Vidas Secas-estudo de obra

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    melhor. Ao fim do captulo, temos Fabiano ciente de sua condio de homem vencido e, pior ainda, semiluses com relao vida de seus filhos.

    Captulo 4 - Sinh Vitria

    Se as aspiraes do marido resumem-se em saber usar as palavras adequadas a uma situao, a deVitria uma cama de couro. Tambm essa cama ser motivo diversas vezes repetido no decorrer da

    obra, como veremos adiante. Alm de ser a personagem que melhor articula palavras e expresses,conseqncia de ser talvez a que mais tem tempo para pensar, uma vez que Fabiano trabalha o dia todoe noite dorme, sem ter coragem para devaneios ou para falsear sua dura realidade, ela caracterizadacomo esperta e descobre que o patro rouba nas contas do marido (no captulo Contas).

    Captulo 5 - O Menino Mais Novo

    Tambm ele possui um ideal na vida: o de se identificar ao pai. No incio do captulo: "Naquele momentoFabiano lhe causava grande admirao."

    Adiante: "Evidentemente ele no era Fabiano. Mas se fosse? Precisava mostrar que podia ser Fabiano."

    Em seguida: "E precisava crescer ficar to grande como Fabiano, matar cabras mo de pilo, trazeruma faca de ponta na cintura. Ia crescer espichar-se numa cama de varas, fumar cigarros de palha,

    calar sapatos de couro cru."

    Efinalmente: "Ao regressar, apear-se-ia num pulo e andaria no ptio assim, torto, de perneiras, gibo,guarda-peito e chapu de couro com barbicocho. O menino mais velho e Baleia ficariam admirados."

    Captulo 6 - O Menino Mais Velho

    "Tinha um vocabulrio quase to minguado coma o da papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se,pois, de exclamaes e de gestos, e Baleia respondia com o rabo, com a lngua, com movimentos fceisde entender Todos o abandonavam, a cadelinha era o nico vivente que lhe mostrava simpatia."O nveldas aspiraes dos componentes da famlia decresce cada vez mais. O ideal do menino mais velho ode ter um amigo. A amizade de Baleia j lhe servia: "O menino continuava a abra-la. E Baleia encolhia-separa no mago-lo, sofria a carcia excessiva."

    Captulo 7 - Inverno

    Temos a descrio de uma noite chuvosa e os temores e devaneios que desperta na famlia de Fabiano.A chuva inundava tudo, quase inundava a casa deles tambm, mas eles sabiam que dentro em pouco aseca tomaria conta de suas vidas outra vez.

    Captulo 8 - Festa

    Apresenta primeiramente os preparativos da famlia, em casa, para ir festa de Natal na cidade e, emseguida, dirigindo-se festa. , seno o mais, um dos mais melanclicos captulos do livro quando aspersonagens centrais da histria, em contato com outras pessoas, sentem-se mais humilhadas,mesquinhas e ate mesmo ridculas. Percebem a distncia em que se encontram dos demais seres e isso novo motivo de humilhao para eles. Resta a sinh Vitria a soluo do devaneio: "Sinha Vitriaenxergava, atravs das barracas, a cama de seu Toms da bolandeira. unia cama de verdade."

    Para Fabiano, no h esperanas: "Fabiano roncava de papo para cima... Sonhava agoniado... Fabianose agitava. soprando. Muitos soldados amarelos tinham aparecido, pisavam-lhe os ps com enormesretinas e ameaavam-no com faces terrveis."

    Captulo 9 - Baleia

    Conta a morte da cachorra. Cara-lhe o plo, estava pele e ossos, o corpo enchera-se de chagas. Fabianoresolve mat-la para aliviar os sofrimentos dela. Os f ilhos percebem a situao, magoados e feridos porperderem um irmo: "Ela era como uma pessoa da famlia: brincavam juntos os trs, para bem dizer nose diferenciavam..."

    J ferida, com os demais membros da famlia chorando e rezando por ela, Baleia espera a mortesonhando com outro tipo de vida: "Baleia queria dormir Acordaria feliz, num mundo cheio de pres. Elamberia as mos de Fabiano. um Fabiano enorme. As crianas se esposariam com ela, rolariam com ela

    num ptio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de pres gordos, enormes."

