Errando por caminhos incertos, Fabiano e famliaencontram uma fazenda completamente abandonada. Surge a inteno de sefixar por ali. Baleia aparece com um pre entre os dentes, causandogrande alegria aos seus donos. Haveria comida. Descendo ao bebedourodos animais, em meio lama, Fabiano consegue gua. H uma alegria emseu corao, novos ventos parecem soprar para a sua famlia. Pensa emSeu Toms da bolandeira. Pensa na mulher e nos filhos.A inesperada caa preparada, o que garante umrpido momento de felicidade ao grupo. No cu, j escuro, uma nuvem -sempre um sinal de esperana. Fabiano deseja estabelecer-se naquelafazenda. Ser o dono dela. A vida melhorar para todos _ .Fabiano Em vo Fabiano procura por uma raposa. Apesar dofracasso da empreitada, ele est satisfeito. Pensa na situao dafamlia, errante, passando fome, quando da chegada quela fazenda.Estavam bem agora _ _ . Fabiano se orgulha de vencer as dificuldadestal qual um bicho. Agora ele era um vaqueiro, apesar de no ter umlugar prprio para morar. A fazenda aparentemente abandonada tinha umdono, que logo aparecera e reclamara a posse do local. A soluo foificar por ali mesmo, servindo ao patro, tomando conta do local. Naverdade, era uma situao triste, tpica de quem no tem nada e viveerrante. Sentiu-se novamente um animal, agora com uma conotaonegativa. Pouco falava, admirava e tentava imitar a fala difcil daspessoas da cidade. Era um bicho _ .A uma pergunta de um dos filhos, Fabiano irrita-se.Para que perguntar as coisas? Conversaria com Sinha Vitria sobre isso.Essas coisas de pensamento no levavam a nada. Seu Toms da bolandeira,apesar de admirado por Fabiano pelas suas palavras difceis, noacabara como todo mundo? As palavras, as idias, seduziam e cansavamFabiano.Pensou na brutalidade do patro, a trat-lo como umtraste. Pensou em Sinha Vitria e seu desejo de possuir uma cama igual de Seu Toms da bolandeira. Eles no poderiam ter esse luxo,cambembes que eram. Sentiu-se confuso. Era um forte ou um fraco, umhomem ou um bicho _ ? Sentia, por vezes, mpeto de lutador e fraquezade derrotado.Lembrando dos meninos, novamente, achou que, quandoas coisas melhorassem, eles poderiam se dar ao luxo daquelas coisas depensar. Por ora, importante era sobreviver. Enquanto as coisas nomelhorassem, falaria com Sinha Vitria sobre a educao dos pequenos.CadeiaFabiano vai feira comprar mantimentos, querosene eum corte de chita vermelha. Injuriado com a qualidade do querosene ecom o preo da chita, resolve beber um pouco de pinga na bodega de seuIncio. Nisso, um soldado amarelo convida-o para um jogo de cartas. Osdois acabam perdendo, o que irrita o soldado, que provoca Fabianoquando esse est de partida. A idia do jogo havia sido desastrosa.Perdera dinheiro, no levaria para casa o prometido. Fabiano, agora,pensava em como enganar Sinha Vitria, mas a dificuldade de engendrarum plano o atormentava.O soldado, provocador, encara o vaqueiro e barra-lhea passagem. Pisa no p de Fabiano que, tentando contornar a situao sua maneira, agenta os insultos at o possvel, terminando por xingara me do soldado amarelo. Destacamento sua volta. Cadeia. Fabiano empurrado, humilhado publicamente.No xadrez, pensa por que havia acontecido tudoaquilo com ele. No fizera nada, se quisesse at bateria no mirradoamarelo, mas ficara quieto. Em meio a rudes indagaes, enfureceu-se,acalmou-se, protestou inocncia _ . Amolou-se com o bbado e com aquenga que estavam em outra cela. Pensou na famlia. Se no fosse SinhaVitria e as crianas, j teria feito uma besteira por ali mesmo.Quando deixaria que um soldadinho daqueles o humilhasse tanto?Arquitetou vinganas, gritou com os outros presos e, no meio de suaincompreenso com os fatos, sentiu a famlia como um peso a carregar _.Sinha VitriaNaquele dia, Sinha Vitria amanhecera brava. A noitemal dormida na cama de varas era o motivo de sua zanga. Falara pelamanh, mais uma vez, com Fabiano sobre a dificuldade de dormir naquelacama. Queria uma cama de lastro de couro, como a de Seu Toms dabolandeira, como a de pessoas normais.Havia um ano que discutia com o marido a necessidadede uma cama decente e, em meio a uma briga por causa das"extravagncias" de cada um, Sinha Vitria certa vez ouviu Fabianodizer-lhe que ela ficava ridcula naqueles sapatos de verniz,caminhando como um papagaio, trpega, manca. A comparao machucou-a _.Agora, ela irritava-se com o ronco de Fabiano aolembrar-se de suas palavras. Circulando pela casa, fazia suas tarefasem meio a reza e a ateno ao que acontecia l fora. Por pensar aindana cama e na comparao maldosa de Fabiano, quase esqueceu de pr guana comida. Veio-lhe a lembrana do bebedouro em que s havia lama. Medoda seca. Olhou de novo para seus ps e inevitavelmente achou Fabianomau _ . Pensou no papagaio e sentiu pena dele _ .L fora, os meninos brincavam em meio sujeira.Dentro de casa, Fabiano roncava forte, seguro, o que indicava a SinhaVitria que no deveria haver perigo algum por ali. A seca deveriaestar longe _ . As coisas, agora, pareciam mais estveis, apesar detoda a dificuldade. Lembrou-se de como haviam sofrido em suas andanas.S faltava uma cama. No fundo, at mesmo Fabiano queria uma cama nova.O Menino mais novo A imagem altiva do pai foi que lhe fez surgir aidia. Fabiano, armado como vaqueiro, domava a gua brava com o auxliode Sinha Vitria. O espetculo grosseiro excitava o menor dos garotos,impressionado com a faanha do pai e disposto a fazer algo que tambmimpressionasse o irmo mais velho e a cachorra Baleia _ . No diaseguinte, acordou disposto a imitar a faanha do pai. Para tanto, quiscomunicar a inteno ao mano, mas evitou, com medo de serridicularizado.Quando as cabras foram ao bebedouro, levadas pelomenino mais velho e por Baleia, o pequeno tomou o bode como alvo desua ao. Sentia-se altivo como Fabiano quando montava. No bebedouro, ogaroto despencou da ribanceira sobre o animal, que o repeliu.Insistente, tentou se aprumar mas foi sacudido impiedosamente,praticando um involuntrio salto mortal que o deixou, tonto, estateladoao cho. O irmo mais velho ria sem parar do ridculo espetculo,Baleia parecia desaprovar toda aquela loucura _ . Fatalmente seriarepreendido pelos pais. Retirou-se humilhado, alimentando a raivosacerteza de que seria grande, usaria roupas de vaqueiro, fumariacigarros e faria coisas que deixariam Baleia e o irmo admirados.O Menino mais velhoAquela palavra tinha chamado a sua ateno: inferno.Perguntou Sinha Vitria, vaga na resposta. Perguntou a Fabiano, que oignorou. Na volta Sinha Vitria, indagou se ela j tinha visto oinferno. Levou um cascudo e fugiu indignado. Baleia fez-lhe companhiatentando alegr-lo naquela hora difcil.Decidiu contar cachorrinha uma histria, mas o seuvocabulrio era muito restrito, quase igual ao do papagaio que morrerana viagem _ . S Baleia era sua amiga naquele momento. Por que tantazanga com uma palavra to bonita ? A culpa era de Sinha Terta, queusara aquela palavra na vspera, maravilhando o ouvido atento do garotomais velho.Olhou para o cu e sentiu-se melanclico. Comopoderiam existir estrelas? Pensou novamente no inferno. Deveria ser,sim, um lugar ruim e perigoso, cheio de jararacas e pessoas levandocascudos e pancadas com a bainha da faca _ . Sempre intrigado,abraou-se Baleia como refgio _ .InvernoTodos estavam reunidos em volta do fogo, procurandoaplacar o frio causado pelo vento e pela gua que agitava a paisagemfora da casa. Chegara o inverno, e isso reunia a famlia prxima fogueira. Pai e me conversavam daquele jeito de sempre, estranho, e