    Percebe-se, alis, que dos seis componentes da famlia, Baleia quem, ao lado de Vitria, com maior

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    clareza, consegue elaborar seus devaneios.

    Captulo 10 - Contas

    outro captulo melanclico. Se em Cadeia Fabiano conscientiza-se de que h no mundo homens que,por possurem uma posio social diferente da dele, podem machuc-lo, se em Festa os familiarespercebem sua situao inferior e desajeitada e sentem-se ridculos, agora chegam concluso de que

    pessoas com dinheiro tambm podem aproveitar-se deles. So duas as reaes de Fabiano ao notar-seroubado pelo patro: primeiro revolta, depois descrena e resignao. Vale a pena ressaltar nessecaptulo que sinh Vitria quem percebe que as contas do patro esto erradas. Ela caracterizadacomo a mais arguta e perspicaz dos seis viventes da famlia.

    Captulo 11 - O Soldado Amarelo

    Temos uma descrio mais profunda desta personagem. Observa-se que, fisicamente, menos forte queFabiano; moralmente uma pessoa corrupta, enquanto Fabiano honesto; contudo por ele respeitadoe temido, por ocupar olugar de representante do governo.

    Captulo 12 - O Mundo Coberto de Penas

    A seca est para chegar outra vez, prenunciando mais misria e sofrimento. Fabiano faz um resumo de

    todas as desgraas que tm marcado sua vida. H muito no sonha mais. Seus problemas agora solivrar-se de certo sentimento de culpa por ter matado Baleia e fugir de novo.

    Captulo 13 - Fuga

    Continua a anlise de Fabiano a respeito de sua vida. A esposa junta-se a ele e refletem juntos pelaprimeira vez. Vitria mais otimista e consegue transmitir-lhe um pouco de paz e esperana por algumtempo. E numa mistura de sonhos, descrenas e frustraes termina o livro. Graciliano Ramos transmiteuma viso amarga da vida dos retirantes

    Comentrios

    Vidas Secas comea por uma fuga e acaba com outra. No incio da leitura tem-se a impresso de queFabiano e sua famlia fogem da seca: "Entrava dia e saa dia. As noites cobriam a terra de chofre. Atampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhides do poente. Miudinhos, perdidosno deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram-se as suas desgraas e os seus pavores."

    O ltimo captulo, Fuga, descreve cena semelhante: "A vida na fazenda se tornara difcil. Sinh Vitriabenzia-se tremendo, manejava o rosrio, mexia os beios franzidos rezando rezas desesperadas.Encolhido no banto do copiar Fabiano espiava a caatinga amarela, onde as folhas secas se pulverizavam,torturadas pelos redemoinhos, e os garranchos se torciam, negros, torrados. No cu azul as ltimasarribaes tinham desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, devorados pelo carrapato. EFabiano resistia, pedindo a Deus um milagre. Mas quando a fazenda se despovoou. viu que tudo estavaperdido, combinou a viagem com a mulher; matou o bezerro morrinhento que possuam, salgou a carne,largou-se com a famlia, sem se despedir do amo. No poderia nunca liquidar aquela dvida exagerada.S lhe restava jogar-se ao inundo, como negro fugido.

    O romance decorre entre duas situaes idnticas, de tal modo que a fim, encontrando o principio, fechaa ao num circulo. Entre a seca e as guas, a vida do sertanejo se organiza, do bero sepultura, a

    modo de retorno perptuo.

    Mas ser apenas a seca o motivo dessa fuga? Percebemos no romance a descrio de dois mundos: omundo de Fabiano e o mundo composto pela sociedade. Do primeiro, fazem parte Fabiano, sinh Vitria,o menino mais velho, o menino mais novo, Baleia e o papagaio. Do segundo, seu Toms da bolandeira, opatro de Fabiano e o soldado amarelo. Tanto as personagens do primeiro grupo como as do segundovivem na mesma regio, sofrendo todas a mesma seca. Por que no foge dela o patro de Fabiano?Porque ele possui as terras e o dinheiro, porque ele emprega os trabalhadores segundo suas prpriasleis, fazendo deles meros escravos sem qualquer direito a uma vida digna e independente.

    Caracterizado como dono e opressor, o patro no tem necessidade de fugir da seca. De seu Tomstambm Fabiano sente-se distante. Porque seu Toms era culto, sabia comunicar-se com preciso, aopasso que ele, Fabiano, s sabia grunhir e mal articulava uma ou outra palavra.