osmeninos, deitados, ficavam ouvindo as histrias inventadas por Fabiano,de feitos que ele nunca tinha realizado, aventuras nunca vividas.Quando o mais velho levantou-se para buscar mais lenha, foi repreendidoseveramente pelo pai, aborrecido pela interrupo de sua narrativa.A chuva dava famlia a certeza de que a seca nochegaria por enquanto. Isso alegrava Fabiano. Sinha Vitria, porm,temia por uma inundao que os fizesse subir ao morro, novamenteerrantes. A gua, l fora, ampliava sua invaso.Fabiano empolgava-se mais ainda em contar suasfaanhas _ . A chuva tinha vindo em boa hora. Aps a humilhao nacidade, decidira que, com a chegada da seca, abandonaria a famlia epartiria para a vingana contra o soldado amarelo e demais autoridadesque lhe atravessassem o caminho. A chegada das guas interromperaaqueles planos sinistros. Em meio narrativa empolgada, Fabianoimaginava que as coisas melhorariam a partir dali; quem sabe, SinhaVitria at pudesse ter a cama to desejada.Para o filho mais novo, o escuro e as sombrasgeradas pela fogueira faziam da imagem do pai algo grotesco, exagerado.Para o mais velho, a alterao feita por Fabiano na histria quecontava era motivo de desconfiana. Algo no cheirava bem naqueleenredo _ . Sempre pensativo, o menino mais velho dormiu pensando nafalha do pai e nos sapos que estariam l fora, no frio.Baleia, incomodada com a arenga de Fabiano,procurava sossego naquela paisagem interior. Queria dormir em paz,ouvindo o barulho de fora _ .FestaA famlia foi festa de Natal na cidade. Todosvestidos com suas melhores roupas, num traje pouco comum s suasfiguras, o que lhes dava um ar ridculo. A caminhada longa tornava-seainda mais cansativa por causa daquelas roupas e sapatos apertados. Omal-estar era geral, at que Fabiano cansou-se da situao e tirou ossapatos, metendo as meias no bolso, livrando-se ainda do palet e dagravata que o sufocava. Os demais fizeram o mesmo. Voltaram ao seunatural. Baleia juntou-se ao grupo _ .Chegando cidade, foram todos lavar-se beira deum riacho antes de se integrarem festa. Sinha Vitria carregava umguarda-chuva. Fabiano marchava teso. Os meninos maravilham-se,assustados, com tantas luzes e gente. A igreja, com as imagens nosaltares, encantou-os mais ainda. O pai espremia-se no meio da multido,sentindo-se cercado de inimigos. Sentia-se mangado por aquelas pessoasque o viam em trajes estranhos sua bruta feio. Ningum na cidadeera bom. Lembrou-se da humilhao imposta pelo soldado amarelo quandoestivera pela ltima vez na cidade.A famlia saiu da igreja e foi ver o carrossel e asbarracas de jogos. Como Sinha Vitria negou-lhe uma aposta no boz,Fabiano afastou-se da famlia e foi beber pinga _ . Embriagando-se, foificando valente. Imaginava, com raiva, por onde andava o soldadoamarelo. Queria esgan-lo. No meio da multido, gritava, provocava uminimigo imaginrio _ . Queria bater em algum, poderia matar se fosse ocaso _ . Vez ou outra, interrompia suas imprecaes para uma confusareflexo. Cansado do seu prprio teatro, Fabiano deitou no cho, fezdas suas roupas um travesseiro e dormiu pesadamente.Sinha Vitria, aflita, tinha que olhar os meninos,no podia deixar o marido naquele estado. Tomando coragem para realizaro que mais queria naquele momento, discretamente esgueirou-se para umaesquina e ali mesmo urinou. Em seguida, para completar o momento desatisfao, pitou num cachimbo de barro pensando numa cama igual deseu Tomas da bolandeira .Os meninos tambm estavam aflitos. Baleia sumira naconfuso de pessoas, e o medo de que ela se perdesse e no maisvoltasse era grande. Para alvio dos pequenos, a cachorrinha surge derepente e acaba com a tenso. Restava, agora, aos pequenos, omaravilhamento com tudo de novo que viam. O menor perguntou ao maisvelho se tudo aquilo tinha sido feito por gente. A dvida do maior erase todas aquelas coisas teriam nome. Como os homens poderiam guardartantas palavras para nomear as coisas _ ?Distante de tudo, Fabiano roncava e sonhava com soldados amarelos.BaleiaPlos cados, feridas na boca e inchao nos beiosdebilitaram Baleia de tal modo que Fabiano achou que ela estivesse comraiva. Resolveu sacrific-la. Sinha Vitria recolheu os meninos,desconfiados, a fim de evitar-lhes a cena.Baleia era considerada como um membro da famlia,por isso os meninos protestaram, tentando sair ao terreiro para impedira trgica atitude do pai. Sinha Vitria lutava com os pequenos, porqueaquilo era necessrio, mas aos primeiros movimentos do marido para aexecuo, lamentou o fato de que ele no tivesse esperado mais paraconfirmar a doena da cachorrinha.Ao primeiro tiro, que pegou o traseiro da cachorra e inutilizou-lhe uma perna, as crianas comearam a chorar desesperadamente.Comeou, l fora, o jogo estratgico da caa e docaador. Baleia sentia o fim prximo, tentava esconder-se e at desejoumorder Fabiano. Um nevoeiro turvava a viso da cachorrinha, havia umcheiro bom de pres. Em meio agonia, tinha raiva de Fabiano, mastambm o via como o companheiro de muito tempo. A vigilncia s cabras,Fabiano, Sinha Vitria e as crianas surgiam Baleia em meio a umainundao de pres que invadiam a cozinha _ . Dores e arrepios. Sono. Amorte estava chegando para Baleia. ContasFabiano retirava para si parte do que rendiam oscabritos e os bezerros. Na hora de fazer o acerto de contas com opatro, sempre tinha a sensao de que havia sido enganado. Ao longo dotempo, com a produo escassa, no conseguia dinheiro e endividava-se.Naquele dia, mais uma vez Fabiano pedira a SinhaVitria para que ela fizesse as contas. O patro, novamente,mostrou-lhe outros nmeros. Os juros causavam a diferena, explicava ooutro. Fabiano reclamou, havia engano, sim senhor, e a foi o patroquem estrilou. Se ele desconfiava, que fosse procurar outro emprego.Submisso, Fabiano pediu desculpas e saiu arrasado, pensando mesmo queSinha Vitria era quem errara.Na rua, voltou-lhe a raiva. Lembrou-se do dia em quefora vender um porco na cidade e o fiscal da prefeitura exigira opagamento do imposto sobre a venda. Fabiano desconversou e disse queno iria mais vender o animal. Foi a uma outra rua negociar e, pego emflagrante, decidiu nunca mais criar porcos _ .Pensou na dificuldade de sua vida. Bom seria sepudesse largar aquela explorao. Mas no podia! Seu destino eratrabalhar para os outros, assim como fora com seu pai e seu av.As notas em sua mo impressionavam-no. "Juros",palavra difcil que os homens usavam quando queriam enganar os outros.Era sempre assim: bastavam palavras difceis para lograr os menosespertos. Contou e recontou o dinheiro com raiva de todas aquelaspessoas da cidade. Sinha Vitria que entendia seus pensamentos.Teve vontade de entrar na bodega de seu Incio etomar uma pinga. Lembrou-se da humilhao passada ali mesmo e decidiuir para casa. o cu, vrias estrelas. Deixou de lado a lembrana dosinimigos e pensou na famlia. Sentiu d da cachorra Baleia. Ela era ummembro da famlia.O Soldado AmareloProcurando uma gua fugida, Fabiano meteu-se por umavereda e teve o cabresto embaraado na vegetao local. Faco em punho,comeou a cortar as quips e palmatrias que impediam o prosseguimentoda busca. Nesse momento, depara-se com o soldado amarelo que ohumilhara um ano atrs _ . O cruzar de olhos e o reconhecimento duroufrao de segundos. O suficiente para que Fabiano esfolasse o inimigo.O soldado claramente tremia de medo. Tambm reconhecera o desafetoantigo e pressentia o perigo.Fabiano irritou-se com a cena. O outro era umnadica. Poderia mat-lo com as mos, sem armas, se quisesse. Afragilidade do outro aos poucos foi aplacando