    Se o dinheiro do patro representa um fator de humilhao para Fabiano, a linguagem de seu Tomssignifica a cultura e a educao que Fabiano jamais poder possuir. E ele se humilha mais uma vez.

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    Seu Toms simboliza ainda um status econmico de segurana e conforto. De fato, sinh Vitriamanifesta sempre o desejo de possuir uma cama igual a dele, e esse sonho a mais alta aspirao quepossui. Osoldado amarelo, por sua vez, simboliza o governo. Metido num fuzu sem motivo, Fabianoacaba preso. Temos agora um Fabiano no apenas humilhado, mas vencido, consciente de sua situaoanimalizada dentro de uma sociedade em que os mais fortes sempre vencem os mais fracos. E poresse mesmo motivo que, no captulo O Soldado Amarelo, ficando as duas personagens, lado a lado, semmais ningum por perto e Fabiano, podendo revidar a injustia anteriormente sofrida, resolve deix-lo em

    paz.

    Fabiano entrev na organizao do Estado a entidade que humilha; o representante dessa entidade, svezes, e at frgil, mas a estrutura condiciona o humilhado incapacidade de reagir.

    Entre os dois mundos que acabamos de descrever no h um sistema de trocas, seno um mecanismode opresso e bloqueio. O que parece ser importante para Graciliano Ramos denunciar a desigualdadeentre os homens, a opresso social, a injustia. So esses os temas de Vidas Secas, por isso foi dito noincio desta anlise que o livro no deve ser considerado apenas regionalista. Em momento algum oesmagamento de Fabiano e de sua famlia explicado apenas pela seca ou por qualquer fator geogrfico.

    J foi feita uma referncia anteriormente sobre a conscincia de Fabiano quanto sua condioanimalizada na sociedade a que pertence. Affonso Romano de SantAna faz uma aproximao deFabiano Baleia, e de sinh Vitria ao papagaio. Segundo ele, o pensamento de Fabiano, no captulo

    que recebe seu nome, passa por trs etapas:"Primeiramente, ele se considera positivamente dizendo: Fabiano, voc um homem. Depois seestuda com menos otimismo, e considerando mais realisticamente sua situao se corrige Voc umbicho, Fabiano - Ou seja: um individuo que no sendo exatamente um homem, pelo menos sabia se.safar dos problemas. No entanto. poucas frases adiante, nova alterao se d em suas consideraes. Ede homem que se aceitara apenas como um bicho esperto, ele se coloca como um animal: o corpo dovaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braos moviam-se desengonados. Parecia ummacaco. Entristeceu.

    Decaindo do ponto mais elevado da escala, passando a individuo apenas esperto e depois a umsemelhante do animal, Fabiano termina por se aproximar de Baleia, a quem, em contraposio, em seudilogo-a-um ele considera: Voc bicho, Baleia , Nesta frase estaria integrado o sentido duplo dotermo bicho . aplicado a Baleia: animal / esperteza, positivo / negativo. Uma anlise mais interessadanestes levantamentos poderia perfilar dentro do livro todos os processos sistemticos de zoomorfizaodos animais, destacando principalmente os verbos e adjetivos conferidos a um e outro elemento numamesma simbiose metafrica.

    A identificao entre sinh Vitria e o papagaio acentua-se sobretudo no captulo Sinha Vitria, quandoela tenta perceber o sentido da comparao que seu marido fizera do seu modo de caminhar com o dopapagaio: "Ressentido, Fabiano condenara os sapatos de verniz que ela usara nas festas, caros e inteis.Calada naquilo, trpega, mexia-se como papagaio, era ridcula."

    A partir dai a imagem dos ps de Vitria vai se fundindo imagem do papagaio, at que estilisticamente asuperposio se destaca em frases como essas: Olhou os ps novamente. Pobre do louro. A o adjetivopobre j no se refere exclusivamente ao papagaio que foi morto para matar a fome da famlia, masdescreve a prpria sinh Vitria to infeliz como aquele pobre louro . No resto do captulo, o autor usade um processo de recorrncia da imagem da ave, agora ampliando-lhe a rea semntica, referindo-se galinha, especialmente a galinha pedrs", devorada pela raposa.