a raiva de Fabiano.Ponderou que ele mesmo poderia ter evitado a noite na cadeia se notivesse xingado a me do amarelo. No meio daquela paisagem isolada ehostil, s os dois, e se ele pedisse passagem ao soldado? Aproximou-sedo outro pensando que j tinha sido mais valente, mais ousado. Naverdade, na frao de segundo interminvel Fabiano ia descobrindo-seamedrontado. Se ele era um homem de bem, para que arruinar a sua vidamatando uma autoridade? Guardaria foras para inimigo maior.Sentindo o inimigo acovardado, o soldado ganhoufora. Avanou firme e perguntou o caminho. Fabiano tirou o chapu numareverncia e ainda ensinou o caminho ao amarelo.O Mundo Coberto de PenasA invaso daquele bando de aves denunciava a chegadada seca. Roubavam a gua do gado, matariam bois e cabras. Sinha Vitriainquietou-se. Fabiano quis ignorar, mas no pde; a mulher tinha razo.Caminhou at o bebedouro, onde as aves confirmavam o anncio da seca.Eram muitas. Um tiro de espingarda eliminou cinco, seis delas, mas erammuitas. Fabiano tinha certeza, agora, de uma nova peregrinao, umanova fuga.Era s desgraa atrs de desgraa. Sempre fugido,sempre pequeno. Fabiano no se conformava, pensava com raiva no soldadoamarelo, achava-se um covarde, um fraco. Irado, matou mais e mais aves.Serviriam de comida, mas at quando ? Quem sabe a seca nochegasse...Era sempre uma esperana. Mas o cu escuro de arribaes sconfirmava a triste situao _ . Elas cobriam o mundo de penas, matandoo gado, tocando a ele e famlia dali, quem sabe comendo-os.Recolheu os cadveres das aves e sentiu uma confusode imagens em sua cabea. Aquele lugar no era bom de se viver.Lembrou-se de Baleia, tentou se convencer de que no fizera errado emmat-la, pensou de novo na famlia e no que as arribaesrepresentavam. Sim, era necessrio ir embora daquele lugar maldito _ .Sinha Vitria era inteligente, saberia entender a urgncia dos fatos.FugaO cu muito azul, as ltimas arribaes e os animaisem estado de misria indicavam a Fabiano que a permanncia naquelafazenda estava esgotada. Chegou um ponto em que, dos animais, s sobrouum bezerro, que foi morto para servir de comida na viagem que se fariano dia seguinte.Partiram de madrugada, abandonando tudo comoencontraram. O caminho era o do sul. O grupo era o mesmo que erravacomo das outras vezes. Fabiano, no fundo, no queria partir, mas ascircunstncias convenciam-no da necessidade.A vermelhido do cu, o azul que viria depoisassustavam Fabiano _ . Baleia era uma imagem constante em seus confusospensamentos. Sinha Vitria tambm fraquejava. Queria, precisava falar _. Aproximou-se do marido e disse coisas desconexas, que foramrespondidas no mesmo nvel de atrapalhao.Na verdade, elegostou que ela tivesse puxado conversa. Ela tentou animar o marido,quem sabe a vida fosse melhor, longe dali, com uma nova ocupao paraele. Marido e mulher elogiam-se mutuamente; ele forte, agentacaminhar lguas, ela, tem pernas grossas e ndegas volumosas, agentatambm. A cidade, talvez, fosse melhor. At uma cama poderiam arranjar.Por que haveriam de viver sempre como bichos fugidos _ ?Os meninos, longe, despertavam especulaes aocasal. O que seriam quando crescessem? Sinha Vitria no queria quefossem vaqueiros. O cansao ia chegando medida que avanava acaminhada, e assim houve uma parada para descanso. Novamente marido emulher conversavam, fazendo planos, temendo o mau agouro das aves quevoavam no cu.Sinha Vitria acordou os pequenos, que dormiam, eseguiu-se viagem. Fabiano ainda admirou a vitalidade da mulher. Eraforte mesmo! Assim, a cada passo arrastado do grupo um mundo de novasperspectivas ia sendo criado. Sinha Vitria falava e estimulavaFabiano. Sim, deveria haveria uma nova terra, cheia de oportunidades,distante do serto a formar homens brutos e fortes como eles.